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Onde se fala de como tão facilmente nos "esquecemos" dos que depois celebramos
quando morrem e de mais um triste e grave episódio de falta de rectidão na escolha
dos que se irão pronunciar, durante cinco anos, sobre temas de bioética
1.Aqui ao lado, na sua coluna "Ainda ontem", Miguel Esteves Cardoso escreve sobre
Raul Solnado mas escreve sobretudo sobre nós todos - ou quase todos. "O que mais
me custa na morte do Raul foi ter sido morto por nós todos muito antes de ele ter
morrido."
Pois é. Não há como os portugueses para "na morte de uma pessoa grandiosa, a quem
devemos muito, lamentar que tenha morrido". Isto depois de o termos tratado mal em
vida.
Raul Solnado, que deu a volta ao humor em Portugal, que o tratou com inteligência
e cultura, que, como recordou a sua companheira, sabia que "era uma vedeta", não
passava por cima dos outros nem tapava a porta aos novos talentos que via
aproximarem-se. Foi suficientemente grande tantas vezes que não podemos dizer que
só os humoristas mais novos eram seus tributários - o Portugal que somos, nalguns
dos seus lados mais positivos, é tributário do atrevimento do Solnado da Guerra de
1908 ou do Zip-Zip, tal como é tributário da sua forma de criticar pelo humor e
sempre com ternura.
Gostava de ver os outros felizes e de lhes arrancar uma gargalhada, duas
qualidades raras entre nós, que invejamos a felicidade alheia e confundimos a
brincadeira com o insulto.
Por tudo isso custou ver a forma como Pedro Santana Lopes ontem fez do funeral do
actor um momento de campanha eleitoral. Por isso só podemos estar aqui com o
vizinho MEC e repetir com ele que "havíamos de pedir desculpa pela maneira como o
tratámos enquanto ele estava ainda vivo".
Mais: talvez seja a altura de olhar em volta e procurar os que arrumámos cedo de
mais no sótão das recordações, pois há valores que nem nestes tempos apressados
que fazem e desfazem vedetas são passíveis de descartar num Portugal onde o
talento rareia. Porque não chega apenas guardarmo-nos para a homenagem ao seu
génio no dia do seu funeral.