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Dades Inteenacionas de Catlogacao na Publicagio (CIP) (Camara Brosleien do Livro, SP, Bess) Hugo, Vitor, 1802-1885, Do grotescoe clo sublime / Vitor Hugo teadusa0 do precio de Cromwell; taducio © notes de Célla Resetini, ~ So Paula = Penpectva, 2007. = (Eles | 5) 2 impr. da 2 ed de 2002 ISBN 978-85-2750255-1 1 Lesatra francesa - Hsia © cen 2, Romantsmo (Literatura) 3. Teato- Histela fe ertie . Tiao. H Séee onsen cpp si09 fodices para cilogo sitemstico tera francesa Historia e een 640.9 2ediedo ~2 reimpressio Dirctos reservilos em lingus portugues Av rigndeio Ls Ant6nio, 3025 (1401-000 Sto Pauio SP resid Telefe: (11) 3885-8388 wo editoraperspectiva com br 2007 SUMARIO. IntRODUGAO, 7 Cronwett — PREFACIO, 13 INTRODUGAO Em quinze dias, voce receberi Cromwell. Nao me crever 0 Preféicio e algumas notas, Farei > To curto quanto possivel; menos linhas, menos srecimentos", E 0 que es revia Victor Hugo, no dia + de setembro de 1827, a Victor Pavie, Mas no dia 4 de mbro, aparccia publicado por Ambroise Dupont, Paris, num volume, o drama precedido de um vastis smo preficio que, segundo Théophile Gautier, iradiava 328 olhos dos jovens romanticos “como as tabuas da lei 55 monte Sinai’, © fértil, exuberante Hugo nao podia -sixar de derramar sua riqueza verbal a0 desenvolver a Soria sobre a modernidade do drama Este Preféicio — que melhor setia chamar Posfiicio, ¢ € escrito com maitiscula obra de sef ia quando se trata da estética romantica, provocou nadas manifestagdes, quer nos meios roméinticos, hos meios clissicos, obrigando os dramarurgos da ? época a meditarem sobre sua propria arte, sobre suas propria técnicas. F, conseqiientemente, ni © teatro continuar a ser o que era, inclusive para os adeptos do classicismo. Os principios de mistura dos mais podia géneros, de rejcigio das regras, de recusa da imitagio dos modelos, de liberdade na arte, estimularam e esti mulariam, no futuro, a imaginaca0 de dramaturgos, abrindo novos caminhos aos jovens talentos. ‘Considerages gerais sobre a arte.” E assim que Hugo presenta seu Prefdcio, que & também, no seu es- pitito, um verdadeiso manifesto: seu ¢ do romantismo, Comega por uma ai relagio com a da hist6ria, dlise da evolugio da literatura em ara chegar a uma anilise da sensibilidade moderna. Da mesma forma que o género humano conhece wés idades sucessivas: a infancia, a idade adulia e a velhice, a sociedade passou, diz ele, por tus grandes fases que viram 0 desabrochar da poesia, sob suas tr@s formas essenciais: — 08 tempos primitives, com o lit — 0s tempos antigos, com a epopéia, — 05 tempos moderns, com o drama, ‘Assim (... a poesia tem tés idadles, das quais cada ‘uma época da sociedade: a ode, 2 ‘uma correspor epopéia, 0 drama, De carater arbitrisio, indiscutivelmnte, foi ¢: sho da histéria da humanidade muitas vezes eriticada € atacada, Antes de Hugo, Chateaubriand, em Génio do Gristianismo (1802), notava que os primeiros livros da Biblia se prendem a epopéia ll, V: A Biblia e Homero) Se Hugo afirma que “0s tempos antigos sio épicos", no hha quem nao Ihe aponte os clissicas gregos, liricos — s Pindaro € Anacreonte -, ¢ trigicos ~ Esquilo, Séfocles e Euripedes, Se Hugo afirma que "os tempos modernos si0 dramaticos”, nao ha quem deixe de protestar, Eo mesmo acontece quando trata do grofesco como “nove tipo” no dominio da arte, uma vez que j4 est presente na Mfada © Odisséia, além de nos dramas satiicos. (E bem verdade {que Hugo reconhece “o grotesco antigo", mas este ~ diz ele ~€ “timido ¢ procura esconcler-se”,) Sua longa andlise do grotesco, considerado sob seus varios aspectos e em seu papel estético, foi, no entanto, admiradla por muitos, Mas, bastante vulnerivel é toda a parte histérica do Preficio, bem como suas apreciasbes criticas que dizem respeito a Corneille ¢ Racine. O que lhe interessa, porém, cesmagara estética classica, o que alids confessa, quando diz que teve, “de inicio, antes a intencio de desfazer do que de fazer poéticas" Hugo luta por uma poesia nova, opondo-se ao que considera como forma esclerosada do passado: o classi- cismo e suas velhas formas teatrais. Sua critica atinge a sagédia, e, mais especialmente, *a regra das duas u apotada em aparéncia "na verossimi 0 a todo (nto ues hanga, quando € 0 real que @ mata”, Contras ‘ormalismo literdrio, insurge-se contra a regra da separa s40 de géneros, pois “a arbitritia distingzo dos géneros essa se desmorona diante da razio ¢ do gosto” e rega uma poética da totalidade. Ao génio cabe a tarefa 3e crlar uma obra total, sem excluir qualquer que seja 0 siemento do real; representar 0 homem na sua total nplexidade, iluminando-Ihe “ao mesmo tempo, 0 in- srior € 0 exterior’; representar a natureza, pois “tudo 0 esti na natureza esté na arte", sem no entanto pro: ° cceder A mera e simples reproduc do real, visto que “o dominio da arte e 0 da natureza sio perfeitamente dife- rentes”. E, condenando “o comurn’, este grande inimigo {da arte, & Hugo 0 apologista do verso. Sua posi¢io em. face do emprego do verso, numa época em que, sob 2 influgncia de Mme, de Staél ¢ de Stendhal (que nisto seguliam a tendéncia do século XVID, predominava o gosto da prosa, sua posigao € das mais origina. Ainda que condene o alexandrino clissico, que muitas vezes 0 embaracou, advoga o emprego de um novo met, mais variado ¢ flexivel, apto a “tudo admit" e a “tudo trans- mite", podendo assim *percorrer toda a gama poética, ir de alto a baixo, das idéias mais elevadas 2s mais vulga- res, das mais cOmicas 2s mais graves, das exteriores as mais abstratas’, € no se erigindo, portanto, em entrave A livre expressio do drama. Posicio discutivel, sem d- vida, mas pata a qual ele chama em apoio 0 prineipio da liberdade da arte’, pois “no ha senio um peso que pode fazer inclinar a balanga da arte: 6 0 génio" E necessério ainda salientara posicio de Hugo diante da critica. Apés haver focalizado seu drama ~ Gromucell € perguntado a si mesmo sobre a possivel acolhida da parte dos criticos, manifesta-s¢ Hugo a favor de uma nova critica, “fone, franca, culta’, que, segundo a expressio de Chateaubriand, por cle citada, abandonaré “a critica mes- quinha dos defeitos pela grande e fecunda critica das belezas Chateaubriand, Mme. de Staél e, por esta via, Bo- nals, Herder, entre outros; silo as possivels fontes em que se inspirou. Fontes varias ¢ heteréclitas. Conserva- doras liberais, como que se aplicando o seu conceito 10 o que deve sera poesia: “A poesia verdadeira, a poesia completa esti na harmonia dos contrarios”. Dissemos, de inicio, que os principios hugoanos es- nularam entio ¢ estimulariam dramaturgos, abrindo- ‘hes novos caminhos. E parece-nos oportuno transcrever, versos de Vacquerie, um simpatizante de Hugo, que assim se pronunciou em Meus primeiros anos de Paris: “Nés nos famos pelo espaco, fis / B livres, compreen- cdo desde nosso primeiro passo / Que $6 se imitava Hugo em nfo o imitando”. Com efeito, © Prefcto de Cromuell, preganclo a liberdade da criacio artistica, esa- ‘1 proibindo a imitagao de Hugo ¢, Sramaturgos, mesmo assim se sessante parodoxo! A liberdade pregada por Hugo, em relagio a regras ¢ modelos preestabelecidos, justficou e justificara todas 25 inovagdes ~ @ no entramos aqui no mérito de tais ovagies -, que tém invadido e invadisSo a arte cBnica, © imitando os am os seus passos. Inte- fos dramaturgos das vanguardas introduzem suas cusadas inovagdes, procedem a revolucionarias modifi- des, poderiamos dizer que © fazem, mesmo sem saber, muitas vezes, sob a tutela de Victor Hugo. CE este vez ignorasse que, com seu Prefdcio, repetia a atitude 42 um seu colega, dois séculos antes: Frangois Ogier, no Preficto de uma peca de 1628, embora com resultados Herentes,) Mas perguntamos: Qual seria sta reago se, ressusci- ado em pleno século XX, visse as profundas transfor- magdes que se processaram na arte teatral? Espirito ctusiasta, ardente, dotado de excepcional riqueza de ;pressio e incontrolavel espontaneidade, talvez se lan- u asse em ataques contra os novos, com igual vigor quan do contra os velbos de seu tempo. Ou talvez a eles se juntasse, desbravando a arte teatral, abrindo-Ihes insus- peitaveis caminhos. Para a presente tradugio foram utilizados, ent ros, 0s textos publicados por Garnier-Flamarion, Cromwell, 1968, (das péginas 61 a 109) e por Larousse: Preface de Cromwell, 1972. A fim de evitar a sobrecarga de notas, limitamo-nos a fornecer os esclarecimentos mais imprescindiveis, 0 que explica, por exemplo, auséncia de notas em relaglo a Aristételes © a outros autores por demais conhecidos. 2 CROMWELL PREFACIO © drama que se vai ler nada tem que o secomende & atengio ou A benevoléncia do pilblico. Nao tem, para ss politicas, a vantagem do. tetoda censura administrativa’, nem mesmo, para con. atrair o interesse das opin liar-the de inicio a simpatia literaria dos homens de gos- to, a honra de ter sido oficialmente rejeitado por um infalivel comité-de-leitura’ Ele se oferece, pois, aos olhares, sozinho, pobree nu, como 0 enfermo do Evangelho® solus, pauper, nudus' A censura fot estabelecida em junho de 1827, A edicto princeps do Profico fot publicada no dia 4 de deze 0 do mesmo ano, 2. Comitt do Theate-Frangus 3. Dos Bvangelhos nto consta nenhunna alusto aun enfermo "ss, pobre e nu’. Para explicar ests confusto, visios autores pro: puscram aproximagdes com: os Atos dos ApSstolos (I, 2) € © Apocalipse (ill, 17, + No texto do munuscsto, ao aparecem estes dois pardgrafos. 8 Nao é, além disso, sem alguma hesitagio que o autor deste drama tomou a decisio de carregé-lo de no- tas ¢ prefiicios, Habitualmente, estas coisas s80 muito indiferentes aos leitores, Eles se informam antes sobre © talento de um escritor que sobte suas maneiras de ver; ¢, se uma obra € boa ou ma, pouco thes importa sobre que idlGias est assentada, com que espitito germinou, Nao se visitam quase os pordes de um edificio cujas salas foram percorridas, ¢ quando se come o fruto de uma Arvore, preocupa-se pouco com a rai Por outro lado, notas ¢ prefitcios so algumas vezes um meio cémodo de aumentar © peso de um livro ¢ de cengrandecer, pelo menos em aparéncia, a importincia do trabalho; € tética semelhante 2 desses generais do exército, que, para tornas mais importante sua frente de batalha, poem na linha até suas bagagens. Depois, en- quanto 0s criticos se enfurecem contra 0 prefacio © os eruditos contra as notas, pode acontecer que 2 pr6pria obra thes escape e passe intacta através de scus fogos cruzados, como um exército que se safa de um apuro entre dois combates de posto avancado e de retaguarda, Fsses motivos, por mais considerdveis que sejam, 10 so os que decidiram o autor. Este volume nao tinha necessidade de ser inflado, nfo 6 {4 sendo por demais grande, Em seguida, ¢ 0 autor no sabe a razlo, seus preficios, francos ¢ simples, sempre serviram em face dos criticos antes para comprometé-lo do que para pro- tegé-lo, Longe de the serem bons e figis escudos, the pregaram a mé partida destas roupas estranhas, que, assinalando na batalha o soldado que as traja, atraem todos os golpes ¢ no slo a prova de nenhum. 4 Consideragdes de outra ordem influiram no autor eceu-the que se, com efeito, quase nao se visitam por razet os pordes de um edificio, algumas vezes nao se sbortece de examinar-Ihe os fundamentos, Entregar-se-4 ois, ainda uma vez, com um prefiicio, a c6lera dos cri= 108, Che sara, sara’, Nunca se preocupou muito com a we de suas obras, @ se assusta pouco com a opiniio jlica literaria, Nesta flagrante discussao que faz, com Je se afrontem os teatros € a escola, 0 pilblico e as -ademias, no se ouvird talvez sem algum interesse a voz de um solitério aprendiz de natureza e de verdade, e cedo se retitou do mundo literatio por amor das stras, ¢ que traz boa fé na falta de bom gosto, convicgao 4 falta de talento, estudos na faltz de ciéncia, Limitar-se-4, aliés, a consideracdes gerais sobre a ar- sem pér de modo algum anteparos diante de sua obra, sm pretender escrever uma acusago nem uma defesa £:6 ou contra quem quer que seja. © ataque ou a de- de seu livro é para ele menos importante que para alquer outro. E depois, as lutas pessoais nao the con én. E sempre espetaculo miserivel vee amores-préprios =giimindo, Ble protesta, pois, antecipadamente, contra alquer interpretagio de suas déias, qualquer aplicagio =e suas palavras, dizendo com o fabulista espanhol: Quien haga aplicaciones Con su pan se lo coma’. A. expresso italiana Cio ebe sara, sara equivale a: © que tiver de se, seed. xa-se de Tomas de Iane, fabulista espanhol, em Aabules “Uterdrias 1782): “Quem fzer aplicagbes/Camaas com po" 1s Na verdade, virios dos principais campedes das “sis douttinas literirias” the fizeram a honra de desafié-lo, até na sua profunda obscuridade, a ele, simples e imper- ceptivel espectador desta curiosa batalha, Nao teri a fatuidade de responder ao desafio. Eis, nas paginas que se seguitto, as observacées que lhes poderia opor: eis sua funda e sua pedra; mas outros, se quiserem, ostent- las-io diante dos Golias classicos”. Dito isto, no insistamos’ Partamos de um fato: a mesma natureza de civiliza-

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