Você está na página 1de 14

FOLHA INFORMATIVA Nº20-2010

Esta é uma Folha Informativa produzida a partir de um trabalho de Diogo Narciso, um jovem
estagiário da Junta de Freguesia de Azinhaga (a terra do prémio Nobel da literatura, José
Saramago), no concelho de Golegã. Pela sua qualidade e simbolismo apresentamos a sua
publicação. Este trabalho foi baseado no livro “Avieiros de Azinhaga (Almonda e Tejo) –
Subsídios para a sua História”, da autoria de Paulo Martins Oliveira, em 2007, e editado pela
Câmara Municipal de Golegã. Este trabalho está publicado no blogue do Diogo Narciso,

http://aazinhaga.blogspot.com/2010/07/avieiros-de-azinhaga.html

Os Avieiros de Azinhaga

Maria e Elisa de Sousa Fernandes (Lobo), regressando da venda. Se junto ao Atlântico, na Vieira
de Leiria, eram os compradores que se dirigiam às lotas improvisadas na praia, na Azinhaga,
enfim, na lezíria ribatejana, era a Avieira que tinha de transportar o peixe para os mercados da
região, ou mesmo na venda porta a porta, garantindo que a pesca não se fizera em vão.
O vestuário dos Avieiros, representava uma memória da vida na praia da Vieira. De pequeno
chapéu preto redondo, donde pende o lenço, blusa de manga com padrão de ramagens
coloridas, mais ao menos engalanada de fitas, rendinha e outros enfeites, e o avental.
Na foto: Palmira Toito e Maria de Sousa Fernandes (Lobo).

Se junto ao Atlântico a mulher era essencialmente a vendedora do peixe, na Azinhaga do


Ribatejo ela é também pescadora e remadora.
Maria e Elisa de Sousa Fernandes (Lobo), remando e usando a vara nas cheias do rio.
A mulher tem uma importância suprema na cultura Avieira. Além de fazer tudo o que o marido
executava, ainda lhe acresce a lide do barco e o cuidar dos filhos. As condições de trabalho e de
vida eram-lhe mais difíceis que às restantes mulheres da região, fazendo dela uma das figuras
mais impressionantes e corajosas do nosso povo.
Na foto, quando já o Almonda, ao passar à Azinhaga, quase secava durante o verão, Palmira do
Rosário Fernandes (Lobo) com seu marido Joaquim Petinga (Jaqueta).

De barrete preto, camisa axadrezada, cinta preta e calça de fazenda ou de cotim, arregaçada.
Era assim o traje masculino dos Avieiros, demonstrando a reminiscência dos tempos da Vieira.
Luís Fernandes (Lobo), Custódio Petinga e Palmira Toito, de avental de riscas largas, como era
uso. Festa do Divino Espírito Santo, Azinhaga (inicio séc. XXI)
"Eis o velho Avieiro, pescador por necessidade e fado, livre acima de tudo..."
Carlos Fernandes (de luto), trisavô da actual última geração dos Jaquetas. Quando o rio não lhe
dava peixe, o Avieiro trabalhava no campo. O luto, era um dos aspectos mais vincados da cultura
Avieira. Como todas as demais gentes do mar ou do rio, era muito mais carregado do que
qualquer outro grupo comunitário. Por morte dos pais, poderia durar até três anos. A perda de
um filho ou cônjuge era assinalada durante toda a vida.

A tradicional construção Palafita do Avieiro, à Ponte do Cação, dentro da actual urbe que os
árabes chamavam de Azzancha. Recuperada pelo seu proprietário, Custódio Petinga, com o
apoio do Município da Golegã, está suspensa por colunas de tijolo e cimento, outrora troncos de
madeira, para deixar passar as águas, apresentando um telhado de duas águas, com uma
fachada que exibe duas portas e uma janela, cujo acesso é feito por uma escada que liga a
varanda fronteira à superfície térrea.
Custódio Petinga, da família conhecida pelos Jaquetas, Avieiro azinhaguense ainda em
actividade. Aqui restaurando e reabilitando o seu barco que construiu e baptizou de João Pedro,
adquirido em 2007 pela Câmara Municipal, para figurar como elemento do monumento "Tributo
ao Avieiro de Azinhaga", erigido pelo Município da Golegã, junto à Ponte do Cação.
O certificado da "Bateira" João Pedro, emitido pelo Ministério do Ambiente e Ordenamento do
Território e do Desenvolvimento Regional, através da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo, em 2007,
com as características da embarcação.

Actualmente os Avieiros utilizam sobretudos dois tipos de redes que eles próprios executam: o
tremalho e a nassa (narsa). Algumas vão caindo em desuso como a varina que é uma rede de
malha larga utilizada na safra do sável. Esta tinha por vezes uma centena de metros de
comprimento e servia para apanhar peixe (>1,5Kg) e suportava quase uma tonelada de peixe. A
mosqueira, ao contrário, é uma rede de malha muito basta utilizada sobretudo na enguia miúda
à qual os Avieiros, na sua maioria são-lhe adversos.
Existia outra variedade de tremalho - era o sabogalho, já que em tudo lhe era semelhante,
excepto na maior altura e extensão, para pescar espécies maiores, nomeadamente a saboga. O
tremalho, é uma rede composta por três malhas, dia o nome. As alguitanas são as duas malhas
exteriores que são mais largas que a interior, o pano. É uma rede de arrasto!
No foto: Manuel Servo e Maria de Sousa Fernandes (Lobo).

Outro tipo de rede é a "narsa", no dizer dos Avieiros, bonitos objectos de artesanato, circulares,
com armação executada com arcos de salgueiro unidos por canudos de sabugo.
Na foto: Manuel Servo e Maria de Sousa Fernandes (Lobo).
No apego à pesca e ao rio, diferenciava-se dos demais.
Na foto: Isolino (Islino) Fernandes Petinga (Jaqueta).

A fidelidade à arte ditada parte tradição cultural. Custódio Petinga (Jaqueta), na actualidade
ainda executa e remenda redes. Na varanda da sua palafita, reabilitada em Maio de 2007.
Um velho “lobo do rio”.
A sua última fotografia, Maio 2007. Luís Fernandes (Lobo), em sua casa, na Azinhaga.

Irene Campino. Azinhaga, 2004

"O tremalho é uma rede com mais de 50m de extensão, ao contrário da nassa, que é a rede mais
pequena, utilizada na pesca da enguia. As nassas de tamanho médio são chamadas de galrichos
e as de tamanho grande de boteirões. Se o tremalho é uma rede de arrasto, a nassa (narsa)
trabalha de forma fixa, arma-se à noite, na barreira, rente aos salgueiros, com caracóis a servir
de isco e levanta-se um ou dois dias depois pela manhã. A nassa é segura pelas rebeiras
ferradas no leito do rio" - António Matias Coelho.
A saia de roda com pregas, o lenço vistoso sobre os ombros ou na cabeça, com duas grandes
pontas, meias desprovidas de pé e cobrindo a perna até ao artelho e os tamancos, faziam parte
da indumentária das gentes que vieram do lados do mar. Júlia Fernandes Silva Petinga
(Jaqueta), Maria Luísa e Maria José Mota da Silva (Narciso e Jaqueta), numa evocação do traje
(séc. XXI), durante a Festa do Bodo em honra do Divino Espírito Santo, na qual, como na das
"bateiras", na segunda-feira seguinte à Pascoa, os Avieiros se associam, dando conta da sua fé,
em plena comunhão com a restante comunidade, da qual já são parte integrante.

O progresso não teve piedade para aqueles que trabalhavam e viviam do rio, já que a sua
riqueza por incúria dos homens não foi salvaguardada. Maria de Sousa Fernandes (Lobo),
transporta com ela no seu barco, os encantos, os desencantos, as alegrias e as tristezas de uma
vida deixada no Almonda e no Tejo, que agonizam, e desfilam aos seus olhos que mantêm um
azul brilhante e vivo.
Os filhos não quiseram o rio. Nem aprenderam a arte. Casaram com gente da terra,
empregaram-se, aprenderam outras profissões e optaram por outros modos de vida.
Na foto: Elisa e Maria de Sousa Fernandes.

Hoje não passa de uma visão insólita.


Na foto, alguns dos Fernandes (Lobo), no rio Tejo.
Nas Moitas era assim, antes de se mudarem para a urbe azinhaguense. À esquerda, a mãe,
Palmira Fernandes (Lobo) e a filha Júlia Petinga (Jaqueta e Lobo), aquando do seu noivado com
Eduardo Lourenço, também de descendente de Avieiros que se fixaram nas "Barreiras". Era
normal as festas dos casamentos durarem três dias, sendo em muitos a alimentação constituída
essencialmente por carne, para fugir à rotina quotidiana do peixe.
Azinhaga, segunda metade do séc. XX. Fruto da evolução dos tempos, o típico modo de vestir do
Avieiro entrou então em erosão, as referências visíveis que lembravam os antigos pescadores
começam a escassear. A comunidade Avieira começa a deixar a sua autonomia e a sua definição
unindo-se pelo matrimónio com as famílias locais. Na foto, Albertina Oliveira, ladeada pelos seus
sogros, descendentes de Avieiros, Vitória Narciso e António Petinga (Jaqueta).

Avós Jaqueta com os netos no Almonda, Azinhaga 1981.

"Os netos que já são homens, visitam os avós com frequência e gostam de assistir aos trabalhos
da pesca (...). Os bisnetos, que agora são crianças pequenas ouvirão talvez mais tarde falar dos
bisavós, diante de fotografias de outros tempos, como alguém que vivia de uma faina acabada,
arquivada quando muito nos álbuns de recordações." - António Matias Coelho, in "Os últimos
Avieiros do Tejo", Edição da Câmara Municipal de Chamusca
" Adeus terra d’Azinhaga
Não és vila nem cidade
És um cantinho do céu
Onde brilha a mocidade.

Por isso voltei


E vim para cá
Que nunca me dei
Nas bandas de lá

Vira d´Azinhaga
Teu baile me trouxe
No canto que afaga
Na volta mais doce. "

Transcrição de um comentário, extraído do blogue do autor:

Tendo eu Toito e Fernandes no meu nome, consigo rever aqui passagens da minha infância.
Embora sendo de uma terra vizinha (Vale de Figueira), cresci com alguns destes hábitos que
ainda hoje recordo com saudade.

Nas Barreiras da Bica e Foz do Alviela passei algum tempo onde pude testemunhar a vida dura
desta gente humilde e de grande coragem.

Sendo eu descendeste Avieiro com família espalhada por todos os cantos do mundo não queria
deixar passar este magnifico trabalho sem dar os meus sinceros parabéns a quem se dedica a
divulgar uma história que a cada dia que passa vai ficando mais apagada das nossas memórias.

Um grande Bem Haja

Manuel João Toito Fernandes

14 de Agosto de 2010 13:38

Você também pode gostar