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Evitando o pior: cooperação econômica internacional e política doméstica

por Jeffry A. Frieden, professor do Departamento de Governo da Universidade


de Harvard

Se a crise se transformar em uma grande depressão muito provavelmente o


será devido à falta de cooperação entre as grandes economias. Mas manter a
cooperação internacional dependerá de apoio interno; ignorar as demandas
dos pobres e da classe média decorrentes da crise estimulará extremos
antiglobalização, tornando a cooperação internacional mais difícil.
Se a crise atual se transformar na catástrofe que foi a Grande Depressão será
muito provavelmente por uma ruptura na cooperação entre as grandes nações.
A história da moderna economia mundial deixa claro que as principais
potencias devem trabalhar juntas para que possamos manter uma ordem
econômica integrada.
Em ambas as dimensões, internacional e nacional, estamos com problemas.

A cooperação internacional necessita de apoio interno para a abertura


Governos só são capazes de fazer os sacrifícios necessários para sustentar a
cooperação internacional se puderem contar com apoio doméstico para uma
economia mundial aberta. Se o público nacional não estiver convencido da
importância da cooperação internacional não buscará políticas – às vezes
custosas e difíceis – para manter a integração.
Isso poderá conduzir novamente – como na década de 30 – a um processo no
qual a economia global falhará, minada pela falta de apoio à abertura
econômica, o que levará os governos a perseguir políticas pouco cooperativas,
enfraquecendo ainda mais a cooperação internacional. Apesar do grande
barulho feito pela retórica os governos respondem à crise dando pouca
importância ao impacto nas outras nações, o que pode gerar reações hostis,
que podem levar as partes envolvidas ao conflito.

Porquê governos razoáveis fazem coisas não razoáveis.


Na dimensão internacional a ameaça não é o protecionismo explícito, mas
políticas nacionais específicas que imponham custos sobre as outras
economias, direta ou indiretamente. Essa política agressiva com outros países
não é uma inexplicável crueldade de governos venais ou um proposital
antagonismo com seus rivais. São, ao contrário, desesperadas tentativas de
socorrer as economias locais em um porto seguro. Mas impõem externalidades
negativas em outros países e ao fazê-lo podem arrastar as partes envolvidas
para um conflito de conseqüências amargas.

Não escapar do nacionalismo arrogante, mas do desespero doméstico.


Eleitores domésticos exigem ação e os governos têm que responder, mesmo
em detrimento da cooperação internacional. A intervenção financeira para
restabelecer a liquidez ou a solvência bancária pode vir às custas dos parceiros
financeiros, fundos de captação dos países próximos.
No início de outubro o governo irlandês deu garantia aos depósitos bancários.
Compreensível, tendo em vista evitar o pânico em uma pequena e vulnerável
economia, mas induzindo uma corrida onde depositantes ingleses transferiram
depósitos dos bancos ingleses para os irlandeses.
A atual operação de salvamento financeiro americana que está atraindo
capitais de todo o mundo, inclusive dos países emergentes que dele precisam
urgentemente, não tem a haver com nacionalismo arrogante, mas com
desespero doméstico. E as disposições do buy-American, no atual pacote de
estímulos, demonstram como é fácil com políticas bem intencionadas seguir na
direção da predação não cooperativa.
A gama de políticas desse tipo, sinceras iniciativas locais com efeitos
internacionais negativos, é praticamente infinita.

Abundantes externalidades negativas


O apoio para empresas locais em dificuldades pode se transformar em
subsídios anticoncorrenciais para as maiores empresas.
A depreciação da moeda, uma recomendação para tempos difíceis, pode
colocar pressão competitiva sobre parceiros comerciais, levando à rodadas de
desvalorização mútua.
Mesmo com a melhor das intenções, brechas podem se abrir na unidade dos
países de um bloco, nas suas respostas cooperativas, fazendo, por fim, tudo
piorar. Hoje, apesar das respostas floreadas, há poucos indícios de que os
políticos estão dispostos ou serão capazes de ter em conta as implicações
internacionais de suas ações.
Se o padrão continuar será de pronto um grande obstáculo para a recuperação.

Ninguém irá dialogar com o resto do mundo?


Os governos locais raramente consideram conseqüências globais, já que seus
cidadãos são domésticos e os públicos locais são muito céticos em relação à
economia mundial contemporânea.
Mesmo antes da crise houve uma grande erosão no apoio popular em relação
à globalização. A integração econômica tem sido associada a perdas de
emprego, pressões competitivas e ao agravamento da distribuição de renda
tanto nos países desenvolvidos, como nos em desenvolvimento. É quase
universal que os registros mais detalhados da distribuição de renda colocam
em dúvida os benefícios da integração econômica internacional e essas
dúvidas são particularmente persistentes nas sociedades mais desiguais.
A crise acabou por agravar a suspeita de que a economia mundial parece ser a
fonte de parte de nossos problemas. Há um crescente sentimento de que a
expansão dos últimos dez anos ajudou principalmente os ricos, enquanto,
agora, pobres e a classe média estão obrigados a lidar com os resultados da
farra. A isso se soma o sentimento de que os governos parecem privilegiar as
preocupações dos bancos internacionais e das corporações. Essa visão
popular irá contribuir para reforçar o isolamento nacional nas tentativas para
lidar com a crise.
O público local vai se tornando arredio aos sacrifícios da nação para honrar
seus compromissos econômicos internacionais. Os poderosos interesses que
defendem a globalização – financeiras internacionais e setores corporativos –
têm sido neutralizados pelas debilidades da economia internacional. O
sentimento popular mais forte tem sido o de que o combate à crise é mais forte
que os compromissos internacionais.
Prestar atenção: o impacto da crise sobre a distribuição de renda.
O impacto da crise sobre a distribuição de renda não pode ser ignorado, pois
irá determinar grande parte da política de governo em resposta à crise. Ignorar
as demandas dos mais pobres e da classe média só irá inflamar ainda mais a
atitude antiglobalização, tornando a cooperação internacional mais difícil.
A duas dimensões, internacional e local estão intimamente ligadas. Quanto
menos apoio interno houver, mais difícil será buscar cooperação e parcerias.
Como na década de trinta, políticas que deixam o vizinho mais pobre, conflitos
distributivos e estagnação econômica podem se alimentar numa dança
descendente.

Dentro do redemoinho
Os governos devem agir conscientemente para fugir dessa possibilidade
horrenda.
Localmente os governos precisam trabalhar por uma repartição eqüitativa e
politicamente sustentável dos encargos por toda a população.
Isso significa que os setores mais atingidos não sejam chamados a suportar
todo o sacrifício maior. Sociedade que tenham rede de segurança social
deverão estendê-la e certificar-se de que cheguem a setores mais amplos que
os planejados originalmente. Países com fracos ou inexistentes programas
sociais, que possam atender as vítimas da crise, deverão criá-los e
rapidamente. Da mesma forma devem ser princípios básicos da equidade – e
da realidade política mais básica – que aqueles que se beneficiaram na bolha
devam ceder sua parte. Governos que ignorarem as questões sócias e
distributivas poderão produzir políticas contraproducentes ou serem
suprimidos. Até mesmo sustentar programas sociais já existentes é difícil
nesses tempos. Isso é verdadeiro para todos os governos que enfrentam forte
pressão fiscal com queda das receitas e aumento das depêsas. As dificuldades
são especialmente difíceis para os países em desenvolvimento, agora sem
acesso às fontes externas de financiamento. Mas os governos que não
prestarem auxílio aos mais atingidos vêem-se na condição de enfrentar
problemas sociais, o que só irá piorar o desastre.
Em termos internacionais os governos devem trabalhar para coordenar ações e
mão apenas idéias. E isso não vai acontecer pela própria vontade desses
governos.
Até agora a solidariedade da OCDE com os bancos centrais tem sido
impressionante. Basea-se,no entanto, numa longa tradição de solidariedade
entre bancos centrais e, após décadas de cooperação internacional, só pode
nos levar a uma parte muito pequena do caminho. Não existe nada semelhante
em outras esferas.

O jogo livre das políticas de governo não irá trazer espontaneamente a


cooperação internacional
A colaboração entre governos deve ser orientada, concebida e controlada. Isso
certamente requer algum arranjo institucional, alguns acordos. Um conjunto de
regras e formas de os exercer. Os governos dos grandes centros econômicos
necessitam realizar consultas regulares sobre a dimensão internacional da
crise e sua superação. Eles precisam uns dos outros e de algum mecanismo
razoavelmente independente para identificar as políticas com risco de gerar
conflitos ao contrário de assistência mútua. Outros objetivos de política externa
podem e devem estar ligados a suportar os esforços na frente econômica.

Conclusão
Se os governos não voltarem sua atenção para o impacto distributivo dessa
emergência e para as implicações internacionais das políticas locais a atual
calamidade irá alimentar a si própria.
A Grande Depressão de 1930 foi um fracasso da política nacional e da
cooperação internacional perante ao que foi uma falha de mercado. O sucesso
no enfrentamento da crise atual depende de políticas nacionais socialmente
sensíveis, viáveis e globalmente com capacidade de resposta, também viável,
à cooperação internacional.

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