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Volutne I

NO
Direado de Luis- tfeAlbuquerque

Povoamento e colonização do Reino


de Portugal .lnicio dos descobrimen-
tos maritimos portugueses. O avanço
no Atlântico

Publicações Alfa
Povoamento e colonização da Madeira

ALBERTO VIElRA

À expedição de Tristão Vaz Teixeira e João Gonçalves no início do século xv sucedeu o


povoamento do arquipélago, por iniciativa do infante D. Henrique e dos seus capitães.
As bases institucionais e económicas criadas no século xv e sensivelmente modificadas no
primeiro quartel do século XVI tornaram possível um grande sucesso económico da Madeira
através da produção de pastel, açúcar e vinho, produtos que eram posteriormente integrados nos
circuitos comerciais europeus

o povoamento e o consequente pro- uma fase de arranque definitivo do seu lugar a extensas clareiras de arrotea-
cesso de valorização económica da povoamento com a colaboração madei- mento.
Madeira surgem, no contexto da expan- rense, a Madeira surgia já como um Em face do atrás enunciado, torna-se
são europeia dos séculos xv e XVI,como importante entreposto de comércio e de forçoso considerar que a acção lusíada
o primeiro ensaio de processos, técnicas apoio à navegação. Essa situação terá na década de 20 se define por um pro-
e produtos que serviram de base à afir- resultado das condições oferecidas por cesso de povoamento, e nunca coloniza-
mação dos Portugueses no espaço atlân- esta ilha, da conjuntura atlântica de ção, pois estamos perante uma porção
tico, continental e insular. Tal situação então e do forteempenhamento dos de terra inabitada cuja paisagem foi
resulta do facto de a Madeira ter sido a promotores e principais protagonistas humanizada apenas com a entrada por-
primeira área atlântica a merecer o do povoamento. Aqui se lançam na tuguesa. Além disso, a peculiaridade
impacte da humanização peninsular. década de 20 as bases sociais e económi- desse processo de ocupação resulta em
Enquanto nas Canárias tardava a pacifi- cas daquilo que será definido como a muito dessa situação de abandono em
cação guanche e se esvaneciam as espe- civilização atlântica, cuja expressão que se encontrava a ilha, o que permitiu
ranças da posse henriquina, na Madeira quatrocentista e quinhentista tem como o ensaio de técnicas, produtos e formas
os cabouqueiros europeus iniciavam um referência a Madeira. de domínio sem qualquer entrave
plano de exploração intensiva do solo A Madeira tinha a seu favor condições humano. Os resultados desse ensaio
virgem. Ao empenhamento dos tradicio- especiais propiciadoras dessa experiên- foram de tal modo profícuos que o pio-
nais descobridores juntam-se os interes- cia de povoamento. Ao invés, nos Aço- neirismo madeirense terá não só um
ses da coroa, do infante D. Henrique e res, o temor dos sismos e vulcões e, nas lugar de evidência no contexto da
da comunidade italiana sediada em Por- Canárias, a presença autóctone não per- expansão peninsular, mas surgirá tam-
tugal. Desta forma, quando nas Canárias mitiram a rápida ocupação e valorização bém como ponto de referência ou
se inicia, na década de 70, o processo de socioeconómica. Desta forma, o empe- modelo para as outras experiências de
colonização das oito ilhas que compõem nho das gentes e autoridades peninsula- povoamento que se seguirão.
o referido arquipélago, deixando para res, aliado ao investimento e experiência A maioria dos eruditos madeirenses
trás um longo período de lutas sangui- italiana, contribuiu para que em pouco circunscritos à ilha ignorou esta irrefutá-
nolentas, e quando nos Açores se inicia tempo na Madeira a densa floresta desse vel realidade. Mais uma vez a chamada

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de atenção partiu de fora, e tal processo faseada a partir de 1419; Zurara refere
tem cativado o empenho de muitos quatro expedições à ilha antes que o
Aspecto da praia de Porto Santo, ilha do investigadores nacionais e estrangeiros infante ordenasse o envio dos primeiros
arquipélago da Madeira, separada da (Virgínia Rau e Borges Macedo, O Açú- colonos e clérigos para o arranque do
ponta de São Lourenço por uma extensão car na Madeira nos Fins do Século XV, seu aproveitamento. Se tivermos em
de mar conhecida por «travessa», cujo
Funchal, 1960, 9). As nossas preocupa- consideração as condições técnicas e
primeiro capitão do donatário,
ções historiográficas são caseiras e a náuticas das referidas expedições, tere-
Bartolomeu Perestrelo, ficou célebre
porque, ao desembarcar, soltou «[. . .]
nossa atenção tem estado virada para a mos de atribuir quatro anos para o reco-
discussão das datas e nomes dos princi- nhecimento cabal da ilha e para o início
aquela coelha com seus filhos para fazer
criação, os quais em mui breve tempo pais incentivadores e povoadores. Nesse da sua ocupação. Todavia, os documen-
multiplicaram tanto, que lhe domínio, duas questões teimam, ainda, tos, contrariando algumas versões dos
empacharam a terra, de guisa que não em monopolizar a atenção dos eruditos cronistas, anotam a data de 1419 como
podiam semear nenhuma cousa que lha e investigadores: a data de descobri- de início do seu povoamento, enquanto
eles não estragassem. E é muito para mento, de reconhecimento e de ocupa- o infante D. Henrique dá conta da sua
maravilhar, porque acharam que no ano ção da ilha e a entidade que orientou o intervenção a partir de 1425 [o infante
seguinte que ali chegaram, mataram primeiro batalhão de cabouqueiros que D. Henrique, no seu testamento, datado
deles muitos, não fazendo porém nele se fixaram nos primórdios do seu de 1460 (Silva Marques, Descobrimentos
míngua; por cuja razão deixaram aquela povoamento. Não obstante a existência Portugueses, I, 580), refere: «comecei a
ilha, e passaram-se à outra da Madeira de provas irrefutáveis que indiciam o povoar a minha ilha da Madeira avera
[. . .J» (Crónica dos Feitos da Guiné, seu conhecimento na Antiguidade e a XXXb anos». Em sentença de 20 de
Gomes Eanes de Zurara, capo LXXXII/). sua divulgação na cartografia do sé- Fevereiro de 1499(A. N. T. T., Cabido
Na página anterior, Ribeira da janela, culo XIV,só em princípios do século xv da Sé do Funchal, maço n.o 1) dá-se
na costa norte da ilha da Madeira. Esta conta que «podera bem aver oytenta
surgiu a necessidade de reconhecer e
região acidentada, mas fértil, era já ocupar estas ilhas. A conjuntura penin- annos que a dieta ilha era achada pouco
habitada em meados do século XVI e
sular, aliada à disputa do arquipélago mais ou menos e se comesara a povoar»,
pertencia à capitania do Machico, vizinho das Canárias, tornou esse empe- sendo corroborado em 27 de Julho de
concedida pelo infante D. Henrique a 1519 por acórdão da Câmara do Funchal
Tristão Vazo nhamento um dos principais imperati-
vos da coroa portuguesa e da casa do em que se dá conta do início do povoa-
infante. De acordo com as crónicas qua- mento há cem anos atrás]. Assim, ao
trocentistas e quinhentistas, esse pro- contrário do que apontam alguns cronis-
cesso ter-se-ia organizado de forma tas e eruditos, a intervenção do infante

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D. Henrique surgirá apenas passados de 1430, o mesmo infante recebe o mente, a Bartolomeu Perestrelo, Tristão
seis anos após o início da empresa direito de usufruto da rendas, distribui- Vaz Teixeira e João Gonçalves Zarco
madeirense, pois, conforme opinião do ção de terras e jurisdição no cível e Ooão Martins da Silva Marques, ob. cit.,
infante, este só entrou em acção em crime, exceptuando-se as penas de I, 403, 404, 449). A sua concessão em
1425(confronte-seJerónimo Dias Leite, morte, talhamento de membro e cunha- datas desconexas, num período de dez
Descobrimento da Ilha da Madeira gem de moeda (ibidem). Este tipo de anos, gerou algumas dúvidas sobre a sua
[. . . j, Coimbra, 1947, 15). O apareci- doação enquadra-se dentro do tipo de importância e modo de doação. Assim,
mento de um capítulo da carta de senhorios existentes no Reino que pretende-se que estes instrumentos jurí-
D.João I de 1426, aliado à opinião de foram regulamentados pelas Ordena- dicos surgiram apenas como confirma-
Francisco Alcoforado, Jerónimo Dias ções Afonsinas e Lei Mental (António ção de uma situação de facto.
Leite e Gaspar Frutuoso, confirma essa Manuel Hespanha, História das Institui- Os referidos povoadores, conhecidos
iniciativa da coroa no início do povoa- ções [. . .j, Coimbra, 1983, 282-301, desde então como «capitães do donatá-
mento da ilha (A. N. T. T., Provedoria e 325). rio», recebem o encargo de manter e
junta da Real Fazenda do Funchal, A partir de 1433 ficam legitimados exercer em nome do donatário, «em jus-
f. 13, pl. 100; Gaspar Frutuoso, Sauda- juridicamente a posse e o governo da tiça e dereyto», a jurisdição do cível e do
des da Terra, Ponta Delgada, 1968, 52- ilha pelo infante D. Henrique; conforme crime, nomeação dos funcionários do
53;Jerónimo Dias Leite, ob. cit., 15); V. opinião de João Gonçalves da Câmara, município, organização e defesa, de dis-
de Magalhães Godinho, um dos defenso- em 1511 (A. N. T. T., C. c., 1,27-52, de tribuir as terras, além do usufruto de
res da iniciativa régia, anota a acção de 25 de Junho de 1511), a ilha torna-se direitos exclusivos sobre certos meios
João Afonso, vedor da Fazenda (Desco- num "horto do senhor Infante» que de produção (atafonas, fornos, moi-
brimentos Portugueses e a Economia tinha como administradores directos os nhos, serras de água, engenhos), da redí-
Mundial, Lisboa, 1982, vol. lI, 232). A dois principais obreiros do seu reconhe- zima das rendas do senhorio e do mono-
presença do infante D. Henrique só cimento e ocupação. Enquanto a doação pólio da venda do sal.
surge, segundo opinião do mesmo histo- do senhorio era vitalícia, passando Se o anterior sistema de governo, esta-
riador em 1425, ou a partir de 1433, depois a duas vidas, a da capitania era belecido em 1433, tinha paralelo no
com a doação régia do senhorio das feita a título hereditário pelo senhorio, Reino, nomeadamente no Sul de Portu-
ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas mas carecendo sempre de confirmação gal, com o processo de reconquista, o
(A. R. M., C. M. F., Registo Geral, t. 1, régia. O capitão surgia na área de capita- mesmo não se poderá dizer com as capi-
fls. 128 v. °-132). Note-se que na referida nia como o representante do senhorio e tanias, que surgem em 1440 como uma
carta, ao contrário do que sucede com a em seu nome exercia "a justiça e iniciativa inovadora capaz de atender às
carta das capitanias, não se refere qual- dereyto». Desta forma, a sua intervenção solicitações do novo meio. A necessi-
quer intervenção anterior do referido jurisdicional estava limitada ao quadro dade de um maior empenhamento dos
infante, razão pela qual Fernando Jas- de competências e jurisdição atribuídas principais obreiros do processo, aliada à
mins Pereira considera o referido acto ao senhorio e às prerrogativas por este distância da casa senhorial, definiu este
de D. Duarte como uma doação autên- enunciadas. Para dar uma dimensão ins- peculiar sistema de governo. Desta for-
tica e não confirmação (Alguns Elemen- titucional a essa delegação de poderes, ma, este processo institucional está
tos para o Estudo de História Econó- criam-se as capitanias, a definir um muito aquém do feudalismo europeu e
mica da Madeira [. . .j, 23-30). No espaço territorial e uma determinada pouco concordante com o senhoria-
entanto, em 1461, D. Afonso V, citando jurisdição. Surgem assim as capitanias lismo peninsular; é uma experiência
o infante D. Henrique, diz que João do Porto Santo (1446), Machico (1440) e nova, fundamentada na dinâmica insti-
Gonçalves Zarco ,ifora o primeiro home Funchal (1450), entregues, respectiva- tucional resultante da reconquista do Sul
que per seu mandado fora proborar a
dita ylha» (A. R. M., C. M. F., Registo
geral, t. 1, fls. 128 v.0-132). Tal parece-
ESTRUTURA ADMINISTRATIVADA MADEIRA (1434-1460)
-nos corroborar a ideia de que desde
1425 o infante D. Henrique teve uma
participação activa no povoamento
desta ilha. Esta incessante dúvida resulta COROA SENHORIO
do facto de até à década de 60 ser
escassa a documentação sobre a
Madeira, o que nos obriga a manter a
incerteza enquanto não apareçam novos
documentos a desvendar o mistério.
A década de 20 é marcada por uma
activa intervenção da coroa no lança-
j
ALMOXARIFADO CAPITÃO .. CONCELHO
mento das bases institucionais e econó-
micas da nova sociedade. Os primeiros
povoadores recebem o encargo régio de
distribuir as terras em consonância com
a presença do vedor da Fazenda, João
Afonso. Numa fase posterior, o infante
D. Henrique surge como o principal
impulsionador e senhorio das mesmas
ilhas. De acordo com a carta de doação

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de Portugal, que marca uma nova era no livre voontade [Arquivo Regional da tas, que testemunham a sua acção legis-
processo institucional atlântico-europeu Madeira, Câmara Municipal do Funchal ladora, atestam o seu empenho no
(vejam-se os trabalhos de Álvaro Rodri- (A. R. M., C. M. F.), registo geral, t. 1, rápido avanço do povoamento da ilha
gues de Azevedo, «Anotações», em Sau- fls. 272 v.o-275]. O desenvolvimento da por meio de isenções e privilégios aos
dades da Terra, Funchal, 1873, estrutura institucional madeirense, em moradores exarados no seu foral. O
notas xv e XXIV; Damião Peres, A consonância com a tendência centraliza- extenso rol de reclamações apresentado
Madeira sob os Donatários, Funchal, dora do poder régio, tornou obsoleto o em 1461, após a sua morte, ao seu suces-
1914,7-8; Fernando Jasmins Pereira, ob. sistema de senhorio das ilhas. Ao mesmo sor comprova esse relativo menosprezo
cit., 30-32; Luís F. R. Thomas, «Estrutu- tempo, as prerrogativas de facto e de e tendência centralizadora da política
ras quase feudais na expansão portu- jure dos capitães foram cerceadas com o henriquina.
guesa», in Colóquio Internacional de aparecimento de novas estruturas e O infante D. Fernando, ao assumir,
História da Madeira, Funchal, 1987). administração. em 1460, o governo da casa senhorial
As cartas de doações das capitanias Durante esse período de governo do seu tio, herda um pesado fardo
madeirenses serviram de modelo a idên- senhorial, a Madeira conheceu cinco político-administrativo. Procurando
tica situação nos Açores, Cabo Verde e donatários, que exerceram uma acção adequar o governo de ilha à nova con-
São Tomé. Em 1450, na doação da capi- diversa no seu governo. A documenta- juntura política e à satisfação das recla-
tania da ilha Terceira a Jácome de Bru- ção tombada no livro de registo geral da mações dos procuradores enviados ao
ges, justifica-se a sua jurisdição pelas Câmara do Funchal atesta essa acção Reino, este define em Agosto de 1461
capitanias madeirenses (Francisco Fer- (publicado por Francisco de Sousa e uma nova dinâmica institucional, econó-
reira Drumond, Anais da Ilha Terceira, Melo no Arquivo Histórico da Madeira, mica e religiosa através dos seus «apon-
A. H., 1850, I, 447-449; Arquivo dos XV-XVIII,1972-1974). Do governo de tamentos e capitolos» (ibidem, t. 1,
Açores, 'IV, 207-208). E em 1474, na vinte e sete anos do infante D. Henrique fls. 135-224; veja-se Joel Serrão, «O
confirmação da compra da capitania da ficaram dois documentos e algumas infante D. Fernando e a Madeira, 1461-
ilha de São Miguel por Rui Gonçalves da indicações indirectas das suas lembran- 1470», in Das Artes e da História da
Câmara, filho segundo de João Gonçal- ças e regimentos. Esta quase total lacuna Madeira, in D. A. H. M., 4, 1950, 10-17;
ves Zarco, afirma-se que seja capitão de documentação legitimadora da acção Manuel J. Pita Ferreira, «O infante
como é o seu irmão na ilha da Madeira henriquina contrasta com a euforia deli- D. Fernando, terceiro senhor do arqui-
(Arquivo dos Açores, I, 104). berativa dos seus sucessores, nomeada- pélago da Madeira, 1460-1470», in D. A.
Durante mais de meio século (1433- mente D. Fernando e D. Manuel. Da H. M., 33, 1963, 1-22). Os poderes dis-
1497), o governo das ilhas esteve entre- intervenção destes últimos surgiram os cricionários e os privilégios dos capitães
gue à casa do infante, que, por meio dos alicerces da sociedade nascente, com a sofrem uma grande machadada mercê
seus administradores, usufruiu de um consequente regulamentação dos diver- da aplicação plena da jurisdição estabe-
senhorio vitalício regulamentado pelas sos domínios da vida política e social. lecida nas doações, de que se faz uma
ordenações régias. No período de 147t),-1~ Esse relativo menosprezo hierárquico pública-forma de modo que não possa
em face da menoridade dos seus donatá- pela regulamentação dos diversos domí- «entender aalem delle em poer outros
rios, O governo do senhorio correu a nios jurisdicionais do senhorio madei- foros e a costumes». Ao mesmo tempo,
cargo de D. Beatriz, mãe e tutora dos rense deverá resultar do facto de a ilha estabelece-se a necessária vinculação da
mesmos. Em 1495, com a elevação do no período inicial não necessitar de uma jurisdição do capitão às directivas régias
duque D. Manuel ao trono, pretendia-se excessiva regulamentação refreadora do e da estrutura municipal, conjugadas
o fim desta experiência de governo impulso povoador. Por outro lado, o com o reforço da intervenção do almo-
senhorial. Assim, em 1497, o mesmo infante encontrava-se empenhado num xarifado. O avanço mais significativo é
torna realengo o referido senhorio, processo mais vasto, de conquista das dado com o município, que se liberta do
dizendo ser «cousa justa e necesa- Canárias, de expansão e descobrimento controlo e intervenção discricionários
rea [. . .] e por teer rezam desse mays no litoral africano, sobrando-lhe pouco do capitão, passando os seus oficiais a
emnobrecer e aproveitar de noso moto tempo para se empenhar nas coisas da ser eleitos entre os homens-bons que
propeo, certa ciençia poder absoluto e sua ilha. Todavia, as referêpcias indirec- fazem parte do rol feito pelo senhorio.
Essa autonomia é expressa ainda na con-
cessão do selo e da bandeira.
ESTRUTU~A ADMINISTRATIVA DA MADEIRA (1460-1495)
No aspecto económico, os referidos
MONARCA DONATÁRIO apontamentos anotam a necessidade de
... adequar a orgânica administrativa ao
COROA SENHORIO nível do desenvolvimento económico
da ilha, de modo que a mesma favoreça
a continuidade do processo. Primeiro
procura-se uma adequada repartição das
águas, tão necessárias à faina açucareira,
depois o necessário apoio aos assalaria-
ALMOXARIFADO JUiZES dos e pequenos proprietários. No domí-
nio comercial, a intervenção fernandina
pautar-se-á por uma abertura aos agentes
CAPITÃO CONCELHO de comércio nacionais e estrangeiros, o
que motiva a sua discordância em face
da pretensão dos Madeirenses para a
expulsão dos judeus e genoveses.

166
;;,r.

A década de 60 é marcada em termos orla costeira meridional; daí a exigência


económicos pela dominânciada produ- de capelães para Câmara de Lobos,
ção e comércio do cereal madeirense. Ribeira Brava, Ponta do Sol e Arco da Aspecto da costa de Machico. Local onde
Os excedentes cerealíferos da ilha eram terão desembarcado João Gonçalves
Calheta(A. R. M., C. M. F, t. 1, fls. 135-
Zarco e Tristão Vaz, aí foi celebrada
canalizados para o Reino e abasteci- 224). Passados cinco anos sobre estas uma primeira missa e posteriormente
mento das praças marroquinas. Estas orientações, o infante envia à ilha o seu fundada uma capela, da qual nada
últimas recebiam anualmente o saco de ouvidor, Dinis da Grã, com o objectivo resta.
1000 moios de trigo madeirense, contrá- de tomar conhecimento do estado da
rio aos interesses da burguesia do arqui- mesma e desencadear algumas acções
pélago. Daí o empenho manifestadp (ibidem, t. 1, fls. 135-136). Primeiro
pelo senhorio e coroa na sua manuten- soluciona as demandas existentes sobre
ção até que na década de 70 os Açores o usufruto das águas e procede a uma
pudessem preencher a lacuna madei- distribuição cuidada das mesmas.
rense. As reclamações e a correspon- Depois procede à eleição dos oficiais
dente resposta atestam o pouco pro- concelhios. Em apontamentos do
gresso económico da ilha na década de mesmo ano, o infante atesta o seu empe- ção do senhorio, no sentido de minorar
60. A par destas exigências institucionais nhamento no desenvolvimento da cul- essa situação. Assim, todos os feitos pas-
e económicas, surgem outras do domí- tura da cana-de-açúcar (ibidem, t. 1, sam para a alçada dos juízes ordinários,
nio social que atestam o surto demográ- fls. 226-229). Todavia, mostra-se contrá- enquanto em 1470 se ordena a constru-
fico da ilha; à necessária regulamentação rio às pretensões dos moradores da ilha ção de casa para a câmara e o curral do
da posse das heranças associa-se a exi- quanto a uma redução dos direitos concelho (ibidem, t.l, fls.231-233).
gência de mais capelães para o serviço senhoriais; a sua resposta vai no sentido Desta forma, o governo fernandino ter-
religioso. Os primitivos núCleos de do reforço da acção do almoxarife nesse -se-á pautado pelo cercear dos poderes
povoamento (Funchal e Machico) domínio. A manutenção dos abusos dos discricionários do capitão e reforço do
ampliam-se e ramificam-se por toda a capitães conduziu a uma maior interven- poder municipal. A parte final da acção

167
... CAPITÃO

OUVIDOR

do infante D. Fernando é marcada pela todo o espaço da capitania do Funchal, mos de património construído e de
discussão decorrente da afirmação do com a criação dos juízes pedâneos e construção de capelas em Machico,
açúcar na economia madeirense. Aqui a1caides para os lugares de Câmara de Santa Cruz e Câmara de Lobos (1485),
discute-se a política de comércio, como Lobos e Ribeira Brava, passando toda a resultou dos proventos resultantes da
veremos mais adiante. vida municipal a regular-se pelos regi- opulência açucareira. Finalmente, a sua
A acção da infanta D. Beatriz (1470- mentos de Lisboa (ibidem, t. 1, intervenção estende-se também ao.
1481), em substituição dos seus filhos fls. 37 v.0-139). poder municipal, com uma alteração no
D. João e D. Diogo, é marcada pela defi- Com D. Manuel redobram as exigên- sentido do seu reforço, com a recomen-
nição do sistema tributário mercê da cias governativas do senhorio da ilha; a dação para a construção da casa do con-
criação, em 1477, das Alfândegas de situação económica, aliada ao contur- celho, paço e picota (ibidem, t. 1,
Machico e Funchal; aí se definem medi- bado panorama administrativo, impli- fls. 25-25 v. O).
das rigorosas para combater o contra- cou uma forte e eficaz intervenção do A ocupação e valorização económica
bando e a fuga à tributação do açúcar donatário. Note-se que dois terços da da Madeira, nos primórdios da expansão
com o estabelecimento do sistema de documentação emanada da casa senho- atlântica, vai ao encontro das solicita-
estimo dos canaviais. Para o cargo de rial para a ilha são de pena manuelina. ções da conjuntura interna do Reino e
juiz de alfândega é nomeado Luís de A política manuelina, em termos do espaço oriental atlântico. Se no pri-
Atouguia, fidalgo, que exercia então as senhoriais e régios, atendeu aos múlti- meiro caso surge como uma resposta à
funções de contador na ilha. Todavia, a plos aspectos da vida económica, social disputa das Canárias e à busca de um
questão que mais preocupou a infanta e político-institucional neste findar de ponto de apoio para as operações do
era a recusa dos Madeirenses ao paga- século. A situação da safra do açúcar litoral africano, Zurara faz disso eco ao
mento do tributo de 1 200 000 reais implicava uma intervenção forte e capaz referir que as embarcações portuguesas
para as despesas da guerra. A sua inter- de atender às principais solicitações da trilharam escala obrigatória na Madeira,
cessão junto da coroa foi importante sua cultura e comércio. Para além do onde se proviam de «vitualha as ilhas da
para a resolução da questão, em 1481, avanço de medidas adequadas ao debe- Madeira, porque havia aí já abastança de
com a concordância régia no desconto lar da crise comercial, avança-se com mantimentos» (Crónica da Guiné,
da referida quantia do açúcar, que lhe uma política de arroteamento das áreas capo XXXII).
fora anteriormente emprestada pelos arborizadas, de modo a não lesar a cul- De acordo com a versão dos cronistas
lavradores (ibidem, t. 1, fls. 153- tura da cana-sacarina, e, para além das insulares, no começo do Verão de 1420
154 v.O). limitações impostas à concessão de ter- o monarca ordenou o envio de uma
É com o governo da infanta D. Beatriz ras de sesmarias, proíbe-se o uso de expedição comandada por João Gonçal-
que se sente a necessidade de delinear queimadas e estipulam-se medidas de ves Zarco para dar início à ocupação da
um plano de defesa para a ilha capaz de protecção das florestas com a criação do ilha. Acompanhavam-no Tristão Vaz
proteger os locais das investidas dos cor- cargo de meirinho das serras (1495). Os Teixeira, Bartolomeu Perestrelo, alguns
sários franceses e castelhanos. Mas o pri- aspectos urbanísticos mereceram de homiziados que «querião buscar vida e
meiro plano de defesa, estabelecido em igual modo a adequada atenção do ventura, forão muitos, os mais delles do
1476, foi letra-morta, perante o desinte- senhorio, que promove a construção do Algarve» a. Dias Leite, ob. cit., 15-16;
resse manifesto dos seus vizinhos, pelo Mosteiro de Santa Clara, da Sé e Alfân- Gaspar Frutuoso, ob. cit., 53).
que só no governo manuelino tal plano dega do Funchal; além disso, é lançado De acordo com o citado capítulo da
avançaria (ibidem, t. 1, fls. 149-149 v. O). em 1489 um novo direito (imposição do carta de D. João I, João Gonçalves foi
Os poucos anos de governo efectivo vinho), cujos proventos serão utilizados incumbido de proceder à distribuição
de D. Diogo (1482-1484) foram marca- no nobrecimento da vila. Essa política de terras conforme o regulamento que
dos pelo reforço da acção municipal em de enriquecimento do Funchal, em ter- lhe fora entregue. Esta versão oficial

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contraria a opinião expressa dos cronis-
tas do Reino e mesmo o próprio infante
D. Henrique, que aponta a procedência
henriquina da primeira experiência de
povoamento da ilha a. Dias Leite, ob.
cit., 25-26). Todavia, conforme já referi-
mos anteriormente, é ponto assente que
a iniciativa cabe à coroa, sendo o
monarca D. João I a estabelecer a forma
inicial de governo e distribuição das ter-
ras. Nesse regimento joanino estabelece-
-se uma demarcação social dos agracia-
dos com terras de sesmaria. Assim, os
vizinhos de mais elevada condição
social e possuidores de proventos
recebem-nas sem qualquer encargo,
enquanto os pobres e humildes que
vivem do seu trabalho apenas as recebe-
rão mediante condições especiais, só
adquirindo as terras que possam arrotear
com a obrigatoriedade de as tornar ará-
veis num prazo de dez anos. Com estas
cláusulas favorecia-se a posição fundiá-
ria da principal fidalguia que acompa-
nhou os primeiros povoadores e
contribuía-se para o aparecimento de
grandes extensões que mais tarde serão
vinculadas.
A partir de 1433, com a doação do
senhorio das ilhas ao infante D. Henri-
que, esse poder de distribuir terras é
atribuído ao mesmo senhorio, mas «sem
prejuyzo de forma do foro per nos dado
aas ditas ylhas em parte nem em todo
nem em alheamento do dito foro»
(A. R. M., C. M. F., registo geral, t. 1,
fl. 282), o que comprova mais uma vez
que a primeira iniciativa e regulamento redução do prazo para aproveitamento
de distribuição de terras coube ao das terras de sesmaria, dizendo que estas
Sé do Funchal, edifício construído no
monarca. O infante, fazendo uso destas eram «bravas e fragosasas e de muytos século xv sob mandado de D. Manuel 1 e
prerrogativas, delega os seus poderes de arvoredos». Contudo, o infante D. Fer-
onde ainda permanecem algumas
distribuição de terras nos capitães (A. N. nando não abdica do foral henriquino e preciosidades artísticas dos séculos xv e
T. T., Livro das Ilhas, fl. 550 v. O).Estes apenas concede a possibilidade de alar- XVI, como, por exemplo, o tecto de
recebem um foral henriquino, que man- gamento do prazo mediante análise cir- madeira de influência moçárabe, um
tém e confirma as ordenações régias e cunstanciada de cada caso pelo almoxa- cadeiral quatrocentista e o retábulo do
estipula que as terras deverão ser distri- rife (A. R. M., C. M. F., registo geral, t. 1, altar-mor. Elevada à dignidade episcopal
buídas apenas por um prazo de cinco fls. 204-209). Passados cinco anos, os pelas mãos do papa Leão X em 1514,
anos, findo o qual caduca o direito de mesmos vêm reclamar contra o regime desempenhou a partir de então um
posse e a possibilidade de nova conces- de concessão de terras de arvoredos e importante papel no quadro religioso da
são. Confrontadas estas situações com as do modo de as esmontar mercê dos seus expansão portuguesa.
do monarca, notam-se alterações signifi- efeitos nefastos para a safra açucareira
cativas no regime de concessão de ter- (ibidem, t. 1, fls. 135-138 v. O). Perante
ras. A pressão do movimento demográ- tal reclamação, o senhorio ordena aos
fico, aliada à rarefacção de terras para capitães e almoxarifes que se cumpram
distribuir, condicionou essa mudança. os prazos estabelecidos e que seja inter-
Desta forma caduca a diferenciação dito o uso do fogo. No entanto, em
social dos agraciados e o período conce- 1483, o capitão de Machico continua a
dido para as tornar aráveis. Todavia, nas distribuir de sesmarias os montes próxi-
décadas seguintes, a concessão de terras mos do Funchal, com excessivo pre-
de sesmaria e a legitimação da sua posse juízo para os lavradores do açúcar (ibi-
geraram vários conflitos, que implica- dem, t. 1, fls.249-251). D. Manuel
ram a intervenção 1egislativa do senho- repreende o capitão de Machico e soli-
rio ou o arbítrio do seu ouvidor. Em cita que essas concessões, a serem feitas,
1461, os Madeirenses reclamam contra a se façam na presença do provedor. E,

169
finalmente, em 1485 (ibidem, t. 1, ORIGEM, DOS HABITANTES DA FREGUESIA DA SÉ tir deste momento, toda a aquisição de
fl. 51), o mesmo proíbe a distribuição de (registos paroquiais de 1539 a 1600) terras só poderá fazer-se por compra ou
terras de sesmaria nos montes e arvore- aforamento em fatiota e transmissão
dos do Norte da ilha, para em princípio por via familiar por meio de herança,
do século XVI(1501 e 1508) proibir a sucessão e dote. Enquanto a compra e
concessão de terras em regime de sesma- venda surgem como mecanismos de
ria (ibidem, t. 1, fls.287-288, 289 v.o- concentração da propriedade nas mãos
291), forma eficaz de evitar a subtracção da aristocracia e burguesia enriquecidas
dos montes e arvoredos, tão necessários com os proventos da primeira fase de
à safra do açúcar. Não obstante, colonização, ou dos estrangeiros recém-
ressalvavam-se as terras que pudessem -chegados, a herança e dote actuam no
ser aproveitadas em canaviais e vinhe- sentido inverso, conduzindo à desinte-
dos. gração da grande propriedade. A pri-
As reclamações e as medidas conse- meira transacção conhecida data de
quentes do senhorio atestam a pressão 1454 e resulta da venda feita por Diogo
do movimento demográfico sobre a de Teive a Pedro Gonçalves Barbinhas
concessão de terras. Das facilidades da de umas terras no Funchal por 2000
década de 20 entra-se na década de 60 reais brancos (Descobrimentos Portu-
com medidas limitadas dessas conces- gueses, voi. I, n. o 404). Em 1498, Rui
sões como forma de preservar o pascigo Gonçalves da Câmara vende a sua ses-
de usufruto comum e de apoiar os prin- ses, organ. de Silva Marques, voi. I, maria da lombada na Ponta do Sol aJoão
cipais proprietários de canaviais, cuja n.os 356 e 423); nela se especifica que o Esmeraldo (F. A. Silva, A Lombada dos
exploração dependia da existência dos mesmo fará casa nas terras concedidas e Esmeraldos na Ilha da Madeira, Fun-
referidos montes e arvoredos. As exor- que as terras de lavra serão ocupadas em chal, 1933). Quanto ao regime de afora-
bitâncias dos capitães, desrespeitando as vinhas, canaviais e horta. mento, que se generaliza nas últimas
ordenações régias e senhoriais, conduzi- A evolução do movimento demográ- décadas do século xv, a primeira acta
ram a uma diminuição da área de pas- fico madeirense, acompanhada da valo- surge em 1484, quando Constança
cigo de usufruto comum e a essas inces- rização das zonas aráveis com as culturas Rodrigues entrega uma terra em Santa
santes reclamações dos Madeirenses. de exportação, conduziu a profundas Catarina a João da Cunha por 5000 réis
Saliente-se que o próprio D. Manuel alterações na distribuição e posse das de foro (Descobrimentos Portugueses,
contraria, em 1492, o regimento de terras, aliás já evidente no regimento voi. III, n.O 384). Em 1494, esse regime
dadas de terras ao permitir ao capitão do henriquino. Os mercados interno e generaliza-se na cultura dos canaviais da
Funchal a distribuição de terras na serra externo condicionaram um maior apro- capitania do Funchal, com especial inci-
para currais e cultura de cereais e das veitamento do solo arroteável, tornan- dência nas partes do fundo (11 %) e
bermas das ribeiras para a plantação de do-se urgente um adequado reajusta- Câmara de Lobos (31 %).
árvores de fruto (ibidem, t. 1, fl. 45 v. O). mento da estrutura fundiária à nova O povoamento da ilha, iniciado na
Por outro lado, no sentido de evitar a situação. O aparecimento de capitais década de 20 nos pequenos núcleos do
exorbitância do capitão no retirar das estrangeiros e nacionais conduziu à Funchal e Machico, rapidamente alas-
terras doadas, revoga-se tal direito (ibi- intensificação do arroteamento das ter- trou por toda a costa meridional, sur-
dem, t.l, fl.293v.0). No período de ras e provocou alterações na posse des- gindo novos núcleos em Santa Cruz,
1433 a 1495, a concessão de terras de sas por meio das transacções para com- Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta
sesmaria era feita pelo capitão, em nome pra e aforamento em fatiota Uoão do Sol e Calheta. As condições orográfi-
do donatário. A carta deveria ser lavrada Pedro de Freitas Drumond, Documentos cas condicionaram os rumos dessa
pelo escrivão do almoxarifado, na pre- Histórico e Geográficos sobre a Ilha da ocupação do solo madeirense, enquanto
sença do capitão e do almoxarife. No Madeirà (ms. Biblioteca Municipal do a elevada fertilidade do solo e a pressão
seu enunciado deveriam constar as con- Funchal, fls. 15 v.0-17 v.O)]. Em conso- do movimento demográfico implicaram
dições gerais que regulavam esse tipo de nância com estas mutações, surge a afir- esse rápido processo de humanização e
concessão, as confrontações, extensão e mação do sistema de vinculação da terra valorização socioeconómica da ilha. Aos
qualidade do terreno, capacidade de no reinado de D. Manuel, que veio dar obreiros e cabouqueiros iniciais segui-
produção e o tipo de cultura adequado origem ao contrato de colonia Ooão de ram-se diversas levas de gente para esse
à sua exploração, bem como o prazo do Sousa, «Notas para a história da Madeira. arranque desmesurado da ocupação da
seu aproveitamento. Ao colono ou ses- Italianos na ilha - Benoco Amador", in ilha. Desse grupo surgem trinta e seis
meiro deveria caber o cumprimento do Cidade Campo, suplemento do Diário apaniguados da casa do infante, na sua
clausulado e, findo o prazo estabele- de Notícias do Funchal de 6 de Maio de maioria escudeiros e criados, que adqui-
cido, o colono adquire a posse plena do 1984). Note-se que em 1494 se genera- rem uma posição proeminente na dinâ-
terreno, podendo então vender, doar, liza o aforamento dos canaviais na capi- mica administrativa e estrutura fundiá-
«escambar o fazer dela e em ela como tania do Funchal, com a especial inci- ria. Enquanto as gentes importantes
sua propria coisa". dência nas partes do fundo e em Câmara detinham uma posição desafogada no
São poucas as doações de terras que de Lobos. Reino ou ambicionavam melhor situa-
resistiram ao correr dos tempos e que Com a Lei de 9 de Outubro de 1501 ção noutras paragens do Atlântico, aqui
ficaram a testemunhar e legitimar a põe-se termo à concessão de terras de afluíam muitos de inferior qualidade ou
posse do solo arável da ilha. Destas sesmarias, como forma de impedir a preteridos da família pelo regime de
temos notícia de uma de 1457 a Henri- diminuição do parque florestal, tão sucessão vigente. Note-se que o próprio
que Alemão (Descobrimentos Portugue- necessário à laboração do açúcar. A par- João Gonçalves Zarco sentiu essa situa-

170
ç/N) ao salientar junto da coroa quatro
PARÓQUIAS DA MADEIRA NOS SÉCULOSXV E XVI
varões de qualidade para casarem com
as suas filhas; e então o monarca terá
enviado Garcia Homem de Sousa, Diogo
Cabral e Diogo Afonso de Aguiar (Sau- ..
Poo'a Delgada

dades da Terra, 217-218). Na relação ..


$;0Vi"o"
dos homens-bons da capitania do Fun-
chal em 1471, a maioria surgia como
escudeiros, sendo reduzido o número 8."""0
de cavaleiros e fidalgos Ooão Pedro de
Freitas Drumond, ob. cit.). Todavia, a
partir de finais do século xv, o usufruto Moohioo o

de uma elevada condição social pelos .Tab,.


primeiros povoadores e seus descenden- Rihe"a"""," o
.",eito
.. .
Mon'e

tes, resultante da sua intervenção na .São ROO""

estrutura administrativa madeirense, na OS"",,.,


safra açucareira e na nobilitação régia, ... S""",,
",." """""","
mo"',d,"""'"
contribuiu para a formação dessa nova
aristocracia insular, que marca uma posi-
ção de destaque no panorama aristocrá-
tico nacional, competindo com a velha NÚMERO DE FOGOS DAS PARÓQUIAS MADEIRENSES CONFORME
ALVARÁS DE MANTIMENTODOS PÁROCOS (1572-1591)
aristocracia do Reino nas aventuras béli-
cas do Norte de África e Oriente, nas via-
gens de exploração do litoral africano e
..
Ocidente (Alberto A. Sarmento, A Ma- Sei>al
I'. Poota Delgada
. Sao'acoI'.
deira e as Praças de África, Funchal, $;0V"""
1932).
É comum dizer-se terem sido de pro- I'..""ito
veniência algarvia os primeiros e princi-
pais povoadores que estiveram na ori- I'. Calhe"

gem da ocupação da ilha. Essa ideia I'.Aooo


I'.Madaleoa
filia-se na tradição algarvia da gesta .Caoh..

expansionista e na expressão de Jeró- iC-""""


nimo Dias Leite «muitos do Algarve» (ob. ."'.'00
1'.'".,00
cit., 16; Gaspar Frutuoso, ob. cit., 54); .,200
todavia, essa dedução parece-nos apres-
sada, uma vez que faltam provas que
corroborem essa afirmação; numa lista-
gem dos primeiros povoadores referi-
dos nos documentos e crónicas, a pre- in Das Artes e História da Madeira, infante, que detêm uma função impor-
sença nortenha (64 %) é superior à voi. VIII,n. o 37, 5;Joel Serrão, «Naalvo- tante no lançamento das bases institu-
algarvia (25 %). Por outro lado, os regis- rada do mundo atlântico», in Ibidem, cionais do senhorio, não é menos certo
tos paroquiais da freguesia da Sé (desde voi. VI, n. o 31, 1961, 6); Ernesto Gon- que do Norte de Portugal, nomeada-
1539), no período de 1539 a 1600, con- çalves, no entanto, é peremptório em mente da região de Entre Douro e
firmam essa ideia, uma vez que os apontar a ascendência minhota desses Minho, provêm os cabouqueiros neces-
nubentes oriundos de Braga, Viana e primeiros obreiros do povoamento do sários para desbravar a densa floresta e
Porto representam 50 % do total, arquipélago [«No Minho ao sol de adequar o solo ao lançamento de cultu-
enquanto os provenientes de Faro não Verão», in Ibidem, voi. IV, n.o 21,1955, ras mediterrânicas - cereal, vinha,
ultrapassam os 3 % (Luís Francisco de 45-46; Fernando Vaz Pereira, Famílias cana-de-açúcar e pastel; entretanto, do
Sousa e Meio, «Aimigração da Madeira», da Madeira e Porto Santo, voi. I, Fun- Mediterrâneo surgem os Italianos, com a
in História e Sociedade, n. o 6, 1979, chal, s. d., pp. 224 (n.o 1) e 248 (n.o 1)]. sua experiência e o capital necessário
39-57); por outro lado, o pretenso de- Tendo el1lfConsideração que o povoa- para o lançamento da cultura do pastel
monstrativismo de Alberto Iria em nada mento da Madeira é um processo e açúcar. Contudo, o Norte de Portugal,
contribuiu para a solução dessa questão faseado em que intervêm gentes oriun- quer pelo facto de ser a região do País
(O Algarve e a Madeira no Século Xv, das dos mais recônditos destinos, e que mais densamente povoada, quer pela
Lisboa, 1974, sep. de Ultramar; em todo o Reino surgem gentes empe- sua permanente vinculação à economia
confronte-se com a crítica de Fernando nhadas nesta experiência tentadora, é de madeirense, terá exercido uma influên-
J. Pereira em O Algarve e a Madeira, prever a confluência de várias localida- cia decisiva nesse processo.
Braga, 1975). Note-se que alguns dos des do Reino, em especial as áreas ribei- O forte impacte desta nova realidade
mais eminentes investigadores madei- rinhas - Lisboa, Lagos, Aveiro, Porto e atlântica na Península condicionou o seu
renses hesitam entre a procedência Viana -, e de gentes estrangeiras, ades- rápido povoamento e valorização
minhota ou algarvia dos primeiros colo- tradas no arroteamento de terras Üfcul- socioeconómica. O fluxo emigratório
nos (Fernando Augusto da Silva, «Do tas. Se é certo que do Algarve partem europeu conduziu a uma forte pressão
começo do povoamento madeirense», muitos dos apaniguados da casa do do movimento demográfico madei-

171
Ribeira Brava. O recenseamento de 1598
(Arquivo Histórico da Madeira, 11,Fun-
chal, 1932) esclarece com maior clareza
essa situação; nele se verifica que as oito
Delgada freguesias da área circunvizinha da
cidade do Funchal apresentam 44 % dos
fogos e 50 % do número de almas. Além
disso, a capitania do Funchal detém
79 % dos fogos e 82 % das almas. De
salientar que toda a faixa norte, entre o
Porto da Cruz e Porto Moniz, surge com
Maoh"o""" 9 % dos fogos e 8 % das almas.
A par dessa evolução da orgânica
.. Eslce"o municipal e religiosa resultante dessa
Campaoa"o pressão demográfica, a dinâmica institu-
cional madeirense sofre noutros domí-
;:ios profundas mutações, como forma
/ de adaptar os novos condicionalismos
do processo socioeconómico. Nesse
rense; partindo do reduzido número de do Funchal em 1495, as gentes mais domínio foram importantes as iniciati-
colonos que acompanharam os três pro- importantes encontravam-se sediadas na vas do senhorio a partir da década de 60:
motores da iniciativa na década de 20, área da sede concelhia, pois que 66 % enquanto em 1477 D. Beatriz procura
contam-se na década de 40 já cento e destes pertencia ao Funchal, enquanto orientar a economia madeirense no sen-
cinquenta famílias importantes e na os restantes se distribuíam por Câmara tido do mercado externo com a criação
década seguinte oitocentas, para em de Lobos (16%), Ponta do Sol (11 %) e de duas alfândegas, no Funchal e em
princípios do século XVI(1514) se atin- Calheta (6 %). Entretanto, nas partes de Machico, D. Manuel desde 1486 dá o
gir uma população de cinco mil habitan- Machico, o segundo município surgiu impulso decisivo da materialização da
tes. Este impacte demográfico adequa-se apenas em 1515 e ficou sediado em estrutura administrativa adequada às
ao .nível de desenvolvimento econó- Santa Cruz. Toda a costa norte, incluída novas exigências deste final de século;
mico da ilha e pressiona a evolução da na capitania de Machico, se manteve nos assim, este último ordenou a construção
dinâmica institucional e religiosa. A cria- séculos xv a XVIIIvinculada às estruturas de uma igreja de casa para a câmara,
ção dos municípios e das paróquias e a de poder sediadas em Machico. Só em paço para os tabeliães, alfândega e paço
evolução genérica do sistema adminis- 1743 surge aí, em São Vicente, a pri- público, cedendo para o efeito os terre-
trativo e fiscal surgem como os princi- meira estrutura de poder municipal em nos que lhe eram pertença e conhecidos
pais aferidores dessa situação galopante toda essa extensa faixa nortenha. Tal como o «campo do Duque». Desta
da demografia e economia madeirense. situação tratava não só o abandono a forma, o burgo funchalense amplia-se e
No século xv, o povoamento orienta- que foi votado toda essa extensa área a malha urbana ganha uma nova estru-
-se para o litoral meridional, sendo os arborizada mercê das dificuldades de tura renascentista.
locais de fixação definidos por enseadas acesso, mas também a macrocefalia da A exploração económica da ilha
adequadas à comunicação com o exte- estrutura administrativa da capital da orienta-se de acordo com uma política
rior e extensas clareiras aptas à faina agrí- capitania de Machico. de desenvolvimento económico depen-
cola. Assim, às iniciais capelas e oragos Em 1508, ao elevar a vila do Funchal dente dos interesses do tráfico europeu
para o serviço religioso no Funchal e a cidade, o monarca referia que a mesma internacional. A selecção e transplante
Machico juntam-se outras em Santo tinha crescido «em muy grande povoa- dos produtos para as novas arroteias far-
António, Câmara de Lobos, Ribeira çom e como bivem nella muytos fidalg- -se-á, assim, na consonância destes vec-
Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta e nos cavalleyros e pessoas homnradas e tores do dirigismo económico europeu
Santa Cruz. Por outro lado, as dificulda- de grandes fazendas pellas quais e pollo com as diferenças e assimetrias deriva-
des de comunicação dos diversos gramde trauto da dita ilha esperamos das da estrutura do solo e do clima. Esses
núcleos de povoamento adstritos à capi- com ajuda de noso Sennor que a dita impulsos, em conjunto, actuam como
tania do Funchal conduziram a uma bilha muyto mays se emnobreça e acre- mecanismos virtuais de distribuição das
redefinição da orgânica admi'nistrativa e çente [. . .]» (A. R. M., C. M. F., registo culturas europeias-mediterrânicas, com-
fiscal. Primeiro surgem os pedâneos e geral, t. 1, fls. 278 v. °-279). ponentes da dieta alimentar (cereais,
a1caides dos lugares de Câmara de Lobos O desenvolvimento da administração vinha) ou resultantes das solicitações das
e Ribeira Brava e depois a estrutura religiosa e o da prestação do respectivo principais praças europeias (açúcar, pas-
municipal, a legitimar uma incessante serviço nos diversos lugares da ilha são tel) Ooel Serrão, ob. cit., 4).
aspiração das gentes das partes do ao mesmo tempo denunciadores da Tal situação materializar-se-á numa
fundo. Todavia, só em princípios do situação demográfica da ilha. De acordo tendência bem clara destas áreas para
século XVI,com o governo manuelino, com a definição do regime de côngruas uma exploração económica baseada na
são atendidas as pretensões dos homens- na década de todo o século XVI,torna-se mono cultura ou dominância de um pro-
-bons da referida área, criando-se os possível estabelecer e comparar a man- duto. Contra isso surgirá a heterogenei-
municípios da Ponta do Sol (1501) e cha de ocupação humana da ilha. Os dade do espaço insular, que condicio-
Calheta (1502). principais núcleos de população situam- nará a distribuição destas, dando azo a
De acordo com o arrolamento dos -se na costa sul do Funchal (Sé, São uma política distributiva ou uma arruma-
homens-bons para servir no concelho Pedro e Santa Maria Maior), Machico e ção dos principais produtos agrícolas;

172
surgem assim áreas de produção para
r subsistênciae
-se as condiçõestroca, procurando
necessárias definir-
à estabili-
dade das actividades socioeconómicas.
Desta maneira, a afirmação do açúcar na
Madeira implica a criação de novas áreas
de produção cerealífera, capazes de
suprirem esta e outras praças carentes.
De igual modo, a heterogeneidade e a
descontinuidade do espaço arável dos
arquipélagos das Canárias e dos Açores
I condicionarão essa distribuição dos pro-
I dutos e sectores de actividade nas diver-
sas ilhas, definida pela dominância des-
tes de acordo com as necessidades
internas e externas. Assim, as ilhas de
Fuerteventura e Tenerife serão vocacio-
nadas para atender as necessidades da
sua própria subsistência e das ilhas vizi-
nhas, enquanto as ilhas de São Miguel,
Graciosa, São Jorge, suprirão as carên-
cias de Angra, praças africanas e
Madeira. Nas ilhas de Tenerife e São
Miguel, mercê da actuação hábil dos
governantes ou da disponibilidade de
áreas de arroteias, foi possível conciliar
as necessidades de subsistência com a
voracidade das solicitações do mercado
externo.
Esta situação de interdependência
activa uma trama complicada de circui-
tos comerciais interinsulares, necessá-
rios à manutenção desta tendência
monocultural.
O povoamento e exploração do
espaço insular mia-se na actividade que definida pelos cereais (trigo, cevada,
domina o mesmo processo e economia centeio), os colonos europeus que
insular. O carácter agrário destas socie- povoaram estas ilhas não menosprezam Aspecto do Faial, povoação situada na
parte setentrional da ilha da Madeira
dades nascentes é compatível com as o quantitativo de grão necessário para a
necessidades derivadas da subsistência e sementeira nestas novas frentes de arro- que se constituiu como pólo de
desenvolvimento dessa mesma região,
das solicitações externas. Ambos os sec- teamento (ibidem, m, 217; Joel Serrão, quando o povoamento se expandiu para
tores alicerçaram o rumo desta econo- «Sobre o trigo das ilhas», in D. A. H. M., norte, convertendo-se num centro
mia, definindo, por um lado, a aposta n.o 2, 1950,2; Oliveira Marques, Intro- populacional de relativa importância.
numa agricultura de subsistência, dução à História da Agricultura em
assente nos componentes da dieta ali- Portugal, Lisboa, 1978, 269-254). O
mentar europeia, e, por outro lado, a fenómeno de ocupação e povoamento
imposição de produtos estranhos capa- das ilhas atlânticas é, assim, caracteri-
zes de activarem o sistema de trocas (V. zado pela transplantação de homens,
de M. Godinho, Os Descobrimentos e a técnicas, produtos e formas de domínio
Economia Mundial, 11,232-233). e poder. Estes serão moldados à imagem
A estrutura do sector produtivo e semelhança das terras de origem destes
adaptar-se-á a esta ambiência, podendo colonos. Assim surgem as searas, os
definir-se em componentes de dieta ali- vinhedos, as hortas e fruteiras, domina-
mentar - cereais, vinha, hortas, frutei- dos pela casa de palha e, mais tarde,
ras, gado e derivados - e de troca colo- pelas luxuosas vivendas senhoriais.
nial - pastel, cana-de-açúcar. Em Na Madeira, até à década de 70, a pai-
consonância com a actividade agrícola, sagem agrícola será dominada pelas sea-
teremos a valorização dos recursos do ras, decoradas de parreiras e canaviais. A
meio insular que irão integrar a dieta ali- cultura cerealífera dominava então a
mentar - pesca, silvicultura - e as tro- economia madeirense; Fernando Jas-
cas comerciais - urzela, sumagre, mins Pereira refere, a este propósito,
madeiras e derivados, como pez. que no período henriquino os cereais
Oriundos de uma área em que a com- constituíram a base da colonização da
ponente fundamental da alimentação é ilha (Alguns Elementos [. . .j, 99).

173
facilidade ao solo insular e conquistou
VINHAS E LATADAS NA MADEIRA uma posição de valor na economia
insular.
Cadamosto, que em meados do século
xv visitou a Madeira, ficou deslumbrado
com o rápido crescimento desta cultura,
Faial.
aduzindo que a ilha «tem vinhos, muitís-
simo bons, se se considerar que a ilha é
habitada há pouco tempo são em tanta
quantidade, que chegam para os da ilha
e se exportam muitos deles» (ob. cit.,
37).
LCa'ha, A cultura da vinha na Madeira absor-
,., . E",e,'o via já nessa altura uma porção considerá-
vel da área arroteada da ilha e, de modo
'" especial, a zona ribeirinha do Funchal,
WKm
J onde se nos deparam doze vinhas e treze
latadas. Além-Funchal, na área entre a
Ribeira Brava e Ponta do Sol, encontra-
mos apenas oito latadas (V. Rau, O Açú-
A fertilidade do solo, resultante das nas décadas de 70 e 80, que conduziu ao car da Madeira [. . .l, 66-74; A. R. M.,
queimadas, fez que esta cultura atingisse alastramento da fome, em 1485, surgirá Misericórdia do Funchal, n.OS40, 43,
níveis de produção espectaculares, que como a principal preocupação das auto- 694 e 71 O). Na primeira metade do
a historiografia quatrocentista e qui- ridades locais e centrais. Primeiro século seguinte esta cultura aumenta em
nhentista anuncia com assiduidade, procura-se colmatar essa falta inicial extensão e importância, alargando-se a
notando que se exportava para o Reino com o recurso à Berberia, Porto, Setú- novas áreas, como Câmara de Lobos,
e praças africanas (Alberto Iria, art. cit.; bal, Salonica; depois foi necessário defi- Caniço e Ribeira Brava. A partir de mea-
Joel Serrão, art. cit.). Em meados do nir uma área produtora capaz de suprir dos do mesmo século, esta conquista em
século, segundo Cadamosto, a ilha pro- as necessidades dos Madeirenses. Assim definitivo o solo madeirense, substi-
duzia 3000 moios de trigo, que excedia sucedeu, desde 1508, com a definição tuindo os canaviais e alargando-se às cla-
em mais de 65 % as necessidades da dos Açores como principal área cerealí- reiras da vertente norte, de modo que
parca população «<Navegação de Luís fera do Atlântico português, actuando em finais do século esta existia com
Cadamosto», in A Madeira Vista por como o celeiro de provimento da abundância em todos os núcleos de
Estrangeiros, Funchal, 198 I, 36). Esse Madeira e substitutivo desta no forneci- povoamento.
excedente, avaliado em cerca de dois mento às praças africanas. Os trigais e canaviais davam assim
terços da produção, era exportado para A Madeira, que se havia afirmado, no lugar às latadas e balseiras, a vinha
o Reino e, segundo os cronistas, vendia- período henriquino, como um impor- tornava-se na cultura exclusiva do
-se ao preço de 4 reais (O Relato de tante mercado de fornecimento de trigo, colono madeirense, à qual dedica toda a
Diogo Gomes, Boletim da Sociedade de passará, no governo fernandino, à situa- sua acção e engenho. O vinho adquire o
Geografia, n. o 5, 291-292; Jerónimo ção de compradora, adquirindo mais de primeiro lugar na economia madeiren-
Dias Leite, ob. cit., 180-181). Desse metade do seu consumo nas ilhas vizi- se, mantendo-se por cerca de três sé-
total, desde 1461, 1000 moios destina- nhas: Açores e Canárias. culos.
vam-se ao saco da Guiné (A. R. M., A crise cerealífera madeirense surge A evolução da situação vitivinícola
C. M. F., registo geral, I, 205-206, 3 de em consonância com a afirmação da madeirense é apresentada de modo
Agosto). mesma cultura no solo açoriano. Aliás, exemplar por alguns visitantes da ilha
Não obstante, a partir da década de Joel Serrão refere-nos que a sua valoriza- nesse século. Assim, em 1547, Hans
60, com a valorização da produção açu- ção açoriana resulta dessa situação (art. Standen definia a economia da ilha pelo
careira, as searas diminuíram em superfí- cit., 5-6). O rápido incentivo deste arqui- binómio vinho/açúcar, enquanto em
cie e a produção cerealífera passou a ser pélago nas décadas de 60 e 70 conduziu Maio desse ano a vereação funchalense
deficitária. E, a partir de 1466, a ilha pre- a igual desenvolvimento da cultura decidia o preço do vinho, uma vez que
cisava de importar trigo de fora para o cerealífera, de modo que esta, em finais «nesta ilha as mais pessoas de lia vivem
sustento dos seus vizinhos, sendo, por- do século, se afirmava como a principal de vinhos» (A. R. M., C. M. F., n. o 1380,
tanto, impossível manter as escápulas área produtora de trigo do Novo Mundo fi. 44). Esta última situação surge refor-
estabe1ecidas (ibidem, 226-299 v. o, 7 de (veja-se o nosso estudo «A questão çada em meados do século, e isto de tal
Novembro). Aliás, em 1479 referia-se cerealífera nos Açores», in Arquipélago, modo que na década de 70 o vinho se
que essa produção dava apenas para Ciências Humanas, série «História e Filo- apresentará como o principal produto
quatro meses. Esta última situação deri- sofia», 1, Ponta Delgada, 1985). de exportação (V. de M. Godinho, ob.
vava da acção dominadora dos cana- Os cabouqueiros peninsulares trans- cit., m, 224). Em 1583, T. Nichols refe-
viais, aliada ao rápido esgotamento do portaram conjuntamente com os pou- ria que «Ia producción principal de este
solo e inadequação da cultura, resultante cos grãos de cereal alguns bacelos das país es una gran cantidad de vino excep-
de uma exploração intensiva, sem boas cepas existentes no Reino, de cionalmente bueno, que se lleva a
recurso a qualquer técnica de arro- modo a poderem dispor do precioso muchos lugares» (Descripción e Historia
teamento. rubinéctar para o ritual cristão e ali- de las islas Canarias, Santa Cruz de
O agravamento do défice cerealífero mento diário. A videira adaptou-se com Tenerife, 1978, 226). E, em 1590, Tor-

174
riani dava conta da abundância de vas e o Madeirense surge em muitas
vinhos na ilha, referindo «que superou delas como um elemento reanimador do
en mucho lo que en su tiempo havia seu arranque, primeiro na ocupação e Ponta de São Lourenço. Situada na
visto Alvise da Mosto» (Alejandro Ciora- povoamento da ilha de São Miguel, região leste da ilha da Madeira
avistando o mar, mar por onde
nescu, Thomas Nicho/as [. . . J, La desde 1474, depois nas Canárias, São
chegaram os primeiros povoadores e
Laguna, 1963, 122). A partir desta pri- Tomé e Brasil. Para essas paragens, o donde partiu uma experiência de
meira iniciativa de povoamento e valori- Madeirense levou a experiência de mais organização socioeconómica e
zação socioeconómica de uma área do de meio século de faina agrícola e a administrativa que alcançou as
novo espaço insular avança o processo necessária esperança do seu êxito. Desta longínquas paragens que os Portugueses
de ocupação do Atlântico. A experiência forma, o Madeirense e a sua ilha estão colonizaram, a ponta de São Lourenço
madeirense serve ao mesmo tempo de ligados ao processo de ocupação do constitui um espectáculo de rara beleza,
---
alento e modelo para idênticas iniciati- Novo Mundo atlântico. digna da Pérola do Atlãntico.

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175
Consequências do povoa1nento
e o ciclo do açúcar na Madeira
nos séculos XV e XVI

ALBERTO VIElRA

A transplantação da cultura da cana-de-açúcar para a ilha da Madeira nos primórdios do


século xv e. o seu grande s,ucesso a partir das últimas décadas do mesmo século e no seguinte
marcaram profundamente a vida social e económica do arquipélago e de todo o espaço atlântico
envolvido na rede de relações decorrentes da comercialização do «ouro branco».
O desenvolvimento da cultura sacarina na ilha da Madeira, tendo desempenhado um papel
importante na economia portuguesa seiscentista, constituiu um incentivo e uma fonte de
experiência de incalculável valor no quadro da expansão europeia, permitindo o sucesso desta
cultura nas mais longínquas regiões, nomeadamente as Antilhas, a ilha de São Tomé e o Brasil

Do Açuquar, ou néctar na jactancia, mediterrânica, que, depois, permitiu o Ribeiro, L'Ile de Madere [. . . j, Lisboa,
Por Comida de Jove Saborosa seu alargamento aos Açores, Canárias, 1949, 67; Elias Serra Ráfols, «El gofio
Terá por ágoas taes, mais abundancia, São Tomé, Brasil e Antilhas. nuestro de cada día", in Estudios Cana-
Que a India, que hé por elle tam formoza;
O melhor, & mais puro na substancia, O açúcar e o vinho surgem na econo- rios, XIV-XV, 1969-1970, 97-99). Na
De toda Europa, insigne, & poderosa mia madeirense como produtos domi- década de 60, a partir das análises de
Porquem crescendo será de dia em dia, nantes, catalisadores da animação Frédéric Mauro e Vitorino de Magalhães
Na substancia, no trato & mercancia. socioeconómica das gentes insulares. Godinho, passou a definir-se a econo-
(Manuel Thomas, Insulana, Amberes, Tais produtos surgem, em simultâneo, mia insular por um regime de produtos
1635, x, 81) como factores de enriquecimento e dominantes, e não de monocultura
Manuel Thomas, próximo da época debilitação dos precários mecanismos (como o entendeu Victor Morales Lez-
áurea da safra açucare ira madeirense, dá- da estrutura económica da ilha, mercê cano, Les relaciones mercantiles entre
-nos conta, nestes versos do seu poema, da definição de uma forte dependência Inglaterra y los archipiélagos atlanti-
da dinâmica do açúcar na Madeira nos em relação ao mercado europeu, que cos ibéricos, La Laguna, 1970, 32-36).
séculos xv e XVI; situa a sua remota filia- impõe o produto, financia a sua cultura Desta forma, a definição de ciclo de açú-
ção no Oriente, ao mesmo tempo que dá e controla o seu comércio e consumo. car deverá ser entendida apenas como o
conta da sua vulgarização no Ocidente, Partindo deste ponto de vista, Fernand desenvolvimento dominante, e não
mercê da sua transplantação para o novo Braudel definiu em 1949 a economia do exclusivo, da cultura da cana que cata-
espaço atlântico, onde veio enobrecer a Mediterrâneo atlântico como um regime lisa o movimento da exportação (Frédé-
ilha e as suas gentes. De acordo com esta produtivo de monocultura (Fernand ric Mauro, Le Portugal et l'Atlantique }
perspectiva procurar-se-á definir, ainda Braudel, La Mediterraneé et le monde au XVI" siecle, Paris, 1960, 231, e
que de modo sucinto, o ciclo do açúcar mediterranéen [. . . j, vol. I, Paris, «Conjoncture économique et sctructure
na Madeira nos séculos xv e XVI. Tal 1949, 123). Todavia, tal caracterização sociale en Amérique latine depuis I'épo-
análise salienta-se no contexto da eco- da ambiência económica insular mere- que coloniale", in Hommage à Ernest
nomia açucareira atlântica mercê do ceu a refutação de Orlando Ribeiro, no Labrousse, Paris, 1974, 238-240; Vito-
facto de a Madeira ter sido a primeira que concerne à Madeira, e de Elias Serra rino de Magalhães Godinho, «A divisão
experiência desta cultura fora da Europa Ráfols, quanto às Canárias (Orlando da História de Portugal em períodos", in

212
Ensaios, 11, 2.a ed., 1978, 12-14). No económico no mercado europeu-
entanto, tal retrato estará sempre dis- -mediterrânico, foi um dos primeiros e
tante da policromia das condições em principais produtos que a Europa legou A Europa e o oceano Atlântico (carta
que vivem a açucareira brasileira e anti- e impôs às novas áreas de ocupação: pri- atribuída a Diogo Homem, datada de
lhana, sendo impossível a definição de meiro chegou à Madeira e daí passou 1570 e existente no Museu Britânico).
uma sociologia do açúcar ou de uma para os Açores e Canárias.
civilização açucareira com fortes impli- A cana-de-açúcar, na sua primeira
cações ambientais e arquitectónicas (Gil- experiência além-Europa, evidenciou as
berto Freire, «Contribuição brasileira suas possibilidades de desenvolvimento
para uma sociologia do açúcar)), in fora do habitat mediterrânico. Esta evi-
Sociologia do Açúcar, Recife, 1971, dência catalisou as atenções do capital
estrangeiro e nacional, que apostou no
9-12). ~I\)
crescimento e promoção desta cultura
na ilha. Só assim se poderá compreender
Cultura, produção e crise o arranque rápido da mesma. Esta, que
nos primórdios da ocupação do solo
A Europa distribui os produtos de cul- insular se apresentava como uma cultura gada dos alísios, onde os canaviais
tivo pelas áreas adequadas e assegura as
condições necessárias à sua implantação
e ao seu escoamento e comércio. Dentro
subsidiária, surge a partir das últimas
décadas do século xv como o produto
dominante, situação que se manterá até
. atingem os 400 m de altitude;
O Nordeste, dominado pelas planta-
ções da capitania de Machico (Porto
destes parâmetros, surgem a cana-de- à primeira metade do século XVI. da Cruz e Faial até Santana), solo em
-açúcare o pastel, que se alargam a todo A cana-sacarina, usufruindo do apoio que as condições mesológicas não
o espaço insular atlântico. Os incentivos e protecção do senhorio e da coroa, permitem a sua cultura além dos
da coroa e municípios, aliados à sua ele- conquista o espaço arroteado das searas, 200 m, nem uma produção idêntica à
vada vaioração pelos agentes europeus, expandindo-se a todo o solo arável da primeira área (Orlando Ribeiro, ob.
actuaram como mecanismo de desen,- ilha. Aí poderemos distinguir duas áreas: cit., 60-62; Vitorino de Magalhães
volvimento e expansão destas culturas Godinho, Os Descobrimentos e a Eco-
no mundo insular. . Avertentemeridional(de Machico à nomia Mundial, vol. IV, Lisboa,
A cana-de-açúcar, pelo seu alto valor Calheta), com um clima quente e abri- 1983, 80-81).

213
situação não se manteve estanque no
solo madeirense, pois a evolução acele-
rada da referida cultura e o seu rápido
declínio na primeira metade do sé-
culo XVIdefiniram uma nova dinâmica
para o regime de posse e cultivo dos
canaviais. Os livros dos quartos e quin-
tos disponíveis para os anos de 1509 a
1537 assim o retratam (veja-se nosso
estudo «O regime de propriedade na
Madeira. O caso do açúcar, 1230-1537",
in Colóquio Internacional de História
da Madeira, Funchal, 1987).
A grande propriedade, quase inexis-
tente em 1494, surge de modo evidente
na primeira metade do século XVI,
circunscrevendo-se às comarcas da
Calheta e Ribeira Brava, área definida em
1494 como as partes do fundo. Aí
encontramos vinte e dois proprietários
com mais de 2000 arrobas, com 36,64 %
da produção. Estes têm um quantitativo
A capitania do Funchal agregava no segunda apresenta 25 %, valor idêntico de produção duas vezes superior ao dos
seu perímetro as melhores terras para a ao total da capitania de Machico, com seus parceiros de 1494, chegando
produção do açúcar, ocupando a quase 25% (F.]. Pereira, ibidem, 95 a 155). mesmo a atingir isoladamente 27,90 %
totalidade do espaço da vertente meri- Numa análise em separado das diver- da comarca ou 7,96 % da capitania.
dional. À capitania de Machico restava sas comarcas da capitania do Funchal Idêntica é a situação dos proprietários
apenas uma reduzida parcela desssa área verifica-se que a comarca do Funchal com valor entre 1000 e 2000 arrobas,
e todo um vasto espaço acidentado domina essa produção, com 32,82 %, onde os primeiros atingem 27,90 'Yc,da
impróprio para a cultura. Assim, em seguindo-se a Calheta, com 27,34%. As produção da capitania e os segundos
1494, do açúcar produzido na ilha, ape- comarcas de Ribeira Brava e Ponta do apenas 9,95%.
nas 20 % advêm da capitania de Machico Sol surgem numa posição secundária, A situação torna-se mais explícita se
e o sobrante da capitania do Funchal. respectivamente com 20,28 % e 19,56 % atendermos à posição destes na ordem
Em 1520, a primeira atinge 25 % (Virgí- (idem, ibidem, 95; segundo razão~do dos proprietários. Assim, em 1494, os
nia Rau e Borges Macedo, O Açúcar na bacharel Bartolomeu Lopes de l,tO, vinte principais produzem no Funchal
Madeira nos Fins do Século XV, Fun- Arquivo Nacional da Torre do Tombo, metade do quantitativo da zona,
chal, 1962, 15; V. de M. Godinho, ibi- Corpo Cronológico, 11,86, 171). enquanto nas partes do fundo atingem
dem, 80; Fernando Jasmins Pereira, O O conhecimento do sistema fundiário metade da capitania. No período subse-
Açúcar Madeirense [. . .j, Lisboa, 1969, na Madeira nos séculos xv e XVI não quente, apenas os cinco principais ultra-
95). pode ser dissociado da estrutura econó- passam este valor, chegando a atingir
Fernando Jasmins Pereira, numa aná- mica insular, assente, neste momento, 90,45 % na Calhe ta em 1534.
lise comparada da produção das duas na dominância da cultura da cana-de- Perante esta evidência, parece-nos
capitanias entre 1498 e 1537, discorda -açúcar. As técnicas e os produtos, em ponto assente que a primeira metade do
da relação até então estabeleci da, pois, conjugação com as condições mesológi- século XVIé pautada pela afirmação da
de acordo com a sua análise, a razão cas e sociodemográficas, definiram esse grande propriedade, a qual se consolida
situa-seem 4 : 1 para os primeiros decé- sistema. Deste modo, o estudo do em pleno nas comarcas das partes do
Bios do século XVI, descendo entre regime da propriedade na Madeira entre fundo. Na comarca do Funchal e na
1521-1524 para 3:1 e recuperando na meados do século xv e meados do sé- capitania de Machico afirma-se, respecti-
segunda metade do decénio para 4: 1 culo XVI deverá incidir fundamental- vamente, a média e pequena proprie-
(F.]. Pereira, ibidem, 100-101; V. Rau, mente neste produto, tal como a análise dade. Note-se que o número de proprie-
ibidem, 14). para o período subsequente deverá tários com menos de 100 arrobas é
Na capitania do Funchal, os canaviais desviar-se obrigatoriamente para o reduzidíssimo na capitania do Funchal
distribuem-se de modo irregular, de outro produto dominante: o vinho. (4,84 %), e nomeadamente nas comarcas
acordo com as condições mesológicas Assim o entenderam Virgínia Rau e Jorge das partes do fundo (com valores entre
da área. Assim, em 1494, a maior safra de Macedo, na década de 60, ao fazerem 0,82 % e os 4,53 %), enquanto na capita-
situava-se na partes do fundo, englo- incidir a sua análise no livro de estimos nia de Machico atinge mais de metade
bando as comarcas da Ribeira Brava, da capitania do Funchal de 1494. (53,36 %).
Ponta do Sol e Calheta, com 64 %, A partir daí ficou definido que a cul- Deste modo, podemos também con-
enquanto o Funchal e Câmara de Lobos tura dos canaviais se fazia em regime de cluir que, desde finais do século XV, é
tinham apenas 16% (V. Rau, ibidem, 15; pequena e média propriedade, sistema dominante a tendência concentracio-
V. de M. Godinho, ibidem, 80). Em que ficava muito aquém das plantações nista dos canaviais. Esta situação resulta
1520, não obstante uma ligeira altera- brasileiras. O engenho madeirense não da evolução do sistema de propriedade,
ção, a diferença mantém-se, pois a pri- adquire a complexidade e dimensão do desde essa data, com a criação devín-
meira surge com ~:O%, enquanto a equivalente brasileiro. Não obstante, a eulos e capelas.

214
11

Acrise, como vimos, conduziu apenas Lombada da Calheta (Arquivo Histórico VII Coloquio de Historia Canario-
a uma redução do número de canaviais da Madeira, XIV, 1964-1966, 56). Nas -Americana, Las Palmas, 1986).
e canse quente valor de produção, afec- Canárias, em La Orotava (Tenerife), a A existência de inúmeros cursos de
tando de modo especial o pequeno pro- construção do engenho de Alonso Fer- água na ilha e a disponibilidade de exce-
prietário. O endividamento de muitos e nández Lugo custou 1337,924 marave- lentes madeiras da capitania de Machico
a canse quente penhora levaram à sua dis (Fernando Gabriel Martín Rodríguez, contribuíram para o rápido desenvolvi-
transferência para as mãos do grande Arquitectura doméstica canaria, Santa mento da tecnologia do açúcar. Assim,
proprietário: aristocrata, funcionário ou Cruz de Tenerife, 1975, 298-304)]. em 1498, vinte e oito anos após a cons-
mercador. Essa conjuntura conduzirá No início, a safra do açúcar estava trução do primeiro engenho de água,
nas comarcas da Ribeira Brava e Calheta entregue a rudimentares técnicas, existiam na ilha cerca de oitenta mestres
ao reforço da grande propriedade, usando-se apenas a alçaprema, que de engenho, o que poderá equivaler a
enquanto no Funchal e Ponta do Sol terá poderia ser utilizada em simultâneo na igual número de engenhos (ARM, CMF,
um efeito contrário. laboração do vinho. Todavia, o registo geral, t. I, fls. 172-179, carta do
O estatuto social do grupo possidente aumento da produção inviabilizou tal duque de 21 de Junho de 1493). Além
condicionou de igual modo esta tendên- processo, dando origem a novos inven- disso, conhecem-se alguns mestres de
cia concentracionista. O funcionalismo tos ou à sua importação do espaço medi- fazer engenho, como o alemão Armão
régio e local, o estrangeiro -mercador terrânico. Desta forma surge a moenda Álvares e André Lourenço de Santa
ou não-, dispunham de uma maior por tracção animal e, em 1452, o pri- Cruz, que contribuíram em muito para o
capacidade de manobra no apertado meiro engenho de água de Diogo de aumento do parque industrial madei-
quadro da sociedade insular. Estes sur- Teive, que veio revolucionar o processo rense (Sousa Viterbo, «Artes industriais e
gem, de um modo geral, como os gran- de laboração do açúcar (Arquivo Regio- indústrias portuguesas. A indústria saca-
des proprietários das diversas comarcas; nal da Madeira, ARM, Câmara Munici- rina», in Instituto, vol. 55, 1908,409 e
na verdade, representam 65,90 % dos pal do Funchal, CMF, registo geral, t. I, 496). Note-se que em finais do sé-
proprietários com mais de 1000 arrobas, fl. 132 v.o). Segundo David F. Gouveia, culo XVI,em plena crise açucareira, coe-
produzindo 23,90 % do açúcar do este seria um invento madeirense, exe- xistem na ilha trinta e cinco engenhos,
período em análise. cutado por Diogo de Teive, negando disseminados pela vertente meridional
Em termos gerais, podemos afirmar desta forma a origem siciliana ou anti- da ilha (Gaspar Frutuoso, Saudades da
que a cultura de cana-de-açúcar benefi- lhana desta inovação da tecnologia açu- Terra, passim). Dessas complexas enge-
ciava apenas um reduzido grupo da clreira «<Oaçúcar da Madeira. Amanufac- nhocas apenas ficou referência em um
população madeirense. Nesse grupo tura açucareira madeirense, 1420-1550», inventário de 1230 de António Teixeira
merece especial referência a aristocracia in Atlântico, n. ° 4, 1985, 267-269). A (Alberto Artur Sarmento, «Apontamen-
terratenente e a burguesia, enriquecidas partir de meados do século xv coexis- tos históricos de Machico», in Das Artes
com o comércio do açúcar, com os con- tem na ilha as alçapremas, trapiches de e da História da Madeira, vol. I, n. ° 1,
tratas de arrendamento e no exercício besta e os engenhos de água, definindo 1923,8-9). De acordo com o número de
de funções na administração municipal e cada qual uma dimensão diversa da pro- caldeiras (quatro) e formas (novecentas)
régia. A situação privilegiada de que dução e dos seus proprietários (ARM, referenciadas no dito inventário, poder-
gozavam na sociedade insular contri- C/vIF, registo geral, t. I, t1. 216, carta -se-á estimar a produção semanal deste
buiu para o reforço da sua posição na régia de 17 de Agosto de 1468). A ele- engenho em cento e trinta pães de açú-
estrutura fundiária. Será na confluência vada rendibilidade do engenho, asso- car, o equivalente a 400 ou 230 arrobas,
da produção, do comércio e da regula- ciada às condições orográficas e existên- podendo moer numa safra mais de 2300
mentação deste produto, ao nível local cia de abundantes mananciais de água, arrobas (David F. Gouveia, art. cit.). O
e central, que surge e se afirma o grupo conduziria à sua generalização a partir da engenho brasileiro e antilhano produzia
possidente. década de 60. em igual período mais de duzentos pães
O engenho, estrutura industrial com- Em torno do engenho reúne-se uma (André João Antonil, Cultura e Opulên-
plexa, está intimamente relacionado numerosa mão-de-obra assalariada ou cia do Brasil [. . .j, Lisboa, 1711; Henry
com a produção e sistema fundiário, escrava que executa diversas tarefas: car- Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil,
destacando-se como o principal pólo de pinteiros, mestres de açúcar, purgado- Recife, 1978, 349-423).
animação da safra açucareira. O enge- res, refinadores, escumeiros, almocre- O incentivo à produção açucareira, na
nho simboliza não só o sistema de moa- ves, canavieiros, feitores, ete. A todos é Madeira e nas Canárias, derivava das
gem e laboração do açúcar e derivados, exigido o máximo dos seus conheci- facilidades do seu rápido escoamento e
mas também a complexidade das instala- mentos técnicos para que o produto igualmente da criação de condições para
ções sucedâneas ou de apoio, como casa resultante da safra venha a surgir no o normal andamento das tarefas agríco-
da caldeira, de purgar, armazéns, mora- mercado com a qualidade exigi da pelo las e laboração dos engenhos. Por isso
dias e capela (o engenho madeirense não consumidor europeu. A coroa e o muni- foram regulamentados o uso das águas,
adquire a dimensão socioarquitectónica cípio intervêm, regulamentando exausti- a construção de levadas, o corte e trans-
do correspondente brasileiro, pelo que vamente as tarefas e sujeitando os ofí- porte da lenha e reparo dos engenhos
se tarna anacrónica a definição de uma cios em causa a um exame e juramento (ARM, CMF, Livro de Posturas, fls. 68-
cidade do açúcar no Funchal). Era uma anual em vereação. Desta forma, os 71; Álvaro Rodrigues de Azevedo,
infra-estrutura complexa que implicava diversos regimentos do senhorio e «Anotações», in Saudades da Terra,
um elevado investimento de capital [em coroa, as posturas, retratam-nos essa Funchal, 1873,436-471 e 673; Fernando
1571, Simão Fernandes Sequeira, cama- azáfama do engenho (Alberto Vieira, Augusto da Silva, Elucidário Madei-
reiro da rainha, recebeu 9200 réis de «Introdução ao estudo do direito local rense, Funchal, 1940-1945, 24-25 e
empréstimo da Fazenda Real para reparo insular. As posturas da Madeira, Açores 242-243).
do engenho da mesma rainha sito na e Canárias nos séculos XVI e XVII», in Definido o proprietário, o regime de

215
dução e exportação de açúcar para as
ENGENHOS DO AÇÚCAR (C. 1590) praças nórdicas e mediterrânicas (idem,
ibidem, 130-160).
Criadas as condições a nível interno,
por meio do incentivo ao investimento
de capitais nacionais e estrangeiros na
cultura da cana sacarina e comércio dos
seus derivados, do apoio do senhorio,
da coroa e da administração local, a cul-
/' tura estava em condições de progredir e
Machico.
de se tornar, por algum tempo, no pro-

.
duto dominante da economia madei-
rense. O incentivo externo, bem como
a incessante procura do consumidor
.
. Campanário
Caniço mediterrânico e nórdico, aceleraram a
Cámar"i;bOS sua expansão. Tudo isto explica o
rápido movimento ascendente, tal como
o percurso inverso.
exploração e o produto adequado ao Para esta rápida progressão da econo- A fase ascendente, que poderá situar-
solo e às necessidades do momento, não mia madeirense em muito contribuiu a -se entre 1450 e 1506, não obstante a
estava ainda concluída a intervenção das intervenção dos senhorios e monarcas e situação depressionária de 1497-1499, é
autoridades, uma vez que estas preten- o investimento de capital estrangeiro, marcada por um crescimento acelerado
dem não só assegurar a sua manutenção, nomeadamente genovês (Gaspar Fru- que entre 1454 e 1472 se situava na
mas também a qualidade e preços con- tuoso, ob. cit., 110; Charles Verlinden, ordem dos 240 % e no período subse-
dignos. «Les débuts de Ia production et l'expor- quente, até 1493, em 1430 %, isto é,
A defesa e manutenção da qualidade tation du sucre à Madere. Quel rôle y uma média anual de 13,3 % no primeiro
do produto colhido no solo insular é joyerent les italiens?", in Studi in memo- caso e de 68 % no segundo. No período
uma das constantes da actuação das ria de Luigi deI Pane, 1982, 301-310, e seguinte, após o colapso de 1497-1499,
autoridades régias e locais, atingindo Les origines de la civilisation atlanti- a recuperação é de tal modo rápida que
especialmente os produtos da exporta- que, Neuchâtel, 1966, 169). O infante em 1500-1501 o crescimento é de 110 %
ção: o vinho, o pastel e o açúcar. Esta- D. Henrique (Gaspar Frutuoso, ibidem, e em 1502-1503 de 205 %. Esta forte
vam definidos para todos, por regimen- 64 e 146; Pita Ferreira, O Arquipélago aceleração do ritmo de crescimento nos
tos específicos, as tarefas de cultivo, da Madeira, Terra do Senhor Infante primeiros anos do século XVIirá marcar
cuidado e laboração final do produto, de 1420 a 1460, Funchal, 1959, 23; um máximo, atingido em 1506, seguido
de modo que este se apresentasse nas Duarte Leite, História dos Descobrimen- de um rápido declínio nos anos imedia-
condições e quantidades necessárias tos, I, Lisboa, 1959, 422-454; Amorim tos. E isto de tal modo que em quatro
para a sua comercialização. Assim, para Parreira, «História do açúcar em Portu- anos se atinge um valor inferior ao do
o pastel aparece nos Açores o regimento gab>,in Anais da Junta do Ultramar, início do século. A situação agrava-se
de 1536, em que se estabeleciam normas vol. VII, Lisboa, 1952, 22-25) surge nas duas décadas seguintes, baixando a
para a sua cultura e laboração, ao mesmo como o promotor e principal financia- produção na capitania do Funchal 60 %
tempo que se criavam alealdadores para dor da implantação da cana-de-açúcarna entre 1226 e 1537. Na capitania de
assegurar o seu cumprimento. Idêntica é ilha, enquanto os seus sucessores no Machico, a quebra é lenta, sendo sinó-
a situação na Madeira e nas Canárias com senhorio não negaram o seu apoio a tão
o açúcar, que é alvo de constantes regu- oportuna iniciativa (F. j. Pereira, Alguns
lamentações e de um controlo assíduo Elementos [. . .j, 105-115, e 130-160).
dos aleadores, para esse fim eleitos em Destes salienta-se a intervenção de
vereação . (Fernando jasmins Pereira, D. Manuel, quando senhor e rei, que foi
Alguns Elementos [. . .j, 107-115 e 129- decisiva para a afirmação plena da cul-
138; Maria do Carmo jasmins Pereira tura do açúcar na ilha e para a sua plena
Rodrigues, O Açúcar na Ilha da afirmação no mercado nórdico. Pri-
Madeira no Século XVI, 38-46). Deste meiro, pelo regimento de 1485, obrigou
modo, o monarca D. Manuel, para a uma maior especialização e empenha-
garantir a boa qualidade do açúcar mento dos ofícios ligados à laboração do
madeirense de exportação e assegurar o . açúcar, tornando obrigatório o exame e
seu crédito no mercado europeu, orde- prestaçãoanual de juramento na câmara.
nara, em 1485, que todo o mestre de Depois estabeleceu uma política de fis-
açúcar deveria ser examinado e apro- calização da qualidade do açúcar labo- Aspecto da cidade do Funchal. Situada
vado por três homens-bons, ao mesmo rado por meio dos abaldamentos. E, numa região privilegiada da ilha da
tempo que estipulava a obrigatoriedade finalmente, numa tentativa para debelar Madeira, a cidade do Funchal ostenta
de uma vistoria qualitativa ao açúcar, a estagnação do comércio e de uma nos nossos dias alguns edifícios de rara
após a sua laboração, por oficiais com- maior rendibilização dos canaviais, esta- beleza, nomeadamente a Sé e a
petentes: os alealdadores (ARM, CMF, beleceria, em 1482, normas para a sua Alfândega, sinais de uma riqueza que aí
registo geral, t. I, fls. 219, 185 v.o-187; venda e exportação, que culminaram em afluía com abundância nos séculos xv e
1498 com o contingentamento da pro- XV!.
F. J. Pereira, ibidem, 134-137).

216
nimo do depauperamento do solo e da dente a partir de meados do século XVI. vada por um empobrecimento dos solos
crescente desafeição do mesmo à cul- A historiografia tradicional vem apre- que, dada a limitação da superfície apro-
tura. Mas a partir de 1521 a tendência sentando múltiplas explicações para esta veitável na cultura, vai reduzindo inexo-
descendente é global e acentuada, de tal crise, assentes fundamentalmente na ravelmente a capacidade produtiva»
modo que a produção do fim do pri- actuação de factores externos. No (idem, ibidem, 150).
meiro quartel do século se situava a um entanto, Fernando Jasmins Pereira, com Deste modo, a crise da economia açu-
nível pouco superior ao registado em o seu estudo sobre o açúcar madeirense, careira madeirense não se explica ape-
1470 (idem, ibidem, 103-158). contraria essa opinião, fazendo assentar nas pela concorrência do açúcar das
Na década de 30 consumava-se em a crise em de terminantes condições eco- Canárias, Brasil, Antilhas e São Tomé,
pleno a crise da economia açucare ira e o lógicas e socioeconómicas da ilha, defi- mas, acima de tudo, pela conjugação de
ilhéu viu-se na necessidade de abando- nindo como primordial o primeiro fac- vários factores de ordem interna: a
nar os canaviais ou de os substituir pelos tor: «[...] a decadência da produção carência de adubagem, a desafeição do
vinhedos, o que sucedeu de modo evi- madeirense é, primordialmente, moti- solo à cultura e as alterações climáticas.

217
A concorrência do açúcar das restantes ciamento desta cultura resultava não só mais eficaz (ARM, CMF, registo geral,
áreas produtoras do Atlântico, a peste da sua importância na economia da ilha, t. I, fi. 226-229 v. O).A partir de então, o
(em 1526) e a falta de mâo-de-obra ape- mas também dos elevados ré ditos que açúcar a arrecadar passará a ser um
nas vieram agravar a situação da crise do dele se arrecadavam, com as múltiplas quarto da produção, calculada através
açúcar madeirense. imposições fiscais. Essa elevada quantia, do estimo antecipado feito por dois árbi-
Esta ambiência de crise da década de resultante da tributação do açúcar, ser- tros eleitos em vereação.
30 conduziu ao paulatino abandono dos via para a coroa, no século XVI,custear O agravo manifestado pelos Madeiren-
canaviais ou à sua substituição pelo as despesas do monarca e da casa real e ses, em consonância com a conjuntura
vinho de malvasia. A economia madei- ainda as dívidas aos mercadores estran- conturbada de finais do século XV, for-
rense passa por profundas alterações geiros e o soldo dos funcionários do çou D. Manuel a repensar o sistema de
estruturais que marcarão o devir socioe- almoxarifado da ilha; restava uma soma tributação do açúcar. Com efeito, em
conómico nos séculos XVIIa XIX.Se em avultada de açúcar para o comércio 1507, os Madeirenses solicitaram um
1547, segundo Hans Standen, a econo- directo por meio dos feitores na Flan- estudo sobre a melhor forma de lançar
mia da ilha assentava ainda no binómio dres, ou para a venda a contrato aos e arrecadar o mesmo direito. Correspon-
açúcar Ivinho, em 1575 Duarte Lopes mercadores nacionais ou estrangeiros. dendo a essa solicitação, o monarca esti-
colocava apenas este último produto em No período de 1501 a 1537, as despesas pulou o lançamento de apenas um
evidência, o que é a prova concludente contabilizadas rondaram 2,8 % quinto da produção, a vigorar desde
do quase total abandono da cana saca- (6760$000), sobrando 467 293 arrobas, 1516, e definiu uma forma adequada de
rina (V. de M. Godinho, ob. cit., voI. III, no valor de 233646$500 (conforme arrecadação, com a criação do almoxari-
244). Não obstante, a conjuntura contur- F.]. Pereira, O Açúcar Madeirense fado do açúcar e de diversas comarcas
bada das plantações brasileiras, a partir [. . .j, 79-83, ao preço médio de 500 réis na ilha (F.]. Pereira, Âlguns Elementos
da década de 80, conduziu ao renascer por arroba). A dimensão desta volumosa [. . .j, 179-180, e O Açúcar Madeirense
desta cultura no solo madeirense e ao receita terá condicionado a política [. . .j, 55-58).
aumento da sua procura no mercado intervencionista do senhorio e da coroa, A forma de arrecadação definida em
europeu, o que provocou uma vaga ao mesmo tempo que contribuiu para 1467 por D. Fernando mantinha-se em
altista dos preços no período de 1581- um maior empenhamento da estrutura vigor, nela se estabelecendo que o açú-
1587. No entanto, a manutenção da con- administrativa na cultura açucareira. Se car a tributar seria resultado do cálculo
corrência e contrabando do açúcar bra- contabilizarmos a documentação oficial feito por dois homens-bons, eleitos trie-
sileiro na ilha na década de 90 e princí- no período de 1452 a 15 17, verifica-se nalmente em vereação, que percorriam
pios do século XVII implicou novo que 20 % dela incide sobre o açúcar, os canaviais da ilha, apontando o seu
golpe na safra açucareira madeirense sendo mais de 75 % subscrita por estimo num livro próprio (dos estimos
(Alberto Vieira et alia, "O município do D. Manuel, quando duque e rei, o que elaborados apenas se preservou o de
Funchal, 1550-1650», in Colóquio Inter- mostra o enorme empenhamento deste 1494, estudado por V. Rau). O tributo
nacional de História da Madeira, Fun- monarca na promoção da cultura da era depois arrecadado no engenho na
chal, 1987). Mas o assalto holandês em cana sacarina e a situação caótica em que altura da safra. Com D. Manuel, em
1627 aos principais portos brasileiros e herdou o governo dos negócios do açú- 1485, estabeleceu-se uma nova opera-
a consequente ocupação de Pernam- car da ilha. Essa intervenção manuelina ção de vistoria dos açúcares: os alealda-
buco, no período de 1630-1650, reavi- incide, preferencialmente, no comércio mentos; por esta via pretendia-se con-
vou a esperança de um renascer da (32 %) e na defesa da qualidade do açú- frontar o quantitativo produzido com o
época áurea da safra açucareira. Note-se car laborado (10 %) (vejam-se documen- seu estimo e verificar a qualidade do
que os oito engenhos existentes em tos in Arquivo Histórico da Madeira, produto final; os alealdadores eram elei-
1610 se tornaram insuficientes em 1625 vols. XV-XVIII,1972-1974). tos anualmente em vereação (ARM,
e 1648 para a referida safra, sendo assim A fiscalidade surge, assim, como uma CMF, t. I, fi. 219-221 v. O).
necessária a reconstrução de alguns anti- dominante na intervenção das autorida- Concluída a avaliação e vistoria da
gos engenhos (F. Mauro, ob. cit., 186- des do Reino, que por meio de diversos qualidade do açúcar, procedia-se à sua
189). Foi uma recuperação efémera, pois regimentos e lembranças definem o recolha, que poderia ser feita mediante
em 1657, com a libertação de Pernam- quantitativo a cobrar e a forma de o arre- cobrança directa ou arrendamento. No
buco, obra do madeirense João Fernan- cadar. Enquanto na alfândega o quantita- primeiro caso, tal encargo estava entre-
des Vieira, o açúcar da Madeira encerra tivo se fixou (dízima de saída), o tributo gue ao almoxarifado, que com
de vez o seu ciclo na ilha. A partir de que onerava os produtores foi variável, D. Manuel assumiria uma estrutura
então, o açúcar desaparece do conjunto de acordo com o desenvolvimento da diversa com a criação de cinco comarcas
de mercadorias que suportam a troca cultura na ilha. Efectivamente, no início nele integradas; o almoxarifado estava
externa da ilha e só conseguirá ser o o infante estabelecera o pagamento de localizado no Funchal (alguns dos referi-
amparo e fonte de riqueza do Madei- um meio do açúcar laborado nas alça- dos livros foram estudados por nós no
rense em meados do século XIX,com a premas da ilha que lhe pertenciam, e, estudo sobre "o regime de propriedade
crise da produção e comércio do vinho com a permissão da construção de enge- na Madeira [. . .H. OS arrendamentos,
e o advento da revolução industrial na nhos particulares, estes passaram a pagar que se realizavam trienalmente, foram
safra do açúcar. 1,5 arrobas mensais, enquanto as moen- de vida efémera, mercê dos prejuízos de
das, a água e tracção animal pagavam um vulto acumulados pelo almoxarifado e
terço do açúcar laborado. Em 1461, com pelos arrendatários entre 1506 e 1518.
Administração e dirt(itos o infante D. Fernando, uniformizou-se o No curto período da sua vigência, os
direito a arrecadar, ficando em apenas contratos foram dominados por merca-
O desmesurado empenhamento do um terço, que, de acordo com o regi- dores ou sociedades comerciais estran-
senhorio e da coroa no apoio e no finan- mento de 1467, terá uma arrecadação geiras, nomeadamente italianos (F.].

218
PRODUÇÃO DE AÇÚCAR NA MADEIRA.
Arrobas
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10000

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Pereira, O AçÚcar Madeirense f. J, Gonçalves, «João Gomes da Ilha", in regime de contrato para a sua venda,
62-66). . A. H. /11.,XV,40-47; idem, «João Afonso pois só nessa data foi revogada toda a
do Estreito", in D. A. H. M., n° 17, legislação anterior, activando-se o
1954, 4-8). O Madeirense, habituado a regime de liberdade comercial (ARM,
Comércio: rotas e mercados negociar com estrangeiros, reagiu vee- CMF, registo geral, t. I, fls. 308 v. °-309,
mentemente contra essa decisão, pelo Sintr'a, 7 e 8 de Agosto de 1508, alvará
o comércio do açúcar mostra-se no que o infante D. Fernando, sentindo em régio, in A. H. /11.,XVIII,503-504). Assim
mercado madeirense dos séculos xv e risco as suas possibilidades, arrematou o definia o foral da capitania do Funchal,
XVIcomo o principal animador das tro- em 1571 todo o açúcar a uma compa- em 1515, ao enunciar que: «Os ditos
cas com o mercado europeu. Durante nhia formada por Vicente Gil, Álvaro açúcares se poderão carregar para o
mais de um século, a riqueza da ilha e o Esteves, Baptista Lomelim, Francisco Levante e Poente e pera todas outras
fornecimento de bens alimentares e arte- Calvo e Martim Anes Boa Viagem (ARM, partes que os mercadores e pessoas que
factos dependeram do comércio deste CMF, n.O 1296, fls. 30 vO-31 v.o, 11 e os carregarem aprouver sem lhe isso ser
produto. Todavia, durante esse período, 28 de Outubro de 1471, ibidem, posto embargo algum" (Álvaro Rodri-
a sua venda e valor haviam de sofrer n. ° 1296, fl. 41, 12 de Fevereiro de gues de Azevedo, «Anotações", in Sau-
diversas variações, consequências da 1472; ibidem, n.O 1296, fls. 52 v.0-53, dades da Terra, Funchal, 1873, 501).
osc;ilação do mercado consumidor e da 17 de Agosto de 1472). Dessa decisão O estabelecimento das escápulas em
concorrência de outros mercados insu- resultou um conflito aceso entre a verea- 1498 definia de modo preciso o mer-
lares e dos mercados americanos. ção e os referidos contratadores (Fer- cado consumidor do açúcar madeirense,
O regime do comércio do açúcar nando Jasmins Pereira, ob. cit., que se circunscrevia a três áreas distin-
madeirense nos séculos xv e XVI, 144-152). tas: o Reino, a Europa nórdica e a medi-
segundo opinião de Vitorino de Maga- Passados vinte e um anos, a ilha terrânica. As praças do mar do Norte
lhães Godinho, «vai oscilar entre a liber- debatia-se ainda com uma conjuntura dominavam esse comércio, recebendo
dade fortemente restringida pela inter- difícil quanto ao comércio açucareiro, mais de metade das referidas escápulas.
venção quer da coroa quer dos pelo que a coroa retomou, em 1488 e Aqui evidenciavam-se as praças circuns-
poderosos grupos capitalistas, de um 1495, a pretensão do seu monopólio; no critas à Flandres, enquanto no Mediter-
lado, e o monopólio global, primeiro, entanto, apenas conseguiu impor um râneo a posição cimeira era a de Veneza,
posteriormente um conjunto de mono- conjunto de medidas regulamentadoras conjuntamente com as praças levantinas
pólios cada qual em relação com uma da cultura, safra e comércio, que foram de Quios e Constantinopla.
escápula de outra banda" (ob. cit., tomadas em 1490 e 1496. Esta política, Se compararmos as escápulas com o
voI. IV, 87). Deste modo, o comércio definida no sentido de defesa do rendi- açúcar consignado às diversas praças
apenas se manteve em regime livre até mento do açúcar, iria saldar-se mais uma europeias no período de 1490 a 1550,
1469, ano em que a baixa do preço veio vez num fracasso, pelo que em 1498 se vê-se que o roteiro não estava muito
condicionar a intervenção do senhorio, tentou uma nova solução, com o estabe- aquém da realidade. As únicas diferen-
que estipulou o exclusivo do seu comér- lecimento de um contingente de ças relevantes na equivalência surgiram
cio aos mercadores de Lisboa (ARM, 120 000 arrobas para exportação, parti- nas praças da Turquia, França e Itália,
CMF, registo geral, t. I, fls. l-I v. °, lhadas por diversas escápulas europeias sendo de salientar nesta última um
Alcochete, 14 de Julho de 1469, carta do (idem, ibidem, 152-159). reforço acentuado da sua posição; mas
infante sobre o trato do açúcar, in A. H Estabilizada a produção e definidos os esta diferença (21,50 %) poderá resultar
M., xv, 45-47; ibidem, fls. 1 v. °-2 v. °, mercados de comércio do açúcar, a eco- da actuação das cidades italianas como
25 de Setembro de 1469, carta dos rege- nomia madeirense não necessitava dessa centros de redistribuição no mercado
dores do Funchal, in A. H. M., xv, 47- rigorosa regulamentação, pelo que, em levantino e francês; note-se que os Italia-
49; ibidem, fls. 5 v. °-6, Lisboa, 16 de 1499, o monarca revogou algumas das nos detinham mais de dois terços das
Outubro de 1478, carta régia sobre trato prerrogativas estipuladas no ano ante- arrobas de açúcar transaccionadas nesse
do açúcar, in A. H. M., xv, 57; Ernesto rior; até 1508, no entanto, manteve-se o período.

219
Constantinopla, Quios e Águas Mortas
(Domenico Geoffré, Documenti sulle
relazioni fra Genova ed il Portogallo
deI 1493 aI 1539, Roma, 1961, 18-20,
266-265, 268-270, 277-279, 284-285,
290-292 e 309-310; José Maria Madurell
Marimón, art. cir., 486-487, 493-494,
497-499, 501-502, 521-522 e 563-564).
A ordenança de 1498 não determi-
nava apenas o contingente das diversas
escápulas, mas também a forma de
comercialização. A coroa, para dar
maior facilidade no seu escoamento,
monopoliza as escápulas de Roma e
Veneza, 20 000 arrobas das de Flandres
e 3000 das de Inglaterra, num total de
40000 arrobas, o equivalente a 33 % do
total. A este açúcar juntava-se o quantita-
tivo do quinto ou quarto e da dízima de
exportação, que o rei carregava por
meio de contrato estabelecido com as
grandes companhias nacionais e interna-
cionais. O rendimento dos direitos era
exportado para Flandres e para Veneza,
tendo estas cidades recebido, entre
1495 e 1526, respectivamente 160 000 e
26000 arrobas (Fernando Jasmins
Pereira, O Açúcar Madeirense [. . .l, 78-
92; Vitorino de Magalhães Godinho, ob.
cit., vaI. IV, 84-93).
sobre o comércio do açúcar entre Viana A Madeira atraiu a primeira vaga de
do Castelo e Funchal [. . . h in Revista mercadores forasteiros mercê da priori-
Tecto da Casa da Alfândega do Funchal.
de Economia, 111,209-212). dade na ocupação e exploração do açú-
Símbolo da riqueza que afluía à ilha da
Madeira e dos benefícios que a Coroa Essa função redistribuidora dos por- car. Só o impediam as ordenanças limita-
tos a norte do Douro fica evidenciada tivas da sua residência na ilha,
portuguesa aí recolhia, o tecto mudéjar
da Casa da Alfândega do Funchal entre 1535 e 1550, pois, das cinquenta resultantes da sua rápida fixação e do
apresenta-se como um dos mais belos e seis embarcações entradas no porto de seu domínio dos circuitos comerciais
exemplares da arte manuelina na Antuérpia com açúcar da Madeira, dezas- madeirenses.
referida ilha. seis são do Norte e apenas uma de Lis- Em meados do século xv, a coroa
boa. Nas primeiras, 50 % são provenien- facultava a entrada e fixação de italianos,
tes de Vila da Conde, 31 'X, do Porto e flamengos, franceses e bretões, por
19 % de Viana do Castelo (Virgínia Rau, meio de privilégios especiais, como
A Exploração e o Comércio de Sal em forma de assegurar um mercado euro-
Setúbal, Lisboa, 1951, mapas I a IV); peu para o açúcar (Alberto Vieira, O
aliás, em 1505, o monarca considerava Comércio Interinsular nos Séculos XV e
que os naturais dessa região tinham XVI, Funchal, 1987); mas a sua rápida
muito proveito no comércio do açúcar influência foi lesiva para os mercadores
da ilha (ARM, CMF, registo geral, r. I, nacionais e para a coroa, pelo que se tor-
fls. 301-301 v.o, Lisboa, 15 de Março de nou necessário impedir que eles pudes-
Os dados disponíveis para o comércio 1505, carta régia, in A. H. M., XVII,453- sem «asy soltamente tratar todos» (ARM,
do açúcar na Madeira, e nesse período, 454). Em 1538, tal comércio era assegu- CMF, registo geral, t. I, fls. 5 v. °-6, lis-
evidenciam a constância dos mercados rado por um numeroso grupo de merca- boa, 6 de Outubro de 1471, carta régia
flamengo e italiano. O Reino, circuns- dores dessa proveniência, entre os quais sobre o trauto do açúcar, in A. H. M.,
crito aos portos de Lisboa e Viana do se distinguiam Aires Dias, Baltasar Roiz, XV, 57; ibidem, fls. 148-148 v.o, Beja, 5
Castelo, aparece em terceiro lugar, ape- Diogo Álvares Moutinho e Joham de de Março de 1473, carta da infanta
nas com 9,56 %. Note-se que o porto de Azevedo (Cândido A. O. Santos, O Cen- D. Beatriz acerca dos estrangeiros, in A.
Viana do Castelo adquiriu, desde 1511, sual da Mitra do Porto [. .l, Porto, H. M., xv, 68); por isso, o senhorio
importância de relevo no comércio do 1973, 345-350). ordenou a proibição da sua permanência
açúcar com o Reino e daí com Castela e Para as transacções com o mundo na ilha como vizinhos (idem, ibidem). A
com a Europa nordica. No período de mediterrânico existiam alguns entrepos- questão foi levada às Cortes de Coimbra
1581 a 1587, Viana é o único porto do tos, nomeadamente em Cádis e Barce- de 1472-1473 e de Évora em 1481, recla-
Reino mencionado nas exportações de lona; estas cidades aparecem, no mando a burguesia do Reino contra o
açúcar, mantendo já uma posição infe- período de 1493 aiS 37, como pontos monopólio dos mercadores genoveses e
rior a 1490-1550 aoel Serrão, «Nota de apoio ao comércio com Génova, judeus no comércio do açúcar; para isso

220
A MADEIRA E O COMÉRCIO
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Açores
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Cananas

propunha-se a sua exploração nesse mesmo tempo que lhes interditava a economia madeirense, afugentando os
mesmo regime, mas a partir de Lisboa revenda no mercado local (ARM, CMF, mercadores, pelo que revogou as inter-
(esta situação surge no senhorio do n.o 1298, fl.37, 22 de Dezembro de dições anteriormente impostas (ARM,
infante D. Fernando. Veja-se Manuel 1485; fl. 68 v.o, 15 de Abril de 1486, e CMF, registo geral, t. I, fls. 291 v. °-292,
Juvenal de Pita Ferreira, ibidem, 22; Joel fl.87v.o, 7 de Junho de 1486). A Lisboa, 22 de Março de 1498, in A. H.
Serrão, «O infante D. Fernando e a Câmara, por seu turno, baseada nestas M, XVII,369. Veja-se Álvaro Rodrigues
Madeira (1461-1470) [... h in D. A. ordenações e no desejo expresso dos de Azevedo, «Anotações», in Saudades
H. M, n.O 4 (1950),15-17; Maria José seus moradores, ordenou a saída desses da Terra, Funchal, 1873, 681-682). As
Pimenta Ferro Tavares, Os judeus em estrangeiros até Setembro de 1480, no facilidades concedidas à estada destes
Portugal no Século XV, Lisboa, 1982, que foi impedida pelo senhorio (ARM, agentes forasteiros conduzirão à assidui-
279-280; V. Rau, O Açúcar na Madeira CMF, registo geral, t. I, fls. 292-293, lis- dade da sua frequência nesta praça, bem
[. . .l, 29-30, e The Settlement of boa, 7 de Agosto de 1486). Somente em como à sua fixação e intervenção de
Madeira and the sugar cane planta- 1489 se reconheceu a utilidade da sua modo acentuado na estrutura fundiária e
lions, W., 1964, 8-9; H. Gama Barros, presença na referida ilha, ordenando administrativa (Alberto Vieira, «O
História da Administração Pública em D. João 11a D. Manuel, então duque de regime de propriedade na Madeira
Portugal, x, 149-155; Fernando Beja, que os estrangeiros fossem consi- [. . . h já citado).
Augusto da Silva, «Estrangeiros», in Elu- derados como «naturaes e vizinhos de A comunidade de mercadores estran-
cidário Madeirense, I (1940), 419-421; nossos regnos» (ANTT, Gavetas, xv, 5- geiros na Madeira estava dominada pela
Charles Verlinden, «Les débuts de la pro- 8, Évora, 22 de Dezembro de 1489, presença italiana, seguida de flamengos
duction et exportation du sucre à 'sumariado in As Gavetas da Torre do e franceses; todos surgem aí atraídos
Madere. Quel rôle y jouerent les ita- Tombo, IV, Lisboa, 1964, 169-170). pelo tão solicitado ouro branco.
liens», in Studi in Memoria de Luigi dei Os próblemas do mercado açucareiro Os Italianos, e em especial os Florenti-
Pane, Roma, 1982, 301-310). na década de 90 conduziram ao ressurgi- nos e Genoveses, conseguiram, desde
O monarca, comprometido com essa mento desta política xenófoba. Os meados do século XV, implantar-se na
posição vantajosa dos estrangeiros, a estrangeiros passam a dispor de três ou Madeira como os principais agentes do
partir dos privilégios concedidos, quatro meses, entre Abril e meados de comércio do açúcar, alargando depois a
actuou de modo ambíguo, procurando Setembro, para comerciar os seus pro- sua actuação ao domínio fundiário, por
salvaguardar os compromissos anterior- dutos, não podendo recorrer a loja e a meio da compra e de laços matrimoniais
mente assumidos e atender às solicita- feitor (H. Gama Barros, ibidem, x, 155; (Virgínia Rau comenta, a propósito: «E
ções dos moradores do Reino. Para Fernando Jasmins Pereira, Alguns Ele- uma vez que os Italianos se aferraram ao
tanto, estabeleceu limitações à residên- mentos para o Estudo da História Eco- comércio da exportação do açúcar da
cia dos estrangeiros, fazendo-a depen- nómica da Madeira [.. .l, 139-162; Madeira, servidos por uma vasta rede
der de licenças especiais (H. Gama Bar- ARM, CMF, registo geral, t. I, comercial e financeira disposta sobre
ros, ibidem, x, 152-153; ibidem, 330; fls. 262 v.0-269 v.o, Torres Vedras, 12 toda a Europa, fácil lhes foi também
V. Rau, O Açúcar na Madeira [. . .l, de Outubro de 1496, in A. H. M, XVII, penetrarem com o tempo na posse de
p. 26, nota 27; Monumenta Henricina, 350-358, e n.O 1302, fls. 83-83 v.o, 26 terras e transformarem-se então em pro-
xv, Coimbra, 1974, 87-89). Quanto à de Novembro de 1496). Somente em dutores e proprietários da ilha da Madei-
Madeira, definiu a impossibilidade da 1493 D. Manuel reconheceu o prejuízo ra [. ..] A Madeira terá sido para os Italia-
sua vizinhança sem licença sua, ao que as referidas medidas causavam à nos, em grande parte, a ilha de grande
COMÉRCIO DO AÇÚCAR DA MADEIRA (1490-1550) 36). No último quartel do século vêm NAVIOS PORTUGUESES COM AÇÚCAR
(em arrobas) PARA ANVERS (ANTUÉRPIA) (1536-1550)
juntar-se-lhes Cristóvão Colombo, João
António Cesare, Bartolomeu Marchioni,
Jerónimo Sernigi e Luís Doria. A este
grupo inicial seguiu-se, em princípios do
século XVI,outro grupo mais numeroso,
que alicerçou a comunidade italiana resi-
dente, distinguindo-se Lourenço Catta- M""""
'"
Flandres
40000 neo, João Rodrigues Ca?tigliano, Chirio
Cattano, Sebastião Centurione, Luca Sal- AÇUCAR

vago, Giovanni e Lucano Spinola, CARGA MISTA

Escápulas Os mercadores-banqueiros de Flo-


t:ença salientam-se nas transacções
comerciais e financeiras do açúcar ',"Tom'
'"
madeirense no mercado europeu, A par- M~o'""m'","
"
tir de Lisboa, onde adquirem uma posi- MoO""
Flandres ção privilegiada junto da coroa, mantêm
105 896,5
e dominam uma extensa rede de negó-
itália
140 626 cios que abrange a Madeira e as princi-
pais praças europeias, Primeiro conse- João Dias, João Gonçalves, Matia
guem da fazenda real o quase exclusivo Manardi e Maffei Rogell,
Mercado
do comércio do açúcar; depois A penetração deste grupo de merca-
apoderam-se do açúcar em comércio, dores na sociedade madeirense foi
com o exclusivo dos contingentes esta- muito acentuada (idem, ibidem, 22-26),
belecidos pela coroa em 1498 (Virginia O usufruto de privilégios reais e o inter-
itália Rau, O Açúcar na Madeira [, , ,J, 29). -relacionamento familiar conduziram à
407 530,5
Outros
Assim teremos Bartolomeu Marchioni, sua plena inserção na aristocracia terra-
68185 Lucas Giraldi e Benedito Morelli com tenente e administrativa, Na sua maioria,
23 798
uma intervenção muito clara no trato do apresentam-se como proprietários e
açúcar na primeira metade do sé- mercadores de açúcar, instalam-se nas
Inglaterra culo XVI (Fernando Jasmins Pereira, O terras de melhor e maior produção e,
Mercadores
Açúcar Madeirense de 1500 a 1537 por meio de compra e laços matrimo-
[ .J, 61-65). A manutenção dessa rede niais, tornam-se nos mais importantes
comércio de exportação do açúcar de negócios fazia-se por meio da inter- proprietários de canaviais; assim sucede
durante a segunda metade do século xv venção directa destes mercadores e por com Rafael Cattano, Luís Doria, João
e primeira metade do século XVI;até ao meio de procuradores ou agentes subes- Esmeraldo, João e Jorge Lomelino, João
advento e tempo da grande exportação tabelecidos, Benedito Morelli, em 1509- Rodrigues Castelhano, Lucas Salvago,
do açúcar do Brasil em meados deste 1510, tinha na ilha como seus agentes Giovanni Spinola, João Antão, João Flo-
último século», ibidem, 32). Na década de para o recebimento do açúcar dos quar- rença, Simão Acciaiuolli e Benoco
70, mediarite o contrato estabelecido tos Simão Acciaiuolli, João de Augusta, Amatori.
com o senhorio da ilha, detinham já uma Benoco Amador, Cristóvão Bocollo e A sua intervenção na estrutura admi-
posição maioritária na sociedade criada António Leonardo (idem, ibidem, 61-91, nistrativa madeirense abrange os domí-
para o efeito, sendo representados por e Os Estrangeiros na Madeira, 88, 115- nios mais elementares do governo,
Baptista Lomellini, Francisco Calvo e 117 e 125-128); Marchioni, em 1507- como a vereação e repartições da
Micer Leão [sobre a presença italiana na 1509, fazia-se representar em operações Fazenda, que incidiam sobre a economia
Madeira, veja-se Charles Verlinden, ob, de idêntica índole por Feducho Lama- açucareira; surgem, assim, como almo-
cit,; M, do Rosário, Cenoveses na Histó- roto (idem, Os Estrangeiros na xarifes e provedores da Fazenda; têm
ria de Portugal, Lisboa, 1977; Prospero' Madeira, 19,27,60, 105, passim); João ainda uma intervenção notável na arre-
Peragallo, Cenni in torno alta colonia Francisco Affaitati, cremonês, agente em cadação dos direitos reais, aparecendo
italiçma in Portogalto - nei secoli XIV, Lisboa de uma das mais importantes também como rendeiros.
xv e XVI, Génova, 1882; Domenico companhias comerciais da época, teve Tal como os Italianos, os Franceses e
Geoffré, «Le relazioni fra genova e uma participação activa nesse comércio Flamengos aparecem na ilha, desde
Madera nel I decenio del secolo XVI»,in entre 1502 e 1526, por meio de contra- finais do século xv, atraídos pelo ren-
Studi Colombiani, IlI, Génova, 1952, tos de compra e venda dos açúcares dos doso comércio do açúcar; mas estes não
435-483; Carlos Passos, «Relações histó- direitos reais (1516-1518, 1520-1521 e se enraízam na sociedade insular e man-
ricas luso-italianas», in Anais da Acade- 1529) e pagamentos em açúcar a troco têm a sua condição errante; o seu inte-
mia Portuguesa de História, 2. a série, de pimenta (idem, ibidem, 115-118), O resse é única e exclusivamente a aquisi-
VII, Lisboa, 1856, 143-240; «Italianos na mesmo mercador actuava quer em ção do açúcar a troco dos seus
Madeira», in A. H. M., V (1937), 63-67; sociedade com Jerónimo Sernigi, João artefactos, alheando-se das realidades
Jacques Heersm, Cê'nes au xv<?siecle, Jaconde, Francisco Corvinelli e Janim produtiva e administrativa. Os Franceses
Paris, 1977, 335; Virgínia Rau, «Uma Bicudo, quer isoladamente, tendo para o evidenciam-se pelas suas operações de
família de mercadores italianos em Por- efeito como feitores e procuradores, na troca em torno do açúcar (20,25 %),
tugal no século XV: os Comellini», in ilha, Gabriel Affaitati, Luca António, enquanto os Flamengos mantêm uma
Estudos de História, I, Lisboa, 1968, 33- Cristóvão Bocollo, Capela de Capellani, posição subalterna, participando do

222
grupo interveniente no mercado madei- 46 açúcar dos direitos (1512-1518, 1520-
rense. Os Flamengos aliam a Madeira à libras PREÇO DO AÇÚCAR 1521 e 1529) e actuou em operações
MADEIRENSE
rede de negócios das Canárias, que surge NO MERCADO EUROPEU
diversas de compra directa de açúcar e
como ramificação das praças nórdicas e de troca deste por pimenta ou dívidas
andaluzas; apesar da condição de estan- (idem, ibidem, 78-92).
tes, ficaram limitados o seu apareci- Para manter esta amplitude das opera-
mento e o seu rastro na sociedade ções comerciais na ilha contava com um
madeirense, pelo que se torna impossí- grande grupo de feitores ou procurado-
vel avaliar da sua importância. res: Gabriel Affaitati, Luca Antonio, Cris-
Os mercadores franceses têm uma tóvão Boco110, Matia Manardi, Cape11a
presença muito activa no comércio do de Cape11ani,João Dias, João Gonçalves
açúcar da Madeira na primeira metade e Mafei Roge11;por outro lado, aceitou
do século XVI. Eles surgem com fre- procuração de Garcia Pimentel, Pedro
quência nas comarcas do Funchal, Ponta Afonso de Aguiar e João Rodrigues de
do Sol, Ribeira Brava e Calheta, onde Noronha. Note-se que o grupo inicial é
adquirem grandes quantidades de açú- na sua maioria formado por italianos
car, que transportam em embarcações ligados ao comércio do açúcar e que os
suas; nesse trato evidenciaram-se mestre segundos pertencem a algumas famílias
António, Archelem António Coyros, mais influentes da ilha.
António Caradas e Francisco Lido (idem, a; a; A rede de negócios funchalense em
ibidem, 23). o o ll) torno do trato do açúcar foi criada e
.o a:>
As escápulas, até 1504, e o produto .o
E
ll) incentivada pelo mercador estrangeiro,
E
dos direitos reais eram canalizados para a; Q) N
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a:> alemão ou italiano, que aí aportou
ll) Q) Q) ll)
o mercado europeu quer por carregação ll)
<O (fJ o depois da reconfortante e vantajosa
directa, quer por negócio livre ou a ll)
ror:: I I I escala em Lisboa e dominou as princi-
"i'ill) ro ro ro
troco de pimenta (idem, ibidem, 82-83). o- o- o-
o .0; c c c pais sociedades intervenientes no
Esse açúcar era arrendado por mercado- oro
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cll)
Q)
(;
Q)
(;
Q)
(; comércio açucareiro, não obstante ter
res ou sociedades comerciais sediados oc « Li: Li: Li:
morada fixa em Lisboa, Flandres ou
em Lisboa, sendo de pôr em evidência a Génova (ANTT, Corpo Cronológico, 11,
actuação dos mercadores italianos, maços 7, 12, 13, 18,68,84,88,92, 133
como João Francisco Affaitati e Lucas Nos quatro decénios em análise e 162; III, 2 e 7; F.]. Pereira, ibidem, 83-
Salvago (idem, ibidem, 80). verifica-se que os Italianos detiveram o -86); o seu domínio atinge não só as
As operações comerciais em torno do exclusivo do comércio na primeira sociedades criadas no exterior com
açúcar, no período de 1501 a 1504, esta- década e uma posição dominante nas intervenção na ilha, mas também o
vam centralizadas em mercadores ou duas seguintes, sendo substituídos pelos grupo de agentes ou feitores e procura-
sociedades comerciais que, a partir de Portugueses na década de 30. Este dores substabelecidos no Funchal. A
Lisboa, controlavam esse trato por meio decréscimo italiano é compensado pelo escolha destes é criteriosa; primeiro os
de um sistema complicado de feitores reforço das posições portuguesa, caste- familiares, depois os compatrícios enrai-
ou procuradores. A sua intervenção, que lhana e francesa. zados na sociedade e só depois os
se apresentou dominante nos três pri- No grupo dos mercadores estrangei- madeirenses ou nacionais.
meiros decénios do século, sofreu um ros nota-se uma tendênciaconcentracio- As principais casas intervenientes no
decréscimo acentuado na última década. nista, pois apenas os c~ principais trato açucareiro madeirense, sob esta
Esta situação atesta que os mercadores detêm 70,61 % do açúcar transaccio- forma, podem ser definidos de acordo
estrangeiros, em face da instabilidade do nado. Além disso, todos eles apresentam com o número de representantes,
mercado açucareiro madeirense nos pri- valores de transacções superiores a colocando-se então em evidência Bap-
meiros trinta anos, abandonaram o seu 10 000 arrobas, enquanto entre os tista Morelli, B. Marchioni, Welser,
comércio, fazendo-o substituir pelo nacionais apenas um excede esse Claaes, Charles Correa, Pero de Ayala e
canário ou pelo americano. número. Aliás, a média de ambos os gru- Pero de Mimença.
A comunidade italiana tinha na sua pos é esclarecedora: nacionais, 141,9 Os Welsers e Claaes intervêm na praça
mão a quase totalidade do comércio do arrobas; estrangeiros, 4074,5 arrobas. do Funchal por intermédio de agentes
açúcar com as principais praças euro- João Francisco Affaitati, mercador cre- estabelecidos em Lisboa, respectiva-
peias; seguiam-se-lhe os grupos dos por- monês de família nobre, chefe da sucur- mente Lucas Rem e Erasmo Esquet, que
tugueses e dos castelhanos; os mercado- sal em Lisboa da companhia Affaitafi, aí substabelecem feitores. O primeiro
res nórdicos, não obstante a posição uma das mais importantes dessa praça, tinha como seus interlocutores no Fun-
privilegiada dos seus mercados no surge no período de 1502 a 1529 como chal, em princípios do século XVI,João
comércio do açúcar madeirense, não se o principal activador do comércio do de Augusta, Bono Broxone, Jorge
apresentaram em força nestas opera- açúcar madeirense, tendo transaccio- Emdorfor, Jácome Holzbuck, Leo
ções, pois constituíam apenas 4,72% do nado sete vezes mais açúcar do que Ravenspurger e Hans Schonid. Os pro-
total. Tal situação mostra, mais uma vez, todos os portugueses. Durante esse dutores e feitores, na sua condição de
que essa rota se mantinha na mão dos curto período, arrematou, em 1502, as interlocutores dos mercadores euro-
Portugueses, nomeadamente oriundos escápulas de Águas Mortas, Liorne, peus, não se ligam a uma única socie-
do litoral norte, e que esse comércio Roma e Veneza; conjuntamente com dade, mas distribuem a sua acção por
estava organizado pela feitoria portu- Jerónimo Sernigi, João Jaconde e Fran- um grupo variado de societários. E
guesa da Flandres. cisco Corvinelli, arrematou a venda do estes, por sua vez, não se prendem ape-

223
PREÇO OA AR ROSA OE AÇÚCAR NA MAOEIRA
fracasso, tendo aquele madeirense de se
contentar com a recordação dos seus
extensos canaviais na Lombada da Ponta
do Sol. Note-se que aí a cultura nunca
atingiu mais do que um terço da produ-
ção madeirense (Gaspar Frutuoso, Sau-
dades da Terra, liv. IV,voI. 11,59 e 209-
212; V. de M. Godinho, ob. cit., IV,
1983; F. Carreiro da Costa, «Acultura da
cana-de-açúcar nos Açores. Algumas
notas para a sua história», in Boletim da
Comissão Reguladora do Comércio de
Cereais dos Açores, n. o 10, 1949, 15-
31 ).
Nas Canárias, todavia, mercê da
acção do governador D. Pedro de Vera,
a experiência com cana madeirense vin-
gou. A intervenção da mão-de-obra
especializada da Madeira contribuiu para
que as ilhas Canárias assumissem uma
D ."oco' D M,'" liiiiI M"",",o liiiiI '""m,, liiiiI R..,"m" D M,'m."".'o posição de peso no comércio do açúcar
no século XVI,pondo em causa a posi-
ção confortável do mercado madeirense
. nas a um representante, pois fazem dis- As obrigações do pagamento do trigo (ANTT, L. o 3 D. Manuel, fi. 28, alvará
tribuir os seús poderes por um número açoriano com açúcar surgem apenas de 10 de Julho de 1510, in Arquivo dos
razoável de feitores e procuradores; na entre 1509 e 1519; no global, temos Açores, III, 200-201). O cultivo da cana
primeira situação evidencia-se Benoco 43,34 % em moeda e 56,86 % em açúcar expandia-se pelas ilhas de Gran Canaria,
Amatori, que representava B. Mar- (F. J. Pereira, O Açúcar Madeirense Tenerife, La Palma e La Gomera, mercê
chioni, B..Morelli, Álvaro Pimentel e [. . j, 61-91). Neste curto período de do financiamento do capital genovês e
Jerónimo Sernigi; e na segunda, João dez anos movimentaram-se 946,5 arro- da experiência lusíada no delineamento
Francisco Affaitati, que entre 1500 e bas de açúcar em troca de 235,5 moios do sistema de regadio, cultura, constru-
1529 estava representado por Gabriel de trigo, o que perfaz uma média de 4 ção e laboração dos engenhos (Maria
Affaitati, Luca Antonio, Cristóvão arrobas de açúcar por moio de trigo, Luísa Fabrellas, «La producción de azú-
Bocollo, Capella de Capellani, João Dias, avaliado em cerca de 1$000. car en Tenerife», in Revista de História,
João Gonçalves, Matia Manardi, Mafei Esta dominante da economia e das n.o 100, 1952, 454-475; Guilhermino
Rogell e Lucas Giraldi. finanças insulares não era adequada ao Camacho y Pérez Galdós, «EIcultivo de
Na Madeira, a dominância de cultura desenvolvimento do comércio externo Ia caõa de azúcar y la industria azucarera
da cana-sacarina, até à primeira metade do mercado insular, visto que, para além en Gran Canaria (1510-1535»>, in Anua-
do século XVI,fará que o açúcar seja uti- de entorpecer os circuitos de troca e de rio de Estudios Atlânticos, n. o 7, 1961,
lizado como meio de pagamento no prejudicar os insulares e os estrangeiros, 35-38).
mercado local e internacional; era usado conduzia à paulatina subordinação des- A intervenção madeirense não ficou
não só no pagamento de soldadas e de tas áreas ao mercador europeu, que apa- alheia à promoção da cultura em São
serviços de lavra e safra açucareira, mas recia em condições vantajosas com as Tomé e Princípe e no Brasil, onde apare-
também para pagamento do trigo e suas manufacturas. O ilhéu, carente des- ceram, nomeadamente nesta última
cevada importados nos Açores. A coroa, tas e perante a penúria da moeda, era área, gentes da ilha, como carpinteiros,
por vezes, servikse dos seus ré ditos para obrigado a recorrer à venda antecipada mestres de engenho, purgadores e
fazer os pagamentos em pimenta da Casa e às hipotecas ou empréstimos. mesmo proprietários de engenho [A.
da Índia, das despesas da coroa e das Sarmento, O Primeiro Açúcar na
comendas (V. Rau, ob. cit., 29). Madeira, Funchal, 1945,59 e 66-71; A.
O lavrador e o proprietário do enge- Expansão Amorim Parreira, ob. cit., 55-68; Denun-
nho serviam-se usualmente do produto ciações e Confissões de Pernambuco
da sua safra para o pagamento da mão- O elevado rendimento da produção (1593-1595), Recife, 1984,210, e intro-
-de-obra assalariado de que necessita- açucare ira madeirense e a sua incessante dução de José Antonio Gonçalves de
vam. Entre 1509 e 1537 há referência a procura no mercado europeu condicio- MeIo]. Todavia, esta expansão deu-se
diversos pagamentos em açúcar por ser- naram a sua expansão no Atlântico. Rui sob o olhar atento da coroa, {que autori-
viços prestados na lavoura e na labora- Gonçalves da Câmara deu o exemplo, zou e promoveu a deslocação desses téc-
ção do engenho e, mesmo, na compra em 1472, ao associar às suas bagagens na nicos e das necessárias soca~ de cana.
de qualquer manufactura ou prestação viagem para ocidente as primeiras socas Neste sentido, no século XVI,enquanto
de serviço artesanaI. Os pagamentos aos de cana para a ilha de São Miguel, donde se proibia a ida de mestres de fazer enge-
serviços da safra do açúcar atingem se expandiu à Terceira e Santa Maria nhos para trabalhar na terra dos Mouros,
31,41 %, sendo 16,62 % no cultivo e (ANTT, Corpo Cronológico, 11, 5, 21, promovia-se a sua saída para o Brasil
apanha da cana; os outros serviços eram 33, 36-38, 41-43, 46, 79 e 185). Mas, (ARM, CMF, registo geral, t. I,
dominados pelos sapateiros (27,62 %) mercê das condições mesológicas desfa- fi. 372 v. o, carta régia de 19 de Janeiro
e ferreiros (24,48 %). voráveis, esta experiência saldou-se num de 1537).

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