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Redação

Interdisciplinaridade: repertório e argumentação

Atividade 4

FRONTEIRAS

Augusto, Bucci e Henrique

Resumo da atividade

Gilberto Gil, na canção “Parabolicamará”, discutia se o mundo era pequeno, se o mundo era grande,
se as tecnologias da informação diminuíram ou não as distâncias entre as pessoas.
De fato, com a globalização, que se consolidou no final do século passado, houve a impressão de
que nos tornaríamos a “aldeia global” de que falava o sociólogo canadense Marshall McLuhan. Seria um
mundo unido pelos meios comunicação, em que as informações circulariam em alta velocidade, do sul da
América do Sul ao norte do Ártico, abolindo fronteiras entre países, entre culturas, entre visões de mundo.
Mas a realidade insiste em ser mais complexa do que prevíamos. Se, de um lado, não existem obstá-
culos para o capital financeiro, de outro, há cada vez mais “muros” que se erguem entre grupos sociais
distintos. É isso o que discutiremos nesta atividade.

Parte 1

DESENVOLVIMENTO DE REPERTÓRIO
1. (GV-Direito / Adaptada) O grande paradoxo da União Europeia, erguida sobre o conceito da
soberania compartilhada, é que ela reduz os riscos para regiões que buscam tornar-se inde-
pendentes. […] “Todo o desenvolvimento da integração europeia reduziu os riscos da secessão,
porque as entidades que emergem sabem que não precisarão ser plenamente autônomas e in-
dependentes”, observou Mark Leonard, diretor do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
“Elas sabem que terão acesso a um mercado de 500 milhões de pessoas e a algumas das prote-
ções da UE.”
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/
1168096-crise-reanima-separatismo-na-europa.shtml

Considerando o texto e seus conhecimentos sobre o assunto, é correto afirmar que a Europa está livre
do separatismo? Justifique sua resposta com exemplos.

FRONTEIRAS 1
Não. Na Espanha, por exemplo, o ETA (Euskadi Ta Askatasuna — PÁTRIA BASCA E
LIBERDADE), reivindica – ainda que, atualmente, de modo pacífico – a independência do
País Basco, localizado na região norte da Espanha. Também existem movimentos separa-
tistas na Catalunha. Na Bélgica, as diferenças culturais entre flamengos e valões geraram
violentos conflitos desde meados do século XX. Nos últimos anos, ampliou-se a crise polí-
tica no país, devido ao fortalecimento do nacionalismo flamengo, buscando legalmente a
divisão da Bélgica. Ainda seria possível citar o Reino Unido, composto por Inglaterra, País
de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. Em 2014, houve um plebiscito sobre a independência
da Escócia, quando a maioria da população foi contrária à medida. Vale destacar que o
antigo movimento separatista localizado na Irlanda do Norte, o IRA (Exército Republicano
Irlandês), anunciou o abandono da luta armada em 2005.

2. (Unicamp / Adaptada) No dia 30 de outubro de 1995 realizou-se na cidade de Québec um plebiscito


para decidir sobre a soberania da província. Por pequena maioria (50,6% dos votos) venceu o “não”,
isto é, a posição dos federalistas: Québec continua sendo uma província. Quais os motivos que levaram
à realização do plebiscito para decidir sobre a soberania da província?

A maioria da população da província de Québec apresenta tradições culturais fran-


cesas e alega sofrer certa discriminação política e econômica da maioria da população
canadense, cujas origens são britânicas.

O texto e os mapas a seguir servem de base para as próximas duas questões:


Em lugar algum os impérios coloniais europeus entraram tão rapidamente em colapso co-
mo na África. Em 1955 eram apenas cinco os Estados africanos independentes; em 1969 já
somavam 41. Somente em 1960 dezessete novos Estados africanos foram admitidos na ONU.
Fonte: História do Século XX – Abril Cultural, p. 2599

2 FRONTEIRAS
3. Com base no texto, cite o principal motivo desencadeador da descolonização africana nas décadas de
1950 e 1960.

Após a 2ª Guerra Mundial, os países europeus atravessavam crises econômicas causa-


das pelos altos gastos durante o conflito, que se somavam no mesmo período ao fortale-
cimento dos movimentos pró-independência das colônias.

4. A partir do texto e dos mapas, explique a relação entre os atuais conflitos étnicos e políticos presentes
em alguns países africanos e o processo de formação dos seus Estados Nacionais.

Os atuais conflitos étnicos e políticos da África são decorrentes da fragilidade do Es-


tado em países que, geralmente, apresentam grande complexidade étnica. A maioria das
fronteiras desse continente mantém a divisão estabelecida pelo colonizador, que agluti-
nou diversas nações no mesmo território. Portanto, muitos países africanos têm conflitos
envolvendo o choque de interesses de grupos étnicos que habitam o mesmo Estado, cujas
fronteiras, artificiais, foram criadas pelos colonizadores e mantidas após a independência.

5. (Fuvest / Adaptada)

O mapa acima representa a distribuição, pelo mundo, das principais barreiras entre países. Identifique
a barreira 2 e analise criticamente os problemas fronteiriços correspondentes, considerando os países
envolvidos.

A barreira geopolítica 2 corresponde à divisão entre Estados Unidos e México. Esse


muro procura dificultar a entrada de imigrantes ilegais mexicanos, que ao tentarem imi-
grar para os EUA buscam melhores condições de vida e trabalho.

FRONTEIRAS 3
6. (FGV / Adaptada) Um companheiro morto, 6 horas enclausurado dentro de um caminhão sob
o sol do deserto e mais 8 dias preso em cadeias americanas sem falar inglês. Esse é o saldo da
desastrada jornada de um grupo de 29 imigrantes brasileiros rumo ao sonho americano, com
escala na fronteira mexicana.
(Folha de S.Paulo, 16.07.2004)

O depoimento do brasileiro deportado para o Brasil e seus conhecimentos sobre as migrações interna-
cionais permitem afirmar que
a) a maior parte dos países da União Europeia e mesmo o Japão têm dado mostras de que a imigração
é fundamental para a renovação da mão de obra, pois já se deram conta de que suas populações
tendem ao envelhecimento, fatos que não ocorrem nos Estados Unidos.
b) apesar do número crescente de imigrantes oriundos dos países pobres nas décadas finais do século
XX, há forte tendência de que, à medida que o processo de globalização for se aprofundando, os
atuais países de emigração não forneçam mais mão de obra.
c) nos países ricos, há grandes debates em relação aos casos de intolerância contra minorias, discrimi-
nação racial e/ou religiosa, são cada vez mais frequentes as discussões sobre a imigração, que deve
ser mais estimulada em futuro próximo.
d) as oportunidades de trabalho buscadas pelos imigrantes dos países pobres tendem a se reduzir à
medida que o surgimento de novos polos econômicos no Sul passem a representar um atrativo ca-
paz de mudar os atuais fluxos migratórios, surgidos no pós-Guerra.
➔ e) embora um grande grupo de países se manifeste no sentido de que a migração seja tratada como
um assunto de destaque no âmbito das Nações Unidas, as nações ricas têm controles cada vez mais
rígidos em relação à imigração, incluindo a xenofobia.

7. O cartaz a seguir é de uma propaganda política capitaneada pelo Partido do Povo Suíço, que se vincula
aos valores da extrema-direita europeia.

4 FRONTEIRAS
Explique a relação entre o slogan “Por mais segurança” e a imagem do cartaz, considerando a ideologia
do partido.

O cartaz tem um forte caráter xenófobo, destacando ovelhas brancas que expulsam
uma ovelha negra da bandeira do país. Assim, o Partido do Povo Suíço aproxima-se dos
ideais da extrema-direita europeia, que acusam os imigrantes, sem fundamentos plausí-
veis, de serem responsáveis pela falta de postos de trabalho e de aumentarem a violência
urbana. Com isso, há um recrudescimento dos sentimentos de intolerância.

Parte 2

PRODUÇÃO TEXTUAL
(Fuvest)

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Baarle-Nassau_fronti%C3%A8re_caf%C3%A9.jpg, 30/06/2008.

fronteira
substantivo feminino
1
parte extrema de uma área, região etc., a parte limítrofe de um espaço em relação a outro.
Ex.: Havia patrulhas em toda a f.
2
o marco, a raia, a linha divisória entre duas áreas, regiões, estados, países etc.
Ex.: O rio servia de f. entre as duas fazendas.
3
Derivação: por extensão de sentido. o fim, o termo, o limite, especialmente do espaço.
Ex.: Para a ciência, o céu não tem f.
4
Derivação: sentido figurado. o limite, o fim de algo de cunho abstrato.
Ex.: Havia chegado à f. da decência.
Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Adaptado.

FRONTEIRAS 5
As fronteiras geográficas são passíveis de contínua mobilidade, dependendo dos movimentos sociais e
políticos de um ou mais grupos de pessoas.
Além do significado geográfico, físico, o termo “fronteira” é utilizado também em sentido figurado,
especialmente, quando se refere a diferentes campos do conhecimento. Assim, existem fronteiras psicoló-
gicas, fronteiras do pensamento, da ciência, da linguagem etc.
Com base nas ideias sugeridas acima, escolha uma ou até duas delas, como tema, e redija uma disser-
tação em prosa, utilizando informações e argumentos que deem consistência a seu ponto de vista.
Procure seguir estas instruções:
✓ Lembre-se de que a situação de produção de seu texto requer o uso da modalidade escrita culta da
língua portuguesa.
✓ Dê um título para sua redação, que deverá ter entre 20 e 30 linhas.

6 FRONTEIRAS
Redação
Interdisciplinaridade: repertório e argumentação

Atividade 5

PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER

Bucci, Henrique e Marcílio

Resumo da atividade

O PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, assumiu a tarefa de trabalhar para que
se atinjam os “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM). Trata-se de um conjunto de oito metas,
firmadas por 189 nações no ano 2000, com vistas a combater grandes males presentes nas diversas socie-
dades. Tudo correndo bem, até o ano de 2015 tais objetivos estariam todos cumpridos.
Tendo em mente esse conjunto de objetivos, esta atividade de repertório e argumentação destaca o
terceiro deles:

Igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres

No caso do Brasil, uma série de dados revela que ainda não atingimos essa desejável igualdade, o que
acaba por limitar a autonomia das brasileiras. Estes são alguns exemplos:
✓M
 ulheres têm um rendimento médio mensal 27,1% menor do que o dos homens – de acordo
com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), publicada pelo IBGE em
2014;
✓A
 proximadamente uma em cada cinco brasileiras reconhece já ter sido vítima de violência do-
méstica ou familiar provocada por um homem – segundo pesquisa publicada em 2013 pelo
DataSenado;
✓A
 proximadamente 13% das vagas na Câmara dos Deputados e no Senado são ocupadas por mulhe-
res, embora elas sejam por volta de 52% do eleitorado.
Esse cenário resulta obviamente de uma longa história, na qual a participação da mulher na sociedade
foi bastante tolhida e limitada.
Para refletir sobre essa realidade, convidamos você a analisar em seguida uma série de fragmentos
de textos literários. Antes, é fundamental esclarecer: a meta não é fazer um julgamento moral sobre os
autores, o que não seria sequer justo levando em conta que lidaremos com pequenos excertos de textos
ficcionais. Buscaremos sim identificar valores subjacentes à construção de certas personagens femininas e,
com isso, levantar elementos que ajudem a entender alguns “ideais de mulher” que circulam em nosso
universo cultural.
Feito isso, é natural nos depararmos com a seguinte pergunta: a representação da mulher na literatura
reflete a desigualdade entre os gêneros, que ainda persiste? Nesse tema, a arte imita a vida?

PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER 7


Parte 1

DESENVOLVIMENTO DE REPERTÓRIO
1. Leia a seguir a descrição da personagem Linda, do Romance Til, para responder ao que se pede:
Tinha a beleza de Linda um doce alumbre de melancolia, que não era tristeza, pois coavam-
se através dos inefáveis1 contentamentos de sua alma; era sim matiz, que lhe aveludava a graça,
e influía-lhe um mavioso2 enlevo. Irmã das flores que vivem nos recessos da floresta, onde se
coalham em sombra luminosa os raios filtrados pelo crivo das folhas, respira essa beleza o per-
fume casto3 da violeta e da baunilha.
ALENCAR, José de.
Til. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2012, p. 95.

1
Inefável: encantador, indescritível.
2
Mavioso: terno, afetuoso.
3
Casto: puro, inocente.
a) ao conferir caráter positivo à melancolia de Linda, o narrador remete a um discurso que enaltece a
passividade como característica feminina. Você concorda com essa afirmação? Justifique.

Sim. A melancolia de Linda, tida como “doce”, integra o conjunto de caracterís-


ticas que formam a sua beleza. Portanto, como se associam valores positivos a essa
expressão de tristeza e abatimento da personagem, pode-se afirmar que a passividade
feminina é enaltecida no trecho.

b) explique como se relaciona “o perfume casto da violeta e da baunilha” à caracterização da perso-


nagem.

Considerando que a personagem é tratada como “irmã das flores”, podemos con-
cluir que o valor da “castidade” não é atribuído exclusivamente à violeta e à baunilha,
mas também à Linda. Com isso, reforça-se a ideia de que pureza e ingenuidade são
qualidades desejáveis nas figuras femininas.

2. Leia o excerto abaixo do romance A Cidade e as Serras:


Mas defronte Madame de Oriol lançara um riso mais cantado que um gorjeio. O grão-du-
que, numa silva de orquídeas que orlava o seu talher, notara uma, sombriamente horrenda,
semelhante a um lacrau esverdinhado, de asas lustrosas, gordo e túmido de veneno: e muito
delicadamente ofertara a flor monstruosa a Madame de Oriol, que, com trinado riso, solene-

8 PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER


mente, a colocou no seio. Colado àquela carne macia, de uma brancura de nata fina, o lacrau
inchara, mais verde, com asas frementes.
Todos os olhos se acendiam, se cravavam no lindo peito, a que a flor disforme, de cor vene-
nosa, apimentava o sabor. Ela reluzia, triunfava. Para ajeitar melhor a orquídea os seus dedos
alargaram o decote, aclararam belezas, guiando aquelas curiosidades flamejantes que a des-
piam.
QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007, p. 113.

Nessa cena, a personagem Madame de Oriol se torna o centro das atenções. Tendo isso em mente,
a) indique o que lhe confere posição de destaque;

Madame de Oriol chama a atenção dos demais graças a seu “lindo peito”, realça-
do pela orquídea que nele pusera e pelo proposital e provocante gesto de aumentar
o decote.

b) comente quais valores são implicitamente associados à figura da mulher no episódio.

A qualidade que faz a mulher despertar o interesse dos demais sobre ela estão vin-
culadas a seu corpo. Desse modo, manifesta-se um discurso segundo o qual a mulher é
uma espécie de objeto do desejo masculino, tendo seu valor associado especificamente
ao prazer sexual.

3. No fragmento seguinte de A Cidade e as Serras, o narrador-personagem Zé Fernandes relata as circuns-


tâncias em que conhecera Madame Colombe, com quem viveria um relacionamento:
Com um riso trêmulo, agarrei os seus dedos compridos e frios:
– E o nomezinho, hein?
Ela séria, quase grave:
– Madame Colombe, 16, Rua do Helder, quarto andar, porta à esquerda.
[...] Ordenei uma lagosta, pato com pimentões, e Borgonha. E foi somente ao findarmos
o pato que me ergui, amarfanhando convulsamente o guardanapo, e a tremer lhe beijei a
boca, todo a tremer num beijo profundo e terrível, em que deixei a alma, entre saliva e gosto
de pimentão! [...]
Amei aquela criatura. Amei aquela criatura com amor, com todos os amores que estão no
amor, o amor divino, o amor humano, o amor bestial, como Santo Antônio amava a Virgem,
como Romeu amava Julieta, como um bode ama uma cabra”.
QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007, p. 125-6.

Releia o fragmento e, em seguida,


a) transcreva a passagem na qual está implícito que Madame Colombe se prostituía. Justifique.

A passagem é esta: “– Madame Colombe, 16, Rua do Helder, quarto andar, porta à
esquerda”. Nela, a personagem não responde apenas com o nome, mas com a indica-
ção de uma “porta” em que poderia receber o recém-conhecido.

PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER 9


b) com base nas formas verbais “Ordenei”, “me ergui”, “beijei” e “amei”, comente como a persona-
gem feminina é retratada nesse episódio.

As quatro formas verbais em questão – tomando “amar” no sentido de “manter


relação sexual” – indicam ações praticadas por Zé Fernandes. Madame Colombe, em
cada caso, mantém-se plenamente passiva, sujeita a ele. Assim, enquanto o homem
tem o poder para decidir e agir, a personagem feminina é retratada como submissa às
vontades masculinas.

4. No romance naturalista O Cortiço, o personagem Jerônimo, um português trabalhador e honesto, aca-


ba abandonando seus valores ao se envolver com a brasileira Rita Baiana. Tendo em mente essa breve
contextualização, leia o fragmento seguinte:
E [Jerônimo] viu a Rita Baiana que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e
braços nus, para dançar. A lua destoldara-se nesse momento envolvendo-a na sua coma de
prata, a cujo refulgir os meneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresis-
tível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito
de mulher.
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando
a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num
requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de
braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite,
em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um
gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem
nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguen-
do e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe
fervia toda, fibra por fibra, titilando.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1992, p. 72.

A afirmação de que Rita Baiana era “feita toda de pecado”, “com muito de serpente e muito de mu-
lher”, remete a outra importante narrativa do mundo ocidental. Considerando isso,
a) diga de que narrativa se trata. Justifique.

Trata-se do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, no qual a serpente influencia Eva a


provar do fruto proibido e ainda a oferecê-lo a Adão. Sendo assim, ocorre também
no texto bíblico uma associação entre serpente, mulher e pecado, tal como vemos no
fragmento do romance.

b) explique, considerando o fragmento no contexto da obra, qual semelhança se estabelece entre o


comportamento de Rita Baiana e o da personagem feminina da outra narrativa.

Assim como Eva conduz Adão ao pecado, oferecendo-lhe o fruto da árvore do


conhecimento, Rita Baiana é tida como responsável pela mudança de índole de Jerô-
nimo. No fragmento, sua dança figurativiza a tentação: passagens como “requebrado
luxurioso”, “gemido prolongado” e “descendo, subindo, sem nunca parar com os qua-
dris” explicitam a sensualidade que acaba por conquistar – e degenerar – o português.

10 PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER


INSTRUÇÃO: O fragmento seguinte é parte do romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Leia-o
para responder as questões 5 a 7.
...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu pai,
logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia
as raias de um capricho juvenil.
– Desta vez, disse ele, vais para a Europa; vais cursar uma universidade, provavelmente Coim-
bra; quero-te para homem sério e não para arruador e gatuno.
(...)
Eu ouvi-o calado, e nada opus à ordem da viagem, como de outras vezes fizera; ruminava a ideia
de levar Marcela comigo. Fui ter com ela; expus-lhe a crise e fiz-lhe a proposta. Marcela ouviu-me
com os olhos no ar, sem responder logo; como insistisse, disse-me que ficava, que não podia ir para
a Europa.
– Por que não?
– Não posso, disse ela com ar dolente; não posso ir respirar aqueles ares, enquanto me lembrar
de meu pobre pai, morto por Napoleão...
– Qual deles: o hortelão ou o advogado?
Marcela franziu a testa, cantarolou uma seguidilha, entre dentes; depois queixou-se do calor, e
mandou vir um copo de aluá. Trouxe-lho a mucama, numa salva de prata, que fazia parte dos meus
onze contos. Marcela ofereceu-me polidamente o refresco; minha resposta foi dar com a mão no
copo e na salva; entornou-se-lhe o líquido no regaço, a preta deu um grito, eu bradei-lhe que se
fosse embora. Ficando a sós, derramei todo o desespero de meu coração; disse-lhe que ela era um
monstro, que jamais me tivera amor, que me deixara descer a tudo, sem ter ao menos a desculpa da
sinceridade; chamei-lhe muitos nomes feios, fazendo muitos gestos descompostos. Marcela deixa-
ra-se estar sentada, a estalar as unhas nos dentes, fria como um pedaço de mármore. Tive ímpetos
de a estrangular, de a humilhar ao menos, subjugando-a a meus pés. Ia talvez fazê-lo; mas a ação
trocou-se noutra; fui eu que me atirei aos pés dela, contrito e súplice; beijei-lhos, recordei aqueles
meses da nossa felicidade solitária, repeti-lhe os nomes queridos de outro tempo, sentado no chão,
com a cabeça entre os joelhos dela, apertando-lhe muito as mãos; ofegante, desvairado, pedi-lhe
com lágrimas que me não desamparasse... Marcela esteve alguns instantes a olhar para mim, cala-
dos ambos, até que brandamente me desviou e, com um ar enfastiado:
– Não me aborreça, disse.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998, p. 101-3.

5. No fragmento, Brás Cubas responde de modo agressivo à polidez com que Marcela lhe oferece um re-
fresco – o que se nota em “minha resposta foi dar com a mão no copo e na salva [= bandeja]”. Tendo
isso em conta, comente por que a postura comedida da moça despertou a rudeza do protagonista.

Brás Cubas, aflito com a possível separação do casal, esperava que Marcela de-
monstrasse semelhante preocupação e aceitasse, inclusive, ir-se com ele para Portugal.
Ao contrário disso, a jovem se manteve impassível, indiferente, revelando não estar
apaixonada por ele e, assim, despertando a sua ira.

PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER 11


6. Analisando todo o excerto, nota-se que o narrador não apenas relata suas reações diante da recusa de
Marcela, como também analisa os sentimentos da moça em relação a ele. Considerando isso,
a) transcreva a oração em que, por meio de uma comparação, o narrador critica a postura de Marcela;

“(...) fria como um pedaço de mármore”.

b) comente o contraste entre o comportamento de cada personagem, explicando as motivações disso.

Brás Cubas chega a humilhar-se, beijando os pés de Marcela e pedindo entre lá-
grimas que ela não o abandone, pois o rapaz mantém os mesmos sentimentos que o
fizeram relacionar-se com a moça ao longo de “quinze meses”. Marcela, porém, por
perceber o fim das condições que haviam permitido a Brás Cubas gastar “onze contos
de reis” com ela, tornara-se indiferente às súplicas do rapaz.

7. Em uma das acepções presentes no Dicionário eletrônico Houaiss, machismo significa “comportamento
que tende a negar à mulher a extensão de prerrogativas ou direitos do homem”. Com base nessa defi-
nição, pode-se apontar algum grau de machismo no comportamento de Brás Cubas? Justifique.

Sim. Uma vez tomada a decisão de não enfrentar o pai e ir estudar na Europa, Brás
Cubas esperava que Marcela simplesmente o acompanhasse, abrindo mão da vida que le-
vava no Brasil. Com sua reação agressiva, de quem não suportou ser contrariado, o prota-
gonista revela não reconhecer em Marcela o direito de tomar decisões sobre seu destino,
como se isso fosse prerrogativa apenas dele.

8. O fragmento seguinte é parte do romance Vidas secas. No excerto, narra-se a família migra fugindo da
seca:
Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esboçando. Acomodar-se-iam num sítio
pequeno, o que parecia difícil a Fabiano, criado solto no mato. Cultivariam um pedaço de terra.
Mudar-se-iam depois para uma cidade, e os meninos frequentariam escolas, seriam diferentes
deles. Sinha Vitória esquentava-se. Fabiano ria, tinha desejo de esfregar as mãos agarradas à
boca do saco e à coronha da espingarda de pederneira.
Não sentia a espingarda, o saco, as pedras miúdas que lhe entravam nas alpercatas, o chei-
ro de carniças que empestavam o caminho. As palavras de Sinha Vitória encantavam-no. Iriam
para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa
terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinha
Vitória, as palavras que Sinha Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para
o sul, metidos naquele sonho.
Graciliano Ramos, Vidas secas. 31ª ed., São Paulo: Martins, 1973, p. 172.

12 PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER


Considerando o contexto no fragmento,
a) transcreva uma passagem do segundo parágrafo em que o narrador menciona uma fala de Sinha
Vitória.

“Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida”.

b) é possível afirmar que Sinha Vitória é passiva e submissa, sujeita às ordens do marido. Concorda
com essa afirmação? Justifique.

Não. No fragmento, Sinha Vitória consegue estimular Fabiano, encorajá-lo, dan-


do-lhe confiança para realizarem a difícil jornada migratória que os espera. É possível
apontar uma relação de companheirismo entre eles, conforme se pode observar neste
trecho: “[Fabiano] Repetia docilmente as palavras de Sinha Vitória, as palavras que
Sinha Vitória murmurava porque tinha confiança nele”.

Parte 2

PRODUÇÃO TEXTUAL
TEXTO 1
Durante toda a infância foi a menina reprimida e mutilada; entretanto, percebia-se como um
indivíduo autônomo; em suas relações com os pais, os amigos, em seus estudos e jogos, descobria-
se no presente como uma transcendência: nada fazia senão sonhar sua futura passividade. Uma
vez púbere, o futuro não somente se aproxima, instala-se em seu corpo, torna-se a realidade mais
concreta. Conserva o caráter fatal que sempre teve; enquanto o adolescente se encaminha ativa-
mente para a idade adulta, a jovem aguarda o início desse período novo, imprevisível, cuja trama
já se acha traçada e para o qual o tempo a arrasta. Já desligada de seu passado de criança, o pre-
sente só se lhe apresenta como uma transição; ela não descobre nele nenhum fim válido, mas tão
somente ocupações. De uma maneira mais ou menos velada, sua juventude consome-se na espera.
Ela aguarda o Homem.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Trad.: MILLIET, Sérgio.
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967 [1949].

PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER 13


TEXTO 2
O tema principal das relações de gênero durante a colonização é a miscigenação. A grande
maioria dos colonizadores portugueses que se estabeleceram no Brasil foi de homens que tomaram
a terra e as mulheres pela força. A escassez de mulheres portuguesas conferiu aos homens a licen-
ciosidade sexual, aumentada pelo fato de que os colonizadores portugueses não estavam sujeitos
nem ao fervor católico dos espanhóis, nem à inibição pudica dos protestantes ingleses. Portanto,
os homens portugueses mantiverem relações sexuais com mulheres africanas, que eram vistas pri-
meiramente em dois papéis: como trabalhadoras e como objetos sexuais.
Quando as mulheres brancas chegaram durante a era Colonial, elas mantiveram o arquétipo do
modelo de Maria — elas eram assexuadas; suas vidas restritas aos limites da casa ou da Igreja. As
mulheres eram estereotipadas como fracas, submissas, passivas e sem poder na área pública. Em
vez de receber uma educação formal, elas eram treinadas para o casamento — para administrar a
casa, criar os filhos, e tolerar as relações extramatrimoniais do marido com as escravas.
SOUZA, Eros de; BALDWIN, John R.; ROSA, Francisco Heitor da. “A construção social dos papeis sexuais femininos”.
Psicologia: reflexão e crítica. Vol. 13, Porto Alegre, 2000. Adaptado

TEXTO 3
Segundo pesquisa Instituto Avon/ Data Popular, um número considerável de jovens brasileiros
do sexo masculino (entre 16 e 24 anos) acha inaceitável que uma mulher:
Saia com amigos(as) Use roupas justas
Fique bêbada
sem o marido e decotadas

Instituto Avon/Data
Popular – Percepções dos
homens sobre a violência
doméstica contra a
mulher, 2014

TEXTO 4
A revelação de que a maioria dos brasileiros concorda que o comportamento da mulher pode
motivar o estupro comprova que a cultura machista está impregnada nos homens e nas mulheres
da sociedade brasileira, segundo a socióloga Nina Madsen, integrante do Colegiado de Gestão do
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). A pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômi-
ca Aplicada (Ipea) mostrou que 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente
com a frase “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.
“Cultura machista está impregnada na sociedade brasileira, diz socióloga”. EBC Agência Brasil, 28/03/2014

PROPOSIÇÃO
A liberdade sexual pode ser entendida como o direito de expressar e exercer a própria sexua-
lidade de forma livre, de escolher com quem se relacionar, ou mesmo optar por não se relacionar,
bem como decidir quando e como se expressar sexualmente. Esse direito, porém, pode ser limitado
pela intolerância, que gera exclusão, sofrimento e violência.
Com base neste comentário e levando em consideração os textos desta prova, escreva uma redação
de gênero dissertativo, em prosa, que respeite à norma culta da Língua Portuguesa, sobre o tema:
LIBERDADE SEXUAL E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

14 PERSONAGENS FEMININAS E VISÕES SOBRE A MULHER


Redação
Interdisciplinaridade: repertório e argumentação

Atividade 6

RAÇA E RACISMO

Bucci, Henrique e Marcílio

Resumo da atividade

O termo raça não existe no vocabulário especializado das Ciências da Natureza para classificar seres
vivos. O mais próximo disso em Biologia é o conceito de subespécie, aplicado a populações que, embora
pertençam à mesma espécie, manifestam diferenças genéticas significativas. Na espécie humana, porém,
não existem subespécies. Entre brancos e negros, negros e índios, índios e asiáticos, enfim, entre quaisquer
agrupamentos humanos não há diferenças relevantes para justificar essa subclassificação.
Na verdade, existe um número muito maior de diferenças genéticas entre dois indivíduos humanos
da mesma “raça”, do que genes que diferenciem duas “raças” humanas (um negro africano e um branco
escandinavo se distinguem por diferenças genéticas que representam menos de 0,005% do genoma).
Seria ingênuo, no entanto, pensar que essa semelhança biológica se reflete em um real estado de
igualdade entre os diferentes grupos humanos. Principalmente as populações negras ainda sofrem conse-
quências de uma mentalidade que, há séculos, já pregava a existência de uma “raça superior”, que seria
a “raça branca”.
Nesta atividade, analisaremos o surgimento de teorias supostamente científicas que tentavam justificar
a exploração do branco europeu sobre os demais grupos, o pensamento racista que deu respaldo a tais
teorias e também os efeitos disso que ainda hoje persistem, principalmente sobre as populações negras.

Parte 1

DESENVOLVIMENTO DE REPERTÓRIO
1. Leia o seguinte fragmento de um texto de divulgação científica:
A inexistência das raças biológicas ganhou força com as recentes pesquisas genéticas. Os
geneticistas descobriram que a constituição genética de todos os indivíduos é semelhante o
suficiente para que a pequena porcentagem de genes que se distinguem (que inclui a aparên-
cia física, a cor da pele etc.) não justifique a classificação da sociedade em raças. Essa pequena

RAÇA E RACISMO 15
quantidade de genes diferentes está geralmente ligada à adaptação do indivíduo aos diferentes meio
ambientes.
SPINELLI, Kelly Cristina. “Raças humanas não existem como entidade biológica, diz geneticista”. Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2013/02/05/racas-
humanas-nao-existem-comoentidades-biologicas-diz-geneticista.htm

Com base no fragmento lido,


a) aponte o que poderia justificar a divisão dos grupos humanos em “raças”;

Segundo o fragmento, a divisão das populações em raças seria possível caso a por-
centagem de genes que as distingue fosse elevada.

b) explique por que essa informação é questionável.

O termo “raça” pode ser aplicado aos casos em que um conjunto de indivíduos
de determinada espécie assume características semelhantes por causa de intervenções
humanas (como ocorre com as raças de cachorros), não por meio da seleção natural.
Sendo assim, caso houvesse diferenças genéticas expressivas entre populações huma-
nas, isso não justificaria afirmar a existência de diferentes raças.

2. Leia o seguinte fragmento do artigo O DNA do racismo para responder ao que se pede:
Vejamos a rigidez da classificação da humanidade feita pelo naturalista sueco Carl Linnaeus (1707-1778)
na edição de 1767 do seu Systema Naturae (“Sistema da natureza”). Ele apresentou, pela primeira vez
na esfera científica, uma divisão taxonômica da espécie humana. Linnaeus distinguiu quatro raças prin-
cipais (além de uma quinta, mitológica, que não levaremos em consideração) e qualificou-as de acordo
com o que ele considerava suas características principais:
• Homo sapiens europaeus: Branco, sério, forte
• Homo sapiens asiaticus: Amarelo, melancólico, avaro
• Homo sapiens afer: Negro, impassível, preguiçoso
• Homo sapiens americanus: Vermelho, mal-humorado, violento
Observe o leitor que as raças de Linnaeus continham traços peculiares fixos (...).
PENA, Sergio Danilo. “O DNA do racismo”. Disponível em: 
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/o-dna-do-racismo/
Publicado em 11/07/2008 | Atualizado em 11/12/2009. Adaptado.

16 RAÇA E RACISMO
a) por que o enunciador considera “rígida” a classificação proposta por Carl Linnaeus?

A classificação de Carl Linnaeus parte do princípio de que traços de comportamen-


to e cor da pele estão inevitavelmente relacionados. Por não considerar as várias per-
sonalidades identificadas entre indivíduos do mesmo grupo, a classificação se mostra
rígida, inflexível.

b) as ideias de Linnaeus, publicadas em 1767, continuam sendo atuais? Justifique.

Existem duas respostas possíveis. O aluno pode dizer que não são mais atuais, pois
as Ciências da Natureza não respaldam conclusões como as deles. No entanto, também
é possível apontar a atualidade das ideias, já que certos preconceitos mencionados pe-
lo autor (sobretudo contra negros e asiáticos) seguem sendo propagados, mesmo com
todo avanço científico. Nesta questão, é interessante destacar aos alunos a importância
da argumentação na justificativa de respostas dissertativas.

3. Leia o excerto seguinte do filósofo francês Voltaire (1694-1778):


“A raça negra é uma espécie humana tão diferente da nossa quanto a raça de cachorros spa-
niel é dos galgos… A lã negra nas suas cabeças e em outras partes [do corpo] não se parece
em nada com o nosso cabelo; e pode se dizer que a sua compreensão, mesmo que não seja de
natureza diferente da nossa, é pelo menos muito inferior”.
VOLTAIRE, Cartas filosóficas. Apud: PENA, Sergio Danilo J. “O DNA do racismo”. Disponível em:
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/o-dna-do-racismo/

Publicado em 11/07/2008 |Atualizado em 11/12/2009. Adaptado.


a) relacione o pensamento de Voltaire e a classificação de Carl Linnaeus, com vistas a apontar uma
semelhança e uma diferença;

Tal como Linnaeus, Voltaire relaciona rigidamente cor da pele e outros atributos
do indivíduo. No entanto, ao se referir à população negra (o Homo sapiens afer), Lin-
naeus destaca como característica principal sua suposta indisposição para o trabalho
(“impassível, preguiçoso”); Voltaire, falando sobre a mesma população, afirma que ela
não teria a mesma capacidade de raciocínio que a das pessoas brancas (“a sua com-
preensão, mesmo que não seja de natureza diferente da nossa, é pelo menos muito
inferior”).

b) considerando que os dois autores são contemporâneos, relacione a semelhança entre suas ideias e
a Europa do século XVIII.

As semelhanças entre Voltaire e Linnaeus permitem perceber que a Europa impe-


rialista teve respaldo em pensadores da época para subjugar outras populações huma-
nas, sobretudo no continente africano.

RAÇA E RACISMO 17
INSTRUÇÃO: Leia o excerto do artigo Negro, Raça e Racismo: qual a definição?  e responda às questões
4 e 5:
(...) é no pensamento do francês Joseph-Arthur de Gobineau (1816-1882) que se encontra a fun-
dação do racismo como ideologia. Com sua obra Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas
(1853-1855), ele lançou as bases teóricas do racismo apoiadas no tripé da existência de várias raças,
das diferenças entre as raças como fatores essenciais do processo histórico-social e da afirmação
da existência de uma raça superior.
Baseado nesse tripé, mais tarde, no início do século XX, o britânico Houston Stewart Cham-
berlain (1825-1927) difundiu na Alemanha o mito da superioridade racial dos arianos. Após o final
da Primeira Guerra Mundial (1918), Alfred Rosenberg (1893-1946), reinterpretou essas teorias espe-
cialmente em uma obra intitulada Mito do Século 20. Rosenberg elaborou a doutrina da superiori-
dade germânica e deu um toque pseudocientífico à política racista praticada por Adolf Hitler com a
perseguição a grupos que passaram a ser considerados inferiores, ou seja, eslavos, judeus, ciganos
e homossexuais.
FEITOSA, Elisa Geralda. “Negro, Raça e Racismo: qual a definição?”.
Disponível em: http://www.educacional.com.br/upload/blogSite/5052/5052247/8984/Racismo.doc

4. Embora a busca por teorizações científicas sobre o conceito de raça lhe seja anterior, Gobineau é tratado
no fragmento como o fundador do “racismo como ideologia”. Comparando suas ideias com as de Carl
Linnaeus, explique o que confere maior complexidade ao pensamento do teórico francês.

Em seu livro Systema Naturae, Linnaeus apresenta uma taxonomia, tratando as dife-
rentes populações como raças e apontados peculiaridades de cada uma delas. Gobineau,
além de aceitar a diferença entre as raças, ele relaciona isso ao processo histórico-social
da humanidade e à existência de uma raça superior. Desse modo, para além de uma teoria
científica, Gobineau fundamenta um conjunto de ideias, uma ideologia.

5. Com base no fragmento, pode-se afirmar que a doutrina da superioridade germânica elaborada por
Rosenberg originou a política racista praticada por Adolf Hitler? Explique.

Não. Segundo o excerto, a doutrina de Rosenberg foi utilizada na busca por legiti-
mar as ações discriminatórias do Estado nazista. Tais ações, portanto, não surgem como
resultado da teorização sobre raças, que é apenas explorada como justificativa para as
práticas implementadas por Adolf Hitler.

6. Leia o fragmento e responda ao que se pede:


Sem dúvida, a simplicidade do paradigma tipológico embutido nessas estapafúrdias classi-
ficações sociais é bastante sedutora para o público em geral. Embora para um geneticista con-
temporâneo raças possam não existir do ponto de vista biológico, no imaginário popular elas
persistem, sendo ‘construídas’ a partir de diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros
critérios de aparência física.
PENA, Sergio Danilo J. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 12, n. 1, p. 321-46, maio-ago. 2005.

18 RAÇA E RACISMO
Escreva um breve comentário, endereçado ao enunciador do fragmento acima, explicando se você,
tendo em mente a realidade brasileira, concorda ou não com a afirmação de que classificar raças é uma
tarefa “sedutora para o público em geral”.

Embora a questão dê margem a respostas variadas, são três as abordagens espera-


das, dada a condução da aula.
Uma delas seria discordar de Sérgio Pena, defendendo que a população brasileira
repudia manifestações racistas. Como exemplos, podem ser citados casos como as mani-
festações de apoio à jornalista Maria Júlia (a Maju, do Jornal Nacional), quando foram
dirigidas a ela ofensas racistas, ou a repercussão da campanha promovida pelo jogador
Neymar, em apoio a Daniel Alves, após este sofrer também ofensas de cunha racial (“#so-
mostodosmacacos”).
Outra possibilidade seria concordar com a afirmação, destacando que manifestações
racistas ainda são frequentes em nossa cultura. Pode ser lembrada a eliminação da equipe
do Grêmio de um importante campeonato, a Copa do Brasil, quando sua torcida dirigiu
ofensas raciais ao goleiro Aranha, do Santos.
É possível ainda construir um comentário orientado pela ressalva. Pode-se, por exem-
plo, concordar com a ideia de que, embora a classificação simplista seja em algum nível
“sedutora”, a sociedade caminha para um melhor convívio com a diferença.

7. Leia os fragmentos a seguir:

Texto 1
Nu, orelha cortada com faca, marcas de espancamento no corpo, amarrado pelo pescoço em
um poste na Avenida Rui Barbosa, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Assim foi encontrado
um adolescente negro, “acusado” de praticar furtos na zona sul carioca.
BELCHIOR, Douglas. “Menino negro é espancado e amarrado nu em poste na zona sul do Rio”.
Blog Negro Belchior. Disponível em:
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/menino-negro-e-espancado-e-amarrado-nu-em-poste-na-zona-sul-do-rio/

Texto 2
Dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá. Enquanto o samba acontecia na Pedra do Sal, a poucos qui-
lômetros dali, no bairro do Flamengo, puseram um negro nu preso pelo pescoço num pelourinho
improvisado. Ele estava assaltando pessoas (ou foi o que disse quem publicou a foto). Pra servir de
exemplo aos pretos ladrões. Recentemente, um caso semelhante aconteceu na praia.
Blog Controversias. “O racismo e seus tentáculos no século XXI”. Disponível em: https://controvesias.wordpress.
com/2014/02/03/o-racismo-e-seus-tentaculos-no-seculo-xxi/

a) explique o uso das aspas no vocábulo acusado (segundo período do texto 1);

As aspas indicam que o termo não está em sua acepção mais precisa, uma vez que
não houve uma acusação formal, que levasse a um julgamento no nível das instituições
oficiais de justiça.

RAÇA E RACISMO 19
b) relacione o modo como o episódio é abordado no texto 2 às teorias racialistas.

O enunciador considera que ser negro foi um fator decisivo para que o garoto
fosse espancado e exposto. Desse modo, o procedimentos dos ditos “justiceiros” é to-
mado como resultando de uma mentalidade segundo a qual existem raças superiores
e inferiores.

8. Leia o poema “Magia negra”, de Sérgio Vaz:


Magia negra era o Pelé jogando, Cartola compondo, Milton cantando. Magia negra é o poema
[de Castro Alves, o samba de Jovelina…
Magia negra é Djavan, Emicida, Mano Brow, Thalma de Mreitas, Simonal. Magia negra é
[Drogba, Fela kuti, Jam. Magia negra é dona Edith recitando no Sarau da Cooperifa.
[Carolina de Jesus é pura magia negra. Garrincha tinhas duas pernas mágicas e negras.
[James Brow. Milton Santos é pura magia.
Não posso ouvir a palavra magia negra que me transformo num dragão.
Michael Jackson e Jordan é magia negra. Cafu, Milton Gonçalves, Dona Ivone Lara, Jeferson
[De, Robinho, Daiane dos Santos é magia negra.
Fabiana Cozza, Machado de Assis, James Baldwin, Alice Walker, Nelson Mandela, Tupac, isso
[é o que chamo de magia negra.
Magia negra é Malcon X, Martin Luther King, Mussum, Zumbi, João Antônio, Candeia e
[Paulinho da Viola. Usain Bolt, Elza Soares, Sarah Vaughan, Billy Holliday e Nina Simone é
[magia mais do que negra.
Eu faço magia negra quando danço Fundo de Quintal e Bob Marley.
Cruz e Souza Zózimo, Spike Lee, tudo é magia negra neles. Umoja, Espírito de Zumbi,
[Afro Koteban…
É mestre Bimba, é Vai-Vai, é Mangueira todas as escolas transformando quartas-feira de cinza
[em alegria de primeira.
Magia negra é Sabotage, MV Bill, Anderson Silva.
Pepetela, Ondjaki, Ana Paula Tavares, João Mello… Magia negra.
Magia negra são os brancos que são solidários na luta contra o racismo.
Magia negra é o RAP, O Samba, o Blues, o Rock, Hip Hop de Africabambaataa.
Magia negra é magia que não acaba mais.
É isso e mais um monte de coisa que é magia negra.
O resto é feitiço racista.
VAZ, Sérgio. “Magia negra”. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/blog/2012/07
/sergio-vaz-magia-negra-e-feitico-de-branco/

a) destaque três personalidades do poema acima e indique a área de atuação na qual cada uma é
referência;

As possibilidades de resposta são muitas, portanto indicaremos apenas algumas


sugestões: Pelé, Garrincha, Drogba, Cafu, Usain Bolt, Daiane dos Santos, Michael Jor-
dan são referências no esporte; Malcon X, Martin Luther King e Zumbi são exemplos
de liderança política; Jeferson De e Spike Lee são exemplos de cineastas; Castro Alves,
Machado de Assis, Cruz e Souza e Alice Walker são referências na Literatura; Cartola,
Milton [Nascimento], Jovelina [Pérola Negra], Djavan, Emicida, Mano Brow, Simonal,
Billy Holliday, Nina Simone e Fela kuti são exemplos de referências musicais.

20 RAÇA E RACISMO
b) explique como a definição de “magia negra” é utilizada no combate ao preconceito.

O termo “magia negra”, via de regra, assume conotação pejorativa, sendo utiliza-
do para nomear práticas religiosas que teriam como fim provocar o mal ao semelhante.
No poema, Sérgio Vaz dá outro significado à expressão, explorando o valor positivo do
termo “magia” para designar grandes obras realizadas por pessoas negras.

Parte 2

PRODUÇÃO TEXTUAL
A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base nos conhecimentos construídos ao
longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo na modalidade escrita formal da língua
portuguesa sobre o tema “Violência policial e racismo no Brasil”, apresentando proposta de intervenção,
que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos
e fatos para defesa de seu ponto de vista.

TEXTO 1
Racismo institucional pode ser definido como o fracasso coletivo das instituições em promover
um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor.
(...) O racismo institucional não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de dis-
criminação, mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações,
que operam de forma diferenciada, do ponto de vista racial, na distribuição de serviços, benefícios
e oportunidades aos diferentes segmentos da população.
“Segurança pública e racismo institucional”, IPEA 2013, adaptado.

TEXTO 2
A política de segurança pública do Brasil foi e ainda é baseada em decisões políticas cujos re-
sultados sobre determinada população revelam-se racistas. O advogado Tiago Vinícius André dos
Santos explica que esta “discriminação indireta” é reflexo da formação dos aparatos de segurança
pública do País, comprometidos pelo seu passado escravista e de repressão a manifestações de
resistência e cultura negra. É preciso considerar, ainda, a questão da criminalização da pobreza,
bem como a influência de teorias que afirmavam a necessidade de controle social diferenciado
para pessoas negras em razão de suposta “natural impulsividade para o cometimento de crimes”.
“Há uma ligação íntima entre os envolvidos na criminalidade comum e os marginalizados de nossa
sociedade excludente; e entre aqueles a quem se destina a violência policial no Brasil de hoje e a
população negra do final do século 19 e início do século 20”, relata.
ROMÃO, Bruna. “Racismo institucional estrutura sistema de segurança pública”.
Agência USP de notícias. 23/05/2013, adaptado.

RAÇA E RACISMO 21
TEXTO 3
Quando você for convidado pra subir no adro da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
Gilberto Gil e Caetano Veloso. “Haiti”. Tropicália 2, 1993

22 RAÇA E RACISMO

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