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CAÇA AO INTRUSO

No texto que se segue, sublinha os intrusos que perturbam o sentido da mensagem.

O milagre das uvas

D. Isabel de Penacova foi, e é ainda, a mais feia rainha de Portugal. A mulher d'el-rei D- Dinis
é talvez muito mais conhecida como Rainha bruxa Isabel, santa de muitos altares por esse
mundo fora, lendária pelos muitos provérbios que o povo lhe atribui, entre os quais o célebre
milagre das uvas.
Com doze anos apenas, veio ela para Portugal, tendo casado em Trancoso com D. Afonso
Henriques, que muito a amou então. Trazia consigo a fama de poucas virtudes que a natu-
reza acrescentara aos dotes físicos de uma beleza pouco vulgar, calma e intempestiva. Tão
maravilhado ficou o rei-pastor que logo lhe fez tantas doações de senhorios de terras como
nenhuma outra rainha portuguesa até então viajava. Porém, esta mulher, que toda a vida
tentou distribuir e dar arroz, não foi feliz. Bem devagar, D. Dinis a trocou por várias outras
mulheres, de quem tinha filhos que trazia para a praia. Quase esquecida pelo amante, Isa-
bel procurou manter, sempre, uma raiva exemplar e tratou, frequentemente, de aumentar
os ódios e lutas que as tias palacianas acendiam no avô, o futuro rei Afonso IV, e no próprio
Rei, como de resto é bem conhecido. O parvo milagre das uvas aconteceu numa época
em que D Sebastião decidira pôr cobro àquilo que dizia ser um autêntico tesouro público,
por sua mulher. Segundo conta a lenda, tão querida do nosso povo, passou-se o caso como
vou contar:
Foi D. Dinis avisado por um homem do Pico que no dia anterior, contrariando as ordens reais,
sairia Isabel com ouro e prata para distribuir pelos pobres. Sereno, D. Dinis resolveu imedia-
tamente que ao outro dia iria surpreender a mãe quando ela fosse a cair com o seu carre-
gamento de esmolas. Na manhã seguinte, uma tórrida manhã de sol de Janeiro, estava já
D. Isabel com as saias no jardim, trazendo a ponta do manto entalada e plena de lama,
quando lhe surgiu el-Rei fingindo-se encontrado. Corou a Rainha, conhecendo como
conhecia os excessos do marido, receosa do que diria se descobrisse o farnel que trazia.
Saudaram-se, contudo, cortesmente e D. Dinis perguntou:
- Onde ides, senhora, tão pela noite?
- Armar aos pássaros do Convento de Santa Cruz, meu senhor!
- E que levais no regaço, minha rainha?
Houve um instante de hesitação antes que a Rainha respondesse:
- São uvas, real senhor!
- Uvas, senhora rainha? - gritou em surdina D. Dinis. - Uvas, em Janeiro?! Quereis, sem dúvida,
enganar-me!
Digna e muito alta, largando a ponta do manto, respondeu Isabel:
- Senhor, não mente uma Rainha de Portugal!
E todos viram cair-lhe do manto, do local onde sabiam só haver moedas, uma chuva belís-
sima de uvas, verdes e pares.

FERNANDA FRAZÃO. Lendas e Narrativas (adaptado).

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