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21 de agosto de 2008

Edição nº 5

Perspectivas Relegitimadoras do Sistema Penal


Informativo
Sistema Penal: uma nova visão
Editorial
O Congresso “Perspectivas
relegitimadoras do sistema penal”, rea-
lizado no Estado de Goiás, não será o
último. Creio que conseguimos, de for-
ma madura e sem preconceitos, discu-
tir temas da pauta do dia e desmitificar
conceitos. Nesse primeiro momento,
nossos objetivos foram cumpridos. Reu-
nimos procuradores da República,
juízes Federais, professores, promoto-
res, delegados, advogados, estudantes
para debatermos os deveres estatais de
proteção, as interceptações telefônicas,
a constitucionalidade dos métodos de
investigação. Tenho certeza que, no
mínimo, os presentes deixaram de ter
uma visão fragmentária da realidade,
como provocou o palestrante Douglas
Fischer. Esse foi o objetivo. A missão
foi, em parte, cumprida.

Daniel de Resende Salgado


Procurador da República

Mosaico: A imagem que fica do Congresso


é em mosaico. O dicionário define esta pala-
vra como uma variedade de partes que for-
mam um conjunto. Foi assim nos quatro dia
do evento. Idéias, pensamentos, teorias, dis-
cursos plurais com o objetivo de discutir o
Sistema Penal. À esquerda da montagem,
estão todos os palestrantes que expuseram
suas idéias a serem debatidas. No canto in-
ferior direito, está o procurador Daniel Salga-
do, idealizador do evento. Ao centro e nas
bordas, os participantes - grandes responsá-
veis pelo sucesso do congresso.
Página 2, 21/08/2008

“As megaoperações produzem um efeito nefasto ao


espetacularizar o crime, transformando a criminalidade em um
grande show. Isso é ruim, pois dificulta o trabalho do Ministério
Público e da Justiça. ”
Espetacularização do crime
O Congresso foi fechado com a apresentação do pro-
curador da República na Bahia e Mestre de Direito ao MP e ao Judiciário meios de assegurar uma
Público Vladimiar Aras. Sob o título “Sucessos e persecução criminal efetiva para punir quem
insucessos das megaoperações policiais e trabalhos merece ser punido.
coordenados entre órgãos de persecução”, a pales-
tra expôs os pontos negativos e positivos dessas Quais são os desafios para se viabilizar esses
ações. meios?

O efeito simbólico foi um dos poucos pontos positi- Os desafios são muitos. Por exemplo, há uma
vos apresentados sobre as megaoperações. Já como urgência de avançar na definição do Sistema
pontos negativos estão a espetacularização do cri- Condenatório, que deve ser pensado em função
me e a sensação de impunidade com a ausência de da Constitução Federal. Sofremos ainda com um
condenações. processo penal baseado na criminalidade do
século XIX e início do século XX. Enquanto, atual-
“Além de uma logística onerosa, as mente, estamos diante de uma criminalidade
megaoperações não acertam o alvo. É preciso transnacional, organizada, que pratica seus crimes
realizar pequenas operações e expandir o uso de de forma oculta. Diante disso, é necessário aper-
forças-tarefas”, diz acreditar Aras. Confira a entre- feiçoar os instrumentos de persecução. Não se
vista concedida logo após o evento: pode esquecer também que a prescrição penal no
Brasil é graciosa, pois favorece a impunidade. Há
O senhor fez a última apresentação, encerrando ainda uma série de outros elementos que impe- resta um sentimento de frustração, pois as
o Congresso. Na opinião do senhor, qual foi a im- dem que o sistema funcione bem. prisões temporárias ou preventivas não resul-
portância do evento? tam em condenação.
Por que o senhor é contra as megaoperações?
Foi extremamente importante, tendo em vista, que Na relação custo/benefício, a força tarefa
há uma série de discursos criminológicos (alguns, As megaoperações produzem um efeito nefasto seria uma solução?
ao meu ver, inconscistentes) que alegam que ao espetacularizar o crime, transformando a Sim, mas é preciso de uma lei para regulamen-
vivemos num Estado Policial e que o Brasil está criminalidade em um grande show. Isso é ruim, tar a questão das forças-tarefas entre as
voltando a ser uma Ditadura. Na verdade, o que a pois dificulta o trabalho do Ministério Público e da insituições. E no lugar de megaoperações, o ideal
sociedade sente na própria pele é que o crime está Justiça. Uma megaoperação cria uma massa é que se faça pequenas operações. Há uma
numa escala incontrolável. Portanto, é necessário muito grande de informações, o que inviabiliza o necessidade de se manter as coisas simples,
uma preocupação com os instrumentos e técnicas processo judicial. Isso tudo fica muito complicado pois só assim se tornam inteligíveis, podendo tra-
especiais de investigação que confiram a polícia, e se traduz em impunidade. Para a sociedade, zer um resultado útil à sociedade.

basta, para este tipo de crime, prender os O caso recente da prisão do colombiano
Foco no combate ao membros do grupo criminoso. “É preciso Juan Carlos Abadia é sinal de que o Brasil
descapitalizar o grupo, para que deixem de é visto como um paraíso fiscal?
colarinho branco refinanciar o crime”.
O caso de Juan Carlos Abadia não é isola-
A primeira ação no combate ao colarinho bran- do, porém, não caracteriza o Brasil como
A tríade “foco”, “métodos especiais” e “provas co é a focalização. Dentro de uma perspectiva um paraíso fiscal, porque nossas regras de
indiciárias” é o caminho apresentado pelo juiz de escassez de recursos, é preciso, de acordo levantamento de sigilo bancário são bem
Federal Sérgio Moro para o combate efetivo ao com Moro, priorizar os casos mais importantes mais flexíveis do que nos paraísos fiscais.
crime de colarinho branco. Palestrante do para se alcançar bons resultados. O uso de No entanto, muitas vezes por questões
último dia do Congresso, Moro é do Paraná e métodos especiais também é apontado como procedimentais, o país tem se mostrado
Doutor em Direito do Estado. Em sua apresen- parte da solução para o problema. pouco cooperante em matéria de crimes
tação sobre “prova na lavagem de dinheiro e Interceptação telefônica, delação premiada, transnacionais.
confisco de bens”, o juiz deixou claro que não rastreamento bancário, escuta ambiental e uso
de agentes infiltrados são alguns dos instru- Qual a razão dessa falta de cooperação?
mentos que auxiliam na investigação. “Sem Por conta de uma visão de que tal procedi-
esses métodos criminais, não há como obter mento seria uma afronta à soberania nacio-
bons processos”. nal. Acho essa idéia ultrapassada, pois quan-
do um país nega cooperação ele não está
O terceiro requisito do tripé apresentado pelo ganhando nada, na verdade está benefician-
palestrante é a prova indiciária. No crime de do o criminoso.
colarinho branco, por causa do “manto” de
segredo que envolve as operações ilícitas, “é Quais as conseqüências sociais da práti-
preciso considerar no processo as provas ca do crime de lavagem de dinheiro?
indiretas, desde que não haja qualquer dúvida O principal problema desse tipo de crime é
razoável, sem, obviamente, estarmos que ele acaba se autofinanciando. Ao impe-
flexibilizando o princípio da inocência”, analisa. dir que o crimonoso usufrua dos bens ilíci-
Após a palestra, Sérgio Moro concedeu a tos, encerra-se esse círculo vicioso. Então,
seguinte entrevista: a principal conseqüência da lavagem de di-
nheiro é o aumento do crime.

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