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O carácter do homem tem sido moldado pelo seu trabalho de todos os dias e pelos recursos

materiais que desse modo procura, mais do que por qualquer outra influência, com excepção
dos seus ideais religiosos. Percebe-se assim que a economia está no centro da vida das
pessoas, facto que se comprova facilmente olhando à nossa volta e verificando que as pessoas
dedicam a maior parte da sua vida a angariar e a dispor de recursos destinados à sua
subsistência e à melhoria do seu bem-estar.

Economia é muitas vezes definida pela ciência que estuda o comportamento humano como
uma relação entre fins estabelecidos e meios escassos que dispõem de usos alternativos.

Durante muito tempo, a moralidade social era ancorada em tábuas de valores de ordem
religiosa. Tal origem concedia a essas tábuas duas importantes características: uma
autoridade, que tornavas absolutos (e, por isso, indiscutíveis) tais valores; e uma
predominância dos valores intangíveis (ou espirituais) sobre os valores materiais. E, por
consequência, a moralidade social, através dos incentivos de reconhecimento e censura social,
assegurava a prevalência, na sociedade, dessa escala de valores e da hierarquia nela
estabelecida. É dessa natureza, por exemplo, a moralidade implícita nas concepções da vida
social de muitos autores clássicos. Com avanço da modernidade, as «âncoras» religiosas e a
sua hierarquia de valores foram gradualmente disputadas e postas em causa, sem que
nenhuma alternativa surgisse com consenso social suficiente para preencher o vazio de
referências nas sociedades. Emergiu assim um relativismo moral que praticamente remeteu
para o foro de cada um a hierarquia de valores intangíveis e, por conseguinte, desvalorizou o
seu papel na orientação dos comportamentos sociais. Mas como a vida social precisa de
valores comuns para se poderem regular as interacções sociais com um mínimo de eficácia
funcional, a relativização dos valores intangíveis acabou por fazer emergir como «âncora»
socialmente reconhecida o único valor cuja tangibilidade permite estabelecer facilmente
comparações e hierarquizações: a riqueza material. O relativismo moral, aplicável por natureza
sobretudo aos valores intangíveis, contribuiu assim para que a riqueza material e a sua
ostentação se tivessem tornado os objectos dominantes do reconhecimento social, orientando
os comportamentos na sua direcção. De facto, a riqueza material tem uma existência visível,
palpável, podendo ostentar-se e comparar-se objectivamente, enquanto valores intangíveis,
como a honestidade ou a humildade, por exemplo, são de mais difícil demonstração objectiva
e são mais susceptíveis de resultar de diferentes interpretações dos comportamentos.

Por exemplo, um gestor que, no meio de uma aguerrida competição por resultados, procure
respeitar princípios éticos fundamentais e se recuse a usar truques contabilísticos para
inflacionar resultados, ou a outras práticas menos correctas na negociação com contrapartes –
clientes, fornecedores, colaboradores, etc. – ou no cumprimento dos deveres sociais e legais,
para com isso aumentar os seus lucros, facilmente apresentará piores resultados. Sairá, desse
modo, perdedor daquela competição e terá como consequência uma menor remuneração –
isto é, um incentivo para descontinuar o seu comportamento eticamente orientado – ou será,
pura e simplesmente, despedido em favor de um gestor mais «actualizado» com os
(des)valores da época.

A maximização da eficiência económica aumenta a riqueza que os recursos disponíveis


permitem criar, mas conduz, por conseguinte, ao aumento das desigualdades na distribuição
do rendimento, na medida em que potencia a manifestação de diferenças de aptidões, de
empenho, de disponibilidade para assumir riscos, etc., das pessoas e das associações
económicas em que estas participam. E essas diferenças produzem, naturalmente, diferentes
contribuições para a riqueza criada e, consequentemente, para a sua apropriação. Embora as
diferenças distributivas resultantes de um tal processo sejam perfeitamente legítimas,
tendem, se forem de grande amplitude, a ser vistas como socialmente injustas pelo consenso.
Como tal, tendem a suscitar a aplicação, pelo poder político, de acções redistributivas. Ou pelo
menos deviam. E é assim porque o bem de uma sociedade não depende apenas do potencial
de produção da sua economia. Este é muito importante, como se referiu, mas não é o único
bem a contribuir para a felicidade do conjunto. E a felicidade do conjunto também é
importante para a felicidade individual, apesar de muitos libertários o esquecerem. É que,
sendo o homem um ser ontologicamente social, o seu bem não pode ser indiferente ao bem
do «outro» com quem partilha a sua existência.

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