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Prefacio.

Depois da edição de Aguarela de Silêncio na que María


Inês Teixeira de Queiroz Aguiar Marçalo nos mostrava a
qualidade literária e a beleza de sua poesia; depois,
como digo, de poder sentir toda a sutileza e toda a
pureza do sentimento do mundo e das recordações...
Nesta ocasião chegamos ao ponto do estremecimento,
ao intimismo mais extremo de um coração a céu
aberto; é hora de reconhecer-se em nós mesmos, na
profundidade da sinrazón que nossas paixões acordam.
Como se atingir a expressão absoluta do sentimento
pleno? Unicamente com a ruptura verdadeira e dolorosa
de nossos adentros... Um caminhar sentindo o
pensamento, um pensamento que sente, que se
transforma em todos os sentidos além da mente, que se
difumina, para fazer-se real numa realidade suprema
que nunca é uma simples realidade aparente.

É uma prosa dolorida que se transforma em poesia


iludida, em sonetos que transmutam a dor como se
fosse o único tratamento capaz de compreendê-lo.
Surge nesta leitura uma identificação com o alter ego
que cada um de nós transporta durante nossa
existência, as vezes, caladamente; outras vezes,
irreconhecível... Quase sempre... Oculto.

1
Não pode ninguém abstrair-se também não aos
desenhos que acompanham a cada um dos sonetos,
realizados a alma alçada por María Inés... Desenhos que
simbolizam extremos além da expressão mesma e que
definem em cada uma de suas folhas muitas das
palavras indefinibles que nem sequer existem. Mais
beleza ainda e mais sentido.

Tenho aqui ademais o ser íntimo do ser português por


excelência... Difícilmente haverá um idioma mais belo e
mais conforme para o sentir da alma.

Em Madri, a 25 de maio de 2010

Francisco J. Pavón, Colegio de Número del Real Colégio


Heráldico de Espanha e das Índias.

2
DEDICATÓRIA

A meu Marido.

3
“Falo contigo”

Falo contigo nesta madrugada


Da única maneira que consigo
E esta caneta minha, tão calada,
Acaricia o seu papel amigo…

Vai desenhando as letras com ternura,


Vai beijando as palavras com ardor
E fala de tristeza e de ventura,
Fala de solidão, fala de amor.

Fala do raio verde ao sol poente,


Da noite que se estende sem fronteiras,
Da maresia que ora invade a gente…

Do bosque aonde caminho sem canseiras.


De um pássaro trinando de contente,
Fala de Ti, Amor, de mil maneiras!

4
“Harmonia”
Estando eu hoje a querer falar contigo,
Quebrei a sensatez que a mim me impus
E como a borboleta contra a luz,
Queimei as asas para meu castigo.

Meu outro eu, chamado como amigo,


À auto-piedade me reduz…
Sentindo mais pesada a minha cruz,
Resolvi enfrentar-me a sós comigo.

E deixei que esta dor se humanizasse


E em lágrimas humanas transbordasse
Para que a noite se tornasse em dia.

E então, em teu sorriso e em teu olhar


Ouvi a voz do vento a murmurar
Palavras de silêncio e de harmonia!

5
“Príncipe Negro”
Passeava no bosque quando vi
Aquela rosa rubra muito escura;
Aproximei-me dela e então sorri
Ao seu perfume intenso de ternura…

Nesse momento exacto apareceste


E a rosa brilhou mais intensamente
E o sombrio bosque amanheceste
E os pássaros trinaram docemente…

O tempo foi passando, a luz fugia


E a rosa transformou-se no sol- pôr
Trazendo a noite com melancolia…

Olhei e não te vi; ao meu redor


A saudade da rosa em mim crescia…
Rosa… Príncipe Negro… meu amor!

6
“ Poesia”
Eu desisti de ti na encruzilhada
Da minh`alma cansada e foi chorando
Que eu desisti de ti ainda quando
A indiferença já me soube a nada…

E tu vieste a mim como quem ama


E tu eras meu eu de mim perdido
E tu eras meu sonho repelido…
Da minha triste vida eras a chama…

Voltei a ser o prisma facetado


Que a Deus afirma, embora desdobrado,
E lágrimas chorei, mas de alegria…

Tomei a noite inteira nos meus braços,


Amei meus Ideais e meus cansaços
E teus contrastes fui, ó Poesia!...

7
“Perfídia”
Envolve-me o teu riso num abraço
E o teu sorriso em longo e terno beijo…
Só o teu olhar preenche o meu espaço,
Mas acordo do sonho… E o que vejo?

Movimentas as mãos com a ternura


Da árvore que és tu, exposta ao vento…
E a tua querida boca me murmura
Palavras que são todo o meu sustento…

Palavras ditas, lidas, decifradas,


Tantas vezes, por mim, no teu olhar…
Palavras murmuradas, desfiadas,

Como quem reza só, junto ao altar…


Palavras de mentira, disfarçadas…
Punháis! De cabos de oiro e de luar!

8
“Paixão”
Assaltam-me saudades só de ti,
De tuas mãos, sorriso, meigo olhar…
Tacteio tudo quanto já perdi
E não encontro nada em que tocar.

És, no final de tudo, o meu começo


Sempre vibrante, sempre e sempre igual.
P`ra quê dizer que um dia eu te esqueço
Se para mim, amor, és imortal?

Permaneceste em mim; tentei fugir


Mais uma vez, mais uma entre as demais
E tu ficaste mudo e sem me ouvir.

Pudesse eu enterrar-te nos meus ais


E arrancar-te do peito, amor, a rir,
P`ra te entregar, então, vivo, aos chacais!

9
“O Piano”
Só tenho dias certos para ver-te
E neles eu procuro disfarçar
Esta tristeza infinda de te amar
Sabendo, de antemão, que vou perder-te.

Nos outros dias posso então dizer-te


Que corre em minhas veias teu olhar,
Que beijo o teu sorriso ao acordar
E em tuas mãos deponho este querer-te.

As tuas mãos deslizam no piano,


As mesmas mãos que tocam docemente
As minhas p`ra dizer: “até depois…”

Beijo-as com o meu olhar de desengano


E o teu responde então ardentemente:
“O meu piano és tu… Somos nós dois…”

10
“Fascinação”

Contemplo a tua fronte e os meus dedos


Esboçam breve geito de afagar…
Depois, exaustos, poisam a chorar
Em minhas mãos que escutam seus segredos…

Então procuras meu olhar no teu


E o encontro dá-se de tal modo intenso,
Que desço os olhos meus e então penso
Que, sem a luz dos teus, anoiteceu…

Volta a impelir-me a força do destino


De ter de amar-te tanto sem poder
E, ó meu amor!, o teu olhar divino

Que já me vai matando sem doer,


Empresta à tua boca de menino
O teu sorriso e todo o meu viver!

11
“Eu sou Tu”.

Tu deste-me a alegria deste dia,


Deste-me a brisa, o sonho e o amor…
Deste-me, enfim, a tua companhia
E arrancaste de mim o tédio e a dor.

No meu silêncio, amor, ouço os teus passos


E aperto as tuas mãos em pensamento
E o tempo pára em beijos e abraços
E o tempo pára, amor, nesse momento!

E a distância real que outrora havia


Desliza como a areia entre os meus dedos
E eu já não estou aqui nem tu além…

E já nem sei se é noite ou será dia…


Fitando o teu olhar de mil segredos,
És tu vivendo em mim e mais ninguém!

12
“Vida”
Olho para mim com tal curiosidade
E para o que me cerca, que presumo
Que, quanto mais na vida me consumo,
Maior amor lhe tenho, na verdade.

Falsos amigos fiz e a amizade


Marcou, da minha vida, todo o rumo.
Parei em vários portos; não costumo
Gastar meu tempo numa só cidade.

Corri o universo; viajei


E várias tempestades enfrentei
Sem ter, ao menos, bússula a ajudar…

Que denso nevoeiro em que eu entrei!


Ajuda-me, Senhor, que eu já não sei.
Estou tão cansada e eu quero descansar!

13
“Utopia”
Quantos versos de amor eu te escrevi!
Como eu te amei, meu Deus, como eu te amei!
Quando no mar da vida eu te encontrei,
Quanta Felicidade então vivi!

Cada palavra tua era o meu dia


E eu via-te através de todo o texto
E se eu falava, amor, era um pretexto
Para tu responderes ao que eu dizia…

Moravas longe, nunca te encontrei;


E se em tuas cartas estava o meu começo,
Este amar-te à distância teve um preço…

Mas quem és tu?! Visão que tanto amei!


Nem permites dizer que não te esqueço…
Como esquecer alguém que não conheço?!!!

14
“Adoração”
Antes de Ti, eu era a a nostalgia,
Era a tela sem cor nem sentimento.
Antes de Ti, o dia amanhecia
Com o nascer do sol... Breve momento...

Depois de Ti... Os sons do universo


E as cores do arco-íris estão em mim.
A luz e a sombra fundem-se num verso
E o dia, amanhecendo, não tem fim...

Navego em teu sorriso e em teu olhar,


No som da tua voz que em mim se espraia
E em tuas mãos deponho o coração.

Tu és o meu castelo; eu, o teu mar.


Tu és o vento norte em minha praia...
E mais que amor, eu sinto adoração!

15
Quem és Tu?
Quem és tu que me secas o meu pranto,
Que me fazes sorrir, pr`além de mim?
Me acaricias, quando me levanto,
Me beijas, quando o dia chega ao fim?

Ninguém te pode ver e estás presente


Em todo o infinito do universo:
Nas montanhas, no mar, no que se sente,
Quando se ama alguém que é o nosso verso.

Quem és tu que dás vida e poesia


A uma águia real no céu imenso?
Quem és tu, meu refúgio e alegria

Que ninguém pode ver, quando em ti penso?


Ó meu Amor! Meu sonho e maresia…
Da minha vida, és todo o meu incenso!

16
“A força da Razão”

Sùbitamente anoiteceu em mim


E enquanto na Razão raiava o dia,
Meu coração chorava sem ter fim
E a Razão, sorria de alegria.

Dei a mão à Razão: uma mão fria,


Distante e poderosa como o Tempo…
Meu coração fitou-me e a nostalgia
Tomou conta de mim, por um momento…

Do sonho já cortei antigos laços


E sigo o meu caminho, sempre em frente,
Racional, segura dos meus passos!

Mas olho para trás e vejo gente…


Vejo beijos ardentes, vejo abraços,
E um coração que é meu, incandescente!

17
“A Ilha”

O imponente mar que vai beijando


A ilha, num perpétuo cortejar,
Tem gritos de gaivotas entoando
Hinos de amor ao sol e ao luar...

O mar reflete o céu, azul, cinzento


E afilhado da lua, tem marés...
O mar, de toda a vida, é o pensamento.
Corteja a ilha e deita-se aos seus pés...

A ilha é o sonho, o amor que ora flutua


No mar do pensamento sem ter fim...
A ilha é o pôr do sol chamando a lua...

E eu, gaivota branca, volto enfim


À vida que deixei na mão que é tua:
A ilha, amor, és tu vivendo em mim!

18
“Anjo e demónio”

Tempo de fim do mundo: Inacabado,


Meu pensamento, em ondas alterosas,
Embate em negras trevas, dolorosas,
Do duvidar, por ti já despertado...

Anjo e demónio tu me apareces;


Pr`a ti volver, eu desejar queria,
Mas sinto um gelo que me atrofia
E quedo, anseio por que tu regresses...

Do amor antigo, o coração tão cheio,


Rasga na bruma fugitivos ecos
Do meu tão doce, conhecido enleio:

Do tempo em que os meus olhos, ainda secos,


Não conheciam outro devaneio
Que o ter-te, só p`ra mim, p`ra meu recreio!

19
“Só penso em Ti.”
Pensar em ti e ler o que escreveste,
Ouvir a tua voz gravada em mim,
Dizendo-me que nunca me esqueceste...
Dói tanto, meu amor, amar-te assim!

Embebedar-me nesta soledade


Tentando diluir-te no universo...
Mas de repente, amor, esta saudade,
Esta ternura transformada em verso...

Enlaço as tuas mãos e em teu olhar


Procuro a minha alma, a minha vida...
Sem ti, ó meu amor! Ando perdida...

Eu sei que nos havemos de encontrar


No alto da montanha ou junto ao mar...
Meu porto, meu Amor, minha guarida!

20
“Miragem”
Teus olhos verdes fitam com carinho
Lá longe, algo de vago e de impreciso...
E então, na tua boca, de mansinho,
Desponta, meu amor, o teu sorriso...

E caminhando agora, à beira mar,


A branca espuma faz-te companhia...
E eu permaneço só e a contemplar
A tua silhueta fugidia...

Já quase não distingo a tua imagem...


Vais-te distanciando passo a passo
E és sòmente um ponto na paisagem...

Desenho-te no mar com um simples traço


E ao transportar p`ra mim tua miragem,
A maresia envolve o nosso abraço!

21
“Quero mais!”

Primeiramente foi uma empatia


Ao ver o teu retrato publicado
E tudo o que escrevias, tudo eu lia
E no meu coração era guardado.

Bebia-te as palavras com carinho,


Beijava as tuas frases com paixão
E os teus lábios sorriam, de mansinho,
E os teus olhos mudavam de expressão...

Partilhámos, os dois, risos e ais


E a mensagem, sombria ou colorida,
Tomou conta de mim e num crescendo...

Não basta o teu retrato, quero mais!


Quero tragar da tua boca a vida
Porque sem ti, amor, estou morrendo!

22
“O vento e o mar”
Havia duas almas que habitavam
Um diferente tempo e um espaço...
Só que elas, voando, se encontraram
Fundindo-se num longo e terno abraço!

Nova forma de vida aconteceu


E o Mar da Ibéria ergueu-se, majestoso!
O Vento Norte, em fúria, então varreu
As praias desse mar tempestuoso!

Sal e paixão uniram vento e mar


E o mar bramindo e o vento norte uivando,
Juraram que p`ra sempre se hão-de amar!

E as tempestades vão aproximando


O que nem Deus permite separar
E num crescendo, os dois se vão beijando!

23
“Não!”

Sôfregamente tento analisar


Tudo o que sou agora: estados de alma,
Desde uma ira imensa até à calma,
Desde o vermelho intenso ao azul do mar...

Seguidamente vem o pensamento:


É de Carrara, em mármore e tão belo!
Une os meus eus dispersos num castelo,
Une-os sem alma, fé ou sentimento...

Aqui, sou o que os mais querem que eu seja:


Bom senso, regras e uma aceitação
De todos os padrões estabelecidos.

Mas altaneiro, sem que ninguém veja,


Derrubas o castelo e dizes: “Não!”
E o nosso amor emerge, entre os vencidos!

24
“A voz do vento”
A tua boca, amor, é como um lago
Que espelha o verde azul de teu olhar…
Onde poiso meus lábios num afago,
Onde deixo minh’ alma repousar.

És todo o espaço e tempo que rodeia


Esta saudade que se chama Inês…
És a minh’alma que o meu corpo anseia,
O Príncipe da história: “Era uma vez…”

Digo o Teu nome… Faz-me companhia.


Chamo por Ti e em qualquer momento
E sorrio entre tanta nostalgia…

Minha alma mora longe e num lamento


Eu oiço alguém chamar por mim: “Maria!”
“Maria Inês!” e eu vou na voz do vento…

25
“Lembras-Te?”
Lembras-Te, amor, da tarde que passámos
A escrever até ao anoitecer?
E dos olhares amigos que trocámos
Na luz dourada desse entardecer?

Vieste junto a mim… Passaste os dedos


Pelo meu cabelo e foi-se o meu cansaço;
E o nosso olhar cruzou-se em mil segredos...
Juntámos nossas vidas num abraço!

Beijámo-nos, então, perdidamente


E nesse instante, amor, tudo vivi…
Nem tempo nem espaço: a eternidade…

Mas despertei do sonho e de repente.


Procurei-te ansiosa… Não te vi…
De ti, só transportei esta saudade!

26
“Mar”
Gosto do teu abraço carinhoso,
Do teu humor volúvel e inquieto,
Do teu vago dormir sempre desperto,
Da tua força quando tormentoso.

Gosto do teu azul, verde ou cinzento


E do teu cheiro a algas e a sargaço.
Gosto de me poisar no teu regaço,
Compartilhando o teu doce lamento…

E gosto de espraiar meu corpo inteiro


No teu leito tão puro e divinal…
Meu confidente, amigo e companheiro!

E deixar-me beijar pelo teu sal


No turbilhão das ondas em recreio;
Voltar a ter em ti outro natal!

27
“Meus olhos”
Meus olhos são de um cego que já viu
E lágrimas choradas que hão-de vir;
São rosas desfolhadas a sorrir
E a presença amada que partiu.

São arrepios, lanças de prazer,


São ecos respondendo à voz ausente…
Passado de que é feito um só presente
E chão que vais pisando sem doer…

São todo o meu desejo de não ser


Para sòmente assim poder viver
Em tudo o que pretendes encontrar:

Parte do sol, da água e do luar,


De tudo quanto é belo e para amar,
De ti, Amor, por quem quero morrer!

28
“Natal”
O Natal está à porta; o frio aperta;
A luz do entardecer é meiga e triste
Lembrando uma criança que resiste
Às intempéries, de alma sempre aberta…

Os olhos das crianças e a pureza


Do seu olhar tão límpido e brilhante,
Emprestam ao Natal a luz distante,
Intemporal e cheia de beleza.

Os nossos filhos riem e Jesus


Tão pequenino, lembra-nos alguém…
O Seu olhar é já universal…

Em todos nós desponta a mesma luz


Que nos conduz à gruta de Belém…
Somos todos meninos… É Natal!

29
“Nostalgia”
Diante do vazio deste dia,
De um céu cinzento escuro sem ter fim,
Crivadas de abandono e nostalgia,
As notas de um Chopin chegam a mim.

E em nosso amor que hoje se afundou


No tédio, no silêncio e na amargura,
Eu choro um outro amor que a mim chegou
E cada dia, em mim, toma figura.

O nosso filho tão pequeno e incerto,


Tão triste quanto o é a sua mãe,
O nosso filho já tão longe e perto…

No céu que tudo pisa e mais além,


Nas notas de um Chopin, neste deserto,
Já nosso filho chora, amor, também!

30
“O Teu retrato”
Olhando o Teu retrato me perdi
Na lembrança de um tempo já passado
E sem dar conta, estava ao pé de Ti…
Ou foste Tu saindo p’ra meu lado?!

Ouvi a Tua voz que tanto amei


E cobri-a de cor, num traço quente…
E o beijo, à despedida, que Te dei
Tomou a cor vermelha do poente…

Em Teu sorriso eu ouço Avé Marias


E em Teu olhar escuto “O meu concerto”
De serem Tuas minhas alegrias,

De estarmos hoje longe, mas tão perto!


Se a saudade gelar minhas mãos frias,
Fala comigo, ó Mãe! Neste deserto…

31
“O meu desejo”

A lua banha as casas e recorta


O arvoredo contra o negro céu…
A mão da noite, mão de fada morta,
Estende sobre nós pesado véu…

Mas eu tenho-te a ti… E que me importa


O gelo que em redor vejo pairar?
Em tuas mãos nas minhas não há porta
Nem fresta por onde ele possa entrar…

Estou contigo e em ti eu vejo


A poesia que me vem falar…
Morrer assim, amor, assim desejo…

Mas como posso a morte desejar


Se o que eu quero de ti é mais um beijo,
Sentir a tua boca em mim poisar?!

32
“O meu segredo”
O meu segredo és Tu; este presente
Que sempre procurei sem encontrar:
Permanecendo em mim, ser outra gente:
Ser teu sentir, sorriso e meigo olhar…

A minha vida és Tu; minha alegria,


Meu mar azul tranquilo e meu descanso;
Se Tu não vens, na noite escura e fria,
Minh’alma vai p'ra onde a não alcanço…

Uma palavra tua… O meu sorriso...


Um olhar teu… É já o meu olhar.
Um beijo… E eu entrevejo o Paraíso.

E neste sonho posso viajar


Nas sombras das palavras que eu preciso:
São elas sol em mim, meu despertar!

33
“Quis deixar de te amar…”

Quis deixar de te amar como se a lua


Pudesse navegar sem um além…
Como se as pedras desta minha rua
Não suportassem passos de ninguém…

Quis deixar de te amar como se o vento


No alto da montanha se quedasse.
Como se o mar, bramindo, se negasse
Ao seu constante e belo movimento.

Como tudo foi vão! Eu sou o rio


Que vai correndo em busca do teu mar…
Em ti eu me abandono e refugio.

E o vento traz-me a luz do teu olhar


E o teu sorriso lindo se eu sorrio…
Na minha noite és todo o meu luar!

34
“Confidência”

Aqui estou eu, ó meu Poeta Amigo,


A abrir-Te as portas da desilusão…
Corri o mundo e não achei abrigo;
Só em Ti vejo Amor, compreensão.

Sabes, Amigo, a lei da falsidade


Vai destruindo a todos e também
Aquele que caminha na verdade:
É ostracizado e posto mais além…

Desabafei contigo e o importante


Neste momento de desilusão,
É ter-Te sempre aqui e mais adiante

E encontrar em Ti, paz e perdão.


Jesus, Amigo e Irmão nunca distante,
Em Ti deponho a alma e o coração!

35
“Em busca de mim”
Eu vim ao mundo num planalto imenso
Num belo Outono e já ao fim do dia
E enquanto eu lá nascia, outra sorria
E me acenava, ao longe, com um lenço.

Eu nunca a esquecerei e quando penso


Naquela minha Irmã que tanto amou,
A que campinas tinha como lenço,
Entrego a vida a quem não me encontrou.

Eu sou a do desterro, a águia altiva


Que algures, no Alentejo, hei-de encontrar.
Sou quem não fui, sou quem me chama ainda.

Sou quem desce à charneca e anda cativa


De um riso de Verão por começar:
No meu olhar… A Primavera infinda…

36
“Libertação”
Sai para a rua e apanha a luz do dia
E sente a brisa, o sonho que esvoaça…
Sai para a rua só, com a alegria
De seres Tu mesma e não quem por ti passa…

Sai para a rua hoje e de repente;


Caminha até ao mar e olha em frente:
És tu, o Universo e mais ninguém…
Só nesse dia tu serás alguém!

Despe o teu traje de bolor e rendas


E o sorriso sóbrio e emprestado
E põe a tua roupa de poeta…

Atiça as tuas cinzas, não te rendas!


De ti, de tuas mãos e a teu lado,
Nascerás, outra vez, enfim, liberta!

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