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CASSAÇÃO E DEMOCRACIA:
UM GRANDE CONTRASTE NO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO
RESUMO:
A cassação de mandato fere o princípio democrático do voto? Esta é a principal questão a ser
debatida neste artigo, observando as contradições do processo de cassação de mandato a partir
da Constituição Federal Brasileira de 1988 e de pensamento de especialistas, como o ilustríssimo
escritor e advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, refletindo sobre as possibilidades de
agressão aos princípios democráticos do voto.
O tema do trabalho em mãos foi motivado pelo interesse de todos os cidadãos de conhecer seus
direitos legais, possibilitando a redução de incômodos acontecimentos provocados pela
ignorância a respeito da legislação vigente. Dessa forma, contribuiremos para o bom
funcionamento da Democracia, regime este adotado pelo país em questão.
O artigo tem como objetivo central analisar criticamente, partindo de estudos de nossa carta
magna, o processo de cassação de mandato em paralelo com o princípio democrático do voto,
verificando incoerências entre eles, examinando casos ocorridos no Brasil, apontando o
posicionamento da jurisdição constitucional pátria, levantando questões que contribuirão para a
elaboração de uma solução. Por conseguinte, aguçaremos o instinto pesquisador e o olhar crítico,
sobre a realidade, dos leitores, causando-lhes um descontentamento a qualquer tipo de injustiça,
desacato à democracia.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 1º, parágrafo único,
afirma que o povo escolhe seus legítimos representantes; e no Código Eleitoral Brasileiro, no
caput de seu artigo 211, está gravado que aquele que obtiver maioria absoluta de votos será
eleito. Então, seria democrático cassar esse majoritário e pôr em seu lugar um candidato sem
antes passar novamente por um sufrágio? Para entendermos melhor essa questão, abordaremos
nos próximos tópicos uma análise histórica da representação popular, discorreremos sobre a
democracia e sobre o voto, examinaremos quando o soberano abusa do poder e o processo de
cassação de mandato. Teremos sempre em mente que aqui não se esgota essa discussão,
existindo a possibilidade de levantar outras questões.
2 Análise Histórica
O homem é um ser sociável por natureza, ele é um ens sociale, tem a necessidade de interagir
com o outro para se completar, para suprir suas limitações. Dessa forma, nós passamos a viver
em sociedade, o que favoreceu a criação de uma série de restrições que chegam a afetar
seriamente a própria liberdade humana, pois o estabelecimento e a preservação desse estilo de
vida depende da existência de um poder visível, que mantenha os homens dentro dos limites
consentidos e obrigue, por temor ao castigo, a realizar os seus compromissos. Assim, nasceu a
idéia de Estado e Direito; certificando a veracidade do brocardo jurídico: Ubi societas, ibi ius.
Então, com o crescimento das sociedades políticas e o elevado grau de complexidade dos
problemas coletivos, sentiu-se necessário a prática da democracia direta, criando o conceito de
representação, concretizada pelo mandato político, instrumento este que traduz o elo de
confiança a vincular representantes e representados. Tais representantes são escolhidos pela
vontade geral, que é o entendimento do interesse comum, não se confundindo com a soma dos
interesses privados.
O mandato político de uma república democrática é caracterizado por sua temporariedade, prazo
previamente estabelecido; logo, a idéia de república abomina os conceitos de hereditariedade ou
vitaliciedade. No Brasil, os mandatos são, em regra, de quatro anos, permitindo a reeleição uma
única vez para os cargos executivos. A própria limitação da idéia de reeleição visa a impedir que
os mandatos se perenizem indefinidamente, aniquilando um dos próprios requisitos do conceito
de democracia que é a alternância de poder. Tal prazo de quatro anos é suficiente para que o
titular do mandato implemente todas as políticas que o alçaram à condição de representante
popular, e também, ultrapassado esse lapso temporal, ele já se encontra apto para se submeter
ao juízo de aprovação popular.
Contudo, quando o soberano, o representante popular não satisfazer as necessidades do povo ou
até mesmo desrespeitá-lo, abusando do poder, ele deve ser deposto, cassado, o que está
previsto no artigo 55 da nossa Constituição de 1988, sendo esse processo o foco central deste
artigo.
Para entendermos melhor toda a temática do trabalho, exploraremos no próximo tópico a
democracia, conceito, princípios, e qualquer outro fato que ajude a compreendê-la.
3 Democracia
A palavra democracia vem do grego demos, que corresponde a povo, e kratos, poder; logo,
entende-se que é o sistema de governo em que o poder emana do povo, ele escolhe seus
representantes, influenciando-os, através da vontade geral, em suas decisões. Para reforçar, com
as palavras de Marcus Vinicius Furtado Coêlho, escritor, advogado militante no Nordeste e nos
Tribunais Superiores, estudioso da matéria político-constitucional, doutorando em Ciências
Jurídicas e Sociais, democracia é:
o regime político que se caracteriza pela titularidade do poder atribuído ao povo, que, no modelo
representativo, delega seu exercício a mandatários eleitos livremente em eleições periódicas.
Assim, a maioria possui o poder decisório através dos escolhidos para representá-la. O exercício
deste poder também pode ser feita diretamente pelo povo, por intermédio de plebiscito, referendo
ou iniciativa popular de leis, conforme disposto na Constituição Federal, em seu art. 14, incisos I,
II e III.
4 O Voto
Agora, tendo a noção da importância do voto e da integridade da democracia, será muito mais
fácil compreender a dimensão da obscuridade do abuso de poder e da extrema necessidade de
abortar, de cassar tal mandato. Pois subornar um eleitor ou simplesmente influenciá-lo na escolha
do candidato fere um dos princípios primordiais da democracia visto nos tópicos anteriores,
desvirtuando a vontade geral e enfraquecendo a própria democracia.
Os abusos administrativos do soberano também prejudicam bastante no bom funcionamento de
uma república democrática, ato este que deve ser severamente punido pelo Estado, não somente
em ter o mandato cassado, mas também ser processado ou até mesmo perder sua liberdade.
Analisando os mandatos cassados recentemente, o primeiro no dia 17 de fevereiro de 2009, no
estado da Paraíba, o governo de Cássio Cunha Lima (PMDB) e o segundo o dia 16 de abril do
mesmo ano, no estado do Maranhão, o governo de Jackson Lago (PDT), ambos acusados de
abusos políticos e econômico, este último já tinha sido acusado de compra de votos, eles foram
depostos e substituídos pelos segundos colocados, sem segundo pleito, ou seja, foram
substituídos por políticos derrotados nas urnas e sem consulta popular, onde José Maranhão
(PMDB) foi o sucessor do governo da Paraíba e Roseana Sarney (PMDB) do Maranhão. Tal
decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi equivocada, pois a soberania popular, expressa
em voto, não está sendo levada em conta. A realização de novas eleições é o caminho mais
legítimo, ou, no mínimo a substituição pelo presidente do poder legislativo ou do poder judiciário,
quando faltarem poucos dias para o término do mandato.
Para reforçar o caso acima, o TSE deveria fazer uma analogia ao artigo 81, parágrafo 1º, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em que determina a realização de novas
eleições diretas quando ocorrem a vacância dos cargos presidenciais; ou ainda utilizar o artigo
224 do Código Eleitoral Brasileiro, em que exige a realização de novos sufrágios quando houver
cassação de mandato nas eleições para presidente, governadores e prefeitos, atingindo a
nulidade mais da metade dos votos. Destarte, preservando os princípios republicanos e
democráticos, como os gravados na nossa Carta Magna em seu artigo 1º, parágrafo único, em
que afirma que o povo escolhe seus legítimos representantes; e no Código Eleitoral do Brasil, no
caput de seu artigo 211, em que nos fala que aquele que obtiver maioria absoluta de votos será
eleito, valendo o princípio da maioria numérica.
O processo de cassação se dá de forma indireta, o que é o oposto ocorrido nas eleições, estas,
por sua vez, realizam-se de maneira direta (artigo 14). Isto também deve ser criticado, pois um
poder outorgado pelo povo está sendo revogado não pelo povo, mas por outros parlamentares,
trazendo consigo a gravíssima consequência de ruptura da vontade popular que foi expressa em
voto. A forma indireta em que se desenrola a cassação de parlamentares, por exemplo, é
explicada pelo Congresso Nacional como um mecanismo de defesa à sua probidade, alegando,
na cassação por falta de decoro (artigo 55, inciso II), que um deputado ou senador agindo de
maneira indecorosa fere a imagem, a reputação e a dignidade da própria instituição parlamentar,
dando-a o direito de tal ato. Porém, como já vimos, isso agride o princípio democrático do voto.
Portanto, a cassação é um processo indispensável para assegurar a integridade da democracia,
revogando o mandato de um infrator, de um soberano improbo. Mas, como já vimos, apresenta
contradições em comparação à jurisdição constitucional pátria, ou, em alguns casos, deixa-se
apresentar, por falta de interpretação análoga, desacordos em sua execução.
6 Considerações Finais
Bem, fazendo um levantamento geral do artigo, vimos que é inerente ao homem a necessidade
de se agrupar, de viver em sociedade, e com o desenvolvimento da mesma, chegou-se a
democracia, tida por alguns autores como o regime mais perfeito, que tem como característica o
mandato político. Tal característica é a representação da vontade geral, esta, na maioria das
vezes, expressa em voto.
A democracia nos dá a idéia de igualdade, de liberdade, de justiça, particularidades estas
atribuída também ao voto, um dos seus instrumentos primordiais. O sufrágio é uma oportunidade
que temos para dizer ao nosso candidato que acreditamos no seu programa de governo, na sua
proposta de como irá gerir a coisa pública, em nosso nome. Portanto validar a eleição de quem
não recebeu legitimamente este poder é desconsiderar que ele origina-se do povo e que pode ser
exercido por seus representantes eleitos que deveriam escolher a ética e a busca do bem estar
dos cidadãos como as suas referências maiores.
Por conseguinte, a continuidade no exercício de determinado mandato político, pelos desvios
eventualmente registrados, pode configurar fator de corrosão da essência de valores
fundamentais, afetando a própria idéia de Constituição. É avesso à noção de democracia, a
continuidade de um mandato que não prima pela defesa dos direitos e fundamentais
fundamentais. Desse modo, assim como a Carta Magna estabeleceu uma presunção de que em
quatro anos é possível se concretizar grandes aspirações, também fixou que, em determinadas
hipóteses, pode-se abreviar o mandato de determinado representante, pois seu comportamento
indica que de suas práticas nada decorrerá em proveito do povo, implicando, tão somente, no
desrespeito aos direitos fundamentais e na corrosão aos ideais democráticos. Porém, a
substituição de governos cassados por forças derrotadas nas urnas está errada, pois a
Constituição está sendo desrespeitada na medida em que a soberania popular não está sendo
levada em consideração. Portanto, a realização de novas eleições é o caminho mais legítimo, ou,
como uma maneira de prevenção, um programa de incentivo à leitura para que possa proliferar
nas pessoas uma natureza crítica, fazendo com que elas investiguem sobre o candidato, antes
das eleições, para que possa votar corretamente.
Por fim, esperamos que este presente artigo possa ajudar no desenvolvimento do instinto crítico e
investigador dos leitores, e que eles possam contribuir, levantando outras questões, outras
opiniões, para a perpetuidade da democracia e para o seu bom funcionamento.
7 Referências
BRASIL. Código eleitoral. Coordenação de Anne Joyce Angher. 9.ed. São Paulo: Rideel, 2003.
COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado. Direito eleitoral e processo eleitoral – Direito penal eleitoral
político. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
Autor:
Milton da Paz Aragão Júnior
Email Para Contato: miltonkira@hotmail.com
Natural de Barras, Piauí, acadêmico do Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí -
UESPI.
Fonte: (www.artigos.com)