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CORRUPÇÃO PASSIVA

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93.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O tipo está no art. 317 do Código Penal:

“solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que


fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou
aceitar promessa de tal vantagem”.

A pena é reclusão, de dois a doze anos, e multa, conforme redação dada pela Lei nº
10.763, de 12 de novembro de 2003.

O bem jurídico protegido é a Administração Pública, a moralidade e a probidade do


funcionário público. Sujeito ativo é o funcionário público, podendo o particular ser co-
autor ou partícipe. Sujeito passivo é o Estado.

93.2 TIPICIDADE

O caput do art. 317 descreve o tipo básico. No § 1º estão descritas circunstâncias que
qualificam o crime. No § 2º está descrita a forma privilegiada da corrupção passiva.

93.2.1 Conduta, elementos objetivos e normativos

A corrupção passiva realiza-se, alternativamente, por três condutas distintas:


solicitar ou receber vantagem indevida ou, ainda, aceitar a promessa de vantagem.

Solicitar, é pedir, pleitear, postular. Receber, é obter, ter a vantagem. Aceitar a


2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

promessa é anuir, concordar, consentir.

A solicitação e o recebimento podem ser feitos diretamente pelo funcionário ou


através de outra pessoa, funcionário ou não, que participa do crime. Já a aceitação da
promessa deve ser realizada diretamente pelo funcionário.

Trata-se de vantagem indevida de natureza econômica, patrimonial ou moral.


Indevida é a vantagem não autorizada em lei. Aquela que o funcionário não tem o direito
de solicitar ou receber. Se a vantagem é devida, o fato é atípico.

A vantagem solicitada ou recebida pode ser para o próprio agente ou para outra
pessoa. A promessa de vantagem aceita também.

De qualquer modo, a solicitação, o recebimento ou a aceitação da promessa deve


estar relacionado à função pública exercida pelo agente, mas não é necessário que, ao
realizar a conduta, esteja ele em seu exercício, podendo, inclusive, agir antes de assumi-la.
Em outras palavras, o agente busca a vantagem, recebe-a ou aceita sua promessa
prevalecendo-se da função pública que exerce, exerceu ou exercerá.

A pessoa que oferece ou promete a vantagem ao funcionário público comete o crime


de corrupção ativa, definido no art. 333. É o chamado corruptor.

É óbvio que para se realizar o tipo de corrupção passiva a vantagem é solicitada,


recebida ou a sua promessa é aceita com a finalidade de que o funcionário pratique,
retarde ou deixe de praticar um ato de seu ofício.

Assim, não há crime quando o funcionário recebe, de qualquer pessoa, algum


presente ofertado desinteressadamente, sem qualquer relação com a prática de qualquer
ato funcional ou como gratidão por ato legítimo e lícito praticado anteriormente.

Quando a vantagem é solicitada, recebida ou prometida relativamente a ato ilícito,


ilegal ou irregular do funcionário, a corrupção passiva é denominada própria. É imprópria
a corrupção passiva quando se tratar de ato funcional lícito.

A solicitação, recebimento ou promessa de vantagem pode ocorrer antes ou depois


da prática do ato funcional.

93.2.2 Elementos subjetivos

É crime doloso. O agente deve ter consciência de que a vantagem que solicita,
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recebe, ou cuja promessa aceita, é indevida, e atuar com vontade livre de realizar o tipo,
solicitando, recebendo ou aceitando a promessa de vantagem. Além do dolo é necessário o
elemento subjetivo contido na expressão para si ou para outrem, relativo à vantagem
indevida.

93.2.3 Consumação e tentativa

A solicitação da vantagem consuma-se no instante em que o pedido chega ao


conhecimento da pessoa à quem é feita, possível a tentativa quando por meio escrito.

Na modalidade de recebimento, a consumação acontece no momento em que o


funcionário tem, a seu dispor, a vantagem. Não há possibilidade de tentativa, pois ou o
agente recebe ou não recebe. Se não recebe, não há crime, ainda quando a vantagem tenha
sido enviada e extraviada.

A aceitação de promessa consuma-se com a manifestação da vontade do agente de


anuir ou concordar com a promessa feita, não sendo admitida a tentativa.

Em qualquer das modalidades típicas, não é necessário que o agente pratique, deixe
de praticar ou retarde a prática de qualquer ato funcional. Basta, portanto, a conduta, a
solicitação, o recebimento ou a aceitação da promessa. É, portanto, um crime formal, de
resultado cortado ou de consumação antecipada, não exigindo o tipo a produção de
qualquer resultado naturalístico.

93.2.4 Corrupção passiva qualificada

No § 1º, a norma determina o aumento de um terço da pena “se, em conseqüência


da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de
ofício ou o pratica infringindo dever funcional”.

Incide a norma apenas quando, consumado o tipo básico, com a solicitação,


recebimento ou aceitação da promessa, o funcionário realizar uma das seguintes condutas:
retardar ou deixar de praticar um ato de ofício ou praticá-lo com infração de dever
funcional.

Retardar é somente praticar o ato a que estava obrigado após o transcurso de um


tempo juridicamente relevante. Deixar de praticá-lo é abster-se de efetivá-lo, no prazo legal
ou regulamentar. Cuida-se de uma omissão por tempo juridicamente relevante. Nesses
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casos, o ato funcional é legítimo, regular, lícito, mas o agente não o pratica no momento em
que a ele estava obrigado. Trata-se, pois, de corrupção passiva imprópria.

A última hipótese é a do agente, em razão da vantagem ou da promessa, praticar


um ato com infração de um dever funcional. É, portanto, ato ilícito. Essa ilicitude deve ser
verificada e demonstrada à luz das normas legais e regulamentares que presidem a
atividade do funcionário.

93.2.5 Corrupção passiva privilegiada

O § 2º do art. 317 pune com detenção, de três meses a um ano, ou multa, o


funcionário público que “pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração
de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem”.

É a chamada corrupção passiva privilegiada. Não há solicitação, recebimento ou


aceitação de promessa de vantagem, mas simplesmente a prática, o retardamento ou a
omissão de ato de ofício com infração de dever funcional, por influência de outra pessoa,
ou a pedido desta. Trata-se, assim, de um ato ilegítimo do funcionário, realizado, omitido
ou retardado, em atenção a uma solicitação ou decorrente do induzimento ou instigação de
terceira pessoa.

93.2.6 Aumento de pena

Se o agente ocupa um cargo em comissão ou exerce função de direção ou


assessoramento de órgão da administração direta, de sociedade de economia mista,
empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, a pena será aumentada de um
terço (art. 327, § 2º). Não há esse aumento de pena quando o agente é dirigente ou exerce
função de assessoramento em empresa privada conveniada ou contratada para executar
atividade típica da administração pública.

93.2.7 Corrupção passiva e corrupção ativa

Se o funcionário solicita vantagem indevida comete o crime de corrupção passiva, não


cometendo corrupção ativa a pessoa a quem foi solicitada a vantagem.

Se o funcionário público aceita a promessa de vantagem ou a recebe, é porque o


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particular a prometeu ou ofereceu, cometendo este o delito do art. 333.

Se o funcionário exige e recebe vantagem indevida comete o crime de concussão, e o


particular que cedeu à exigência, entregando-a, não comete crime algum, porque vítima do
crime.

93.2.8 Conflito aparente de normas

Se o agente solicita ou recebe a vantagem ou aceita sua promessa, para deixar de


lançar ou cobrar tributo ou contribuição social ou para cobrá-lo parcialmente, o fato se
ajustará ao tipo do art. 3º, II, da Lei nº 8.137, punido com reclusão de três a oito anos e
multa.

93.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Tratando-se de corrupção passiva


privilegiada, a competência é do juizado especial criminal, possível a suspensão
condicional do processo penal nessa modalidade típica e também na forma típica simples.

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