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OLHOS VAZIOS

Este é um conto baseado em fatos bastante reais.

Diógenes viveu no período que a Grécia conheceu após ter sido dominada
pelos macedônios, tendo seus cidadãos, orgulhosos que eram por serem
participantes da vida de suas cidades, neste tempo, perdido o que fora seu
bem mais precioso: a liberdade. Foi-se a democracia nas “polis” sob os
brilhos de Alexandre “o Grande”, imperador dos gregos. Esta historia se
passa a mais de trezentos anos antes de Cristo.

Acontece é que Diógenes , assim como outros filósofos, resolveu levar ao


extremo os ensinos de Sócrates sobre o “conhecer a si mesmo” e o
desapego as coisas matérias. Dizem que ele morava em um barril e vivia
mendigando, maltrapilho, pelas ruas atenienses. Ele e seus iguais
formaram um movimento chamado Cinismo. O termo vem de kynus que
significa “cão”. A filosofia de vida era o andar como os cães nas cidades,
sem nada, errantes.

Conta-se que certo dia viram o tal filósofo-mendigo pedindo esmolas às


imagens dos deuses que se enfileiravam imponentes nas praças e prédios
da cidade. Alguns que olhavam a cena penalizavam-se com tamanha
insanidade. Outros se divertiam e zombavam do louco que parecia não ver
que estátuas não vêem. A loucura de Diógenes fazia rir e chorar, porém a
maioria o desprezou. Fingiam não ver, como já era de costume, o que
todos viam sempre, a loucura de Diógenes.

Certo cidadão, diante da comicidade e do constrangimento que a cena


causava, resolveu interpelá-lo. Alguém precisa parar este show insano,
dizia ele.

- Diógenes, disse ele tocando-lhe os ombros, não percebes que estátuas


nada podem ver e que estas, além de tudo isso, nem olhos esculpidos
possuem?

Referia-se ele ao fato das imagens gregas não possuírem olhos. Seus
globos oculares eram vazios, jamais precisaram deles e nem sentiram falta
dos tais.
- O que fazes agora Diógenes, falou ainda o tal homem, reafirma o que
dizem as más línguas e ainda te faz motivo de piadas e zombarias. Será
que a fome te fez um idiota? Pare com isso, já não bastasse do que te
chamam agora te entregas de vez ao mundo dos bobos.

O suposto louco, ainda tendo as suas mãos estendidas, ajuntadas em


forma de concha e apontadas para um deus de olhos vazios que estava
diante de si, respondeu:

- Caríssimo, sua preocupação e suas palavras nada dizem de mim. Aqui, o


que faço não é loucura, é razão. Estou diante dos deuses me habilitando
aos homens que os criaram conforme a sua imagem e semelhança. Fico
diante dos cegos e inanimados me acostumando a lidar com os que
pensam ver e se mover com verdade. Como os deuses são apenas reflexos
de quem os fez, eles herdaram dos homens o desprezo, o silêncio da
indiferença, a incapacidade de ver, a recusa. Estou aqui, como um louco,
treinando para receber dos homens o que espero obter: nada.

Amigo, suas palavras e preocupação, ao menos, me dão a esperança que


meu treino não será em vão. Ainda há quem tente ver a vergonha do
outro, e seja por que motivo for, ainda se incomode.

Dizem que até os deuses se tornaram ruborescidos de tanta vergonha.

Quem tiver olhos e ouvidos, que veja e ouça.

Saúde e Paz

Fabio

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