Você está na página 1de 2

Esta noite resolvi meditar sobre a cegueira...

o que leva uma alma a pedir para


nascer cega, ou ser obrigada a nascer cega?

Como sempre, não há uma resposta direta, pois o que vai na alma de cada um é
um mistério que nem em nós mesmos conseguimos decifrar, mas pude
vislumbrar alguns "atalhos" para o aperfeiçoamento da alma que a cegueira pode
trazer à tona. Uma delas é a ilusão da independência.

Todos os dias dependemos do trabalho dos outros para viver. Quando ligamos a
luz, não lembramos do Thomas Edison e do seu esforço para nos trazer a
lâmpada, muito menos dos homens que trabalham nas companhias de energia
elétrica(a não ser quando acaba a luz, aí nós lembramos até da mãe deles) para
manter a eletricidade fluindo normalmente. Quando tomamos sonolentos o
ônibus às 7h da manhã, não percebemos que o motorista está acordado desde as
4h da manhã para fornecer esse serviço não só pra ele, como para o trabalhador
de acordou às 5h. Esse é apenas UM exemplo dos milhares que encontramos, e
pelo menos DEVERIA nos fazer perceber o quão complexa é A vida, que é
muito mais do que seu umbigo ou seus familiares. Infelizmente, na maioria das
vezes somos cegos para essa realidade, e em casos extremos somos insensíveis
até mesmo ao que podemos ver, ouvir e tocar dentro das nossas próprias casas.
Cegos à tristeza do irmão, ao choro da mãe, às dificuldades por que passam
nossa empregada, pai, amigo, chefe...

E vem a cegueira, mostrar o quão delicado somos, o quão belo pode ser o
mundo, quando nos prestamos a abrir os sentidos a ele. O cego, na
impossibilidade de ver, desenvolve os outros sentidos que não só a audição,
olfato, tato e paladar. Desenvolve a intuição e, principalmente, o coração.

Às vezes nos cegamos para o mundo, metaforicamente falando, para não termos
de ver certas coisas que nos desagradam. Mas pode também acontecer de, em
momentos de tensão, isso refletir no físico. Seja parcialmente, (como na
amaurosis schacchistica, a cegueira enxadrística), ou totalmente, como a
cegueira psicológica, causada por uma desordem de conversão. As causas estão
claramente no espírito (ou mente, como queiram), e o corpo - pacientemente –
obedece.

O cego pode viver independentemente, mas precisa de um suporte especialmente


criado pra ele: bengala, cachorro-guia, livros em braile, software de leitura,
sinais sonoros, etc. A sociedade considera o cego um estorvo, um incômodo,
porque a cegueira deles nos "mostra" o quanto as calçadas são esburacadas, o
desrespeito institucionalizado para com o cidadão, os motoristas que atropelam
na faixa de pedestres, a falta de estrutura para os mais velhos ou mais lentos que
o "normal", etc. Deficientes não são "estorvos" em países de primeiro mundo, e
a tecnologia pra isso existe, basta querer gastar mais com o cidadão do que com
os banqueiros...

Mas, e nós, que "enxergamos", também não dependemos de um suporte especial


para viver? Experimente retirar todas as mordomias às quais estamos
acostumados desde que nascemos, e nos veremos perdidos! Vivemos cercados
de muletas, acessórios que nos empurram a uma direção, um jeito de ser. Não
somos nada diferentes de um deficiente visual, apenas a "Matrix" está mais
adaptada aos que possuem os 5 sentidos. Só que, estar de posse de mais sentidos
não significa possuir mais sensibilidade ou liberdade. Imagine-se por um
momento completamente cego. É pavoroso! A sensação de impotência, o
desespero... afinal, você nunca espera ficar cego, você não costuma treinar a
audição, o tato, você provavelmente nem saberia andar em sua própria casa na
escuridão total. O abandono causado por tal situação nos faz procurar ajuda, nos
faz (finalmente) enxergar.

Não lhe posso dar


O que já existe em você mesmo.
Não posso atribuir-lhe
Outro mundo de imagens
Além daquele que há em sua própria alma.
Nada lhe posso dar a não ser
A oportunidade, o impulso,
A chave.
Eu ajudarei a tornar visível
O seu próprio mundo.
É tudo.
(Herman Hesse)

Você também pode gostar