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BELO HORIZONTE, TERÇA-FEIRA, 7/4/2009 HOJE EM DIA - minas@hojeemdia.com.

br

Minas 19.
a TERCEIRA DE UMA SÉRIE

Alianças crack aos lavradores e moradores. Essa é

dospais
a maior dificuldade que a polícia enfren-
ta. Eles estão fugindo dos centros urba-
nos do interior e procurando a zona rural
para escapar da repressão policial e bus-
car novos usuários. Essa situação provo-
ca o aumento das ocorrências de furtos

trocadas
de motocicletas na cidade”, diz.
S. lembra que o município de Ouro Fi-
no é emblemático por suas tradições ru-
rais, mas alega que não existe mais a dis-
tinção de cidade e campo. Ele afirma que
a difusão da Internet em muitos lugares

pordroga
da zona rural contribui para que trafican-
.ORIGEM tes usem esse meio como forma de au-
DO CRACK mentar o seu raio de ação”.
Do Caribe para o mundo Depoimentos como o do líder comu-
nitário de Ouro Fino deixa assustado até
quem está acostumado a lidar com o estu-

naroça
Chicago do da violência. O sociólogo e professor
EUA Nova da PUC Minas Luiz Flávio Sapori - que foi
Iorque secretário-adjunto de Estado de Defesa
Nova Social no Governo Aécio Neves - demons-
Orleans
tra surpresa com o avanço do crack pela
1985 zona rural de Minas. Ele acreditava que o
Avança para: tráfico dessa droga estivesse restrito aos
grandes centros urbanos e cidades com
mais de 30 mil habitantes. Sapori diz que,
1980 a partir da reportagem do HOJE EM DIA,
Surge no Caribe 1990 pensa em começar um estudo nacional
Chega ao Rio MG sobre o avanço do crack nas zonas rurais,
e a São Paulo que até pouco tempo atrás se manti-
2009
Se espalha nham imunes ao tráfico de drogas.
pelo interior “A verdade é que o tráfico de crack
não é estudado pelos pesquisadores”, diz
o sociólogo. “Nós não conseguimos quan-
BRASIL tificar, ainda, o avanço dessa droga, nem
medir quanto o crack é impactante para a
Belo Horizonte violência no interior. Posso afirmar que a
1995 Polícia Federal não tem um plano para
Invade Belo
SP Horizonte atacar o tráfico de crack e a Secretaria Na-
RJ cional Antidrogas (Senad) não tem uma
RJ política de ação. Confesso que não tinha
SP
Rio de Janeiro
informações sobre o avanço do crack nas
São Paulo
comunidades rurais”, afirma.
Aproveitando sua prática de profes-
sor especialista em estudos sobre violên-
FONTE: Professor e cia e drogas com a experiência no Gover-
sociólogo Luiz Flávio Sapori
no de Minas, Sapori está elaborando um
EDITORIA DE ARTE amplo estudo sobre o tema, com desta-
que para o tráfico de crack nos centros ur-
banos. “Na verdade, há uma apatia do po-
der público com relação ao crack”, acres-
centa o professor.
CRISTIANO COUTO/ENVIADO ESPECIAL
De acordo com levantamento realiza-
GABI SANTOS do por Sapori, Belo Horizonte, em 1995,
ENVIADO ESPECIAL foi o terceiro grande centro urbano do
Brasil a ser conquistado pelos traficantes
OURO FINO - Na zona rural de Barbacena, de crack. “Antes, estes criminosos só atua-
R., 37 anos, chegou ao que chama de fundo do vam no Rio de Janeiro e em São Paulo. E
poço. Usuário de drogas desde os 17 anos, con- foi exatamente neste período que come-
sidera que o sinal da degradação humana a çou, na nossa capital, a grande epidemia
que a droga pode levar aconteceu quando fur- de homicídios e de roubos. E saber, ago-
tou as alianças dos pais para comprar crack. ra, que essa droga já está chegando lá nas
Tudo isso, morando na roça, onde as pessoas pequenas comunidades do interior me
prezam pelo casamento como um dos símbo- deixa preocupado. Este é um tema inédi-
los sagrados. Essa simbologia da tradição ru- to no país e precisa ser estudado com pro-
ral de Minas também está sendo rompida no fundidade para permitir ao Estado tomar
município de Ouro Fino, situado a 439 quilôme- uma posição firme”.
tros de Belo Horizonte e com cerca de 30 mil Sapori confirma a informação já for-
habitantes, no Sul de Minas. Grande produtor necida ao HOJE EM DIA pela deputada fe-
de café, tornou-se nacionalmente conhecido deral Marina Maggessi (PPS-RJ), dando
com a música sertaneja “Menino da Porteira”, conta de que grandes organizações crimi-
que virou filme, atualmente em cartaz nos cine- R., 37 anos, dependente de crack e maconha, tenta fugir das drogas nosas, como o Primeiro Comando da Ca-
mas. Mas este ícone da tradição da roça convi- pital (PCC), de São Paulo, e Comando Ver-
ve, há algum tempo, com a tragédia social do melho, do Rio, estão por trás da expansão
crack. Um homem, que será identificado ape- HOJE - O que as drogas trouxeram de ruim para a sua vida? do crack. Essas facções criminosas são as
nas como S., participante ativo de movimentos R. - Tudo o que você puder imaginar. O prejuízo maior é que estou longe da grandes fornecedoras da pasta-base para
comunitários, afirma que a cidade está na rota minha família, que passou a não confiar em mim. a produção da cocaína e, como subprodu-
do tráfico. “Sofremos a influência de São Pau- Como foi o começo de tudo isso? to, as pedras de crack e a merla, que é ou-
lo, por causa da proximidade. Ouro Fino está Eu era estudante do segundo grau, e um colega me perguntou se eu já tinha tro subproduto da droga.
localizada na rota de distribuição de crack e fumado maconha. Eu disse que sim, que era gostoso. Na verdade eu nunca O capitão Gedir Rocha, chefe da asses-
maconha e as apreensões dessas drogas pela havia experimentado. Falei mais para aparecer. Mas ele me convidou para soria de imprensa da Polícia Militar, en-
polícia estão cada vez maiores e mais constan- fumar e eu, para não voltar atrás no que havia dito antes, concordei. Foi a viou nota ao HOJE EM DIA, ontem, negan-
tes”, afirma. Por ser uma pessoa muito conhe- pior coisa que eu poderia ter feito. Foi o começo de tudo. do que os comandantes de batalhões do
cida e ter medo de sofrer retaliações, ele pe- Você chegou ao fundo do poço? interior tenham se recusado a fornecer
diu para que não fosse identificado. Cheguei. dados, conforme publicado na edição de
Descreva o fundo do poço. ontem, sobre ocorrências envolvendo
De acordo com S., há regiões situadas É um lugar terrível. É difícil sair de lá. A maioria não consegue e tem a vida drogas. Segundo o capitão, “a PM fornece
no limite da zona urbana com a zona ru- destruída. Para quem está lá é fácil até acabar com a vida. Eu já pensei nisso dados de ocorrências e operações, no mo-
ral que são muito violentas e perigosas. (se matar) várias vezes, mas Deus me segurou. Depois que a gente tem mento oportuno, sem comprometer o tra-
“Apesar da ação da polícia, estamos ven- consciência de tudo o que aconteceu, o que perdeu, e as pessoas que você balho em andamento e até porque enten-
do aumentar os números de casos de as- prejudicou por causa das drogas, fica muito assustado. Tem gente que volta de que faz parte do princípio da transpa-
saltos, furtos e outros crimes, na maioria a ficar dependente por causa disso. rência e da filosofia de trabalho”. “Além
ligados ao tráfico de drogas. Os trafican- Você chegou a furtar ou roubar coisas para vender e comprar drogas? disso, a instituição preza a opinião públi-
tes têm grande mobilidade na área rural, Uma vez só. Logo que eu comecei a usar drogas, acho que aos 17 ou 18 anos, ca e respeita o direito do cidadão de aces-
onde percorrem estradas vicinais e tri- eu peguei as alianças de casamento de meus pais, que estavam guardadas so a informações relativas à segurança,
lhas a pé ou de motocicletas para vender em casa. E vendi para trocar por drogas. Até hoje carrego isso na consciência. em seu âmbito. O que foi informado é que
o sensato e prudente seria solicitar os da-
dos à Secretaria de Estado de Defesa So-
cial (Seds), que dispõe de material sobre
as polícias Militar e Civil”. A reportagem
solicitou os dados à Seds, que se compro-
meteu a fornecê-los.i

Você leu até aqui na série que começou


no domingo: Droga invade a roça em
Minas, e Lavradores evitam denunciar
traficantes. Leia amanhã: Patrulha
Rural tenta conter criminalidade

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