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I Parte

Era uma vez uma cidade, com muitas ruas cheias de casas antigas e prédios
novos, pessoas, carros e lojas. Falo da minha cidade, cheia de movimento, sons, música
e cheiro a mar.
Chamo-me Duarte e moro na Figueira da Foz.

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No cimo da minha rua existe uma igreja que tem um sino que quando liberta
estridentes badaladas afuguenta os pombos e fazem-os voar apressadamente em bando
numa azáfama de pó.
No outro lado da minha rua há uma pizzaria e por isso de vez em quando
aparece por lá clandestinamente um rato apreciador de queijo Italiano.

Ao virar da esquina, mora o senhor Joaquim que é sapateiro. Passa os dias


sentado num banco pequeno à entrada da sua casa velhinha a martelar sapatos. Sempre
que passo por ali pergunta-me:
_ Olá Duarte! Já sabes atar os sapatos sózinho?
A sorrir respondo-lhe que sim. Foi o senhor Joaquim que numa tarde me ensinou
a dar nós e laços nas botas de Inverno.
Na minha rua mora também a Rita, mas como é rapariga não costumamos passar
muito tempo juntos. Às vezes vemos filmes de animação e vamos até à gelataria com as
nossas mães.
Na minha rua também mora a senhora Leonor que embora seja muito idosa, é
muito bonita. Nunca se esquece de colocar nos lábios um baton discreto e de se
perfumar com água de rosas. Usa um carrapito no cabelo e usa umas roupas engraçadas
que embora sejam da alta costura acho que já não estão muito na moda. A mãe diz que a
senhora Leonor é como se fosse uma princesa já velhinha.
Na janela da sua casa existem vasos com sardinheiras de muitas cores. A um
canto do parapeito dorme com frequência o Seara, o seu gato gordo cor de mel. Chama-
se assim porque quando fica chateado parece uma espiga de trigo eriçada.
Acho que a senhora Leonor gosta muito de mim por já não ter família e achar
que eu sou o seu melhor amigo. Quando a mãe me deixa lá ir a casa, bebemos juntos
chá em belas taças de porcelana inglesa e comemos deliciosos bolos que ás vezes saiem
no momento quentinhos do forno. Não sei como nunca tivemos uma dor de barriga!
_ Beba o cházinho menino Duarte! Dizia-me a senhora Leonor enquanto regava
as suas camélias.
_ Gosta de flores?
_Pensando bem, acho que gosto de papoilas por serem vermelhas e frágeis e
também por crescerem nos campos onde o avô me leva a descobrir as tocas dos coelhos.
Também gosto de girassóis porque se viram para o sol. Acho que todos nós devemos

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estar sempre voltados para as coisas e para as pessoas boas que nos fazem felizes. Não
acha senhora Leonor?
_Claro menino Duarte! Temos de procurar sempre a felicidade porque a vida
passa depressa e às vezes perdemos tempo com coisas que não são importantes. Hoje
vai à praia menino Duarte?
Perguntava-me a senhora Leonor enquanto arrumava cuidadosamente as suas
chávenas de porcelana no seu louceiro dos cristais.
_ Não sei. A mãe disse que à tarde ía lá o senhor António arranjar a torneira
partida da casa de banho que já há muito tempo estava a pingar água.
_ Devemos respeitar o ambiente! A água é dos bens mais preciosos do nosso
planeta.
_Sim. Respondia eu enquanto observava o gato que teimava em não fazer nada a
não ser dormir.
_ Sabe menino Duarte, se a sua mãe o deixasse, podia hoje ir comigo jantar a
casa da minha amiga Carlota. A companhia do menino seria uma alegria entre duas
velhotas. A ideia é experimentar umas invenções gastronómicas e experimentar umas
certas gulosices típicas que a Carlota descobriu num livro de receitas da sua bisavó.
_ Claro que gostaria muito. Respondi eu a sorrir com água na boca e a pensar no
cão da senhora Carlota que para além de ser meio estouvado também é parvo e feio. Foi
a primeira vez que vi um cão com uma camisola de lã quentinha e um gorro na cabeça.
Também nunca tinha visto um cão com uma coleira cheia de corações no pescoço. E,
confesso que fiquei pasmado quando vi o cão com um pijama cor de rosa deitado na sua
cama com uma venda nos olhos para não acordar com a luz do dia.
A senhora Carlota de aparência mais reboliça que a senhora leonor que é magra
e alta, é também mais extrovertida e fala habitualmente muito alto e a rir. A senhora
Carlota tem dez pares de óculos que usa consoante as diversas necessidades e ocasiões e
também consoante a roupa que veste. Gosto da senhora Carlota porque é sempre muito
simpática, atenciosa e cheia de sentido de humor.
Quando chegámos a casa da senhora Carlota, fomos recebidos com grande
alegria.
_Boa noite meus caros amigos! Leonor minha amiga, olhe que está cada vez
mais elegante, mais bonita. Dê-me o segredo! E o menino duarte! Que bonitinho e
grande está! A sua mãe está bem? Depois mande-lhe comprimentos meus e agradeça-
lhe o vaso das flores. Entrem! Entrem!

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A senhora Carlota orientava-nos até à sua sala de jantar, muito requintada e
decorada com um certo estilo de ascendência nobre. Tudo brilhava e os tecidos já gastos
tinham desenhos muito parecidos com os trajes dos reis. No chão existiam lindas
carpetes de arraiolos.
Apontando uma pintura a óleo emoldurada a talha dourada, disse-nos:
_ Aquele homem lindo é o meu falecido Henrique. Venham e sentem-se! Maria!
Maria!
Lá vinha a menina Maria de avental branco de linho com o jantar.
_Cheira muito bem! Ui! E que aspecto tão apelativo.
O Bóbó também achava e deitado na sua alcofa deitava uns olhares de soslaio,
esperando que algum osso sobrasse para si, ou até quem sabe, uma perna gorda do pato.
Enquanto comíamos com muito prazer e elegância, a senhora carlota perguntou-
me:
_Menino Duarte, quer repetir?
Olhando bem para o seu prato referi:
_ Não! Muito obrigado. E cheio de coragem ainda referi:
_A senhora Carlota tem a placa agarrada ao garfo.
Dito isto a senhora leonor deu uma gargalhada e mordeu o guardanapo de seda
para se conter dos risos.
A senhora carlota corou e disse:
_Disparate! Já não é a primeira vez que isto me acontece.
Para mudar de conversa perguntei-lhes:
_Já se conhecem há muito tempo?
Riram as duas que nem tontas como se tivesse dito o maior disparate do mundo.
_Claro que sim. Desde sempre. Crescemos juntas e tivemos sempre vidas
paralelas. Leonor, lembra-se daquele dia em que fizemos um piquenique e o paizinho da
senhora Maria da Graça comeu um pãozinho com uma lagartixa lá dentro e no fim
quando olhou para o rabo do bicho disse: _ Esta sandes está muito boa, mas já não
quero mais o resto da sardinha!
Que nojo! Pensava eu.
_ Lembra-se Carlota quando o senhor padre um dia depois do almoço ao dizer a
missa deu um arroto estrondoso depois de beber o vinho e ainda pediu licença? Todos
disseram em coro «Santinho!».
Que palermice. Pensava eu.

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_Olha que daquela vez que fomos à praia passear e que decidimos...
As duas senhoras continuavam nas suas histórias e recordações. A certa altura
começamos a beber o chá e os bolinhos. Reparei numa linda salamandra pousada em
cima da mesa, mesmo ali ao meu lado a sorrir para mim. Discretamente dei-lhe um
pedaço de bolo. Mas ela não gostou.
_ Sabes, sou uma salamandra e chamo-me Tita, sou um anfíbio e não como
bolos. Estava mais interessada naquele vespão que está em cima da cabeça da senhora
de óculos. Consegues apanhá-lo?
A senhora Carlota tinha um enorme vespão em cima da cabeça, preso pelos seus
cabelos. Fiquei corado e a pensar na melhor forma de o apanhar e ser discreto. Como
não me ocorria nenhuma ideia disse directamente:
_ Senhora Carlota, posso dar o vespão que está em cima da sua cabeça à
salamandra Tita que está aqui ao meu lado em cima da mesa cheia de fome?
Dito isto as duas senhoras apanharam um valente susto, a senhora Carlota
passou a mão pela sua carapinha e ao tocar no vespão caiu na cadeira para trás e
desmaiou, a senhora Leonor deu um grito e com o pato assado tentou matar a
salamandra que por sua vez fugiu. O Bóbó sem meias medidas correu e como se fosse
um malabarista, apanhou o resto do pato assado no ar e fugiu com ele para a cozinha. A
senhora Leonor deu um ai quando se apercebeu que tinha projectado um bolo contra a
pintura a óleo do falecido marido Henrique, o qual tinha agora uma cereja no nariz.
Ficou fraca e também desmaiou agarrada à toalha de linho branco que tudo arrastou
para o chão e transformou a carpete de arraiolos na maior sujidade do mundo.
_E agora? Pensava eu.
A menina Maria entrava na sala e meia nervosa sem nada perceber foi pedir
ajuda.
_ Psssstttt! Psssssttttt! Olha, vem cá para fora que o ambiente aí está pesado.
A salamandra encostada à Figueira saboreava o que restava do vespão que tinha
finalmente conseguido tirar da carapinha da senhora Carlota aquando a sua queda.
_ Quero despedir-me de ti. Disse a Salamandra a sorrir com a sua mochila de
viajante às costas. Dissemos adeus e a sorrir acenei-lhe com a mão. Percebi que com
tanta confusão deveria ser difícil para ela permanecer durante muito tempo num sítio só.
Encostei-me à Figueira. Estava assustado, preocupado, com a barriga cheia e
com muito sono.

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Enclinei o corpo sobre o tronco, fechei os olhos e bucejei. Enquanto isso caiu
um figo muito leve que descía da figueira como se fosse uma bola de sabão bailarina.
Pousou-me na mão e disse-me:
_Queres que te conte uma lenda?
_ Sim. Respondi-lhe. _Uma lenda sobre um pescador, pode ser?
_Sobre um pescador e sobre o mar, pode ser?
_ Sim, e também sobre uma figueira, pode ser?
_ Sobre um pescador, sobre o mar, sobre uma figueira e sobre a velha do mar.
_A velha do mar? Perguntei-lhe eu, nunca tinha ouvido falar na velha do mar.
_ E a figueira pode ser encantada?
_ Sim, pode. Respondeu o figo.

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II Parte
A Lenda da Figueira Encantada
Era uma vez há muitos muitos anos atrás uma terra pequenina que tinha poucas
casas e poucos habitantes.
Numa casa pequenina de pedra sem luz e água vivia um pobre pescador com a
sua família muito numerosa.
O pescador tinha sete filhos e uma mulher muito magra.
A mulher passava os dias a trabalhar na horta, a cuidar dos filhos e a fiar linho.
O pescador descia o monte e, desamarrava o seu velho barco da figueira e ía
para o mar procurar sustento para a família.
Com o decorrer do tempo os filhos começaram a crescer e a comida tornava-se
muito escassa para tanta barriga cheia de fome.
_Ai marido que se não apanhas mais peixe passamos fome! Dizia a mulher cada
vez mais magra e preocupada com tanta pobreza.
O pescador encolhia os ombros partia o pão duro que pouco lhe matava a fome e
partiu para o mar. Desceu o monte, desamarrou o seu velho barco da figueira, agarrou
nas redes e num pranto a chorar lamentou-se de tamanha pouca sorte.
_ Ai velha do mar, parece que me castigas! Eu sou um homem honrado, bom,
trabalhador e só faço bem neste mundo, se ao menos tivesse um pouco mais de sorte!
Dito isto o pescador ouviu o vento. Depois ouviu uma voz que vinha do fundo
do mar que dizia:
_A partir de hoje a tua vida vai mudar! Porque és um homem bom e a bondade
tem de ser recompensada e tu chamaste por mim e eu vim.
_Quem és tu? Perguntou o pescador áquela voz doce e reconfortante.
_Sou aquela que sempre te viu a lançar as redes e que sempre te viu chegar à
costa a salvo e com o corpo cansado. Sou aquela que esteve sempre contigo e com o teu
velho barco no alto mar, que soprou o vento e fez as ondas, e te encheu as redes.
_Mas as redes estão sempre vazias. Em casa a comida escasseia e cada vez
somos mais pobres. Disse o pescador.
_ A partir de hoje farás sempre o seguinte. Desces o monte. Apanhas um figo da
figueira. Desamarras o teu velho barco. Fazes-te ao mar. Antes de lançares as redes,
lança o figo e chama por mim. Sou a velha do mar.

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Há no entanto três regras que não podes falhar. Se faltares com a tua palavra,
tudo voltará a ser como antes, ou pelo menos diferente.
_ Quais são essas três regras? Perguntou o pescador.
_ Tens de cuidar da Figueira porque é uma árvore, não a podes cortar ou deixar
que alguém o faça. Todas as árvores do planeta devem ser protegidas. Esta é no entanto
muito especial porque é encantada. Outrora foi a rede de um pescador. A segunda regra
é que jamais deverás contar este segredo a alguém e nunca deverás falar da velha do
mar, também não deverás nunca de deixar de lançar as redes ao mar, de seres pescador.
A outra regra é que não deves nunca apanhar o último figo da figueira.
O pescador concordou com todas as regras e mal o dia amanheceu desceu o
monte, apanhou um figo, desamarrou o barco da figueira, fez-se ao mar e antes de
lançar as redes lançou o figo que caiu sobre as águas.
Naquele dia algo de encantador e mágico aconteceu. O figo abriu como se fosse
uma bolsa, das suas grainhas saíram peixes, muitos peixes de várias espécies.
Nesse dia o pescador regressou a terra com as redes cheias e a fartura não tardou
a aparecer naquela casa.
Todos os habitantes da terra se questionavam sobre tamanha sorte.
A mulher do pescador de magricelas passou a ser muito gorducha e redondinha e
mal se conseguia dobrar para apanhar o fuso.
O pescador contratou muitas varinas que lhe vendiam o peixe pelas terras mais
próximas.
E todos os dias naquela terra havia uma azáfama de trabalho em redor da casa do
pescador que trazia a cada dia que passava peixe e mais peixe.
_ Olha o peixe fresquinho, acabadinho de sair do mar! Sardinha ou carapau,
dourada ou espada, à vontade do freguês!
As moedas enchiam a casa e com tanta riqueza já o pescador construia uma casa
maior para si e para a sua mulher, e mais sete casas para cada um dos seus sete filhos.
Um dia porém, algo de estranho aconteceu. Amanheceu e o pescador desceu o
monte. A caminho encontrou uma velha que lhe deu os bons dias a sorrir.
_Bom dia pescador! O mar tem sido generoso. Ouvi dizer que nos próximos
tempos vão haver tempestades e por isso a sorte não vai ser nenhuma. Dizem por aí que
a sua sorte mudou um dia. Dou-lhe uma moeda de ouro real se me contar o segredo.
O pescador pensou nas três regras e de imediato referiu:

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_Não há segredos. É nosso senhor a quem sou muito devoto que me está a dar a
mão e me tem ajudado.
A mulher serena e misteriosa referiu:
_ Sei muito da vida e vem aí dias de muita fome. Dou-lhe um saco de moedas de
ouro real, um castelo e torno-o rei se me der a figueira e deixar de ser pescador.
O pescador pensou nas três regras e na velha do mar e rejeitou a proposta. No
entanto imaginou o quanto seria bom ser rei e viver num castelo rodeado de criados, de
festas com música e grandes banquetes. A tentação era muito forte, no entanto pensava
na magreza da mulher quando eram pobres e no quanto a velha do mar o tinha ajudado.
Queria continuar a cuidar da sua figueira e a ser pescador.
_Pareces cansado! Anda pescador, sobe no burro que te levo até ao teu barco.
Assim seguiram caminho pelo monte. Quando chegaram à figueira, a velha mais
uma vez pediu: _Dá-me um figo!
No momento em que o pescador lhe ía dar o figo, reparou que este era o último.
_Desculpe senhora, mas não lhe posso dar o último figo da minha figueira.
Ao contrário do que imaginara, a velha sorriu e disse-lhe:
_Para além de seres um bom homem, és de confiança e de palavra. Serás sempre
feliz se fores honesto, trabalhador, bom e cumprires a tua palavra.
A velha partiu no seu burro.
Nesse dia o pescador regressou a casa. Não apanhara grande peixe pois não
pudera lançar o último figo ao mar. A mulher preocupada não parava de o incomodar
com perguntas.
Durante os próximos dias a situação permaneceu muito idêntica. O pescador
chegava a casa com muito pouco peixe e as moedas começavam a escassear.
Um dia a mulher que acordara mal disposta, com os seus azeites, disse ao
marido:
_ Estou farta das tuas desculpas. Um dia dizes que a rede se rasgou, no outro dia
o mar estava mau, mas a verdade é que andas muito estranho, pensativo e quase que não
falas com ninguém. Ó homem, o que é que se passa contigo? Não confias na tua
mulher?
O pescador confuso e receoso deixou-se envolver por aquele abraço da mulher e
pelas suas lágriamas e contou-lhe toda a história. Falou-lhe da velha do mar e da
figueira, contando-lhe também as três regras que não poderia ter quebrado.
_Ai mulher, e agora que te contei, o que será da nossa vida?

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A mulher limpou os olhos que de imediato começaram a brilhar. Imaginou a sua
panela cheia de moedas de ouro e aquele segredo começava a dar-lhe a volta à cabeça.
_Deixa estar homem, confia em mim. Hei-de eu ir à figueira falar com essa
mulher. Entre mulheres as coisas resolvem-se sempre de outra maneira.
No dia seguinte, a mulher do pescador desceu o monte e chamou pela mulher do
mar. Esperou durante muito tempo, até anoitecer e regressar a casa chateada.
O mesmo se passou durante vários dias.
Um dia porém, já farta de esperar e com receio das moedas acabarem decidiu ir
à feira. Passado pouco tempo todas as pessoas já sabiam da história e opinavam sobre a
vida do pescador. Algumas faziam romaria até à figueira e todos tentavam apanhar o
último figo sem o conseguirem.
Nessa manhã na feira, a mulher vendeu o barco do pescador e comprou um
moinho, vendeu a figueira e comprou um burro, vendeu o figo a uma velha que por ali
passara em cima de um burro em troca de uma moeda de ouro real.
Quando chegou a casa, o pescador soube de imediato da traição da mulher. Saiu
de lágrimas nos olhos monte abaixo em direcção à figueira.
No lugar do barco existia uma rocha, a figueira secara e dera lugar a uma
enorme extensão de areal. Aos seus pés o pescador encontrou o último figo que de
imediato agarrou. Quando estava prestes a colocá-lo no bolso eis que se ouviu uma voz:
_Esse figo é meu, comprei-o na feira com uma moeda de ouro real. Devolve-mo.
Lança-o ao mar!
O pescador reconhecia aquela voz; era a velha do mar, agora rouca e distante.
Assim o fez. Quando o figo caiu nas águas, a água do mar aproximou-se,
revoltou-se, vieram as ondas e, naquele sítio surgiram as dunas.
Do figo lançado ao mar não surgiram peixes, mas fósseis e outros seres que
vieram dar à costa e povoaram o areal e as rochas.
Áquele sítio chamaram Figueira da Foz.

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III Parte

_Menino Duarte, venha para dentro! Com tanta confusão esqueci-me de si!
A senhora Carlota e a senhora Leonor estão a dormir. Veio o médico a casa que
lhes deu um sedativo para acalmarem. A sua mãe não tarda a chegar.
A menina Maria agarrou-me no braço e levou-me para dentro. Quantas horas
teria estado a dormir? Sentado no sofá da sala de espera olhei para o Bóbó e deitei-lhe a
língua de fora. Sei que é feio, mas ninguém viu. O cão espirrou de constipado por estar
a dormir no tapete, talvez estivesse de castigo.
Essa noite foi das mais longas da minha vida.
Quando amanheceu telefonei à Rita.
_Olá! Queres ir à praia? Tenho de fazer uma coisa para ver o que é que
acontece.
_ Que coisa? Perguntou a Rita curiosa.
_ Logo vês.
À beira mar coloquei a mão no bolso e tirei de lá o figo. Disse à Rita: _Sabes,
este figo é mágico. Queres ver o que acontece se o lançar ao mar?
_Hum! Hum! Acenou com a cabeça a Rita curiosa e ansiosa para ver a magia do
figo.
Ergui o braço e Zum! Lá foi o figo parar ao mar.
_ Não aconteceu nada de especial. Disse a Rita aborrecida.
_ Pois não, talvez tivesse de dizer palavras mágicas. Voltamos noutro dia .
Combinado?
_Está bem. Concordou a Rita.
Enquanto seguíamos caminho para casa, no fundo do mar, a bolsa abría-se e do
mais pequenino ao maior, nasciam peixes e muitas outras espécies de animais e plantas
que habitavam o mar.
_ Gostas de lendas? Perguntei à Rita.
_Sim, gosto.
_Então vou contar-te uma.
Sentados no areal, ao lado do mar azul, pela primeira vez reparei no quanto a
Rita era bonita.

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