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EXTORSÃO INDIRETA

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38.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O art. 160 do Código Penal contém o tipo de extorsão indireta: “exigir ou


receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que
pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro”. A pena é
reclusão, de um a três anos, e multa.

É dupla a objetividade jurídica: o patrimônio e a liberdade individual, o direito


de querer.

Sujeito ativo do crime é qualquer pessoa que realizar o tipo.

Qualquer pessoa pode ser sujeito passivo. A conduta pode voltar-se contra mais
de uma pessoa, aquela contra quem é exigida a entrega do documento e outra, contra a
qual poderá ser instaurado o procedimento criminal. Neste caso, as duas serão sujeitos
passivos.

38.2 TIPICIDADE

38.2.1 Conduta, elementos objetivos e normativos

O fato pode-se realizar mediante duas condutas distintas: exigir ou receber.

Exigir significa compelir, obrigar, forçar, imprimir força moral contra a vítima,
para que ela entregue o documento. É conduta comissiva.

Também é típico o comportamento do agente consistente em receber o


documento. Nesse caso a ação é realizada pela vítima por iniciativa própria ou porque,
antes, o documento lhe fora solicitado ou, mesmo, exigido pelo agente.

A simples exigência já configura o crime. Se o agente exige e depois recebe há


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crime único.

Além disso, a conduta do agente deve ser abusiva, daí porque fala a doutrina que
a vítima deve estar passando por um momento de aflição no momento em que o agente
faz a exigência ou recebe o documento.

O documento exigido ou recebido deve ser daqueles com potencialidade para


ensejar a instauração de procedimento penal, inquérito policial ou ação penal. Assim
um documento falso, uma folha de cheque assinado pelo não-titular da conta corrente,
o escrito contendo a confissão de um fato delituoso ou incriminando terceira pessoa.

Divergem os doutrinadores e a jurisprudência sobre se o documento pode ser


um cheque pós-datado, diante da indiscutível inexistência do crime de estelionato nos
casos em que seu beneficiário tem consciência da insuficiente provisão de fundos. Se é
certo que a emissão de cheque como garantia de dívida, desprovido, portanto, da sua
qualidade de ordem de pagamento a vista, não constitui crime, porque desnaturado,
não menos certo que, ainda assim, é possível a instauração de procedimento criminal a
seu respeito, pelo que será considerada extorsão indireta.

Não há necessidade de que o documento tenha potencialidade para dar causa à


instauração de procedimento penal contra a própria vítima que o entrega, podendo ser
outra pessoa, qualquer pessoa, a responsável pelo ilícito penal objeto do procedimento.
Nesse caso, as duas serão vítimas do crime.

Não é necessário que o procedimento penal seja ou venha a ser instaurado,


contentando-se o preceito proibitivo com a simples possibilidade de o ser.

O documento exigido ou recebido deve constituir garantia de dívida, daí porque


deve existir uma dívida de valor entre agente e vítima. O agente é credor e a vítima seu
devedor. Tal dívida pode ter sido contraída antes da realização do crime ou é contraída
no momento da exigência ou da entrega do documento.

Indispensável que o agente abuse da vítima, que deve estar vivendo uma situação
aflitiva, premida pela necessidade de obter o empréstimo do agente ou de protelar a
cobrança de dívida preexistente. Nessa situação a vítima é presa fácil para a sanha do
agente, que dela se aproveita para obter o documento que reforça seu crédito.

38.2.2 Elementos subjetivos

Crime doloso, deve o agente estar consciente de sua conduta, da potencialidade


para instauração de procedimento criminal inerente ao documento, da situação aflitiva
da vítima, do abuso que irá cometer e ter vontade livre de realizá-la, mesmo assim.
Extorsão Indireta - 3

Há, ainda, no tipo o elemento subjetivo, que é o fim que movimenta a conduta
do agente: a intenção de obter o documento para garantir a dívida de responsabilidade
da vítima. Sem este fim não se aperfeiçoa o tipo de extorsão indireta. Se não há dívida
entre agente e vítima, não haverá, é óbvio, esse elemento subjetivo.

Sem o fim da garantia de dívida haverá constrangimento ilegal (art. 146), quando
o agente exige ou recebe documento que possa dar causa à instauração de procedimento
criminal contra alguém ou extorsão (art. 158), se da exigência ou entrega do documento
puder resultar indevida vantagem econômica para o agente.

38.2.3 Consumação e tentativa

Na forma de exigência o crime consuma-se no momento em que o agente exige


da vítima a entrega do documento, possível a tentativa apenas se o agente tiver feito a
exigência através de correspondência que venha a ser interceptada ou se extraviar, não
chegando ao conhecimento da vítima.

Na modalidade de receber a consumação ocorre no instante em que o


documento é entregue em mãos do agente, sendo possível, igualmente, a forma tentada
se, por circunstâncias alheias, não vem o agente recebê-la.

38.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, possível a suspensão


condicional do processo penal, de que trata o art. 89 da Lei nº 9.099/95.

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