Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(BREVE R E S E N H A H I S T O R I C A )
tada r
or Cornai (Theolsgia vitis viniferae,
Heids berg, 1614) refere que o pastor Staphy-
10s da Etólia, que servia habitualmente Oinos
totalidade do solo cultivável da ilha, manten-
do-se em perfeita harinonia, adocicados por
uma nova especiaria - o açúcar. Mais tarde
notou, enquanto apascentava o seu rebanho o ilhéu alheio ou esquecido desta dualidade
que uma das cabras saia habitualmente do re- harmoniosa e adocicada, esqueceu o pão e
banho e se demorava mais que as outras. o acúcar e entregou-se com todas as suas for-
Tempos depois veio a descobrir que esta se cas ao vinho ; única cultura capaz de manter
demorava a comer o fruto de uma árvore- o seu sustento, mercê de uma forte rentabili-
a uva. Levando o fruto a o seu senhor este o dade. O vinho tornava-se assim no alimento
espremeu e fez com ele um líquido suave - e moeda de troca do ilhéu.
o vinho, que deu a beber a Liber Pater, seu Acompanhar os primórdios da história da
hóspede e este como prova de agradecimento vinha na ilha é uma tarefa arrojada, pois que
deu o seu nome ao vinho (em grego oinos) 0s nossos avoengos nos legaram poucas refe-
rências documentais, onde seja possível colher peare que nos dá conta de o Duque de Cla-
dados sobre a sua introdução e expansão. N o rence ter manifestado o desejo de morrer afo-
entanto aqui e acolá podemos colher elemen- gado numa pipa de matvasia ; o mesmo re-
tos que devisdamente articulados nos podem fere na peca Henry IV (parte I) que Falstaff
d a r uma ideia da fase inicial da história do teria vendido a alma ao diabo, por um copo
vinho na ilha. de vinho Madeira e uma perna de capão.
Em meados do séc. XV, com o movimento A cultura da vinha absorvia assim, ia na
d e ocupaqão e aproveitamento da ilha temos segunda metade d o séc. XV, uma porção con-
como certa a introdução de cepas vindas do siderável da área arroteada da ilha, nomea-
reino e mais tarde das zonas viticolas do mar damente na zona vizinha do Funchal, onde
Mediterrâneo. João Goncalves Zarco, Tristão encontramos I1 vinhas e II latadas. N o século
Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrello ao re- seguinte a cultura da vinha aumenta a sua
ceberem o domínio das capitanias do arqui- área e alarga-se além Funchal ; na primeira
pélago, sob a direcqão do monarca e do In- metade do séc. XVI temos I 9 vinhas e 6 latadas
fante D. Henrique, procederam ao desbrava- no Funchal, 7 vinhas em C. de Lobos e 6 vi-
mento e ocupaqão do solo com diversas cul- nhas e 7 latadas distribuídas por Ponta de Sol,
furas trazidas do reino - o trigo, a vinha e a Ribeira Brava, Canico e Calheta. Será ci partir
cana. da segunda metade do século que a vinha
Num curto espaço de tempo a paisagem conquista em definitivo o solo da ilha, substi-
ilhoa havia-se transformado e em terras onde tuíndo os canaviais do Funchal e zonas limí-
apenas se vislumbrava o esplendoroso e denso trofes, ocupando as clareiras então abertas
arvoredo comeqam a surgir clareiras huma- no norte - Ponta Delgada, Porto da Cruz.. .
nizadas, devidamente assinaladas pelo casa- Os trigais e canaviais davam assim lugar
rio. Nas planuras ribeirinhas do oceano, onde as latadas e balseiras ; a vinha tornava-se na
havia local para varar um barco viu-se surgir cultura exclusiva do colono madeirense, a qual
o Homem na sua fúria constante contra a na- este dá todo o seu engenho e arte. O vinho
tureza. N o Funchal do funcho fez resplande- adquiria o primeiro lugar na actividade eco-
cer os campos dourados de trigo, entremeados nómica da ilha, mantendo-se na dianteira por
aqui e acolá or canaviais e vinhedos. Em mais de três séculos. O ilhéu, desde o último
E
Câmara de Lo os, depois de afugentarem os
lobos marinhos, subiu encosta acima de pica-
quartel d o séc. XVI dedicou-se por exclusivo
a cultura da vinha, tirando dela o necessário
reta na mão traçando o rendilhado dos socal- para o seu sustento diário e, igualmente, para
cos donde fez plantar a videira em vistosas manter uma vida de luxo, sumptuosos palá-
latadas. cios e igrejas.
Assim foi a vinha conquistando o solo Se em 1547 Hans Standen refere que a
ilhéu em todas as direcções, tornando-se o vi- economia da ilha se define pelo binómio vi-
nho um produto importante na actividade agrí- nho/aqúcar, já em 1578 Duarfe Lopes colocava
cola d o ilhéu. Já em 1455, Cadamosto ao pas- o vinho em primeiro lugar nas exportações e
sar pela ilha ficou deslumbrado com o que em 1669 o consul francês afirmava que o vinho
viu na área vitícola do Funchal ; era o principal negócio da ilha. Toda a docu-
« .. .tem vinhos, mesmo muitíssimos bons, mentação dos sécs. XVIII/XIX é unânime em
considerar o vinho como a principal e total
se se considerar que a ilha é habitada
há pouco tempo. São em tanta quan- riqueza da ilha ; a Gnica moeda de troca. A
tidade, que chegam para os da ilha e Madeira não tinha com que acenar aos navios
se exportam muitos deles» (A. Aragão que por ai passavam, ou a demandavam, se-
- A Madeira vista por estrangeiros, não o capo de vinho ; o resto que necessitava
Funchal, 1981, p. 37). para o seu viver quotidiano era trazido pelos
navios estrangeiros, que a i trocavam por vinho.
O vinho na Madeira do séc. XV apresen- Esta situaqão tornava a economia insular nu-
tava-se com um produto competitivo do trigo ma situação periférica delicada, pois que a
e do açúcar, com grande peso na economlia sua posiyão de dupla dependência em relação
local. Desde o início foi um potencial produto ao mercado externo minava os alicerces da
d o mercado externo da ilha. Sendo já expor- sua base material, fazendo-a oscilar consoante
tado em 1455, segundo testemunho de Cada- a conjuntura favorável ou desfavorável d o
mosto, comprovado em documento de 1461 mercado fornecedor (inglês e americano) e
em que se dii conta do dízimo de exportação consumidor (colonial britânico).
pago pelo vinho a saída. Aliás em 1478 temos Contra esta política exclusivista imposta
referenciada a sua exportação para o mercado pelo mercantilismo inglês se manifestaram,
londrino, segundo o testemunho de Shakes- quer o governador e capitão general Sá Pe-
reira, em regimento de agricultura para o Ill - A VITICULTURA MADEIRENSE
Podo Santo, quer o corregedor e desembar-
yador António Rodrigues Veloso em 1782 nas A região viti-vinícola da Madeira esten-
instruqões que deixou na Câmara da Calheta, de-se por cerca de 1850ha, representando 2,5%
quando aí esfeve em alçada. M a s foi tudo em da superfície total da ilha (782 km2) e 8% da
vão, ninguém era capaz de frenar a febre vi- área agricultada (248 km2). Tempos houve em
ticsla, nem seria possível convencer o viticul- que essa área era superior, como em 1845 em
tor a abandonar a vinha num momenfo em que mercê da redução derivada do oidio, ain-
que o vinho da ilha tinha grande procura no da ocupava 2500ha. N a primeira metade d o
mercado internacional. E, poucos eram os anos séc. XIX essa área, que se estendia a quase
em que a colheita era suficiente para satis- todo o solo arável, d o norte e do sul, cifra-
fazer a grande procura ; por vezes socorria-se va-se em cerca de 50% da área cultivada.
aos vinhos inferiores d o norte e, até mesmo, A vinha mercê das condições orográficas
ao vinho dos Açores e Canárias para poder e climáticas estende-se até aos 700 metros de
saaiar-se o colonialista europeu sedento. altitude no sul e 300 metros no norte. Igual-
Saciado o colonialista europeu, a pro- mente a distribuição das diversas espécies de
dução passou a ser excedentária e o vinho da vitis-vinifera - sercial, verdelho, malvasia, ter-
ilha passou a ser preterido em favor d o vinho rantez-obedece a um escalonamento em al-
de França, Espanha e Cabo. O fim das guer- titude ; que aliado as condições climáticas dão
ras europeias, em princípios d o séc. XIX, abriu ao vinho produzido as qualidades caractei-ís-
as comportas d o vinho europeu ao potencial ticas :
mercado colonial asiático e americano. A re- - o sercial nas zonas altas entre os 600
tirada d o colonialista das áreas colonizadas e 700 metros, na área do Jardim da Serra e
fez perder o gosto pelo vinho d a ilha. Como no alto do Estreito de C. de Lobos, St.0 An-
consequência disto temos a manifestacão dos tónio.
priimeiros sintomas da rejeição a partir de - o verdelho, zonas intermédias iunto ao
1814; agravando-se a situacão de ano para mar entre os 500 e os 400 metros, Ribeira da
ano. As colheitas de 1819 a 1821 mantiveram- Janela.
-se estagnadas nos armazéns sem comprador, -o boal, desde os 400m. nas áreas ri-
isto de tal modo que em 1820 20000 pipas beirinhas, Campanário, Ponta do Purgo.
aguardavam comprador. A situacão era de tal -tinta negra mole, aos 300m., C. de Lo-
modo aflitiva que em documento da época se bos, S. Martinho, St.0 Cruz, Gaula.
referenciava : «Estão as casas ricas de vinho, - malvasia, nas zonas baixas junto do
pobres de sustento e de alimento» (ANTT- mar, conhecidas por fajãs, Fajã dos Padres,
Provedoria e J. R. Fazenda do Funchal- N.0 Paul e Jardim do Mar, Arco da Calheta, M a -
4, 11, p. 23). dalena, Cunhas.
Reviver a ilha no período que decorre Estas são as castas mais apreciadas que
dos anos de 1840 a 1860 será rememorar um deram nome ao vinho da Madeira, infelizmen-
dos momentos ímpares da fome, miséria da te no séc. XIX com a filoxera muitas destas
história insulana que se poderá igualar aos foram exterminadas ou preteridas em favor
momentos aflitivos da Europa da segunda me- das cepas americanas, resistentes à filoxera e
tode do séc. XIV. Se a Europa de então se de maior produção. Tardou e ainda continua
seguiu o surto expansionista europeu, ti ilha a tardar a reconverscio da vi.fiicultura madei-
se sucedeu a diáspora madeirense, mercê da rense, facto que vem contribuindo para uma
solicitação e aliciamento feito pelos ingleses certa desconfiança por parte do potencial mer-
e seus acólitos. Entre 1840150 o madeirense cado consumidor.
perdse o amor à sua terra e v a i ao encontro A cultura da vinha na ilha faz-se desde
dum novo paraíso fugaz, criado pelo inglês tempos imemoráveis em latadas, armadas so-
nas Antilhas. branceiras aos passeios, terreiros, veredas ou
O oidio (1852)) a filoxera (1872) deram o nos poios construídos encosta acima a partir
goljpe final Cr cultura da vinha n a ilha ; a M a - do litoral. Entretanto nalgumas regiões d o nor-
deira perdeu o seu sustento, o seu mercado, te da ilha predominou durante muito tempo a
as suas parreiras. A recuperacão é a meta de vinha de pé ou as balseiras. Mas hoje é do-
todas as iniciativas, mas de pouco tem valido minante o sistema de latadas construidos com
este extremado sebastianismo vit.icola, pois o arame.
processo apresenia-se como irreversível. A o A faina vitícola estende-se por todo o ano
ilhéu apenas poderá gravar na memória a agrícola, obrigando o viticultor madeirense a
ideia de esplendor, que caracterizou esse vasto uma acção constante de cuidados. Mas sem
período da história insulana. dúvida, o período de maior actividade situa-
-se na época d a vindima, que decorre de IV-O MADEIRENSE E O VINHO
Agosto a Outubro. De Janeiro a Julho as ta- -VINIFICACÃO
refas e culidados assíduos com a vinha surgem
espaçadamente de acordo com o ciclo da
Se ao madeirense, em geral, é facultada
vinha : a arte e engenho da viticultura, a vinificação,
pelo contrário, mantém-se no segredo dos deu-
-em Janeiro poda-se, cava-se e aduba- ses, sendo tarefa da exclusiva responsabilidade
-se. do comerciante do Funchal.
O Funchal, feitas as vindimas, adquire
- d e M a i o a Junho sulfata-se, esfolha-se e uma nova dinâmica que se prolongam por al-
enxofra-se. guns meses; o tempo suficiente para fazer
fermentar e envelhecer o vinho na estufa. De-
O viticultor madeirense faz das suas vi- pois as restantes tarefas que imprimem ao vi-
nhas um jardim e a ele se dedica o ano intei- nho as características químicas e organolépti-
ro, acompanhando a passo e passo o evoluir cas fazem-se espagadamente ao longo dos
d a videira e o aparecimento, crescimento e anos enquanto o vinho envelhece nas escuras
amadurecimento d o cacho d o qual extrairá o adegas.
vinho. A urbe funchalense setecentista e oifocen-
De Agosto a Outubro o meio rural ani- tista adquiriu uma nova fisionomia ; a área
ma-se com a azáfama das vindimas, atraindo ribeirinha da alfândega e porto apinham-se
forasteiros e assalariados sazonais. Velhos, de complexos vinícolas dos exportadores de
adultos, novos e crianças, numa alegria inex- vinho, compostos por lojas escuras e espaqo-
cedível marcada pelos cantares regionais, po- sas, uma estufa e oficina de tanoaria num am-
voam os vinhedos e áreas circunvizinhas dos biente amenizado por corredores e latadas de
lagares. Enquanto os velhos e novos, munidos vinho.
de facas e navalhas, cortavam os cachos e Até meados do séc. XVIII apenas se co-
enchiam os cestos «vindimas», os homens de nhecia o envelhecimento e trato no canteiro,
«molhelha» a o ombro transportam os barre- foi a partir de então que se experimentaram
leiros acogulados ao respectivo lagar. novos processos, primeiro com o adicionamen-
A o findar o dia, terminada a apanha da to de aguardente, depois com a estufagem
uva, os homens, de pé descalqo e calca arre- (1794). Este último processo generalizou-se e
gaqada, esmagam as uvas fazendo cair o hoje em dia todo o vinho Madeira é submetido
mosto na tina. A o longo da noite prossegue a estufagem durante três meses, findos as
esta árdua tarefa com a impesa e repisa, acom- quais permanece 3 ou 4 anos no canteiro até
panhada de um farto maniar regado com vi- ser engarrafado.
nho e aguardente, de modo a que a noite se O trato aliado as condiqões mesológicas
anime com os cantares cadenciados. Depois, imprimem ao vinho produzido características
alta madrugada, os homens munidos de bor- gustativas inestimáveis e inconfundíveis :
rachos ou barris transportam o mosto as ade-
gas. - o malvasia - SWEET -conhecido pela
Nos tempos que decorrem esta faina per- sua doqura e aroma, que se serve a
deu todo o seu aspecto busólico que a caracte- acompanhar o queijo.
rizava, a o meslmo tempo que retirou ao ho-
mem o fardo pesado. A tecnologia moderna -o bual - MEDIUM SWEET - vinho
veio substituir o homem e amenizar as suas equilibrado que sabe bem em todos os
tarefas, de tal 'modo que não mais vimos os momentos, devendo beber-se acompa-
borracheiros ou barrileiros e os lagares de nhado com doces, nomeadamente o
vara vêm sendo substituidos por prensas me- bolo de mel.
canizadas ou máquinas mais avanqadas. Mes-
mo assim em certas zonas permanecem estes - o sercial - DRY -cõr de topázio cla-
hábitos arcaizantes a dar um traqo peculiar ro, seco e alcoólico, sendo habitual-
a paisagem ; no Porto da Cruz, por exemplo, mente usado como aperitivo a acom-
o vinho americano ainda continua a ser trans- panhar azeitonas e peanuts.
portado em borrachos.
Tempos houve em que a produção de -Verdelho e Terrantez - MEDIUM DRY
vinho na ilha atingiu as 40.000 ou 20.000 pi- -cor de rubim, apreciado em todos
pas, sendo d e superior qualidade. N a ac- os momentos, ou como aperitivo, sendo
tualidade o seu volume não ultrapassa as ci- servido habitualmente a acompanhar a
fras referentes a o de superior qualidade. sopa.
V-O VINHO DA MADEIRA NO MUNDO o vinho da ilha e fê-lo apreciar pelos seus
patrícios.
Desde o séc. XV que o vinho ilhéu traçou O momento de apogeu de exportação do
a sua rota no mercado internacional, acom- vinho da ilha para estes mercados situa-se en-
panhando o colonialista europeu nas suas ex- tre finais d o séc. XVIII e princípios do séc. XIXI
pedições e fixacão na Ásia e América. O co- altura em que a saída atingiu a média de
merciante inglês, aqui implantado desde o séc. 20.000 pipas. Durante este período mais de
XVII soube tirar partido deste produto tazen- */3 do vinho exportado destinava-se ao mer-
do-o chegar em quantidades volumosas às cado colonial americano, de que se destacam
mãos dos seus comlpatriotas que se haviam as Antilhas, as plsantações do sul dla América
espalhado pelos quatro cantos do mundo co- do Norte e N. York. A primeira metade do
lonial europeu. séc. XIX é pautada por uma acenfuada alte-
Vários factores de ordem conjuntural fi- ração na geografima do mercador consumidor
zeram com que o comerciante inglês se ins- do vinho da Madeira ; é o período de afir-
talasse na ilha e cá se afirmasse como um mação dum novo mercado para cobrir as exi-
potencial negociante do seu vinho. Destes po- gências de novos e velhos alpreciadores. A
demos salientar : Richard Pickford (1638/82), Inglaterra, Rússia tomam o lugar do mercado
W. Soltom (169511714), James Leacock (1741), colo~niala partir de 1831.
Francis Newton (1745), Blanldy (181 1).
0 movimento do comércio do vinho da VI - CONCLUSAO
Madeira ao longo dos sécs. XVIII e XIX im-
brica-se de modo directo no movimento das Hoje, passados mais de quinhentos anos
rotas marítimas coloniais que tinhlanl passa- sobre a introdução cla vinha na Madeira, todos
gem obrigatória pela ilha na ida. A estas rotas nós mantemos bem vivo no rol das nossas
fundamentais se juntavam outras subsidiárias. recordações os tempos áureos do comércio e
De um modo geral estas ordenavam-se segun- apreciação do vinho ilhéu, Mas, infelizmente,
do aquilo a que se ousou chamar comércio hoje essa imagem histórica que marcou o nos-
de triangulaqão, dando assim ao comércio do so vinho foi defraudada ou rejeitada ; defrau-
vinho da ilha características peculiares ; são dada porque depois dos momentos de grande
as rotas da Inglaterra colonial que tocam a procura se fazia vinho Madeira de tudo e
Madeira para refresco e cargla de vinho e se mais siarde com a filoxera se substituiu as
dirigem ao respectivo mercado das Indias Oci- castas nobres pelo produtor directo, resistente
dentais e Orientais, donde regressam, via Aço- ao insecto e de maior rentabilidade ; esque-
res, com o recheio colonial. São os navios cida ou rejeitada porque o ilhéu Fez desapa-
poriugueses da rota das Indieas, ou do Brasil recer a maior parte dos testemunhos materiais
que fazem escala na ilha onde recebem o vi- que documentavam esse provir, destruindo ou
nho que conduzem às praças onde se dirigem, lançando ao lixo os últi~mosresquícios desses
donde regressam com o saque pelo largo pas- momentos de esplendor, isto de tal modo que
sando pelos Açores. São, ainda, os navios in- nos tempos que decorrem são poucos os restos
leses que se dirigem à Madeira com manu- disponíveis que possam ser ufilizados ou de-
Facturas e fazem o retorno tocando Gibraltar, posiiados em lugar conveniente, de modo a
Lisboa, Porto. E, finalmente, os navios ameri- que possamos legar aos nossos vindouros
canos que da América trazem as farinhas para aquilo que os nossos pais e avós nienospre-
a ilha e regressam carregados de vinho. zarani.
A impedir e bloquear este movimento te- Que perspectivas para um vinho que du-
mos as guerras europeias e coloniais, a acção rante muito tempo apenas teve como suporte
dos piratas argelinos, insurgentes... E, final- de comercializuqão a sua imagem histórica
mente, as condições cl~imáticas, os ventos e rememorada por monarcas, poetas ou drama-
correntes marítimas ; as primeiras restringindo turgos ?
o trânsito atlântico a determinadas épocas, as Que fazer perante uma actividlalde viti-
segundas demarcando as rotas aos veleiros. -vinicola rotineira e costumeira alheia aos
Por todas estas razões o vinho ilhéu con- avanços tecnológicos e botânicos ?
quistou, desde o séc. XVI o mercado colonial Estas e muitas mais questões pairam n o
europeu na África, Asia e America afirman- panorama político-económico regional faltan-
do-se até meados do séc. XIX como a bebida do aqui e acolá soluções adecluadas capazes
por excelência do colonialista e das tropas de reabilitarem ou fazerem perdurar a ima-
coloniais em acção. Regressado o colonialista gem, fama e qualildade do vinho da Madeira.
Ci sua terra de origem, depois do surto do mo- N a visão do historiador, o vinho da Ma-
vimento independentista, trouxe na bagagem deira celebrado e saboreado por monarcas e
aristocratas quinhentistas e seliscentistas, com-
panheiro de viagem de exploradores e colo-
nialistas setecenfistas e oitocentistas ; aquele
que os deuses d o Olimpo se o bebessem tro-
cavam pelo néctar ; perdeu-se nos pergami-
nhos da história.
A capacidade e ganância do ilhéu oito-
centista fê-lo perder qualidades e clientes. E,
a natureza castigou-o com o oídio e filoxera,
fazendo destruir as cepas que produziam o
vinho afamado.
Das soluqões a reposição do ((status quo»
caduco passaram muitos anos e o potencial
aprecialdor d o rubinéctar insular fê-lo substi-
tuir pelas hodiernas bebidas alcoólicas.
A História é um movimento irreversível e
rogressivo d a acção do Homem, daí que o
Ristomriadormanifeste o seu desagrado com as
medidas ou soluções que militem uma repo-
sição num meio onde se torna impossível. Ape-
nas nos resta, a nós (historiadores e historia-
dos) agarrar o f i o conldutor do temlpo e re-
temperados com as exigências e acções pas-
sadas avançar pelo rumo que o passado/pre-
sente nos traçar.
Deste m o d o a viti-vinicultura madeirense
está carecida duma política capaz de abarcar
os problemas existentes, cujas raizes históricas
são muito profundas, a qual passa pela exiç-
tência duma região demarcada e a condução,
até as últimas consequências da reconversão
da vitis vinifera, repondo o conjunto de castas
que deram e continuam a dar nome 6 ilha.
Praz-$nossalientar a accão e impulso do Ins-
tituto do Vinho da Madeira que teima em dar
aos nossos avoengos a imagem merecida do
vinho ilhéu.
NOTA :
6
-O vinho da Madeira correu mundo -singrou por A VINHA N A MADEIRA
todos os mares e rompeu todas a s fronteiras. Est5
permanentemente nos festins de Francisco I de Fran- FIús-de ?tela e n c o n t ~ a rcepas viçosas
ça e de Carlos I1 da Inglaterra ; faz parte das rc- em partes do terreno trampluntadas
feições de Fernando da Bulgária e é colocado nos já mostrando seus frutos pampinosas
porões da nau-cárcere que conduz Napoleão ao ca- por mãos d a natureso ayricultada :
tiveiro de Santa Helena. Anda por congressos in- f a r á que destas purras viçosas
ternacionais, conquistando fama e enriquecendo-se fiquem as terras brevemente inçadas
porque farão nos séculos vindouros manda prodigiosa a par de um preço excessivo e
o prazer das nações, os seus tesouros por esta s6 também simples razão os habitantes des-
tas ilhas abandonaram toda a especie de agricultura
S e j a pois esta a planta mais querida e indústria que não fosse a cultura dos vinhos, fa-
d e que tratem os incolas primeiros : zendo-se indiscretamente dependentes da sorte, boa
s e j a p terra de cepas revestida ou m& deste só único produto. Com O produto das
e m vez d e louros, cedros e pinheiros : vinhas pagavam toda a classe de artigos necessários
a cultura das parras s e j a a Zide à. vida e de luxo e, apesar de tudo a circulação de
dos que forem aZi teus companlteiros então em metais preciosos foi prodigiosa, a pro-
dizer-te nada mais m e cumpre agora, priedade civil e rural se elevou a um valor difícil
n a enseada que vês ó Zarco ancora. de se acreditar e a principal de todas, o jornal se-
guiu a mesma proporção regulando e sendo regulada
(Francisco Paula Medina e Vascon- pelo valor dos vinhos e de toda a espécie de pro-
celos - Zargueida, Lisboa, 1806, priedades.
canto IX, estrofes XXIII e XXIV) Após dos ingleses que se apoderaram do comér-
cio e das riquezas acidentais que promoviam, veio
8
o luxo e este fatal companheiro da riqueza também
EXCLUSIVISMO DO VINHO seguiu aos habitantes destas ilhas em todas as suas
direcções.
-O vinho 6 o iinico genero abundante que pro- Tal era o estado d a província em 1815, quando
duz esta ilha e faz toda a sua riqueza é a moeda pela queda de Napoleáo Bonaparte teve lugar a paz
que mais gira como equivalente do mais que im- continental. E pois nessa época que principiam as
porta p a r a sustento de seus habitantes alimentados misérias desta ilha, ainda que desde esse instante
unicamente do seu produto sem recurso de nenhuma s e não manifestassem, porém foi desde então que as
o u t r a produção de outras bebidas capazes de adul- nações do continente ficaram habilitadas a concor-
t e r a r os vinhos bons de embarque ou paralizar a rerem ao mercado ingles e do mundo com os vinhos
venda dos baixos nas tabernas, que desta forma não da Madeira e ainda mais a suprir esta província dos
vendidas s e exportam com descrédito dos legais de géneros e do mundo com os vinhos da Madeira e
embarque. ainda mais a suprir esta província dos géneros de
primeira necessidade que possuindo-os como é da
- A Madeira é uma província de precária sub-
natureza desta operam infinitamente mais baratos
sistênciii. e não produz grão que chegue para con-
e regulando estes toda a espécie de valores, lança-
sumo de dois meses e outros vegetais frutuosos ape-
ram estas c a u s a e esses efeitos a esta capitania em
n a s darão subsistência para mais um mês, de ma-
embaraços extraordinhrios, porém consequentes.
neira, que o sustento de 8 p a r a 9 meses lhe é im-
portado. E l a não tem fábrica, nem produção alguma A imensa circulação de capitais, a carestia con-
o u t r a filha d a natureza, ou de arte que socorra a sequente dos jornais e a exclusão que tinham seus
esta e a s outras precisaes, além dos seus vinhos ge- vinhos no mercado inglês formou a base natural da
nerosos. carestia deste produto. A paz continental rompeu
toda a espdcie de equilíbrio nas relações e interesses
(Documentos de 1819 e 1881, in Ar- desta ilha.
quivo Hist6rico-Ultramarino -Ma- As nações da Europa que pela guerra tinham
deira e Porto Santo, N.' 4 6 9 5 ; Ar- sido distraídas dos exercícios pacíficos e pelo blo-
quivo Nacional d a Torre do Tombo queio continental privadas de concorrerem com seus
-Provedoria e J u n t a d a Real Ba- vinhos no mercado a par dos d a Madeira, se apres-
wewda do Funckal- N.' 963, fol. saram anciosas a aparecer com este produto não só
85Va/6; Arquivo Regional d a Ma- no mercado inglês, mas também DO do Mundo. E m
deira -Registo Geral d a Cdmara tempo desse bloqueio as nações que o sofreram se
do Bunchal, T, 15, fols. íOOV0/4) aplicaram a criar entre s i recursos de toda a espécie
e que conforme as visitas do seu valor criaram em
e último resultado a base da independência desses po-
O V I M O CAI E M DESGRAÇA vos.
A Madeira nesse tempo mais feliz, excluíu pela
As aturadas guerras continentais e o recíproco mesma razão toda a espécie de agricultura e indús-
bloqueio que impuseram o governo inglés e Napoleão tria que não fosse a criação dos vinhos. El por isto
Bonaparte, fizeram com que a ilha d a Madeira s e que agora s e vê nas tristissimas circunst$ncias de
encontrasse com vinhos no mercado inglês e ser compra de todo o artigo de necessidade e luxo e
por isto ela s 6 quem fornecia a Grã-Bretanha e suas essas nações que habilitadas agora com a paz, com
imensas colónias deste artigo. F o i por esta simples esta província igualmente concorrem com os vinhos
causa que este produto do seu solo obteve uma de- infinitamente mais baratos. Se a isto se acrescenta
a natureza custosíssima da agricultura da Madeira
A MOLESTIA DAS MOL*STIAS
comparada com a dessas nações que além de a for-
necerem d e trigo e milho e, enfim, de tudo, rivali-
Aparaceu entre nós a moléstia das vinhas em
zam com ela com seus vinhos por preços inferiores,
1852, com ela a aniquilação completa da produção
s e achará à primeira vista a razão da posição de-
quasi exclusiva do nosso país, d a única produção
sesperada e difícil em que estes povos se encontram
agrícola que ainda dava vida às nossas relações co-
agravados cada vez mais por outras causas imedia-
merciais com os povos estrangeiros e de que vivia-
tas, acidentais e secundárias, que por sua enorme
mos bem ou mal ...
gravidade e transcendência passo a expor.
J á antes da moldstia das vinhas, não eramos
No tempo da prosperidade, os ingleses aqui es-
ricos, nem felizes ; a nossa indústria agrícola a tro-
tabelecidos com o fim de amadurecer os vinhos e
peçar todos os dias em graves erros económicos não
de d a r a maior quantidade possível ao mercado, es- s e aperfeiçoara, nem desenvolvia, as vinhas em mui-
tabelcccram a s estufas, nas quais fazendo ferver os
t a s localidades não produziam as despesas d a cu1-
vinhos lhe davam uma naturalidade ou velhice for-
tura e pode-se dizer que os lavradores a s cultivavam,
çada c prematura e como tais os vendiam. Então
não já por interesse, mas por amor, ou por uma
pcla escassez deste artigo no mercado ing16s e do
espécie de gratidão aos interesses passados.
mundo, livre do bloqueio continental foi dissimulada
J á antes da moléstia das vinhas, milhares de
ou não advertida esta falsificação, sempre em des- colonos abandonavam esta terra desgraçada e emi-
credito d a real e superior qualidade dos vinhos, co- gravam para países pestíferos da América, alguns
mo também da pública fé ; por uma fatalidade e ao levados, é verdade, pela ambição e fascinados por
mesmo tempo justiça os médicos decidiram que os promessas sedutoras de vis aliciadores, mas a maior
vinhos d a Madeira e não havendo uma corporação parte fugidos da fome e miséria.
poderosa, que revestida de certos privilégios sepa- Já antes da moléstia das vinhas eramos um po-
msse os bons vinhos dos maus, todos caíram em vo desgraçado, que marchdvamos descuidados e a
descrédito. passos sui-dos no caminho que nos havia de conduzir
Por estas causas, os vinhos destas ilhas têm h á ii ruína inevitável. JA nessas épocas passadas, aquele
seis anos ficado estancados nos seus annaz6ns ou que despertasse da espkcie de torpor em que todos
nos do mercado de Londres e outras partes, pois o jazíamos e reflectisse um pouco, havia por certo de
que se t e m embarcado de então para cá tem sido antever um futuro mais Iiorrendo e assustador, do
mais objecto de uma operação forçada e prejudicial, que o presente que tanto nos assombra.
do que eleito de ordens encomendadas para esses Entho será porventura a causa finica de nossos
mercados. Desde que esses transtornos tiveram lu- males, ou a que devannos prestar maior atenção, a
g a r foi preciso comprar tudo, absolutamente tudo moléstia das vinhas, quando a despeito desta ha-
com o dinheiro que sc tinha acumulado no tempo víamos de sentir aqueles ? Ou ser& verdade que a
dessa efémera prosperidade, porém como o com6rcio moléstia das vinhas não fez mais do que apressar
ingl@se r a o comércio por excelência destas ilhas e uma crise, porque mais cedo ou mais tarde, havíamos
o que portanto se tinha apoderado do seu giro grosso de passar devido a outras ?»
e meúdo, este apenas viu o transtorno a que estas
ilhas eram condenadas, passaram seus principais (Texto de A. Gonçalves publicado
agentes com seus capitais para Inglaterra e outras no <cClamorPUblico», N." 8, p. 1)
partes, deixando apenas seus caixeiros recompensa-
dos com a firma da casa, estes sem fundo não po- O
deram derramar espécie alguma de recursos no pais DA DESGRAÇA AO DESEJADO
e só se destinaram a exercer a perniciosa operação
das liquidações que não tiveram lugar nos tempos Do vasto Oceano flor, gentil Madeira,
d e prosperidade. O com6rcio nacional foi cousa que Que de ?nurta viçosa o cimo enlaças,
n ã o existiu de 1810 e por isso sobre seus recursos Sdúria a teu seio amamentando as Graqas
n a d a se pode ventilar nem esperar. O dinheiro que Co' o vitreo SILCO d a imortal Parreira.
nesse tempo s e acumulou nas mãos dos habitantes
teria sido suficiente a amparar este golpe s e instan- Daquele, que em ti viu a ilzix primeira,
taneamente o luxo não ihes houvesse arrancado. Se acaso d crivel que i~zdaapreço faças,
Entre o prazer das brincadoras taças,
Recolhe a minha produção rasteira.