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SENADO FEDERAL

Gabinete do Senador DEMÓSTENES TORRES

Discurso proferido pelo Senador Demóstenes Torres

Plenário do Senado Federal, 23 de setembro de 2009-09-24

Senhor Presidente,

Senhoras Senadoras,

Senhores Senadores,

O senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra, às vezes,


preocupação sobre como as próximas gerações vão comentar o seu período
no governo. Não é preciso o timoneiro esquentar a cabeça coroada: o futuro
vai tratá-lo como ele trata o futuro. Preferiu investir em maquiagem, no
lugar das obras macroestruturantes. Baseou sua administração em pilares
que sustentam-lhe a aprovação, distribuindo dinheiro e outras benesses,
substitutas da velha política de trocar voto por dentadura, cabo eleitoral por
par de botina. Popularidade tem a duração de um click. Se parar de pagar a
Bolsa Família por um mês que seja, na pesquisa seguinte estará ruim na
foto. E a memória do estômago é impiedosa: os verdadeiros programas
sociais, os que significavam inclusão, foram idealizados e implementados
pela socióloga Ruth Cardoso, merecedora de reconhecimento.

O Ministério de Lula, que teve e tem até pessoas decentes, será


lembrado pela quantidade de pastas e a inutilidade de algumas. Os
componentes do time, para usar uma expressão cara ao senhor Presidente,
se dividiram em trapalhões, aloprados, mensaleiros, sanguessugas,
malfeitores e uma gente que parece sempre estar com enxaqueca ou com a
gravata muito apertada. Um povo que não ri e quando ri é do povo. Deles
também as próximas gerações haverão de recordar.

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Lula falhou ao nomear os principais da equipe, de setores
importantes, como a Justiça e a Saúde, nos quais começou com ministros
ruins, foi trocando e foi piorando, foi mudando e foi ficando cada vez mais
lastimável. No Ministério da Fazenda, o presidente da República contou
com o acaso. Estava a distribuir os uniformes e quando viu só faltavam a
camisa 10 e o enroladíssimo prefeito de Ribeirão Preto Antônio Palocci. Os
mais próximos do então presidente eleito esperavam algum cargo em troca
do papel de Palocci na campanha de 2002, mas nunca que fosse exatamente
o comando da economia. Pode ser mentira de quem diz que o presidente às
vezes se sente deus, mas é verdade que acerta por linhas tortas. Aproveitou
quase seis anos de notícias sempre boas sopradas de todo lado do mundo e
governou com tranquilidade. Quando a crise chegou, o País estava
preparado, pois o Plano Real o havia deixado com uma estabilidade inédita,
que perdura.

O segredo do equilíbrio brasileiro estava, evidentemente, na


continuidade firme do Real, mas também em um acerto de Lula, a escolha
do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Num amontoado de
companheiros incapazes de gerir boteco pé-sujo, a chegada de Meirelles foi
suficiente para o Risco Brasil virar traço. Mas Meirelles é a exceção com
brilho internacional. Conhecidos no Exterior, havia apenas ele e a então
Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, agora de volta ao Senado, para
o engrandecimento desta Casa. Nesta área, a do Ministério das Relações
Exteriores, o presidente Lula cometeu seu maior erro e, o que é pior,
mantém o equívoco pendurado no Itamaraty. Essa falha nababesca se
chama Celso Amorim, definido pelo jornalista Reinaldo Azevedo como
“megalonanico” e suportado pelo presidente no posto que deveria ser a
vitrine globalizada do Brasil.

Amorim é mega nas trapalhadas e nanico como formulador de


política externa. No futuro, o presidente poderia ser lembrado por medidas
acertadas, mas o conjunto de absurdos cometidos por Celso Amorim é
tamanho que o tornarão inesquecível. Ele consegue colocar o governo em
enrascadas a partir do próprio currículo. O senhor Ministro se dizia doutor
em ciência política por uma universidade da Inglaterra. A jornalista Malu
Gaspar, chefe da sucursal da revista Exame no Rio de Janeiro, telefonou
para a famosa escola de economia, em Londres, e desfez-lhe o título. Como
se fingir de doutor é recorrente no Ministério, o presidente já se acostumou

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a essas inverdades curriculares. O problema é que o governo vai virando
tema de gracejos, a ponto de, nos comentários à reportagem sobre o canudo
falso de Amorim, alguém questionar se o diploma de torneiro mecânico do
Presidente existe mesmo ou falta ser convalidado por alguma dissertação.

Enquanto a pândega se desenrola por aqui, leva-se na esportiva, mas


Amorim se tornou uma anedota de proporções planetárias. Poderia haver
graça se a piada não fosse Ministro de Estado no Brasil. As agências
internacionais ligadas ao setor financeiro reconhecem a pujança de nossa
economia, mas vira-se a página e lá está Amorim querendo ser mediador de
encontro entre o Irã e os Estados Unidos. Mahmoud Ahmadinejad é um
tirano amalucado especialista em fraudar eleições, mas não está
completamente sem juízo. Amorim já o paparicou diversas vezes, porém
será melhor para o iraniano atirar sua bomba atômica no próprio pé a
aceitar um interlocutor do nível do chanceler tupiniquim. Se Barack Obama
tolerasse um mediador tão rastaquera provaria ser atarantado como o
Amorim texano que o antecedeu

Almejar a entrada como protagonista entre os líderes mundiais seria


mais um chiste de Amorim se ele não se levasse a sério. O grave é o
ministro carregar para o atoleiro do pastelão seu chefe, o Presidente de uma
República que virou reino da pilhéria. Lula ao menos é autêntico, não
mente ter doutorado, não finge ser especialista em diplomacia, apenas
almeja ser eterno, só isso, a eternidade, simples e modesto comparado aos
desejos de Amorim. Ele foi Ministro das Relações Exteriores também no
Governo do Presidente Itamar Franco, mas não tinha esse topete todo que
exibe desde 2003. Pelo visto, Itamar evitou compartilhar de sua arenga
macromaníaca, as teses do Brasil Grande, que não tinha nada até o início
do mandatário de plantão e nunca mais vai encontrar um presidente à altura
depois dele. Lula, infelizmente e até por desconhecimento, se enredou na
conversa do napoleão de almanaque.

Um dos contos em que Lula caiu foi liderar o bloco dos esfarrapados
e, com isso, conseguir uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. No
estapafúrdio planejamento de Amorim, pois uma bobagem dessas deve ter
sido esquadrinhada, o Brasil perdoaria dívida de países africanos e
atribuiria as crises aos olhos azuis dos europeus, rosnaria com os Estados
Unidos e seria um gatinho com a Bolívia, ouviria atentamente Chávez e
berraria com Bush. Nessa toada, seria automaticamente o representante dos

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pequenos e os membros permanentes, China, Estados Unidos, França,
Reino Unido e Rússia, se sentiriam pressionados a ampliar o Conselho de
Segurança apenas para satisfazer o pleito de Amorim. Claro, deu tudo
errado, como é praxe nas ações do chanceler. Como ele gosta demais de
aparecer, uma espécie de José Dirceu mirim, leva-se a supor que o ministro
deve ter sonhado com a Presidência da República. Da caixa craniana de
onde se extraem semelhantes embustes, falta apenas esse.

Do Itamaraty para o Planalto? Sim, por que não? Seu esquema era
assim: eu consigo colocar tais brasileiros em postos-chaves de organismos
internacionais, incluo o Brasil no Conselho de Segurança das Nações
Unidas, cuido da América como xerife de quintal, ah, o Presidente Lula vai
acabar me notando como político. Ora, o José Dirceu tombou pelo
mensalão, o Palocci foi moído por um caseiro e a nova opção do Presidente
para sua sucessão caminha para ter o desempenho eleitoral do Marronzinho
e a performance de Lívia Maria, os Roussef de 1989, ah, pode sobrar para
mim. Isso é Amorim raciocinando e quando ele pensa é um perigo.
Continua suas divagações. Meu antecessor, Fernando Henrique Cardoso,
elegeu-se e reelegeu-se Presidente da República. E ele nem era dos quadros
do Itamaraty. Por que não eu, diplomata de carreira há 44 anos? É, Amorim
é capaz de bolar uma tolice dessas, mas, como já se viu, tudo que sai
daquele cérebro brilhante resulta em presepada.

A mais recente bizarrice do fanfarrão foi abandonar um brasileiro,


Márcio Barbosa, que era favorito para secretário-geral da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Márcio Barbosa já
era o diretor-geral adjunto, espécie de número 2 da Unesco, cargo para o
qual entrou via concurso público internacional, disputando com 400
concorrentes dos quatro cantos do planeta. Como a política atual no Brasil
é a de esquecer o mérito e reservar cotas para a companheirada, Amorim
convenceu o governo brasileiro a vetar Márcio Barbosa e apoiar o egípcio
Farouk Hosny. Sim, um companheiro vizinho das pirâmides. Foi outra
amorinada, que é a patuscada cometida por Amorim. Na ONU não existe a
cota para nazista e nesta terça-feira foi divulgado o resultado da votação: o
pupilo de Amorim perdeu a direção da Unesco por 31 votos a 27 para a
belga Irina Bokova. Hosny, o protegido do chanceler, apresentou sua meta
no Ministério da Cultura do Egito: queimar todos os livros em hebraico. Se
um sujeito diz em público uma monstruosidade dessas, nem imagine o que

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deve fazer longe das câmeras. Vamos rememorar a sucessão de equívocos
do Itamaraty nesse episódio:

Primeiro, desprezou a candidatura de um brasileiro, ocupante do


segundo maior cargo na mais importante agência das Nações Unidas,
favorito a subir, com apoio dos Estados Unidos e da maioria da Europa;

Segundo, Márcio Barbosa tinha de contar com o Brasil não por ter
nascido aqui, mas por ser o melhor. A agência é de Cultura, Educação e
Ciência, Barbosa é um intelectual ligado às três áreas, foi presidente do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, respeitado nos cinco continentes.

Porém, Amorim seguiu à risca o script da tragicomédia:

Começa com o ministro bajulando Ahmadinejad, que nega o


holocausto, então, nada mais natural que seguir no mesmo patamar e
proteger Hosny, que deseja jogar na fogueira todas as obras em hebraico;

Passa pelo chefe de Amorim dizendo não ter paciência nem vontade
de ler. Por isso, o ministro o convence a endossar um queimador de livro.
Se a promessa fosse a de incinerar os exemplares também dos demais
idiomas, a ajuda brasileira teria se ampliado;

Termina com a constatação da opção preferencial pelo último


mundo. Amorim faz a agenda de Lula por potências como Burkina Faso e
Congo, andando em carro aberto com ditadores longevos e se tornando
parceiro de déspotas sanguinários. Nas Américas do Sul e Central, a
imagem cristalizada é de um país vassalo de tiranetes chefiados pelo
boquirroto venezuelano e cúmplice das Farc, o braço ideológico do
narcotráfico. Foi nessa vala que o ministro jogou o presidente.

Como o repertório de assombros de Amorim é infinito, ontem e hoje


colocou o presidente Lula em outra roubada e, mais que isso, tornou o
Brasil o autor de interpretações estranhas sobre duas ditaduras vizinhas na
América Central. De um lado, Amorim autorizou a transformação da
Embaixada Brasileira em Tegucigalpa em comitê eleitoral pró-retorno de
Manuel Zelaya à presidência de Honduras. Sei que chamar Amorim de
trapalhão é uma ofensa a Dedé Santana e Didi Mocó Sonrizal Colesterol,

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mas o chanceler afirma que Zelaya não é asilado ao mesmo tempo em que
está desautorizado pelo presidente Lula a entregar o ex-chefe de Estado da
Nicarágua a quem o derrubou do poder. O volume de princípios de
diplomacia violados nos dois dias de Zelaya no papel de embaixador
brasileiro não pode ser maior que a alegada amizade entre o derrubado líder
hondurenho e o presidente brasileiro.

Além de se envolver em assuntos internos de Honduras, tentando ser


um pitbull fanho no lado de cá do Atlântico, o Didi Mocó do Itamaraty
convenceu o presidente do Brasil a usar a Assembleia Geral da ONU para
pedir a volta de Zelaya com o argumento de que o tempo e o espaço não
cabem mais ditaduras. Só que o assunto seguinte do trapalhão, e reforço
aqui meu pedido de desculpas a Renato Aragão por compará-lo a alguém
tão torpe, foi a defesa da mais duradoura ditadura das Américas, a de Cuba.
Ou seja, Zelaya tem de voltar ao poder porque instalou-se um regime de
exceção em Honduras e o presidente Barack Obama está errado em manter
o embargo a Cuba porque os irmãos Castro são estereótipos de democracia.
Quem sofre com isso é o Brasil, já que o presidente nem tem noção da
enrascada em que se envolveu e Amorim é tão experiente em erros
históricos que mais um menos um não pesaria em seu currículo de doutor
Pinóquio.

O desserviço de Celso Amorim é gigantesco com Lula, mas bem


maior com o Brasil. Sua folgança seria divertida se integrasse o Pânico ou
o CQC, sem transformar a política externa brasileira numa zorra total. Não
é brincadeira o país conquistar prestígio mundial na economia e ser motivo
de escárnio nas relações exteriores. É uma vergonha para um cargo antes
ocupado pelo Barão do Rio Branco, Osvaldo Aranha, Afonso Arinos,
Evandro Lins e Silva, Fernando Henrique Cardoso e outros que estiveram à
altura do Brasil perante as demais nações.

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No futuro, o presidente Lula vai ser lembrado como o operário que
governou num período de prosperidade globalizada, com crescimento
universalizado e o acesso de multidões a bens de consumo dos quais
viviam alijadas. Mas se o responsável pelo Bolsa Família fosse Celso
Amorim, o Brasil estaria catando corpos nas ruas com pá-mecânica, tantos
seriam os mortos de fome, contados aos milhares por dia em todas as
regiões. Nesse momento, Amorim estaria comemorando os baixos índices
de obesidade entre as camadas mais simples da população, explicando com
sua voz de pato de desenho animado como seis anos de dieta rígida deixam
qualquer um em forma. Felizmente, o cacife de Amorim não serviu de
parâmetro para as demais nomeações.

O rol de vítimas de Amorim não se restringe a Lula e Márcio


Barbosa. A ministra Ellen Gracie, uma das pessoas mais preparadas do
mundo do conhecimento, não está na Organização Mundial do Comércio
porque o Itamaraty perdeu completamente os critérios de prioridade. Se o
chanceler fosse compatível com a grandeza do País, teria disposição e
repercussão para emplacar seus compatriotas. Um quadro preparado como
Ellen Gracie, que tem cultura e sabedoria suficientes para ser secretária-
Geral da ONU, vai ter de esperar o fim da era Amorim. O ministro levou
brasileiros e o Brasil a outras derrotas na OMC, no Banco Interamericano
de Desenvolvimento, em organismos das Nações Unidas, a acreditar nos
tais bolivarianismo, UnaSul e congêneres chavistas.

Mesmo com o esforço insano de Amorim para aparecer, poucos se


lembrarão dele após fazer um favor para o País e deixar o Ministério das
Relações Exteriores. O desgaste será inteiramente do presidente Lula, que
não tenta ser o que não é e dialoga com os graúdos do G-7 da forma que
conversaria se estivesse numa reunião de sindicato no ABC ou num jogo de
futebol. Aliás, falando no esporte predileto, a novidade da política externa
brasileira é fazer o presidente distribuir o manto canarinho a líderes
mundiais. Mas como tudo em que põe a mão dá zebra, Amorim já passou
ao presidente camisas autografadas por jogadores que há tempos estão fora
das convocações da seleção. No presidente, que não é doutor em política
pela London School of Economics, essas gafes resultam em gargalhadas,
sem afetar-lhe a popularidade. O ministro, desmentido pela LSE, mostrou
também que só é doutor em patetadas. As próximas gerações de diplomatas

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vão ter muito trabalho para corrigir o tempo em que a política externa
brasileira foi guiada por uma caricatura.

Muito obrigado.

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