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Poema-1

Caminho pela escuridão das ruas


O tempo me esquece resoluto
Pertenço aos becos distantes
A solidão me lacera como uma espada fatídica
Eu não mais posso ver aquilo que me desnuda
Meus sentidos abandonados na gaveta mais próxima
Para longe de meu longe que descreve linhas tortas
Já não sei mais quem sou onde e quando me perco
Palavras que de mim se distanciam a meio caminho do escuro
O vento esbofeteia minha face indiferente
Sinto frio em minha alma que sucumbe
Tão ausente nas coisas no assombro do que digo
Há um lugar no qual me desconheço
Jogado às traças como um objeto qualquer
Inanimado e ausente apodreço num cômodo secular
Sem nome e sem memória neste instante que me arrebata.

Poema 2
Já se foi o tempo
No qual o dizer escorria como o sangue
Não há mais frio na espinha
Todos os oceanos se calaram à margem do inferno
Próximo aos cataclismos e tempestades
As horas falavam como um louco
Que escutava o bater das ondas
Em sua alma inerte na palavra calabouço.

A memória trouxe o que restou


Deste gosto de nada na boca
Toda esta náusea enfraquecida
Que pulsa nas fezes de um rato modorrento
No animal que devora a presa sem alarde
Na crueldade inextinguível de uma criança indiferente
Neste pássaro cinzento tão pisoteado na palavra morte.

Já se foi tempo
No qual o tempo não importava
Muito menos o espaço qualquer
No qual a angústia era avassaladora
E a solidão envolvia em seus braços
O abandono nas almas proscritas
Sempre soube muito pouco
Quando caia por vezes num buraco
No além que suscitava coisas vãs
Como uma noite qualquer de mãos vazias.

Ode ao pouco que resta.

Este pedaço de pão


Por sobre esta mesa qualquer
Não tem traço nobre que o diferencie
Dos demais farelos que agora se amontoam
Por sobre esta toalha rasgada com cheiro de naftalina
Com cheiro de qualquer coisa que se foi
Para o além das águas e ventos e tempestades
Este gesto mínimo deve circular como se não fosse
Neste jeito de afundar o biscoito na xícara
Estraçalhado o fundo da mesma por um tanto de açúcar
No branco sufocante de todas as cozinhas planejadas.

Para encontrar o que resta


Dentro do nédio corpo repleto de artérias e veias suicidas
Houve uma vez um creme amarelado
Que penetrou na alma daquele qualquer fronteiriço
Ele passou de um lado para o outro
E depois passou para o lado algum
E depois se perdeu em sua própria sombra
Na esquina de um inferno como aquele tanto de café fresco
Mesclado ao seu sangue que oprimia o tal açúcar
Que o matava pouco a pouco como o inseticida que tens à mão.

Este pedaço qualquer


Este pedaço de pão dormido trespassa o frio das noites inertes
Anda por aí ao lado de quem quer que seja
Dentro de um copo de água fresca amolecida como esta crosta de nada
Toda esta minha vida
Passou do nada ao nada como um rio de sangue
Derramado nas esquinas de um absurdo rasteiro
Bem em frente à agência de correios
Ao lado oposto de quem vem de ônibus
E dobra as esquinas de um além desenganado
Pela junta mais competente deste planeta
E que sofre de um mal incurável
E que se arrasta por aí
Como se fosse menos do que uma folha de papel barato
Como se fosse e se não fosse coisa alguma
Para longe de seu longe como algo que se esquece
No armário secular onde não há mais segredo algum
Apenas e tão somente roupas e sapatos corroídos pelo tempo.

Poema 4

Este agora faz com que meu corpo titubeie


Minha vida não vale um tostão neste frio que me consome
O momento no qual regurgito e vejo o que resta de minha ausência
Neste mundo de coisas exatas como este relógio que me assiste em silêncio.

Jamais encontrei meu nome onde quer que fosse


Pude assim trocar de lugar com os mortos de ocasião
Para me esconder dos homens de bem nos bueiros de final de noite
E fuçar latas de lixo como um cachorro pestilento e faminto.

Este agora faz com que meu corpo escolha definitivamente


Seu lugar ainda mais vazio próximo aos roedores enlouquecidos
Ávidos por qualquer coisa ainda mais repulsiva
Como estes restos de frutas apodrecidas na esquina sem além.

5Cansei da vida e fechei os olhos


O tempo de minha verve enrugou a pele dos mortos.
Já tenho idade suficiente para não mais aqui estar.
A escolha já foi feita em algum lugar que desconheço:
Agora só preciso de uma boa chávena de chá.

Troco meus olhos pelos rins


E pulso com o coração transformado em boca por aí
Respiro de forma inusitada este ar vacilante
Saio de dentro de mim como uma coisa qualquer.

Para fora deste mundo há um cão que nervosamente late


E uma cantora louca que me diz ser este seu grande dia
O cão não tem cabeça e a cantora muito menos pernas e braços
Ela ri quando me diz que gosta de ração de gato
E que o cão já foi seu amante quando cruzavam na calçada.

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Poemas insones

Como pouco
Como um morto
Como qualquer coisa que se arrasta
Por entre o entre de uma vida ordinária
Transformado em prato ou garfo ou faca
Atirado em algum lugar por falta do que fazer
Quem em mim é este algum
Sem pressa em aniquilar o que resta de minhas entranhas
Batidas no liquidificador
Emprestado por um amigo assíduo
Que xingou o tempo cinzento
Ao abrir a janela do inferno
Sufocado pela palavra labirinto

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