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Este pano de fundo é importante para compreender Tocqueville. Nascido numa ilustre família,
descendente de um irmão de Santa Joana D’Arc, parente de Chateaubriand e bisneto do estadista
Chrétien de Malesherbes (conselheiro de Luís XV e XVI), tendo, portanto, vínculos com o Ancien Regime,
foi obrigado, em mais de uma ocasião, a deixar a França. Em 1831, por exemplo, devido a problemas
pessoais que a derrubada dos Bourbons lhe causava, empreendeu uma viagem aos Estados Unidos cujo
resultado o tornaria célebre.
O pretexto para deixar a França foi o de realizar um estudo sobre o sistema penitenciário norte-
americano. Passou nove meses fazendo leituras, observações e, sobretudo, conversando com eminentes
membros da sociedade americana. Quando retornou à França, publicou, com seu companheiro de
viagem Gustave de Beaumont, a obra Sobre o sistema penitenciário nos Estados Unidos e a sua
aplicação na França. Mas foi o livro Da Democracia na América, cuja primeira parte foi publicada em
1835 e a segunda em 1840, que o consagrou como cientista político. Foram-lhe abertas as portas das
mais prestigiadas instituições, entre as quais a Academia Francesa (1841).
BOAZ
A democracia americana
A obra Da Democracia na América é uma análise que mantém extraordinário interesse e atualidade.
Graças à influência do historiador François Guizot e de estudos sobre a história inglesa, Tocqueville
desenvolveu uma aguda perspectiva que emerge fortemente no seu livro sobre a democracia americana.
Praticamente não houve aspecto da vida política dos Estados Unidos que não merecesse uma análise
exata. Por exemplo, ao interpretar o "Poder Judiciário nos Estados Unidos e sua influência sobre a
sociedade política", Tocqueville afirma que ‘não há, por assim dizer, ocorrência política na qual não se
invoque a autoridade do juiz. De onde se conclui, naturalmente, que nos Estados Unidos o juiz é uma
das primeiras forças políticas... Aos olhos do observador, o magistrado dá a impressão de jamais se
imiscuir nos negócios públicos a não ser por acaso; só que esse acaso acontece todos os dias’.
Em pleno século XXI esta afirmativa mantém-se plenamente válida. Basta lembrar o conflito eleitoral
Bush x Gore, resolvido na Suprema Corte. Aliás, mesmo depois do problema surgido no colégio eleitoral
da Flórida, os legisladores americanos não se preocuparam em mudar as regras do jogo eleitoral,
aceitando-as como originalmente concebidas. Assim, no pleito de 2004 será perfeitamente possível que
o candidato eleito seja o que fizer menos votos populares, mas obtiver a maioria no colégio eleitoral que
de fato irá escolher o próximo Presidente.
Dailton
A escravidão nos EUA
Diante desse quadro, viu Tocqueville, na questão da escravidão, a maior ameaça à democracia
americana. Nos estados em que ela já fora abolida, Tocqueville ainda identificava graves problemas ante
a necessidade de superaração de três preconceitos ‘bem mais intangíveis e tenazes do que [a
escravidão]: o preconceito do senhor, o preconceito de raça e, por fim, o preconceito do branco. Assim,
o negro é livre, mas não pode partilhar dos direitos, nem dos prazeres, nem das formas de trabalho,
nem das dores e nem mesmo da sepultura daquele de quem foi declarado igual. Com este não poderá
ombrear-se em parte alguma, nem na vida nem na morte’.
Transcorreria mais de um século até que a chaga da escravidão começasse a cicatrizar no tecido social
norte-americano. Tocqueville ainda previu que a abolição no sul dos Estados Unidos ‘fará crescer a
repugnância que a população branca sente ali pelos negros’.
Na segunda parte da obra Da Democracia na América, Tocqueville trata da sua influência sobre
diferentes aspectos: no movimento intelectual; nos sentimentos dos americanos; sobre os costumes e
sobre a sociedade política. Essa percepção obtida em 1831 justifica toda a fama granjeada por
Tocqueville, ainda na juventude. No Brasil, na mesma época, apesar da consolidação da independência,
a monarquia ainda periclitava. A escravidão era um tema que estava a meio século de ser revisto.
Bernardo
A Revolução Francesa
A última obra de Tocqueville - O Antigo Regime e a Revolução Francesa, de 1856 - é considerada pelos
críticos a melhor análise sobre a Revolução em França. Tocqueville começa essa obra estudando as
características da sociedade francesa no período que antecedeu a Revolução e se propõe a responder a
uma série de questões nos dois terços finais do livro, que foram publicados postumamente. Entre elas,
se destacam:
• porque o feudalismo se tornou mais detestado na França do que em qualquer outro país;
• porque um governo paternalista, como é chamado hoje, foi praticado sob o ancien regime;
• como a França se tornou o país no qual os homens mais se parecem uns com os outros;
• como o sentimento anti-religioso se espalhou e ganhou força na França do século XVIII e a sua
influência na natureza da Revolução;
• e como mudanças revolucionárias no sistema administrativo precederam a revolução política e suas
conseqüências.
Waldir
A pobreza
Como se vê, Tocqueville incursionou pela Sociologia com desenvoltura e, nesse aspecto, vale também
mencionar uma terceira obra – ainda que menos conhecida – publicada em 1835 sob o título Ensaio
sobre a pobreza. Trata-se de um ensaio curto e denso sobre os paradoxos da pobreza na Europa,
especialmente na Inglaterra. Na verdade, Tocqueville empreendeu mais de uma viagem à Grã Bretanha,
vindo a contrair núpcias com uma inglesa. A recente edição brasileira do Ensaio sobre a pobreza vem
enriquecida por uma apresentação feita pelo Embaixador Meira Penna e dos seguintes comentários:
"Lições de economia por Tocqueville (por André Andrade); "Da época de Tocqueville à era da
globalização: a questão da persistência da miséria" (por Mário Guerreiro); "Origens das preocupações de
Alexis de Tocqueville com a temática da pobreza" e "Os aspectos intelectual e político da ética pública
em Alexis de Tocqueville" (por Ricardo Vélez Rodrigues); e "Tocqueville e o mundo da Revolução
Industrial" (por Arno Wehling).
Tocqueville faleceu no sul da França, em 1859, cercado por sua esposa e duas filhas religiosas, no auge
da fama e reconhecimento (inclusive na Inglaterra, onde em 1857 fora recebido em audiência pública
pelo Príncipe Alberto). Consta que ele teria se afastado do catolicismo ainda na juventude, mas que no
final da vida reatara seus laços com a Igreja.
Bibliografia