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DIREITO PENAL III


Aula 1

1 – HOMICÍDIO

• Bem jurídico tutelado – vida humana;


• Sujeitos ativo e passivo – tratando-se de crime comum, pode ser cometido
por qualquer pessoa; sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa
viva.
• Consumação e tentativa – consuma-se com a morte da vítima; a tentativa
ocorre quando, iniciada a execução, o crime não se consuma por
circunstâncias alheia à vontade do agente. A tentativa pode ser perfeita
(crime falho) ou imperfeita.
• Elementos objetivo e subjetivo do tipo – admite-se qualquer meio de
execução; pode ser cometido por intermédio de ação ou omissão (art. 13,
§2º do CP) ; por meios materiais ou morais; diretos ou indiretos. O
elemento subjetivo é o dolo, que pode ser direto (de 1º ou de 2º grau) ou
eventual.
• Desistência voluntária e arrependimento eficaz na hipótese de
homicídio – a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são
previstos no art. 15 do CP. Aquela consiste na abstenção de uma atividade;
este tem lugar quando o agente, já tendo ultimado o processo de execução,
desenvolve nova atividade impedindo a produção do resultado morte. Se o
agente dispõe de várias munições no tambor da arma, mas, dispara apenas
uma e cessa sua atividade, há desistência voluntária ou não-repetição de
atos de execução? Desistência voluntária. É diferente daquele que só efetua
um disparo por só ter uma munição no tambor. O agente responde pelos
atos já praticados (é a tentativa qualificada – retira-se a tipicidade dos atos
somente com referência ao crime em que o sujeito iniciou a execução) – se
o sujeito desiste de consumar o homicídio, responde por lesão corporal,
mas, tanto na desistência voluntária, quanto no arrependimento eficaz, é
preciso que não haja consumação.
• Figuras típicas do homicídio – homicídio simples. Atividade típica de
grupo de extermínio x homicídio simples – homicídio simples é a
realização estrita da conduta de matar alguém. Quando o homicídio
simples é praticado em atividade típica de grupo de extermínio, será
hediondo. Extermínio é a matança generalizada que elimina a vítima pelo
simples fato de pertencer a determinado grupo ou determinada classe social
ou racial. Pode ocorrer a morte de uma única vítima, desde que com as
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características acima (impessoalidade da ação). Há entendimento de que o


homicídio simples praticado em atividade de grupo de extermínio, passa a
ser qualificado pelo motivo torpe.
• Homicídio privilegiado - § 1º, do art. 121 do CP. Impelido por relevante
valor social – a motivação e o interesse são coletivos, atingem a toda a
sociedade (ex.: homicídio do traidor da pátria); impelido por relevante
valor moral – encerra um interesse individual, mas, um interesse superior,
enobrecedor (ex.: eutanásia). É preciso tomar como paradigma a média
existente na sociedade e não analisar o sentimento pessoal do agente; sob
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da
vítima – emoção é a viva excitação do sentimento, é uma descarga
emocional passageira. É preciso que se trate de violenta emoção e que o
sujeito esteja sob o domínio da mesma, ou seja, sob o choque emocional
próprio de quem é absorvido por um estado de ânimo caracterizado por
extrema excitação sensorial e afetiva. Além disso, é fundamental que a
provocação tenha partido da própria vítima e que seja injusta, não
permitida, não permitida, não autorizada por lei. A injustiça da provocação
deve justificar, de acordo com o consentimento geral, a repulsa do agente.
Por fim, é preciso que a reação seja imediata, isto é, entre a causa (injusta
provocação) e a emoção, praticamente deve inexistir intervalo (ex
improviso).
• Redução da pena – no caso de homicídio privilegiado, a pena será
reduzida de 1/6 a 1/3. Embora o § 1º do art. 121 mencione que o juiz pode
reduzir a pena, não se trata de faculdade, pois, ocorrendo qualquer causa de
diminuição dentre as previstas no dispositivo, o réu tem direito subjetivo à
redução. A facultatividade está no quantum da redução.
• Concurso entre homicídio privilegiado e qualificado – as privilegiadoras
não podem concorrer com as qualificadoras subjetivas, mas, nada impede
que concorram com a qualificadoras objetivas. Ver art. 492, § 1º, do CPP e
Súmula 162 do STF. Aplica-se a pena do § 2º, com a diminuição do § 1º,
do art. 121 do CP.
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DIREITO PENAL III


Aula 2

1 – HOMICÍDIO QUALIFICADO

1.1 – Motivos Qualificadores – segundo a doutrina majoritária, os motivos


qualificadores do homicídio não se comunicam, pois, são individuais e
não constituem elementares típicas (sem os motivos qualificadores
continua a existir homicídio). Fútil: é o motivo insignificante, banal (não
se confunde com a ausência de motivo); torpe: é o motivo repugnante,
abjeto, vil, indigno, que repugna a consciência média; paga e promessa
de recompensa: é uma das modalidades de torpeza. Na paga o agente
recebe perviamente e, na promessa de recompensa há somente uma
expectativa de paga. A paga ou promessa de recompensa não precisam ser
em dinheiro, podendo se dar através de qualquer vantagem. Respondem
pelo crime qualificado quem executa e quem paga ou promete
recompensa. Não é necessário o recebimento da recompensa, basta a
promessa. Se o pagamento ocorreu depois do crime sem que tenha
havido acordo prévio, ou se houve mandato gratuito, o crime não será
qualificado.

1.2 – Meios qualificadores – Veneno: só qualifica o crime se utilizado


sissimuladamente (é um meio insidioso). Para fins penais, veneno é toda
substância que tenha idoneidade para provocar lesão no organismo (ex.:
açúcar em excesso, ministrado para um diabético). Sua administração
forçada ou com o conhecimento da vítima não qualifica o crime; fogo ou
explosivo: podem constituir meio cruel ou meio de que pode resultar
perigo comum; asfixia: é o impedimento da função respiratória e pode ser
mecânica ou tóxica; tortura: é meio que causa prolongado, atroz e
desnecessário padecimento. Se o agente tortura a vítima com a intenção de
matá-la, responde por homicídio qualificado; se tortura a vítima sem
intenção de matá-la, mas, a morte ocorre culposamente (crime
preterdoloso), responde por crime de tortura (art. 1º, § 3º da Lei 9.455/97);
se inicia a tortura desejando apenas torturar, mas, durante a tortura resolve
matar a vítima, haverá dois crimes em concurso material (tortura e
homicídio); meio insidioso ou cruel: insidioso é o recurso dissimulado,
consistindo na ocultação do verdadeiro propósito do agente, é o meio
disfarçado que objetiva surpreender a vítima; meio cruel é a forma brutal
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de perpetrar o crime, é o meio bárbaro, martirizante, que revela ausência


de piedade; traição: é o ataque sorrateiro, inesperado, é a ocultação física
ou moral da intenção, é a deslealdade; emboscada: é a tocaia, a espreita,
verificando-se quando o agente se esconde para surpreender a vítima, é a
ação premeditada de aguardar oculto a presença da vítima; dissimulação:
é a ocultação da intenção hostil, do projeto criminoso para surpreender a
vítima (o agente se faz passar por amigo da vítima, por exemplo); recurso
que dificulte a defesa da vítima: é hipótese análoga à traição, emboscada
ou dissimulação, do qual são exemplificativas (ocorre interpretação
analógica);
1.3 – Fins qualificadores – assegurar a execução, ocultação, impunidade
ou vantagem de outro crime: na primeira hipótese, o que qualifica o
homicídio não é prática de outro crime, mas o fim de assegurar a execução
deste, que pode até não ocorrer; no caso de ocultação ou impunidade, a
finalidade do agente é destruir prova de outro crime ou evitar-lhe as
conseqüências jurídico-penais; no caso de vantagem de outro crime a
finalidade é garantir o êxito do empreendimento delituoso e a vantagem
pode ser patrimonial ou não, direta ou indireta.

Obs.: a premeditação, por si só, não qualifica o homicídio.

2 – HOMICÍDIO CULPOSO

2.1 – Estrutura do crime culposo – no crime culposo não se pune a


finalidade ilícita da conduta, pois, geralmente a conduta é destinada a um
fim lícito, mas, por ser mal dirigida, gera um resultado ilícito. O fim
perseguido é irrelevante, mas, os meios escolhidos são causadores de um
resultado ilícito. Há uma divergência entre a conduta praticada e a conduta
que deveria ser praticada. Na culpabilidade dos crimes culposos também é
indispensável a imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e
exigibilidade de conduta conforme o Direito.

2.2 – Dolo eventual e culpa consciente – ambos apresentam um traço


comum: a previsão do resultado proibido. No dolo eventual o agente anui
ao advento desse resultado; na culpa consciente, repele a superveniência
do resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá. Havendo
dúvida entre um e outra, deve prevalecer o entendimento de que houve
culpa consciente (menos gravosa para o agente), em razão da aplicação do
princípio in dubio pro reo.
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2.3 – Tentativa de homicício culposo – segundo o entendimento majoritário,


é impossível, pois, trata-se, na verdade, de crime preterdoloso (o resultado
foi maior do que o inicialmente pretendido). Logo, como a tentativa fica
aquém do resultado desejado, conclui-se ser inadmissível nos crimes
preterintencionais. Na tentativa há o dolo de matar, mas, o resultado não
se consuma; no homicídio culposo, não há o dolo de matar, mas, o
resultado se consuma.

2.4 – Majorante para homicídio culposo – O CP, no § 4º do art. 121,


enumera taxativamente quatro modalidades de circunstâncias que
determinam o aumento da pena no homicídio culposo: a) Inobservância
de regra técnica de profissão, arte ou ofício: não se confunde com a
imperícia, pois, nesse caso, o agente conhece a regra técnica, mas não a
observa. A imperícia, por fazer elemento da culpa, situa-se no tipo e a
inobservância de regra técnica se localiza na culpabilidade. Qualquer
modalidade de culpa (imprudência, negligência ou imperícia) permite a
aplicação dessa majorante; b) omissão de socorro à vítima: não constitui
crime autônomo como ocorre no art. 135 do CP, mas, simples majorante.
Só incidirá quando for possível prestar o socorro. O risco pessoal afasta a
majorante; c) não procurar diminuir as conseqüências do
comportamento: não deixa de ser uma omissão de socorro; d) fuga para
evitar prisão em flagrante: a majorante incide em razão do sujeito ativo
procurar impedir a ação da justiça. A fuga por justo motivo afasta a
majorante, assim como ocorre na omissão de socorro à vítima.

2.5 – Homicídio doloso contra menor e contra maior de 60 (sessenta) anos


– a Lei 8.069/90 acrescentou essa causa de aumento no § 4º, 2ª parte, do
art. 121 do CP. Trata-se de causa de aumento de natureza objetiva e
aplicação obrigatória sempre que o homicídio, em qualquer de suas
modalidades dolosas (simples, privilegiado, ou qualificado), for praticado
contra menor de 14 anos. Se o homicídio é praticado no dia em que a
vítima completa 14 anos não incide a causa de aumento (não é mais,
menor de 14 anos). Também sofre aumento de 1/3 a pena do homicídio
doloso praticado contra maior de 60 (sessenta) anos. Porém, como esta
regra foi acrescentada ao CP pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003),
que entrou em vigor em 30/12/2003, somente a partir desta data passou a
valer. É preciso que a idade da vítima entre na esfera de conhecimento do
agente.
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2.6 - Homicídio culposo no trânsito – O art. 302 da Lei 9.503/97 (CTB)


tipificou o homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor
como crime de trânsito. Alguns juristas entendem tratar-se de norma
inconstitucional por ferir o princípio da isonomia, pois, o homicídio
culposo do CP prevê pena de 1 a 3 anos de detenção e, o homicídio
culposo do CTB prevê pena de 2 a 4 anos de detenção. Porém, outros
entendem não haver inconstitucionalidade, pois, o desvalor da ação no
homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor é maior do
que aquele existente no homicídio culposo genérico. É crime remetido
(art. 121, § 3º do CP); culposo (se o atropelamento for doloso, aplica-se o
art. 121 do CP e não o art. 302 do CTB); não admite tentativa; é crime de
dano; é crime material (exige resultado naturalístico); tutela a vida; tem
como sujeito passivo qualquer pessoa, desde que determinada; tem como
sujeito passivo qualquer pessoa, desde que esteja na direção de veículo
automotor (veículo automotor vem definido no anexo I do CTB); O art.
302 não faz menção expressa quanto ao local onde o delito pode ser
cometido, mas, entende-se que, em razão do disposto no art. 1º, §1º e art.
2º do CTB que determinam que este código regerá o trânsito nas vias
terrestres do Território Nacional abertas à circulação, é necessário que o
sujeito ativo esteja na direção de veículo automotor e, além disso, que
esteja em via pública (aberta à circulação), embora, Damásio de Jesus
entenda que os delitos do CTB podem ser cometidos em qualquer lugar,
público ou privado. Segundo a primeira corrente, se o delito acontecer em
local privado (interior de uma fazenda, por exemplo) aplica-se o CP que
prevê pena menor para o homicídio culposo com possibilidade, inclusive,
de aplicação do art. 89 da lei 9.099/95.

2.7 – Perdão judicial – o § 5º do art. 121 do CP refere-se à hipótese em que o


agente é punido diretamente pelo próprio fato que praticou, em razão das
gravosas conseqüências produzidas, que o atingem profundamente. A
gravidade das conseqüências deve ser aferida em função da pessoa do
agente, não se cogitando aqui de critérios objetivos. As conseqüências não
se limitam aos danos morais, podendo constituir-se de danos materiais
(ex.: pai que causa, culposamente, acidente de trânsito no qual morre seu
filho). Embora haja opiniões em contrário, a doutrina majoritária entende
que, presentes os requisitos, a concessão do perdão pelo juiz é obrigatória.
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DIREITO PENAL III


Aula 3

1 – INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO AO SUICÍDIO (art.


122 do Código Penal)

1.1 – Bem jurídico tutelado – vida humana

1.2 – Natureza jurídica da morte e das lesões corporais de natureza grave:


segundo a doutrina majoritária a morte ou as lesões corporais de natureza
grave constituem condição objetiva de punibilidade do crime de
participação em suicídio. Para Cezar Roberto Bitencourt as condições
objetivas de punibilidade não fazem parte do crime, mas, pressupões que
este já esteja perfeito e acabado, sendo aquelas, apenas condições para
imposição da pena. Portanto, o referido autor entende que a morte e as
lesões corporais graves devem fazer parte do dolo do agente e, assim,
seriam elementos constitutivos do tipo, sem os quais, a conduta de quem
instiga ou induz se torna atípica.

1.3 – Sujeitos ativo e passivo – trata-se de crime comum e, por isso, sujeito
ativo pode ser qualquer pessoa (capaz de induzir, instigar ou auxiliar) –
admite-se co-autoria e participação em sentido estrito; sujeito passivo é a
pessoa induzida, instigada ou auxiliada que pode ser qualquer pessoa viva
e capaz de entender o significado de sua ação e de determinar-se conforme
esse entendimento (é indispensável capacidade de discernimento), pois,
caso contrário estaremos diante de homicídio.

1.4 – Consumação e tentativa – consuma-se o crime com a morte da vítima


(mero induzimento, instigação ou auxílio não consumam o crime, pois,
trata-se de crime material e não formal). A tentativa, para alguns é
impossível (Damásio E. de Jesus) e, para outros, haverá tentativa quando a
instigação, o induzimento ou o auxílio não produzirem a morte, mas,
gerarem lesões corporais de natureza grave (Cezar Roberto Bitencourt
denomina essa situação de tentativa qualificada).

1.5 – Classificação doutrinária – trata-se de crime comum, comissivo,


excepcionalmente omissivo (auxílio), de dano, material, instantâneo,
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doloso, de conteúdo variado e plurissubisistente (se perfaz por meio de


vários atos – é preciso a morte ou lesões corporais graves).

1.6 – “Pacto de morte” – verifica-se o pacto de morte quando duas pessoas


combinam, por qualquer razão, o duplo suicídio. Nessa hipótese, o
sobrevivente responderá por homicídio, desde que tenha praticado ato
executório. Se nenhum morrer, aquele que realizou atos executórios contra
o parceiro responderá por tentativa de homicídio e aquele que ficou
somente na “contribuição” responderá por tentativa de induzimento,
instigação ou auxílio ao suicídio, se houver, pelo menos, lesão corporal
grave.
Ex.: A e B trancam-se em um quarto hermeticamente fechado. A abre a
torneira de gás; B sobrevive. Nesse caso, B responde por participação em
suicídio.
Se o sobrevivente é quem abriu a torneira, responde por homicídio, pois
praticou ato executório de matar.
Os dois abrem a torneira de gás, não se produzindo qualquer lesão
corporal, em face da intervenção de um terceiro: ambos respondem por
tentativa de homicídio um do outro, pois, os dois praticaram ato executório
de matar.
Se um terceiro abre a torneira de gás e os dois se salvam, não havendo
lesão corporal de natureza grave, os dois não respondem por nada, pois sua
conduta é atípica, mas, o terceiro responde por dupla tentativa de
homicídio.
Se os dois sofrem lesões corporais graves, sendo que A abriu a torneira
de gás e B não, aquele responde por tentativa de homicídio e este por
participação em suicídio.
Nos casos de “roleta russa” o sobrevivente responde por participação
em suicídio. No entanto, se um dos jogadores for coagido a participar e o
coator sobreviver, responderá por homicídio.

2 – INFANTICÍDIO (art. 123 do Código Penal)

2.1 – Bem jurídico tutelado – vida humana. Protege-se a vida do nascente e


do recém-nascido.

2.2 – Sujeitos ativo e passivo – somente a mãe pode ser sujeito ativo e, desde
que se encontre sob a influência do estado puerperal. Trata-se de crime
próprio. Sujeito passivo é o próprio filho nascente (durante o parto) ou
recém-nascido (logo após).
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2.3 – Natureza jurídica do estado puerperal – tem natureza jurídica de


elemento normativo do tipo. Porém, deve conjugar-se com outro elemento
normativo que é a circunstância de ocorrer durante o parto ou logo após.
São requisitos cumulativos. Devemos observar, no entanto, que, com
relação ao estado puerperal, quatro situações podem ocorrer: 1) o
puerpério não produz nenhuma alteração na mulher (caso em que
haverá homicídio); 2) acarreta-lhe perturbações psicossomáticas que
são a causa da violência contra o próprio filho (caso em que haverá
infanticídio); c) provoca-lhe doença mental (caso em que a parturiente
será isenta de pena por inimputabilidade – art. 26, caput, do CP); d)
produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade
de entendimento ou de determinação (caso em que haverá redução da
pena, em razão da semi-imputabilidade – p. único, art. 26 do CP).

2.4 – Elemento normativo temporal – é previsto na expressão “durante o


parto ou logo após”. Para o Direito, inicia-se o parto com a dilatação,
ampliando-se o colo do útero e chega-se ao seu final com a expulsão da
placenta, mesmo que o cordão umbilical não tenha sido cortado. Entre
estes dois marcos, estaremos na fase do “durante o parto”. Após a expulsão
da placenta, inicia-se a fase do “logo após”. A lei não fixou prazo, mas,
devemos considerar o variável período de choque puerperal. A doutrina
tem sustentado que se deve dar uma interpretação mais ampla, para poder
abranger todo o período do estado puerperal. Antes do início do parto,
haverá aborto; após o término do estado puerperal, homicídio.

2.5 – Consumação e tentativa – consuma-se o infanticídio com a morte do


filho nascente ou recém-nascido, levada a efeito pela própria mãe. Basta
que a vítima nasça com vida, não se exigindo que tenha viabilidade fora do
útero. Admite-se a tentativa quando o crime não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade da agente.

2.6 – Concurso de pessoas no infanticídio – uma corrente sustenta a


comunicabilidade do estado puerperal da autora e, assim, os concorrentes
responderiam todos por infanticídio; outra corrente sustenta a
incomunicabilidade e, portanto, a mãe responderia por infanticídio e o
participante, por homicídio.

Para Cezar Roberto Bitencourt, a influência do estado puerperal constitui


uma elementar típica do infanticídio e, assim, de acordo com o que prevê o
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art. 30 do CP, haverá comunicabilidade, apesar de tratar-se de


circunstância de caráter pessoal. Porém, é preciso analisar as seguintes
hipóteses: 1) Mãe e terceiro praticam a conduta nuclear do tipo
(pressupondo a presença dos elementos normativos específicos) – para
alguns, de lege lata, haverá co-autoria em infanticídio. Porém, para outros,
é preciso analisar o elemento subjetivo do agente. Se agiu com dolo de
concorrer para o infanticídio, responderá por este delito. Entretanto, pode
ser que haja no participante dolo de matar o filho da puérpera e com isso,
aquele se utiliza desta como mero instrumento do crime, aproveitando-se
de sua fragilidade. Nesse caso, se a mãe não tinha discernimento, haverá
autoria colateral; se estava sob a influência do estado puerperal, mas
possuía discernimento, pretendendo cometer infanticídio, responderá por
este crime enquanto o participante responderá por homicídio. Nesse caso
não haverá quebra da unidade da ação existente no concurso de pessoas,
pois, aplicar-se-á à mãe o § 2º do art. 29 do CP; 2) o terceiro mata o
nascente ou o recém nascido, com a participação meramente acessória
da mãe – inquestionavelmente o fato principal praticado pelo terceiro é
um homicídio. Quanto à mãe, em razão de sua especial condição, deverá
responder por infanticídio, mas, para que não haja quebra da teoria
monista, ambos teriam que responder pelo mesmo crime. Se dissermos que
ambos responderão por infanticídio, haverá inversão da regra de que o
acessório segue o principal e, se dissermos que ambos responderão por
homicídio, a mãe estaria respondendo por fato mais grave do que aquele
praticado. Assim, deve ser aplicado o § 2º do art. 29 do CP, pois, embora
tenha havido um crime único (homicídio), a puérpera quis participar de
crime menos grave e, deverá ser-lhe aplicada a pena deste.

2.7 – Classificação doutrinária – O infanticídio é crime próprio, material, de


dano, plurissubisistente (se perfaz em vários atos), comissivo e omissivo
impróprio, instantâneo e doloso.
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DIREITO PENAL III


Aula 4

1 – ABORTO

1.1 – Bem jurídico tutelado – é a vida do ser humano em formação, embora,


rigorosamente falando, não se trate de crime contra a pessoa, pois, o
produto da concepção – feto ou embrião – não é considerado pessoa, para
fins de Direto. Existe entendimento em sentido de que o nascituro já é
pessoa. Quando o aborto é provocado por terceiro, o tipo penal protege
também a incolumidade da gestante. É a vida intra-uterina (desde a
concepção até momentos antes do parto).

1.2 – Sujeitos ativo e passivo – a) auto-aborto e aborto consentido (art.


124 do CP) – sujeito ativo é a gestante e sujeito passivo é o feto; b) no
aborto provocado por terceiro (art. 125 do CP) – com ou sem
consentimento da gestante, sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito
passivo, quando não há consentimento da gestante serão esta e o feto
(dupla subjetividade passiva). No aborto não se aplica a agravante
genérica do art. 61, II, h do CP.

1.3 – Espécies de aborto

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124 do


CP) – no primeiro caso, a própria gestante interrompe a gravidez causando a
morte do feto; no segundo, permite que outrem lho provoque. Trata-se de dois
crimes de mão própria, pois, somente a gestante pode realizar. Porém, admite-
se a participação em sentido estrito. Se o partícipe for além da atividade
acessória, responderá pelo crime do art. 126 do CP (esta é uma das exceções à
teoria monista).
Aborto provocado sem consentimento da gestante (art. 125 do CP) – para
alguns autores, pode assumir duas formas: sem consentimento real ou
ausência de consentimento presumido (vítima não maior de 14 anos, alienada
ou débil mental). Se houver consentimento da gestante, o crime será o do art.
124 do CP para esta e do art. 126 para quem provoca o aborto (atipicidade
relativa ou desclassificação). Não há concurso com o delito de
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constrangimento ilegal; não é necessária a violência, fraude ou grave ameaça,


bastando que a gestante desconheça que nela está sendo feito aborto.
Aborto provocado com conhecimento da gestante (art. 126 do CP) – aqui,
conforme já mencionado, há quebra da teoria monista, pois, a gestante
responderá pelo art. 124 e o agente que nela provoca o aborto, pelo art. 126 do
CP. O desvalor do consentimento da gestante é menor do que o desvalor da
ação abortiva de terceiro. A conduta da primeira assemelha-se à conivência,
embora não possa ser adjetivada de omissiva, enquanto a do segundo é sempre
comissiva. O aborto consentido (art. 124, 2ª parte do CP) e o aborto
consensual (art. 126 do CP) são crimes de concurso necessário, pois, exigem a
participação da gestante e do terceiro.

1.4 – Consumação e tentativa do aborto – consuma-se o crime de aborto,


em qualquer de suas formas, com a morte do feto ou embrião. Pouco
importa que a morte ocorra no ventre materno ou fora dele. Também é
irrelevante que o feto seja expulso ou permaneça nas entranhas da mãe. É
indispensável a comprovação de que o feto estava vivo quando a ação
abortiva foi praticada e que foi esta que lhe causou a morte (relação de
causa e efeito entre a ação e o resultado). O aborto para alguns, pode ser
praticado a partir da fecundação (Cezar Roberto Bitencourt); para outros, é
preciso que tenha havido nidação. Admite-se a tentativa desde que, a
morte do feto não ocorra por circunstâncias alheias à vontade do agente.
No auto-aborto, alguns sustentam ser impunível a tentativa, pois, o
ordenamento brasileiro não pune a autolesão. Nesse caso, mais nos
aproximamos da desistência voluntária ou do arrependimento eficaz do
que de uma tentativa punível.

1.5 – Figuras majoradas do aborto – O art. 127 do CP prevê duas causas


especiais de aumento de pena (e não qualificadoras como prevê a rubrica
do artigo) para o crime de abordo praticado por terceiro, com ou sem o
consentimento da gestante. Assim, se ocorrer lesão corporal grave, a pena
aumenta-se de um terço; se ocorrer morte da gestante, a pena é duplicada.
É indiferente que o resultado mais grave decorra do aborto em si, ou das
manobras abortivas, ou seja, ainda que o aborto não se consume, se as
manobras abortivas provocarem um dos dois resultados acima, haverá
aumento de pena. As lesões leves integram o resultado natural da prática
abortiva. Para que se configure o crime qualificado pelo resultado, é
indispensável que o resultado mais grave decorra, pelo menos, de culpa
(art. 19 do CP). Se houver dolo também em relação aos resultados mais
graves, haverá concurso formal.
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1.6 – Excludentes especiais de ilicitude: aborto humanitário e necessário –


são previstas no art. 128 do CP, cujo inciso I, tem a rubrica de “aborto
necessário” e o inciso II, a de “aborto em caso de gravidez resultante de
estupro” que a doutrina e a jurisprudência encarregam-se de definir como
“aborto sentimental ou humanitário”. Quando o CP diz que não se pune o
aborto nas condições acima, está afirmando que, nesses casos, o aborto
será lícito.
Aborto necessário – previsto no art. 128, I, do CP, também conhecido
como terapêutico, constitui verdadeiro estado de necessidade. Exige dois
requisitos simultâneos: a) perigo de morte da gestante; b) inexistência de
outro meio para salvá-la. É necessário o perigo de morte, não sendo
suficiente o perigo para a saúde. Se não houver médico no local, ainda
assim o aborto pode ser praticado por outra pessoa, com base nos arts. 23,
I e 24 do CP. Havendo perigo de vida iminente, dispensa-se o
consentimento da gestante ou de seu representante legal (art. 146, § 3º, I
do CP). Além de tudo isso, o médico age no estrito cumprimento do dever
legal nesses casos.
Aborto humanitário ou ético – previsto no art. 128, II, do CP pode ser
licitamente praticado quando a gravidez é proveniente de estupro e há o
consentimento da gestante. A prova tanto da ocorrência do estupro quanto
do consentimento da gestante ou de seu representante legal, deve ser cabal.
Atualmente a doutrina e a jurisprudência admitem, por analogia (já que
trata-se de norma penal não incriminadora e a analogia é aplicada in
bonan partem), o aborto sentimental quando a gravidez provém de
atentado violento ao pudor. É desnecessária a autorização judicial,
sentença condenatória ou mesmo processo criminal contra o autor do
crime sexual e, além disso, a prova do estupro (ou do atentado violento ao
pudor) pode ser feita por todos os meios em Direito admissíveis. Se o
médico acautela-se da veracidade das informações, ainda que a gestante
tenha mentido, a boa-fé daquele caracterizará erro de tipo, excluindo o
dolo e afastando a tipicidade de sua conduta, mas, a gestante responderá
pelo delito do art. 124 do CP.
14

DIREITO PENAL III


Aula 5

1 – LESÃO CORPORAL

• Obs.: LEI 10.886/04 – Acrescentou os §§ 9º e 10 ao art. 129 do CP


(inclusão da violência doméstica que causa lesão corporal – o nomen
iuris passou a ser “VIOLÊNCIA DOMÉSTICA”);

1.1 – Bem jurídico tutelado – é a integridade corporal e a saúde da pessoa


humana, isto é, a saúde do indivíduo.

1.2 – Sujeitos ativo e passivo – o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (é
crime comum); o sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa viva,
exceto nas figuras qualificadas dos §§ 1º, IV e 2º, V, nas quais somente a
mulher grávida pode figurar como sujeito passivo.

1.3 – Consumação e tentativa – consuma-se o delito com a efetiva lesão à


integridade física ou a saúde de outrem. A pluralidade de lesões inflingidas
num único processo de atividade não altera a unidade do crime. A tentativa
é admissível, salvo nas modalidades culposa e preterdolosa. Caracteriza-se
a tentativa quando o agente age com animus leadendi, mas não consegue
concretizar o crime por circunstâncias alheias à sua vontade (é impedido
por terceiro, por exemplo).

1.4 – Lesão corporal leve ou simples – a definição de lesão corporal leve é


formulada por exclusão, ou seja, configura-se quando não ocorrer nenhum
dos resultdados previstos nos §§ 1º, 2º, 3º e 6º do art. 129 do CP. A lesão
corporal abrange ofensa à saúde do corpo e da mente, além de ofensa à
integridade corpórea. A lesão corporal do caput do art. 129 do CP é
sempre dolosa e, nesse caso, exige os seguintes requisitos: a) dano à
integridade física ou à saúde de outrem; b) relação causal entre a ação e o
resultado; c) animus leadendi. A previsão do § 5º do art. 129 destina-se
somente à lesão corporal leve. Por fim, é preciso lembrar que a lesão
corporal leve exige representação, conforme art. 88 da Lei 9.099/95.
15

1.5 – Aplicação do princípio da insignificância na lesão corporal leve –


freqüentemente, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o
ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material.
Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal,
porque, em verdade, o bem jurídico não chegou a ser lesado. Em função
disso, alguns autores entendem que a lesão à integridade física ou à saúde
deve ser, juridicamente, relevante. É indispensável, em outros termos, que
o dano à integridade física ou à saúde não seja insignificante (Cezar
Roberto Bitencourt, Rogério Greco e outros). A irrelevância deve ser
aferida não apenas em relação à importância do bem jurídico tutelado,
mas, especialmente em relação ao grau de sua intensidade. Para alguns,
deve ser aferida a insignificância não apenas em relação ao desvalor do
resultado, mas também, em relação ao desvalor da ação.

1.6 – Lesão corporal grave: hipóteses – o § 1º do art. 129 relaciona quatro


hipóteses que qualificam a lesão corporal, quais sejam: 1) incapacidade
para as ocupações habituais, por mais de 30 dias – relaciona-se ao
aspecto funcional e não apenas econômico (trabalho, lazer, recreação etc.).
Por isso, crianças e até bebês podem ser sujeitos passivos desta
modalidade de lesão corporal. A simples vergonha de aparecer em público
em razão das lesões, por si só, não qualifica o crime. A atividade deve ser
lícita, mas, pode ser imoral, tal como: prostituição (que não é ilícita).
Somente o exame de corpo de delito é insuficiente para a caracterização
dessa qualificadora, exigindo-se o exame complementar logo que tenha
decorrido o prazo de 30 dias, exame esse que pode ser suprido por prova
testemunhal (art. 167, §§ 2º e 3º do CPP); 2) perigo de vida (perigo de
morte) – deve haver não a simples possibilidade, mas, a probabilidade
concreta e efetiva de morte quer como conseqüência da própria lesão, quer
como resultado do processo patológico que esta originou. O perigo deve
ser pericialmente comprovado. Se a probabilidade de morte da vítima tiver
sido objeto do dolo do agente, o crime será o de tentativa de homicídio e
não de lesões corporais; 3) debilidade permanente de membro, sentido
ou função – debilidade é a redução ou enfraquecimento da capacidade
funcional da vítima. Permanente é a debilidade de duração imprevisível
(não é necessário que seja definitiva, perpétua e impassível de tratamento).
Membros são partes do corpo que se prendem ao tronco. Sentido é a
faculdade de percepção e de comunicação (visão, audição, olfato, paladar
e tato). Função é a atividade específica de cada órgão do corpo humano
(respiratória, circulatória etc.); 4) aceleração de parto – é a antecipação
16

do nascimento do feto, com vida e viabilidade para permanecer vivo fora


do útero da mãe. O agente deve ter conhecimento da gravidez da vítima.
Obs. Todas as qualificadoras do § 1º do art. 129 do CP são de natureza
objetiva e, por isso, havendo concurso de pessoas, haverá comunicação.

1.7 – Lesão corporal gravíssima – O § 2º relaciona cinco hipóteses que


qualificam a lesão corporal. O nomen iuris lesão corporal gravíssima é
atribuído pela doutrina. 1) incapacidade permanente para o trabalho –
aqui a incapacidade não é temporária, mas permanente e para o trabalho
em geral, não somente para a atividade específica que a vítima vinha
exercendo (ex.: agente que causa lesão corporal nas mãos de um pianista
que lhe impeça de tocar piano, mas, não lhe impeça de exercer outras
atividades laborativas não responde por lesão corporal gravíssima do § 2º,
I, do art. 129 do CP). A incapacidade, que pode ser física ou psíquica, deve
ser para o trabalho e não para as ocupações habituais. A permanência da
incapacidade não precisa ser perpétua, bastando um prognóstico de
irreversibilidade. Mesmo que a vítima se cure no futuro, a lesão
gravíssima terá se configurado. 2) enfermidade incurável – é a doença
cuja curabilidade não é conseguida no atual estágio da Medicina. A
incurabilidade deve ser aferida com dados da ciência atual, com um juízo
de probabilidade, sendo suficiente o prognóstico pericial. São inexigíveis
intervenções cirúrgicas arriscadas ou tratamentos duvidosos. 3) perda ou
inabilitação de membro, sentido ou função – há perda quando cessa o
sentido, a função ou quando o membro é extraído, por meio de mutilação
ou amputação (aquela ocorre no momento da ação delituosa; esta decorre
de intervenção cirúrgica). Há inutilização quando cessa ou interrompe-se
definitivamente a atividade do membro, sentido ou função, sem exclusão
(sem extração). Entende-se que, tratando de membro ou órgão que exista
em duplicidade (ex.: braços, olhos, orelhas, rins, pulmões etc.), a perda ou
inutilização de um deles, restando o outro intacto, caracteriza a lesão
corporal do art. 129, § 1º, III e não a do § 2º, III. 4) deformidade
permanente – a deformidade deve representar lesão estética de certa
monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê e vexame ou
humilhação ao portador. Deve ser analisada caso a caso (ex.: cicatriz no
rosto de uma jovem é muito mais grave do que no rosto de um homem
adulto). É necessário que haja compromentimento permanente, definitivo,
irrecuperável do aspecto físico-estético. A deformidade não perde o caráter
de permanente quando pode ser dissimulada por meios artificiais, como
cirurgia plástica, a qual ninguém está obrigado. 5) aborto – trata-se de
crime preterdoloso. O agente não pode querer nem assumir o risco de
17

provocar o aborto, pois, caso contrário, poderá por dois crimes em


concurso formal impróprio ou por aborto qualificado (art. 127 do CP). É
necessário que o agente tenha conhecimento da gravidez da vítima.
Obs. Não caracteriza a perda de membro, sentido ou função a cirurgia
para extração de órgãos genitais de transexual, com a finalidade de curá-
lo ou de reduzir seu sofrimento físico ou mental. A conduta é atípica, pois,
falta o dolo de ofender a integridade física ou a saúde de outrem.

1.8 – Possibilidade de tentativa na lesão corporal grave e gravíssima – a


grande maioria da doutrina admite a tentativa de lesão corporal grave ou
gravíssima (ex.: agente que tenta mutilar a vítima com um machado,
golpeando-lhe na perna, mas, apenas causa ferimento e é impedido de
prosseguir por um terceiro). O STF já decidiu, inclusive, pela
admissibilidade de tentativa de lesão grave, ainda que a vítima não tenha
sofrido qualquer ferimento (RHC 53.705 de 31/10/1975). Porém, a
tentativa não é possível nos casos previstos no art. 129, §§ 1º, IV e 2º, V e
3º por tratarem-se de delitos preterdolosos, caso em que o resultado mais
grave não pode fazer parte do dolo do agente.

1.9 – Lesão corporal seguida de morte – é conhecida na doutrina como


homicídio preterdoloso (dolo nas lesões e culpa na morte) e tem previsão
no art. 129, § 3º do CP. Se o resultado morte for decorrente de caso
fortuito ou força maior, o sujeito responderá apenas pelas lesões corporais;
se houver dolo eventual quanto ao resultado mais grave, o agente
responderá por homicídio. A competência é do juiz singular (vide art. 74, §
1º do CPP).

1.10– Figura privilegiada – prevista no art. 129, § 4º do CP. Aplica-se o


mesmo raciocínio estabelecido para o art. 121, § 1º do CP.

1.11– Lesão corporal culposa – sua previsão está no art. 129, § 6º do CP e irá
configurar-se se presentes: comportamento humano voluntário;
descumprimento de dever objetivo de cuidado; previsibilidade objetiva do
resultado; lesão corporal involuntária. Não importa que a lesão causada
culposamente seja leve, grave ou gravíssima, a pena será a do § 6º do art.
129 do CP (a gravidade da lesão e as circunstâncias do crime serão
avaliados no momento da aplicação da pena – art. 59 do CP).

1.12– Perdão judicial – admite-se o perdão judicial para a lesão culposa,


conforme prevê o art. 129, § 8º do CP. Aplica-se aqui o raciocínio
18

estabelecido quando da análise do art. 121, § 5º do CP. Tem natureza


jurídica de causa de extinção da punibilidade (art. 107, IX do CP).
Segundo Delmanto, aplica-se também aos casos do art. 129, § 7º do CP,
mas, somente no que se refere ao agravamento da pena da lesão corporal
culposa.
DIREITO PENAL III
Aula 6

1 – CRIMES DE PERIGO

1.1 – Perigo de contágio venéreo

O crime de perigo de contágio venéreo é definido como o fato de “expor


alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de
moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado” (art. 130,
CP).

1.2 – Bem jurídico tutelado

No crime de perigo de contágio venéreo o bem jurídico tutelado é a


incolumidade física e a saúde da pessoa. A vida, ao contrário do que pensam
alguns autores, não está entre os bens tutelados pelo tipo penal em estudo, já
que, não há sequer previsão para punição em caso de morte da vítima neste
delito. Sobrevindo este resultado, poderemos ter a lesão corporal seguida de
morte, o homicídio doloso ou o homicídio culposo, tudo a depender do
elemento subjetivo do agente.

1.3 – Sujeitos ativo e passivo

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, assim também como o sujeito passivo,
não se exigindo nenhuma qualidade especial dos mesmos. Podem ser sujeitos
passivo ou ativo, o cônjuge, a prostituta, o idoso, o jovem desde que imputável
no caso de ser sujeito ativo, a criança como sujeito passivo etc.

1.4 – Elementos normativos “sabe” e “deve saber”

Para alguns autores a expressão “sabe” representa o dolo direto e a expressão


“deve saber”, o dolo eventual; outros identificam nesta última, o elemento
culpa.
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Cezar Roberto Bitencourt contesta o entendimento acima afirmando que, a


elementar “sabe” significa ter consciência e a elementar “deve saber” significa
possibilidade de ter consciência. Para ele, admitir que o “deve saber” seja
significativo de dolo eventual impede que se demonstre em cada caso
concreto, a impossibilidade de o agente ter ou adquirir conhecimento de seu
estado de contagiado o que geraria uma presunção legal em desfavor do
mesmo vindo a configurar uma responsabilidade objetiva que, em sede de
direito penal é impossível. O referido autor afirma que as expressões “sabe” e
“deve saber” não se prestam para a classificação das espécies de dolo, até
porque o dolo eventual não se compõe de simples possibilidade de consciência
(deve saber), pois, esta deve ser analisada em sede de culpabilidade e não em
sede de tipicidade, onde, na verdade, o dolo está situado.

1.5 – Consumação e tentativa

O crime de perigo de contágio venéreo consuma-se com a prática de atos de


libidinagem (conjunção carnal ou não), capazes de transmitir moléstia
venérea, independentemente do efetivo contágio que poderá ou não ocorrer. A
efetiva contaminação será mero exaurimento da conduta, sendo, por isso,
crime formal.

A despeito desta classificação (crime formal), Damásio e Bitencourt entendem


possível a tentativa, pois, freqüentemente apresenta um iter criminis, que pode
ser objeto de fracionamento. Haverá tentativa quando, por exemplo, o agente
pretende manter relação sexual com a vítima e não consegue por razões
alheias à sua vontade.

1.6 – Hipótese de crime impossível

Quando fica provado que a vítima já era portadora da mesma moléstia


apresentada pelo agente, não haverá crime configurando-se o chamado crime
impossível (art. 17 do CP) por absoluta impropriedade do objeto.

1.7 – Concurso de crimes e princípio da subsidiariedade

De acordo com entendimento de Cezar Roberto Bitencourt, se ocorrer


eventual contaminação da vítima, haverá somente um exaurimento do crime
de perigo de contágio venéreo, desde que o agente tenha o dolo de perigo (e
não de dano). Assim, seja na figura do caput, seja na figura do § 1º do art. 130
do CP, não haverá concurso com o delito de lesão corporal (leve, grave ou
20

gravíssima). Para o referido autor o tipo penal do art. 130 é especial em


relação ao do art. 129, ambos do CP e, somente se sobrevier a morte da vítima
o agente poderá responder por lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º).
As lesões corporais, com efeito, estão absorvidas pela intenção de expor a
perigo ou de transmitir a moléstia.
Porém, em relação aos crimes contra os costumes (estupro, atentado violento
ao pudor, atentado ao pudor mediante fraude etc.), poderá haver concurso
formal com o delito de perigo de contágio venéreo. Este concurso será próprio
se houver o dolo de perigo (art.130, caput) e impróprio se houver dolo de dano
(art. 130, § 1º), pois, aqui haverá desígnios autônomos, isto é, dolo de praticar
crime contra os costumes e dolo de transmitir moléstia venérea.

2 – PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE

Para alguns doutrinadores, o delito tipificado no artigo 131 do CP seria


subsidiário do delito de lesões corporais (art. 129), pois, como no delito do art.
131 do CP basta o fim de transmitir moléstia grave (crime formal), se ocorrer
o efetivo contágio haveria apenas lesão corporal. Este entendimento não tem
fundamento porque seria impossível admitir que um crime determinado possa
ser subsidiário de outro menos grave, haja vista que a pena cominada ao delito
de lesões corporais leves varia de 3 meses a 1 ano de detenção, enquanto para
o crime de perigo de contágio de moléstia grave, de 1 a 4 anos de reclusão e
multa.

Obs.: a ação penal é pública condicionada à representação.

2.1 – Bem jurídico tutelado

O bem jurídico tutelado é a incolumidade física e a saúde da pessoa humana.


A vida não está protegida por este tipo penal, haja vista que, se sobrevier
resultado morte, não há previsão de punição. Nesse caso, haverá homicídio ou
lesão corporal seguida de morte.

2.2 – Sujeitos ativo e passivo

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que esteja
contaminado por moléstia grave e contagiosa. O sujeito passivo, igualmente,
pode ser qualquer pessoa desde que não esteja contaminada por igual moléstia.

2.3 – Consumação e tentativa


21

O crime de perigo de contágio de moléstia grave consuma-se com a prática do


ato idôneo para transmitir a moléstia, sendo indiferente a ocorrência efetiva da
transmissão, que poderá ou não ocorrer (trata-se de crime formal). A efetiva
contaminação constituirá mero exaurimento da conduta.

O dolo do agente é de dano, não obstante tratar-se de crime de perigo.

Admite-se, em tese, a forma tentada, mesmo tratando-se de crime formal, pois,


freqüentemente apresenta um iter criminis que pode ser objeto de
fracionamento.

Obs.: a ação penal é pública incondicionada.

3 – PERIGO PARA A SAÚDE DE OUTREM

Trata-se de crime de perigo e essencialmente subsidiário (há subsidiariedade


expressa), pois, o preceito secundário complementa-se com a expressão “se o
fato não constitui crime mais grave.”

3.1 – Bem jurídico tutelado

A vida e a saúde da pessoa humana, ou, em termos mais abrangentes, a


incolumidade pessoal constitui objeto da tutela penal.

Não é necessário que ocorra o efetivo dano, bastando o simples perigo de dano
(crime formal).

3.2 – Sujeitos ativo e passivo

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo desse crime, desde que
sejam determinados. Não se exige qualquer condição ou atributo especial dos
sujeitos.

É preciso observar, porém, que determinadas pessoas não poderão ser sujeitos
passivos deste crime como, por exemplo, bombeiros, policiais etc., que têm o
dever de suportar o perigo. Também não se enquadram como sujeitos passivos
pessoas que exerçam prosissões ou atividades às quais o perigo é imanente
como enfermeiros, corredores automobilísticos etc, salvo quando o perigo
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extrapolar os limites dos riscos inerentes às atividades, caso em que poderá


existir a figura delituosa.

3.3 – Consumação e tentativa

O crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem consuma-se com o


surgimento efetivo do perigo.

Este crime pode ser realizado sob as formas comissiva ou omissiva (exs.:
sujeito que, agindo com dolo de perigo, induz o ofendido a ultrapassar uma
pequena ponte que sabe não oferecer segurança – comissão; patrão que não
fornece equipamento de proteção ao empregado – omissão).

A tentativa, embora de difícil configuração, pode ocorrer. Damásio entende


que só é impossível a tentativa nos casos de omissão.

Obs.: o dolo do agente neste crime é de perigo e a ação penal é pública


incondicionada.

4 – ABANDONO DE INCAPAZ

O crime de abandono de incapaz é de perigo concreto, pois, é o próprio núcleo


típico – abandonar – que exige que o risco seja efetivo, real, concreto. Os §§
1º e 2º caracterizam crimes preterdolosos.

4.1 – Bem jurídico tutelado

O bem jurídico protegido pelo art. 133 do CP é a segurança da pessoa humana,


o seu bem-estar pessoal, particularmente do incapaz de proteger-se contra
situações de perigo decorrentes do abandono.

Cezar Roberto Bitencourt entende que o tipo protege também a vida e a


integridade físico-psíquica do incapaz, pois, embora não haja definição
expressa no tipo penal do art. 133, o Capítulo no qual o mesmo está inserido
intitula-se “DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE”.
23

É irrelevante o consentimento do ofendido em razão da incapacidade de


consentir do sujeito passivo e da indisponibilidade dos bens jurídicos tutelados
(embora após o advento da Lei nº 9.099/95, a integridade física passou a ser
relativamente disponível em razão da exigência de representação do ofendido
para que seja promovida ação penal por lesões leves e culposas).

4.2 – Sujeitos ativo e passivo

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, desde que tenha especial relação de
assistência e proteção com a vítima, ou seja, desde que a vítima esteja sob
seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade (é crime próprio).

O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que esteja numa das relações
acima referidas (cuidado, guarda, vigilância ou autoridade) e não somente o
menor e desde que seja incapaz de defender-se dos riscos decorrentes do
abandono. Esta incapacidade não se confunde com aquela disciplinada no
direito privado, bastando que a vítima seja faticamente incapaz.

4.3 – Consumação e tentativa

Consuma-se o crime com o abandono efetivo do incapaz e desde que este


corra perigo real, efetivo, isto é, concreto, ainda que momentâneo, pois, é
irrelevante a duração do abandono. É indispensável a comprovação da efetiva
exposição a perigo.

Teoricamente é possível a tentativa, pois, pode haver um iter criminis. Ex.: o


agente pode abandonar um incapaz, mas, antes que se configure o perigo, a
vítima vir a ser socorrida por terceira pessoa.

4.4 – Formas qualificadas

Os §§ 1º e 2º do art. 133 prevêem figuras qualificadas pelo resultado (ou


preterdolosas), se do abandono resultar (a) lesão corporal de natureza grave,
ou (b) a morte da vítima.

Quem abandona incapaz com o qual tem especial relação de assistência ou


proteção, cria com sua conduta, o risco da ocorrência do resultado e, nesse
caso, assume a condição de garantidor, mas, não aquela prevista no art. 13, §
2º do CP, pois, no caso do art. 133, o agente não responde pelo resultado.
24

O § 3º do art. 133 prevê duas causas de aumento da pena caso (a) o abandono
ocorra em local ermo, ou (b) o agente seja ascendente ou descendente,
cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

4.5 – Forma culposa

Não há previsão de modalidade culposa para o delito tipificado no art. 133 do


CP. No entanto, se, decorrentes do abandono culposo, que é impunível,
resultarem danos para a vítima, o agente responderá por eles.

Obs.: a ação penal é pública incondicionada.

5 – EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO

Segundo a melhor doutrina, as expressões “exposição” e “abandono” não


foram utilizadas como sinônimas, nem mesmo como equivalentes na cabeça
do art. 134 do CP. Entende-se que a exposição interrompe a guarda, mas, não a
vigilância, ficando o agente, a distância ou disfarçadamente, na expectativa de
que alguém encontre e recolha o exposto, ao passo que, no abandono,
interrompe-se a guarda e a vigilância.

5.1 – Bem jurídico tutelado

O bem jurídico protegido é a segurança do recém-nascido, que, de acordo com


Cezar Roberto Bitencourt, só pode seer quem veio ao mundo há poucos dias,
não ultrapassando um mês e cujo nascimento não se tenha tornado público, já
que exige o especial fim de agir (elemento subjetivo do tipo) “para ocultar
desonra própria”.

Também de acordo com o autor supra protege-se, em termos genéricos, a vida


e a integridade fisiopsíquica do recém-nascido.

5.2 – Sujeitos ativo e passivo

O sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido, para a doutrina e


jurisprudência majoritárias, somente pode ser a mãe (crime próprio), visto que
objetiva ocultar desonra própria. Entendo, porém, que não somente a mãe
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pode ser sujeito ativo deste delito. Suponha-se que um padre mantenha
relações sexuais com uma das fiéis de sua paróquia e esta venha a conceber e
dar à luz uma criança. Aquele, tentando ocultar sua desonra pode abandonar o
recém-nascido.

Damásio de Jesus entende que o pai incestuoso ou adúltero também pode ser
sujeito ativo deste delito.
Para os que entendem que somente a mãe pode ser sujeito ativo do crime, esta
deve ser mulher honrada.

O sujeito passivo é o recém-nascido, com vida, fruto de relações


extramatrimoniais, vindo ao mundo há poucos dias, não ultrapassando a um
mês.

5.3 – Consumação e tentativa

Consuma-se esse crime com o abandono efetivo do recém-nascido, desde que


este corra perigo efetivo, isto é, concreto, ainda que momentâneo, pois, é
irrelevante a duração do abandono.

É possível a tentativa já que, há um iter criminis a ser percorrido pelo sujeito


passivo. Exemplo: a mãe pode abandonar o filho recém-nascido, mas, antes
que se configure o perigo, haver a intervenção de terceira pessoa.

5.4 – Forma qualificada

Segundo Bitencourt, com a Reforma da Parte Geral do CP e o advento do art.


13, § 2º, os §§ 1º e 2º do art. 134, assim como os §§ 1º e 2º do art. 133
sofreram revogação. No caso do art. 134, a mãe que abandona recém-nascido
é duplamente garantidora, na condição de genitora (art. 13, § 2º, alínea a, do
CP) e como criadora, com sua conduta anterior, do risco da ocorrência do
resultado (art. 13, § 2º, alínea c, do CP). Assim, sobrevindo o dano, a mãe
responderá por este, como autora, na forma de omissão imprópria.

Damásio de Jesus pugna pela manutenção das qualificadoras dos artigos 133 e
134 do CP, mesmo após a Reforma da Parte Geral do CP.

5.5 – Forma culposa


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Não há previsão de modalidade culposa. Porém, se, decorrentes do abandono


culposo (que não é previsto), resultarem danos para a vítima, o agente
responderá por eles.

DIREITO PENAL III


Aula 7

1 – OMISSÃO DE SOCORRO

O crime de omissão de socorro é previsto no art. 135 do CP, cuja ação penal é
pública inconsicionada.

O Direito Penal contém normas proibitivas e normas imperativas. A infração


dessas normas imperativas constitui a essência do crime omissivo e consiste
em não fazer a ação juridicamente ordenada.

1.1 – Bem jurídico tutelado

O bem jurídico tutelado é a preservação da vida e da saúde do ser humano


fundada no dever de solidariedade humana. Trata-se de um dever geral que
atinge a todos.

A assistência de um, desobriga todos os demais, desde que aquela seja


suficiente.

1.2 – Sujeitos ativo e passivo

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa e deve estar no lugar e no momento
em que o periclitante precisa do socorro.

O sujeito passivo somente pode ser: a) criança abandonada ou extraviada; b)


pessoa inválida ou ferida, desamparada; ou c) qualquer pessoa em grave e
iminente perigo.

É fundamental que o sujeito passivo, mesmo nas condições acima descritas,


não tenham capacidade de autodefender-se.
27

1.3 – Crimes omissivos próprios e impróprios

Os crimes omissivos consistem sempre na omissão de determinada ação que o


sujeito tinha obrigação de realizar e que podia fazer. Dividem-se em:
omissivos próprios que são os crimes de mera conduta, aos quais não se
atribui qualquer resultado, sendo suficiente a simples omissão e devem sempre
estar previsto em algum tipo penal; omissivos impróprios (comissivos por
omissão) que são sempre crimes de resultado, não tendo tipologia própria.
Ocorrem quando o agente podia e devia, por determinação legal, evitar o
resultado. Sua previsão é feita no art. 13, § 2º do CP.

1.4 – Consumação e tentativa

Consuma-se a omissão de socorro no lugar e no momento em que a atividade


devida tinha de ser realizada, isto é, onde e quando o sujeito ativo deveria agir
e não o fez.

Por ser um crime omissivo próprio, não admite tentativa, pois, não exige
resultado naturalístico produzido pela omissão. Trata-se de crime de ato único
(unissubsistente), que não admite fracionamento, ou seja, se o agente ainda
pode agir, não há omissão de socorro. A tentativa só é admitida nos crimes
omissivos impróprios, pois, nestes deverá haver um resultado naturalístico.

1.5 – Concurso de pessoas nos crimes omissivos

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, os crimes omissivos próprios admitem


tanto co-autoria quanto participação em sentido estrito. Se, por exemplo, duas
pessoas recusam-se a prestar socorro ao periclitante, respondem todas pelo
crime, individualmente. Porém, se deliberarem, umas anuindo à vontade das
outras, todas respondem pelo mesmo crime em concurso, em razão do liame
subjetivo. Se alguém, mesmo não estando no local, por telefone, sugere, induz
ou instiga a quem está em condições de socorrer que não o faça, responderá
também pelo crime, mas, na condição de partícipe.

Também é possível a participação em sentido estrito e a co-autoria nos crimes


omissivos impróprios.

Não se confunda, porém, participação em crimes omissivos com participação


por omissão, em crimes comissivos. Esta ocorre quando o partícipe, através de
28

uma omissão, facilita a ação dos (co) autores, como, por exemplo, o caixa que
deixa o cofre aberto para facilitar o furto.

1.6 – Figuras majoradas

A superveniência de lesão corporal grave ou morte da vítima constitui


circunstância de aumento de pena, conforme parágrafo único do art. 135 do
CP, que deve ser apreciada na terceira fase da aplicação da pena.
2 – MAUS TRATOS

O crime de maus-tratos vem previsto no art. 136 e §§, do CP.

2.1 – Bem jurídico tutelado

Os bens jurídicos protegidos são a vida e a saúde da pessoa humana,


especialmente daqueles submetidos a autoridade, guarda ou vigilância para
fins de educação, ensino, tratamento ou custódia.

2.2 – Sujeitos do delito

O sujeito ativo é somente quem se encontre na condição especial de exercer


autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação (atividade destinada a
aperfeiçoar a capacidade individual), ensino (ministrar conhecimentos visando
a formação cultural básica), tratamento (cura e subsistência) ou custódia
(detenção de uma pessoa para fim autorizado em lei). Trata-se, por
conseguinte, de crime próprio.

Não é qualquer pessoa, igualmente, que pode ser sujeito passivo do crime de
maus tratos, mas somente pessoa que se encontra subordinada para fins de
educação, ensino, tratamento e custódia. Qualquer outra subordinação ou
submissão, para qualquer outra finalidade, além dessas relacionadas no tipo,
não configurará o crime de maus-tratos.

2.3 – A relação de subordinação entre os sujeitos ativo e passivo como


elementar delitiva

Para tipificar o crime de maus-tratos é indispensável a existência de uma


relação de subordinação entre os sujeitos ativo e passivo.
29

Trata-se, no entender de Cezar Roberto Bitencourt, de uma elementar típica


especializante, isto é, que torna essa figura típica um crime próprio ou
especial, que só pode ser praticado por quem tenha uma das modaliddes
vinculativas elencadas com a vítima. A ausência dessa especial relação de
subordinação, afasta a adequação típica, mesmo que a conduta do sujeito ativo
dirija-se a um fim educativo, corretivo ou disciplinar. Da mesma forma, ainda
que exista a referida relação, se a finalidade das condutas tipificadas não se
destinar a educação, ensino, tratamento ou custódia, não haverá o crime de
maus-tratos.
2.4 – Distinção entre maus-tratos e tortura

A distinção entre maus-tratos e tortura se faz por meio do elemento subjetivo,


isto é, o dolo do agente. Na tortura, a vontade do autor é a de causar dor,
sofrimento; já no crime de maus-tratos, a vontade do agente é a de corrigir, de
educar.

Há, porém, entendimento no sentido de que a diferenciação entre maus-tratos


e tortura se dfaz por meio da intensidade do sofrimento.

3 – RIXA

Rixa é a briga entre mais de duas pessoas, acompanhada de vias de fato ou


violências físicas recíprocas e encontra-se tipificada no art. 137 do CP.

Exige-se, no mínimo, a participação de três pessoas lutando entre si, ainda que
alguns sejam menores de 18 anos. Se existem duas pessoas lutando contra
uma terceira não existe rixa. Também não há esse crime quando dois bandos
se digladiam, praticando lesões corporais recíprocas, distinguindo-se o
comportamento de cada componente. Quando isso ocorre, os componentes de
cada bando, sob o regime do concurso de agentes, respondem por lesão
corporal ou homicídio.

3.1 – Bem jurídico tutelado

Embora a descrição típica não se refira expressamente à vida ou à saúde do


agente, sua preocupação com esses bens jurídicos está exatamente na punição
da simples participação na rixa, pois, o legislador reconhece que esta
possibilita, em tese, a produção de maiores danos à integridade fisiopsíquica
do indivíduo.
30

3.2 – Sujeitos do delito

Os participantes da rixa são, ao mesmo tempo, sujeitos ativos e passivos, uns


em relação aos outros. No entanto, ninguém pode ser, ao mesmo tempo,
sujeito passivo e ativo do crime de sua própria conduta. Na realidade o rixoso
é sujeito ativo da conduta que pratica em relação aos demais e sujeito passivo
das condutas praticadas pelos outros rixosos.

Pode-se afirmar que a própria ordem e tranqüilidade públicas são,


mediatamente atingidas (sujeitos passivos), pois, também constituem objetos
da proteção jurídica.

Além disso, terceiros que possam ser atingidos pela rixa também podem ser
sujeitos passivos deste delito.

3.3 – Concurso de pessoas

A rixa é um crime de concurso necessário, pois, caracterizas-se pela


pluralidade de participantes, que nunca será inferior a três. Participante, como
regra, será todo aquele que estiver presente no lugar e no momento da rixa e
entrar diretamente no conflito ou auxiliando qualquer dos contendores. O fato
de tratar-se de um crime de concurso necessário não impede, por si só, a
possibilidade de existir participação em sentido estrito, uma vez que o
partícipe não intervém diretamente no fato material, “não pratica a conduta
descrita pelo preceito primário da norma penal, mas realiza uma atividade
secundária que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta
proibida. Não realiza a atividade propriamente executiva. Essa contribuiçào do
partícipe, que pode ser material ou moral, será perfeitamente possível,
especialmente na rixa ex proposito.

3.4 – Rixa ex proposito e ex improviso

A rixa ex improviso é aquela que surge subitamente enquanto a rixa ex


proposito é proposital, ou seja, a rixa é combinada por três ou mais pessoas.

Há entendimento jurisprudencial no sentido de que a rixa só se caracteriza se


for ex improviso, pois, se for ex proposito, poderá haver outra infração penal,
mas não a rixa. Para Damásio de Jesus, porém, seja ex proposito, seja ex
improviso, o delito será o de rixa.
31

3.5 – Consumação e tentativa

Consuma-se a rixa com a eclosão das agressões recíprocas, isto é, quando os


contendores iniciam o conflito. Consuma-se no momento em que o
participante entra na rixa para tomar parte dela voluntariamente. Ainda que um
dos participantes desista da luta antes de esta ter chegado ao fim, responderá
pelo crime, inclusive pela qualificadora, que pode ocorrer após sua retirada.
Para a consumação é desnecessário que qualquer dos rixosos sofra lesão.

A tentativa, segundo Damásio de Jesus e Cezar Roberto Bitencourt, só é


possível na rixa ex proposito, pois, aqui os rixosos podem combinar a briga
com antecedência e, assim, é possível visualizar-se atos preparatórios; já na
rixa ex improviso é impossível a tentativa. Ou os rixosos começam a se agredir
mutuamente e o fato está consumado, ou não existe início de agressão,
hipótese em que inexiste qualquer delito.

3.6 – Concurso de crimes: ameaça, lesão corporal e homicídio

Será atribuída responsabilidade penal de todos os crimes que um ou alguns


rixosos praticarem durante a rixa, desde que devidamente identificada a
autoria. Responderá o autor identificado em concurso material com a rixa,
simples ou qualificada. Excluem-se somente as vias de fato, que são
integrantes do conteúdo do crime de rixa.

Há quem sustente que o rixoso identificado como autor e responsável pelo


homicídio ou lesão corporal grave não pode responder pelo mesmo
fundamento, por rixa agravada, pois, violaria o princípio do ne bis in idem.
Porém, a doutrina majoritária entende diversamente, afirmando haver uma
duplicidade de elemento subjetivo, isto é, o agente atue com dolo de participar
na rixa e com dolo de causar lesão grave ou morte de alguém, devendo
responder por rixa qualificada em concurso com a lesão corporal ou o
homicídio.

3.7 – Figuras típicas: rixa simples e rixa qualificada

A rixa simples é aquela prevista no caput do art. 137 do CP, cuja pena é a de
15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.

A rixa qualificada vem prevista no parágrafo único do art. 137 do CP, com
cominação de pena de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
32

A ocorrência de lesão corporal grave ou morte qualificam a rixa, respondendo


por ela inclusive a vítima da lesão grave. Mesmo que a lesão grave ou a
morte atinja estranho não participante da rixa configura-se a qualificadora.
Quando não é identificado o autor da lesão grave ou do homicídio, todos os
participantes respondem por rixa qualificada; sendo identificado o autor, os
outros continuam respondendo por rixa qualificada, e o autor responderá pelo
crime que cometeu em concurso material com a rixa qualificada (no meu
entender, nesse caso, deve haver o dolo de lesionar ou matar e o dolo de
participar da rixa, sob pena de se aceitar a responsabilidade penal objetiva).

A morte ou lesões corporais graves devem ocorrer durante a rixa ou em


conseqüência dela; não podem ser antes ou depois, isto é, deve haver nexo
causal entre a rixa e o resultado morte ou lesão corporal. A ocorrência de mais
de uma morte ou lesão corporal não altera a unidade da rixa qualificada que
continua sendo crime único, embora devam ser consideradas na dosimetria da
pena.

O resultado agravado deverá recair sobre todos os que dela tomam parte,
inclusive sobre os desistentes e sobre aqueles que tenham sido vítimas das
lesões graves.

Obs.: O atual Código Penal não recepcionou os sistemas da solidariedade


absoluta e da cumplicidade correspectiva. Pelo primeiro, todos os rixosos
respondem pelo homicídio ou lesão grave, se ocorrer durante a rixa; pelo
segundo, não sendo apurados os autores dos ferimentos causadores da morte
ou das lesões graves, todos responderiam por esse resultado, fixando-se,
porém, a pena num termo médio entre a que caberia ao autor e aquela que se
aplicaria ao partícipe. O CP vigente preferiu o sistema da autonomia,
incriminando a rixa, independentemente da morte ou lesão grave, que, se
ocorrerem, somente qualificarão o crime.

3.8 – Rixa e legítima defesa

Apesar de existir muita divergência entre os doutrinadores, Damásio de Jesus


e Cezar Roberto Bitencourt entendem ser possível a legítima defesa no crime
de rixa. Quem, por exemplo, intervém na rixa em defesa própria ou de
terceiros poderá invocar a excludente, pois não há participação na rixa com
animus rixandi. Damásio entende que, mesmo que haja animus rixandi, se um
dos indivíduos passa a ter um comportamento mais violento, como, por
33

exemplo, utilizar uma faca, os outros podem agir em legítima defesa contra o
mesmo.

A legítima defesa, porém, não excluirá a qualificadora se houver lesões


corporais graves ou morte em razão da aplicação daquela excludente de
ilicitude. Assim, quem mata em legítima defesa durante a rixa, não responde
por homicídio, mas, responde por rixa qualificada, assim como os outros
rixosos.

Se houver reação a uma suposta agressão (legítima defesa putativa), estará


afastada a tipificação do crime de rixa, ainda que o erro seja evitável, pois,
falta a vontade livre e consciente de participar de rixa e, além disso, este delito
não admite a modalidade culposa (ver art. 20, § 1º do CP).
34

DIREITO PENAL III


Aula 8

1 – CRIMES CONTRA A HONRA

1.1 – Bem jurídico tutelado

O CP, nos artigos 138 a 141, protege a honra, conjunto de atributos morais,
físicos, intelectuais e demais dotes do cidadão, que o fazem merecedor de
apreço no convívio social.

A honra pode ser subjetiva e objetiva. Honra subjetiva é o sentimento de cada


um a respeito de seus atributos físicos, intelectuais, morais e demais dotes da
pessoa humana. É aquilo que cada um pensa a respeito de si mesmo em
relação a tais atributos. Honra objetiva é a reputação, aquilo que os outros
pensam a respeito do cidadão no tocante a seus atributos físicos, intelectuais,
morais etc. Enquanto a honra subjetiva é o sentimento que temos a respeito de
nós mesmos, a honra objetiva é o sentimento alheio incidindo sobre nossos
atributos.

Obs.: há entendimento no sentido de que, em se tratando de ofendido


funcionário público, se a ofensa for proferida em sua presença e em razão de
suas funções, o crime será o de desacato (art. 331 do CP); se for proferida na
ausência do funcionário, haverá calúnia, difamação ou injúria, dependendo do
casso.

1.2 – Consentimento do ofendido como excludente da tipicidade

Nos delitos contra a honra, tratando-se de objetividade jurídica disponível, o


consentimento do ofendido capaz tem relevância. Presente, inexiste crime.

Há total possibilidade de aplicação dos institutos da renúncia (art. 104 CP) e


do perdão (arts. 105 e 106 CP) nos crimes contra a honra. Da aplicabilidade
desses institutos, deixando à absoluta discricionariedade do sujeito passivo a
35

decisão de processar ou não o sujeito ativo, e, mesmo após ter decidido iniciar
a ação penal, facultando-lhe poder renunciar ao direito de queixa ou perdoar o
agente, decorre, inevitavelmente, que o consentimento do ofendido exclui a
tipicidade da conduta do ofensor, pois, se mesmo após movimentar a máquina
judiciária pode a vítima neutralizar a operação jurisdicional, é natural que se
atribua esse efeito a manifestação anterior de concordância da vítima.

Porém, o consentimento somente surte esse efeito em relação aos bens


disponíveis do sujeito passivo. Assim, por exemplo, se houver imputação falsa
de crime e houver movimentação do aparelho estatal, instaurando-se inquérito
policial ou mesmo ação penal, também serão atingidos os interesses da
Administração da Justiça, criminalizados como denunciação caluniosa (art.
339 do CP). Nessas circunstâncias o consentimento do ofendido é irrelevante.

1.3 – Sujeito ativo e passivo: a pessoa jurídica como sujeito passivo

Os crimes contra a honra não são próprios nem de mão própria. Isso quer dizer
que podem ser cometidos por qualquer pessoa.

Qualquer pessoa pode, também, ser sujeito passivo desses crimes, mesmo que
desonradas, desde que, no entendimento de Damásio de Jesus, a ofensa atinja
a parte ainda não lesada.

Parte da doutrina afirma que os doentes mentais não podem ser sujeitos
passivos do delito de calúnia, pois, esta é a falsa imputação de crime e, os
doentes mentais não possuem culpabilidade (são inimputáveis) o que torna
impossível o cometimento de crimes por estas pessoas. Para Damásio de
Jesus, entretanto, a culpabilidade não integra o conceito de crime, sendo,
apenas, pressuposto da pena e, por isso, o referido autor entende que os
inimputáveis podem ser sujeitos passivos de calúnia. Para os doutrinadores
que não aceitam a sujeição passiva dos inimputáveis nos crimes de calúnia, o
fato falsamente atribuído aos mesmos deve ser tratado como difamação.

Parte da doutrina ensina que a pessoa jurídica não tem sentimento de


dignidade própria, uma vez que é entidade abstrata. Os seus representantes e
diretores, na qualidade de pessoas físicas, é que se podem dizer lesados em
sua honra, quando a ofensa à entidade os fira. Outros autores, em sentido
contrário, afirmam que pode ser sujeito passivo de difamação ou injúria, uma
vez que possui patrimônio particular e até mesmo honra. Uma terceira
corrente entende que a pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo de calúnia
36

nem de injúria, uma vez que não pode ser sujeito passivo de crime e nem
possui honra subjetiva, podendo ser vítima de difamação, em face de possuir,
inegavelmente, reputação, boa fama etc. (honra objetiva). Por fim, um quarto
entendimento, em meu entender o mais coerente, dirige-se no sentido de que a
pessoa jurídica pode ser vítima de calúnia quando esta se referir aos delitos
contra o meio ambiente (arts. 3º, 21 e 24 da lei 9.605/98) e de difamação, pois,
possui honra objetiva; jamais de injúria.

No caso do art. 138, § 2º, o sujeito passivo não será o de cujus, mas os seus
familiares.

1.4 – Semelhanças e dessemelhanças entre calúnia, difamação e injúria

Dos três crimes contra a honra, a calúnia e a difamação são os que mais se
aproximam quanto a seus conteúdos materiais: em ambas há imputação de
fatos. Por essa razão admitem, em tese, a retratação e a exceção da verdade,
enquanto a injúria não, pois nesta, em que não há imputação de fato, não há do
que se retratar ou o que se provar, salvo a exceção prevista na Lei de
Imprensa, que admite a retratação nas três espécies de crimes contra a honra.
Além disso, assemelham-se as três figuras típicas pelo fato de protegerem a
honra e pelo fato de que a ação penal é, de regra, exclusivamente privada.

As semelhanças essenciais entre calúnia e difamação são: ambas lesam a


honra objetiva do sujeito passivo; referem-se a fatos e não qualidades
negativas ou conceitos depreciativos e necessitam chegar ao conhecimento de
terceiro para consumar-se.

A semelhança entre calúnia e injúria é a previsão de procedimento idêntico


para ambas, salvo quando houver previsão diversa em lei especial (arts. 519 e
segs. CPP). Entre difamação e injúria a semelhança reside na não-exigência do
elemento normativo falsidade.

Diferencia-se a calúnia da difamação pelo fato de que naquela, imputa-se fato


criminoso, enquanto nesta, imputa-se fato ofensivo, depreciativo de seu apreço
social, mas não é fato criminoso. Além disso, na calúnia exige-se a falsidade
da imputação, o que não é exigido na difamação.

Entre difamação e injúria a diferença reside no fato de que, na primeira há


imputação de fato ofensivo à reputação da vítima; já na segunda, o agente
limita-se à emissão de conceitos depreciativos, sem imputar-lhe
37

objetivamente, a autoria de qualquer fato. Entre calúnia e injúria, a diferença é


que, na calúnia, imputa-se fato criminoso e, na injúria, conforme já
mencionado, emite-se conceitos depreciativos.

1.5 – Exceção da verdade

Exceção da verdade significa a possibilidade que tem o sujeito ativo de poder


provar a veracidade do fato imputado, através de procedimento especial (art.
523 do CPP).

A exceção da verdade é admitida na calúnia e, provada a verdade da


imputação, desaparece a elementar do tipo “falsamente” o que torna a conduta
atípica. Na difamação, em regra, não é admissível a exceção da verdade, salvo
quando o fato ofensivo for imputado a funcionário público e relacionar-se com
o exercício de suas funções. Nesse caso, há interesse da Administração
Pública em apurar a veracidade da imputação, a bem do interesse público. Por
isso admite-se a exceptio veritatis. Se a difamação é cometida por meio de
imprensa amplia-se a possibilidade da exceção da verdade (art. 21, §1º, da Lei
5.250/67). Na injúria, como não há imputação de fato, mas de opinião que o
agente emite sobre o ofendido, a exceção da verdade nunca é permitida.

Determinado segmento doutrinário tem sustentado que não se justifica punir


alguém porque repetiu o que todo mundo sabe e todo mundo diz, pois está
caracterizada a sua notoriedade. Assim é que alguns autores admitem a
chamada exceção da notoriedade. Cezar Roberto Bitencourt argumenta
contrariamente dizendo que, quando o CP proíbe a exceção da verdade para o
crime de difamação, está englobando a exceção da notoriedade, além disso, a
notoriedade é inócua, pois é irrelevante que o fato difamatório imputado seja
falso ou verdadeiro, já que isso não altera sua natureza difamatória. Por fim,
diz o renomado mestre que ninguém tem o direito de vilipendiar ninguém.

Na calúnia a exceção da verdade não é admissível em três hipóteses: a) nos


crimes de ação privada, quando o ofendido não foi condenado por sentença
irrecorrível (art. 138, §3º, I do CP), pois, seria paradoxal que, deixando ao
exclusívo arbítrio do ofendido no crime atribuído propor ou não a ação penal,
fosse permitido que terceiro viesse a juízo proclamar publicamente a
existência do fato e ainda autorizá-lo a provar judicialmente; b) nos fatos
imputados contra o Presidente da República, ou contra Chefe de Governo
estrangeiro (art. 138, §3º, II do CP) – aqui pretende-se proteger o cargo e a
38

função do mais alto mandatário da Nação e dos Chefes de Governo


estrangeiros. Entende-se que são abrangidos também os Chefes de Estado.
Nos casos de motivação política, haverá crime contra a segurança nacional
(art. 2º, I c/c art. 26 da Lei 7.170/83); c) se o ofendido foi absolvido do crime
imputado por sentença irrecorrível (art. 138, §3º, III do CP) – Esta hipótese
representa somente o reconhecimento da autoridade da res iudicata, já que a
sentença penal absolutória transitada em julgado não pode ser revista em
hipótese alguma.

2 – CALÚNIA

Calúnia é o fato de atribuir a outrem, falsamente, a prática de fato definido


como crime (art. 138, CP). Tutela-se a honra objetiva.

2.1 – Consumação e tentativa

O momento consumativo da calúnia ocorre no instante em que a imputação


chega ao conhecimento de um terceiro que não a vítima. Não é necessário que
um número indeterminado de pessoas tome conhecimento do fato, sendo
suficiente que apenas uma pessoa saiba da atribuição falsa.

A calúnia verbal não admite tentativa, ou o sujeito diz a imputação e o fato


está consumado ou não diz e não há conduta relevante. Já a calúnia escrita
admite a tentativa. Ex. o sujeito remete uma carta caluniosa que vem a ser
extraviada.

2.2 – Calúnia contra os mortos

Evidentemente, o morto não é o sujeito passivo do crime. Segundo Damásio


de Jesus, por analogia, empregando o disposto no art. 100, § 4º do CP,
podemos dizer que sujeitos passivos são o cônjuge, o ascendente, o
descendente ou o irmão. Estes são os titulares da objetividade jurídica, que se
reflete na honra dos parentes sobrevivos.

Não se há extensão aos crimes de difamação e injúria em função do princípio


da estrita legalidade.

2.3 – Classificação doutrinária


39

A calúnia constitui crime formal, porque a definição legal descreve o


comportamento e o resultado visado pelo sujeito ativo, mas não exige sua
produção. Para que exista o crime não é necessário que haja efetivo dano a
honra objetiva da vítima. Além disso é instantâneo, consumando-se em certo e
exato momento. É crime simples, pois, atinge um só objeto jurídico que é a
honra objetiva; comum, porque pode ser cometido por qualquer pessoa; e
unissubsistente, pois, realiza-se em um só ato. Para Damásio de Jesus, na
forma escrita, o crime será plurissubsistente.

3 – DIFAMAÇÃO

Difamação é o fato de atribuir a outrem a prática de conduta ofensiva à sua


reputação (art. 139 do CP). O legislador protege a honra objetiva (reputação).

3.1 – Consumação e tentativa

A difamação atinge o momento consumativo quando um terceiro, que não o


ofendido, toma conhecimento da imputação ofensiva à reputação.

A tentativa é inadmissível quando se trata de difamação cometida


verbalmente. Tratando-se, entretanto, de difamação por escrito, admite-se a
tentativa.

3.2 – Classificação doutrinária

Difamação é crime formal, pois não exige, para a sua consumação a efetiva
lesão do bem jurídico, contentando-se com a possibilidade de tal violação.
Basta que o fato imputado seja idôneo para macular a honra objetiva, não
sendo preciso que o sujeito passivo seja prejudicado pela imputação.

É delito simples, pois, ofende um só bem jurídico (honra objetiva); além disso
é comum, já que pode ser cometido por qualquer pessoa; comissivo (não
existe difamação por omissão); unissubsistente quando praticado verbalmente
e plurissubsistente quando praticado por escrito, admitindo, neste caso, a
tentativa.

4 – INJÚRIA
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Injúria é a ofensa à dignidade ou ao decoro de outrem. O CP, por intermédio


da incriminação (art. 140), protege a honra subjetiva, que constitui o
sentimento próprio a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de
cada um.

4.1 – Consumação e tentativa

A injúria atinge a consumação no momento em que o ofendido toma


conhecimento da imputação de qualidade negativa, sendo prescindível que o
fato seja cometido na sua presença. Também não é necessário que outras
pessoas tomem conhecimento da ofensa.

Lembramos que, conforme já acima mencionado, tratando-se de funcionário


público, cometido o fato em sua presença e em razão da função, o delito é
desacato (art. 331 do CP).

A injúria, assim como a calúnia e a difamação, só admite a tentativa se for


cometida por meio escrito.

4.2 – Classificação doutrinária

A injúria é delito formal porque não é necessário que a vítima sinta-se


ofendida. É suficiente que a atribuição de qualidade negativa seja capaz de
ofender; é comum já que pode ser cometida por qualquer pessoa; instantâneo,
porque a consumação ocorre no exato momento em que o ofendido toma
conhecimento da atribuição de qualidades negativas; comissivo, porque exige
um fazer; de forma livre podendo ser praticada por qualquer meio de
execução; simples, em regra, uma vez que atinge somente a honra subjetiva,
salvo nos casos de injúria real.

4.3 – Injúria real

Injúria real é aquela que consiste em violência ou vias de fato que, pela sua
natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes (art. 140, § 2º do
CP).

Por violência entende-se a lesão corporal, tentada ou consumada, em qualquer


de suas formas: leve, grave ou gravíssima; por vias de fato, deve-se entender
todo comportamento agressivo dirigido a outrem, desde que dele não resulte
lesão corporal. Quando o sujeito comete injúria real empregando vias de fato,
41

estas são absorvidas pelo delito de maior gravidade (injúria). Quando, porém,
a injúria é cometida por intermédio de lesão corporal, o sujeito responde por
dois crimes em concurso material. É o que determina o preceito secundário do
§ 2º, do art. 140 do CP, em sua parte final. Na verdade, segundo Damásio de
Jesus, trata-se de concurso formal impróprio (art. 70, 2ª parte do CP).
O emprego das vias de fato ou da violência devem ser aviltantes, por sua
natureza ou meio empregado. Ex. rasgar o vestido de uma mulher (vias de fato
aviltantes por sua natureza); atirar esterco no ofendido (vias de fato aviltantes
pelo meio empregado). Será sempre imprescindível o animus injuriandi.

4.4 – Injúria qualificada

O art. 2º da Lei 9.459/97, acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria,


impondo penas de reclusão, de um a três anos, e multa, se cometida mediante
“utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou origem.

Damásio de Jesus critica esta posição do legislador, pois, a injúria nestes casos
é apenada de forma mais gravosa do que delitos como homicídio culposo
(pena de 1 a 3 anos de detenção – art. 121, § 3º CP); com a mesma intensidade
de delitos como o auto-aborto e aborto consentido (arts. 124 e 125 do CP,
respectivamente). Além disso, Cezar Roberto Bitencourt acrescenta que, além
do rigor sancionatório, a Lei 9.459/97 equivocou-se quanto à natureza da ação
penal correspondente à injúria qualificada que manteve-se de exclusiva
iniciativa privada.

5 – FORMAS MAJORADAS DOS CRIMES CONTRA A HONRA

Os crimes contra a honra, com exceção da injúria, não tem figuras


qualificadas. No entanto, circunstâncias de especial gravidade relativas à
condição ou qualidade do sujeito passivo, ou mesmo em relação ao modo,
meio ou motivo da ação, podem autorizar a elevaçào da pena aplicável. Essas
hipóteses, relacionadas no art. 141 do CP, são majorantes ou causas de
aumento de pena.

5.1 – Ofensa proferida contra o Presidente da República ou contra Chefe


de Governo estrangeiro

Protege-se a honorabilidade do Presidente da República e a de Chefe de


Governo estrangeiro, punindo-se mais severamente as ofensas contra os
mesmos proferidas.
42

Modernamente é unânime na doutrina o entendimento de que a majorante


abrange também o Chefe de Governo.

5.2 – Ofensa contra funcionário público em razão de suas funções

Objetiva o Código Penal, no caso desta majorante, preservar a integridade dos


Órgãos Públicos e das funções da Administração Pública. É indispensável que
o ofendido ostente a condição de funcionário público e que a ofensa lhe tenha
sido dirigida em razão de suas funções.

Se a ofensa é proferida na presença ou diretamente ao funcionário público, no


exercício da função ou em razão dela, o crime deixa de ser contra a honra para
tipificar o desacato (art. 331 CP) que é crime contra a Administração Pública.

5.3 – Ofensa proferida na presença de várias pessoas, ou por meio que


facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria

Não é necessário que haja efetiva, mas potencial divulgação.

No caso de ofensa proferida na presença de várias pessoas, exige-se, no


mínimo, a presença de três indivíduos, excetuando-se o autor e a vítima. Além
disso, é essencial que as várias pessoas possam ouvir, perceber, entender ou
presenciar a manifestação ofensiva. Esta majorante só se aplica se o agente
tem conhecimento de que há várias pessoas no local, capazes de presenciar as
ofensas.

Os meios que facilitam a divulgação são: escritos e pichações em vias públicas


e muros, pintura, escultura, disco, alto-falante etc. Caso o meio de divulgação
seja um dos chamados meios de comunicação (televisão, rádio, jornal), deverá
aplicar-se a Lei de Imprensa.

5.4 – Mediante paga ou promessa de recompensa

Trata-se do chamado “crime mercenário” que sempre revela maior torpeza do


agente, tornando-o merecedor de maior reprovação penal. Na paga o agente
recebe efetivamente o pagamento; na promessa de recompensa, há o
compromisso de recompensar.
43

6 – CAUSAS ESPECIAIS DE EXCLUSÃO DO DELITO

Além das causas de exclusão de ilicitude genéricas (art. 23 do CP), nos crimes
contra a honra podem existir circunstâncias especiais capazes de,
excepcionalmente, justificar a prática da conduta geralmente ofensiva. São as
chamadas causas especiais de exclusão de crime, relacionadas no art. 142 do
CP.

6.1 – Ofensa irrogada em juízo (art. 142, I, do CP)

Para que haja exclusão, a ofensa deve relacionar-se diretamente com a causa
em questão.

Justifica-se a exclusão, pois, visa garantir a ampla defesa e, porque, a


veemência dos debates, o ardor com que se defendem os direitos pode resultar
em alusões ofensivas à honra de outrem, embora desprovidas de animus
ofendendi.

6.2 – Crítica literária, artística ou científica (art. 142, II, do CP)

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, o fundamento desta excludente é a


liberdade de expressão.

A crítica prudente, fundamentada, realizada com animus criticandi não traz


em seu bojo conteúdo ilícito, seja de natureza literária, artística ou científica,
até porque, quem exerce atividade literária, artística ou científica sabe que está
exposto a críticas e deve estar preparado para aceitá-las.

6.3 – Conceito desfavorável emitido por funcionário público (art. 142, III,
do CP)

Por vezes, o funcionário público pode ser levado a usar termos ou expressões
ofensivas, mas necessárias ao fiel relato dos fatos ou argumentos. É
indispensável para o bom exercício da função pública, conceder essa proteção
ao servidor, que tem o dever legal de informar ou relatar, com seriedade e
exatidão, o que seu cargo ou função lhe atribui. Porém, é essencial que o
conceito desfavorável seja emitido no efetivo cumprimento de dever de ofício.
44

7 – RETRATAÇÃO

A calúnia e a difamação admitem a retratação, antes da sentença. Retratação é


o ato de desdizer, de retirar o que disse. Negar o fato não é retratar-se, pois, a
retratação significa que o indivíduo reconhece que ofendeu, mas, depois retira
o que afirmou.

A retratação é inadmissível na injúria, salvo nos casos da Lei de Imprensa, que


prevê retratação para todos os crimes contra a honra (art. 26, Lei 5.250/67).

Os efeitos da retratação só se produzem no plano criminal, não havendo


qualquer influência no que se refere a reparação civil.

8 – PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO

Quando houver dúvida na manifestação de alguém, quem se julgar ofendido


pode pedir explicação em juízo, nos termos do que prevê o art. 144 do CP. A
chamada “interpelação judicial” é providência de natureza cautelar, destinada
a preparar a futura ação penal.

O fato de haver, por parte do interpelado recusa a prestar as informações ou se


o mesmo vier a prestá-las insatisfatoriamente, o juiz, havendo interesse do
ofendido em dar início à ação penal, estará autorizado a receber a peça inicial
(denúncia ou queixa), não podendo a ausência de explicações pesar
desfavoravelmente contra o ofensor.

O juiz que recebe a interpelação não deve emitir qualquer juízo acerca da
admissibilidade da interpelação ou da natureza das informações prestadas ou
deixadas a prestar. Este juízo deverá ser do próprio ofendido. A competência
para avaliar as explicações será do próprio juiz competente para a eventual
ação penal.

9 – AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A HONRA

A ação penal nos crimes contra a honra, como regra geral, é de exclusiva
iniciativa privada (art. 145, caput, 1ª parte, do CP); será, no entanto, pública
condicionada (art. 145, p. único, CP) quando: a) praticada contra o Presidente
da República ou Chefe de Governo (e de Estado) estrangeiro, caso em que
depende de requisição do Ministro da Justiça; b) contra funcionário público,
45

em razão de suas funções, dependendo de representação do ofendido. Será


pública incondicionada (art. 145, caput, 2ª parte do CP), quando, na injúria
real, houver lesão corporal. Neste último caso, parte da doutrina é do
entendimento de que, se a lesão for leve, haverá necessidade de representação
em razão do que determina o art. 88, da Lei 9.099/95.
DIREITO PENAL III
Aula 9

CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL

1 – CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Constrangimento ilegal é o fato de obrigar alguém, mediante violência ou


grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a
capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela
não manda – art. 146 do CP.

O bem jurídico tutelado é a liberdade de autodeterminação.

1.1 – Sujeitos do delito

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de constrangimento ilegal. Porém,


tratando-se de funcionário público, sendo o fato cometido no exercício da
função, o delito será o de exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350 do
CP) ou abuso de autoridade (Lei 4.898/65).

Quanto ao sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que possua
capacidade de autodeterminação, isto é, liberdade de vontade.

Se o sujeito passivo for Presidente da República, do Senado Federal, da


Câmara dos Deputados ou do STF, poderá configurar-se o delito previsto no
art. 28, da Lei 7.170/83 e não art. 146 do CP.

1.2 – Natureza subsidiária

O crime de constrangimento ilegal somente será considerado subsidiário


quando constituir meio para a realização de outro delito ou quando for
elemento integrante deste, como acontece no roubo, extorsão, estupro etc.,
ficando o constrangimento ilegal absorvido. Assim, pode-se admitir que se
trata de um crime eventualmente subsidiário. Corroborando este
46

entendimento, vem o § 2º, do referido art. 146 do CP, informar que, além das
penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

1.3 – Consumação e tentativa

Consuma-se o constrangimento ilegal no momento em que a vítima faz ou


deixa de fazer alguma coisa.

Tratando-se de delito material, em que pode haver fracionamento das fases de


realização, o constrangimento ilegal admite a figura da tentativa.

1.4 – Concurso com crimes praticados com violência

Boa parte da doutrina vê no § 2º do art. 146 do CP uma forma de concurso


material.

Porém, não é esse o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt, pois, para este
autor o que caracteriza o concurso material não é simplesmente a soma ou
cumulação das penas como prevê o dispositivo em exame, mas a pluralidade
de condutas, já que, no concurso formal impróprio também há cumulação de
penas.

Assim, o § 2º, do art. 146 do CP não criou uma espécie sui generis de
concurso material, mas adotou tão somente o sistema do cúmulo material de
aplicação de pena. Portanto, quando a violência empregada na prática do
crime de constrangimento ilegal constituir em si mesma outro crime, havendo
unidade de ação e pluralidade de crimes, estaremos diante de concurso formal
simples, porém, a aplicação das penas seguirá o sistema do cúmulo material,
independentemente de tratar-se de concurso formal próprio ou impróprio.

Contudo, nada impede que possa ocorrer, também, um concurso material,


desde que, é claro, haja pluralidade de condutas e de crimes.

1.5 – Formas majoradas

As penas do constrangimento ilegal são, segundo previsão do art. 146, § 1º do


CP, aplicadas cumulativamente e em dobro se houver qualquer das duas
47

causas de aumento de pena: reunirem-se mais de três pessoas para a execução


do crime ou utilização de armas.

Para a configuração da primeira majorante (reunião mais de três pessoas), será


necessário que, no mínimo, quatro pessoas tenham participado da fase
executória do crime, incluindo-se nesse número o próprio autor principal, se
houver, menores e incapazes. Segundo Cezar Roberto Bitencourt, é necessário
que as pessoas participem da execução do crime não podendo incidir a causa
de aumento se as pessoas participaram somente da preparação do crime ou
limitaram-se à simples atividade de partícipes, instigando ou induzindo
(lembrar da teoria do domínio do fato). Além disso, para o referido autor, é
necessário, também, o vínculo subjetivo (comunhão de desígnios) entre os
participantes que, no entanto, não precisa ser prévio.

O fundamento dessa majorante é o aumento do temor infundido à vítima,


diminuindo ou, muitas vezes, eliminando a possibilidade de defesa (desvalor
da ação).

A segunda majorante diz respeito ao emprego de armas que, segundo a


maioria da doutrina e jurisprudência, refere-se a gênero e não ao número de
armas, incidindo a causa de aumento ainda que seja utilizada apenas uma
arma.

Somente haverá incidência da majorante se a arma for efetivamente


empregada na execução do crime (não basta o simples porte, salvo se for
ostnsivo).

Segundo parte da doutrina, arma de brinquedo não configura esta causa de


aumento, porque, falta-lhe idoneidade lesiva.

Por fim, cabe mencionar que, quando o § 1º, do art. 146 do CP menciona que
as penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, significa que o juiz deve
aplicar cumulativamente as penas de detenção e de multa, fixadas em dobro.

2 – AMEAÇA

Ameaça é o fato de o sujeito, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro


meio simbólico, prenunciar a outro a prática de mal contra ele ou contra
terceiro – art. 147 do CP.
48

A objetividade jurídica é a paz de espírito, a tranqüilidade espiritual.

Diferencia-se do constrangimento ilegal, pois, neste o agente visa uma


conduta positiva ou negativa da vítima e, na ameaça, pretende somente
atemorizar o sujeito passivo.

2.1 – Bem jurídico tutelado

O bem jurídico tutelado é a liberdade pessoal e individual de


autodeterminação, isto é, a liberdade psíquica do indivíduo.

2.2 – Sujeitos do delito

A ameaça não é delito próprio. Assim, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo.

Quanto ao sujeito passivo, também pode ser qualquer pessoa, desde que tenha
capacidade de entendimento.

A ameaça contra o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara


dos Deputados e do STF constitui crime contra a Segurança Nacional (art. 28,
Lei 7.170/83).

2.3 – Consumação e tentativa

Consuma-se a ameaça no instante em que o sujeito passivo toma


conhecimento do mal prenunciado, independente de sentir-se ameaçado ou
não, tratando-se, pois, de crime formal. Porém, é preciso que a ameaça tenha
idoneidade para infundar temor.

A tentativa, embora de difícil configuração, é admissível, por exemplo, na


forma escrita. Entretanto, conforme afirma Damásio de Jesus, por se tratar de
crime de ação penal pública condicionada à representação, se o sujeito passivo
represente é porque tomou conhecimento da ameaça e, assim sendo, já se terá
consumado o delito.

2.4 – Natureza subsidiária

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, ameaça é um crime tipicamente


subsidiário: se a ameaça deixa de ser um fim em si mesmo, já não se configura
um crime autônomo, passando a constituir elemento, essencial ou acidental de
49

outro crime. Nesse caso a ameaça é absorvida por esse outro crime, ou seja,
quando for elemento ou meio de outro delito.

A finalidade de incutir medo na vítima caracteriza o crime de ameaça, mesmo


que não se produza esta intimidação. Mas a existência de determinado fim
específico do agente pode, com a mesma ação, configurar outro crime.

3 – SEQÜESTRO E CÁRCERE PRIVADO

O seqüestro e o cárcere privado vêm previstos no art. 148 do CP, sendo meios
de que se vale o sujeito ativo para privar alguém, total ou parcialmente, de sua
liberdade de locomoção.

Seqüestro e cárcere privado distinguem-se, pois, no primeiro, embora a vítima


seja submetida à privação da faculdade de locomoção, tem maior liberdade de
ir e vir. O sujeito pode prender a vítima numa fazenda ou numa chácara. No
cárcere privado, a vítima vê-se submetida à privação de liberdade num recinto
fechado, como por exemplo, um quarto.

3.1 – Bem jurídico tutelado

O bem jurídico protegido, neste tipo penal, é a liberdade individual,


especialmente a liberdade de locomoção, isto é, a liberdade de movimento, do
direito de ir, vir e ficar. Segundo Cezar Roberto Bitencourt, não deixa de ser
uma espécie de constrangimento ilegal, apenas diferenciado pela
especialidade.

O consentimento do ofendido, desde que válido, funciona como causa


supralegal de exclusão da ilicitude, pois, trata-se de bem jurídico disponível,
salvo quando a privação da liberdade ofender a dignidade da pessoa humana.

3.2 – Sujeitos do delito

Seqüestro e cárcere privado não são crimes próprios. Assim podem ser
praticados por qualquer pessoa. Tratando-se de funcionário público no
exercício de suas funções, pode haver outro crime como, por exemplo, abuso
de autoridade.

Quando ao sujeito passivo, também pode ser qualquer pessoa, porém, segundo
parte da doutrina, tendo em vista o objeto jurídico tutelado, estão fora da
50

proteção pessoas que não podem exercer a faculdade de ir e vir, como


paralíticos, doentes graves etc. Damásio de Jesus e Cezar Roberto Bitencourt,
porém, entendem que tais pessoas merecem proteção ainda maior e, dessa
forma, poderão ser sujeitos passivos do delito tipificado no art. 148 do CP.

Seqüestro e cárcere privado cometidos contra Presidente da República, do


Senado Federal, Câmara dos Deputados e STF constituem delitos contra a
Segurança Nacional (art. 28, Lei 7.170/83).

3.3 – Consumação e tentativa

Consuma-se o crime no instante em que a vítima se vê privada da liberdade de


locomoção. Cuidando-se de delito permanente, perdura a consumação
enquanto o ofendido estiver submetido à privação de sua liberdade de
locomoção. A tentativa, na forma comissiva, é possível. Quando a omissão
constitui o meio executório, a tentativa é impossível.

Cezar Roberto Bitencourt afirma ser necessário período de tempo razoável


para que se configure o seqüestro ou o cárcere privado e, também, opina no
sentido de que, mesmo em recinto aberto, se o ofendido é privado de realizar
atividades que deseja, haverá o delito do art. 148 do CP.

3.4 – Formas qualificadas (modificadas pela Lei 11.106/05)

Nos termos do art. 148, § 1º do CP, a pena é agravada se, em primeiro lugar, a
vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente; em segundo lugar, se
o fato é cometido mediante internação em casa de saúde ou hospital; por fim,
se a privação da liberdade dura mais de 15 dias.

Na primeira hipótese, a norma qualificadora só incide no caso de parentesco


natural, não pode ser aplicada nos casos de parentesco civil ou por afinidade
(filho ou pai adotivo, padrasto, genro etc.). Aqui, houve modificação, com a
introdução também, da figura do companheiro e do maior de 60 (sessenta)
anos.

No que se refere a internação em casa de saúde ou hospital, a razão da maior


punibilidade reside no emprego de meio fraudulento. Havendo a participação
de qualquer profissional do estabelecimento, aplicam-se as regras do concurso
de pessoas e, se o agente incorrer em erro, receberá tratamento de acordo com
a natureza de seu erro (de tipo ou de proibição).
51

O fato também é agravado quando a privação da liberdade dura mais de 15


dias, isso porque, nesse caso, a conduta do agente revela maior malignidade. O
prazo deve ser contado de acordo com a regra do art. 10 do CP.

A partir de 29/03/2005, com a entrada em vigor da Lei 11.106/05, o seqüestro


e o cárcere privado passaram a ser considerados qualificados, também, quando
praticados contra menor de 18 (dezoito anos) e quando praticados com fins
libidinosos (incisos IV e V, respectivamente), sendo esta última qualificadora,
substituindo os artigos 219 a 222 do CP, revogados pela mesma lei acima
mencionada.

Por fim, o código retrata a qualificadora do sofrimento físico ou moral do


ofendido, provocado por intermédio de maus-tratos ou pela natureza da
detenção (art. 148, § 2º do CP). Por maus-tratos entende-se a conduta
agressiva do sujeito, que produz ofensa à moral, ao corpo ou à saúde da
vítima, sem causar lesão corporal. Se essa ocorre, haverá concurso material. A
circunstância “natureza da detenção” diz respeito ao aspecto material da
privação da liberdade da vítima, como amarrá-la numa árvore, colocá-la em
lugar úmido etc.

4 – REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

O art. 149 do CP define o delito de plágio ou redução a condição análoga à de


escravo.

Plágio é a sujeição de uma pessoa ao domínio de outra. O legislador protege a


liberdade em todas as suas formas de exteriorização. Não se trata de o sujeito
submeter a vítima à escravidão. O texto legal se refere a “condição análoga à
de escravo”; fato de o sujeito transformar a vítima em pessoa totalmente
submissa à sua vontade, como se fosse escravo. O tipo não visa uma situação
jurídica, mas sim um estado de fato.

Nesse caso o consentimento do ofendido é irrelevante, pois, a liberdade do


homem constitui interesse preponderante do estado.

4.1 – Bem jurídico tutelado


52

O bem jurídico tutelado nesse tipo penal, é a liberdade individual, isto é, o


status libertatis, assegurado pela Carta Magna brasileira. Reduzir alguém a
condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana e, nesse particular, difere do crime de
seqüestro e cárcere privado, pois, este protege a liberdade de mudança de
lugar, sempre que a pessoa queira, enquanto no delito do art. 149 do CP, além
da liberdade, tutela-se o amor próprio, o orgulho pessoal, a dignidade que todo
indivíduo deve preservar.

No delito de redução a condição análoga à de escravo, é preciso que passe a


haver uma relação de sujeição entre o sujeito passivo e o sujeito ativo.

4.2 – Sujeitos do delito

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo do delito previsto no art.
149 do CP. Entretanto, tratando-se de funcionário público no exercício de suas
funções, pode haver configuração de crime de abuso de autoridade..

Se o sujeito passivo for criança ou adolescente, pode haver conflito (aparente)


com os delitos previstos nos arts. 238 e 239 da Lei 8.069/90 (ECA) que
prevalecerão sobre o tipo penal do art. 149 do CP, em função do princípio da
especialidade.

4.3 – Consumação e tentativa

O crime atinge o momento consumativo quando o sujeito ativo reduz a vítima


a condição análoga à de escravo por tempo juridicamente relevante. Para
Cezar Roberto Bitencourt, tratando-se de crime permanente, não se
configurará o delito se o estado a que for reduzido o ofendido for rápido,
instantâneo ou momentâneo, admitindo-se nesses casos, no máximo, a forma
tentada que é possível, por tratar-se de crime material.

5 – VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO; VIOLAÇÃO DE


CORRESPONDÊNCIA; DIVULGAÇÃO DE SEGREDO

O CP, no arts. 150, 151 e 153 tipifica os delitos de violação de domicílio,


violação de correspondência e divulgação de segredo, respectivamente.

No que se refere ao conceito de domicílio, o CP não protege o domicílio


definido pelo legislador civil. O legislador penal procurou proteger o lar, a
53

casa, o lugar onde alguém mora, como a barraca do campista, o barraco do


favelado ou o rancho do pescador. A expressão “casa” contida no caput do art.
150 do CP, tem sentido amplo (ver, também, art. 5º, XI, da CF/88).

Em relação a correspondência, compreende a carta, bilhete, telegrama etc.,


sendo necessário que seja fechada; que seja atual; que tenha destinatário
específico.

5.1 – Bem jurídico tutelado

Na violação de domicílio, o bem protegido é a liberdade individual, o status


libertatis, a invulnerabilidade do lar, a intimidade e a privacidade. O art. 150
do CP não protege a posse, a detenção ou a propriedade, mas a privacidade
doméstica, caso contrário teria que criminalizar também a violação de casa
desabitada (lembramos que ausência dos moradores não torna a casa
desabitada).

Na violação de correspondência o bem jurídico protegido é a inviolabilidade


do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e das
comunicações telefônicas (neste último caso, houve derrogação do art. 151,
§1º, II, parte final do CP, pelo art. 10 da lei 9.296/96).

O delito de divulgação de segredo tem como bem jurídico tutelado a


preservação do sigilo de atos ou fatos secretos ou confidenciais cuja
divulgação pode causar dano a outrem. A proteção penal, porém, limita-se a
documentos particulares ou a correspondências confidenciais.

5.2 – Sujeitos do delito

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de violação de domicílio,


inclusive o proprietário; sujeito passivo é o morador, que pode impedir ou
anuir à entrada ou permanência na casa. Havendo solidariedade no exercício
do direito (casais, por exemplo) e, existindo dissenso, prevalece a vontade
negativa, sob pena de haver violação de domicílio em relação ao dissente.

Em caso de violação de correspondência, sujeito ativo pode ser qualquer


pessoa, salvo o remetente e o destinatário. Segundo parte da doutrina, também
não serão sujeitos ativos desse crime o cego ou o analfabeto, mesmo que
violem a correspondência e tomem ciência de seu conteúdo, de alguma outra
54

forma. A subjetividade passiva é dupla no crime de violação de


correspondência, pois, afeta o remetente e o destinatário da correspondência.

No crime de divulgação de segredo, sujeito ativo será somente o destinatário


ou detentor do documento particular ou de correspondência confidencial,
desde que contenha segredo ou conteúdo confidencial, cuja revelação possa
causar dano a alguém. O sujeito passivo é o titular do segredo, isto é, pessoa
que, com a divulgação do conteúdo confidencial, possa sofrer dano, ainda que
não seja autor do documento ou remetente da correspondência.

5.3 – Consumação e tentativa

O crime de violação de domicílio consuma-se com a entrada ou permanência


em casa alheia, contrariadas por quem de direito. No primeiro caso, a
consumação ocorre tão logo o sujeito ativo se tenha introduzido
completamente em casa alheia; no segundo caso, no exato momento em que a
conduta do agente demonstra sua efetiva intenção de permanecer no interior
do aposento, a despeito do dissenso de quem de direito ou, quando o agente
fica no interior da casa além do necessário, apesar de solicitada a sua retirada.
A tentativa, embora de difícil configuração, é, teoricamente, admissível.

Consuma-se o crime de violação de correspondência como conhecimento do


conteúdo da correspondência ou com o apossamento, não sendo necessário,
nesse último caso, que haja a efetiva sonegação ou destruição. Admite-se a
tentativa.

No caso de divulgação de segredo, ocorre a consumação com o ato de


divulgar, independentemente da efetiva ocorrência de dano (exige-se, apenas,
a potencialidade para causar dano e não sua efetividade). Além disso, faz-se
necessário, segundo Cezar Roberto Bitencourt, uma difusão extensiva, algo
que torne possível o conhecimento de um número indeterminado de pessoas. A
tentativa, embora de difícil configuração, teoricamente é possível (ex.:
indivíduo que, com a intenção de colar cartaz em logradouro público,
contendo segredo que quer divulgar, é impedido por terceiro).

DIREITO PENAL III


Aula 10
55

1 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E OS CRIMES CONTRA O


PATRIMÔNIO

A tipicidade penal, necessária à caracterização do fato típico biparte-se em: a)


formal; b) conglobante.

Tipicidade formal é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo


abstrato (tipo) previsto na lei penal; a tipicidade conglobante exige dois
aspectos fundamentais: a) que a conduta do agente seja antinormativa; b) que
o fato seja materialmente típico. O estudo da insignificância reside nesta
segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade
material.

Assim, além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com


perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa
adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao
tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo
objeto de proteção. Assim, em caso de insignificância da lesão, estará ausente
a tipicidade material o que excluirá a tipicidade conglobante e, por
conseguinte, a tipicidade penal, deixando de existir a própria infração penal.

Nos crimes contra o patrimônio, tem surgido corrente de pensamento


aceitando a aplicação do princípio da insignificância, salvo nos casos em que,
dentre os elementos do tipo, esteja a violência ou a grave ameaça, como, por
exemplo, no crime de roubo. Porém, segundo entendimento do prof. Rogério
Greco, sendo o roubo um delito complexo, cuja objetividade jurídica é a
proteção do patrimônio e da liberdade individual ou da integridade física do
ofendido, não pode subsistir sem que ocorra lesão significativa a ambos os
bens jurídicos protegidos. Dessa forma, se a lesão à liberdade individual for
insignificante, haverá o crime de furto; ao contrário, se a lesão patrimonial for
insignificante, subsistirá o crime contra a pessoa (ameaça, lesão corporal,
constrangimento ilegal etc.).

2 – FURTO

Furto é a subtração de coisa alheia móvel com fim de assenhoramento


definitivo (art. 155, caput, CP)
O estatuto penal, na espécie, protege dois bens jurídicos: a posse, abrangendo
a detenção, e a propriedade. É necessário, no entanto, que a posse seja
56

legítima. Assim, se um ladrão furta outro ladrão, haverá furto, mas, o sujeito
passivo do segundo fato será o dono da coisa.

Não podem ser objeto de furto as coisas de ninguém, que nunca tiveram dono
(res nullius); a coisa que já pertenceu a alguém, mas foi abandonada (res
delericta); a coisa de uso comum que, embora de uso de todos, como a luz ou
o calor do sol, o ar, a água do mar e dos rios, não pode ser objeto de ocupação
em sua totalidade ou in natura (res commune omnium). Porém, a coisa perdida
(res desperdicta) pode ser objeto, não de furto, mas, de apropriação de coisa
achada – art. 169, p. único, II, do CP.

2.1 – Sujeito ativo e sujeito passivo

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de furto, salvo o proprietário.
Não existe furto de coisa própria, enquadrado no art. 155 do CP. O legislador
fala em coisa alheia móvel. Assim, o fato praticado pelo próprio proprietário
pode vir a enquadrar-se na descrição típica do art. 346 do CP, desde que
preenchidos os requisitos exigidos para tanto.

Sujeito passivo é a pessoa física ou jurídica, titular da posse, incluindo a


detenção, ou a propriedade.

2.2 – Consumação e tentativa

Quanto ao momento consumativo do crime de furto podem-se destacar,


basicamente, três orientações distintas: a) que é suficiente o deslocamento da
coisa, mesmo que ainda não tenha saído da esfera de vigilância da vítima; b)
que é necessário afastar-se da esfera de vigilância do sujeito passivo; c) que é
necessário um estado de posse tranqüilo, ainda que momentâneo.

Para Cezar Roberto Bitencourt, considera que o furto se consuma tanto no


momento em que a coisa saia da esfera de vigilância, quanto no momento em
que saia da esfera de disponibilidade da vítima, dependendo de cada caso
concreto. Damásio de Jesus entende ser suficiente que a coisa saia da esfera de
disponibilidade do sujeito passivo, mesmo que o autor não exerça a posse
tranqüila sobre a res furtiva.

O furto, como crime material, admite com segurança a figura tentada. Sempre
que a atividade executória seja interrompida por causas estranhas a vontade do
agente, configura-se a tentativa. Ocorre a tentativa, por exemplo, na situação
57

em que a vítima percebe que está sendo furtada pelo “batedor de carteira” e o
prende, antes que o mesmo consiga retirar o objeto da esfera de vigilância do
proprietário.

Em alguns casos é preciso ter muita atenção, pois, poderá ser hipótese de
crime impossível (art. 17 do CP) e não de tentativa. Suponha que um
indivíduo coloque a mão no bolso de outrem, visando subtrair-lhe a carteira,
mas, a suposta vítima, naquele dia, não estava portando o referido objeto.
Nesse caso não haverá tentativa, mas, crime impossível por absoluta
impropriedade do objeto. Porém, se a vítima havia colocado a carteira em
outro bolso, haverá tentativa, pois, na verdade, o bem jurídico correu risco.

2.3 – Furto de uso

Furto de uso é a subtração de coisa infungível para fim de uso momentâneo e


pronta restituição. Não constitui crime em face do Código Penal vigente. Isso
decorre da exigência típica de o fato ser praticado pelo sujeito “para si ou
para outrem”, o que demonstra a necessidade de que a conduta tenha a
finalidade de assenhoramento definitivo.

É preciso observar, no entanto, que a coisa deve ser restituída integralmente,


isto é, intacta em si mesma e em seus acessórios, no próprio local em que fora
subtraída. Assim, o abandono da coisa é ato possessório incompatível com a
ação de quem pretendia apenas usar. Além disso, se o autor do furto de uso for
apanhado antes de devolver a coisa ao proprietário, haverá de provar sua
intenção de, apenas, usar a res.

Obs.: a subtração de veículo com intenção de utilizá-lo em fuga por bandidos


não configura furto de uso, pois, é certo que não há, nesse caso, intenção de
devolver o objeto ao proprietário.

Registre-se que tal conduta é tipificada como crime militar próprio (art. 241
do CPM).

2.4 – Furto famélico ou necessitado

Furto famélico é aquele praticado com a intenção de saciar a fome do agente.


58

O prof. Rogério Greco entende que, em caso de furto famélico (ou


necessitado), configura-se o estado de necessidade (art. 24 do CP), causa legal
de exclusão da ilicitude.

Para o renomado mestre, pode acontecer que, em virtude de sérias


dificuldades econômicas pelas quais passa o agente, a sua situação seja tão
insuportável a ponto de praticar uma infração penal para que possa sobreviver.

No estado de necessidade existem dois bens jurídicos em confronto que estão,


da mesma forma protegidos pelo ordenamento jurídico. No caso concreto deve
haver uma ponderação desses bens para, através do princípio da razoabilidade,
manter um deles em prejuízo do outro.

No furto famélico há dois bens em confronto: de um lado, a sobrevivência


(vida) do agente e de outro, o patrimônio do sujeito passivo, ambos protegidos
pelo ordenamento jurídico. Nesse confronto, é razoável que a vida prevaleça
sobre o patrimônio, podendo o agente, nesse caso, erigir a mencionada causa
de justificação.

Porém, é preciso uma análise bastante minuciosa para, em cada caso concreto,
aferir o verdadeiro grau de miserabilidade do agente, bem como a
impossibilidade de que viesse a conseguir o alimento para saciar sua fome
através de outros meios.

2.5 – Figuras típicas

2.5.1 – Furto noturno

O § 1º, do art. 155 do CP determina o aumento da pena “se o crime é praticado


durante o repouso noturno”.

Repouso noturno é o período da noite em que as pessoas se recolhem para


descansar. Não há critério fixo para conceituação dessa majorante. Depende
do caso concreto, a ser decidido pelo juiz. Assim, pode variar no tempo e no
espaço. Ex.: em grandes centros urbanos, o repouso noturno, certamente
começa mais tarde do que na zona rural; em ocasiões festivas, como carnaval,
o repouso noturno também sofrerá variação.

O fundamento dessa causa de aumento de pena reside na circunstância da


maior facilidade de que pode obter o sujeito quando pratica o furto em altas
59

horas da noite. Para alguns autores, fundamenta-se também no fato de que o


indivíduo que pratica o furto durante a noite revela maior periculosidade,
argumento com o qual não concorda Cezar Roberto Bitencourt, para quem, o
quotidiano urbano tem demonstrado a enorme quantidade de crimes contra o
patrimônio praticados durante o dia.

Há entendimento, também, no sentido de que os moradores não precisam estar


no local e, mesmo que estejam, não precisam, necessariamente, estar
repousando para que se configure a majorante. Cezar Roberto Bitencourt faz
uma interpretação restritiva do dispositivo, entendendo ser necessário que os
moradores estejam presentes e repousando.

2.5.2 – Furto privilegiado

Para Cezar Roberto Bitencourt, não é correta a terminologia “furto


privilegiado”, pois, para que exista a figura privilegiada, para o referido autor,
é preciso que haja nova escala penal com cominação de sanção inferior àquela
prevista para a figura simples (é o contrário da qualificadora). Damásio de
Jesus não vê problema em adotar a terminologia “furto privilegiado”.

O “privilégio” pode incidir tanto sobre o crime consumado, quanto sobre o


tantado e exige dois requisitos: a) que o criminoso seja primário; b) que a
coisa seja de pequeno valor.

Criminoso primário, segundo Damásio de Jesus, é o não-reincidente e, em tal


categoria incluem-se tanto os que nunca sofreram condenação irrecorrível,
quanto os que já foram condenados irrecorrivelmente há mais de cinco anos,
na forma do art. 64, I, do CP; enquanto isso, Cezar Roberto Bitencourt
considera primário somente aquele que nunca sofreu qualquer condenação
irrecorrível.

Quanto ao valor que se pode considerar pequeno, a jurisprudência vencedora


em nossos tribunais entende como teto o salário mínimo vigente ao tempo da
prática do crime. Isso não significa que, no caso concreto, não possa o juiz
deixar de aplicar a “privilegiadora” ainda que o valor da res furtiva seja
inferior a um salário mínimo. Por exemplo: o furto de uma bicicleta no valor
de R$ 150,00 tendo como vítima um indivíduo que tenha renda de um salário
mínimo, não poderá ser considerado de pequeno valor.
60

Para fins de aplicação do disposto no § 2º do art. 155 do CP, não se


identificam “pequeno valor” da res furtiva e “pequeno prejuízo” resultante da
ação delituosa, pois, quando o legislador deseja considerar o prejuízo sofrido
pela vítima, o faz expressamente, como no estelionato (art. 171, § 1º, do CP).
Por isso, ainda que a coisa seja recuperada e a vítima não sofra qualquer
prejuízo, o valor deve ser considerado ao tempo da subtração para que se
possa ou não aplicar a “privilegiadora”. Isso não impede que, recuperando a
vítima o bem furtado, desde que por vontade do agente, seja a este aplicada a
atenuante genérica do art. 65, III, b do CP.

Entende-se majoritariamente, que o privilégio é aplicável, somente às formas


simples e com causa de aumento de pena pelo repouso noturno (art. 155,
caput e § 1º do CP) em razão da sua localização topográfica. Cezar Roberto
Bitencourt e Damásio de Jesus entendem que pode haver aplicação a todas as
figuras de furto (simples, com causa de aumento de pena pelo repouso noturno
e qualificada), exceto a que se refere ao furto de veículo automotor, por razões
óbvias. Para os referidos autores não há razão lógica, metodológica ou
científica para a restrição aceita pela doutrina e jurisprudência dominantes.

2.5.1 – Furto de energia

De acordo com o § 3º, do art. 155 do CP, equipara-se à coisa móvel a energia
elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

O Código está se referindo a outras formas de energia, além da elétrica, como


a genética, a mecânica, a térmica e a radioatividade. Não se inclui o sinal de
TV a cabo que, em alguns lugares tem sido objeto de desvio por pessoas que
passam a utilizá-lo sem o correspondente pagamento, pois, sinal de TV a cabo
não é energia, já que, não se gasta, não se consome, independentemente da
quantidade de pessoas que possam utilizá-lo ao mesmo tempo.

Obs.: entende-se que, se a subtração ocorre após o medidor, o agente necessita


fraudar a empresa fornecedora, induzindo-a a erro, causando-lhe prejuízo em
proveito próprio, haja vista que a referida empresa acredita que a energia está
sendo fornecida corretamente, configurando-se estelionato e não o furto.

2.6 – Furto qualificado

O art. 155, § 4º, do CP, define o crime de furto qualificado.


61

A primeira qualificadora diz respeito ao furto cometido “com destruição ou


rompimento de obstáculo à subtração da coisa”.

Destruir significa subverter, desfazer o obstáculo. Romper quer dizer abrir


brecha.

A violência deve ser empregada contra obstáculo e não contra o objeto do


furto, pois, nesse caso, não incidirá a qualificadora. Além disso, exige-se que
seja empregada antes, durante ou depois de tirado o objeto, mas, sempre antes
da consumação do delito.

De observar que a violência contra obstáculo que seja acessório normal e


necessário para o uso da coisa, não qualifica o furto. Assim, o indivíduo que,
por exemplo, quebra o vidro lateral do veículo para furtá-lo, não incide na
qualificadora do art. 155, § 4º, I, do CP. Porém, se seu objetivo for o de furtar
algo que esteja dentro do veículo e, para isso quebre o vidro, haverá furto
qualificado.

Cuida-se de circunstância de caráter objetivo e, por isso, comunicável em caso


de concurso de agentes, desde que haja ingressado na esfera de conhecimento
dos participantes.

A segunda qualificadora é o abuso de confiança. Trata-se de circunstância


subjetiva do tipo. Assim, é necessário que o sujeito tenha consciência de que
está praticando o fato com abuso de confiança. Exige-se dois requisitos: 1)
que o sujeito abuse da confiança nele depositada pelo ofendido; 2) que a coisa
esteja na esfera de disponibilidade do sujeito ativo em face dessa confiança.

Essa qualificadora exige um especial vínculo de lealdade ou fidelidade entre o


agente e a vítima. Além disso, é necessário que a relação de confiança tenha
sido a causa necessária da prática delituosa.

A fraude também qualifica o furto. Trata-se de um meio enganoso capaz de


iludir a vigilância do ofendido e permitir maior facilidade na subtração do
objeto material. Ex.: sujeito que se fantasia de funcionário da companhia
telefônica para penetrar na residência da vítima e subtrair-lhe os bens.
A escalada também qualifica o furto. Significa assaltar com uso de escadas,
subir em algum lugar. Tecnicamente, é o acesso a um lugar por meio anormal
de uso, como, por exemplo, entrar pelo telhado, saltar o muro etc.
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A destreza é a habilidade capaz de fazer com que a vítima não perceba a


subtração. É o que faz o chamado “batedor de carteira”. No caso de furto
qualificado pela destreza, se o agente, antes da consumação é apanhado pela
vítima ou por terceiro, uma corrente entende que haverá tentativa de furto
simples, pois, se o agente foi pego é porque não houve destreza; já outra
corrente entende que haverá tentativa de furto qualificado pela destreza, pois,
o meio empregado pelo agente é o que qualifica o delito, independentemente
da ausência da destreza. Majoritariamente entende-se que, se o agente é
apanhado pela vítima, haverá tentativa de furto simples, mas, se for apanhado
por terceiro, haverá tentativa de furto qualificado pela destreza, pois, a
qualificadora deve ser analisada sob o aspecto da vítima e não de terceiro.

O emprego de chave falsa também qualifica o crime de furto. Chave falsa é


todo o instrumento, com ou sem forma de chave, destinado a abrir fechadura.
Se a chave é encontrada na fechadura, não há furto qualificado, mas simples.
Também não incide a qualificadora no caso de cópia da chave, pois, o tipo
exige a elementar falsa e, cópia da chave não é chave falsa. Nesse caso pode
haver a qualificadora da fraude, por exemplo, mas não a de chave falsa.

A última qualificadora diz respeito ao concurso de duas ou mais pessoas na


realização do furto. Exige-se, no mínimo, a concorrência de duas pessoas,
sendo irrelevante que uma delas seja inimputável. Damásio de Jesus entende
que não é imprescindível a presença física dos concorrentes no local do delito.
Cezar Roberto Bitencourt, ao contrário, entende que, apesar de o concurso de
pessoas previsto no art. 29 do CP não exigir a presença física de todos os
delinqüentes no local do crime, para que incida a qualificadora do furto
cometido mediante concurso de duas ou mais pessoas, é necessário que todas
estejam presentes no local (adota o conceito restritivo de autor). Este
entendimento, na minha opinião, vai de encontro à Teoria do Domínio
(funcional) do Fato. De qualquer forma, o liame psicológico é sempre
imprescindível, embora não haja necessidade de que seja prévio.

2.7 – Distinção entre furto e demais crimes

Em algumas situações, torna-se extremamente difícil fazer a diferenciação


entre o furto e delitos como apropriação indébita, roubo, estelionato, exercício
arbitrário das próprias razões etc. Por isso, doutrina e jurisprudência passaram
a adotar certos critérios conforme abaixo veremos.

2.7.1 – Furto vs apropriação indébita


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Na apropriação indébita, inicialmente, o agente tem a posse ou a detenção


lícita e desvigiada do bem e, depois, resolve ficar com a coisa para si (ex.:
pega emprestada, sem intenção de ficar com a coisa para si inicialmente, mas,
depois, muda de idéia e resolve não mais devolvê-la ao legítimo dono,
passando a agir como tal); ao passo que, no furto, não há posse por parte do
sujeito ativo, podendo, no caso de furto qualificado pela fraude, existir até a
detenção, porém, vigiada. Ou seja, o agente subtrai a coisa que, até o
momento da subtração, encontra-se sob a vigilância do proprietário, possuidor
ou detentor.

2.7.2 – Furto vs estelionato

No estelionato, o agente, desde o início, tem o dolo de iludir a vítima. É o


chamado dolo ab initio. É diferente da apropriação indébita, pois, nesta, o
agente, a princípio não tem intenção de ficar com o bem (dolo ab initio), mas
resolve fazer isso num segundo momento; diferencia-se, também, do furto,
pois, no estelionato é a própria vítima, induzida ou mantida em erro pelo
agente, que entrega a este o bem. O agente não precisa subtraí-la como
acontece no delito de furto.

2.7.3 – Furto vs exercício arbitrário das próprias razões

A diferenciação entre furto e exercício arbitrário das próprias razões está no


chamado elemento subjetivo do agente, isto é, no furto, o sujeito ativo tem o
dolo de subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, não havendo
nenhum especial fim de agir, basta a vontade de assenhoramento definitivo do
bem. No exercício arbitrário das próprias razões, o agente subtrai a coisa com
o objetivo de satisfazer alguma pretensão que tenha em relação à vítima. Não
há simplesmente o dolo de subtrair a coisa, mas, subtrair a coisa para
satisfazer pretensão, em alguns casos, até legítima, com o objetivo de “fazer
justiça pelas próprias mãos”. Ex.: Tício, na qualidade de locador, celebra
contrato de locação com Mévio, locatário. Após vários meses sem receber os
valores correspondentes ao aluguel, Tício resolve entrar no imóvel locado
durante a ausência de Mévio e retira vários eletrodomésticos (TV, aparelho de
CD, DVD etc.), com o objetivo de aliená-los para satisfazer a pretensão
relativa aos aluguéis em atraso. Neste caso comete o delito tipificado no art.
345 do CP e não no art. 155 do mesmo Código.

2.7.4 – Furto vs roubo


64

A diferenciação entre furto e roubo reside, unicamente, na presença da


violência (própria ou imprópria) ou grave ameaça neste último. Os demais
elementos serão idênticos nos dois delitos, ou seja, o agente, tanto no furto
quanto no roubo, subtrai coisa alheia móvel, para si ou para outrem, porém, no
roubo, a subtração ocorre mediante violência ou grave ameaça.

2.8 – Furto de coisa comum

Nos termos do art. 156 do CP, constitui furto de coisa comum o fato de
“subtrair o condômino, o co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem
legitimamente a detém, a coisa comum”. O fundamento da incriminação
reside em que o sujeito, seja condômino, co-herdeiro ou sócio, que tira a coisa
comum de quem legitimamente a detém, não subtrai só a coisa própria, mas
também a parte pertencente a terceiro.

Trata-se de crime próprio. Sujeito ativo só pode ser o condômino, co-herdeiro


ou sócio. Em relação a este último, a sociedade pode ter personalidade jurídica
ou não (ser apenas sociedade de fato); sujeito passivo é quem detém
legitimamente a coisa.

Não é punível o crime quando o sujeito tira parte da coisa comum, fungível
(que pode ser substituída por outra de mesma espécie, qualidade e
quantidade), cujo valor não excede a quota a que tem direito. Assim, se a coisa
for infungível, haverá delito, ainda que o agente subtraia coisa de valor
inferior à sua cota. Da mesma forma, mesmo que a coisa seja fungível, se seu
valor extrapolar a cota do sujeito ativo, haverá crime.

3 – O ROUBO

Roubo é a subtração de coisa móvel alheia mediante violência, grave ameaça


ou qualquer meio capaz de anular a capacidade de resistência da vítima (art.
157, caput do CP). Constitui também roubo, o fato de o sujeito, logo após de
tirada a coisa móvel alheia, empregar violência contra a pessoa ou grava
ameaça, com o objetivo de conseguir a impunidade do fato ou continuar na
detenção do objeto material (art. 157, § 1º do CP).

3.1 – Roubo próprio e impróprio


65

O roubo possui duas formas típicas simples que são: a) roubo próprio; b)
roubo impróprio.

Roubo próprio é o fato de o sujeito subtrair coisa móvel alheia, para ele ou
para terceiro, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de
havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência (art.
157, caput, do CP).

Roubo impróprio ocorre quando o sujeito, logo depois de subtraída a coisa,


emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a
impunidade do crime ou a detenção da coisa para ele ou para terceiro (art. 157,
§ 1º do CP).

A distinção entre roubo próprio e impróprio reside no momento em que o


sujeito emprega a violência contra a pessoa ou grave ameaça. Quando isso
ocorre para que o sujeito subtraia o objeto material, há roubo próprio. Quando,
porém, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra a pessoa ou
grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou continuar na sua
detenção, para ele ou para terceiro, comete roubo impróprio. A diferença se
encontra na expressão “logo depois de subtraída a coisa”. Assim, quando o
sujeito pratica a violência em sentido amplo, antes ou durante a subtração,
responde por roubo próprio. Quando, entretanto, logo depois de apanhada a
coisa (mas, antes da consumação do delito), emprega violência ou grave
ameaça, comete roubo impróprio. Se o indivíduo consuma um furto e, depois
emprega violência contra a pessoa a fim de continuar na detenção do objeto
material, não haverá delito de roubo próprio ou impróprio. Responderá por
dois crimes em concurso: furto consumado e delito contra a pessoa (que pode
ser, por exemplo, tentativa de homicídio ou lesão corporal).

Obs.: é preciso cuidado para não confundir roubo impróprio com violência
imprópria. Esta é descrita na parte final do caput do art. 157 do CP e, jamais
estará presente no roubo impróprio, pois, este exige a violência própria ou
grave ameaça.

3.2 – Consumação e tentativa

O roubo atinge a consumação nos mesmos moldes do crime de furto, isto é,


quando o sujeito consegue retirar o objeto material da esfera de
disponibilidade e vigilância da vítima, ainda que não haja posse tranqüila (o
STJ já decidiu nesse sentido). O roubo impróprio se consuma no instante em
66

que o sujeito emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça. Há,


entretanto, entendimento no sentido de que o roubo próprio consuma-se com a
retirada do bem da esfera de disponibilidade do sujeito, não se exigindo que
saia, também, da sua esfera de vigilância (este entendimento vem
predominando no STF e é seguido também por Damásio de Jesus e Cezar
Roberto Bitencourt).

Sendo o roubo um crime complexo (reunião de furto + constrangimento


ilegal), sua consumação exige a plena realização das infrações penais que o
integram.

Em relação à tentativa, no roubo próprio é tranqüila a admissibilidade de


tentativa. No que pertine ao roubo impróprio, há duas correntes: 1) é
inadmissível a tentativa (Damásio de Jesus); 2) é admissível quando, após a
subtração, o agente é preso ao empregar violência ou grave ameaça. Para as
duas correntes, se a subtração for apenas tentada e houver violência ou grave
ameaça na fuga, haverá furto tentado em concurso com crime contra a pessoa,
e não roubo tentado.

3.3 – Desistência voluntária e crime impossível

A desistência voluntária vem prevista na primeira parte do art. 15 do CP e


ocorre quando o agente, após ter ingressado na fase dos atos de execução, sem
esgotar todos os meios que tinha a sua disposição para chegar à consumação
do crime, desiste, voluntariamente (e não, necessariamente, de forma
espontânea) de prosseguir na execução. Nesse caso, como o agente
interrompe, voluntariamente, os atos de execução, impedindo, por ato seu, a
consumação do delito, somente responderá pelos já praticados, e não por
roubo tentado.
Porém, havendo início dos atos executórios, já não há mais que se falar em
crime impossível, salvo se o meio empregado for a ameaça e esta não
apresentar idoneidade intimidativa, fazendo com que a vítima não entregue a
coisa, por não se sentir ameaçada (ineficácia absoluta do meio). Diferente é a
situação em que a vítima não porte qualquer valor no momento da violência
ou grave ameaça (idônea), pois, na opinião de Cezar Roberto Bitencourt, a
impropriedade do objeto, nesse caso, será apenas relativa e não absoluta como
exige o art. 17 do CP para a configuração da impossibilidade de consumação
delitiva. Além disso, por ser crime complexo, a primeira ação – violência ou
grave ameaça – já constituem início de execução.
67

3.4 – Roubo qualificado

Na realidade, convém ressaltar que as circunstâncias enunciadas no § 2º, do


art. 157, do CP constituem causas de aumento de pena e não qualificadoras, já
que estas constituem verdadeiros tipos penais (derivados) com novos limites
mínimo e máximo de pena cominada, enquanto as causas de aumento de pena
apenas estabelecem sua variação, mantendo os mesmos limites, mínimo e
máximo.

3.4.1 – Se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma (I)

Segundo a dicção do texto legal é preciso o emprego efetivo de arma, sendo


insuficiente o simples portar, não obstante o porte, desde que ofensivo, não
deixa de configurar a grave ameaça, mas, não a causa de aumento.

A inidoneidade lesiva da arma (arma de brinquedo, descarregada, obsoleta etc)


que é suficiente para caracterizar a ameaça tipificadora do roubo (caput), não
tem o mesmo efeito para qualificá-lo, pois, o fundamento da majorante não é a
intimidação da vítima como pensam alguns autores, mas, a lesividade e o
perigo, somente presentes na arma verdadeira, apta a disparar projéteis e
municiada.

Com relação à arma de brinquedo, havia duas: 1) a primeira delas admite a


aplicação do roubo com aumento de pena, na forma do art. 157, § 2º, I do CP,
mesmo em caso de emprego de arma de brinquedo; 2) a segunda corrente
entende-se que, deve ser aplicado o art. 10, § 1º, II, da Lei 9.437/97 em
concurso com o art. 157, caput, do CP, porém, nesse caso deve haver
comprovação de que o agente utilizou a arma de brinquedo para cometer mais
de um crime, pois, o inciso II, do § 1º, do art. 10, da Lei 9.437/97 menciona
crimes.

Porém, com o advento do Estatuto do Desarmamento – Lei 10.826/03, a


segunda corrente perderá sua força, pois o porte de arma de brinquedo deixou
de ser crime. Atualmente, deverão prevalecer duas posições: arma de
brinquedo majora o roubo por apresentar maior potencial intimidativo; ou,
arma de brinquedo não majora o roubo, por não oferecer potencial lesivo.

3.4.2 – Se há concurso de duas ou mais pessoas (II)


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Agrava também o crime de roubo o concurso de duas ou mais pessoas. Aqui


podemos aplicar tudo o que foi dito acerca da qualificadora do concurso de
agentes no furto.

3.4.3 – Em serviço de transporte de valores e o agente conhece essa


circunstância (III)

Além da vítima encontrar-se em serviço de transporte de valores, é necessário


que o agente saiba dessa circunstância.

Os valores podem consistir em dinheiro ou qualquer outro bem valioso


passível de ser transportado, tais como jóias, ouro, pedras preciosas etc., desde
que suscetível de ser convertido em dinheiro.

Esta majorante não pode ser, em hipótese alguma, aplicada caso o transporte
seja realizado pelo próprio proprietário dos valores transportados. A causa de
aumento é estar a vítima em serviço de transporte de valores e serviço se
presta a outrem, não a si próprio.

3.4.4 – Roubo de veículo automotor que venha a ser transportado para


outro Estado ou para o exterior (IV)

Para a configuração dessa majorante, a exemplo do que ocorre no crime de


furto, não basta que a subtração seja de veículo automotor. É indispensável
que este “venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior”,
atividade que pode se realizar posteriormente à consumação do próprio roubo.

Segundo Damásio de Jesus, são considerados veículos automotores:


automóveis, caminhões, motocicletas, aeronaves, jet-skis etc.

O roubo de partes do veículo e seu transporte para outro Estado ou para o


exterior não aumentam a pena.

3.4.5 – Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua


liberdade (V)

De acordo com entendimento de Damásio de Jesus, esta causa de aumento de


pena deve ser aplicada da seguinte forma: a) Se a manutenção da vítima em
poder do agente for cometido como meio de execução do roubo ou contra a
69

ação policial (refém), incide o art. 157, § 2º, V do CP, afastando-se outros
crimes; b) se a manutenção da vítima em poder do agente for cometido depois
da subtração (sem conexão com a execução ou com a ação policial), haverá
concurso de crimes (roubo com seqüestro, roubo e extorsão mediante
seqüestro etc.). Já Cezar Roberto Bitencourt entende que, dependendo do caso,
ainda que a privação da liberdade da vitima ocorra concomitantemente com o
roubo, pode perdurar por mais tempo e, nesse caso, se ficar configurado um
delito mais grave, como por exemplo, o previsto no art. 159 do CP, este
absorverá o delito de roubo (menos grave).

É preciso que a vítima seja mantida em poder do agente por um período de


tempo razoável para que se configure esta majorante.
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DIREITO PENAL III


Aula 11

1 – ROUBO QUALIFICADO PELA LESÃO CORPORAL DE


NATUREZA GRAVE

O § 3º, do art. 157 prevê qualificadora para o crime de roubo caso, da


violência, venha a resultar lesão corporal de natureza grave ou morte. São
duas hipóteses de crimes qualificados pelo resultado (preterdolosos).

A regra é a de que, nos crimes preterdolosos, o resultado mais grave seja


sempre produto de culpa (dolo no antecedente e culpa no conseqüente).
Contudo, na hipótese em apreço, a extrema gravidade das sanções cominadas
uniu o entendimento doutrinário, que passou a admitir a possibilidade,
indistintamente, de o resultado agravador poder decorrer tanto de culpa quanto
de dolo, direto ou eventual.

A locução “lesão corporal de natureza grave” deve ser interpretada em sentido


amplo, para abranger tanto as lesões graves (art. 129, § 1º, CP) quanto as
gravíssimas (art. 129, § 2º, CP). Ademais, a lesão tanto pode ser produzida na
vítima do roubo quanto em qualquer outra pessoa que venha a sofrer a
violência, desde que haja conexão entre os dois fatos. Nesse caso, havendo
violência contra vítima distinta da que sofreu a subtração, haverá dois sujeitos
passivos, sem desnaturar a unidade do crime complexo, que continua único. A
lesão corporal grave, bem como a morte, como qualificadoras do crime de
roubo, aplicam-se tanto no roubo próprio quanto no roubo impróprio, mas, se
houver lesão leve (art. 129, caput), esta será absorvida pelo crime de roubo,
constituindo a elementar normativa “violência física”.

É indispensável que a gravidade da lesão seja comprovada por meio de perícia


médica.
71

Não faz diferença, portanto, que o resultado mais grave seja produzido de
forma voluntária ou involuntária, justificando-se a agravação da punibilidade
desde que esse resultado não seja produto de caso fortuito ou força maior, ou
seja, desde que decorra de culpa.

2 – LATROCÍNIO

A morte da vítima é a qualificadora máxima deste crime e este resultado vem


também previsto no § 3º, do art. 157, do CP. Tudo o que foi dito acima sobre o
roubo qualificado pela lesão corporal de natureza grave aplica-se ao roubo
com morte.

Pode acontecer que a morte resulte em outra pessoa que não a dona da res
furtiva, havendo dois sujeitos passivos.

A morte pode decorrer tanto de culpa quanto de dolo ou mesmo de preterdolo


do agente, apesar do fato de que o art. 157, § 3º, ao utilizar a locução “se
resulta” tenha pretendido tipificar um crime preterdoloso, já que, tal locução
indica, normalmente, resultado decorrente de culpa. Tal entendimento se
justifica em virtude da severidade da sanção cominada.

A diversidade de vítimas fatais não altera a tipificação criminosa, continuando


a configurar latrocínio único, sem concurso formal, cujo número de vítimas
deve ser avaliado na dosagem da pena, nos termos do art. 59 do CP.

É preciso observar que, o caput do art. 157 do CP tipifica o emprego da “grave


ameaça ou violência a pessoa” enquanto, no § 3º o resultado agravador deve
resultar de “violência”. Assim, em virtude da clareza das redações, conclui-se
que, se o resultado morte ocorrer em função da grave ameaça (ex. vítima que,
ao ser ameaçada sofre um enfarte fulminante), não incidirá a qualificadora do
§ 3º, do art. 157 do CP, pois, a violência prevista nesse parágrafo é somente a
física (vis corporalis) e não a moral (vis compulsiva). Porém, isso não impede
a aplicação, nesses casos, das regras relativas ao concurso de crimes entre
roubo e homicídio, sendo que, este poderá ser doloso ou culposo, dependendo
das circunstâncias fáticas, do elemento subjetivo etc.
72

A morte de qualquer dos participantes do crime (sujeito ativo) não configura o


latrocínio, pois, a morte do comparsa não é meio, modo ou forma de agravar a
ação desvaliosa do latrocínio, que determina sua maior reprovabilidade.
Porém, pode ser aplicada a regra relativa ao erro quanto a pessoa, contida no
art. 20, § 3º do CP, ou seja, se o agente, pretendendo matar a vítima, acaba
matando o co-autor, responderá pelo crime de latrocínio, como se tivesse
atingido aquela. Também, por óbvio, não qualifica o crime a morte de um dos
autores do roubo causada pela vítima, agindo em legítima defesa, pois, não
teria cabimento pretender, a partir de uma conduta lícita da vítima (legítima
defesa), agravar a pena dos autores.

2.1 – Consumação e tentativa

Não há qualquer dúvida quanto ao fato de que a consumação da subtração


patrimonial e da morte da vítima ou de terceira pessoa, desde que haja
conexão com a subtração e que não se trate de participante do delito,
configuram a forma consumada do latrocínio. Porém, surgiram inúmeras
correntes sobre as diferentes possibilidades fático-jurídicas das formas
tentadas do crime de latrocínio. Tratando-se de crime complexo, cujos crimes-
membros são o roubo e a morte, surgem grandes dificuldades interpretativas
quando algum de seus componentes não se consuma. Sem sombra de dúvida,
porém, quando não se consumar nem a subtração nem a morte, haverá
tentativa de latrocínio. Ocorrendo somente a subtração e não a morte, admite-
se igualmente a tentativa de latrocínio, embora haja entendimento diverso.
Quando se consuma somente a morte e não a subtração, as divergências
começam a aparecer.

2.1.1 – Tentativa de homicídio e subtração patrimonial consumada

Diverge a doutrina a respeito da hipótese de o agente praticar tentativa de


homicídio e subtração patrimonial consumada. Damásio de Jesus cita os
seguintes posicionamentos: Para Nelson Hungria, haverá tentativa de
homicídio qualificado (art. 121, § 2º, V, do CP); Magalhães Noronha e Heleno
Cláudio Fragoso afirmaram que, “no caso de homicídio doloso tentado e
subtração consumada (supondo ter matado a vítima, o agente a despoja de
seus haveres), a situação é de tentativa de latrocínio.

2.1.2 – Homicídio consumado e subtração patrimonial tentada

Nesse caso, quatro orientações surgem:


73

a) Tentativa de latrocínio – Alguns autores entendem que o agente deve


responder por tentativa de latrocínio em virtude da unidade complexa que
caracteriza esse delito, pois, no crime complexo, a tentativa se configura
com o começo de execução do crime que inicia a formação da unidade
jurídica, no caso de latrocínio, o homicídio.
b) Homicídio qualificado e tentativa de roubo simples em concurso material
– Parte da jurisprudência entende que, quando o agente pratica homicídio
consumado e subtração patrimonial tentada, responde por homicídio
qualificado pela conexão consumada e tentativa de roubo simples, em
concurso material (art. 121, § 2º, V e art. 157, caput ou § 1º, c/c art. 14, II;
ambos c/c art. 69, caput, todos do CP).
c) Latrocínio consumado – Uma terceira posição entende que, quando o
agente pratica homicídio consumado e tentativa de subtração patrimonial,
responde por latrocínio consumado. Entende essa corrente que o CP não
exige a efetiva subtração para que haja latrocínio consumado, uma vez que
emprega a expressão “se resulta morte”. Assim, se o fato produz a morte da
vítima é típico e consumado diante da figura do art. 157, § 3º, 2ª parte, do
CP. O STF adotou essa posição que hoje está expressa no verbete da
Súmula 610, assim redigida: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio
se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”.
d) Homicídio qualificado – Nos termos da quarta posição, quando o agente
pratica homicídio consumado e tentativa de subtração patrimonial,
responde por homicídio qualificado pela conexão teleológica ou
conseqüencial consumado (art. 121, § 2º, V, do CP). Entende essa corrente
que, quando o homicídio se consuma, ficando apenas tentado o delito
patrimonial, aplica-se unicamente a pena do homicídio qualificado pela
conexão, ficando absorvida a tentativa de lesão patrimonial, pois, se fosse
aplicada a regra do concurso material, como quer a segunda corrente, a
pena seria superior à do roubo seguido de morte, consumado. Ao contrário
do que entende a maioria da doutrina, os adeptos dessa quarta orientação
afirmam que, nos delitos complexos, salvo disposição em contrário, se um
dos crimes-membros deixa de consumar-se, fica prejudicada a consumação
do todo e também não se pode ter simples tentativa quando um deles atinge
a consumação. Assim, para que haja delito consumado, é preciso que o
homicídio e a subtração atinjam a consumação; para que se tenha delito
tentado, é preciso que ambos sejam tentados.

2.2 – Reflexos da Lei 8.072/90


74

A Lei nº 8.072/90, em seu art. 1º, II, definiu o latrocínio como crime
hediondo, excluído de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória,
com cumprimento de pena integralmente em regime fechado. Nesses casos, a
prisão temporária é de trinta dias e, em caso de condenação, segundo a melhor
doutrina, desde que o réu tenha ficado em liberdade durante o processo, o juiz
decidirá se poderá apelar em liberdade.

O art. 9º, da Lei 8.072/90 determina o acréscimo de metade da pena,


respeitado o limite de trinta anos, estando a vítima em qualquer das hipóteses
do art. 224 do Código Penal. Tal regra, segundo parte da doutrina, fere o
princípio constitucional da individualização da pena, pois, sua aplicação vai
gerar a mesma quantidade de pena mínima e máxima, já que será necessário
respeitar o limite de trinta anos. Porém, há também entendimento no sentido
de que o inciso XLVI, do art. 5º da CF/88 determina que a individualização da
pena será regulada por lei e, com isso, não há qualquer ofensa à Constituição
por parte do art. 9º da Lei 8.072/90.

As causas de aumento previstas no art. 224 do CP, não obstante sua natureza
objetiva, devem entrar na esfera de conhecimento do agente, admitindo-se,
caso contrário, o erro de tipo.

No que diz respeito à menoridade da vítima, deve ser considerada a data da


conduta e não a da produção do resultado morte, aplicando-se a teoria da
atividade, nos termos do art. 4º, do CP. Agrava-se também a pena, segundo
Damásio de Jesus, quando o fato ocorre no dia em que o sujeito passivo
completa 14 anos de idade, pois, para o referido autor, no dia do aniversário, o
indivíduo ainda não será maior de 14 anos.

3 – EXTORSÃO

Extorsão é o fato de o sujeito constranger alguém, mediante violência ou


grave ameaça, e com intuito de obter para si ou para outrem indevida
vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma
coisa (art. 158 do CP).

3.1 – Sujeitos do delito

Não se cuida de crime próprio, mas comum. Em face disso, qualquer pessoa
pode ser sujeito ativo ou passivo. É possível hipótese de dois sujeitos
75

passivos: um sobre o qual recai a violência e outro que faz, deixa de fazer ou
tolera que se faça alguma coisa.

3.2 – Consumação e tentativa

A extorsão atinge a consumação com a conduta típica imediatamente anterior


à produção do resultado visado pelo sujeito. Desse modo, consuma-se o delito
com o comportamento positivo ou negativo da vítima, no instante em que ela
faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa, independentemente de
obter ou não a indevida vantagem que, se ocorrer configurará mero
exaurimento da conduta.

A tentativa é admissível, pois, segundo Cezar Roberto Bitencourt, a extorsão


não estará consumada se a vítima, mesmo em face do constrangimento
sofrido, não se submeter à vontade do autor.

3.3 – Qualificação doutrinária

A extorsão é delito formal e não material. Cuida-se de crime cujo tipo penal
descreve a conduta e o resultado, não exigindo a sua produção. O tipo fala em
“intuito” de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica.
Assim, é suficiente que o sujeito constranja a vítima com tal finalidade, não se
exigindo que realmente consiga a vantagem. O núcleo do tipo é o verbo
constranger e não obter.

Além disso, é crime comum, de dano, comissivo (constranger exige


comissão), doloso, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo e
plubissubisistente.

3.4 – Distinção com o roubo

A extorsão se assemelha ao roubo em face dos meios de execução, que são a


violência física e a grave ameaça. Entretanto, os dois crimes se diversificam:
na extorsão é imprescindível o comportamento da vítima, enquanto no roubo
ele é prescindível, ou seja, no roubo, é a própria vítima que, coagida, se
despoja de seus bens em favor do agente; já na extorsão, o apoderamento do
objeto material depende de uma conduta da vítima. Porém, Nelson Hungria
era da opinião que, no roubo, “do ponto de vista prático, tanto faz que o agente
tire a carteira ou que esta lhe seja entregue pela vítima”. Para Cezar Roberto
Bitencourt, além da necessidade ou não de uma conduta da vítima, pode-se
76

diferenciar roubo e extorsão na medida em que, naquele, o mal é iminente e o


proveito é contemporâneo, enquanto nesta, o mal prometido é futuro e futura
também é a vantagem que o agente objetiva.

3.5 – Causas especiais de aumento de pena

3.5.1 – Se a extorsão é cometida por duas ou mais pessoas

Para Cezar Roberto Bitencourt, a redação do § 1º, do art. 158 do CP, ao exigir
o cometimento do delito por duas ou mais pessoas, determina ser
indispensável a presença física e a efetiva participação na execução material
do fato de, no mínimo, três pessoas, ainda que qualquer delas seja
inimputável. Para o referido autor, não basta, para configurar a causa de
aumento, a simples participação stricto sensu (instigação ou auxílio). Para
Luiz Regis Prado, no entanto, não é necessária a presença física de todos os
autores no locus delicti para que se configure a majorante. Este último
entendimento mais se coaduna com a teoria do domínio do fato.

3.5.2 – Com emprego de arma

Segundo o texto legal, para a tipificação desta majorante, a extorsão deve ser
cometida com emprego de arma. É indispensável, portanto, o emprego efetivo
de arma, sendo insuficiente portá-la ou simplesmente ostentá-la, o que, nesses
casos, poderia configurar apenas a grave ameaça. Exige-se, ainda, a
idoneidade da arma, não sendo suficiente para caracterizar a majorante, o uso
de arma de brinquedo, a exemplo do que acontece no delito de roubo.

3.6 – Figuras típicas: simples e qualificada

Na extorsão praticada com violência (na qual não se inclui a grave ameaça), o
§ 2º, do art. 158 do CP manda aplicar o § 3º do art. 157 do mesmo diploma.
Assim, se a extorsão for praticada mediante violência de que resulte lesão leve
ou mediante grave ameaça, não incidirá a qualificadora.
77

Pretendeu o legislador criar duas figuras de crimes qualificados pelo resultado


ou preterdolosos (dolo no antecedente e culpa no conseqüente), aplicando-se o
mesmo raciocínio já demonstrado quando estudamos o roubo qualificado pelo
resultado lesão grave ou morte.

A extorsão qualificada pela morte da vítima também passou a ser considerada


crime hediondo (art. 1º, III, da Lei 8.072/90) aplicando-se, também aqui, o que
já foi dito acerca do tratamento do roubo pela “Lei de Crimes Hediondos”.

4 – EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO

O fato é definido como “seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para
outrem, qualquer vantagem como condição ou preço do resgete” (art. 159 do
CP).

4.1 – Sujeitos do delito

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sem condição especial, uma vez que se
trata de crime comum.

Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, inclusive quem sofre o
constrangimento sem lesão patrimonial. Assim, a vítima do seqüestro pode ser
diversa da pessoa que sofre ou deve sofrer a lesão patrimonial (é o que
comumente acontece). Haverá, nesse caso, duas vítimas, uma do patrimônio e
outra da privação de liberdade, mas, ambas do mesmo crime de extorsão
mediante seqüestro. A pessoa jurídica não pode ser seqüestrada, mas, pode ser
constrangida a pagar o resgate, podendo, em conseqüência, também ser sujeito
passivo deste crime.

4.2 – Consumação e tentativa

Consuma-se esta infração penal com o seqüestro da vítima, isto é, com a


privação de sua liberdade; consuma-se no exato momento em que a vítima é
seqüestrada, ou seja, quando tem sua liberdade suprimida, mesmo antes de
exigido o resgate, bastando que haja este intuito.

A consumação no crime de extorsão mediante seqüestro não exige que a


vantagem econômica seja alcançada. Basta que a pessoa seja privada de sua
liberdade e que a intenção de conseguir a vantagem econômica seja externada.
Assim, irrelevante que a vítima seja colocada em liberdade ante o insucesso da
78

exigência. Trata-se de crime permanente e sua consumação se opera no local


em que ocorre o seqüestro com o objetivo de obter o resgate, e não no da
entrega deste.

Eventual recebimento do resgate constituirá apenas o exaurimento do crime,


que apenas influirá na dosagem final da pena.

É admissível a tentativa. Porém, se o agente, embora não obtendo a vantagem,


praticou todos os atos para a consumação do crime, não se pode falar em
tentativa, mas, em delito consumado.

Obs.: majoritariamente entende-se que, pouco importa que a vantagem


objetivada pelo agente seja devida ou indevida, mas, há entendimento no
sentido de que, se a vantagem for devida, haverá crime de seqüestro (art. 158
do CP) em concurso com o de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345
do CP).

4.3 – Figuras típicas: simples e qualificada

Os §§ 1º, 2º e 3º do art. 159 do CP prevêem as figuras típicas qualificadas do


delito de extorsão mediante seqüestro.

4.3.1 – Duração do seqüestro e idade da vítima

Não se pode ignorar que a privação da liberdade, em qualquer circunstância,


será mais ou menos grave na proporção direta de sua duração. Por isso,
justifica-se que a duração do seqüestro superior a vinte e quatro horas
qualifique o crime, determinando sanção consideravelmente superior àquela
cominada no caput do art. 159.

A idade da vítima inferior a dezoito anos, por sua vez, é qualificadora que tem
fundamento político-criminal coerente com a mesma política que fundamenta
a imputabilidade penal somente para os maiores de dezoito anos. Por outro
lado, sabe-se que os filhos, especialmente os menores, são os bens mais
valiosos de qualquer ser humano; nessas circunstâncias, o agente sabe que,
seqüestrando filhos menores, os pais, desesperados, ficam extremamente
vulneráveis e dispostos a satisfazer qualquer exigência imposta.

4.3.2 – Cometido por bando ou quadrilha


79

A prática de qualquer crime por quadrilha ou bando eleva a gravidade do


injusto pelo acentuado desvalor da ação e do resultado.

É indispensável que haja a reunião de mais de três pessoas para praticar


crimes. Se, no entanto, objetivarem a prática de um único crime, ainda que
sejam mais de três pessoas, não tipificará quadrilha ou bando. Não se pode
confundir o concurso (eventual) de pessoas, que é uma associação ocasional,
eventual, temporária, para o cometimento de crimes determinados, com a
quadrilha ou bando, que é uma associação para delinqüir que deve ser
duradoura, permanente, estável e cuja finalidade é o cometimento
indeterminado de crimes. Ou seja, é imprescindível, na quadrilha ou bando, a
estabilidade e permanência da união dos criminosos e que seja voltada para a
prática indeterminada de vários crimes. Além disso, a configuração do delito
de quadrilha ou bando não exige o cometimento de nenhuma outra infração,
bastando a associação com as qualidades acima referidas, ao contrário do
concurso de pessoas que somente existirá se houver a prática efetiva de
alguma infração penal.

Por tudo isso, entende a melhor doutrina que, a qualificadora de bando ou


quadrilha somente se configura quando realmente de quadrilha se tratar, caso
contrário, estar-se-á diante de concurso de pessoas (art. 29 do CP) que não
tipifica a figura qualificada em exame.

4.3.3 – Se resulta lesão corporal de natureza grave

A regra é a de que, nesses crimes, o resultado agravador seja sempre produto


de culpa. Contudo, assim como ocorre no roubo qualificado pela lesão grave
ou morte, a extrema gravidade das sanções cominadas uniu o entendimento
doutrinário que passou a admitir a possibilidade, indistintamente, de o
resultado agravador poder decorrer tanto de culpa quanto de dolo, direto ou
eventual.

A locução “lesão corporal de natureza grave” abrange tanto as lesões graves


(art. 129, § 1º do CP) quanto as gravíssimas (art. 129, § 2º do CP). Ademais, a
lesão corporal grave tanto pode ser produzida na vítima do seqüestro como na
vítima da extorsão ou em qualquer outra pessoa que venha a sofrer a violência.

4.3.4 – Se resulta de morte


80

Assim como na lesão grave, a morte pode resultar em outra pessoa que não a
seqüestrada, podendo existir dois sujeitos passivos.

Da mesma forma como acima mencionado, a severidade das penas cominadas


autoriza o entendimento de que o resultado morte pode ser produto de dolo,
culpa ou preterdolo.

Tanto no caso do § 2º quanto no caso do § 3º, do art. 159 do CP, é


imprescindível que, no mínimo, exista culpa do agente, pois, se o resultado
mais grave for decorrência de caso fortuito ou força maior, não incidirão as
qualificadoras.

Obs.: A lei nº 8.072/90 definiu a extorsão mediante seqüestro como crime


hediondo, tanto na forma simples quanto nas qualificadas, excluídas de
anistia, graça, indulto, fiança, liberdade provisória, com cumprimento da pena
integralmente em regime fechado. Nesses casos a prisão temporária é de trinta
dias e, em caso de condenação, se o réu permaneceu em liberdade durante o
processo, o juiz decidirá se poderá apelar em liberdade.

4.4 – Delação premiada

A Lei dos Crimes Hediondos criou uma minorante (causa de diminuição de


pena), no § 4º, do art. 159 do CP, posteriormente modificado pela Lei
9.269/96, premiando o participante delator que, com sua denúncia, facilitar a
libertação do seqüestrado. São necessários três requisitos: a) crime praticado
em concurso de pessoas (art. 29 do CP); b) denúncia à autoridade feito por um
dos concorrentes; c) que facilite a libertação do seqüestrado. Presentes esses
três requisitos (são, portanto, cumulativos), justifica-se a diminuição da pena.

A delação está relacionada ao crime e não aos demais participantes (lato


sensu). Portanto, deve haver diminuição da pena, ainda que o delator não
entregue seus companheiros, mas, será necessário que facilite a libertação do
seqüestrado.

5 – EXTORSÃO INDIRETA

Sobre este delito, o Ministro Francisco Campos, na Exposição de Motivos do


Código Penal, fez a seguinte afirmação: “Destina-se o novo dispositivo a
coibir os torpes e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes, os agentes
da usura, para garantir-se contra o risco do dinheiro mutuado...” Este crime
81

pode ser praticado, normalmente por agiotas, embora para sua configuração
não seja indispensável a existência da usura. É suficiente, em princípio, que o
sujeito ativo procure garantir-se, exigindo do devedor documento que possa
dar causa a processo criminal contra si ou contra terceiro.

5.1 – Sujeitos do delito

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, mesmo não sendo agiota. Não se trata,
pois, de crime próprio.

Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, geralmente o devedor, na


medida em que, inegavelmente, é necessária a existência de uma relação de
débito e crédito. É possível a pluralidade de vítimas (a ação pode ser realizada
contra o devedor, mas o documento exigido ou entregue pode incriminar
terceiro).

5.2 – Consumação e tentativa

Na modalidade de exigir, crime formal, consuma-se a extorsão indireta com a


simples exigência, sendo impossível, teoricamente, a interrupção do iter
criminis; nessa modalidade, consuma-se a extorsão ainda que não ocorra a
traditio do documento exigido pelo sujeito passivo.

Na forma de receber, crime material, consuma-se com o efetivo recebimento,


que, eventualmente, pode ser interrompido, isto é, impedido por causa
estranha à vontade do agente, sendo possível, nesse caso, a tentativa.

DIREITO PENAL III


82

Aula 12

1 – USURPAÇÃO

A usurpação, prevista no art. 161 e §§ do CP, estabelece as figuras típicas da


alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório.

1.1 – Bem jurídico tutelado

Na alteração de limites (art. 161, caput) o Código Penal protege a posse e a


propriedade de bens imóveis; na usurpação de águas, (art. 161, § 1º, I),
protege a inviolabilidade patrimonial imobiliária, no que concerne à utilização
e gozo das águas; no esbulho possessório (art. 161, § 1º, II), protege
imediatamente a posse do imóvel e mediatamente, outros bens jurídicos como
a tranqüilidade espiritual e incolumidade física de quem se acha na posse.

1.2 – Sujeitos ativo e passivo

Na alteração de limites, sujeito ativo só pode ser o proprietário ou possuidor


do prédio contíguo àquele em que é realizada a alteração de limites. Sujeito
passivo é o proprietário ou possuidor do imóvel em que a conduta típica é
realizada.

No caso da usurpação de águas, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Sujeito
passivo será quem sofre o dano em face da usurpação.

Em se tratando de esbulho possessório, sujeito ativo pode ser qualquer pessoa,


salvo o proprietário. Cezar Roberto Bitencourt entende ser possível imputar
subjetividade ativa ao condômino. Para Magalhães Noronha, o proprietário
pode praticar esbulho possessório em face de quem esteja exercendo a posse
direta legitimamente (como o locatário, por exemplo), porém, Cezar Roberto
Bitencourt discorda desse entendimento pelo fato de que o tipo penal exige
que o terreno onde se pratique o esbulho seja “alheio”. Sujeito passivo é o
possuidor do imóvel (que pode ser o proprietário).

1.3 – Consumação e tentativa


83

A alteração de limites atinge a consumação com a efetiva supressão ou


deslocamento de tapume, marco etc., não sendo necessário que alcance
efetivamente o objetivo visado (é crime formal). A tentativa é admissível,
desde que o sujeito não consiga suprimir ou deslocar o sinal indicativo de
linha divisória por circunstâncias alheias à sua vontade.

O crime de usurpação de águas consuma-se com o efetivo desvio ou


represamento de águas alheias, sendo irrelevante que o sujeito ativo consiga o
efetivo proveito próprio ou de terceiro (é crime formal na 1ª figura e material
na 2ª figura). A tentativa é admissível.

No esbulho possessório, a consumação ocorre com a invasão, ainda que o


esbulho não se concretize, pois, ao contrário do esbulho previsto no Código
Civil, que exige que o possuidor perca a posse, para o Código Penal é
suficiente que a finalidade de esbulhar constitua especial fim de agir, não
sendo exigível que se concretize tal finalidade, pois, o Direito Penal é mais
protetivo. Admite-se a tentativa que ocorre quando o sujeito não consegue
entrar no imóvel por circunstâncias alheias a sua vontade.

Obs.: O § 2º, do art. 161, do CP prevê que, se o agente usar de violência, além
das penas relativas às condutas descritas no referido artigo, incorrerá também
nas penas cominadas à violência, havendo o cúmulo material das sanções.

2 – DANO

Nos termos do art. 163, caput do CP, dano é o fato de destruir, inutilizar ou
deteriorar coisa alheia.

2.1 – Bem jurídico tutelado

O bem jurídico protegido é o patrimônio, público ou privado, tanto sob o


aspecto da posse quanto da propriedade. Nesta previsão legal, ao contrário da
maioria das infrações contra o patrimônio, não existe o animus lucrandi, que
apenas eventual e excepcionalmente pode existir, desde que seja indireto ou
mediato.

O objeto material do crime de dano é coisa alheia, móvel ou imóvel e corpórea


(pois, somente coisa corpórea pode ser fisicamente danificada). Deve a coisa
84

ser alheia, pois, tratando-se de patrimônio, tem natureza de bem disponível e,


sendo do proprietário, pode ele dispor, usar, gozar e até destruir a coisa.

2.2 – Sujeitos ativo e passivo

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sem qualquer condição especial. O
proprietário da coisa, como regra, não pode ser sujeito ativo, mesmo que a res
esteja em poder de terceiro (deve tratar-se de coisa alheia); o possuidor pode
ser sujeito ativo deteriorando, inutilizando ou destruindo a propriedade de
terceiro, que mantém sua posse indireta. O condônimo pode ser sujeito ativo
desde que a coisa danificada seja fungível e que não ultrapasse a conta do
autor.

Sujeito passivo, normalmente, é o proprietário, mas, não está excluído o


possuidor da coisa.

2.3 – Consumação e tentativa

Consuma-se o crime com o efetivo dano causado, isto é, com a destruição,


inutilização ou deterioração da coisa alheia. O dano é crime material que só se
configura se houver prejuízo para a vítima, decorrente da diminuição do valor
ou da utilidade da coisa danificada.

Como crime material que é, o dano admite a tentativa, porém, é temerário


afirmar que há tentativa quando o agente não obtém o resultado pretendido,
uma vez que o resultado parcial já é suficiente para consumar o crime (p. ex.
deteriorar). Assim, segundo Cezar Roberto Bitencourt, a tentativa somente
pode configurar-se quando o estrago não for relevante.

2.4 – Figuras típicas: simples e qualificada

O modus operandi do crime de dano pode apresentar particularidades que


representam maior gravidade na violação do patrimônio alheio, tornando a
conduta mais censurável e, por isso mesmo, merecedora de maior
punibilidade, quer pelo maior desvalor da ação, quer pelo maior desvalor do
resultado.

No crime de dano, as qualificadoras são previstas nos incisos I a IV do p.


único, do art. 163 do CP e a presença de apenas uma delas é suficiente para
qualificar o crime.
85

Nesse crime as qualificadoras, com exceção do motivo egoístico são de


natureza objetiva e, por conseguinte, comunicam-se aos co-autores, nos
termos do art. 30 do CP. Nas qualificadoras a pena de multa é aplicada
cumulativamente com a pena privativa de liberdade, ao contrário das figuras
simples, em que as mesmas penas são aplicadas alternativamente.

2.4.1 – Com violência à pessoa ou grave ameaça

Não é necessário que o sujeito use esses meios de execução contra o titular da
propriedade. Pode ser que empregue violência física ou moral contra terceira
pessoa. Se, empregando violência contra a vítima, lhe causa lesão corporal,
responde por dois crimes, segundo Damásio de Jesus em concurso material.
Cezar Roberto Bitencourt, porém, entende diversamente. Para este autor, o
que caracteriza o concurso material não é a soma das penas, mas a pluralidade
de condutas, pois, no concurso formal impróprio, as penas também são
aplicadas cumulativamente. Assim, o artigo 163 do CP não criou um concurso
material sui generis, mas, tão somente, adotou o sistema do cúmulo material
de aplicação de pena.

Somente a violência contra a pessoa qualifica o dano. A violência ou grave


ameaça tanto podem ser utilizadas durante a execução do crime como para
assegurar sua consumação. Somente a empregada após a consumação do dano
não o qualifica.

2.4.2 – Com emprego de substância inflamável ou explisiva, se o fato não


constitui crime mais grave

É necessário que a substância inflamável ou explosiva seja utilizada como


meio de execução do crime, pois, o próprio texto legal diz “com emprego
de...”

A subsidiariedade dessa qualificadora é expressa: “se o fato não constitui


crime mais grave”, uma vez que qualquer das substâncias pode ser utilizada
para a prática de crimes contra a incolumidade pública (arts. 250 a 259 do
CP).

2.4.3 – Contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa


concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista
86

Somente aqueles bens efetivamente pertencentes ao patrimônio público podem


ser objeto dessa qualificadora, inclusive as coisas de uso público comum ou
especial. Assim, as coisas locadas pelos órgãos públicos, que não são de sua
propriedade, não qualificam o dano.

Não será qualificado o crime de dano praticado contra o patrimônio de


empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Obs.: Quando, durante a fuga, o preso danifica a cela, uma corrente, da qual é
partidário Damásio de Jesus, entende que deve responder por dano
qualificado, pois, não se exige o dolo específico, que se manifesta no animus
nocendi, isto é, pelo fim de causar um prejuízo patrimonial ao dono,
contentando-se com o dolo genérico. Outra corrente entende que não deve o
preso responder por dano qualificado, pois, este delito exige o dolo específico.
Assim, argumenta-se, o dano constitui meio necessário para a consecução de
outro fim, que não se encontra no tipo do art. 163, qual seja, o alcance da
liberdade.

2.4.4 – Por motivo egoístico

Motivo egoístico não é qualquer impulso anti-social característico de todo


crime de dano. Egoístico é somente o motivo que se prende a futuro interesse
econômico ou moral, como por exemplo, a danificação do trabalho ou
equipamento de um concorrente para vencer a competição ou para valorizar
seu similar.

O motivo egoístico não se vincula à satisfação de qualquer sentimento menos


nobre, tal como ódio, despeito, inveja ou desprezo. Nessa modalidade de dano
qualificado pode aparecer, excepcionalmente, o animus lucrandi.

2.4.5 – Com prejuízo considerável

O prejuízo considerável deve ser aferido em relação ao patrimônio do


ofendido, não havendo padrão estabelecido. Assim, um dano de grande monta,
genericamente considerado, pode não representar “prejuízo considerável para
a vítima” possuidora de grande fortuna; por outro lado, pequeno dano, nas
mesmas circunstâncias, pode destruir economicamente alguém de
pouquíssimas posses. Este é o critério mais justo, pois, além de respeitar o
moderno princípio da proporcionalidade, relaciona-se à capacidade de
suportabilidade do dano.
87

Alguns autores, dentre os quais Damásio de Jesus, entendem que somente se


configurará a qualificadora do prejuízo considerável se houver dolo em
relação a esse prejuízo grave, isto é, se o agente quis (tendo dele consciência)
ou, pelo menos, assumiu o risco de produzi-lo.

Obs.: Incidindo esta qualificadora, a ação penal somente se procederá


mediante queixa. Nas demais modalidades de dano previstas no art. 163 do
CP, a ação penal é pública incondicionada.

3 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA

O CP conceitua como apropriação indébita o fato de o sujeito “apropriar-se de


coisa alheia móvel, de quem tem a posse ou a detenção” (art. 168, caput). A
característica fundamental desse crime é o abuso de confiança. O sujeito ativo,
tendo a posse ou a detenção da coisa alheia móvel, a ele confiada pelo
ofendido, em determinado instante passa a comportar-se como se fosse dono,
ou se negando a devolvê-la ou realizando ato de disposição.

Na apropriação indébita, ao contrário do crime de furto ou estelionato, o


agente tem a posse lícita da coisa. Recebeu-a legitimamente; muda somente o
animus que o liga à coisa. No entanto, se o agente recebe de má-fé, mantendo
em erro quem entrega, pratica o crime de estelionato e não apropriação
indébita.Com efeito, o que distingue a apropriação indébita desses crimes é
que com ela não se produz violação da posse material do dominus; a coisa não
é subtraída ou ardilosamente obtida, pois, já se encontra no legítimo p oder de
disponibilidade física do agente. Enquanto nesses crimes a disponibilidade
fática sobre a coisa é obtida com o próprio crime, na apropriação indébita essa
disponibilidade física precede ao crime. No furto o agente obtém tirando, no
estelionato enganando e na apropriação indébita, aproveitando-se. Naqueles
crimes há o dolo ab initio, enquanto na apropriação indébita o dolo é
subseqüente.

3.1 – Sujeitos do delito

Sujeito ativo da apropriação indébita é quem tem a posse ou a detenção.


Tratando-se de funcionário público, há delito de peculato (art. 312 do CP).

Sujeito passivo é qualquer pessoa, física ou jurídica, titular do direito


patrimonial atingido pela ação tipificada. Segundo Damásio de Jesus, em
88

todas as hipóteses de apropriação indébita existe relação obrigacional entre


duas pessoas. Assim, para o referido autor, sujeito ativo é quem tinha a posse
ou detenção e, sujeito passivo será a outra pessoa da relação obrigacional.

3.2 – Consumação e tentativa

Na apropriação indébita propriamente dita o delito se consuma com o ato de


disposição. Na negativa de restituição o crime atinge o momento consumativo
quando o sujeito se recusa a devolver o objeto material. Em suma, consuma-se
a apropriação indébita no momento em que o agente, por ato voluntário e
consciente, inverte o título da posse exercida sobre a coisa, passando a dela
dispor como se proprietário fosse.

A simples demora na devolução da coisa, quando não há prazo previsto para


tanto, não caracteriza o delito de apropriação indébita. É preciso que fique
cabalmente demonstrada a intenção do agente de ficar com a res.

Como crime material, a tentativa é possível, embora de difícil configuração.


Porém, fica na dependência da possibilidade concreta de se demonstrar a
exteriorização do ato de vontade do sujeito ativo, capaz de demonstrar a
alteração da sua intenção de apropriar-se da coisa alheia.

Obs.: É preciso observar que as coisas fungíveis dadas em depósito ou


empréstimo não podem ser objeto de apropriação indébita, uma vez que
podem ser substituídas por outras de mesma espécie, quantidade e qualidade.
Ex.: Não existe apropriação indébita de uma saca de arroz dada em depósito
ou empréstimo, haja vista que o sujeito ativo pode devolver, posteriormente,
outra saca da mesma espécie, qualidade e quantidade de arroz.

3.3 – Arrependimento posterior

O arrependimento posterior é previsto no art.16 do CP informando que, “nos


crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano
ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.

Violência ou grave ameaça não são elementares do tipo de apropriação


indébita e, sendo assim, pode ser aplicada a este delito a regra do
arrependimento posterior, mas, somente nos casos em que a coisa não possa
mais ser restituída e o agente repare o dano através, por exemplo, de
89

compensação pecuniária, antes do recebimento da denúncia, já que trata-se de


crime de ação penal pública incondicionada. A modalidade de arrependimento
posterior através de restituição da coisa não se aplica à apropriação indébita,
haja vista o fato de que não existe apropriação indébita de uso e, assim, a
devolução da coisa demonstra a ausência do dolo do agente de dispor da coisa
como própria e, nesse caso, o fato será atípico, não se admitindo nem mesmo a
tentativa, conforme entendimento de Damásio de Jesus.

3.4 – Causas de aumento de pena

3.4.1 – Coisa recebida em depósito necessário

O Direito Civil distingue o depósito necessário do voluntário. Para o Direito


Penal o depósito voluntário não recebe a mesma proteção, não incidindo,
nesse caso esta causa de aumento, mas, a figura simples.

O depósito necessário significa que o sujeito não tem escolha, está obrigado a
confiar o objeto ou valor a determinada pessoa e pode ser legal ou miserável.
É legal quando decorre de expressa previsão normativa, quando se pode
escolher o depositário. Será miserável quando feito em situações excepcionais,
que reduzam, embora não anulem, a possibilidade de escolha do depositante
(calamidade como incêndio, inundação etc.). O depósito necessário,
disciplinado no inciso I, do art. 168 do CP é somente o conhecido como
miserável.

3.4.2 – Na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário,


inventariante, testamenteiro ou depositário judicial

O rol do inciso II, do art. 168 do CP é numerus clausus, não admitindo a


inclusão de qualquer outra hipótese semelhante, em razão do princípio da
legalidade e de não se admitir a analogia in malus partis quando se trata de
norma incriminadora.

O fundamento dessa majorante é o de que, nas condições elencadas, o sujeito


ativo viola também deveres inerentes ao cargo ou função que desempenha, na
verdade justificador de maior reprovabilidade social. São funções que exigem
maior abnegação do indivíduo, que geram uma expectativa de segurança e
seriedade, provocando eventual conduta ilícita maior censura.

3.4.3 – Em razão de ofício, emprego ou profissão


90

O fundamento da majorante deste inciso é o mesmo do anterior, pois,


igualmente aqui o sujeito ativo viola deveres inerentes a sua qualidade
profissional-funcional. Em outros termos, em razão da natureza da atividade
laborativa, o sujeito ativo tem sua ação criminal facilitada, em razão da
confiança entre ele e a vítima.

Ofício refere-se a arte mecânica ou manual, exigindo certo grau de habilidade


ou conhecimento, embora possa ser empregado com o significado de função
pública. Entende-se por ofício qualquer ocupação habitual consistente em
prestação de serviços ou trabalhos manuais; emprego é a relação de ocupação
em atividade particular e, como regra, implica um vínculo de subordinação ou
dependência entre as partes; profissão é toda e qualquer atividade
desenvolvida pelo indivíduo com fim lucrativo.

3.5 – Apropriação indébita previdenciária

A apropriação indébita previdenciária vem prevista no art. 168–A do CP.

Aqui o CP protege as fontes de custeio da seguridade social, isto é, tutela-se a


subsistência financeira da previdência social.

Sujeito ativo é o substituto tributário, ou seja, aquele que deve recolher o


tributo e repassá-lo à previdência social; sujeito passivo é o Estado,
representado pelo INSS.

A consumação depende de uma atitude subjetiva. Assim, é necessária a


inversão da natureza da posse, caracterizada por ato demonstrativo de
disposição de coisa alheia ou pela negativa em devolvê-la. Admite-se a
tentativa por tratar-se de crime material.

Existe entendimento jurisprudencial no sentido de que, se o administrador se


apropria dos valores recolhidos e os aplica na própria empresa, com o intuito
de salvá-la de situação difícil como, por exemplo, a insolvência, configura-se
uma causa de justificação que é o estado de necessidade (art. 24, CP), pois, há
maior interesse até mesmo do Estado, em que a empresa continue atuando e
recolhendo tributos e que os seus empregados possam manter sua fonte de
sustento.
91

Para que incida a figura típica do inciso I, do § 1º, do art. 168-A, do CP, é
necessário que o valor tenha sido descontado de pagamento efetuado. No caso
do inciso II, a contribuição previdenciária deve integrar as despesas contábeis
ou custos relativos a produtos e serviços. O inciso III é imprescindível que a
previdência social tenha reembolsado a empresa e esta não tenha repassado o
valor relativo ao segurado.

Ocorre a extinção da punibilidade se estiverem presentes, cumulativamente,


os seguintes requisitos (§ 2º, art. 168-A): a) o agente declara o valor indevido;
b) confessa o não-recolhimento (não se trata de confissão de crime, mas de
não-recolhimento); c) efetua o pagamento; d) presta as informações devidas;
e) que os requisitos acima sejam preenchidos de forma espontânea; f) que tudo
isso ocorra antes do início da ação fiscal.

O § 3º, do art. 168-A prevê o perdão judicial ou a aplicação isolada da pena de


multa, desde que: a) o agente promova, após o início da ação fiscal e antes do
oferecimento da denúncia, o pagamento integral da contribuição (incluindo os
acessórios); ou b) que o valor seja de pouca monta.

A ação penal é pública incondicionada.

3.6 – Apropriação de coisa h avida por erro, caso fortuito ou força da


natureza

O art. 169, caput do CP define o fato de o sujeito se apropriar de coisa alheia


vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força maior.

Protege-se o direito patrimonial. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo.


Sujeito passivo é o proprietário da coisa.

O erro pode incidir sobre pessoa ou coisa. Há erro sobre pessoa quando um
indivíduo é tomado por outro (ex.: mensageiro que entrega encomenda a um
homônimo do destinatário e aquele que recebeu a coisa se recusa a devolvê-
la); o erro também pode recair sobre a coisa (ex.: sujeito vende livros usados a
terceiro sendo que, dentro de um deles há certa quantia em dinheiro).

É preciso que o sujeito não tenha induzido a vítima em erro, pois, se isso
ocorre, pratica estelionato.
92

O objeto pode também vir as mãos do sujeito ativo em face de caso fortuito
(ex.: animais de uma fazenda, rompendo uma cerca, se dirigem a propriedade
alheia) ou força da natureza (ex.: num vendaval, roupas do varal vão ter à
propriedade alheia).

A ação penal é pública incondicionada

3.7 – Apropriação de tesouro

O inciso I, do p. único, do art. 169 do CP tipifica como crime o fato de o


sujeito achar tesouro em prédio alheio e se apropriar, no todo ou em parte, da
quota a que tem direito o proprietário do prédio.

O CP protege a inviolabilidade do patrimônio.

Sujeito ativo é quem se apodera da parte que pertence ao dono do prédio.


Sujeito passivo é o proprietário do prédio onde é encontrado o tesouro.

Para que haja apropriação de tesouro é necessário que ele tenha sido
encontrado casualmente. Fora dessa hipótese, o fato constituirá delito de furto.

O encontro do tesouro, por si só, não constitui delito. A conduta ilícita é a


posterior apropriação, no todo ou em parte, da quota pertencente ao dono do
terreno.

A ação penal é pública incondicionada.

3.8 – Apropriação de coisa achada

Constitui crime o fato de o sujeito achar coisa alheia perdida e dela se


apropriar, no todo ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo
possuidor, ou de entregá-la à autoridade competente no prazo de 15 dias (CP,
art. 169, p. único, II).

O CP protege a inviolabilidade patrimonial.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Sujeito passivo é o proprietário da


coisa perdida.
93

Existe diferença entre coisa perdida e abandonada. Nesta, o sujeito se despoja


do direito patrimonial, passando a coisa a ser de ninguém. Assim, sendo ela
achada por terceiro, não há apropriação indébita. Só há crime na hipótese de
coisa alheia perdida.

A autoridade competente a que faz referência o tipo é a policial ou judiciária.

É necessário que o sujeito ativo tenha consciência de que se trata de coisa


perdida, pois, caso contrário incidirá em erro de tipo que exclui o dolo e,
conseqüentemente a tipicidade, já que este crime não admite a modalidade
culposa.

Obs.: Em todos os crimes previstos nos arts. 168, 168-A e 169 do CP, admite-
se a aplicação do § 2º, do art. 155 do mesmo diploma, isto é, se a coisa for de
pequeno valor (até um salário mínimo) e o criminoso for primário, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços
ou aplicar somente a pena de multa.

DIREITO PENAL III


Aula 13

1 – ESTELIONATO

Estelionato é o fato de o sujeito obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita


em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, conforme previsto no
artigo 171, caput, do Código Penal.

1.1 – Bem jurídico tutelado


94

O legislador protege, na espécie, o direito patrimonial. Para Cezar Roberto


Bitencourt, protege-se, além da inviolabilidade do patrimônio, o interesse
social, representado pela confiança recíproca e o interesse público em reprimir
a fraude causadora de dano alheio.

1.2 – Sujeitos ativo e passivo

Sujeito ativo do crime de estelionato pode ser qualquer pessoa, sendo, em


primeiro lugar, quem induz ou mantém a vítima em erro. O concurso de
agentes em qualquer de suas formas pode facilmente se configurar. A
vantagem indevida pode ser para si ou para outrem que pode ser co-autor ou
partícipe.

Sujeito passivo é a pessoa enganada e que sofre o prejuízo patrimonial,


podendo tratar-se de qualquer pessoa, física ou jurídica. Pode haver dois
sujeitos passivos: um que é enganado e outro que sofre o prejuízo material.

O sujeito passivo deve, necessariamente, ser pessoa determinada. Tratando-se


de sujeitos passivos indeterminados, haverá crime contra a economia popular
e não estelionato.

Para Cezar Roberto Bitencourt, a vítima deve ter capacidade de discernimento.


Tratando-se de vítima alienada, débil mental ou criança, segundo o referido
autor, haverá impropriedade absoluta do objeto do erro. Nesse caso, haverá o
crime do art. 173 do CP. Tratando-se de vítima que esteja temporariamente
sem capacidade de discernimento, como o ébrio, por exemplo, poderá haver
furto.

1.3 – Consumação e tentativa

O estelionato atinge a consumação com a obtenção da vantagem ilícita, em


prejuízo alheio. É necessário que o sujeito efetivamente consiga um proveito
patrimonial. A potencialidade do prejuízo não leva ao fato consumado. O tipo
fala em obter e exige que seja em prejuízo alheio.

A tentativa é admissível quando o sujeito, enganando a vítima, não obtém a


vantagem ilícita ou, obtendo-a, não causa prejuízo a ela ou a terceiro.
95

Cezar Roberto Bitencourt entende que não se caracteriza o estelionato quando


a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio for obtida através de meio
ineficaz para induzir ou manter alguém em erro.

1.4 – Classificação doutrinária

O estelionato é crime comum; material; doloso; instantâneo; de forma livre;


comissivo; de dano; unissubjetivo; plurissubsistente. Discute-se a
possibilidade de o estelionato apresentar-se, excepcionalmente, como crime
permanente, em especial no caso de utilização de certidões falsas para
recebimento de benefícios do INSS. De acordo com o Ministro Marco
Aurélio, do STF, trata-se in casu de crime instantâneo com efeitos
permanentes.

1.5 – Figuras típicas: simples e privilegiada

A figura simples vem prevista no caput do art. 171 do CP.

Já a figura privilegiada, prevista no § 1º do art. 171 do CP, embora semelhante


à previsão do furto privilegiado, requer pequeno valor do prejuízo (art. 171, §
1º), enquanto no furto se exige o pequeno valor da res furtiva, necessitando,
conseqüentemente, ser avaliado o efetivo prejuízo sofrido pela vítima. O
“pequeno prejuízo” deve ser verificado, via de regra, por ocasião da realização
do crime e, na hipótese de tentativa, é aquele que decorreria da pretendida
consumação.

Incidindo o privilégio, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art.


155, § 2º do CP. Segundo a melhor doutrina, as causas de diminuição
constituem direitos públicos subjetivos do réu e, estando presentes os
requisitos exigidos, não cabe ao julgador qualquer discricionariedade quanto à
sua aplicação.

O primeiro requisito da figura típica privilegiada é a qualidade de criminoso


primário. O segundo é o pequeno valor do prejuízo que, segundo Damásio de
Jesus, é aquele que não supera um salário mínimo. Cezar Roberto Bitencourt,
no entanto, entende que este limite não é absoluto, podendo ser ultrapassado,
dependendo do caso concreto.

Por ser o estelionato um delito instantâneo e, assim, o valor do prejuízo dever


ser avaliado no momento da consumação, o ressarcimento, como tem
96

entendido parte da jurisprudência é dado aleatório e posterior que não pode


retroagir para operar uma desclassificação no tipo já perfeito quando da
consumação. Caso contrário, argumenta Damásio de Jesus, toda tentativa de
estelionato seria privilegiada em razão da ausência de prejuízo. Porém, nada
impede que o ressarcimento funcione como circunstância atenuante genérica
(art. 65, III, b do CP) ou como causa de redução da pena (art. 16 do CP).

1.6 – Espécies

O § 2º do art. 171 do CP prevê seis modalidades especiais de estelionato sobre


as quais aplicam-se todas as disposições relativas à figura simples
(imprescindibilidade de obtenção de vantagem indevida, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer
outro meio fraudulento), conforme abaixo se verá:

1.6.1 – Disposição de coisa alheia como própria (I)

As condutas incriminadas são vender, permutar, dar em pagamento, em


locação ou em garantia coisa alheia como própria. Essa modalidade consiste
em realizar qualquer dos atos jurídicos mencionados tendo por objeto coisa
alheia como se fosse própria. Exige-se a má-fé do sujeito ativo e
correspondente boa-fé do sujeito passivo. No caso o comprador é enganado,
além do proprietário. Podem ser objeto material desta modalidade de
estelionato tanto coisas móveis quanto imóveis.

1.6.2 – Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria (II)

O que muda efetivamente nesse tipo penal é o objeto material: em vez de ser
coisa alheia, trata-se de coisa própria, porém, impedida, por alguma razão, de
ser alienada. Nem sempre o dono da coisa dispõe de todos os poderes
inerentes ao domínio, sendo uma das possíveis restrições, a inalienabilidade
que pode decorrer de lei, convenção ou testamento. Outra restrição é a
indisponibilidade de coisa gravada de ônus como a hipoteca, a anticrese e o
penhor.

Quem recebe a coisa com qualquer desses ônus, desconhecendo-lhes a


existência é lesado em seu direito e fraudado em sua expectativa.
97

A promessa de venda de coisa gravada com ônus não caracteriza o estelionato


previsto neste inciso, mas, pode caracterizar a figura típica prevista no caput
do artigo.

1.6.3 – Defraudação de penhor (III)

A ação típica é defraudar garantia pignoratícia mediante alienação (venda,


troca, doação etc.) ou por outro modo (desvio, consumo, destruição, abandono
etc.) sem consentimento do credor. Ocorre a defraudação de penhor quando é
feita a alienação do objeto empenhado sem o consentimento do credor.

A penhora destinada a servir de garantia da execução não se equipara à


hipótese prevista no inciso III, do § 2º, do art. 171 do CP, onde se cuida de
fraude relativamente à coisa pertencente ou possuída pelo agente, mas
vinculada, em garantia de débito, a um direito real (penhor).

1.6.4 – Fraude na entrega de coisa (IV)

A ação típica é defraudar (trocar, adultarar, alterar). A fraude deve ter por
objeto substância, qualidade ou quantidade. É necessário que haja uma relação
obrigacional entre o sujeito passivo e o sujeito ativo, pois, este deve ter a
obrigação de entregar a coisa (obrigação legal, judicial ou contratual). Ausente
a relação jurídica obrigacional entre os sujeitos, não se configura esta
modalidade de estelionato, podendo haver a figura simples.

A simples falta de quantidade ou qualidade não configura o delito, sendo


necessário a ocorrência de fraude (dolus malus) a beneficiar o agente e
prejudicar o ofendido.

Imprescindível, ainda, que haja a efetiva tradição da coisa ao sujeito passivo,


pois, ausente esta, configura-se o delito do art. 275 do CP e não do art. 171, §
2º, IV.

1.6.5 – Fraude para o recebimento de indenização ou valor de seguro (V)

É necessário que o dano produzido seja idôneo para o recebimento da


indenização ou valor de seguro. O tipo penal prevê dois tipos de fraude: a)
destruição ou ocultação da coisa própria; b) lesão do corpo, agravamento de
lesão ou moléstia de que esteja acometido.
98

A fraude para recebimento de seguro é crime formal, que não requer a


ocorrência de dano efetivo em prejuízo do ofendido para consumar-se. Assim,
o emprego do meio fraudulento é necessário e suficiente para a caracterização
do crime, desde que haja finalidade de recebimento de indenização do seguro.
Trata-se de crime próprio e de perigo.

1.6.6 – Fraude no pagamento por meio de cheque (VI)

Duas são as figuras tipificadas: “emitir” e “frustrar”. Emitir tem o sentido de


colocar em circulação o cheque sem suficiente provisão de fundos. Não se
confunde com o simples ato de preenchê-lo ou assiná-lo. Frustrar significa
obstar o pagamento, bloqueando, retirando o saldo existente ou dando contra-
ordem e dessa forma evitar o pagamento do cheque. Mas, somente a frustração
indevida pode configurar crime.

O agente que, visando vantagem indevida, emite cheque falsificando a


assinatura do titular da conta pratica crime de estelionato em sua forma
fundamental. Tratando-se de conta encerrada, igualmente se caracteriza o
crime previsto no caput do art. 171.

Segundo posicionamento pacificado através do verbete da Súmula 521 do


STF, “o foro competente para o processo e julgamento dos crimes de
estelionato, sob a modalidade de emissão dolosa de cheque sem provisão de
fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado”.

1.6.6.1 – Cheque pós-datado e cheque especial

A característica principal desse título de crédito é ser uma ordem de


pagamento à vista. Por isso, quando alguém recebe cheque para ser
apresentado em data futura, está recebendo o cheque descaracterizado de sua
essência, travestido de mera promessa de pagamento. Com efeito, o cheque
emitido como garantia de dívida, isto é, pós-datado (pré-datado, para alguns),
representa uma promessa de pagamento, a exemplo da nota promissória.

Eventual inexistência de fundos quando de sua apresentação não caracteriza,


portanto, o estelionato definido no dispositivo em exame. Se não for
compensado por falta de provisão, constituirá somente um ilícito civil.

Também não haverá estelionato se o cheque pós-datado for apresentado antes


do prazo avençado, pois, não obstante tratar-se de ordem de pagamento à
99

vista, o beneficiário, quando recebe o título, tem ciência de que,


provavelmente o emitente não terá suficiente provisão de fundos antes da data
prevista. Somente poderá haver o estelionato na modalidade de emissão de
cheque sem suficiente provisão de fundos se, no momento da emissão do
cheque pós-datado, titular da conta bancária já tem a intenção de fraudar o
beneficiário, fato cuja prova se torna muito difícil.

Habitualmente as agências bancárias têm honrado o pagametno de cheques de


clientes especiais, mesmo quando ultrapassam o limite contratado. A recusa,
nesses casos, é eventual. Essa eventualidade não pode ser decisiva para
tipificar criminalmente a conduta do agente. O estelionato pressupõe sempre a
má-fé do agente, que, nesses casos, à evidência, não existe. Nesse sentido,
aplica-se o verbete da Súmula 246 do STF.

1.7 – Outras fraudes

Com a denominação de “outras fraudes”, o CP pune o fato de tomar refeição


em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem
dispor de recursos para efetuar o pagamento (art. 176, caput, do CP).

O estatuto penal tutela o patrimônio dos donos de hotéis, pensões, restaurantes


e meios de transporte.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Sujeito passivo é a pessoa que presta o
serviço. Nem sempre é quem sofre o prejuízo patrimonial. No caso do garçom
que serve a refeição, ele é o sujeito passivo; o dono do restaurante, o
prejudicado pelo crime.

No caso da primeira figura, é necessário que o fato seja cometido pelo sujeito
em restaurante. Se a refeição é servida na residência do sujeito, por exemplo,
não há crime. A expressão “refeição” abrange as bebidas. O termo restaurante
deve ser interpretado em sentido amplo, estendendo-se a cafés, boates,
pensões etc.

A segunda figura típica menciona o fato de o agente alojar-se em hotel sem


dispor de meios para efetuar o pagamento. A proteção legal se estende às
pensões, motéis etc.

O último tipo descreve o fato de o sujeito servir-se de meio de transporte sem


ter recursos para efetuar o pagamento. A figura se refere a qualquer meio de
100

pagamento como táxi, barca, lancha etc. É preciso que seja tipo de locomoção
que exija pagamento durante ou depois da prestação do serviço.

O passageiro clandestino não responde por esse crime, mas, por estelionato.
No caso desta figura típica, é preciso que o passageiro se faça passar por
usuário idôneo e o clandestino viaja sem ser percebido.

Pode haver erro de tipo, que exclui o dolo e, conseqüentemente o tipo, já que
não há previsão de modalidade culposa. Isso pode acontecer, por exemplo,
quando o passageiro utiliza-se de meio de transporte desconhecendo que não
possui recursos para efetuar o pagamento (esqueceu a carteira, p. ex.).

O delito atinge a consumação com a realização dos comportamentos


incriminados; com a utilização total ou parcial da prestação de serviços. A
tentativa é admissível.

O art. 176, p. único, 2ª parte, do CP, prevê o perdão judicial que pode ser
aplicado conforme as circunstâncias.

A ação penal é pública condicionada à representação.

2 – RECEPTAÇÃO

Nos termos do art. 180, caput, do CP, receptação é o fato de adquirir, receber,
transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe
ser produto de crime, ou influir para que terceiro de boa-fé a adquira, receba
ou oculte.

2.1 – Bem jurídico tutelado

É protegido o patrimônio dos bens móveis. Mediatamente atinge, também a


própria Administração da Justiça, uma vez que prejudica a ação da autoridade
na apuração do crime antecedente.

O objeto de receptação somente pode ser coisa móvel. Não podem ser objeto
de receptação aquelas mesmas coisas que também não podem ser objeto do
crime de furto (res nullius, res delericta e res commune omnium).
101

A receptação deve ter como objeto, coisa que seja produto de crime (se for
produto de contravenção não haverá receptação), ainda que seja coisa sub-
rogada. Não pode ser produto de crime os instrumenta sceleris.

2.2 – Sujeitos ativo e passivo

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, menos o co-autor ou partícipe do


crime anterior, que seja pressuposto da receptação. Porém, no § 1º, do art. 180,
o CP tipifica um crime próprio, haja vista somente poder ser praticado por
comerciante ou industrial (ainda que apenas de fato).

Excepcionalmente o proprietário da coisa pode ser sujeito ativo quando, por


exemplo, a res for objeto de garantia (p. ex., penhor), encontrando-se em
poder de terceiro.

Sujeito passivo é sempre o mesmo sujeito passivo do crime de que proveio a


coisa, bem ou objeto da receptação.

2.3 – Consumação e tentativa

A receptação própria (1ª figura) é crime material e consuma-se com a efetiva


tradição da coisa proveniente de crime.

Na receptação própria é perfeitamente admissível a tentativa.

A ação delitiva nas modalidades de transportar, conduzir e ocultar, configura


crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo. Na receptação
qualificada, além das mesmas condutas antes referidas, também ter em
depósito e expor à venda constituem crime permanente.

Na receptação imprópria (2ª figura), o crime é formal, consumando-se com a


influência exercida pelo sujeito ativo, embora parte da jurisprudência entenda
necessária a realização da conduta típica pelo induzido. Porém, é necessário
que o ato praticado para influenciar terceiro para adquirir, receber ou ocultar
produto de crime, seja idôneo para tal fim.

A tentativa, diante da natureza formal dessa espécie de receptação é,


teoricamente, inadmissível.

2.4 – Classificação doutrinária


102

Trata-se de crime comum; doloso na receptação simples e na qualificada;


culposo no caso do § 3º, do art. 180 do CP; material na receptação própria;
formal na receptação imprópria; comissivo, salvo na modalidade de ocultar
que é omissivo; instantâneo, salvo nas formas de transportar, conduzir, ocultar,
Ter em depósito e expor à venda que é permanente; unissubjetivo;
plurissubsistente e acessório, pois depende do crime antecedente.

2.5 – Figuras típicas: simples, qualificada e privilegiada

2.5.1 – Figura qualificada

A Lei nº 9.426/96 deu nova redação ao § 1º do art. 180, criando a figura da


receptação qualificada.

A receptação qualificada é crime próprio, exigindo do sujeito ativo uma


qualidade especial, qual seja, tratar-se de comerciante ou industrial, que deve
praticá-lo no exercício de seu mister profissional, mesmo que irregular ou
clandestino.

No caput do art. 180 do CP, o tipo penal exige a presença do dolo direto,
representado pela locução típica “que sabe ser produto de crime”; na redação
do § 1º, definidor de crime próprio, exige-se o dolo eventual, representado
pela locução “que deve saber ser produto de crime”. Assim, punir-se-ia de
forma mais grave (3 a 8 anos de reclusão) a figura mais branda, do § 1º, que só
admitiria dolo eventual, em detrimento do crime mais grave, caput, que exige
o dolo direto, cuja pena se mantém de 1 a 4 anos de reclusão. No entanto, para
Cezar Roberto Bitencourt, as locuções “sabe” e “deve saber” são elementos
normativos do tipo, não estando situados no plano da vontade, nada tendo que
ver, pois, com o dolo, seja direto ou eventual, nem com a culpa.
Alguns doutrinadores, dentre eles Damásio de Jesus, sugerem que seja
aplicado o preceito primário do § 1º, combinado com o preceito secundário do
caput, pois, somente assim seria respeitado o princípio da proporcionalidade.
Cezar Roberto Bitencourt considera que não há ofensa ao princípio da
proporcionalidade pelo fato de que a figura que admite o dolo eventual recebe
punição mais grave que a outra, que admite o dolo direto. Para este autor, não
se pode considerar apenas o dolo, mas, todas as demais características
subjetivas e objetivas descritas no tipo penal e, segundo ele, o desvalor da
ação, no caso do § 1º é muito maior do que aquele que existe na figura do
caput do art. 180 do CP, pois, naquela situação, o indivíduo capta a confiança
103

da sociedade em geral e do consumidor em particular; o sujeito ativo se


aproveita de sua atividade profissional para receptar coisa produto de crime
abusa da boa-fé do sujeito passivo, merecendo, assim, maior censura penal.

Além dos dois posicionamentos acima, há outros: a) se o comerciante sabe


tratar-se de produto de crime, responde pela figura do caput do art. 180, se
deve saber, pela figura do § 1º; b) se o comerciante sabe tratar-se de produto
de crime, o fato é atípico, pois, o § 1º somente pune aquele que deve saber; c)
O § 1º prevê tanto a conduta de quem sabe quanto aquela de quem deve saber,
pois, se pune o fato menos grave com, no mínimo 3 anos de reclusão, não é
crível que o de maior gravidade (sabe) seja atípico ou punido com pena
inferior; d) se o comerciante sabe tratar-se de produto de crime, aplica-se o
caput e se deve saber, aplica-se o § 3º, desconsiderando-se o § 1º.

2.5.2 – Figura privilegiada

Na receptação dolosa é admissível o tratamento previsto para o furto


privilegiado (art. 155, § 2º do CP): a primariedade e o pequeno valor da coisa
produto de crime permitem substituir a pena de reclusão por detenção, reduzi-
la de um a dois terços ou aplicar somente multa. A privilegiadora, presentes os
requisitos legais, aplica-se a qualquer das espécies de receptação própria ou
imprópria, não aplicando-se, de acordo com Damásio de Jesus, aos casos
previstos no § 6º, do art. 180, do CP. Assim, o pequeno desvalor do resultado e
a primariedade do agente, recomendam menor reprovação, conforme
determina o princípio da proporcionalidade.

É preciso observar que existe entendimento no sentido de que a primariedade


exige que o agente nunca tenha sofrido qualquer condenação irrecorrível.
Assim, não se confunde com o chamado “tecnicamente primário”. Este pode
ter sofrido condenação irrecorrível, mas, por exemplo, já haver transcorrido o
prazo de cinco anos. Neste caso, não será considerado primário. A melhor
doutrina, porém, entende que não há diferença entre primário e tecnicamente
primário, principalmente porque não pode haver interpretação restritiva para
limitar o direito de liberdade do indivíduo.

Quanto ao pequeno valor da coisa, utiliza-se como base o salário mínimo, não
sendo este valor absoluto, devendo o julgador analisar a situação pessoal da
vítima (suas condições financeiras), pois, o pequeno valor pode variar de
sujeito para sujeito.
104

2.6 – Reptação culposa

A culpa, como é de todos sabido, é a inobservância do dever objetivo de


cuidado manifestada em conduta produtora de um resultado não querido,
objetivamente previsível. Significa que a conduta é destinada, normalmente, a
um fim lícito, porém, é mal dirigida, gerando um resultado ilícito.

Assim, no § 3º, do art. 180, do CP, o legislador, embora não especificando a


conduta culposa, apresenta indícios de sua existência, pois, demonstra a
ausência de cautela do agente. Estes indícios são os seguintes: a) natureza da
coisa; b) desproporção entre o valor e o preço; c) condição de quem oferece.
Esses três requisitos exigem atenção do adquirente, cuja desconsideração ou
má avaliação pode levar à presunção de culpa. A inobservância desses
requisitos representa, na realidade, a imprudência ou negligência do agente.
Na dúvida, no exame daqueles indícios, impõe-se o dever de abster-se da
realização da conduta, pois, quem se arrisca, nessa hipótese, age com
imprudência e, sobrevindo um resultado típico, torna-se autor de um crime
culposo, no caso, de receptação culposa.

É preciso observar que os indícios acima mencionados, podem ser contestados


por contra-indícios. Suponha-se que o sujeito adquira jóia valiosa por preço vil
em face de o ofertante lhe haver apresentado uma falsa nota fiscal de compra.
Neste caso, o contra-indício exclui a responsabilidae penal a título de culpa.

2.7 – Perdão judicial

Nos termos do art. 180, § 5º, 1ª parte, do CP, na hipótese de receptação


culposa, se o criminoso é primário, deve o juiz, tendo em consideração
determinadas circunstâncias, deixar de aplicar a pena.

Nas circunstâncias a que se refere o mencionado parágrafo, além da


primariedade, deve ser considerada a culpa levíssima e o pequeno valor do
prejuízo causado.

Damásio de Jesus, Cezar Roberto Bitencourt e outros doutrinadores, entendem


que, não obstante a redação do § 5º, do art. 180, dar a entender que se trata de
faculdade do julgador, na verdade o perdão judicial é um direito público
subjetivo de liberdade do indivíduo e, sendo assim, estando preenchidos os
requisitos exigidos, não cabe ao magistrado decidir se concede ou não o
benefício, devendo concedê-lo.
105

Por fim, salienta-se que a sentença que concede o perdão judicial, segundo
entendimento majoritário, tem natureza extintiva da punibilidade, não
subsistindo, assim, qualquer efeito penal, principal ou secundário. (ver verbete
da Súmula 18 do STJ).

3 – DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE OS CRIMES CONTRA O


PATRIMÔNIO

O CP, por razões de política criminal, tendo em vista o menor alarme social do
fato cometido dentro da família, em determinados casos, quando o delito
patrimonial é cometido entre parentes ou entre cônjuges, permite a isenção da
pena. Trata-se de causas pessoais de exclusão de pena (escusas absolutórias).

O fato não perde a ilicitude, sendo puníveis, por essa razão, eventuais
estranhos que dele participarem. A escusa absolutória pessoal não exclui o
crime: impede somente a aplicação de pena às pessoas relacionadas no
dispositivo (art. 181 do CP): a) Cônjuge, na constância da sociedade
conjugal – A primeira hipótese destina-se somente aos cônjuges na constância
da sociedade conjugal, excluindo-se o concubinato, companheirismo,
casamento religioso sem efeitos civis, união estável, bem como os cônjuges
separados ou divorciados. A vigência do casamento é considerada ao tempo do
crime e não ao tempo em que instaurada a ação penal ou julgada em primeiro
ou segundo grau. A eventual anulação do matrimônio, se posterior ao delito,
não retroagirá para o fim de afastar a impunidade, salvo se comprovada a má-
fé do sujeito ativo; b) ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo
ou ilegítimo, civil ou natural – Esta segunda hipótese dirige-se aos crimes
praticados por ascendente contra descendente e vice-versa, seja qual for a
natureza do parentesco (natural, civil, legítimo ou ilegítimo). Ascendentes e
descendentes são os parentes ligados uns aos outros em linha reta. Para se
admitir a imunidade, nessa linha, não há grau de limitação. O parentesco afim,
como sogro, nora e genro, não é alcançado pela imunidade penal.

No art. 182 do CP, o legislador trata das chamadas imunidades relativas, que
não afastam a punibilidade do fato praticado, mas criam determinado
obstáculo ao exercício da ação penal. Nas hipóteses relacionadas nesse
dispositivo legal, a autoridade pública (Autoridade Policial ou Ministério
Público), necessita de uma condição de procedibilidade – representação do
ofendido – para instaurar o inquérito policial ou a ação penal.
106

As hipóteses destacadas são as seguintes: a) Cônjuge desquitado ou


judicialmente separado – deve-se dar interpretação contextualizada, uma vez
que desde 1977, o desquite foi substituído pela separação judicial e pelo
divórcio. A separação de fato está excluída dessa relação, pois, nessa hipótese,
haverá exclusão absoluta e não relativa, na medida em que a separação de fato
não rompe, juridicamente, o vínculo matrimonial, segundo entendimento de
Cezar Roberto Bitencourt; b) Irmão, legítimo ou ilegítimo – Se o dano for
além do irmão, atingindo pessoa estranha, desaparecerá a condição de
procedibilidade, mantendo a ação penal sua natureza jurídica normal de
pública incondicionada; c) Tio ou sobrinho com quem coabita – Nesse caso,
não basta apenas o parentesco, sendo imprescindível que autor e vítima
coabitem, sendo insuficientes algumas passagens esporádicas. A coabitação
anterior ou posterior ao crime não beneficiam o agente com a exigência de
representação do ofendido.

A imunidade (art. 181 do CP) e a condição de procedibilidade (art. 182 do CP)


são afastadas em determinadas circunstâncias, previstas no art. 183 do CP.
Assim, nas hipóteses de roubo ou extorsão, ou quando, de qualquer forma,
haja emprego de violência ou grave ameaça, não se justificam os favores
concedidos pela lei.

Além disso, as condições ou estado das pessoas relacionadas nos arts. 181 e
182 do CP, não são elementos constitutivos dos crimes patrimoniais de que
tratam. Por essa razão, pode-se afirmar que as imunidades previstas nesses
dois dispositivos não se comunicam ao estranho que, eventualmente, participe
(em sentido amplo) da prática dos crimes, de acordo com a regra geral
estabelecida pelo art. 30 do CP.

DIREITO PENAL III


Aula 14

1 – CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

O CP, no Capítulo I do Título III da Parte Especial, define os crimes contra a


propriedade intelectual, que é a propriedade sobre tudo aquilo que,
corporificando-se no mundo exterior, tem sua origem no pensamento humano.
O art. 7º da Lei 9.610/98, define a obra intelectual protegida como sendo as
criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer
suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro. São
107

obras intelectuais: livros, coreografias, composições musicais, produções


cinematográficas, fotográficas, desenhos, pinturas, esculturas, traduções etc.

1.1 – Violação de direito autoral

O crime de violação de direito autoral é definido no art. 184 do CP.

Nos termos do art. 1º da Lei 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais), entende-se
como direito autoral os direitos do autor e os direitos que lhe são conexos. O
autor é titular de direitos morais e patrimoniais sobre sua obra. Dentre aqueles,
estão o de reivindicar, a qualquer tempo a autoria da obra; ter o seu nome,
pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado como sendo o do
autor, na utilização da obra; de assegurar-lhe a integridade, opondo-se a
qualquer alteração etc. Dentre os direitos patrimoniais estão os de utilizar,
fruir e dispor da obra, bem como autorizar qualquer forma de utilização da
mesma.

O objeto jurídico é o direito autoral que alguém exerça em relação a obras


inelectuais.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; Sujeito passivo é o autor ou o terceiro
titular do direito autoral.

No caso do § 1º do art. 184, o crime é qualificado pelo meio de execução


utilizado pelo agente. O sujeito ativo lesa o direito autoral reproduzindo
(copiando): a) obra intelectual; ou b) fonograma ou videofonograma. É
irrelevante que a obra seja reproduzida no todo ou em parte. É preciso que seja
desautorizada pelo autor, pelo produtor ou por quem legalmente os represente.
Na reprodução de obra intelectual é necessário que o sujeito ativo realize a
conduta para fins de comércio.

Na forma estabelecida no § 2º do art. 184, são previstos alternativamente


vários núcleos. Quaisquer condutas consignadas no referido parágrafo devem
ter por objeto material original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou
videofonograma, produzidos com violação de direito autoral. Além disso, é
indispensával que haja intuito de lucro.

A violação de direito autoral consuma-se: a) coma efetiva violação, no caso da


figura típica descrita no caput do art. 184; b) com a reprodução da obra
intelectual (no todo ou em parte), de fonograma ou de videograma, na hipótese
108

descrita no § 1º; c) com a realização das condutas descritas no § 2º. A tentativa


é admissível em qualquer hipótese.

Em caso de condenação por crime de violação de direito autoral, o Juiz, na


sentença, deve determinar a destruição ou reprodução criminosa (art. 184, §
3º).

1.2 – Usurpação de nome ou pseudônimo alheio

O art. 185 do CP pune o fato de atribuir-se falsamente a alguém, mediante o


uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus
trabalhos, a autoria de obra literária, científica ou artística.

O objeto jurídico é o direito autoral.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é o autor de obra
literária, científica ou artística a quem é atribuída, falsamente, a paternidade de
obra que não é sua.

A atribuição de autoria de obra literária, científica ou artística exige o


elemento normativo do tipo “falsamente”. Além disso é imprescindível que
haja divulgação da obra.

O crime consuma-se com a publicação ou divulgação da obra. Não é


necessário um número indefinido de pessoas que tenham acesso à obra. A
tentativa é admissível, uma vez que o iter criminis é passível de
fracionamento.

2 – CRIMES CONTRA O PRIVILÉGIO DE INVENÇÃO E CRIMES


DE CONCORRENCIA DESLEAL

Tais espécies de crimes, que eram previstos nos artigos 187 a 196 do Código
Penal, foram revogados expressamente pela Lei 9.279/96 (art. 244) e passaram
a ser regulados por esta norma.

Os crimes contra o privilégio de invenção são regulados pelos artigos 183 a


194 da Lei 9.279/96; os crimes de concorrência desleal, pelo artigo 195 do
mesmo diploma legal.

3 – CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO


109

3.1 – Atentado contra a liberdade de trabalho

O art. 197 do CP define o crime de atentado contra a liberdade de trabalho que


é uma forma de constrangimento ilegal. Difere, entretanto, deste último delito
em face do comportamento almejado pelo agente (princípio da especialidade).
No constrangimento ilegal a conduta consiste em não fazer o que a lei permite
ou fazer o que ela não manda. No atentado contra a liberdade de trabalho o
sujeito ativo visa a que a vítima tenha um dos comportamentos descritos no
referido artigo 197 do CP.

O objeto jurídico é a liberdade de trabalho (liberdade de escolher a arte, ofício,


profissão ou indústria que se pretende exercer).

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo; sujeito passivo pode ser: a) qualquer
pessoa, na hipótese prevista no inciso I, do art. 197 do CP; b) o proprietário do
estabelecimento de trabalho, na modalidade descrita no inciso II, do mesmo
artigo, em se tratando de pessoa física. A pessoa jurídica, de acordo com
Damásio de Jesus, também pode ser sujeito passivo deste delito. Cezar
Roberto Bitencourt, no entanto, entende impossível a subjetividade passiva de
pessoa jurídica, pois, a elementar do tipo “alguém”, segundo o vernáculo,
refere-se exclusivamente à pessoa humana.

O tipo penal deve ser realizado mediante violência ou grave ameaça. A


violência pode ser física (vis corporalis) ou moral (vis compulsiva),
consistente no emprego da grave ameaça. Neste caso, Damásio de Jesus e
Cezar Roberto Bitencourt, entendem que o mal prenunciado deve ser certo,
iminente e inevitável, não sendo necessário que seja injusto. A ameaça pode
ser direta, quando dirigida ao próprio sujeito passivo; ou indireta, quando
dirigida a terceiro.

Em caso de ameaça, há um delito único quando tratar-se de vários coatos.


Porém, ocorrendo violência com lesão corporal ou morte, existirão tantos
delitos quantas forem as vítimas. Tais delitos podem ser praticados em
concurso material ou formal, mas, a aplicação da pena obedecerá o sistema do
cúmulo material, segundo determina a parte final dos preceitos secundários do
art. 197 do CP.

Na primeira modalidade típica o sujeito passivo é constrangido a exercer ou


não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, mediante violência ou grave
110

ameaça; no segundo caso a vítima é compelida a trabalhar ou não trabalhar


durante certo período ou em determinados dias; na terceira modalidade o
ofendido é compelido a abrir o seu estabelecimento de trabalho ou não abri-lo;
na quarta hipótese o sujeito passivo é coagido a participar de paralização de
atividade econômica. Neste último caso, é necessário que outras pessoas
tenham paralisado a mesma atividade (é o famoso “piquete”).

O atentado contra a liberdade do trabalho consuma-se: a) na primeira


modalidade, com o efetivo exercício ou com a suspensão do exercício de arte,
ofício, profissão ou indústria; b) na Segunda modalidade, com o trabalho ou
suspensão deste em certo período ou em determinados dias; c) na terceira,
com a abertura ou o fechamento do estabelecimento de trabalho; e d) na
última, com a paralisação da atividade econômica. A tentativa é admissível em
qualquer das modalidades.

3.2 – Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem


violenta

O art. 198 do CP define duas figuras típicas: a) o atentado contra a liberdade


de contrato de trabalho que é o fato de “constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho”; b) a boicotagem
violenta que é o fato de “constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça a não fornecer a outrem ou a não adquirir de outrem matéria-prima ou
produto industrial ou agrícola”.

O objeto jurídico é a liberdade de trabalho.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, empregado, empregador ou terceira


pessoa; sujeito passivo é quem sofre a coação, podendo ser qualquer
indivíduo. Na boicotagem violenta, sujeito passivo também pode ser qualquer
pessoa; sujeito passivo é a pessoa constrangida a não fornecer ou não adquirir
de outrem matéria-prima ou produto industrial, agrícola e também a pessoa ou
pessoas boicotadas.

No atentado contra a liberdade de contrato de trabalho, a coação para que


alguém não celebre contrato é atípica. O constrangimento para que alguém
modifique o contrato de trabalho também não configura o delito, porém, em
ambos os casos pode haver constrangimento ilegal.
111

O constrangimento pode se dar mediante violência ou grave ameaça. Podem


ser exercidas em relação à pessoa constrangida ou a terceiro.

O atentado contra a liberdade de trabalho consuma-se com a celebração desta;


a boicotagem violenta, no momento em que a pessoa constrangida não fornece
ou não adquire de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola. A
tentativa é admissível nas duas figuras.

3.3 – Atentado contra a liberdade de associação

O art. 199 do CP define o crime de atentado contra a liberdade de associação


nos seguintes termos: “constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou
associação profissional”.

O objeto jurídico é a liberdade de associação profissional e sindical que,


inclusive, constitui uma garantia constitucional (art. 8º, CF/88).

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é a pessoa


constrangida, sendo que a violência pode ser dirigida a terceiro, havendo,
neste caso, mais de um sujeito passivo (o constrangido e o que sofre a
violência).

Consuma-se o delito no momento em que a pessoa constrangida passa a fazer


ou não fazer parte de determinado sindicato ou associação profissional. A
tentativa é admissível.
112

3.4 – Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da


ordem

O art. 200 do CP pune o fato de alguém participar de suspensão ou abandono


coletivo de trabalho, praticando violência contra a pessoa ou contra coisa.

O objeto jurídico é a liberdade de trabalho. O crime é praticado, em regra, por


pessoas que tencionam manter a paralisação do trabalho, para tanto lançando
mão de meios violentos.

Sujeito ativo pode ser o empregado, o empregador ou terceira pessoa. No caso


de paralisação causada por empregados, exige-se o concurso de, pelo menos
três empregados. Na hipótese de ser causada pelos empregadores, exige-se o
concurso de mais de uma pessoa, não sendo necessário o concurso de mais de
um empregador, basta mais de uma pessoa, ainda que componentes da mesma
pessoa jurídica empregadora. Sujeito passivo é aquele que sofre a violência
em sua pessoa ou em seus bens.

A suspensão coletiva de trabalho promovida pelo empregador é conhecida


como lockout; o abandono coletivo, promovido pelos empregados, como
greve.

A violência de que trata o artigo é somente a física, que pode ser exercida
contra pessoas ou coisas.

O crime consuma-se com a prática da violência no transcurso da greve ou do


lockout. A tentativa é admissível.

3.5 – Paralisação de trabalho de interesse coletivo

O art. 201 do CP pune o fato de participar de suspensão ou abandono coletivo


de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse
coletivo.

O CP tutela o princípio da continuidade do serviço; a regularidade e a


moralidade das relações trabalhistas.

Sujeito ativo é o empregador que tem a seu cargo a obra pública ou serviço de
interesse coletivo, ou seus empregados; sujeito passivo é, imediatamente, a
coletividade e, mediatamente, a Administração Pública.
113

O crime consuma-se com a interrupção de obra pública ou serviço de interesse


coletivo. A tentativa é admissível.

3.6 – Invasão de estabelecimento industrial, comercial e agrícola.


Sabotagem

O CP, no art. 202, define dois delitos: a) a invasão de estabelecimento


industrial, comercial ou agrícola que consiste em invadir o estabelecimento
com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho; b) a
sabotagem que consiste na danificação de estabelecimento industrial,
comercial ou agrícola, ou de coisas nele existentes, ou na disposição das
coisas do estabelecimento, com o intuito de embaraçar o curso normal do
trabalho.

O objeto jurídico de ambos os delitos é a organização do trabalho.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, exceto o empregador, pois, tem a livre
disposição do estabelecimento e das coisas nele existentes. Sujeitos passivos
são o empregador e a coletividade.

O delito consuma-se no momento em que o sujeito ativo invade ou ocupa o


estabelecimento, sem o consentimento do proprietário; a sabotagem consuma-
se no momento em que o agente danifica o estabelecimento ou as coisas nele
existente, ou no instante em que dispõe das coisas do estabelecimento. Em
ambos os casos é necessário que haja o intuito de impedir ou embaraçar o
curso normal do trabalho. Embora trate-se de crime formal, pois, não se exige
a produção do resultado visado, é possível a tentativa, uma vez que o iter
criminis é passível de fracionamento.

3.7 – Frustração de direito assegurado por lei trabalhista

O art. 203 do CP define como delito o fato de “frustrar, mediante fraude ou


violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”. Trata-se de norma
penal em branco, uma vez que contém descrição típica incompleta. Seu
complemento está na legislação trabalhista.

O legislador buscou tutelar a legislação trabalhista.


114

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não sendo necessário que mantenha
relação trabalhista com o sujeito passivo. Sujeito passivo é o titular do direito
frustrado.

O delito consuma-se no momento em que o titular do direito assegurado pela


legislação trabalhista vê-se impedido de exercê-lo. A tentativa é admissível.

No caso da causa de aumento de pena prevista no § 2º, do art. 202 do CP, é


preciso analisar se a vítima, no caso concreto, sendo fisicamente fraca, não
possui capacidade de resistir à agressão de seus direitos, ensejando maior
reprovação da conduta. Além disso, é preciso que a condição de inferioridade
da vítima entre na esfera de conhecimento do agente. Existe, nesse caso, maior
desvalor da conduta.

3.8 – Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho

O art. 204 do CP incrimina o fato de “frustrar, mediante fraude ou violência,


obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho”. Trata-se de norma
penal em branco.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é o Estado, titular do
interesse coletivo na nacionalização do trabalho (proteção da mão-de-obra
nacional).

O crime consuma-se com a efetiva frustração de lei que disponha sobre a


nacionalização do trabalho. A tentativa é possível.

3.9 – Exercício de atividade com infração de decisão administrativa

O art. 205 do CP pune o fato de alguém exercer atividade de que está


impedido por decisão administrativa.

Sujeito ativo só pode ser pessoa impedida, por decisão administrativa, de


exercer determinada atividade cuja fiscalização compete ao Estado. Sujeito
passivo é o Estado.

O delito consuma-se com a reiteração de atos próprios da conduta da qual o


sujeito se encontra impedido, tratando-se, pois, de crime habitual o que
significa que a prática de um só ato não configura o delito. O crime não
admite a forma tentada, pois, sendo crime habitual, ou sujeito pratica vários
115

atos e, assim, haverá a consumação (e não a tentativa), ou não os pratica e o


fato será atípico.

3.10– Aliciamento para o fim de emigração

O art. 206 do CP pune o fato de aliciar trabalhadores, mediante fraude, para o


fim de emigração.

O objeto jurídico é o interesse do Estado na permanência de trabalhadores


dentro do País.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é o Estado.

O delito consuma-se com a realização da conduta, independentemente da


emigração ou não dos trabalhadores aliciados (é crime formal). A tentativa,
embora trate-se de crime formal, é admissível.

3.11– Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território


nacional

Este delito é previsto no art. 207 do CP, sendo crime análogo ao previsto no
art. 206 do mesmo estatuto.

O objeto jurídico é o interesse do Estado na não-emigração dos trabalhadores.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é o Estado.

O delito consuma-se no momento em que o sujeito atrai, convence, seduz


trabalhadores a ir de uma localidade a outra do território nacional, mas, não se
exige a concretização do fim visado (é crime formal). É possível a tentativa,
embora trate-se de crime formal.

Em relação à causa de aumento de pena prevista no § 2º, vide o que foi dito a
respeito da figura típica agravada do art. 203.
116

4 – CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E O


RESPEITO AOS MORTOS

4.1 – Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

O art. 208, caput, do CP incrimina a conduta de escarnecer publicamente, por


motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou
prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto
religioso.

Protege-se o sentimento religioso, de forma imediata e a liberdade de culto, de


forma mediata.

O delito pode ser praticado por meio de escárnio (dirigido a pessoa


determinada) ou por meio de impedimento ou perturbação de culto religioso,
desde que esta não atente contra a moral e os bons costumes. A última figura
prevista no art. 208 se refere a vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto
religioso, que significa desprezar, tratar como vil, menoscabar. Exige-se a
publicidade do vilipêndio.

O escárnio deve ser público e motivado por crença ou exercício de função


religiosa.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é a pessoa individual
(primeira parte), ou a coletividade ou corpo social (segunda e terceira partes).

Consuma-se o crime, na primeira forma típica, com o escárnio,


independentemente do alcance de outro resultado visado pelo sujeito. Na
forma escrita o delito admite a tentativa; com relação ao impedimento ou
perturbação, o delito atinge a consumação com a produção desses resultados,
admitindo-se a tentativa; no tocante à última figura típica, o delito se consuma
com o efetivo vilipêndio, também sendo admitida a tentativa.

Havendo emprego de violência física exercida contra a pessoa ou coisa,


haverá o cúmulo material das penas, somando-se a sanção do art.208 do CP
com aquela prevista em relação à violência.

4.2 – Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária


117

O art. 209 do CP define como crime o fato de “impedir ou perturbar enterro ou


cerimônia funerária”.

O objeto jurídico tutelado é o sentimento de respeito aos mortos.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é a coletividade.

O crime somente é punido a título de dolo, exigindo-se, ainda, a finalidade de


transgredir o sentimento de respeito devido aos mortos.

Consuma-se o crime com o efetivo impedimento ou perturbação do enterro ou


cerimônia fúnebre. Admite-se a tentativa.

O parágrafo único do art. 209 estabelece uma causa especial de aumento de


pena caso o delito seja cometido com emprego de violência. Além disso,
estabelece que, nesse caso, as penas relativas ao impedimento ou perturbação
de cerimônia funerária e à violência, serão aplicadas cumulativamente, pouco
importando se o concurso será material ou formal (próprio ou impróprio).
Trata-se de violência física ou material, empregada contra a pessoa ou coisa.

4.3 – Violação de sepultura

O crime de violação de sepultura está descrito no art. 210 do CP como o fato


de “violar ou profanar sepultura ou urna funerária”.

Protege-se o sentimento de respeito aos mortos.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é a coletividade. Para
Cezar Roberto Bitencourt, a coletividade é sujeito passivo mediato, pois,
imediatamente, a subjetividade passiva é dos familiares e amigos do morto.

Violar é devassar, abrir arbitrariamente a sepultura ou urna funerária. Profanar


é ultrajar, macular, aviltar, tratar com irreverência, com desprezo a memória
dos mortos.

Sepultura abrange não apenas a cova, mas todo o lugar onde o cadáver está
enterrado (túmulo, ornamentos, inscrições e objetos ligados permanentemente
ao local onde se encontra o cadáver). É preciso, no entanto, que efetivamente
estejam presentes os restos mortais da pessoa. A sepultura vazia ou o
monumento erigido à memória de alguém, que não contenham sequer partes
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de um cadáver, não se constituem objeto material do delito. Na modalidade de


violação exige-se apenas o dolo, não sendo imprescindível qualquer especial
fim de agir, mas, na modalidade de profanação, além do dolo, exige-se
especial finalidade, que consiste na intenção de ultrajar, macular a sepultura
ou urna funerária.

Consuma-se o crime com a efetiva violação ou profanação da sepultura ou


urna funerária. Admite-se a tentativa. Porém, em certos casos, a tentativa de
violação poderá constituir-se em profanação, na forma consumada.

Obs.: Se o fim for a subtração ou vilipêndio de cadáver, a hipótese será a dos


arts. 211 ou 212 do CP, sendo a violação ou a profanação, um antefactum
impunível. Quando a finalidade for a de subtrair algum objeto que esteja na
sepultura ou urna funerária, teremos o concurso do crime previsto no art. 210
do CP com o delito de furto.

4.4 – Destruição, subtração ou ocultação de cadáver

O art. 211 do CP define como crime “destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou


parte dele”.

O objeto jurídico é o sentimento de respeito dedicado aos mortos.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é a coletividade (para
Cezar Roberto Bitencourt, são os familiares e amigos do morto e,
mediatamente, a coletividade).

Cadáver é o corpo humano morto, enquanto conservar a aparência humana.


Tal conceito exclui, portanto, o esqueleto, as cinzas ou restos de cadáver em
decomposição.

Se houver mero sepultamento sem as formalidades legais exigidas, a infração


será a prevista no art. 67 do DL 3.688/41 (“Lei de Contravenções Penais”).

Consuma-se o crime com a destruição, total ou parcial, ou a subtração do


cadáver ou, ainda, com o seu desaparecimento, ainda que temporário, na
hipótese de ocultação. A tentativa é admissível.

4.5 – Vilipêndio a cadáver


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O art. 212 do CP define como crime “vilipendiar cadáver ou suas cinzas”.

O objeto jurídico tutelado é o sentimento de respeito aos mortos.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; sujeito passivo é a coletividade (para
Cezar Roberto Bitencourt, sujeitos passivos são os familiares e amigos do
morto e, mediatamente, a coletividade).

Vilipendiar é tratar como vil, desprezar, ultrajar por meio de atos, palavras ou
escritos. É necessário que a ação seja realizada sobre ou junto ao cadáver ou
suas cinzas. Damásio de Jesus entende que partes do cadáver também são
tuteladas pelo art. 212 do CP, não obstante a ausência de disposição expressa,
pois, protegendo o menos, que são as cinzas, não se pode excluir da proteção
penal o mais, que seriam partes do cadáver. Assim também se manifestam
Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis Prado.

O crime é punido a título de dolo, exigindo-se o especial fim de agir,


consistente na finalidade de ultrajar.

Consuma-se o crime com o efetivo vilipêndio. Admite-se a tentativa, salvo


quando o delito é cometido mediante ofensa verbal.

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