Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“ [...] o orador que queira agir eficazmente pelo seu discurso deve adaptar-se
ao seu auditório” (p. 41).
“Em que consiste esta adaptação[,] que é uma exigência específica da
argumentação? Essencialmente, em o orador só poder escolher, como ponto
de partida do seu raciocínio[,] teses admitidas por aqueles a quem se dirige.
Com efeito, a finalidade da argumentação não é, como a da demonstração,
provar a verdade da conclusão a partir da verdade das premissas, mas
transferir para as conclusões a adesão concedida às premissas. Arriscando-se
a fracassar na sua missão, o orador só deverá partir de premissas que
beneficiem de uma adesão suficiente: se esta o não for, a primeira
preocupação daquele que quer persuadir deve ser a de a reforçar por todos os
meios de que dispõe, pois a transferência da adesão só se realiza pelo
estabelecimento de uma solidariedade entre as premissas e as teses que se
esforça por fazer admitir.” (p. 41)
“É [...] de entre as teses admitidas pelo seu auditório que o orador que
argumenta deverá colher as suas premissas: ele deverá, inevitavelmente,
proceder a uma escolha.
Toda a argumentação implica uma selecção prévia, selecção de factos e
valores, a sua descrição de uma forma particular, numa certa linguagem e
com uma insistência que varia consoante a importância que se lhes confere.”
(p. 54)
[Salta-se o capítulo 5]
A Inclusão: «A inclusão da parte no todo permite dizer que o todo é maior que
cada uma das suas partes. O que é verdade demonstrável em aritmética e em
geometria toma-se argumento quase lógico se dele se tiram consequências do
tipo «o todo vale mais que uma parte» ou «o que não é permitido ao todo não
permitido à parte», «quem pode o mais pode o menos» em que “o menos” é
considerado como uma parte do todo que é “o mais”.» (pág. 89).
Pois quê! Podem ler-se nas Bibliotecas e no Grémio, jornais republicanos,
jornais da Comuna, toda a sorte de livros materialistas, racionalistas e socialistas –
e não há-de ser permitido falar do que há de mais abstracto na política, de mais
estranho e superior às agitações humanas e às violências partidárias, a História?
Pois é permitido à Nação publicar, em prosa impressa e permanente, ataques
rancorosos à liberdade constitucional e à realeza constitucional – e não pode ser
permitido ao Sr. Antero condenar as monarquias absolutas, e ao Sr. Soromenho
condenar os romances eróticos? Pois o marquês de Pombal expulsa os jesuítas e a
sua política, e não é permitido a um conferente do Casino fazer a crítica da política
dos jesuítas?
Argumentemos! Eu posso comprar um livro de Proudhon que combate o
catolicismo, as monarquias, o capital: estou na legalidade. Posso lê-lo em voz alta
aos meus amigos, ou aos meus criados: estou nos limites da Carta. Posso decorá-
lo: haverá alguma lei que me proíba este exercício de memória? Posso recitá-lo, à
luz do Sol ou à luz do gás, com gestos moderados ou com gestos descompostos:
tudo isto é legal. Que eu trate no Casino de algum dos pontos de que se ocupa
esse livro, proíbem-mo! (Farpa XII)
A Divisão: v. supra.
Aqui está esta pobre Carta Constitucional que declara com ingenuidade que o
País é católico e monárquico. É por isso talvez que ninguém crê na religião, e que
ninguém crê na realeza! E que ninguém crê em ti, ó Carta Constitucional! Os
ministros que te defendem, os jornais que te citam, os jurisconsultos que te
comentam, os professores que te ensinam, as autoridades que te realizam, os
padres que falam em ti à missa conventual, aqueles mesmos cuja única profissão
era crer em ti, todos te renegam, e, ganhando o seu pão em teu nome,
ridicularizam-te pelas mesas dos botequins! (Farpa I)
O País está desorganizado: esta certeza é dada pelas discussões do
parlamento, pelos relatórios dos ministros, pelas afirmações da imprensa, pelas
conversações dos cidadãos. (Farpa XIV)
Os Pesos e Medidas: «Enquanto numa pesagem ou numa medição real a escala
de medida é neutra e invariável, as comparações de qualquer espécie sofrem o
contra-golpe do termo de comparação escolhido, pois os dois termos são, pela
própria comparação, reunidos numa mesma classe, tornando-se, por isso, mais ou
menos homogéneos. Dizer de um escritor que ele é inferior a um reputado mestre,
ou que é superior a uma nulidade patente, é exprimir, em qualquer dos casos, um
juízo defensável, mas cujo alcance é bem diferente.
Este efeito não escapou a Bossuet, que o sublinha expressamente: «[...] os
soberanos piedosos pretendem que toda a sua glória se apague perante a de
Deus; e bem longe de se ofenderem por esta perspectiva lhes diminuir o poder,
sabem que nunca serão tão profundamente venerados como quando só forem
rebaixados se comparados com Deus». Aproximando entre si dois termos bem
distantes, eleva-se o termo inferior, mas rebaixando em certa medida o superior.
Donde a superioridade do que é incomparável, daquele que não pode ser
comparado senão a si próprio, do que se considera único.” (pág. 93)
A revolução aparece ao mundo conservador, como o cristianismo ao mundo
sofista. Os sofistas tinham tomado o partido de rir daqueles nazarenos. É o que faz
agora o periódico a Nação, quando se trata da revolução. Não és original, ó Nação!
(Farpa III)
[Os deputados rejeitam uma proposta de revisão da Carta: embora reconheçam que essa reforma é
necessária, consideram-ma inoportuna]
Vós o que não quereis é nenhuma reforma da Carta! O que tentais evitar é
que intervenha na vossa política a força da opinião popular! E sabeis porquê?
Porque se a democracia, mesmo sob a forma monárquica, tivesse o seu advento –
as vossas doces e rendosas sinecuras ficariam estateladas no chão! E vós quereis
ouvir Bellini em S. Carlos, e tomar sorvetes no Verão com sossego! Eis aí!
Ah! vós dizeis que amais o progresso. Amais o progresso que vos inventa
cadeiras mais cómodas; o progresso que vos monta operetas de Offenbach para
acompanhar alegremente a digestão do jantar; o progresso que descobre
melhores limas para cortardes os calos! Esse progresso decerto o amais! Mas o
que não amais é o progresso político, porque esse traria uma ordem de coisas que
extinguiria os vossos ordenados, levantaria as vossas décimas sonegadas,
transtornaria as vossas posições; – isto é, este progresso tirar-vos-ia os meios de
poderdes gozar o outro. E aí está o que vós não quereis, amáveis bandidos! (Farpa
XXI)
Relações de coexistência:
Estabelecem um vínculo entre realidades de nível desigual, das quais uma é
apresentada como expressão ou manifestação da outra, como a relação entre
uma pessoa e as suas acções, os seus juízos ou as suas obras.
Sublinho o argumento de autoridade: «O argumento de autoridade só tem
interesse na ausência de prova demonstrativa». «As autoridades invocadas são
muito variáveis: tanto pode ser “parecer unânime” ou “a opinião comum”, como
certas categorias de homens, “os cientistas”, “os filósofos”, “os Padres da Igreja”
“os profetas”; por vezes, a autoridade será impessoal: “a física”, “a doutrina”, “a
religião”, “a Bíblia”; outras vezes, tratar-se-á de autoridades explicitamente
nomeadas» (p. 109).
Jesus, quando não sofria ainda aquela áspera melancolia que lhe deu mais
tarde a presença de Jerusalém branca e dura, era um meigo rabi, que percorria
perpetuamente, no infinito enlevo do seu sonho, a sua tranquila e humana Galileia,
ora a pé, ora num desses pequenos burros que têm os olhos tão grandes e tão
doces e que vêm da alta Síria. Entrava nas sinagogas; e, comentando os velhos
papiros da lei, ensinava o Deus novo. Parava nos casais, sentava-se às portas,
sobre os bancos encanastrados de vime, debaixo dos sicômoros. As mulheres
davam-lhe mel, vinho de Safed, e diziam: – «fala, rabi, fala!» As crianças tomavam-
lhe as mãos, ou puxando-lhe pelas compridas pontas do seu couffie, amarrado por
uma corda da pele de camelo, queriam ver o fundo dos seus olhos. Os discípulos
afastavam as crianças. Mas o Mestre murmurava sorrindo:
– Deixai vir ter comigo as crianças, abençoadas são elas! Elas sabem muitos
segredos que os sábios ignoram.
Parece que ultimamente o clero não tem esta consoladora ideia de Jesus. O
Sr. Encomendado de Santos-o-Velho, no dia de Finados, depois da missa
conventual, paramentado, sobre o degrau do altar, voltou-se para o povo, e
repreendeu as mães que levavam consigo as crianças à missa! E aí estão enfim as
crianças expulsas da Igreja, não podendo ao menos ir uma vez por semana erguer
as suas pequeninas mãos para aquele que foi outrora, nas sombras da Galileia, o
seu amigo imortal!