O livro surgiu em um período de grande inovação e parodiou os romances de
cavalaria. O protagonista de Cervantes em Dom Quixote entrega-se à leitura desses romances, perde o juízo, decide tornar-se um cavaleiro andante e passa a maior parte do tempo em um mundo ilusório só seu. A obra nos dá a entender que o personagem é um louco, desprovido de qualquer razão e perturbado. Dom Quixote nada mais é do que um personagem complexo, aliás, toda a obra é complexa. Essa complexidade surge com o Maneirismo. E disso deriva o efeito ora burlesco, ora patético, ora onírico, ora sublime e poético, e ora trágico, do romance. Uma diferença essencial entre a literatura clássica e a maneirista é que aquela tinha personagens com caracteres claramente definidos, eram bons ou maus, eram ladrões ou heróis e cujo comportamento era até certo ponto previsível. Mas agora um único personagem podia incorporar os opostos em si. As várias alusões feitas pelo autor ao fato de que o mundo de sua narrativa é fictício, a constante transgressão das fronteiras que dividem a realidade imanente na obra e a realidade fora da obra, isto, e muito mais, Hauser, autor da História social da arte e da literatura, aponta como elementos do estilo maneirista. Para ele, devemos sempre levar em conta que Cervantes trabalhou subordinado ao Código Estético do Maneirismo. A palavra “Maneirismo” deriva do termo italiano maniera, "maneira", indicando o estilo pessoal de determinado autor. O Maneirismo foi um estilo de elite, reduzido a um grupo e intelectuais e hoje é reconhecido como um estilo autônomo e com valor próprio. Teve como características a fusão do cômico e do trágico, a figura do herói, ora ridículo, ora sublime, a presença do grotesco, a união dos traços das novelas idealistas de cavalaria com traços picarescos vulgares, o convívio do diálogo cotidiano com recursos retóricos elaborados e o descuido com a execução da obra. Com uma linguagem carregada de metáforas e jogos de palavras misturando a realidade e a fantasia. Enquanto na Idade Média as obras de arte tinham uma única interpretação considerada procedente, as grandes criações artísticas passam a receber, a partir do Maneirismo, muitas interpretações possíveis. As obras de William Shakespeare (1564- 1616) e de Miguel de Cervantes (1547-1616) são exemplos disso: suas construções simbólicas são o oposto da homogeneidade clássica. Cervantes é um bom exemplo do que seja o entendimento maneirista da vida, vacilando entre a alienação do mundo e o acomodamento racional. Analisando o capítulo VIII (A Aventura com os Moinhos de Vento) nota-se claramente que a visão de Dom Quixote é irreal, já a de seu fiel escudeiro, Sancho Pança é real. O Cavaleiro-da-triste-figura vive na “fantasia” e Sancho é realista. Apesar de que quando Dom Quixote o promete o governo de uma ilha, ele acredita e se deixa levar pelo “mundo fantasioso” de seu amigo. O herói mostra-se ridículo e esplêndido ao mesmo tempo.
“— Quais gigantes? — disse Sancho Pança.
— Aqueles que ali vês — respondeu o amo — de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas. — Olhe bem Vossa Mercê — disse o escudeiro — que aquilo não são gigantes, são moinhos de vento; e os que parecem braços não são senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mós. — Bem se vê — respondeu D. Quixote — que não andas corrente nisto das aventuras; são gigantes, são; e, se tens medo, tira-te daí, e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual batalha.”
No trecho a seguir, a fusão do cômico e do trágico mostra-se presente:
“ — Cala a boca, amigo Sancho — respondeu D. Quixote; — as coisas da guerra são
de todas as mais sujeitas a contínuas mudanças; o que eu mais creio, e deve ser verdade, é que aquele sábio Frestão, que me roubou o aposento e os livros, transformou estes gigantes em moinhos, para me falsear a glória de os vencer, tamanha é a inimizade que me tem; mas ao cabo das contas, pouco lhe hão-de valer as suas más artes contra a bondade da minha espada.”
A seguir, nota-se perfeitamente a alienação de Sancho Pança, que mesmo
possuindo um pouco mais de juízo do que Dom Quixote, demonstra alienação em certas aventuras:
“— E é verdade — respondeu D. Quixote; — e se me não queixo com a dor, é porque
aos cavaleiros andantes não é dado lastimarem-se de feridas, ainda que por elas lhes saiam as tripas. — Sendo assim, já estou calado — respondeu Sancho; — mas sabe Deus se eu não achava melhor que Sua Mercê se queixara quando lhe doesse alguma coisa. De mim sei eu, que, em me doendo seja o que for, hei-de por força berrar, se é que a tal regra, de não dar mostras de sentir, não chega também aos escudeiros da cavalaria andante.”
O ator Quijada veste o seu guarda-roupa e passa a ser o personagem Dom