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FIBRILAÇÃO ATRIAL

Introdução

A fibrilação atrial é uma taquiarritmia na qual a atividade elétrica atrial é caótica e não
acompanhada de contração efetiva. Sua incidência aumenta com a idade, atingindo 0,1% da
população na faixa etária de 50 a 59 anos, indo para cerca de 10% na faixa etária de 80 a 89
anos. As principais complicações decorrentes de seu aparecimento são o comprometimento da
qualidade de vida, a insuficiência cardíaca e o tromboembolismo sistêmico.

Classificação

A fibrilação atrial é classificada em forma paroxística, que se manifesta em crises com duração
de até 7 dias e que têm reversão espontânea. Na grande maioria dos casos os indivíduos têm
coração normal e frequentemente registram-se gatilhos deflagradores, como as ectopias atriais,
na sua origem. A forma não paroxística pode ser do tipo persistente, com duração acima de 7
dias até um ano e necessita algum tipo de intervenção terapêutica para normalização do ritmo
cardíaco. Esta forma corresponde a 40% dos casos da arritmia na clinica. A forma persistente
de longa duração tem as mesmas características exceto que sua duração é maior que 1 ano. A
forma permanente é aquela na qual há refratariedade a qualquer forma de tratamento ou,
então, sabe-se que a arritmia existe e é decidido pelo médico e/ou paciente pela não
intervenção, ou seja, é o ritmo cardíaco aceito tanto pelo paciente como médico assistente.
Nas formas persistente e permanente, haveriam modificações estruturais atriais representadas
pela dilatação atrial, além de áreas de fibrose tecidual, que seriam a base do substrato
arritmogênico. Nestes casos, os fatores deflagradores seriam menos importantes como na
forma paroxística, sendo o tecido atrial o principal responsável pelo surgimento e manutenção
da arritmia.

Causas de fibrilação atrial

As causas envolvidas na origem da fibrilação atrial são variadas e dividem-se em dois grupos
(tabela 1): a) a de origem cardíaca; b) de origem não cardíaca. No primeiro caso destacam-se a
hipertensão arterial, pericardite, miocardiopatia dilatada idiopática ou isquêmica, doença valvar
mitral, particularmente a estenose mitral, pós-operatório de cirurgia cardíaca e a síndrome de
Wolff-Parkinson-White, marca-passo (programação VVI). As causas não cardíacas mais
importantes são a forma idiopática (causa genética – anomalias de canais iônicos atriais), as
causadas por influências do sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático), refluxo
gastresofágico, a síndrome metabólica (resistência a insulina, hipertensão arterial, apnéia do
sono, dislipidemia e obesidade), além do consumo de drogas (cocaína, maconha), álcool,
pratica de esportes, hipertireoidismo e embolia pulmonar.

Tabela I - Causas de fibrilação atrial

Secundária à Cardiopatia
cardiopatia reumática (estenose e insuficiência mitral)
hipertensão arterial (hipertrofia ventricular esquerda)
insuficiência coronária (isquemia atrial, infarto inferior)
pós-operatório de cirurgia cardíaca
miocardiopatias (dilatada, hipertrófica)
miocardites
pericardites
marcapasso (VVI)
síndrome de Wolff-Parkinson-White

Originada em coração normal


idiopática
influências autonômicas (vagal e simpática)
refiuxo gastroesofágico
síndrome metabólica (apnéia do sono, resistência a insulina, obesidade,
dislipidemia)
ingestão de álcool
cocaína, maconha
simpáticomiméticos (descongestionantes nasais)
processos infecciosos (pneumonia, septicemia)
prática de esportes
hipertireoidismo
embolia pulmonar

Fisiopatologia

Como outras arritmias cardíacas, a fibrilação atrial se origina pela interação de três fatores: a)
presença de um substrato; b) gatilhos, representados por ectopias; c) fatores moduladores, aqui
o sistema nervoso autônomo seria o fator mais importante. O substrato na fibrilação atrial pode
já ser formado pela doença subjacente que afeta as características elétricas e histológicas do
tecido atrial, facilitando o surgimento de mecanismos reentrantes como base para o
estabelecimento da atividade elétrica desorganizada. Acredita-se que nos casos da forma
persistente e permanente, o substrato arritmogênico seja formado pelas condições
desfavoráveis que afetam o coração. Um exemplo nesta condição seria a hipertensão arterial
que causa hipertrofia ventricular, que se acompanha de distensão atrial e aumento da pressão
atrial retrogradamente, além de causar fibrose tecidual. Todos estes fatores seriam pró-
arritmogênicos nos átrios.

As ectopias seriam originadas particularmente de tecidos extra-cardíacos como as veias


pulmonares, a veia cava superior e o ligamento de Marshal (uma estrutura remanescente da
veia cava superior esquerda). Não se sabe a origem destas ectopias mas uma hipótese por nós
defendida é de que a distensão atrial por qualquer razão, causaria aumento na pressão
intravascular pulmonar e esta, por sua vez, aumentaria a frequência de disparo de
pressoreceptores localizados dentro das veias, forçando aumento da frequência cardíaca para
aliviar a hipertensão pulmonar. A presença destas ectopias poderia causar taquicardias
frequentes que culminariam com o remodelamento elétrico-histológico atrial, colaborando para
formação do substrato arritmogênico. Em indivíduos de coração normal não há ainda uma
explicação para a origem destas ectopias.

E, por fim, a arritmia seria instalada após uma intensificação da atividade autonômica, simpática
ou parasimpática que modificaria o período refratário atrial, facilitando o surgimento de
bloqueios unidirecionais, retardos na condução do impulso de maneira heterogênea, condições
importantes para gerar a reentrada. Há estudos que mostram a necessidade do aumento da
atividade autonômica, tanto sobre o substrato arritmogênico como sobre os gatilhos, para que a
fibrilação atrial surja de maneira sustentada.

Dois conceitos importantes emergem a partir da fisiopatologia da fibrilação atrial. Primeiro a


observação de que episódios intermitentes da arritmia geram mais fibrilação atrial (pela criação
do substrato arritmogênico) e, segundo, que as ectopias deflagradoras originam-se fora dos
átrios e têm papel importante no desencadeamento inicial dos episódios arrítmicos. Estes
conceitos são fundamentais e auxiliam o entendimento da forma de tratar a fibrilação atrial.
Fatores de risco para origem da fibrilação atrial

O conceito de fator de risco para uma doença implica no fato de que esta possa ser prevenida
se aqueles fatores forem tratados ou eliminados. Esta afirmação é parte de um contexto muito
importante que inclui a prevenção primária da fibrilação atrial. Vários fatores de risco estão
frequentemente associados à fibrilação atrial na maioria dos casos. A hipertensão arterial, com
sobrecarga ventricular e atrial esquerdas, seria um dos mais importantes e frequentes fatores
geradores de fibrilação atrial devido às alterações na arquitetura miocárdica representadas pela
fibrose tecidual. Nesta condição, o sistema renina-angiotensina desempenha um papel
fundamental na formação do processo fibrótico atrial, que visa conter a dilatação atrial quando
há grandes aumentos da pressão intraventricular. Estudos recentes demonstram o papel dos
inibidores da enzima de conversão (IECAs) e também dos bloqueadores de receptores de
angiotensina (BRÁs) na prevenção de fibrilação atrial em populações de hipertensos e aqueles
com insuficiência cardíaca.

A obesidade aumenta o risco de fibrilação atrial em 49% na população geral. Muitos destes
indivíduos são hipertensos ou apresentam apnéia do sono, outro fator de risco importante
associado direta ou indiretamente à arritmia. A prática excessiva de exercícios favorece o
surgimento de fibrilação atrial alguns anos após a interrupção das atividades. A bradicardia pela
atividade vagal maior, a sobrecarga ventricular esquerda e fatores genéticos estariam
envolvidos nesta condição. Processos inflamatórios que se acompanham de elevações dos
níveis plasmáticos de proteína C reativa, causam e mantém a fibrilação atrial em indivíduos
predispostos, enquanto perdurar a agressão cardíaca. A disfunção atrial esquerda causada pela
proteína C, pode ser um fator responsável pela fibrilação atrial em alguns casos. O consumo de
álcool está associado ao maior risco de fibrilação atrial, particularmente quando o consumo é
excessivo. Apesar de haver controvérsias na literatura quanto aos mecanismos envolvidos,
estudos populacionais demonstram a relação inequívoca entre ambos.

A disfunção autonômica é causa de fibrilação atrial em homens e em mulheres. Tanto o vago


como o sistema simpático, causam encurtamento heterogêneo do período refratário atrial o que
facilita o desencadeamento da arritmia. As de origem vagal ocorrem geralmente no período
noturno ou na fase de repouso pós-esforço intenso. As crises geralmente são precedidas por
episódios de bradicardia. As de origem simpática estão relacionadas com estresse ou esforço
físico. É importante na história clínica a identificação do fator desencadeante pois isso pode
interferir diretamente na forma de tratar. Por exemplo, a utilização de beta-bloqueadores na
fibrilação atrial de origem vagal tenderia a agravar a frequência de crises.

Fatores genéticos ou seja, em indivíduos com história familiar desta arritmia, são responsáveis
pela fibrilação atrial em 30% dos casos,. Os genes KCNQ1 e SCN5A são os mais
frequentemente alterados nesta população. Ganhos de função dos canais de potássio
associam-se a reduções do período refratário atrial cujo resultado é arritmogênico.

Doenças cardíacas como a lesão valvar mitral (tanto a insuficiência como a estenose)
associam-se à fibrilação atrial, quer devido às alterações mecânicas que causam a dilatação
atrial, como também secundariamente aos efeitos diretos sobre o tecido atrial pelo processo
inflamatório que lesa a válvula, como nos processos reumáticos. A fibrilação atrial é sinal de
mau prognóstico em indivíduos que evoluem com insuficiência mitral bem como naqueles com
miocardiopatia hipertrófica. A fibrilação atrial em valvulopatas mitrais afeta negativamente o
prognóstico após a correção cirúrgica valvar. Já 5% de pacientes com estenose aórtica podem
apresentar fibrilação atrial e evoluir com descompensação hemodinâmica grave.

Pela descrição acima fica claro que a fibrilação atrial é uma arritmia de causa multifatorial,
sendo raramente um evento primário. Pode-se ousar afirmar que em muitos casos, a fibrilação
atrial é “sintoma” de progressão de uma doença. Por outro lado, quando se opta pelo seu
tratamento, deve-se identificar as causas e removê-las, se possível, ou tratá-las de maneira
correta. A utilização de somente o antiarrítmico tem grande chance de tornar a terapêutica mal-
sucedida. A utilização de medicação não antiarrítmica tem a função de diminuir a repercussão
da doença na formação do substrato e também de fatores desencadeadores, enquanto que o
antiarrítmico diminui a formação dos gatilhos.

Diagnóstico Eletrocardiográfico

Embora o diagnóstico possa ser suspeitado pela sintomatologia, como surgimento súbito de
palpitações irregulares e fadiga, o eletrocardiograma é o método que confirma. A fibrilação atrial
caracteriza-se pela ausência de atividade elétrica atrial definida, ou seja, ausência de ondas P,
que são substituídas por ondulações irregulares numa frequência rápida (de 400 a 600 bpm),
irregular, de morfologia e amplitude variadas denominadas ondas “f” (figura 1). Estas podem se
manifestar com grandes amplitudes (fibrilação atrial de ondas grossas) ou de baixa amplitude (<
1mm) conhecida como fibrilação atrial de ondas finas. A amplitude das ondulações não tem
qualquer relação com tipo de cardiopatia, prognóstico, duração da fibrilação atrial ou a presença
ou não de trombos intracavitários. A frequência cardíaca é variável (90 a 170 bpm), na
dependência das condições de condução do nódulo atrioventricular. É comum na fase aguda a
frequência cardíaca ser elevada. Na fase crônica, particularmente em idosos, quando há
acometimento da condução nodal, ou sob a ação de fármacos que controlam a resposta
ventricular, a frequência cardíaca pode ser mais baixa. O mesmo acontece na fase noturna
quando registram-se bradicardias ou até pausas ventriculares de durações variáveis em
decorrência da influência vagal. Estes achados não têm implicações prognósticas quando a
frequência cardíaca é normal na fase de vigília.

Figura 1 – Eletrocardiograma de um paciente de 55 anos com fibrilação atrial. Observe a ausência de


ondas P, que são substituídas por ondulações grossas (veja V1), e a intensa irregularidade dos
intervalos RR, além de alterações da repolarização ventricular.

Pacientes nos quais a arritmia é paroxística, o diagnóstico dependerá da frequência das crises.
As frequentes podem ser diagnosticadas pelo Holter de 24/48 h, as esporádicas por meio de
monitorizações prolongadas, como o Holter de 7 dias ou o looper-recorder.

Do ponto de vista de história clínica, há referências a palpitações irregulares de inicio súbito


associadas a fadiga ou mal estar intenso. Idosos que antes realizavam atividades rotineiras
sem sintomas, passam repentinamente a queixarem-se de incapacidade e limitação aos
esforços. Pacientes com a fibrilação atrial persistente e frequência ventricular controlada,
geralmente não referem palpitações, entretanto, queixam-se de fadiga ou fraqueza difíceis de
serem caracterizadas. Na nossa experiência cerca de 21% de pacientes com fibrilação atrial
são assintomáticos e descobrem serem portadores da arritmia quando fazem alguma avaliação
médica.

Complicações Associadas a Fibrilação Atrial

Sintomatologia

Estudos demonstram que pacientes com fibrilação atrial tem qualidade de vida pior que
pacientes sem fibrilação atrial, de acordo com respostas a questionários como o SF36, que
avaliam diversos setores da vida tais como a saúde geral, função física, função social e a saúde
mental. Além disso, testes de caminhada de 6 minutos demonstram que pacientes com
fibrilação atrial têm pior desempenho físico do que aqueles sem esta arritmia. Estes fatos
atestam que a fibrilação atrial é um distúrbio de ritmo que afeta negativamente a vida dos
pacientes acometidos.

Os sintomas na fibrilação atrial são causados pela frequência cardíaca rápida e irregular. As
palpitações são secundárias a taquicardia e diástoles de durações variadas. O cansaço decorre
do aumento da pressão venocapilar pulmonar e, a fadiga, da queda do debito cardíaco. Nos
casos em que o enchimento ventricular depende da atividade contrátil atrial, pode ocorrer
edema agudo de pulmão. A insuficiência cardíaca é secundária à frequência cardíaca rápida e
do quadro miopático ventricular. Por outro lado, pacientes com disfunção ventricular podem ter
o quadro congestivo agravado pela taquicardia.

Pacientes idosos apresentam uma taxa de internação hospitalar superior aos indivíduos mais
jovens quando têm fibrilação atrial. Isso acontece quer seja a fibrilação atrial o diagnóstico
primário do paciente, quer esta arritmia seja secundária a um quadro infeccioso, por exemplo.
Insuficiência cardíaca

A fibrilação atrial pode se apresentar com frequência cardíaca elevada. As consequências


desse quadro, além da falta da contração atrial, são o encurtamento da diástole e, se a
taquicardia for mantida por longo tempo, há o risco de taquicardiomiopatia, uma forma de
cardiomiopatia dependente de frequências cardíacas persistentemente rápidas. A depleção das
reservas energéticas miocárdicas, seriam as principais responsáveis pela falência ventricular.
Os átrios são responsáveis pelo enchimento final ventricular, contribuindo para a distensão
ventricular e o aumento da sua força contrátil. Na fibrilação atrial há perda da contração atrial e
isso contribui para perda de cerca de 15% do débito cardíaco.Tal perda pode não ter grande
repercussão em pacientes com função cardíaca normal, entretanto, o grau de distúrbio
hemodinâmico se intensifica naqueles em que o enchimento diastólico é dependente da
contração atrial, tal como acontece em idosos, hipertensos ou naqueles com cardiomiopatia
hipertrófica, que já apresentam algum grau de disfunção diastólica.

A atividade atrial rápida e caótica causa um intenso bombardeio de impulsos sobre a junção
atrioventricular. Essa estrutura tem a função de “filtro”, que impede que a atividade elétrica
ventricular acompanhe a atividade atrial numa relação 1:1. Em decorrência de uma complexa
relação entre os mais diferentes graus de penetração do impulso elétrico no nódulo
atrioventricular (também conhecida como condução oculta nodal), ocorrem variações da
frequência cardíaca. As irregularidades da frequência ventricular causam variações do
enchimento cardíaco e sua repercussão correspondente no volume ejetado a cada sístole,
efeito este que colabora para outros 15% extras na redução do debito cardíaco. Diástoles
longas causam grande enchimento ventricular, com grandes volumes ejetados; efeitos opostos
são observados nas diástoles curtas.

Alguns estudos demonstram que pacientes com fibrilação atrial apresentam a atividade
simpática elevada, e tais efeitos são responsáveis pela frequência ventricular rápida. Nessa
condição, a redução do débito cardíaco causada pela perda da contração atrial talvez seja
compensada pelo aumento da frequência ventricular até um certo limite, deixando-o de ser
quando a frequência muito rápida, com diástoles curtas, reduzem o enchimento ventricular e o
volume ejetado.
Acidente Vascular Cerebral

O tromboembolismo periférico é a complicação mais temida em pacientes com fibrilação atrial.


Essa arritmia é responsável por 45% de todos os casos de embolia de origem cardíaca.
Segundo diversos autores, o cérebro é a região mais frequentemente comprometida (variando
entre 33 e 82% dos casos) em comparação ao tromboembolismo para membros (entre 13 e
38% dos casos) e vísceras (entre 4 e 42% dos casos). O risco de acidente vascular cerebral
aumenta 5 vezes em pacientes com fibrilação atrial; sua incidência aumenta com a idade e a
mortalidade anual chega a 50% dos pacientes acometidos nos Estados Unidos. O quadro mais
grave de acidente vascular isquêmico, identificado pela maior extensão de sequelas, maior grau
de disfunção motora, maior tempo de internação hospitalar e pelo maior risco de óbito, ocorre
em pacientes com fibrilação atrial, em comparação ao acidente vascular secundário, como, por
exemplo, a aterosclerose ou hipertensão arterial. A taxa de recorrências de acidente vascular
cerebral é maior nos pacientes com fibrilação atrial em comparação aos pacientes sem
fibrilação atrial (6,6% vs. 4,4%). A trombose atrial que se forma, principalmente no apêndice
atrial esquerdo, é secundaria a estáse sanguínea local, anormalidades do endocárdio atrial e,
também, por um estado de hipercoagulabilidade peculiar aos pacientes com fibrilação atrial
(tríade de Virchow).

História prévia de acidente vascular cerebral, idade avançada, hipertensão arterial e diabetes
são os mais importantes fatores de risco para o comprometimento cerebral em pacientes com
fibrilação atrial. Estes achados têm sido empregados na atualidade na elaboração de “escores”
de risco para tromboembolismo sistêmico para orientação quanto a anticoagulação preventiva
nestes pacientes, conforme será discutido adiante. Estudos das duas últimas décadas
demonstram que a warfarina diminui de maneira significativa o risco desta complicação
impactante.

Tratamento da Fibrilação Atrial

Devido aos múltiplos aspectos relacionados com a fibrilação atrial, como a qualidade de vida,
insuficiência cardíaca ou ao risco de tromboembolismo sistêmico, discute-se como e por que
tratar estes pacientes e qual seria a terapêutica ideal. Considera-se que raramente esta arritmia
é ameaçadora a vida, como acontece por exemplo com a taquicardia ventricular. Um estudo de
Framingham, entretanto, demonstrou que o risco de óbito em homens é 50% maior e em
mulheres 90% maior quando têm fibrilação atrial em relação àqueles sem esta arritmia, mesmo
corrigindo-se para outros fatores de risco como idade e presença de cardiopatias. Portanto, no
tratamento de pacientes com fibrilação atrial todos aqueles fatores complicadores devem ser
considerados.

Na pratica clínica consegue-se a abolição dos sintomas com o controle da frequência cardíaca
ou o restabelecimento do rimo sinusal. O mesmo pode-se dizer a respeito da prevenção da
taquicardiomiopatia. O tromboembolismo é prevenido por meio de antiplaquetários ou
anticoagulantes. Se a fibrilação atrial não for tratada logo no seu surgimento, há o risco de
remodelamento atrial e aumenta-se a chance da sua perpetuação. Considerando-se estes
aspectos qual seria a melhor estratégia terapêutica: reversão ao ritmo sinusal ou o controle da
frequência cardíaca ? anticoagulação ou a utilização de antiplaquetários ? Cada uma destas
etapas tem seus riscos e benefícios, como será discutido a seguir.

Restabelecimento do ritmo sinusal

Não há dúvidas de que o restabelecimento do ritmo sinusal melhora a sintomatologia e o


desempenho aos esforços, comprovados pelos testes de qualidade de vida. Por outro lado
pergunta-se: o restabelecimento do ritmo sinusal associa-se a menor taxa de mortalidade ? No
estudo AFFIRM a sobrevida daqueles que evoluíram em ritmo sinusal (independente do braço
do estudo, seja controle de ritmo ou de frequência) foi superior em comparação aos
fibriladores, entretanto, este benefício não era observado quando se considerava a utilização de
fármacos antiarrítmicos na manutenção do ritmo cardíaco normal, indicando deste modo que, a
medicação atualmente empregada não é segura. O estudo DIAMOND, que avaliou a
manutenção do ritmo sinusal em pacientes com disfunção ventricular que tomavam dofetilide
em comparação aos que tomavam placebo, que aqueles que se mantiveram em ritmo normal,
independente do tipo de tratamento (dofetilide ou placebo), que a sobrevida era superior (44%)
em relação aos que se mantinham em fibrilação atrial. Estes dados apontam para a melhora da
sobrevida, com a normalização do ritmo cardíaco, entretanto, cautela deve ser empregada na
forma de como este ritmo é mantido. Muitas vezes a obsessão pelo registro de onda P (que em
outras palavras significaria “tratar o eletrocardiograma”) não justifica os eventuais riscos de um
tratamento mais agressivo em pacientes que poderiam não se beneficiar dele.
Tanto a cardioversão química como elétrica pode ser considerada quando o ritmo sinusal é o
objetivo terapêutico. Opta-se por esta conduta em indivíduos sintomáticos, nos quais mesmo o
controle da frequência cardíaca não foi suficiente para obtenção da melhora clínica. Outros
critérios de indicação são: fibrilação atrial de início recente; nos casos em que a arritmia têm
causa conhecida; pacientes jovens (idade abaixo de 65 anos); quando há insuficiência cardíaca
desencadeada pela arritmia; quando esta conduta for a preferência do paciente após o mesmo
ter sido informado a respeito do seu quadro clínico. Particularmente nos pacientes com
fibrilação atrial de início recente ou naqueles sem cardiopatia, a não normalização rápida do
ritmo cardíaco pode favorecer a cronificação da arritmia, já que se sabe que a fibrilação atrial
tende a se auto-perpetuar.

TabeLA 2 – Indicações para o restabelecimento ou não do ritmo sinusal

Favorecem o restabelecimento do ritmo sinusal


pacientes sintomáticos
fibrilação atrial de início recente
fibrilação atrial de causa conhecida
pacientes jovens
quando há insuficiência cardíaca causada pela arritmia
preferência do paciente

Favorecem o controle da frequência cardíaca


pacientes assintomáticos
idosos (> 65 anos)
impossibilidade de tomar antiarrítmicos para prevenir recorrências
fibrilação atrial com duração acima de 2 anos
refratariedade às tentativas de cardioversão
fibrilação atrial associada a bradicardia

A cardioversão química pode ser obtida com administração oral de fármacos. Na fibrilação atrial
com duração de 7 a 14 dias, em indivíduos com coração normal, pode ser empregada a
propafenona na dose única de 600 mg. A taxa de reversão deste esquema chega a 94%, com
tempo de reversão médio de 113 minutos. Esta conduta deve ser praticada inicialmente em
hospital para se averiguar a segurança e a eficácia do tratamento, antes de ser empregada
ambulatorialmente. A amiodarona por via venosa é outra opção (na dose de 5 a 7 mg/kg), esta
entretanto demora mais tempo para fazer efeito (cerca de 9 horas) e a taxa de reversão é
comparável ao da propafenona.

A cardioversão elétrica necessita internação hospitalar e monitorização eletrocardiográfica.


Após sedação aplicam-se choques transtorácicos (100 a 200 Joules do choque monofásico ou
50 a 100 Joules do choque bifásico). A taxa de reversão varia entre 85 e 90% dos casos.
Recomenda-se a administração prévia de antiarrítmicos para estabilizar os átrios e diminuir a
possibilidade de recorrência precoce da fibrilação atrial. Após a normalização do ritmo
cardíaco, é fundamental que se mantenha o antiarrítmico para reduzir o risco de recorrências.
Esta é uma das mais frequentes causas de retorno da fibrilação atrial após a cardioversão
elétrica.

Deve-se destacar que tanto a cardioversão química quanto a elétrica deverá ser precedida de
anticoagulação plena, com warfarina, mantendo-se uma taxa de INR entre 2 e 3 por pelo menos
três semanas. Esta conduta poderá não ser adotada nos pacientes cuja fibrilação atrial tenha
duração menor que 48 horas e não seja secundária a valvopatia mitral. A presença de fatores
de risco para tromboembolismo (insuficiência cardíaca, diabetes mellitus, idade acima de 75
anos ou história prévia de acidente vascular cerebral), indica a necessidade absoluta de
anticoagulação eletiva, não importando a duração da arritmia.

A cardioversão poderá ser realizada com auxilio do ecocardiograma transesofágico quando se


pretende tornar mais rápido todo o processo, nos pacientes cuja duração da arritmia for
superior a 48 horas. Se não houver trombos ou contraste espontâneo que ocupe grande parte
do átrio esquerdo, o paciente deverá receber heparina (com tempo de tromboplastina 1,5 a 2
vezes o valor normal) simultaneamente ao anticoagulante e, a seguir, submeter-se a
cardioversão elétrica. A heparina poderá ser suspensa posteriormente somente quando se
atingir a taxa de INR entre 2 e 3. O anticoagulante deverá ser mantido por pelo menos quatro
semanas, quando deverá ser julgada a necessidade de sua manutenção. Neste caso, se
houver risco de recorrências da arritmia e o paciente apresentar fatores de risco para
tromboembolismo, opta-se pela manutenção da anticoagulação por tempo indeterminado. Os
benefícios da anticoagulação, mesmo para os pacientes que se mantiveram em ritmo sinusal,
foram comprovados pelo estudo AFFIRM. Os pacientes que apresentaram acidente vascular
cerebral e que estavam em ritmo sinusal naquele estudo, eram exatamente aqueles que não
estavam anticoagulados ou estavam fora da faixa terapêutica (INR <2) e que tiveram
recorrência da fibrilação atrial no seguimento clínico.

O restabelecimento do ritmo sinusal poderá ser descartado em pacientes que se apresentam


com fibrilação atrial com resposta ventricular abaixo de 60 bpm; nos pacientes com recorrências
frequentes, refratários aos fármacos disponíveis; em pacientes com fibrilação atrial com
duração acima de 2 anos e, naqueles que não podem tomar ou não toleram medicamentos
antiarrítmicos para prevenir recorrências.

Controle da frequência cardíaca

O controle da frequência ventricular deverá ser sempre tentada inicialmente, mesmo que se
pretenda restabelecer o ritmo sinusal posteriormente. O objetivo desta conduta é aliviar os
sintomas comuns nas frequências rápidas, causar estabilização hemodinâmica e trazer
segurança ao paciente.

No controle a longo prazo, esta conduta está indicada em pacientes assintomáticos, idosos
(idade acima de 65 anos), pacientes que não podem ou não toleram o uso de antiarrítmicos ou
então naqueles que já se mostraram refratários ao restabelecimento do ritmo sinusal. A
frequência ventricular pode ser mantida numa faixa entre 80 e 110 bpm, adequada caso a caso,
sendo avaliada a resposta clínica por meio de anamnese, além de tolerância ao esforço pelo
teste ergométrico, teste da caminhada de 6 minutos ou o Holter de 24 horas. Deve-se ressaltar
que controle da frequência não significa baixar a frequência ventricular mas, sim, adequar a
frequência cardíaca às atividades diárias, sem que isso traga limitações na rotina do paciente.

Os fármacos mais empregados são os beta-bloqueadores, antagonistas de canais de cálcio e o


digital. A associação de digital e beta-bloqueador é a que apresenta a melhor resposta clinica. A
escolha deverá ser baseada em critérios clínicos. Geralmente para pacientes inativos, o digital
isoladamente poderá fornecer bom resultado.

Prevenção de Recorrências

Do ponto de vista clínico a etapa mais importante no tratamento de pacientes com fibrilação
atrial é a prevenção de recorrências. A limitação é a terapêutica ideal a ser escolhida para que
o ritmo sinusal seja mantido com segurança. Além disso deve ser lembrado que a fibrilação
atrial pode ser a manifestação ou o “sintoma” de várias doenças e que muitos fatores podem
estar envolvidos na sua gênese. Por esta razão, a utilização de apenas um único antiarrítmico
tem grande chance de tornar o tratamento mal sucedido. Sempre que possível identificar o fator
causal e eliminá-lo. Se houve associação com doenças, estas devem ter seu tratamento
priorizado para se diminuir a repercussão do substrato arritmogênico na origem e manutenção
da arritmia. É nesta condição que inibidores de enzima de conversão ou bloqueadores de
receptores de angiotensina devem ser considerados, como em pacientes com hipertensão
arterial ou insuficiência cardíaca. Os diuréticos desempenham função importante quando há
retenção hídrica (a distensão atrial pela hipervolemia é arritmogênica). Estatinas devem ser
consideradas em pacientes com fibrilação atrial do pós-operatório de cirurgia cardíaca ou
quando a arritmia estiver associada a níveis plasmáticos elevados de proteína C reativa. Beta-
bloqueadores são prescritos quando a fibrilação atrial está associada à hiperatividade
adrenérgica; antagonistas de canais de cálcio em casos de fibrilação atrial recorrente, já que o
cálcio tem função importante no remodelamento elétrico atrial. Na maioria das vezes a
identificação da condição clínica de base favorece a escolha do melhor agente farmacológico.

Em situações específicas, o tratamento do refluxo gastresofágico é fundamental, com a


utilização dos inibidores da bomba de prótons. Em pacientes com síndrome metabólica, a
correção dos distúrbios associados, incluindo perda de peso, tratamento rigoroso do diabetes e
da dislipidemia são essenciais para a prevenção das recorrências da fibrilação atrial.

Na escolha do fármaco antiarrítmico, a segurança terapêutica deve ser a primeira variável


considerada. Os efeitos pró-arrítmicos dos medicamentos podem suplantar o eventual benefício
que os pacientes podem ter na manutenção do ritmo sinusal. Na prática, na ausência de
cardiopatias, a propafenona e o sotalol podem ser utilizados com segurança. A amiodarona
seria a opção em caso de falhas daqueles fármacos. Em hipertensos sem hipertrofia ventricular
esquerda, sotalol ou prapafenona estariam indicados. Na presença de hipertrofia, somente a
amiodarona. Em coronariopatas, o agente de escolha seria o sotalol e, em pacientes com
insuficiência cardíaca somente a amiodarona estaria indicada. A figura 2 resume as indicações
terapêuticas para prevenção de recorrências de fibrilação atrial, segundo a sociedade européia
de cardiologia.
Figura 2 – Orientações para a prevenção de recorrências de fibrilação atrial, segundo a sociedade
européia de cardiologia. Nesta etapa do tratamento recomenda-se a estabilização do substrato
arritmogênico com fármacos não antiarrítmicos. Observe que a indicação dos antiarrítmicos é baseada
na presença ou não de cardiopatia. A dronedarona é um fármaco do grupo III ainda não disponível no
Brasil.

Na prevenção de recorrências em pacientes com mínima cardiopatia ou doença cardíaca já


estabelecida como causa da fibrilação atrial, deve-se sempre associar o antiarrítmico aos
agentes estabilizadores do substrato, conforme comentado anteriormente (IECA, BRA, estatina,
espironolactona, diuréticos e antagonistas de canais de cálcio ou beta-bloqueadores).
Considera-se que a doença subjacente já seja o substrato que precede a arritmia e como tal
deve ser tratada com vigor.

Prevenção do Tromboembolismo

A prevenção de tromboembolismo sistêmico, particularmente o acidente vascular cerebral, deve


ser o principal objetivo do tratamento de pacientes com fibrilação atrial. O tromboembolismo é a
mais grave complicação nesta população e, conforme comentado anteriormente, o cérebro é a
região mais frequentemente comprometida. O acidente vascular cerebral é a principal causa de
incapacitação precoce e também de óbito. Tipicamente, as lesões cerebrais são mais extensas,
os quadros neurológicos são mais graves, de evolução mais arrastada e a taxa de mortalidade
média anual é elevada. Por todas estas razões o tratamento destes pacientes deve ser rigoroso
com a utilização de anticoagulante. Vários estudos demonstram que a warfarina quando
administrada corretamente mantendo o paciente numa faixa terapêutica adequada (taxa de INR
entre 2 e 3) causa redução 68% no risco de complicações embólicas. Esta é a forma de
tratamento que comprovadamente muda a história natural da fibrilação atrial, aumentando a
sobrevida.

A indicação para anticoagulação baseia-se no perfil de risco do paciente. Os principais fatores


de risco para tromboembolismo são a história prévia de tromboembolismo, a valvopatia mitral
reumática e as válvulas mecânicas artificiais. Nos pacientes com fibrilação atrial não valvar, os
fatores de risco podem ser facilmente lembrados pelo acrônimo de cinco letras conhecido como
CHADS: C= insuficiência cardíaca; H= hipertensão; A= idade; D= diabetes; S= ”stroke” ou
acidente vascular cerebral. Para o cômputo da taxa de risco, cada uma das letras CHAD recebe
1 ponto cada e, a letra S, dois pontos (CHADS 2). A pontuação menor associa-se ao menor risco
de acidente vascular cerebral (ver figura 3).
Figura 3 – Critério CHADS2, sua pontuação e risco de acidente vascular cerebral. Observe que com o
aumento do número de pontos aumenta o risco de tromboembolismo cerebral (Modificado de gabe BF et
al. JAMA 2011; 285:2864-2870).

Se o paciente apresentar 2 pontos ou mais está indicado o anticoagulante. Para índices abaixo
de 2 indica-se o ácido acetilsalisílico ou o anticoagulante. Note que mesmo para pontuação
zero no CHADS2 há algum risco de tromboembolismo (1,2%).

Numa reavaliação objetiva daqueles fatores de risco utilizados para a elaboração do CHADS2 foi
demonstrado que alguns apresentavam importância maior que outros e, por esta razão
deveriam ter maior pontuação nos critérios de risco. Isso aconteceu quando se analisou o item
idade acima de 75 anos, que passou a receber dois pontos ao invés de um. Além disso,
observou-se que o sexo feminino e a presença de placas de aterosclerose em vasos tais como
carótidas, aorta, femorais e até coronárias, identificavam fatores de risco adicionais e por esta
razão foram incluídos recebendo um ponto cada. Por esta razão idealizou-se um novo escore
que contempla estes novos fatores, conhecido como CHA 2DS2VASc (observe que agora os
principais fatores de risco para acidente vascular cerebral recebem dois pontos: idade acima de
75 anos e história prévia de acidente isquêmico cerebral).

Tabela 2 – Critérios de risco para tromboembolismo cerebral segundo o escore CHA 2DS2-VASC, que
agora incorpora novos fatores de risco e apresenta pontuação diferente do clássico CHADS2.

Critério CHADS2-VASC Escore de risco

História prévia de AVC 2


Idade > 75 anos 2
Hipertensão 1
Diabetes 1
Insuficiência cardíaca 1
Doença vascular 1
Idade 65 a 74 a 1
Sexo feminino 1
Deve-se destacar que este novo escore de risco não exclui o clássico CHADS2 descrito no
parágrafo anterior. Na verdade este continua sendo empregado normalmente pois identifica
pacientes de alto risco. A grande vantagem do novo escore é a decisão de tratar efetivamente o
paciente que apresenta pontuação menor que 2 no CHADS2 clássico. Nesta condição a dúvida
fica em se anticoagular ou administrar antiplaquetário ou não se fazer nada (caso a pontuação
seja 1 ou zero). Por exemplo, uma mulher de 65 anos, sem outros fatores de risco, segundo o
escore CHADS2 clássico receberia pontuação zero e, deste modo não seria tratada. Entretanto,
se for aplicado o novo escore CHA2DS2VASc ela receberia dois pontos (sexo feminino = 1;
idade entre 64 e 75 = 1) e seria anticoagulada. Com este novo escore de risco pretende-se
identificar os verdadeiros indivíduos de baixo risco, excluindo-os da necessidade de se
anticoagular, muito mais do que incluir os de alto risco para serem anticoagulados (que já
seriam identificados pelo CHADS2). Na prática clínica, a utilização destes critérios pode ser
observada na figura abaixo:

CHADS2 score ≥2† †C= insuficiência cardíaca


H= hipertensão, A= idade ≥75 a,
Diabetes, S=
AVC/AIT/tromboembolismo
Considerar outros fatores de risco* Não Sim
*Outros fatores de risco não maiores
clinicamente relevantes: idade 65–74 a,
Idade ≥75 anos sexo feminino, doença vascular

Não sim

≥2 fatores de risco*

Não Sim ACO

1 outro fator de
risco*

Sim ACO(ou AAS)

Não Nada (ou AAS)

Figura 4 – Algoritmo para utilização do escore de risco CHADS 2 para anticoagulação de pacientes com
fibrilação atrial. Inicia-se a análise baseado no escore CHADS2 clássico. Se este for igual ou maior que
dois pontos, o paciente deve ser anticoagulado. Caso a pontuação seja menor, emprega-se o critério
idade. Se este for maior que 75 anos, indica-se a anticoagulação, caso contrário, empregam-se os
outros fatores de risco (idade entre 65 e 74 anos; sexo feminino; doença vascular periférica). Na
presença de dois ou mais destes fatores, indica-se a anticoagulação. Somente se houver um destes
fatores de risco, indica-se preferencialmente o anticoagulante, ou o ácido acetil-salicílico. Se não houver
nenhum dos fatores de risco, preferencialmente o paciente não recebe nenhum tipo de medicamento,
antiplaquetário ou anticoagulante.

O grande desafio na clínica é a adequada anticoagulação com a warfarina. Este fármaco sofre
interações com alimentos ou outros medicamentos, além de poder apresentar alterações de
seu metabolismo ou ação, de acordo com aspectos genéticos do paciente, que podem interferir
na taxa de anticoagulação avaliada pelo INR. Por estas razões, o tempo efetivo de manutenção
na faixa terapêutica é baixo, o que aumenta o risco de tromboembolismo. Por outro lado,
elevações excessivas da taxa de INR, nos quais os idosos são mais propensos, pode aumentar
o risco de hemorragia. Além disso, a necessidade de frequentes aferições da taxa de INR,
desmotivam os pacientes tornando-os menos aderentes ao uso do anticoagulante. Na prática
clínica, pacientes de alto risco para tromboembolismo tendem a receber menos o
anticoagulante por todas estas variáveis envolvidas. Por isso é necessário o advento de novos
fármacos anticoagulantes, que não sofrem as interações medicamentosas ou alimentares,
sejam mais seguros e que permitam uma anticoagulação sem a necessidade de avaliações
periódicas do INR. Estarão disponíveis em breve em nosso meio o dabigatran, rivaroxaban e o
apixaban. O dabigatran foi recentemente testado em um estudo multicêntrico (estudo RE-LY)
incluindo pouco mais de 18000 pacientes. Numa avaliação comparativa com a warfarina
demonstrou-se ser tão eficaz quanto esta última (na dose de 110 mg) ou até superior a esta (na
dose de 150 ms) na redução de tromboembolismo sistêmico. Além disso, as taxas de
hemorragia cerebral foram semelhantes (dose de 150 ms) ou até menores que as da warfarina
(dose de 110 mg). Estes achados são a base para a utilização deste novo agente num futuro
próximo no tratamento de pacientes com fibrilação atrial e com risco de tromboembolismo. Nos
Estados Unidos e Europa, o dabigatran já foi liberado para utilização em pacientes com
fibrilação atrial (indicação Classe I, nível de evidência B).

Do mesmo modo que existem critérios identificadores de risco para tromboembolismo


sistêmico, há critérios de maior risco de hemorragia causado pelo anticoagulante (escore de
risco conhecido como HASBLED). È importante salientar que estes critérios não indicam que o
paciente não deva ser anticoagulado mas, sim, em caso de anticoagulação devem ser
reavaliados com maior frequência e orientados para o uso correto do anticoagulante para evitar
esta complicação. A tabela 3 apresenta estes critérios idealizados pela sociedade européia de
cardiologia.
Tabela 3 – Escore HASBLED para avaliar risco de hemorragia causado pelo anticoagulante oral

H hipertensão 1
A função renal e hepática 1 ou 2
anormal (1 ponto cada)
S AVC 1
B sangramento 1
L INR lábil 1
E idoso (> 65 a) 1
D drogas ou álcool (1 ponto cada) 1 ou 2

Pontuação máxima = 9; maior risco de hemorragia, pontuação > 3

Tratamento não Farmacológico da Fibrilação Atrial

O restabelecimento do ritmo sinusal parece ser realmente importante no tratamento de


pacientes com fibrilação atrial. Devido a eficácia da terapêutica farmacológica apenas razoável
na manutenção do ritmo sinusal, além do risco de complicações pró-arrítmicas, novas
alternativas terapêuticas deveriam ser utilizadas. No final da década de 1980, Cox idealizou o
tratamento cirúrgico da fibrilação atrial que incluía uma série de lesões no tecido atrial, com o
objetivo de interromper os circuitos elétricos que mantinham a fibrilação atrial tentando, desta
forma restabelecer o ritmo sinusal. Apesar da satisfatória taxa de sucesso, tratava-se de um
procedimento invasivo com todas as suas desvantagens. Ao longo dos anos foram realizadas
várias tentativas de se reproduzir no laboratório de eletrofisiologia as mesmas lesões realizadas
na cirurgia. O tempo de sala neste procedimento entretanto, era muito prolongado, com
excessiva carga de raios X, desmotivando o seu emprego. Algumas publicações de relatos de
casos feitas por Haissaguerre mostravam o sucesso de aplicações lineares de lesões de
radiofrequência no átrio direito. A melhora dos resultados foi observada quando se aplicaram
lesões também no átrio esquerdo. Melhora ainda mais significativa foi notada quando, após
descobrir-se que ectopias originadas no interior das veias pulmonares eram as principais
causadoras da fibrilação atrial, sua abolição seguia-se de normalização do ritmo atrial. Foi a
partir daí que se idealizou a ablação destes focos ectópicos. Este fato entretanto, acarretava
risco maior de estenose de veias o que fez com que a técnica redirecionasse a aplicação da
energia na região antral das veias pulmonares. Esta é a base da técnica utilizada na atualidade
para o tratamento não farmacológica da fibrilação atrial por meio de cateteres, utilizando a
radiofrequência como principal fonte energética.

A indicação da técnica passou da forma paroxística da fibrilação atrial para até mesmo as
formas persistente e a persistente de longa duração e em casos selecionados da forma
permanente. Pacientes com fibrilação atrial associada a insuficiência cardíaca passaram a se
beneficiar do retorno ao ritmo sinusal com melhora extraordinária dos parâmetros
hemodinâmicos, incluindo a fração de ejeção e os volumes diastólicos ventriculares. A técnica
teve sua indicação também expandida ao pacientes idosos, dados os bons resultados obtidos.

Os resultados iniciais apresentavam diferenças significativas na manutenção do ritmo sinusal


em 12 meses de seguimento, em comparação com o tratamento farmacológico, a ponto de ser
discutida até mesmo a indicação da ablação como primeira opção terapêutica da fibrilação
atrial. Embalados pelo sucesso dos resultados e também das baixas taxas de complicação, a
ablação da fibrilação atrial tornou-se quase uma rotina nos grandes centros. Entretanto, ao
longo dos anos perceberam-se que as taxas de recorrências em idosos e em pacientes com
fibrilação atrial de longa duração eram mais altas. Outros estudos começaram a mostrar que
pacientes com insuficiência cardíaca puderam ter algum benefício, mas o risco de complicações
e também de recorrências, eram maiores. Todos estes fatos somados a necessidade de nova
ablação em cerca de 30 a 40% dos pacientes, além de uma taxa de recorrência elevada após 5
anos de seguimento, fizeram com que a ablação na atualidade ficasse restrita a algumas
condições. Pacientes jovens, sintomáticos sem cardiopatias, podem ter a ablação indicada
como primeira opção terapêutica, antes que sejam tentados fármacos antiarrítmicos (figura 5 ).
Segundo orientações da sociedade européia de cardiologia, pacientes com fibrilação atrial
associada a uma cardiopatia devem primeiro submeter-se ao tratamento farmacológico,
antiarrítmico e não antiarrítmico e, em caso de insucesso serem submetidos ao procedimento
ablativo.

Os resultados da ablação com radiofrequência são bons em mãos experientes. A melhora


clinica dos pacientes fica comprovada pelos ótimos resultados dos testes de avaliação de
qualidade de vida, como o SF36. Entretanto deve ficar o alerta da necessidade de um novo
procedimento alguns meses depois, devido a recorrências ou ao surgimento de taquiarritmias
atriais, como o flutter atrial esquerdo que causa tanto sintoma quanto a própria fibrilação atrial.
Além disso, os pacientes devem ser informados que com o passar dos anos a taxa de
manutenção de ritmo sinusal começa a cair, não por insucesso da técnica mas, devido a
progressão da doença que originou a arritmia ou pela própria degeneração do sistema de
condução atrial. Além disso, não se pode afastar o efeito pró-arritmogênico das lesões de
radiofrequência no tecido atrial esquerdo, que passa a ter agora uma evolução diferente
causada pela formação de fibrose em áreas em que foram aplicadas as linhas de ablação.

Figura 5 – Orientação atual das diretrizes européias para o tratamento da fibrilação atrial por meio com
fármacos e da ablação com radiofrequência. A esquerda as orientações para os pacientes com
cardiopatia estrutural. A direita, para indivíduos não cardiopatas. Observe que para estes últimos a
ablação pode ser a primeira abordagem terapêutica, antes mesmo dos fármacos. A dronedarona é um
fármaco antiarrítmico do grupo III ainda não disponível no Brasil.
FLUTTER ATRIAL

É uma arritmia pouco comum na clínica, representando menos de 1% das arritmias atendidas em
ambulatórios de cardiologia. Pode apresentar-se de forma crônica ou aguda. A crônica geralmente
está associada a algum tipo de cardiopatia que evolui com grandes aumentos das câmaras atriais,
como por exemplo a valvulopatia mitral (estenose ou insuficiência), hipertensão arterial,
miocardiopatias (dilatada ou hipertrófica), infarto agudo do miocárdio, miocardite, pericardite,
cardiopatias congênitas (comunicação interatrial, anomalia de Ebstein, atresia tricúspide, etc). As
causas não cardíacas podem ser encontradas em indivíduos com doença pulmonar obstrutiva
crônica; após ingestão de álcool, cafeína e anfetamina (tabela 1). A forma aguda ou paroxística do
flutter atrial é rara e pode ocorrer em indivíduos sadios e é de causa desconhecida, tende a ser
um ritmo instável, revertendo a ritmo sinusal ou degenerando em fibrilação atrial. Em alguns
casos, o flutter atrial pode ser registrado em pacientes que fazem uso de fármacos antiarrítmcios
para o tratamento de fibrilação atrial. Isso pode ser observado em pacientes em uso de
medicamentos antiarrítmicos tais como a propafenona, amiodarona ou sotalol.

Um outro tipo clínico de flutter atrial pode ser encontrado em pacientes submetidos a atriotomia, tal
como ocorre em correções de cardiopatias congênitas ou nos pacientes submetidos a circulação
extra-corpórea, quando a colocação das cânulas no átrio direito, a lesão aí provocada uma
barreira anatômica que predispõe ao surgimento da arritmia. No pós-operatório de cirurgia
cardíaca em geral, o flutter atrial pode ser registrado em cerca de 30% dos casos e pode estar
relacionado com a idade avançada do paciente, à pericardite química, tipicamente encontrada
após o manuseio cirúrgico, a alterações eletrolíticas ou do equilíbrio ácido-básico, além de
hiperatividade simpática comum de pós-operatório. Nesse período o flutter atrial costuma ser
transitório e reverter espontaneamente. Um tipo mais raro, recentemente descrito, é o flutter atrial
atípico que surge após o isolamento das veias pulmonares quando do tratamento ablativo da
fibrilação atrial. Nesses casos, as linhas de lesão provocadas após a aplicação de radiofrequência
podem servir de barreira anatômica que predispõe à reentrada do impulso elétrico no átrio
esquerdo. O flutter atrial pode ainda surgir na vida intra-útero, de origem nem sempre aparente,
podendo ser causa de insuficiência cardíaca fetal. Em recém-nascidos o flutter pode se manifestar
de forma transitória, causando repercussão clínica variável, desde ausência de sintomas, quando
o diagnóstico é feito de maneira incidental pelo neonatologista, ou quando a arritmia é causa de
sintomatologia exuberante, como insuficiência cardíaca, que motiva a internação hospitalar. Em
crianças maiores e adolescentes, o flutter atrial paroxístico pode estar associado a maior risco de
morte súbita.

Tabela I – Causas de flutter atrial


Causas cardíacas
valvopatia mitral (estenose ou insuficiência)
hipertensão arterial
miocardiopatias (dilatada, hipertrófica)
cardiopatias congênitas (CIA, anomalia de Ebstein, atresia tricúspide)
flutter atrial do recém-nascido
pós-operatório de cirurgia cardíaca
pós isolamento de veias pulmonares (ablação de fibrilação atrial)
fármacos antiarrítmicos (tratamento de fibrilação atrial)
Causas não cardíacas
doença pulmonar obstrutiva crônica
álcool
drogas (anfetamina)
cafeína

Diagnóstico Eletrocardiográfico

Do ponto de vista eletrofisiológico, o flutter atrial é um circuito de macroreentrada no qual o


impulso elétrico caminha por entre as barreiras anatômicas atriais. Tais barreiras são
representadas pelo anel tricúspide anteriormente, e a crista terminalis posteriormente. Além
dessas, as áreas de fibrose causada pela atriotomia podem também estar envolvidas no circuito.
Desse modo, a frente de onda caminha pelo tecido normal, desviando de tais barreiras, podendo
transitar no sentido anti-horário, com o impulso descendo pela parede lateral do átrio direito e
subindo em direção ao septo inter-atrial, ou no sentido oposto (figura 1). Em ambas as condições
existe uma área de condução lenta geralmente localizada na região do istmo cavo-tricuspídeo.
Tabela II – Classificação do flutter atrial
Quanto a frequência atrial
Flutter atrial do tipo I – frequência atrial varia entre 250 e 350 bpm
Flutter atrial do tipo II – frequência atrial varia entre 350 e 450 bpm

Quanto a morfologia das ondas F


Flutter atrial do tipo comum – ondas F negativas em D2, D3 e aVF
Flutter atrial do tipo incomum – ondas F positivas em D2, D3 e aVF

Eletrocardiograficamente o flutter atrial caracteriza-se pela presença de ondas F em "serrote",


contínuas (ou seja, não separadas por linha isoelétrica) indicando que o tecido atrial passa am
maior parte do tempo ativada. No flutter tipo I a frequência atrial varia entre 250 e 350 bpm e pode
ser interrompido por estimulação atrial artificial. Comumente, a frequência atrial é de 300 bpm,
com resposta ventricular de 150 bpm (condução atrioventricular 2:1). Sob efeito de medicamentos
que retardam a condução atrioventricular, a relação pode ser de 3:1, 4:1 ou variável. Mais
frequentemente a relação atrioventricular é par, ou seja, do tipo 2:1, 4:1, indicando bloqueio
multinível no nódulo atrioventricular (2:1 na sua porção superior e 3:2 na porção mais caudal). O
flutter atrial do tipo II apresenta frequência atrial variando entre 350 e 450 bpm e caracteriza-se por
ser refratário à medicamentos ou estimulação atrial artificial, geralmente necessitando de
tratamento mais agressivo.

Quanto a morfologia das ondas F, estas podem ser negativas nas derivações D2, D3 e aVF como
no flutter clássico, também denominado flutter atrial do tipo comum (figura 2) ou raramente,
positivas também conhecido como flutter atrial do tipo incomum (figura 3). No primeiro caso, as
ondas F não são negativas, mas apresentam algumas peculiaridades a serem destacadas, ou
seja: a) têm um descenso lento; b) apresentam uma poção negativa aguda; c) têm uma ascenção
rápida; d) a porção ascendente ultrapassa ligeiramente a sua própria altura, reiniciando a seguir
uma nova trajetória negativa. Na derivação V1, as onda F apresentam mais frequentemente a
polaridade positiva. Essa é a forma de apresentação do flutter atrial que ocorre em mais de 90%
dos casos. A maneira pela qual os átrios são despolarizados é que vai determinar a polaridade
das ondas. O flutter atrial com rotação anti-horária inscreve ondas F negativas nas derivações D2,
D3 e aVF, enquanto o flutter com rotação horária, as ondas F são positivas naquelas derivações
(figuras 2 e 3 ).
O ritmo é regular, quando a condução atrioventricular mantém relação constante; sendo
irregular na presença de bloqueio atrioventricular do segundo grau, mais frequentemente o
Mobitz tipo I ou Wenckebach. A frequência ventricular pode variar na dependência do tônus
autonômico, estando mais baixa quando predomina a atividade vagal, provocando nesses casos
maior grau de bloqueio atrioventricular, ou então, a frequência ventricular pode ser rápida, em
vigência de hiperatividade simpática que se manifesta por exemplo, durante exercício físico.
Nessa última condição pode-se instalar frequência extremamente rápida, quando os átrios
conduzem numa relação 1:1 para os ventrículos. Dessa maneira, o pulso arterial de um paciente
com flutter atrial pode variar frente a diferentes condições clínicas, desde frequências mais lentas
até frequências extremamente rápidas.

Quando a frequência ventricular é rápida e as ondas F não são visíveis, o diagnóstico do flutter
atrial pode ser facilitado pela compressão do seio carotídeo, que aumenta o grau de bloqueio
tornando-as evidentes. A adenosina pode ser administrada também com o mesmo objetivo. A
associação de ambas as técnicas, adenosina e compressão do seio carotídeo, também pode ser
empregada com o mesmo objetivo. A derivação esofágica (uni ou bipolar) confirma o diagnóstico
em casos duvidosos.

A frequência ventricular pode ser mais lenta (abaixo de 150 bpm) em pacientes em uso de
fármacos que retardam a condução atrioventricular, como digital, verapamil ou diltiazem. Do
contrário, flutter atrial com frequência cardíaca baixa pode ser indicativa de doença nodal, tal como
ocorre nos pacientes com doença do nódulo sinusal ou com degeneração do sistema de
condução. Em vigência do so de amiodarona ou propafenona, pode haver redução da frequência
atrial e causar aumento da resposta ventricular. Como estes fármacos também causam redução
da condução intraventricular, pode haver alargamento dos complexos QRS resultando num
padrão eletrocardiográfico que simula taquicardia ventricular.

Tratamento

O flutter atrial costuma ser refratário ao tratamento farmacológico e, por essa razão a cardioversão
elétrica sincronizada é a conduta de eleição na maioria dos casos. Podem ser empregados
choques com carga baixa, da ordem de 50 a 80 Joules (25 a 40 Joules de choque bifásico),
aumentando para 100 ou 150 Joules se necessário.
Para redução da frequência ventricular em pacientes hemodinamicamente estáveis, quando se
programa a reversão eletiva do flutter, pode utilizado o diltiazem (0,25 mg/Kg infundido em 5
minutos; 0,35 mg/Kg cerca de 15 minutos depois da primeira dose). Esse agente não devem ser
administrados a pacientes sinas e sintomas de insuficiência cardíaca. Quando se opta pela
utilização de fármacos como tentativa de reversão química, vale lembrar que o digital pode
transformar o flutter tipo I em fibrilação atrial e, em seguida, esta reverter espontaneamente para
ritmo sinusal. Esta contudo, não é uma conduta prática, principalmente também porque o digital
não é um bom antiarrítmico para reversão do flutter atrial. A amiodarona (300 mg infundida em 20
minutos) é um fármaco que pode ser administrado na tentativa de reversão do flutter.
Ambulatorialmente, fármacos administrados por via oral, como a propafenona (450 a 900 mg ao
dia) ou amiodarona (200 a 400mg/dia, após período de impregnação), podem reverter o flutter
atrial para ritmo sinusal em alguns casos. É importante ressaltar que o efeito da amiodarona é
observado num período que varia entre 7 a 10 dias após o início do tratamento. Por esta razão,
deve-se aguardar esta fase, antes de se confirmar o insucesso terapêutico. Não raramente estes
medicamentos reduzem a frequência atrial do flutter causando aumento da frequência ventricular
e, por essa razão, aconselha-se a associação destes fármacos a outros que retardam a condução
atrioventricular, como um beta-bloqueador ou antagonista de cálcio, por exemplo. A grande
vantagem da utilização do antiarrítmico por via oral está relacionado à estabilização atrial por
ocasião da cardioversão elétrica, impedindo recorrências precoces logo após a aplicação dos
choques.

Flutter atrial com frequência ventricular satisfatória (ou seja, não associada a distúrbio
hemodinâmico) na dependência da situação clínica, não necessita a reversão, particularmente
se esta já foi tentada anteriormente e não foi bem sucedida. Quando opta-se pela não reversão,
pode-se controlar a frequência ventricular (mantendo-se a mesma entre 70 e 90 bpm), com
diltiazem (180 a 240 mg/d); propranolol (80 a 120 mg/d) ou atenolol (100 mg/d). Se a
monoterpia for ineficaz, pode-se proceder à associação destes agentes. Na falha do tratamento
medicamentoso, a opção é a ablação da junção atrioventricular com radiofrequência seguida de
implante de marcapasso definitivo, de preferência com pragramação do tipo VVIR. Esta conduta
é particularmente útil em pacientes com disfunção ventricular e que evoluem com insuficiência
cardíaca não controlada de maneira eficaz com medicamentos.
Pacientes com flutter atrial crônico devem ser anticoagulados preventivamente, quer seja esta a
conduta definitiva, quer se opta pelo restabelecimento do ritmo sinusal, através da cardioversão
química ou elétrica, principalmente naqueles portadores de cardiopatia ou com fatores de risco do
escore CHADS2.

No flutter atrial paroxístico, o uso de medicamentos deve ser mantido para a prevenção de
recorrências após o restabelecimento do ritmo sinusal. A propafenona, sotalol ou amiodarona, são
os fármacos mais eficazes e seguros.

O tratamento definitivo e mais eficaz do flutter atrial é obtido por meio da ablação do circuito
arritmogênico, particularmente em indivíduos sem cardiopatia e com flutter atrial do tipo clássico
com índice de sucesso de 80 a 90% e risco de recorrência abaixo de 10%. Após o posicionamento
do cateter, a aplicação de radiofrequência no istmo entre a veia cava inferior e o anel tricúspide,
provoca bloqueio da condução do impulso pela área de condução lenta, impedindo que o circuito
reentrante se complete, eliminando a arritmia (figura 4) .
D2

D3

aVF

Figura 1 – Na parte superior da figura, o circuito de reentrada do flutter atrial. A esquerda a frente de
onda tem rotação anti-horária, “descendo” pela crista terminalis (CT) passando pelo istmo entre a veia
cava inferior (VCI) e o anel tricúspide, “subindo” pelo septo interatrial. A direita, a frente de onda tem
rotação horária, fazendo o trajeto inverso. Na parte inferior, o eletrocardiograma com as três derivações
D2, D3 e aVF e as respectivas morfologias das ondas F. No primeiro caso as ondas do flutter
apresentam polaridade negativa; no flutter com rotação horária as ondas são de polaridade positiva.
Figura 2 – Flutter atrial do tipo comum em um paciente de 60 anos portador de miocardiopatia dilatada
idiopática. Observam-se ondulações negativas nas derivações D2, D3 e aVF, com frequência atrial de 300
bpm e frequência ventricular variável.
Figura 3 – Flutter atrial do tipo incomum em um paciente de 53 anos portador de hipertensão arterial, em
uso de anticoagulante e propafenona. Observam-se ondulações positivas nas derivações D2, D3 e aVF,
com frequência atrial de 300 bpm e ventricular de 75 bpm (bloqueio 4:1).
Figura 4 – Circuito do flutter atrial (acima) mostrando a frente de onda caminhando pelo istmo
cavotricuspídeo. Abaixo, a interrupção do circuito após a aplicação da lesão com
radiofrequência produzida pelo cateter.
Bibliografia Recomendada

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Classification of atrial flutter and regular atrial tachycardia according to electrophysiologic

mechanism and anatomic bases: A statement from a joint expert group from the working group of

arrhythmias of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and

Electrophysiology. J Cardiovasc Electrophysiol 2001;12:852–866.

12 - Cosio FG, Arribas F, L´opez Gil M, Palacios J. Atrial flutter mapping and ablation. I. Studying

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13 - Isthmus dependent atrial flutter. In Issa ZF, Miller JM, Zipes DP (eds): Clinical arrhythmology
and electrophysiology. Saunders Elsevier. Philadelphia, 2009; 177-191.

Questões Sobre Fibrilação Atrial

1 – Sobre a fibrilação atrial é correto afirmar que:


a) as principais complicações ao o comprometimento da qualidade de vida,
insuficiência cardíaca e tromboembolismo sistêmico
b) sua incidência aumenta com a idade, tanto em homens quanto em mulheres
c) aumenta o risco de óbito e hospitalizações
d) o tromboembolismo é a mais grave complicação
e) todas estão corretas

2 – Sobre as complicações da fibrilação atrial:


a) o risco de tromboembolismo depende do tipo de fibrilação , se paroxística,
persistente ou permanente
b) a insuficiência cardíaca ocorre por causa da ausência de contração atrial,
frequência cardíaca rápida e irregular e da disfunção ventricular
(taquicardiomiopatia)
c) a maior parte dos pacientes com fibrilação atrial não têm sintomas
d) o risco de tromboembolismo diminui com o avançar da idade
e) nenhuma das anteriores
3 – Sobre a fisiopatologia e fatores de risco para fibrilação atrial
a) os gatilhos (extra-sístoles atriais e taquicardia atrial) são a única causa de
fibrilação atrial
b) as doenças cardíacas ou extra-cardíacas não têm nenhuma influência na
formação do substrato arritmogênico atrial para gerar a fibrilação atrial
c) a hipertensão arterial é o mais frequente fator de risco para origem de fibrilação
atrial
d) os mecanismos arritmogênicos não têm nenhum papel na escolha da forma de
tratar pacientes com fibrilação atrial
e) todas estão corretas
4 – Sobre o tromboembolismo na fibrilação atrial
a) o escore CHADS2 é o principal critério atual para iniciar a anticoagulação da
fibrilação atrial
b) pacientes com escore CHADS2 abaixo de 2 nunca precisam ser
anticoagulados, basta apenas o ácido acetil-salicílico
c) o escore CHA2DS2VASC deve ser empregado toda vez que o escore CHADS2
tiver pontuação menor que 2
d) pacientes com fibrilação atrial paroxística têm menor risco de
tromboembolismo sistêmico do que aqueles com fibrilação atrial persistente
e) há duas afirmativas corretas
5) Sobre o flutter atrial, é correto afirmar que:
a) pacientes acometidos têm risco de tromboembolismo semelhante aos
portadores de fibrilação atrial
b) fármacos antiarrítmicos têm elevado sucesso no restabelecimento do ritmo
sinusal
c) o controle da frequência da frequência ventricular apenas é a conduta de
escolha nos pacientes com flutter atrial agudo
d) a ablação do circuito do flutter tem sucesso menor que o tratamento
farmacológico
e) nenhuma das anteriores

Respostas: E, B, C, E, A
FIBRILAÇÃO E FLUTTER ATRIAIS

Dalmo Antonio Ribeiro Moreira*

*Chefe da Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmias Cardíacas, Instituto Dante Pazzanese


de Cardiologia; Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo; Professor Titular da
Disciplina de Fisiologia Humana, Faculdade de Medicina de Itajubá.

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