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A CRIANÇA HOSPITALIZADA, A CIRURGIA E O BRINQUEDO TERAPÊUTICO:

UMA REFLEXÃO PARA A ENFERMAGEM

Silvana Machiavelli Schmitz*


Marister Piccoli**
**
Claudia Silveira Vieria

RESUMO. O brincar, para a criança, é uma das formas que ela tem para compreender o mundo ao seu redor.
Mediante a brincadeira ela extravasa seus sentimentos e transmite o que está pensando. Sendo assim, o
objetivo deste estudo foi apresentar uma reflexão sobre a utilização do brinquedo durante a hospitalização da
criança como meio de minimizar a situação vivenciada. Os benefícios da utilização do brinquedo terapêutico
podem ser percebidos desde procedimentos invasivos na própria unidade, bem como na visita pré-operatória
feita pelo enfermeiro de centro cirúrgico.
Palavras-chave: Criança. Enfermagem perioperatória. Hospitalização. Brinquedo.

THE HOSPITALIZED INFANT, THE SURGERY AND THE TOY: A REFLECTION FOR NURSING

ABSTRACT. Playing for the infant is one of the ways that it has to understand the world around itself. Through
playing it overflows its feelings and passes whatever it is thinking. Thus, the aim of this study was to show a
reflection on the use of the toy during the hospitalization as a way of minimizing the situation being lived. The
benefits in using the therapeutic toy can be noticed since incursion procedures in the unit itself, as well as in the
pre-operation visit by the nurse in the surgery center.
Key words: Infant. Perioperative nursing. Hospitalization. Toy.

EL NIÑO HOSPITALIZADO, LA CIRUGÍA Y EL JUGUETE TERAPÉUTICO:


UNA REFLEXIÓN PARA LA ENFERMERÍA

RESUMEN. Jugar, para el niño, es una de las formas que tiene para comprender el mundo a su alrededor.
Mediante el juego expone sus sentimientos y transmite lo que está pensando. En este sentido, el objetivo de
este estudio fue presentar una reflexión sobre la utilización del juguete durante la hospitalización del niño como
medio de minimizar la situación vivida. Los beneficios de la utilización del juguete terapéutico pueden ser
percibidos desde procedimientos en la propia unidad, como en la visita preoperatoria realizada por el enfermero
del centro quirúrgico.
Palabras Clave: Niño. Enfermería preoperatoria. Hospitalización. Juguete.

INTRODUÇÃO De acordo com Vaughan e McKay (1977),


as crianças ficam amedrontadas quando deixam
A necessidade de brincar não deve ser a segurança e o ambiente do lar, especialmente
esquecida quando as crianças adoecem ou são aquelas que são incapazes de compreender o
hospitalizadas, pois o fato de a criança poder propósito da hospitalização. As experiências
brincar desempenha papel importante para o durante a indução da anestesia ou no período
transoperatório, assegurando, entre outras pós-operatório imediato podem produzir
coisas, a capacidade de promover maior alterações psicológicas como pesadelos, enurese
sensação de segurança para a criança inserida e mau-humor. Esses autores colocam ainda que,
em um ambiente estranho, com pessoas quando a criança é internada para realização de
estranhas. procedimento cirúrgico, ela sai de sua rotina,

*
Efermeira-Aluna do curso de especialização em Saúde da Família, Unioeste-Pr.
**
Enfermeira-Mestre em Enfermagem Fundamental. Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

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podendo vir a desenvolver distúrbios protegida de sofrimento de origem corporal,


psicológicos, advindos do desconforto, sentir-se amada e desejada; estar em ambiente
ansiedade e alterações do sensório (turvação da de harmonia; confiar nos adultos de que depende
consciência, alucinações, ilusões e para o atendimento das necessidades que ainda
desorientação), devido ao medo do não pode satisfazer por si mesma, e sentir-se
desconhecido. independente no atendimento das que já pode;
Esta realidade pode ser verificada em ter confiança em si; ter um ambiente em torno de
instituições de saúde que realizam si tão pouco contraditório quanto possível e que
procedimentos cirúrgicos, onde não é dada a propicie o desenvolvimento da capacidade e
devida atenção a fatores como o medo e os vocações físicas, e ser atendida em suas
anseios da criança, tão relevantes na assistência curiosidades.
de enfermagem perioperatória infantil. O medo do desconhecido é extremamente
O objetivo desse estudo é, então, apresentar cruel em qualquer idade, e as reações são
uma revisão da literatura sobre o uso do diferentes para cada fase do ciclo vital. Embora
brinquedo durante a hospitalização da criança muitos dos receios das crianças sejam
como meio de minimizar a situação vivenciada. irracionais do ponto de vista do adulto, isto de
nenhum modo diminui sua severidade. É inútil
procurar explicar os medos irracionais. Podem-
METODOLOGIA se afastar alguns dos receios das crianças
provando, com atos protetores e consoladores,
O presente estudo foi realizado mediante que não há base real para o fato.
uma busca bibliográfica acerca da temática. A Existem reações comportamentais que a
coleta de dados deu-se por meio de livros, princípio funcionam como mecanismo de defesa
periódicos e bases de dados (CINAHL e
e podem ser exibidas por uma criança
Medline). Procurou-se separar o material,
hospitalizada: protesto e medo, devido à falta de
pontuando a revisão de literatura nos aspectos: a
entendimento e compreensão sobre a sua
criança e a hospitalização, a utilização do
situação de doença; apatia e fuga, devido ao alto
brinquedo terapêutico, a criança e a cirurgia e a
criança na unidade de centro cirúrgico, e nível de ansiedade da criança, por não conhecer
analisar o encontrado. os diferentes aspectos da nova situação. Isto,
geralmente, aos olhos de uma equipe
despreparada, é visto como sinal de um bom
REVISANDO A LITERATURA paciente, uma vez que ela não reivindica a
atenção da equipe, que está sempre muito
A criança e a hospitalização atribulada por inúmeras atividades. Procurando
As bases da assistência à criança compreender os motivos que a levaram à nova
hospitalizada têm se modificado nas últimas situação, a criança costuma perceber a
décadas, em decorrência dos resultados de doença/hospitalização como sendo punição por
pesquisas nas áreas das ciências médicas, algo que ela possa ter cometido (KENNY apud
humanas e sociais. Com o avanço destes RIBEIRO, 1991; AJURIAGUERRA, 1976).
conhecimentos científicos, houve uma Conforme a exposição feita até o momento,
modificação na compreensão das necessidades verificamos que muitos fatores podem contribuir
emocionais da criança, aguçando o insight dos simultaneamente para a consolidação do trauma
membros da equipe de saúde e estimulando-os a da hospitalização. Portanto, a equipe de saúde
criar métodos de assistência que tornem possível necessita também avaliar os aspectos sociais e
um ajustamento construtivo à doença e à psicológicos inerentes à hospitalização da
hospitalização, ao invés de resultar em trauma criança, para que, conhecendo os fatores que
psíquico. possam causar aborrecimentos, estes sejam
Schmitz et al. (1989) afirmam que a criança amenizados. Não pode se esquecer de proteger a
hospitalizada requer, para a garantia do processo criança contra visões e sons perturbadores, pois
de crescimento e higidez mental, a satisfação de se uma criança vê outra sofrendo um
suas necessidades afetivo-emocionais, como: ser procedimento, pode também recear que isso

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possa acontecer com ela. Dessa forma, a equipe criança, de maneira que ela sinta-se segura e
de saúde poderá diminuir os efeitos estressantes permita a realização de procedimentos, e a
que a hospitalização pode causar à criança, e um obtenção de informações relativas a conceitos e
modo de prevenir tais traumas seria a sentimentos da criança sobre a sua doença e
humanização da assistência prestada à criança e hospitalização, a fim de estabelecer metas para a
a sua família. assistência de enfermagem. Permite também a
comunicação relativa à aceitação, informação e
A utilização do brinquedo terapêutico valores; preparar a criança para experiências
A brincadeira refere-se basicamente à ação traumáticas, como procedimentos cirúrgicos;
de brincar, ao comportamento espontâneo que diminuir a tensão física e psicológica, com a
resulta de uma atividade não estruturada. Pode finalidade de deixar a criança mais relaxada e
ser entendida como os movimentos que a tranqüila; e conseguir modificações de
criança realiza nos primeiros anos de vida, comportamento frente às mudanças pelas quais
manipulando os objetos que estão ao seu sua vida está passando.
alcance, até as atividades mais complexas de Cibreiros (2001), também afirma que
certos jogos tradicionais e brinquedos manipular os brinquedos que se relacionam com
específicos (FRIEDMAN, 1996). o tratamento ou diagnóstico de determinado
Utilizar atividades de recreação na infância desvio de saúde possibilita à criança fazer uma a
não significa que a criança vá usar a brincadeira mediação entre o seu pensamento e seus
apenas como forma de distração, com a função problemas de saúde de uma forma global, e não
de passar o tempo. Pelo contrário, o brinquedo somente relacionada ao problema atual, que é o
na infância tem varias utilidades, como motivo da cirurgia.
demonstra Sabates (1995), afirmando que as Na assistência de enfermagem podemos
principais funções do brinquedo são a recreativa, empregar o brinquedo para facilitar os
a estimuladora e a catártica. Quando o procedimentos, evitando processos traumáticos
brinquedo é utilizado como forma de recreação, futuros para a criança. Na utilização do
com a finalidade de divertir e distrair a criança, brinquedo pela criança é importante ressaltar
através da obtenção do prazer e da alegria, ainda que a preocupação deve estar voltada para a
favorece o desenvolvimento sensório-motor, manifestação verbal da criança, e não para a
intelectual e social e a criatividade, naturalmente interpretação da atividade desenvolvida. A
e de maneira estimuladora. técnica pode ser desenvolvida em salas
Friedman (1996) relata a experiência de um apropriadas, no leito ou em qualquer outra área
trabalho desenvolvido dentro de uma enfermaria apropriada e conveniente para a atividade.
pediátrica, em que acredita que o brincar é uma Segundo Cibreiros (2001), as atividades
vivência reestruturante que supera o sofrimento educativas são atribuições das enfermeiras no
de uma internação. Brincando durante o período cotidiano de sua prática profissional, e o brincar
em que fica no hospital, a criança tem maiores se traduz em um método a ser utilizado na
chances de superar os traumas gerados pelo educação para crianças. O brincar é um
processo de internação favorecendo o instrumento rico em possibilidades, a ser
restabelecimento físico e emocional, pois pode utilizado pelas enfermeiras pediatras na
tornar o processo de hospitalização menos assistência junto a seus clientes dentro das
traumatizante e mais alegre, com repercussão na unidades de cirurgia pediátrica. A autora ainda
recuperação. diz que o brincar possibilita o estabelecimento
Ribeiro (1991) coloca que o brinquedo de uma relação mais rica e plena com a criança;
terapêutico é uma técnica que pode ser usada é um canal de comunicação e aceitação junto à
por qualquer enfermeiro para qualquer criança mesma. Com isto, torna-se possível um elo de
hospitalizada, com o objetivo de permitir ao confiança que permite à criança comunicar
enfermeiro alguma compreensão das aspectos muitas vezes pessoais de sua vida. Isto
necessidades e sentimentos da criança. Ainda, se dá à medida que a criança passa a perceber,
para Sabates (1995), o brinquedo terapêutico no profissional que a assiste, a disponibilidade e
permite estabelecer um relacionamento com a o interesse em ouvi-la e compreendê-la, tendo

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como ponte desta comunicação espontânea o atuantes na área a necessidade de buscar


recurso de brincar. recursos para contribuir para o aprimoramento
Assim sendo, a enfermagem pode utilizar-se da assistência de enfermagem às crianças.
da técnica do brinquedo terapêutico como forma Assim, pode se dizer que o brinquedo já é
de ajudar a entender as necessidades da criança um instrumento de cuidado às crianças que vem
como um todo. A principal finalidade é sendo utilizado em várias especificidades de
minimizar o estresse da criança, prepará-la para atendimento a essa clientela. Cabe ressaltar,
procedimentos e ainda para que ela expresse como coloca Ribeiro (1998), que é
suas necessidades; por isso, o brinquedo pode inprescindível o pessoal da equipe que atende a
ser empregado antes da execução de qualquer criança compreender a necessidade de brincar da
procedimento, para ajudar no enfrentamento de criança como uma necessidade básica, pois só
situações decorrentes da hospitalização. Para dessa forma o brinquedo será valorizado tanto
isso torna-se necessário selecionar os objetos a quanto a higiene, a medicação, a alimentação e
serem utilizados na brincadeira de acordo com a os demais cuidados prestados pela equipe, e não
idade da criança e a situação a ser enfrentada, visto como apenas uma atividade de recreação que a
como, em nosso caso, o procedimento cirúrgico. criança vai ter se houver tempo ou se aquele que lhe
Dessa forma, Cibreiros (2001) afirma que, presta o cuidado se dedicar a brincar com ela.
brincando e tocando diretamente nos materiais e
A criança e a cirurgia
brinquedos que simulam artigos hospitalares,
torna-se possível que a criança entre em contato Para qualquer pessoa de qualquer faixa
e conheça de uma forma mais amena o que em etária, a intervenção cirúrgica representa uma
situações reais de procedimentos poderia ser circunstância crítica que gera uma crise vital:
aterrorizante, recebendo orientações, episódio de alteração psicológica de caráter
manipulando e fazendo questionamentos sobre agudo e de duração limitada, que se apresenta
os materiais hospitalares. A familiarização com como um obstáculo que o individuo não pode
os objetos diminui a sensação de estranhamento evitar nem resolver com seus recursos habituais.
e temor, ocorrendo uma desmistificação desses A população infantil é a mais sensível a esta
objetos. Para a mesma autora, os brinquedos são crise. Isto porque, devido a seu desenvolvimento
utilizados para fornecer orientações às crianças imaturo, a criança tem recursos limitados para
sobre os procedimentos terapêuticos enfrentar situações desconhecidas e/ou
relacionados à cirurgia e à hospitalização e para dolorosas. Sua capacidade para raciocinar
dissipar conceitos errôneos em relação aos logicamente e considerar as razões para a
equipamentos presentes no ambiente hospitalar. experiência é limitada e, para superar o medo, a
Garanhani (1989), em um estudo na unidade frustração e a dor, ela geralmente recorre à
de centro cirúrgico, encontrou que a criança fantasia (HUERTA, 1996).
percebe e identifica em seu relacionamento com Para Huerta (1996), infelizmente, o preparo
a equipe do centro cirúrgico principalmente a da criança para procedimentos ainda é raramente
atuação do médico, e que o tratamento implementado. Para a maioria das crianças
dispensado a ela é carinhoso; porém refere que a hospitalizadas são ocultadas informações em
ausência da mãe é um fator de insegurança para relação aos procedimentos a que serão
as crianças. Corroborando este estudo, Duarte et submetidas, e não raro, outras são enganadas
al. (1987) relatam a experiência de enfermeiros tanto pelos pais como pela equipe hospitalar,
e psicólogos que atuam junto às crianças na quanto ao procedimento e a seu propósito. Nossa
unidade de centro cirúrgico, quando percepção dessas situações nos leva a acreditar
introduziram brinquedos na sala de recuperação que o temor de não saber lidar com as eventuais
pós-anestésica com a finalidade de diminuir as reações da criança os faz preferir ocultar
reações de desconforto apresentadas pelas informações ou até mentir sobre o procedimento
crianças durante sua recuperação. Os autores e sua finalidade.
procuraram avaliar a influência do brinquedo no Segundo essa autora, há algumas décadas,
processo de recuperação das crianças no período no mundo todo, as crianças iam ao centro
pós-operatório e demonstraram aos profissionais cirúrgico sem saberem o que ia acontecer com

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elas. Pensava-se então ser melhor não estimular pessoas vestidas de branco, incapacidade de
de antemão o medo da criança e ser também interagir com outras crianças e de brincar,
melhor não discutir a experiência com elas após agressividade, etc. Ansiedades que às vezes
a cirurgia, acreditando-se que elas a esqueceriam parecem ter sido bem dominadas na época da
rapidamente. Posteriormente, com os cirurgia podem ser reativadas em crises futuras
conhecimentos que as pesquisas foram trazendo, na vida, como na crise normal da adolescência,
foi estabelecido como direito da criança saber a por exemplo. Há relação direta entre o mentir ou
verdade em relação à realidade da experiência não informar a criança sobre a cirurgia e seu
que deveria enfrentar, uma cirurgia. propósito real e a gravidade dos sintomas
Para Harkins et al. (1997), a comunicação emocionais posteriores. Além disso, a criança
apropriada à idade é importante na poderá perceber a experiência como ataque
implementação do plano pediátrico de cuidados hostil, como um abuso, uma violência, o que
de enfermagem. A implementação começa pode levá-la a perder a confiança nos adultos ao
durante o histórico de enfermagem seu redor, particularmente naqueles mais
perioperatório e continua até a alta da sala de significativos em sua vida. Tal confiança é
recuperação pós-anestésica ou outra área. As considerada como essencial ao desenvolvimento
crianças, às vezes, temem a separação dos pais, e emocional sadio da criança.
o abandono, a separação ou a intervenção A família da criança, independentemente da
cirúrgica podem ser percebidos como uma forma idade, estará com sua segurança emocional
de punição. O medo que essas crianças sentem, sensivelmente afetada. Vários motivos de
dentre outras coisas, inclui o ambiente e as ansiedade são identificados nessas situações:
pessoas estranhas, o ambiente escuro e as medo do desconhecido, da anestesia, da dor, de
máquinas. Elas atribuem vida aos objetos lesões corporais, de mutilações, da morte, da
inanimados e acreditam que eles tenham qualidade do tratamento e dos cuidados que
sentimentos. Elas ainda podem acreditar que seu serão executados com a criança, prováveis
corpo esteja preso junto a sua pele, e qualquer dificuldades econômicas a enfrentar; tempo
coisa que viole a integridade da pele é disponível para dedicação à criança durante a
ameaçadora. hospitalização; perda de períodos escolares;
Para Schmitz et al. (1989), as respostas às preocupação com os demais filhos que
perguntas da criança merecem um manejo todo permanecem em casa; receio de que o hospital
especial. Em muitas ocasiões tal manejo é mais não permita a permanência de acompanhante
importante que o conteúdo das respostas. durante a hospitalização e outros (SCHMITZ, et
Salientamos a necessidade de permitir à criança al., 1989).
liberdade de exprimir suas ansiedades e de Segundo Huerta (1996), toda crise
conhecermos as possíveis fontes de medo representa um potencial de crescimento. A crise
relacionadas à idade. A quantidade e de uma cirurgia numa criança representa a
profundidade das informações sobre o oportunidade para a família crescer, aprendendo
procedimento devem ser ajustadas à idade do formas mais adequadas de relacionamento, bem
paciente e à sua capacidade de compreensão, como de fortalecer seus recursos para enfrentar
considerando-se que a criança consegue futuras crises.
assimilar apenas um conceito ameaçador de cada Embora o preparo ofereça condições para a
vez. É preciso atentar para as prováveis fantasias criança expressar suas emoções, ela não muda
que ela possa ter sobre a hospitalização, pois imediatamente seu comportamento. Assim
muitas vezes o que imagina é pior que a sendo, nunca se deve esperar que a criança não
realidade. reaja e não chore, havendo, por vezes, a
Segundo Huerta (1996), quando não necessidade de ajudar uma criança, ainda que
preparada, a criança poderá desenvolver ela tenha sido adequadamente preparada.
sintomas psicoemocionais pós-cirúrgicos Para Huerta (1996), um dos objetivos do
associados à cirurgia/hospitalização, como: preparo é ajudar a criança a enfrentar, da
fobias, pesadelos, insônia, enurese noturna e maneira mais sadia possível, aquilo que não
diurna, distúrbios de linguagem, temor de pode ser evitado; e o resultado, eminentemente

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individual, é uma reação de medo adequada à acordo com seu nível de desenvolvimento, as
realidade da experiência, sendo uma reação emoções decorrentes dessa realidade. Quando a
diferente do pânico e da negação, pois ambos criança compreende a verdadeira finalidade do
implicam em perda de contato com a realidade. procedimento, ela é capaz de tolerar melhor o
A autora citada afirma que devemos esperar desconforto e a dor.
também que a criança mantenha ou fortaleça sua
capacidade de interagir e de brincar e aproveite ao A criança na unidade de centro cirúrgico
máximo as oportunidades de repetir a experiência É de extrema importância que, ao chegar no
no brinquedo, passando de sujeito passivo a centro cirúrgico, a criança seja recebida pela
instigador e controlador ativo. enfermeira da unidade; mais ainda, que seja
Após essas considerações, podemos concluir recebida pela enfermeira que realizou a visita
que a criança internada para se submeter a uma pré-operatória à criança e à família. É necessário
cirurgia deve ser vista no seu aspecto global, e a deixar que a criança brinque com algo que
nós, enfermeiros, cabe a responsabilidade de considere importante, ou mesmo com objetos
ampliar a assistência para além do fator usados para procedimentos (estetoscópio, cuba
cirúrgico, investigando e cuidando da criança ou seringa sem agulha), porque isto pode fazer
como um todo. Da mesma forma, é necessário o seu medo diminuir.
conhecimento sobre aspectos gerais do Segundo Harkins et al. (1997), em função de
procedimento anestésico e cirúrgico. o foco da preparação operatória infantil ser mais
Somente quando o preparo da criança para questão psicológica do que farmacológica, a
procedimentos cirúrgicos incluir não apenas o criança geralmente chega consciente e alerta. A
preparo físico adequado, mas também os aspectos enfermeira que acompanha o perioperatório
psicoemocionais da criança e de sua família, realiza uma breve avaliação física, focalizando
abordados neste trabalho, é que estaremos atendendo os sinais vitais, suas condições
ao objetivo central que deve orientar a nossa cardiopulmonares e psicológicas. Terminado
assistência à criança hospitalizada: proteger e esse processo, a enfermeira oferece suporte
favorecer seu desenvolvimento integral, e não emocional à criança e à família, procurando
apenas restaurar e manter sua saúde física. Não se aliviar o medo e administrando os cuidados com
deve ver a criança como um adulto pequeno que está gentileza e calma, numa abordagem segura.
hospitalizado, sem propiciar condições diferenciadas Os autores afirmam que os pontos-chave na
na sua assistência, pois isso acarreta assistência perioperatória aos pacientes
comportamentos de repúdio à terapêutica pediátricos incluem nunca deixar a criança sem
implementada (PINHEIRO; LOPES, 1993). atendimento, manter um ambiente silencioso na
Para diminuir o medo, a insegurança e sala de cirurgia durante a indução, permitir que a
apreensão sentida pela criança, explicações criança expresse seus medos e comportamentos
verbais não são suficientes. Faz-se necessário o de medo (como o choro); usar palavras simples e
enfermeiro, no perioperatório, utilizar o sem duplo significado e permitir que objetos
brinquedo terapêutico, para explicar os eventos, seguros permaneçam com a criança até que a
quando eles ocorrem, e descrever brevemente as indução tenha sido completada, e usar de
funções de cada membro da equipe, pois isso de honestidade.
certa forma alivia a ansiedade, permitindo que
os pais e a criança identifiquem a pessoa real
que está por trás da máscara, luva e gorro CONCLUSÃO
(HARKINS et al., 1997).
Para tanto, faz-se necessária a realização da Os resultados de uma hospitalização,
visita da enfermeira do centro cirúrgico ao mesmo que não haja comprometimento físico,
paciente que está aguardando o momento da poderão, no futuro, causar traumas à criança,
cirurgia, para proporcionar à criança recursos muitas vezes com conseqüências
que lhe facilitem a percepção da realidade da imprevisíveis. Assim, a enfermagem tem
experiência e de seu propósito e lhe dar o apoio participação significativa na diminuição deste
que lhe permita expressar, com segurança e de estresse, através da utilização do processo

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comunicacional, estando atenta às alterações passa a depositar confiança em nossa pessoa e o


emocionais sofridas pela criança. vínculo é estabelecido.
Para tornar a hospitalização da criança
menos traumática e humanizar a assistência de
enfermagem prestada a ela, são necessárias REFERÊNCIAS
medidas que venham a minimizar o trauma
AJURIAGUERRA, J. de. Manual de psicopatologia
causado pela mudança brusca de rotinas e de infantil. 2. ed. Rio de Janeiro: Masson do Brasil, 1976.
pessoas. Para tanto, consideramos necessária
CIBREIROS, S. A. A comunicação do escolar por
uma mudança na assistência prestada à criança. intermédio dos brinquedos: um enfoque para a assistência
Para isso, a utilização do brinquedo terapêutico de enfermagem nas unidades de cirurgia pediátrica. Rio de
como uma das principais medidas para Janeiro: Editora da UFRJ, 2001.
prevenção das possíveis seqüelas decorrentes da FRIEDMAN, A. O direito de brincar. São Paulo: Scritta,
hospitalização pode ser, conforme os autores 1996.
citados anteriormente, uma técnica GARANHANI, M. L.A percepção da criança em relação ao
ambiente físico e humano do centro cirúrgico. In:
indispensável. Nesta perspectiva, o brinquedo
JORNADA DE ENFERMAGEM EM CENTRO
pode ter várias outras funções para a criança, CIRURGICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 3., 1989,
como recreação, estímulo e uma forma de liberar Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: USP, 1989. p. 330-
os sentimentos relacionados ao medo e angústia. 40.
No hospital, o brinquedo pode ser usado como HARKINS et al. Cirurgia pediátrica. In: ALEXANDER.
forma de terapia alternativa e auxiliar no Cuidados de enfermagem ao paciente cirúrgico. 10. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997.
tratamento.
Entendemos que o procedimento cirúrgico HUERTA, E. del P. N. Preparo da criança e família para
procedimentos cirúrgicos: intervenção de enfermagem.
pode acarretar ao paciente complicações, Rev. Esc. Enf. USP, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 340-353,
inclusive emocionais, devidas principalmente ago. 1996.
ao fato de os sentimentos muitas vezes não PINHEIRO, M. C. D.; LOPES, G. T. A influência do
serem considerados significativos. Assim, brinquedo na humanização da assistência de enfermagem à
acreditamos que, mediante a visita pré- criança hospitalizada. R. Brás. Enf., v. 46, n. 2, p.117-
131, abr./jun. 1993.
operatória, é possível minimizar a situação de
crise vivenciada pela iminência de uma cirurgia. RIBEIRO, C. A. O efeito da utilização do brinquedo
terapêutico pela enfermeira pediatra, sobre o
Para que essa ocorra sistematicamente, comportamento de crianças recém-hospitalizadas. Rev. Esc.
objetivando suprir as necessidades do paciente, Enf. USP, São Paulo, v. 25, n.1, p.41-60, abr. 1991.
a enfermeira deve conhecer a população de ______. O brinquedo terapêutico na assistência à criança
pacientes com a qual trabalha, pois sem o hospitalizada: significado da experiência para o aluno de
conhecimento dessas necessidades, irá sentir graduação em enfermagem. Rev. Esc. Enf. USP, v. 32, n.
dificuldades para realizar um atendimento 1, p. 73-9, abr. 1998.
qualitativo ao paciente cirúrgico. SABATES, A. L. O brinquedo como instrumento na
assistência de enfermagem à criança. In: CONGRESSO
A utilização do brinquedo terapêutico é PAULISTA DE ENFERMAGEM PEDIÁTRICA, 1., 1995,
fundamental durante a realização da visita pré- São Paulo. Curso... São Paulo, 1995. p.37-52.
operatória de enfermagem, pois através dele, Mimeografado.
brincando, as crianças podem expressar seus SCHMITZ, M. E. et al. A enfermagem pediátrica e
sentimentos quanto ao procedimento cirúrgico. puericultura. São Paulo: Atheneu, 1989.
Verificamos também que, por meio do VAUGHAN, V. C.; McKAY, R. J. Pediatria de Nelson.
brinquedo cria-se um elo com a criança e, ao 10. ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1977.
esclarecermos a ela o que irá acontecer, ela

Endereço para correspondência: Marister Piccoli, Rua Paraná, 2447, apto. 18, Galeria Paschoal, CEP 85812-011,
Cascavel-PR. E-mail: maristerpiccoli@aol.com.br

Recebido em: 12/03/2003


Aprovado em: 23/07/2003

Ciência, Cuidado e Saúde Maringá, v. 2, n. 1, p. 67-73, jan./jun. 2003

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