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PRESO POR PLANTAR PARA


NÃO COMPRAR
A história do THCPROCÊ

Sérgio Delvair Costa

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Realização do projeto:
Eme Viegas

Preparação de texto:
Daniel Boa Nova

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ÍNDICE

PREFÁCIO

1. CAIU A CASA

2. FLASHBACKS

3. PLANTAR PARA NÃO COMPRAR

4. THCPROCÊ ERA O CANAL

5. CHEGANDO NO XADREZ
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6. 2 POR M

7. NOTÍCIAS, TRETAS E TRUTAS

8. CELA NOVA, VIDA NOVA

9. LEIS SOB LEIS

10. DIA DE VISITA

11. SE FICAR O BICHO COME

12. MENSAGENS DE DEUS E UMA MENSAGEM AOS MEUS

13. COM UMA MÃO NA FRENTE E OUTRA ATRÁS

14. O PROCESSO É LENTO

15. AMOR E AMIZADE

16. VALE TUDO

17. THCPROCÊ NO CDP

18. BLOCO VELHO, NOVOS ELEMENTOS

19. O HORROR

20. ACORDA, PROFESSOR!

EPÍLOGO

AGRADECIMENTOS

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Prefácio

No dia 16 de junho de 2016 fui surpreendido por um


grande número de mensagens chegando ao e-mail
sos@growroom.net, canal no qual colaboro como advogado
prestando auxílio jurídico a cultivadores em situação de
emergência. Todas com o mesmo pedido: “ajudem o Sérgio
THCProcê”.

Como não frequento redes sociais, não conhecia o


ativismo do Sérgio. Não sabia como alguém se dispunha a
ensinar o cultivo por vídeos na internet e a enviar sementes a
quem se ligasse a ele.

Ao ver o caso e entender que se tratava de mais que


um cultivador doméstico preso, e sim de um ativista pela
cannabis, foi uma surpresa a mobilização social que
aconteceu dali em diante. Diversas pessoas fazendo contato
comigo, a família unida em torno da situação e muitos
seguidores querendo ajudar aquele que chamavam de
mestre.

Também me surpreendeu como se deu a prisão do


Sérgio. Com uma cinematográfica operação policial,
culminando com a abusiva invasão de seu canal no Youtube
onde os policiais passaram um “recado” a seus seguidores.

Naquela noite respondi dezenas de mensagens.


Tentei tranquilizar a todos que se sentiam inseguros e
compreender a dimensão do que estava acontecendo,
principalmente por conta das ameaças da polícia.

Depois que o THCProcê saiu da prisão, tive a


oportunidade de conhecê-lo e participamos de uma conversa

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pública pela internet. Agora, sou convidado a escrever o
prefácio de seu livro. O qual me fez refletir muito sobre como
o sistema proibicionista é duro com quem cultiva em casa e
como se dá o encarceramento de pessoas que não colocam a
sociedade em risco.

O THCProcê teve a ousadia de facilitar a vida do


cultivador doméstico de cannabis em um dos momentos mais
difíceis para quem decide cultivar: na obtenção de sementes.
Usando sua experiência como professor e seu domínio sobre
as tecnologias de informação, ele também passava
informações sobre cultivo para seus seguidores.

Nos últimos anos, milhares de pessoas que


importaram sementes de cannabis através de compras em
sites estrangeiros viram suas encomendas serem
apreendidas ao entrar no Brasil. Muitas acabaram sendo
criminalizadas como traficantes internacionais ou
contrabandistas pelas autoridades brasileiras. O THCProcê
buscou dar alternativa àqueles que não mais queriam
participar do comércio ilícito de cannabis para satisfazer sua
opção pelo uso da planta, ajudando a enfrentar o primeiro
gargalo do cultivo doméstico que é a obtenção de sementes.

Também descobri que o THCProcê passava uma


filosofia própria do cultivo. Como um redutor de danos do
comércio ilícito de cannabis perante a sociedade. Através do
seu chamado “plantar para não comprar", o canal vinha
encorajando seguidores a cultivar a própria cannabis que
iriam consumir, sem participar do mercado violento.

Por um sarcasmo existencial, o sujeito que se dispôs a


ir contra o tráfico de maconha de uma forma diferente
daqueles que usam da beligerância foi injustamente acusado
de tráfico de cannabis. Isso apesar de incentivar as pessoas
que usam a não fomentar o varejo. Ao mesmo tempo, seus
seguidores foram ameaçados pela polícia.

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Infelizmente, até aqui, as autoridades públicas vêm
enxergando o THCProcê como um adversário e mais uma
pessoa a ser criminalizada. Ao invés de entendê-lo como um
redutor de danos e um aliado na busca por novas frentes no
duelo contra o mercado ilícito de cannabis.

Sigo confiando na absolvição do THCProcê no


processo em que é acusado de tráfico. Argumentos para isso
não faltam. Principalmente, por seu cultivo ser destinado ao
consumo próprio e pelas sementes não serem consideradas
drogas, matéria-prima ou insumo para a preparação de
substâncias ilícitas.

Logo a lei no Brasil muda. Com a cannabis passando


a ser encarada como o que ela realmente é. Uma tecnologia
arcaica de bem-estar constantemente atualizada pelas novas
gerações humanas, que por um hiato histórico de pura
infâmia foi criminalizada. Quando essa mudança na lei
acontecer, o THCProcê estará no rol daqueles que
efetivamente buscaram alternativas não violentas na
construção de uma nova realidade.

Nas páginas desse livro o Sérgio THCProcê narra


como tudo aconteceu. Desde antes da prisão até sua soltura.
E mostra o risco que se corre ao querer mudar a realidade
quando falamos de cultivo de cannabis no Brasil. São tempos
estranhos esses em que se prendem jardineiros apenas por
cultivar flores.

Emílio Figueiredo – Advogado criminalista e defensor da


causa da legalização.

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1. CAIU A CASA

Acordo com um ruído forte de máquina. Parece de


grande porte, como um trator ou um caminhão. São 5:40 do
dia 16 de junho de 2016 e faz uma manhã fria em Brasília.
Chamo Nayara:

- Tem alguma coisa acontecendo lá fora…

Ainda despertando, ela pergunta vagarosa:

- Que estranho… vai lá ver, amor...

Mas, olhando pela janela fumê do quarto, não enxergo


nada demais. Deito novamente. E o som volta a reverberar,
agora mais intenso e acompanhado por uma forte luz branca.
Com um salto me levanto e peço para Nayara se vestir.

Saio do quarto só de cuecas e caminho até a


porta dos fundos, que dá para o jardim de plantas. Ao abri-la,
percebo no lado esquerdo do muro o vulto camuflado de uma
pessoa armada. Luzes infravermelhas miram o meu corpo e
descubro que o indivíduo não veio só. Parece um filme.

A origem do barulho se revela na forma de um enorme


helicóptero pairando a uns 10 metros de altura sobre a área
verde no fundo da minha casa. Com um estrondo violento o
portão é arrombado e por ele entram 5 policiais de arma em
punho. Os homens do D.O.E., Departamento de Operações
Especiais, classe de elite da Polícia Civil no Distrito Federal,
me dão voz de prisão.

- Não atirem! Não atirem! Estou desarmado! – Digo, já


com as mãos ao alto.

Eu e minha companheira somos colocados de frente


para o muro. Os olhos dela refletem assombro.
8
- Fica calma. A gente vai sair dessa.

É o que penso em dizer. Mas não digo nada. Estou


apavorado com o futuro de tudo aquilo que tanto amo. Com
as plantas que crescem na minha terra. Com meus animais,
que correm desorientados pelo quintal. Naquele momento, vi
meu castelo se despedaçar.

O que viria a acontecer já não tinha mais o meu


controle. Eu estava sendo preso em uma ação de combate ao
tráfico de drogas. E o pior: com todos os flagrantes à
disposição em minha casa.

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2. FLASHBACKS

Meu nome é Sérgio Delvair Costa. Sou nascido e


criado em Goiânia. Tenho 52 anos e duas empresas de
serviços: uma na área de Tecnologia da Informação e outra
de Sistemas de Segurança Eletrônica. Também sou professor
nessas disciplinas, já dei aulas no SENAC e SENAI por
alguns anos.

Venho de uma família classe média. Tenho um irmão


e duas irmãs. Quando era pequeno, meu pai tinha uma
empresa de produtos agropecuários e minha mãe era dona
de casa. E os dois tinham expectativas grandes em relação à
minha futura vida adulta. Estudei o 1º grau em colégio de
freira - o Santa Clara, em Goiânia - e o 2º em colégio de
padre - o Ateneu Dom Bosco, na mesma cidade.

Minha primeira namorada foi aos 15 anos, se chama


Lucimar. A gente ainda não transava, mas fazia todo tipo de
preliminares. Na mesma época, meu pai me ensinou a dirigir.
Aos 15 anos, eu já começava a pegar o carro dele e tinha
uma companheira para chamar de minha.

Só que no meu primeiro ano do 2º grau apareceu


outra menina na escola. Paula tinha um corpão que me
deixou desorientado. Tanto que pedi à minha prima Cláudia,
amiga dela, para nos apresentar. A resposta soou como um
teste:

- Não, Sérgio. A Paula só gosta de cara loucão. Que


fuma cigarrinho de maconha, sacou?

Com 16 anos eu já tinha experimentado álcool e


tabaco. Mas, cheio de hormônios à flor da pele, optei de
forma impulsiva por explorar um novo universo psicotrópico:

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- Ué, cadê o cigarrinho? Fala para ela mandar que eu
vou fumar!

Não é que minha prima falou com ela e ela mandou o


cigarrinho? Chamei um amigo que ia para escola de carro -
porque o pai deixava e também deixava o automóvel com ele
- e nos dirigimos para o estacionamento do estádio Serra
Dourada.

Era quase fim do ano já, época de chuva no cerrado.


Com muita dificuldade, consegui enrolar o baseado. Tacamos
fogo. Só que a erva não fez efeito nem em mim e nem nele.
Voltei para o colégio, chamei a menina e falei:

- Olha, fumei aquele negócio lá que você mandou para


mim. Sou loucão, sacou? Agora quero namorar com você.

Ela riu e bateu o martelo: "então vamos, né? ”. E me


deu uns beijos bem diferentes dos que eu estava
acostumado. Começamos a namorar e abandonei minha
outra namorada. Que era uma menina mais careta, mais
família. Namorávamos na casa do pai dela, só de vez em
quando a gente saía. Bem diferente da Paula, que me levava
em aventuras, me deixava excitado, fazia amor comigo. Paula
me apresentava um mundo que eu não conhecia até então.

Nesse mundo novo estava a maconha. Com Paula e a


maconha aprendi a viajar. Viajar sem sair de onde estava e
também para novos destinos. Comecei a marcar presença em
lugares frequentados por gente "loucona". Aprendi a beber,
comecei a fumar cigarro, fazer sexo, sair de galera, ir para
cinema, ir para boate. Meu primeiro ano de maconha foi de
grandes descobertas.

O Brasil em 1980 ainda vivia sob ditadura militar. As


drogas eram muito discriminadas e difíceis de se ver ou
comparar. Eram coisa de hippie, de "loucão". Não eram

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encontradas facilmente como hoje. Não existia internet. A
gente saía na rua procurando festa na casa dos outros.

Adolescência é rebeldia e o ato de fumar maconha cai


como uma luva nessa fase. No sentido de ir contra o que é
considerado normal, de desviar daquilo que a gente
supostamente deveria buscar. No furor da juventude, temos a
ilusão de que ser diferente é ser mais. Você é mais notado, as
pessoas falam mais de você, as mulheres se interessam
mais. Eu gostava de mostrar que era mais maluco do que os
outros. Tinha uma sede muito grande de me destacar. E
fumar maconha me deixou mais ousado. Fiquei mais atirado
para as coisas da vida, passei a escutar menos os meus pais
e a querer seguir mais o meu próprio instinto.

No meu primeiro ano com a maconha, perdi alguns


amigos e me desconectei de pessoas importantes. Como
minha primeira namorada, que era uma pessoa bacana. Não
converti para a fumaça os amigos que tinha. Pelo contrário:
fui abandonando eles e partindo para novas amizades. Era
como se as baladas, os barzinhos e a maconha misturados à
minha necessidade adolescente de autoafirmação tivessem
me abduzido.

De um lado, eu ainda seguia cultivando minha vida


familiar. Levava meus estudos, fazia cursinhos de inglês,
praticava judô e natação. Meus pais me davam amor, atenção
e arcavam com minhas despesas de forma dedicada. Por
outro lado, eu regava minha vida social com experiências
transgressoras. Incluindo noitadas, viagens loucas, pegação e
pequenas ilegalidades.

No fim dos meus 16 anos, comecei a me afastar da


Paula também. Estava interessado em outras meninas. Aos
17, conheci uma turma nova e passei a conviver com pessoas
que tinham um pouco mais de malícia e promiscuidade.
Passei a habitar um mundo estranho ao que eu habitava até

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então. Aquele mundo mais perverso que se prolifera no
território da ilegalidade. Foi quando me aventurei por drogas
mais pesadas.

Certo dia fui até a casa de um amigo e ele estava


usando cocaína com um outro camarada. Os dois injetavam a
cocaína com seringa e a cena me assustou um bocado.
Perguntei o que era. Recebi um convite em retorno:

- Coloca o braço aí, Serginho!

Estendi o braço. Ele me aplicou a injeção na veia. Me


senti estranho, com o coração acelerado e a boca
adormecida. Aquilo tudo me pareceu bom, muito bom. A
ponto de eu querer me tornar mais íntimo dessa experiência.
Passei a usar algumas vezes por mês e logo aumentei a
frequência do uso para semanal. Quando vi, já estava nessa
todos os dias. Às vezes usava com amigos, às vezes
sozinhas. Várias noites eu ficava sem dormir. Isso se
prolongou por mais de 10 anos.

Tive muitas perdas e prejuízos relacionados ao uso de


cocaína. Para poder relatar todas as consequências
destruidoras que vivi neste período de vício e descontrole,
seria preciso outro livro inteiro. Um dia talvez eu escreva. Por
ora, conto apenas algumas.

Em 1982, eu tinha uma loja de aquários e peixes onde


batia ponto todo dia. Ao mesmo tempo, batia ponto toda noite
na cocaína. Saía com amigos, cheirava, chegava tarde em
casa. Mas eu conseguia segurar as pontas. Cumpria as
obrigações do meu trabalho.

Um dia, o mesmo amigo que me apresentou à cocaína


armou uma situação com um desafeto na porta da minha loja.
O cara se chamava Carmo e chegou de moto dizendo que
meu amigo tinha marcado um negócio com ele naquele lugar.

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1. CAIU A CASA

Acordo com um ruído forte de máquina. Parece de


grande porte, como um trator ou um caminhão. São 5:40 do
dia 16 de junho de 2016 e faz uma manhã fria em Brasília.
Chamo Nayara:

- Tem alguma coisa acontecendo lá fora…

Ainda despertando, ela pergunta vagarosa:

- Que estranho… vai lá ver, amor...

Mas, olhando pela janela fumê do quarto, não enxergo


nada demais. Deito novamente. E o som volta a reverberar,
agora mais intenso e acompanhado por uma forte luz branca.
Com um salto me levanto e peço para Nayara se vestir.

Saio do quarto só de cuecas e caminho até a


porta dos fundos, que dá para o jardim de plantas. Ao abri-la,
percebo no lado esquerdo do muro o vulto camuflado de uma
pessoa armada. Luzes infravermelhas miram o meu corpo e
descubro que o indivíduo não veio só. Parece um filme.

A origem do barulho se revela na forma de um enorme


helicóptero pairando a uns 10 metros de altura sobre a área
verde no fundo da minha casa. Com um estrondo violento o
portão é arrombado e por ele entram 5 policiais de arma em
punho. Os homens do D.O.E., Departamento de Operações
Especiais, classe de elite da Polícia Civil no Distrito Federal,
me dão voz de prisão.

- Não atirem! Não atirem! Estou desarmado! – Digo, já


com as mãos ao alto.

Eu e minha companheira somos colocados de frente


para o muro. Os olhos dela refletem assombro.
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ainda me sobrava dos negócios e voltei para Goiás. Magro
como um bambu, debilitado mentalmente e dependente
químico. Um fracassado retornando para a casa dos pais.

Tentei alguns tratamentos para deixar a cocaína. Tive


inúmeras recaídas. Lembro de umas tantas madrugadas que
passei fumando pasta hospedado em um hotel, colocando
toalhas no rodapé da porta para o gerente não descobrir.
Carrego até hoje uma porção de memórias tristes
relacionadas a esses anos. Talvez elas sejam minha principal
defesa contra o impulso pela cocaína que todo ex-dependente
pode enfrentar pelo resto da vida. Mas tem uma outra arma
também: a maconha.

Quando usava somente maconha e nada mais, eu me


sentia tranquilo. Mais vivo, menos podre. Eu percebia isso e,
quando me dava vontade de usar cocaína, fumava maconha.
Era como se a erva fosse um remédio para meu vício crônico.
Foi com a ajuda dela que consegui suportar meus momentos
de abstinência mais intensos até sair do pó e reequilibrar a
vida. Voltei a estudar programação, tirei certificações,
comecei a dar aulas. Me reergui.

Muitos falam da maconha como porta de entrada para


drogas mais pesadas. Poucos falam sobre como ela pode ser
uma porta de saída. Foi de mãos dadas com a maconha que
consegui deixar a cocaína para trás em minha vida.

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3. PLANTAR PARA NÃO COMPRAR

Minha prisão em junho de 2016 se deu por causa de


minhas ações ilegais. Eu plantei maconha para meu
consumo. Eu doei sementes de maconha para outras
pessoas plantarem. Eu ensinei a cultivar a planta em vídeos
publicados na internet. Nesses vídeos, ensinei também como
fazer e usar o óleo medicinal extraído da cannabis.

Via nessas minhas ações a oportunidade de ajudar o


próximo a se livrar do tráfico de drogas. De ajudar a criar uma
planta no próprio quintal que também pode tratar
enfermidades. Via na minha própria experiência um modelo
bem diferente do que se imagina de um usuário. Um modelo
com resultados satisfatórios. No sentido de ter uma vida feliz
e prazerosa sem deixar de cumprir com os deveres que se
espera de um cidadão comum.

No início dos anos 2000, eu estava decidido a cortar


da minha vida os males do tráfico aos quais todo usuário de
maconha é obrigado a se submeter. Entre eles, o de gastar
dinheiro com erva de baixa qualidade misturada a substâncias
que sequer poderiam ser fumadas.

Quem usa maconha e já foi a uma boca de fumo para


comparar sabe bem como é. A lojinha está sempre aberta e
com pronta entrega. Mas não existe direito do consumidor. É
improvável devolver ou trocar algo que se compara no tráfico.
Você paga e leva o que tiver. Ou o que for oferecido. Porque
a lojinha não vende apenas maconha. Podem ser oferecidos
outros produtos, também ilegais, mais nocivos do que a
maconha pedida ali pelo usuário. Afinal, um vendedor quer
sempre aumentar seu faturamento, diversificar as vendas. A
ilegalidade da maconha é a verdadeira porta de entrada para
outras drogas.

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Foi exatamente por não querer mais participar disso
tudo que comecei a estudar meios de cultivar minha própria
erva. Além de ter uma empresa de produtos agropecuários,
meu pai sempre lidou com a terra e me ensinou umas tantas
técnicas. Eu já havia plantado feijão, arroz, abóbora,
mandioca, frutas e hortaliças. Sabia que o manuseio da
maconha não seria muito diferente. É apenas uma planta,
não?

Assim, fui em busca de sementes e de informações


sobre como germiná-las, cultivá-las e colhê-las no tempo
certo. Assim, me tornei um protótipo de cultivador.

Comecei com pequenos plantios no quintal de casa


utilizando as técnicas que já conhecia. As sementes vinham
do próprio produto adquirido no tráfico, mas eu já tinha planos
de adquirir sementes de melhor qualidade no exterior. Um
tempo depois, me mudei para a região de Pedregal, no
Distrito Federal, onde passei a plantar regularmente no quintal
e também testei cultivos com iluminação artificial.

Como nessa época ainda não tinha 100% de


autossuficiência, volta e meia acabava fazendo incursões à
boca de fumo para não ficar sem erva. Dependendo do dia, a
quantidade que eu comparava podia ser maior ou menor. O
que nunca variava era a qualidade baixa da maconha
adquirida ilegalmente: seca, com odor ruim, sem níveis
corretos de psicoativos e sob suspeita de conter substâncias
nocivas. A insalubridade é sempre um risco quando
desconhecemos a origem do produto que comparamos.

Na internet descobri que existiam sementes de


diferentes tipos de plantas canabicas e que os efeitos da
maconha podiam ser distintos conforme a espécie. Também
fui me inteirando sobre a legislação em outros países. Vi que
alguns lugares permitiam a venda de sementes e a erva podia
ser consumida livremente em pontos específicos, como nos

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- Ué, cadê o cigarrinho? Fala para ela mandar que eu
vou fumar!

Não é que minha prima falou com ela e ela mandou o


cigarrinho? Chamei um amigo que ia para escola de carro -
porque o pai deixava e também deixava o automóvel com ele
- e nos dirigimos para o estacionamento do estádio Serra
Dourada.

Era quase fim do ano já, época de chuva no cerrado.


Com muita dificuldade, consegui enrolar o baseado. Tacamos
fogo. Só que a erva não fez efeito nem em mim e nem nele.
Voltei para o colégio, chamei a menina e falei:

- Olha, fumei aquele negócio lá que você mandou para


mim. Sou loucão, sacou? Agora quero namorar com você.

Ela riu e bateu o martelo: "então vamos, né? ”. E me


deu uns beijos bem diferentes dos que eu estava
acostumado. Começamos a namorar e abandonei minha
outra namorada. Que era uma menina mais careta, mais
família. Namorávamos na casa do pai dela, só de vez em
quando a gente saía. Bem diferente da Paula, que me levava
em aventuras, me deixava excitado, fazia amor comigo. Paula
me apresentava um mundo que eu não conhecia até então.

Nesse mundo novo estava a maconha. Com Paula e a


maconha aprendi a viajar. Viajar sem sair de onde estava e
também para novos destinos. Comecei a marcar presença em
lugares frequentados por gente "loucona". Aprendi a beber,
comecei a fumar cigarro, fazer sexo, sair de galera, ir para
cinema, ir para boate. Meu primeiro ano de maconha foi de
grandes descobertas.

O Brasil em 1980 ainda vivia sob ditadura militar. As


drogas eram muito discriminadas e difíceis de se ver ou
comparar. Eram coisa de hippie, de "loucão". Não eram

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partiu levando na encolha três das minhas plantas. Dessas
não pude nem sentir o gostinho. Para você ver a diferença
entre maconheiro e bandido.

A próxima compara que fiz já foi após estudar um


pouco mais sobre índices de THC e tempos de cultivo.
Descobri as plantas automáticas feminizadas, mais fáceis de
cultivar, e fui aprendendo na prática tudo que eu conhecia na
teoria. Fiz testes e mais testes de como germinar sementes.
Aprendi sozinho a transplantar de um vaso para outro. Nessa
época, eu ainda variava entre bons e maus cultivos. Até
meados de 2008 foi assim. Era difícil acertar todos os
processos nos tempos certos e tirar uma produção farta de
cada pé. Fora que, quando não podia arcar com sementes
importadas, ainda voltava às do fumo prensado adquirido no
tráfico para poder plantar.

Em 2008 consegui me estruturar melhor. Tinha uma


nova empresa de segurança eletrônica e prestava serviços
para grandes shoppings do Distrito Federal. Com uma boa
renda e as contas equilibradas, parti então para um cultivo
mais técnico e eficiente.

Passei a usar sistemas hidropônicos e sementes


adquiridas em um site chamado nirvanashop.com. Comprei
sementes de grandes produtores, como Sensi Seeds e Royal
Queen Seeds. Segui fielmente as técnicas de cultivo outdoor
e indoor que observava na internet. Fiz cultivo com um
sistema de 6 vasos para hidropônica, aplicando adubos
líquidos. Os resultados foram bem mais interessantes.

Depois de tantas tentativas, erros e aprendizados, em


2009 eu já tinha praticamente declarado minha independência
do tráfico. Plantava duas novas mudas fêmeas todo mês. No
intervalo de 30 dias, fazia 4 plantios. E cada vez me tornava
mais autossustentável, conseguindo polinizar e obter boas

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sementes a partir das minhas próprias plantas. A prática
aproxima a gente da perfeição.

Quando realizava as colheitas, era uma felicidade.


Dava a sensação de estar fazendo uma boa ação. O cultivo
despertava em mim um sentimento de cidadania. Agora o que
eu fumava vinha do que plantava, cuidava, colhia e secava
por conta própria. Não era mais preciso fazer incursões
constantes nas bocas de fumo para obter aquela maconha
prensada e de baixa qualidade contrabandeada do Paraguai.
Não estava contribuindo com nenhuma agressão à sociedade
ou ao direito do próximo.

A sensação era de liberdade, plenitude e


responsabilidade. Mas tinha a questão da ilegalidade. Sempre
teve essa questão.

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4. THCPROCÊ ERA O CANAL

Fumar maconha era um vício meu e um hábito que


escolhi conscientemente manter. Mesmo sendo ilegal, eu
usava a erva todo santo dia e me sentia bem com isso. Ainda
mais quando ela tinha origem no meu quintal. Desde que
comecei a plantar, minha busca foi por manter distância do
tráfico.

Mas comparar sementes estrangeiras pela internet


nem sempre era suave. Tinha vezes em que a entrega
acabava interceptada pela Polícia Federal. Além do medo de
ser pego, nesses casos minhas provisões ficavam
comprometidas. Para ser autossuficiente por completo, só
plantando as sementes que os meus pés de cannabis
gerassem.

Conforme testava e adaptava técnicas à minha


realidade particular, fui me especializando em um método
econômico e viável para qualquer pessoa. Cada vez ficava
mais nítido como poderia ajudar outros usuários a se livrar do
tráfico: mostrando meu jeito de fazer. E a internet estava logo
ali.

Ensinar a plantar para não comparar foi justamente a


ideia que deu origem ao meu canal no Youtube, o
THCPROCÊ. Porque fumar maconha pode até ser
considerado crime pela miopia das leis atuais. Porém, ser
usuário de maconha não significa ser bandido.

De forma simples, caseira, pensei em fazer vídeos que


ensinassem técnicas de cultivo para mais pessoas se
desvencilharem do tráfico. Mas eu também sentia
necessidade de me expressar com franqueza sobre esse
julgamento errado e discriminatório que muitos fazem do
21
Trocariam um quilo de maconha por um revólver calibre 38.
Ele me mostrou a arma.

Suspeitando desse papo, comentei que achava difícil


meu amigo aparecer. No que ele montava na moto para se
mandar, um veículo surgiu e o acertou por trás, atingindo
também o meu joelho e levando nós dois ao asfalto. Era uma
viatura da polícia. Carmo levantou atirando e saiu correndo
rua abaixo. Entre o tiroteio e a fuga, uma pessoa inocente
morreu. E eu cheguei a ser levado preso como se fosse
cúmplice. No final, acabei perdendo a empresa que eu tinha.

Alguns anos depois, fui morar na casa de uma tia em


Boa Vista. Ali tive a chance de começar de novo. Trabalhava
tanto que nem dava tempo de pensar em fazer a cabeça. Eu
vendia peças para uso no garimpo. Meu pai fabricava em
Goiás e eu revendia em Roraima, onde o garimpo era intenso.
Ganhei um bom dinheiro e decidi montar um restaurante.
Passei a tocar o lugar em paralelo com as revendas de
produtos. As coisas iam bem. Governador, prefeito,
delegados e juízes vinham comer no meu estabelecimento.
Tinha amigos, casa, mulher, tive uma filha. A vida prosperava.

Até eu voltar a usar cocaína alguns meses depois.


Logo descobri a pasta de cocaína, uma droga similar ao crack
de hoje, altamente viciante e prazerosa. Eu e minha esposa
usávamos e passamos a gastar muita grana com isso. Não
demorou para começamos a sofrer as consequências. A
principal delas: perda de vontade profissional.

Depois de apenas 3 meses usando pasta de cocaína,


eu já não conseguia mais administrar minhas obrigações. Não
dormíamos e deixávamos faltar produtos no restaurante.
Passamos um ano inteiro na lama. Minha esposa não
aguentou e foi embora com nossa filha. Fui deixando
escorregar pelas mãos cada uma das minhas conquistas na
vida. Algumas semanas depois da separação, vendi o que

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própria erva livre do tráfico, ficou nítido para mim que, pelo
menos no ato de fumar maconha, era possível reduzir perigos
e danos para mais gente. Compartilhar pela internet os meus
aprendizados era uma forma de ajudar outras pessoas. Mais
do que isso: era um dever que agora eu mesmo me impunha.

Em 2009 criei um perfil no Youtube e dei a ele o nome


de THCPROCÊ. Iniciei o canal com vídeos sobre meus
cultivos e também gravei uma série de depoimentos onde
contava sobre as experiências que tive com drogas dos 16
aos 31 anos de idade. Neles eu falava sobre os prós e
contras que já enfrentei por usar maconha. Algo semelhante
ao capítulo 2 deste livro.

Ao gravar e publicar esses depoimentos, acreditava


estar contribuindo para fortalecer a visão sobre como um
jovem pode usar maconha e conviver de forma responsável
com isso. Em paralelo, fazia vídeos mostrando os
procedimentos para plantar, colher e secar a erva. Ali
mostrava como germinar as sementes e, principalmente,
mostrava toda a minha satisfação em cultivar a maconha que
eu fumava.

Podemos dizer que foi um sucesso. Em um ano, o


canal obteve 12 mil seguidores e os vídeos se popularizavam
com milhares de visualizações. Muitos visitantes deixavam
dúvidas sobre cultivo nos comentários, outros elogiavam o
que eu fazia. A semente do "plantar para não comparar"
estava lançada na terra. E ia sendo regada conforme esses
vídeos eram passados de pessoa para pessoa. Ajudar outros
usuários a plantar sua própria maconha me alegrava.

Contudo, comecei a sentir um medo tremendo de ser


descoberto pela polícia. Todo mundo que se propõe a plantar
maconha, ainda que com a melhor das intenções, convive
com o temor de ser denunciado. Só que eu não estava
apenas plantando na minha, em silêncio: estava mostrando

23
como eu fazia para quem quisesse ver. Me sentia sendo
observado pelos vizinhos e alguns comentários nos vídeos
me apavoravam com a possibilidade de receber uma visitinha
dos tiras em breve.

Essa paranoia me levou a deletar o canal de impulso.


E me senti um covarde por isso. Poucos minutos depois, já
estava arrependido. Pensei nos seguidores do canal, nos
comentários de incentivo e agradecimento, lembrei do motivo
pelo qual eu começara tudo aquilo. Se eu tinha um
conhecimento que podia ajudar jovens a se livrar do tráfico,
compartilhar esse saber era uma missão. Se eu pudesse
ajudar um só usuário a plantar em vez de comparar, já me
sentiria bem. Os riscos valiam a pena, sim. Até porque um
maconheiro só escuta uma opinião diferente da sua sobre a
erva se ela vem de outro maconheiro.

Após algumas semanas trocando e-mails com o


Youtube, consegui recuperar meu canal com todos os
seguidores que já tinha. Mas perdi todos os vídeos e
comentários, uma pena. Seria preciso começar um novo
plantio. Levantei a cabeça e mergulhei de peito nisso.

Reinaugurei o THCPROCÊ em 2010 com a mesma


proposta: mostrando como cultivava a cannabis e falando
sobre minha trajetória de vida. Republiquei os depoimentos
sobre minhas experiências com drogas dos 16 aos 31 anos
de idade, uma saga com pelo menos 2 vídeos por ano
contado.

Para chamar atenção, nos vídeos eu sempre aparecia


bolando um e fumando enquanto falava. Meu discurso durava
o tempo do baseado. Foi a forma que encontrei para mostrar
aos espectadores que eu também era parte dessa realidade.
Um usuário experiente falando, e não mais um adulto dando
lições de moral sobre drogas. As inscrições no canal seguiam
crescendo e diariamente eu recebia comentários de incentivo

24
que me confortavam. O pessoal abraçou o THCPROCÊ. Vi o
número de inscritos no canal crescer rapidamente para mais
de 30 mil pessoas. No total, meus vídeos já contabilizavam
mais de 3 milhões de visualizações. Eu estava me tornando
conhecido em diferentes cantos do brasil e também de fora
dele.

Na medida em que produzia os vídeos, eu pesquisava


o modo de plantar maconha em outros países. Quando
possível, testava esses métodos usando equipamentos mais
baratos, pois sabia que muitos seguidores do canal
enfrentavam limitações financeiras. Assim demonstrei, por
exemplo, as técnicas de cultivo hidropônico. Como tinha uma
certa experiência com aquários, conhecia um bocado sobre
bombas de água e alimentação vegetal em ambientes
aquáticos. Consegui bons resultados nesses testes sem
precisar importar equipamentos gringos caríssimos. E mostrei
aos seguidores do canal como fazer igual.

Sempre tive como bancar essas despesas por


trabalhar normalmente. Como empresário e professor, tinha
uma renda que me permitia investir nas sementes, nutrientes
e demais itens de cultivo. Esses gastos a mais também foram
acompanhados por uma economia em meu fluxo de caixa.
Porque naquele momento eu já não precisava mais comparar
do tráfico.

Na minha cabeça, essa conquista libertadora


precisava ser de mais gente. Plantando para não comparar,
poderíamos mudar o mercado consumidor de maconha no
Brasil. Poderíamos detonar o tráfico e reduzir a violência que
decorre dele. Poderíamos quebrar essa associação da
maconha com drogas mais pesadas que só existe porque são
produtos vendidos no mesmo ambiente de ilegalidade. Ao
invés de fregueses da boca de fumo, teríamos pequenos
agricultores autossuficientes.

25
Foi exatamente por não querer mais participar disso
tudo que comecei a estudar meios de cultivar minha própria
erva. Além de ter uma empresa de produtos agropecuários,
meu pai sempre lidou com a terra e me ensinou umas tantas
técnicas. Eu já havia plantado feijão, arroz, abóbora,
mandioca, frutas e hortaliças. Sabia que o manuseio da
maconha não seria muito diferente. É apenas uma planta,
não?

Assim, fui em busca de sementes e de informações


sobre como germiná-las, cultivá-las e colhê-las no tempo
certo. Assim, me tornei um protótipo de cultivador.

Comecei com pequenos plantios no quintal de casa


utilizando as técnicas que já conhecia. As sementes vinham
do próprio produto adquirido no tráfico, mas eu já tinha planos
de adquirir sementes de melhor qualidade no exterior. Um
tempo depois, me mudei para a região de Pedregal, no
Distrito Federal, onde passei a plantar regularmente no quintal
e também testei cultivos com iluminação artificial.

Como nessa época ainda não tinha 100% de


autossuficiência, volta e meia acabava fazendo incursões à
boca de fumo para não ficar sem erva. Dependendo do dia, a
quantidade que eu comparava podia ser maior ou menor. O
que nunca variava era a qualidade baixa da maconha
adquirida ilegalmente: seca, com odor ruim, sem níveis
corretos de psicoativos e sob suspeita de conter substâncias
nocivas. A insalubridade é sempre um risco quando
desconhecemos a origem do produto que comparamos.

Na internet descobri que existiam sementes de


diferentes tipos de plantas canabicas e que os efeitos da
maconha podiam ser distintos conforme a espécie. Também
fui me inteirando sobre a legislação em outros países. Vi que
alguns lugares permitiam a venda de sementes e a erva podia
ser consumida livremente em pontos específicos, como nos

17
hortelã. Em um canteiro de terra dá para criar uma pequena
farmácia que dura para sempre. Mas o que será que as
empresas farmacêuticas podem pensar disso? Quais
interesses comerciais não estariam por trás da criminalização
da maconha medicinal?

Juntando minha experiência maconheira acumulada


pelos anos com o conhecimento que adquiria pesquisando e
cultivando, eu constatava como a maconha sozinha não fazia
de ninguém um criminoso. Isso é uma falácia. A proibição da
maconha é o verdadeiro crime. Além de impedir o acesso a
um medicamento eficaz contra doenças crônicas, essa
proibição ainda estigmatiza uma porção de usuários -
especialmente os mais jovens e mais pobres. Basta buscar
conhecimento pesquisando para perceber como essa
legislação já não condiz com as políticas públicas mais
modernas e eficientes praticadas mundo afora.

Quanto mais me informava e refletia sobre o assunto,


menos receio eu tinha em publicar novos vídeos. Plantar para
não comparar era minha causa e o canal no Youtube era meu
meio de propagá-la. O que antes era envolvido em temor,
agora tinha sido substituído por uma causa maior, mais
ampla, social, na qual eu acreditava. E sigo acreditando.

Pelo retorno que recebia no canal, percebia que mais


gente estava abraçando a ideia e tentando cultivar por conta
própria. Alguns faziam isso da mesma forma que eu comecei:
usando sementes do fumo paraguaio prensado conseguido
via tráfico. Outros já se arriscavam a comparar insumos
gringos pela internet. E muitas, muitas pessoas vinham me
procurar não apenas para tirar dúvidas, mas também para
obter sementes comigo. Logo me vi compartilhando as
minhas para quem quisesse plantar e ter os mesmos
resultados que conseguia em casa.

27
Eu tinha plantas macho que cruzei com fêmeas e
assim produzi milhares de sementes. Passei então a enviá-las
para os quatro cantos do Brasil. Foi um pouco dispendioso,
pois a única forma que encontrei para não ter problemas com
os usuários era mandar tudo de graça. Assim, eu não poderia
ser cobrado caso o cultivo deles desse errado.

Comecei em 2012, quando enviei um total de 3 mil


sementes. Em 2013 foram mais 6 mil unidades, volume que
se repetiu no ano seguinte. Quando chegou 2015, eu já tinha
bolado na mente uma forma de conseguir sementes de
linhagem importada para todos que me procuravam.

Depois de perder 2 mil dólares fazendo uma compara


de mil sementes pelo site http://www.seedsman.com/ que
acabou interceptada pelo Correio, comecei a pressentir que
algo ruim podia ocorrer. Resolvi então mudar o esquema.
Convoquei os seguidores do canal para um financiamento
coletivo. Cada um contribuiria com uma grana para custear
uma viagem que eu faria ao exterior em busca de sementes
da mais alta qualidade. A convocação do THCPROCÊ foi
atendida.

Consegui arrecadar algo em torno de 15 mil reais e


me mandei para a Europa. Voltei da Inglaterra com 4 mil
sementes de cannabis na mala. Eram sementes ricas em
CBD. Fiz cruzamentos no meu cultivo caseiro e documentei
isso em vídeo. Ao mesmo tempo, comecei a enviar as
sementes aos doadores. Enviava entre cem e duzentas cartas
a cada 15 dias. Os pedidos e doações continuavam chegando
- e aumentando, o que aumentava também a minha
visibilidade. Eram doações que variavam de 35 a 75 reais. Em
menos de 4 meses desde que fizera a convocação, já havia
movimentado mais de 80 mil reais.

O dinheiro que eu recebia era reinvestido em cultivo


para gerar novas sementes e na produção de vídeos. Minha

28
ideia era chegar a 10 mil associados fazendo uma doação
mensal de no mínimo 35 reais, e fornecer a eles tudo que
precisavam para conquistar seu auto sustento com apenas
esse investimento. Mas alguns doadores começaram a
reclamar por não conseguirem germinar suas sementes. Tive
algumas discussões por conta disso.

A verdade é que eu agia como se distribuir sementes


de maconha fosse legal no Brasil. Me empolguei muito. E foi
exatamente esse o motivo que levou os homens da lei a
arrombarem meu portão naquela noite fatídica. A noite em
que terminei trancafiado na capital do país. Um ativista contra
o tráfico preso como traficante, indiciado no artigo 33,
parágrafo 1º, incisos I e II. Por querer ajudar mais gente a
plantar para não comparar, posso ser condenado a 15 anos
de prisão.

29
sementes a partir das minhas próprias plantas. A prática
aproxima a gente da perfeição.

Quando realizava as colheitas, era uma felicidade.


Dava a sensação de estar fazendo uma boa ação. O cultivo
despertava em mim um sentimento de cidadania. Agora o que
eu fumava vinha do que plantava, cuidava, colhia e secava
por conta própria. Não era mais preciso fazer incursões
constantes nas bocas de fumo para obter aquela maconha
prensada e de baixa qualidade contrabandeada do Paraguai.
Não estava contribuindo com nenhuma agressão à sociedade
ou ao direito do próximo.

A sensação era de liberdade, plenitude e


responsabilidade. Mas tinha a questão da ilegalidade. Sempre
teve essa questão.

20
por coincidência: era uma quinta-feira e a gente costumava se
ver apenas nos finais de semana. Acabamos presos juntos.

Ao sair dali em uma viatura, sinto que estou


abandonando meus animais. Sinto que não voltarei mais para
aquela casa. E mal posso imaginar as consequências que me
esperam.

Chegamos na delegacia por volta das 7:00 do dia 16


de junho de 2016. Ali sou algemado numa barra de ferro
próxima a um banco de cimento e Nayara é levada para outra
sala, onde a deixam algemada em uma cadeira. De onde
estou posso vê-la no final do corredor, mas não consigo falar
com ela. Trocamos apenas alguns sinais de calma naquele
momento tão duro e assustador. Eu te amo. Fica tranquila.

- Maconheiro safado! Tomara que você fique 20 anos


preso! Agora a casa caiu!

Alguns agentes da polícia atravessam o corredor me


dizendo palavras de desconsolo. Passo umas duas horas ali
sentado, algemado. Até os policiais me levarem para uma
sala onde sento em uma cadeira sem as algemas. Eles
pedem com calma a senha do meu e-mail no notebook
apreendido. O e-mail do THCPROCÊ. Se eu cooperar será
melhor, eles me dizem. Se não cooperar, vão entrar no meu
e-mail assim mesmo e será pior para mim.

Abalado, resolvo cooperar. Dou a senha e ele abre o


e-mail no seu computador. Sem mais perguntas, sou levado
para o corró. O corró é um quarto-cela com um banheiro,
onde os presos ficam aguardando seu destino. Lá de dentro
escuto os policiais comentando que a delegacia está
parecendo uma selva, que tem uma lavoura lá dentro; quem é
que está plantando tanta maconha? Risadas vêm logo em
seguida. Uma provocação a mim de forma indireta.

31
Fui preso com 72 pés de maconha. Destes, 26 em
vasos separados e em fase de crescimento. Os outros eram
pequenas mudas plantadas todas juntas em um vaso só, que
não seriam cultiváveis. Das plantas que estavam em vasos
separados, apenas 6 estavam em fase de floração - faltavam
ainda 30 dias pelo menos até elas ficarem boas para corte e
secagem.

Na minha casa tinha também sementes, adubo,


equipamentos que eu utilizava no cultivo, embalagens,
envelopes e notinhas para rastreio do correio. Só que eu
estava sendo tratado como se fosse o Fernandinho Beira-
Mar. Os policiais se vangloriavam da apreensão do
THCPROCÊ, um inimigo da população, e talvez tenham
pensado que encontrariam armas e uma porção de
ilegalidades em casa. Mas não tinha nenhuma e nem nada
que pudesse me incriminar no artigo penal para tráfico de
drogas. A apologia ao crime e a distribuição de sementes
ilegais foram os argumentos usados para justificar minha
prisão e todos os investimentos feitos nela, como por exemplo
os gastos com o helicóptero usados na operação.

Por volta das 13:00, os policiais me trazem um


salgado e um refrigerante no coró. Não tenho fome. O que
tenho é uma preocupação sem fim com meus gatos, minha
companheira e minha casa. O que seria da minha vida a partir
dali?

Passo este dia mais esperando do que sendo


interrogado. Lá pelas 16:00, um agente me leva do corró para
outra sala. Ali está uma das minhas plantas. A Blue Cheese,
de quem eu vinha cuidando tão bem. Ele me informa que
aquela planta não será incluída no meu inquérito, mas que
gostariam de saber como cuidar dela e quando ficaria boa
para consumo. Sem pestanejar, ensino o que deve ser feito
até o dia de colher. Neste momento o policial faz menção de
cheirar a planta e eu dou a letra:
32
- Toca nas flores e depois cheira os dedos.

Ao fazer isso, o policial se admira com o aroma. E logo


chama os colegas para sentirem também. Um após o outro,
os policiais tocam as flores, cheiram os dedos e se encantam.
Fico vendo aquele grupo de homens da lei apreciando a
beleza de um pé de maconha. Nem eles conseguem enxergar
onde está o crime na planta. Será que fica no caule, nas
folhas, nas flores ou apenas no ar, invisível ao olhar?

Como se estivesse passando a bola em uma roda de


amigos, converso com eles por alguns minutos. Falo sobre a
planta que tanto amo e de como meu objetivo maior no cultivo
dela era que mais pessoas pudessem se livrar do tráfico.
Troco ideias com os policiais da mesma forma que informo
usuários no THCPROCÊ. Acho bom que eles conheçam
melhor a planta que consideram crime e me sinto bem
naquele momento. Até ser levado de volta ao corró.

São 18:00 quando um primo meu que é advogado


aparece na porta do corró. Minha família já está ciente e vai
buscar um criminalista para me defender, ele conta, e Nayara
será libertada por eu ter assumido a autoria dos fatos. Meu
primo não esconde a preocupação: a situação é séria e pode
me dar uma bela enxaqueca. Como aleguei ser usuário e não
traficante, serei levado à DPE/DF para fichamento, corpo de
delito e exame de urina. De lá, serei transferido para o
Complexo da Papuda.

Depois de passar o dia todo naquele lugar apertado e


fétido, meus nervos estão soltando faísca. Fico emocionado.
Chorando, peço a ele que acalme minha família e tente me
libertar. Que fale também com minha ex-esposa para cuidar
dos gatos até eu sair da cadeia, se possível. Fico triste em
pensar que, além de ter causado a mim mesmo um problema,
meus familiares vão ter que aguentar as consequências.

33
própria erva livre do tráfico, ficou nítido para mim que, pelo
menos no ato de fumar maconha, era possível reduzir perigos
e danos para mais gente. Compartilhar pela internet os meus
aprendizados era uma forma de ajudar outras pessoas. Mais
do que isso: era um dever que agora eu mesmo me impunha.

Em 2009 criei um perfil no Youtube e dei a ele o nome


de THCPROCÊ. Iniciei o canal com vídeos sobre meus
cultivos e também gravei uma série de depoimentos onde
contava sobre as experiências que tive com drogas dos 16
aos 31 anos de idade. Neles eu falava sobre os prós e
contras que já enfrentei por usar maconha. Algo semelhante
ao capítulo 2 deste livro.

Ao gravar e publicar esses depoimentos, acreditava


estar contribuindo para fortalecer a visão sobre como um
jovem pode usar maconha e conviver de forma responsável
com isso. Em paralelo, fazia vídeos mostrando os
procedimentos para plantar, colher e secar a erva. Ali
mostrava como germinar as sementes e, principalmente,
mostrava toda a minha satisfação em cultivar a maconha que
eu fumava.

Podemos dizer que foi um sucesso. Em um ano, o


canal obteve 12 mil seguidores e os vídeos se popularizavam
com milhares de visualizações. Muitos visitantes deixavam
dúvidas sobre cultivo nos comentários, outros elogiavam o
que eu fazia. A semente do "plantar para não comparar"
estava lançada na terra. E ia sendo regada conforme esses
vídeos eram passados de pessoa para pessoa. Ajudar outros
usuários a plantar sua própria maconha me alegrava.

Contudo, comecei a sentir um medo tremendo de ser


descoberto pela polícia. Todo mundo que se propõe a plantar
maconha, ainda que com a melhor das intenções, convive
com o temor de ser denunciado. Só que eu não estava
apenas plantando na minha, em silêncio: estava mostrando

23
Consigo dormir uns 30 minutos, até que mais um
elemento é trazido. Agora estamos em 3, sendo que o novo
integrante está bêbado, fedendo e gritando com os policiais.
Ele come toda a comida e bebe todos os refrigerantes que
tem ali. Sem problemas por mim, mas o fedor de chulé com
cachaça e mais os gritos conseguem deixar minha noite ainda
pior. O recém-chegado conta ter brigado com os policiais - e
apanhado deles. Tremendo de frio, ele deita no chão do corró.
e voltamos a tentar dormir. De madrugada, umas 3h00, mais
um preso é trazido. Completamente chapado de ruipinol, ele
deita ao lado do banheiro e apaga ali mesmo. Mais tarde eu
viria a conhecê-lo como Pesão de Santa Maria.

Aquela não é uma noite fácil, muito menos previsível.


Tento me aquecer e dormir fazendo poucos movimentos para
não incomodar o outro preso. Acabo passando a madrugada
acordado, com frio, e ainda abraçado a um estranho. Pensar
que isso tudo é só o começo me aflige, sinto que ainda não
encontrei o pior. A ansiedade nessa hora é mato. E desse
mato eu não posso nem fumar.

Amanhece no dia 17 de junho e, às 7h00, o delegado


vem me buscar. Na porta ele avisa:

- Tem um pessoal aí querendo falar com você.

Quando saio, sou tragado por uma porção de câmeras


de TV e pessoas me fotografando. Eu gelo. Pensei que seria
interrogado e na verdade estou sendo exposto para a
imprensa com requintes de sensacionalismo. É um absurdo
me colocarem nas manchetes como traficante. Tenho alunos,
colegas de profissão e um monte de gente para comprovar
meu trabalho honesto como empresário e professor. Minha
renda vem disso, não vendo drogas. Não é justo ser visto e
julgado pela sociedade como praticante daquilo que eu tanto
luto contra.

35
Mas sou jogado na sala como qualquer bandido.
Algemado e com o emblema da Polícia Civil no pano de
fundo. Os repórteres disparam questões sem nexo com o
caso e me fazem acusações que sequer entendo. As
perguntas que eu gostaria de responder eles não fazem,
como por exemplo da onde eu vim e por quê estou ali. Não
me é dada a chance de explicar que plantava para não
comparar. Me pintam de traficante e ainda sou obrigado a
ouvir risos e piadas deles sobre eu ser "o professor da
maconha”. Os jornalistas parecem ter vindo apurar a notícia já
convencidos de que eu forneço drogas e incentivo seu uso
para menores, além de fazer afronta à polícia com vídeos
fumando erva.

Entre o bater dos flashes e as investidas dos


microfones, fico sem chão. Bem que eu gostaria, mas não sei
como proceder nessa situação. Diante das câmeras, não
consigo conter o choro.

Depois dessa entrevista forçada sou levado de volta


para junto dos outros presos. Um deles está apreensivo:
conta ter dado um nome falso para os policiais. Já está quase
na hora de sermos transferidos para a DPE/DF e a mentira
logo será descoberta. O cara é puro medo, está prestes a cair
no choro. Assim que os policiais vêm à porta conferir nossos
dados, ele revela o segredo. Diz que deu o nome do irmão e
logo ouve do agente que é um safado, um vagabundo, que
ainda vai se arrepender muito por isso. Somos levados para a
viatura separados dele, que fica sozinho no corró e se
despede com os olhos cheios de lágrimas.

Deixamos a 20a DPC/Gama-DF rumo à nossa próxima


morada: o DPE/DF. A equipe responsável pelo transporte é
conhecida por DPOE. A partir do contato com eles, começo a
entender melhor como o meu sofrimento até aqui foi apenas o
começo. Treinados para lidar com os presos de forma a
garantir a segurança dos cidadãos, os policiais do DPOE
36
agem como cães bravos. Nunca falam, somente gritam. E
intimidam, humilham, apertam as algemas além do
necessário. Fazem o que podem para deixar os presos
apavorados.

A viatura é maior do que o normal, como uma van, e


todos aqui a chamam de bonde. O bonde passa de delegacia
em delegacia recolhendo presos que serão levados ao
DPE/DF. No lugar do motorista, temos um piloto que dá
freadas bruscas e faz ultrapassagens por quebra-molas em
alta velocidade, desconsiderando a carga humana que,
algemada, é arremessada de um lado para o outro no
compartimento traseiro. A cada parada entram mais presos e
o bonde fica cada vez mais quente e abafado. É uma viagem
sem noção de ruim, verdadeira bad trip.

Uma hora depois, chegamos ao DPE/DF. As portas do


bonde são abertas e os presos são conduzidos de cabeça
baixa com palavras de incentivo dos agentes:

- Anda, ladrão! Vai, seu cú sujo! Tá demorando


demais, vagabundo! Corre, malandro!

Aos berros eles chamam o primeiro nome dos presos


e cada um tem que responder dizendo o restante da sua
identidade. Os convocados são encaminhados para realizar
exames de urina e corpo de delito. Na minha vez, peço para
tomar um pouco de água. O agente se irrita:

- Mas você não consegue mijar?!

- Sim, uai. Mas a água daria uma ajuda a mais -


respondo na hora.

Depois de fazer xixi no pote sou levado para realizar o


exame físico. Fico nu e encostado a uma parede. O policial
encara as partes do meu corpo de uma forma que me deixa

37
Foi seguindo essa linha de raciocínio que comecei a
tocar o THCPROCÊ não apenas como um canal informativo.
Mas sim como um espaço de ativismo pela descriminalização
da maconha.

Meu ponto de partida na causa da descriminalização


através do THCPROCÊ era (e, diga-se, ainda é) a cannabis
medicinal. O efeito medicinal positivo da maconha é uma
realidade com base científica para uma série de doenças que
qualquer pessoa pode vir a desenvolver, seja ela usuária ou
não. Estimulando o cultivo pelo uso medicinal, talvez eu
pudesse dar minha contribuição para mudar a maneira da
população em geral encarar os usuários.

Nos Estados Unidos, a maconha é permitida em


diversos estados para tratar dores de cabeça, náuseas,
insônia, epilepsia. Existem estudos que mostram a eficácia do
CBD (canabidiol) e do THC (tetrahidrocanabinol9) no combate
ao câncer e à aids. A medicina cannabica é uma realidade
palpável, comprovada em pesquisas. Para quem sofre com
esses males, é uma alternativa de tratamento mais acessível
do que remédios caríssimos com contraindicações agressivas
feitos em laboratórios.

Só que o CBD e o THC são justamente os princípios


ativos que fazem a erva dar barato. Pesquisando mais sobre
a maconha medicinal, aprendi que ela é idêntica à maconha
que eu fumava desde os meus 16 anos. Não existe uma
planta específica para o uso medicinal: é tudo cannabis. A
diferença está na forma de cultivar e no objetivo ao usar. E,
como já diziam os primeiros portugueses que chegaram ao
Brasil: nesta terra, plantando tudo dá.

Qualquer pessoa, mesmo as de condição financeira


mais humilde, poderia confeccionar um medicamento
plantando maconha no quintal de casa. Assim como se faz
com boldo, camomila, alecrim, lavanda, capim cidreira,

26
6. 2 POR M2

Sempre procurei me adaptar às dificuldades que


encontrei na vida, aprendendo a sobreviver conforme o
contexto. Pois bem, eis a chance de ver até que ponto sou
capaz disso. De não cair em desespero com a brutalidade do
sistema carcerário brasileiro. De criar força não apenas nos
músculos, mas na capacidade de resistir a cada situação
insolúvel que se apresenta. E olha, vou te dizer, como elas se
apresentam.

Ao entrar na galeria da DPE ficamos de cabeça baixa


enfileirados e as algemas vão sendo retiradas. Estamos em
uns 30 presos. Um após o outro, somos chamados pelo nome
e respondemos com o sobrenome - repetindo o procedimento
da entrada que, logo vejo, será uma constante durante a
estadia. A cada nome berrado é dado um número de cela.
Depois de todos identificados, somos levados a elas.

Minha moradia pelos próximos 2 dias é a cela 2 do DPE/DF,


medindo 12 metros quadrados e habitada por outros 28
homens. É um lugar sem espaço. Vejo no canto dela o boi,
aquele vaso sanitário rente ao chão. Sem paredes ao redor,
privacidade zero. Penso que será impossível usar - até para
mijar - aquele banheiro. Melhor deixar para me preocupar
com isso quando for realmente necessário.

Agora tenho fome e, enquanto espero minha primeira refeição


na cadeia, fico agachado entre desconhecidos. Os presos
gostam de saber o que cada um fez para estar ali. Tanto para
se aliar quanto para se opor caso o motivo seja algo que
abominam - como estupro, pedofilia, violência contra a mulher
e crimes envolvendo covardia em geral. Porém, na cela 2 só
tem mesmo traficantes, gatunos, vigaristas, assassinos e
aqueles que exercem múltiplas atividades ilegais, como os
praticantes de latrocínio.

39
Nesse primeiro dia converso bastante com meus colegas.
Tudo ainda é desconhecido para mim. Falamos sobre como
se desenrolam os processos, falamos de roubos, golpes,
mortes, bandidos famosos, drogas, mulheres. Alguns
assistiram na TV à matéria sobre minha prisão, onde o
repórter me chamava de traficante burro e falava sobre o
tamanho enorme dos pés de maconha apreendidos comigo.
De saída, tenho um certo respeito e admiração dos outros
presos e até esboço algumas amizades. Pergunto sobre
como fumar maconha ali e, para minha decepção, sou
informado de que naquela cadeia específica é difícil: não tem
e quando tem é caríssimo. Mas eles prometem me ajudar a
conseguir um baseado. Eu nem imagino como isso vai se
desenrolar, me sinto ainda perdido em relação a como
proceder na prisão. Entretanto, saber que é possível fumar
um me ajuda a ter alguma expectativa positiva sobre o lugar.
Da vida que eu tinha, pelo menos isso vou poder manter.

As marmitas chegam por volta das 11:00. Carne com


mandioca, arroz com cenoura, um pouquinho de feijão e um
copo de suco. Sem talheres, dobramos as tampas para usar
como colher. Naquela pequena cela lotada, os 20 e tantos
presos se desdobram para acomodar todos sentados, ombro
a ombro. A hora de comer é sagrada na cadeia.

Depois do almoço vou atrás de cigarros. Eles são vendidos


abertamente no xadrez por outros presos e de uma forma
extorsiva. Cada cigarro solto custa um real. É improvável
conseguir comparar uma carteira cheia, eles dizem não ter.
Vendem apenas o picado porque é uma maneira de ganhar
mais do pouco que os outros têm ali.

Mas, talvez por sorte de principiante, consigo comparar um


maço de Continental. Ofereço aos mais próximos e vejo o
maço fazer um tour pela cela, retornando com apenas 8
cigarros dentro. Dessa forma, goela abaixo, assimilo a lição
de sempre fumar compartilhando na prisão. Você acende um
40
e passa para os mais distantes fumarem juntos, daí acende
outro e fuma com quem está ao seu redor. Se os presos
dizem que assim é o certo, então está falado. Eu ainda teria
que aprender um monte para sobreviver ali dentro sem
maiores problemas.

Neste mesmo dia ainda recebo dois pães de cachorro


quente e um copo de café com leite, o desjejum do dia
seguinte. Quando são por volta de 16:30, a janta é servida
em um quase déjà vu do almoço: troca apenas a carne por
galinha cozida. O aroma não é dos melhores. Dá impressão
que as quentinhas foram visitadas por baratas antes de serem
trazidas para nós. Não sinto muito gosto na comida, parecem
ter esquecido de botar tempero. Fora o feijão, que é pouco e
duro. Você deve adaptar seu paladar para conseguir dar
conta de se alimentar com aquilo todos os dias. Tem preso
que come tudo e ainda garfa as sobras de outros
companheiros.

Conforme adentramos a noite, vou me ligando que tenho


ainda um grande problema para enfrentar: a hora de dormir.
Não tenho colchão, não tenho lençóis, não tem espaço.
Definir quem vai dormir e onde é um problema. De 28 presos,
apenas 20 conseguem deitar e no modo valete, encaixando
um no outro de lado. Oito ficam de pé, se mantendo
acordados enquanto os outros tentam dormir. Em
determinada hora da madrugada, com um frio terrível, os que
estão em pé pedem aos deitados para revezar posições. As
discussões são inevitáveis e todos ali mais acordam do que
dormem. Tenho a sorte de estar em um ponto bem perto do
canto, então consigo ficar ali a noite toda, na mesma posição.
O primeiro dia termina sem que eu tenha ido ao banheiro.

Meu segundo dia na cadeia amanhece com os agentes


comunicando que teremos um tempo no sol. Às 9:00 somos
colocados do lado de fora das celas, em uma área aberta com
grades no teto por onde entram meia dúzia de raios solares.
41
ideia era chegar a 10 mil associados fazendo uma doação
mensal de no mínimo 35 reais, e fornecer a eles tudo que
precisavam para conquistar seu auto sustento com apenas
esse investimento. Mas alguns doadores começaram a
reclamar por não conseguirem germinar suas sementes. Tive
algumas discussões por conta disso.

A verdade é que eu agia como se distribuir sementes


de maconha fosse legal no Brasil. Me empolguei muito. E foi
exatamente esse o motivo que levou os homens da lei a
arrombarem meu portão naquela noite fatídica. A noite em
que terminei trancafiado na capital do país. Um ativista contra
o tráfico preso como traficante, indiciado no artigo 33,
parágrafo 1º, incisos I e II. Por querer ajudar mais gente a
plantar para não comparar, posso ser condenado a 15 anos
de prisão.

29
também que falem com minhas irmãs para mandarem roupas
e sabonete. E que falem com elas para acertos legais e
financeiros, pois não tenho grana. Inclusive, peço que eles
próprios se possível me arrumem algum troco. Os advogados
dizem para eu não me preocupar com dinheiro. Me dão 100
reais e vão embora.

Volto para a cela e confirmo aos mais próximos: era mesmo o


advogado. E agora tenho 100 pratas no bolso. Os outros
presos ficam felizes por mim e começam a fazer planos para
investir meu dinheiro em maconha. Na abstinência, penso
logo no alívio que será fumar um. Dou metade do que tenho,
50 reais, para o pessoal arrumar erva.

De tarde faço minha estreia no banheiro com o número 1. Por


enquanto, nada de pensar no número 2 ainda. Não que isso
seja comum a todos: os presos defecam ali sem problemas,
no meio da galera. Com direito a efeitos sonoros, mau cheiro
e, terminado o serviço, banho - algo que descubro ser uma
obrigação.

Às 16:30 vem o jantar e, em seguida, novamente um


agente chama o meu nome na porta da cela. Sou levado para
aquela mesma sala da manhã e fico feliz ao encontrar o Dr.
Dalton, meu primo advogado. Com ele posso ter conversas
mais confiáveis e informais.

Dalton sorri quando me vê e diz estar ali para dar


apoio às minhas irmãs, que por sua vez estão se mobilizando
para me tirar da prisão o mais rápido possível. Vejo o celular
em suas mãos e peço para que tire uma foto minha - ele faz
isso de uma forma sorrateira para os guardas não verem.
Falamos do processo e da audiência de custódia do dia
seguinte. Se não me soltarem nela, serei levado para o
Complexo da Papuda. Imploro para que façam todo o
possível e conto sobre as dificuldades que estou passando
com a comida, com a hora de dormir, com as necessidades

43
básicas e com toda a truculência daquele ambiente hostil. Ele
diz ter trazido algumas coisas que me serão entregues pelo
policial. Peço dinheiro e ele me passa uma nota de 50 reais.

Assim que Dalton parte, recebo a Cobal trazida por


ele. Um saco plástico contendo duas cuecas, uma toalha, dois
lençóis, duas blusas de manga longa, uma bermuda, um par
de meias, um sabonete, um sabão em barra, uma escova de
dentes e um tubo de pasta de dentes. Volto para a cela e
todos ficam felizes com a Cobal. O sabão é dividido e os
lençóis vão para quem não tem nem o que vestir. Acabo
mantendo comigo apenas as peças de roupa e ainda quase
fico sem uma cueca. Mas tudo certo.

Chamo a atenção do leitor e da leitora para um fato


curioso envolvendo a proibição do uso da maconha no Brasil
e o nosso sistema penitenciário. O fato de que alguém que é
preso por vender, comparar, fumar ou plantar maconha…
pode seguir vendendo, comparando e fumando maconha
depois de preso. Só o que não pode é plantar.

Eu tinha dado 50 reais para os parceiros arrumarem


uma erva. Com meu dinheiro o Pesão de Santa Maria, aquele
mesmo camarada que eu tinha conhecido na minha primeira
noite na DP, chamou o correria e pediu a ele para ir do outro
lado buscar com um tal de Taguatinga o equivalente em
maconha. Os correrias são presos encarregados de fazer as
correrias legais e ilegais entre as celas, espécie de zeladores
informais entre os detentos. Quando o correria volta, entrega
o pedaço de maconha para o Pesão e ele me apresenta, fico
de cara. A quantidade é algo sem noção. Já pergunto logo:

- Uai, que horas vem o braw? Isso é só para ver o tipo,


né?

- Isso é cadeia, THC. Se quiser fumar é isso aí - diz o


Pesão.

44
- Só isso é muito pouco. Quero minha grana de volta.

Ao falar isso, vejo alguns olhares decepcionados


comigo. Farejo uma certa tensão e num flash reflito se lutar
pelos meus princípios não pode custar ainda mais caro. Olho
para o pedaço bicado, olho para o pessoal e absorvo o golpe:

- Ah, tá bom, né? Bora fumar.

Todos ficam felizes. Eu me esforço para disfarçar a


raiva. Comecei a plantar exatamente para não ter mais que
lidar com o tráfico. Agora estou preso por plantar e até posso
fumar, mas sou obrigado a comparar. Na prática, o tráfico é
legalizado dentro da cadeia. Com dinheiro você consegue o
que quiser.

Quando vamos enrolar, vejo que não temos seda.


Acabamos usando o papel da citação judicial de um dos
presos. O baseado dá metade de um fino daqueles que a
gente fuma na rua, só que um pouco mais comprido e bem
menos recheado. Como "na lei do duende quem bola,
acende", cabe ao Pesão tacar fogo no pavio. Quando meu
primeiro baseado da cadeia chega em mim, dou um pega e
passo na paulista. Ele roda por umas quatro bocas até voltar
à minha mão. Dou mais uma bolona e acaba o baseado. Me
sinto roubado com o preço e frustrado com esses dois pegas.
Se não estivesse preso, nunca mais daria dinheiro para o
tráfico.

A segunda noite é difícil como a anterior. Por um lado,


tenho mais peças de roupa, posso vestir várias para não
passar frio e ainda usar algumas como travesseiro. Mas agora
acumulo dores no corpo por dormir no chão duro e na mesma
posição o tempo todo.

Eis que amanhece o dia da audiência de custódia.


Quando der 14:00 serei levado ao tribunal, me avisam. Todos
na cela apostam que sou rasga tanga, denominação dada
45
Fui preso com 72 pés de maconha. Destes, 26 em
vasos separados e em fase de crescimento. Os outros eram
pequenas mudas plantadas todas juntas em um vaso só, que
não seriam cultiváveis. Das plantas que estavam em vasos
separados, apenas 6 estavam em fase de floração - faltavam
ainda 30 dias pelo menos até elas ficarem boas para corte e
secagem.

Na minha casa tinha também sementes, adubo,


equipamentos que eu utilizava no cultivo, embalagens,
envelopes e notinhas para rastreio do correio. Só que eu
estava sendo tratado como se fosse o Fernandinho Beira-
Mar. Os policiais se vangloriavam da apreensão do
THCPROCÊ, um inimigo da população, e talvez tenham
pensado que encontrariam armas e uma porção de
ilegalidades em casa. Mas não tinha nenhuma e nem nada
que pudesse me incriminar no artigo penal para tráfico de
drogas. A apologia ao crime e a distribuição de sementes
ilegais foram os argumentos usados para justificar minha
prisão e todos os investimentos feitos nela, como por exemplo
os gastos com o helicóptero usados na operação.

Por volta das 13:00, os policiais me trazem um


salgado e um refrigerante no coró. Não tenho fome. O que
tenho é uma preocupação sem fim com meus gatos, minha
companheira e minha casa. O que seria da minha vida a partir
dali?

Passo este dia mais esperando do que sendo


interrogado. Lá pelas 16:00, um agente me leva do corró para
outra sala. Ali está uma das minhas plantas. A Blue Cheese,
de quem eu vinha cuidando tão bem. Ele me informa que
aquela planta não será incluída no meu inquérito, mas que
gostariam de saber como cuidar dela e quando ficaria boa
para consumo. Sem pestanejar, ensino o que deve ser feito
até o dia de colher. Neste momento o policial faz menção de
cheirar a planta e eu dou a letra:
32
Antes que ele anuncie o valor, meus advogados solicitam que
a fiança seja retirada, pois não tenho condições de pagar.
Todos se voltam para mim e eu, atordoado com todo aquele
bate-rebate de argumentos jurídicos, respondo balançando a
cabeça em sinal afirmativo. Sim, não tenho condições de
pagar.

Só depois é que me dou conta. Balançar a cabeça


naquele momento significa eliminar minha chance de
responder ao processo fora da prisão sem nem saber o valor
da finança. Significa concordar em ser transferido para o
Complexo Penitenciário da Papuda.

O juiz bate o martelo e me conduzem algemado para


fora dali. Enquanto sou escoltado, os advogados me lançam à
meia distância um olhar de frustração e incentivo, como se
dissessem "não deu certo agora, mas ainda vai dar - tenha
força!".

De volta ao DPE, de volta à cela 2. Não esperava


regressar a esse lugar. Na chegada, meus companheiros até
tentam me reerguer:

Uai! Não saiu, THC?! Olha, fica grilado não. O convívio lá é


melhor, vai ser melhor que aqui.

Não consigo imaginar qualquer lado bom no que me


espera. Fico pensando no meu futuro próximo, em como será
duro passar mais tempo sofrendo opressão de todos os lados.
A começar por essa noite, que já vai tarde. Dormir naquela
cela é um pesadelo.

Acordo após mais uma noite desconfortável.


Desentendimentos a respeito de quem dormir como e quando
levaram alguns dos insatisfeitos a passar a noite
conversando. Mesmo falando baixo, não tem como não
escutar com uma densidade demográfica de 2 homens por

47
metro quadrado. Hoje tenho que ir ao banheiro de qualquer
forma. Meu intestino está gritando.

Neste dia somos comunicados que seremos


transferidos para a cela 5, maior do que a 2. No banho de sol,
vou até um agente e peço a ele com educação para ver se
mandaram meus óculos. É o primeiro funcionário daquele
local a ser cortês no trato comigo. Ele sai para averiguar, volta
depois de um tempo e estende meus óculos. Agradeço a ele
por agora poder enxergar a comida que como e os rostos de
todos. Pra quê me tomaram os óculos é algo que vou ficar
sem saber.

Na área do sol, conversamos e andamos de um lado


para o outro. É essa a nossa atividade física depois de ficar
incontáveis horas sentados na mesma posição. Aproveito e
tomo mais um banho naquele projeto de pátio. De volta para a
cela, recebemos a ordem de juntar nossas coisas e levar para
fora. Somos reagrupados na área do sol e conduzidos para
nossa nova morada.

A cela 5 é mais ampla, mas em compensação agora


estamos em 30 pessoas. É lotada como todas ali. Na primeira
noite, já acontece algo nela que me deixa chateado. No caso,
chateado comigo mesmo.

Um dos últimos a entrar na cela 5 é um cara alto que


diz ser de Fazendinha, uma cidade próxima a Padre
Bernardo, em Goiás. Ele usa óculos e tem um jeito meio
estranho, não fala coisa com coisa. Diz que chegou por ter
pegado um artigo 155, roubo sem arma em uma loja de
shopping. E fica sentado próximo à porta.

Umas 21:00, vejo ele começar a fazer sinais com as


mãos para alguém do lado de fora da cela. Chamo a atenção
do preso ao meu lado:

48
Tô achando estranho aquele cara, parece que tá fazendo
gesto para alguém...

Na mesma hora meu vizinho já se dirige ao


Fazendinha em voz alta:

- Que que você tá fazendo aí, cara?! Tá mandando


sinal para os polícia?!

Como o cara não responde, outros presos já começam


a engrossar o coro fazendo acusações de espionagem.
Fodeu, penso, quem provocou isso daí fui eu. Fazendinha
segue sem dar resposta e as acusações agora já são
ameaças pesadas. Tento pedir calma, mas minhas palavras
parecem gasolina na fogueira. Um dos presos parte para a
agressão e o acusado se defende com um chute. Outros 10
presos se juntam em cima do cara, porrada para todo lado,
tentam até enfiar um pano na boca dele para abafar seus
rugidos.

É a primeira de várias brigas que ainda vou


testemunhar na prisão. Quando acontece dentro da cela, não
tem nem por onde desopilar. A briga começa, acaba e os
brigões permanecem juntos no mesmo cubículo espremidos.
Se os agentes penitenciários descobrem, os envolvidos são
levados para o castigo - uma cela minúscula e sem luz ainda
mais lotada. Ninguém deseja isso. Nem para um desafeto.

Logo os outros habitantes da cela conseguem apartar


a confusão. Alguém pega os óculos do Fazendinha no chão e
lhe entrega. Sem chorar, ele passa o resto da noite em
silêncio e de pé. Ainda que na cela 5 tivesse espaço para
todos dormirem deitados.

No meu quarto dia de DPE/DF sou retirado da cela


logo cedo para fazer a triagem de encaminhamento ao
CDP/DF, o Complexo da Papuda. Os camaradas festejam
dizendo que lá vai ter mais conforto, melhor convívio, cama
49
Consigo dormir uns 30 minutos, até que mais um
elemento é trazido. Agora estamos em 3, sendo que o novo
integrante está bêbado, fedendo e gritando com os policiais.
Ele come toda a comida e bebe todos os refrigerantes que
tem ali. Sem problemas por mim, mas o fedor de chulé com
cachaça e mais os gritos conseguem deixar minha noite ainda
pior. O recém-chegado conta ter brigado com os policiais - e
apanhado deles. Tremendo de frio, ele deita no chão do corró.
e voltamos a tentar dormir. De madrugada, umas 3h00, mais
um preso é trazido. Completamente chapado de ruipinol, ele
deita ao lado do banheiro e apaga ali mesmo. Mais tarde eu
viria a conhecê-lo como Pesão de Santa Maria.

Aquela não é uma noite fácil, muito menos previsível.


Tento me aquecer e dormir fazendo poucos movimentos para
não incomodar o outro preso. Acabo passando a madrugada
acordado, com frio, e ainda abraçado a um estranho. Pensar
que isso tudo é só o começo me aflige, sinto que ainda não
encontrei o pior. A ansiedade nessa hora é mato. E desse
mato eu não posso nem fumar.

Amanhece no dia 17 de junho e, às 7h00, o delegado


vem me buscar. Na porta ele avisa:

- Tem um pessoal aí querendo falar com você.

Quando saio, sou tragado por uma porção de câmeras


de TV e pessoas me fotografando. Eu gelo. Pensei que seria
interrogado e na verdade estou sendo exposto para a
imprensa com requintes de sensacionalismo. É um absurdo
me colocarem nas manchetes como traficante. Tenho alunos,
colegas de profissão e um monte de gente para comprovar
meu trabalho honesto como empresário e professor. Minha
renda vem disso, não vendo drogas. Não é justo ser visto e
julgado pela sociedade como praticante daquilo que eu tanto
luto contra.

35
Esse discurso dura em torno de uma hora. Em
seguida somos encaminhados para outro pátio onde, por
ordem alfabética, recebemos a aplicação de vacina através
de uma grade. Contra sarampo, gripe, caxumba e febre
amarela, segundo informa o agente encarregado do
procedimento. Fico inquieto. Nunca me dei bem com agulhas,
já tive algumas reações alérgicas. Ao chamarem meu nome
não dá nem tempo de argumentar. Encosto na grade e uma
agente de jaleco branco aplica a primeira injeção no meu
braço. Ao mesmo tempo, outro agente de jaleco se aproxima
com a seringa da minha perna. Faço um apelo:

- Na perna não, né?! Espera para ser no braço, pelo


menos!

O agente ri e logo finca sem dó a agulha na minha


perna. Quase desmaio. Mas recupero os sentidos de imediato
devido aos gritos de outro agente, que segurando uma
escopeta me manda virar de costas. Grogue, eu obedeço.
Logo recebo mais duas furadas, uma no braço e outra na
perna. Minha visão esmaece. Me afasto de volta para a fila de
presos desnorteado, sendo guiado pelas patadas verbais do
mesmo agente armado:

- Qual é o seu nome, preso?!

- Sérgio Delvair Costa.

- Seu número é 17, tá entendido?!

- Sim, senhor.

- Então, preso: qual é o seu número?!

- 17, senhor.

- Não, preso! Seu número agora é 16! Tá entendido?!

- Sim, senhor. Meu número é 16.


51
- Vai, preso, senta a bunda aí no chão!

É simbólico esse momento em que deixamos de ter


nossos nomes para virar apenas um número. Eu me junto à
fila dos 16. E, debaixo de um sol escaldante, os 16, os 17 e
os demais números ficamos sentados no chão por mais de
duas horas.

Depois de todos serem vacinados, a ordem é para


que, por ordem numérica, cada grupo passe pela revista. Eu e
os outros números 16 somos conduzidos a um corredor onde
estão 20 agentes penitenciários, um para cada preso. Tiro a
roupa e sou examinado até a última ponta ao mesmo tempo
em que sou obrigado a responder às perguntas das
autoridades. Um dos agentes comenta com outro que eu era
o professor preso "com a lavoura de maconha". O outro dá
risada e se dirige a mim:

- Mas você faz o quê da vida?

- Sou professor de sistemas de segurança eletrônica e


tecnologia da informação no SENAI - respondo.

- E você sabe fazer o quê?

- Instalo sistemas de segurança, câmeras, alarmes,


cercas elétricas, bancos de dados. Tenho capacitação
profissional em T.I. e elétrica.

Em uma nova e rara demonstração de que um agente


de segurança não precisa ser um brucutu, eles se mostram
interessados em meus conhecimentos. Dizem que vão me
procurar para eu ajudar em trabalhos no presídio. Não fosse
pelo momento, o lugar e o motivo pelo qual estou ali, poderia
dizer que essa é uma conversa agradável. Fico até
esperançoso. Se eu puder atravessar minha condenação
ocupando a mente de uma forma produtiva, tanto melhor. Mas

52
logo em frente outro agente rouba minha brisa ao comentar
me encarando:

- Esse velho aí não vai aguentar uma semana aqui


dentro, pode apostar.

Por que não aguentaria? A penitenciária não é o lugar


onde vivem os prisioneiros enquanto cumprem sua pena? Só
eu não vou aguentar ou esses outros presos aqui, mais
magros e fracos do que eu, também não vão? Por que não
saem logo matando a todos, então? É impressionante o tanto
de maldade que na cadeia precisamos escutar por um ouvido
e deixar sair pelo outro. Em especial, a maldade que os
próprios funcionários do Estado botam na roda.

Terminada a revista, somos levados para a


carceragem. Um corredor escuro e sujo onde ficam 10 celas.
Sou pilado para dentro de uma que deve medir uns 3 por 2
metros, e junto comigo entram mais 16 presos. Os agentes
gritam ordens: nenhum preso pode marcar a jega, quem fizer
isso vai para o castigo! A grade da porta batendo ecoa atrás
de nós.

Apertados como sardinhas na lata, os presos logo


iniciam uma discussão sobre quem pega qual jega. Já eu
ainda estou tentando entender que lugar é esse. Me disseram
que seria melhor do que onde eu estava. Se isso é estar na
melhor, porra, o que quer dizer estar mal?

Duas camas e 17 presos em cerca de 6 fétidos metros


quadrados. Onde fico? Onde durmo? Não posso acreditar que
vai ser assim mesmo. Os outros presos percebem meu
tormento e ponderam que essa situação deve ser temporária.
Porém, quanto mais perguntas faço a eles, mais as respostas
convergem para uma só:

- Aqui é a cadeia. Você não está em casa, não,


professor.
53
muito, muito constrangido. E dali sou encaminhado para a
carceragem no mesmo prédio do DPE.

38
essa regra é cheia de exceções. Controlar a comida e o
comércio representa bastante poder naquele contexto entre
muros e grades. Até porque nenhum cidadão comum em
liberdade toparia um dever tão cheio de riscos como o dos
classificados.

A comida chega e um dos presos se adianta:

- Vou lavar a mão para pegar a xepa.

Ele usa a torneira e depois vai à porta da cela, de


onde repassa para cada um as quentinhas entregues pelo
classificado. Neste primeiro dia sou apresentado à famigerada
pedera, prato que vai se repetir 3 vezes por semana durante
minha estadia. Trata-se de uma linguiça de porco refogada
com chuchu, cenoura e arroz, além daquele quase nada de
feijão no fundo da marmita. Junto são entregues para cada
preso 2 sucos de caixinha sabor morango e a cela se torna
nosso refeitório. Três sobem na jega de cima, três se ajeitam
na de baixo, alguns sentam no chão e os que sobram ficam
em pé, mesmo.

Pouco consigo comer, é muito ruim a pedera. Ainda


estou com dificuldades para me adaptar àquelas refeições
naquele local. Surpresa para mim é que os classificados
também trazem para vender saquinhos de tabaco solto,
cigarros e isqueiros. Compro um maço por 20 reais e um
isqueiro por 10. Além de se alimentarem e darem de comer
para seu vício em nicotina, os presos também aproveitam a
hora do almoço para fazer encomendas aos classificados.

Enquanto todos comem, a gritaria é grande. Presos de


celas separadas conversam entre si aos berros, identificando
seus interlocutores apenas pelo som da voz. Tem quem
apenas ponha o papo em dia perguntando sobre a vida,
sentenças e condenações. Mas o que mais tem é gente
vendendo o pouco que tem. Roupas, cigarros e outros

55
produtos que, na maior parte das vezes, foram trazidos pelos
parentes no último dia de visita.

O comércio é intenso entre celas. O dinheiro de quem


compara é apelidado de carro-forte, e vai de mão em mão
até o vendedor. Quem pega deve ter o cuidado de passar
sem mexer e não demorar muito para isso. Não dá para
desconsiderar que muitos ali foram presos por roubar. Já o
frete do produto ocorre por um sistema chamado de carcará.
Nada mais é que um fio com um peso amarrado em uma das
pontas e o produto na outra. O vendedor arremessa o peso à
frente e, quando alguém o pega, puxa o produto pelo fio. Esse
procedimento se repete de mão em mão e de cela em cela
até a encomenda chegar ao freguês. Assim, na responsa,
compara-se e vende-se entre as celas de triagem do CDP/DF

A polícia prende quem comete ilegalidades.

O delegado abre um inquérito e, em casos como o meu,


encaminha o preso para a Polícia Técnica Especializada.

A Polícia Técnica Especializada cadastra o preso no


banco de infratores conforme o delito cometido, além de
realizar exames de urina e corpo de delito. Enquanto isso, o
inquérito é enviado pelo delegado para o Ministério Público,
onde a Promotoria analisa os indícios junto aos resultados
dos exames e decide se abre denúncia.

Quando abre processo, a Promotoria envia para a


Vara Criminal do Tribunal de Justiça do estado. No meu caso
é o TJ-DF, mais especificamente o 3o Tribunal Criminal de
Entorpecentes.

No Tribunal de Justiça, um juiz é nomeado para


examinar o processo e julgar conforme os artigos da lei em
que a denúncia se enquadra. O juiz pede para escutar a
acusação e a defesa. A decisão judicial é levada para a

56
Promotoria, que pode recorrer. Depois a decisão é levada ao
advogado de defesa, que faz suas alegações finais conforme
o que for alinhado com o réu.

Uma vez condenado, o detento sai do CDP e vai para


outras unidades do Complexo da Papuda. Se for regime
fechado, o destino é a Penitenciária do Distrito Federal 1
(PDF 1), conhecida popularmente como Cascavel.

Todos sabemos como a justiça no Brasil pode


demorar. Pelo tempo que tudo isso leva, quem não consegue
sair para responder em liberdade na audiência de custódia
tem que aguardar no mínimo uns 90 dias preso. Em um lugar
como o DPE, onde estive, ou o CDP onde estou.

Enquanto os trâmites judiciais não andam, posso apenas


aguardar e buscar forças dentro de mim para não me
descontrolar nesse meio-tempo. Mais cedo ou mais tarde,
alguém vai perceber a grande injustiça que foi me prender
aqui. Espero que minha passagem seja bem rápida. Até
porque, nesse inferno de condições, os minutos parecem
horas.

Os gritos nas celas cessam somente lá pelas 23:00,


com pequenos intervalos durante as refeições. Sinto fome,
mas tenho dificuldades em comer a gororoba que nos
servem. O suco e o achocolatado em caixinha são meu alívio
alimentar. Um é entupido de açúcar e o outro é feito com soro
de leite, que solta o intestino. Só constato isso depois de
tomar vários e ter um princípio de diarreia.

O desespero é maior à noite. Na hora de dormir,


fazemos o possível para a maioria conseguir deitar,
diminuindo os movimentos noturnos que acordam todo
mundo. Ainda assim, é preciso revezar posições. Uns
dormem enquanto outros ficam de pé acordados. Já na minha
primeira noite de CDP surgem desavenças e elas se repetem

57
e passa para os mais distantes fumarem juntos, daí acende
outro e fuma com quem está ao seu redor. Se os presos
dizem que assim é o certo, então está falado. Eu ainda teria
que aprender um monte para sobreviver ali dentro sem
maiores problemas.

Neste mesmo dia ainda recebo dois pães de cachorro


quente e um copo de café com leite, o desjejum do dia
seguinte. Quando são por volta de 16:30, a janta é servida
em um quase déjà vu do almoço: troca apenas a carne por
galinha cozida. O aroma não é dos melhores. Dá impressão
que as quentinhas foram visitadas por baratas antes de serem
trazidas para nós. Não sinto muito gosto na comida, parecem
ter esquecido de botar tempero. Fora o feijão, que é pouco e
duro. Você deve adaptar seu paladar para conseguir dar
conta de se alimentar com aquilo todos os dias. Tem preso
que come tudo e ainda garfa as sobras de outros
companheiros.

Conforme adentramos a noite, vou me ligando que tenho


ainda um grande problema para enfrentar: a hora de dormir.
Não tenho colchão, não tenho lençóis, não tem espaço.
Definir quem vai dormir e onde é um problema. De 28 presos,
apenas 20 conseguem deitar e no modo valete, encaixando
um no outro de lado. Oito ficam de pé, se mantendo
acordados enquanto os outros tentam dormir. Em
determinada hora da madrugada, com um frio terrível, os que
estão em pé pedem aos deitados para revezar posições. As
discussões são inevitáveis e todos ali mais acordam do que
dormem. Tenho a sorte de estar em um ponto bem perto do
canto, então consigo ficar ali a noite toda, na mesma posição.
O primeiro dia termina sem que eu tenha ido ao banheiro.

Meu segundo dia na cadeia amanhece com os agentes


comunicando que teremos um tempo no sol. Às 9:00 somos
colocados do lado de fora das celas, em uma área aberta com
grades no teto por onde entram meia dúzia de raios solares.
41
na medida em que alguns presos tentam se impor sobre os
demais. Botando banca de que são os mais bandidos do
pedaço, fazendo provocações e ameaças. Dentro de uma
cela superlotada, não existe a menor possibilidade de tratar
algum assunto em particular. Todos se intrometem na
conversa de todos, sempre surge um dono da verdade e
qualquer assunto pode descambar em agressão. A tensão e o
medo pairam no ar que aqui se respira.

59
7. NOTÍCIAS, TRETAS E TRUTAS

Na hora da checagem dos presos, pouco depois de


amanhecer, sou chamado na porta da cela 16. Saio sem
camisa, com o chinelo nas mãos e as mãos para trás. Me
levam até uma sala onde eu ainda não estivera: o corró dos
advogados no CDP. Uma cela pequena com um fedor
insuportável de merda por causa do vaso entupido. Está
lotada de presos e sou colocado para dentro na base do
empurrão. Encontro alguns conhecidos do DPE e nos
cumprimentamos, falamos sobre nossas celas e as condições
que enfrentamos. Ouço alguém me perguntar:

Você é o cara das plantas que saiu na TV?

Respondo que sim, que ensinava a plantar maconha


na internet. Começo a contar minhas histórias e os presos
riem de como falo. O papo que toma forma lembra uma mesa
de bar. Falo das maconhas de cor azul e roxa, das diferenças
de sabor e efeito, das que deixam acordado, das que dão
sono, de como é possível tratar doenças e até aumentar o
tesão com a maconha. As risadas aumentam e vou ficando
mais à vontade. Começo a falar do meu ativismo, de como
comecei a plantar para não precisar mais comparar do tráfico
e de como meu desejo era que mais pessoas pudessem se
livrar também. Nesse momento, percebo uma frente fria
tomando conta dos semblantes. O papo parece já não descer
tão redondo. Alguns narizes se torcem e logo faço uma
mudança estratégica de abordagem, carregando mais na
ideia de que sou bandido do que herói.

As conversas entre presos e advogados acontecem


em 6 micro salas localizadas de frente para o corró. Tínhamos
sido retirados das nossas celas às 7:00 e os advogados só
começam a atender às 9:00. Enquanto não chega nossa vez,
ficamos esperando em pé no corró. A gente e o vaso

60
entupido, o fedor de bosta, preso cuspindo e mijando por
cima, depois bebendo água na torneira logo ao lado. Uma
situação insalubre e degradante.

Quando são por volta de 11:00, me chamam na porta


do corró e informam que meu atendimento será na sala 3.
Outros presos são chamados e também recebem seus
números. Os agentes dão ordens para que todos ali dentro
fiquem em procedimento, que é ficar de costas para a porta
com as mãos para trás e a cabeça baixa. Eles retiram do
corró os convocados da vez e somos levados às micro salas,
onde um vidro separa presos e advogados. A conversa ocorre
através de pequenos buracos nesse vidro, sem qualquer
possibilidade de contato físico.

Aguardo mais uns 10 minutos no cubículo. Eis que


recebo a visita do Dr. Dalton, meu primo advogado. Ele traz
notícias do meu caso e da minha família. Diz que vou ficar ali
por mais um tempo, pois o processo ainda está sendo
construído pela polícia e isso pode levar pelo menos 30 dias.
Dalton pergunta se desejo receber visitas íntimas, e me
informa que isso é permitido somente se eu tiver uma união
estável com alguém registrada em cartório. Se eu quiser, ele
pode providenciar essa questão com a Nayara. Meu primo me
conta também que minha mãe prefere não vir à penitenciária.
Seria muito doloroso para ela me ver ali.

Digo a ele que acho melhor mesmo minha mãe não


vir, mas que se possível gostaria de ver minhas irmãs. Se a
Nayara estiver tranquila em relação a isso, podemos sim
tentar a união civil para ela poder vir me ver com mais
privacidade. Desabafo sobre como ali é ruim, como quero
sair, imploro para que minhas irmãs falem com os advogados
do meu caso e tudo se resolva logo. Antes de partir, Dalton
pergunta se quero um colchão e respondo que sim, será
muito bem-vindo se puderem trazer. Ele passa para os
agentes uma Cobal que minha irmã mandou onde tem 50
61
básicas e com toda a truculência daquele ambiente hostil. Ele
diz ter trazido algumas coisas que me serão entregues pelo
policial. Peço dinheiro e ele me passa uma nota de 50 reais.

Assim que Dalton parte, recebo a Cobal trazida por


ele. Um saco plástico contendo duas cuecas, uma toalha, dois
lençóis, duas blusas de manga longa, uma bermuda, um par
de meias, um sabonete, um sabão em barra, uma escova de
dentes e um tubo de pasta de dentes. Volto para a cela e
todos ficam felizes com a Cobal. O sabão é dividido e os
lençóis vão para quem não tem nem o que vestir. Acabo
mantendo comigo apenas as peças de roupa e ainda quase
fico sem uma cueca. Mas tudo certo.

Chamo a atenção do leitor e da leitora para um fato


curioso envolvendo a proibição do uso da maconha no Brasil
e o nosso sistema penitenciário. O fato de que alguém que é
preso por vender, comparar, fumar ou plantar maconha…
pode seguir vendendo, comparando e fumando maconha
depois de preso. Só o que não pode é plantar.

Eu tinha dado 50 reais para os parceiros arrumarem


uma erva. Com meu dinheiro o Pesão de Santa Maria, aquele
mesmo camarada que eu tinha conhecido na minha primeira
noite na DP, chamou o correria e pediu a ele para ir do outro
lado buscar com um tal de Taguatinga o equivalente em
maconha. Os correrias são presos encarregados de fazer as
correrias legais e ilegais entre as celas, espécie de zeladores
informais entre os detentos. Quando o correria volta, entrega
o pedaço de maconha para o Pesão e ele me apresenta, fico
de cara. A quantidade é algo sem noção. Já pergunto logo:

- Uai, que horas vem o braw? Isso é só para ver o tipo,


né?

- Isso é cadeia, THC. Se quiser fumar é isso aí - diz o


Pesão.

44
tantos nomes são jogados na lama. Acontece com frequência
de um preso ser responsabilizado por algo que falou para
alguém sem saber que estava sendo escutado por outros
alguéns. Daí tem que assinar recibo da acusação que recebe,
na maioria das vezes pagando com sofrimento.

Como se não bastasse o processo que cada um


enfrenta na justiça, ali dentro corre em sigilo um julgamento
moral sobre cada um. E o veredicto pode ser revelado a
qualquer hora.

Com o dinheiro que Dalton me deu compro um maço


de cigarros, um isqueiro, um lençol usado e já fico duro de
novo. A ideia com o lençol era me cobrir ou forrar o meu canto
na hora de dormir. Mas, depois de escutar a dica de um
companheiro, decido lhe dar um uso distinto.

Os presos usam a imaginação para as gambiarras


mais criativas. Quando falta isqueiro na cela, por exemplo,
uma solução muito utilizada é fazer uma trança com tiras de
papel higiênico e tacar fogo nela. Como a cordinha queima
devagar, a brasa fica à disposição de quem quiser acender
cigarros e pacaias - que é como os cigarros de enrolar são
conhecidos ali dentro. A fumaça naquele ambiente lotado
dificulta a respiração, mas quem na cadeia está preocupado
com a saúde do ser humano?

Essa técnica de criar cordas trançadas é chamada de


teresa. E é ela que aplico para dar outro destino ao meu novo
lençol. Rasgamos tiras do tecido e fazemos duas teresas. O
preso que deu a letra me ajuda no projeto. Com as teresas
amarramos o pedaço que sobra do lençol de um lado da cela
até as grades da porta. O resultado é uma rede perfeita. Deito
nela e é como uma folha se fechando comigo dentro. Além de
me proteger do frio, dá uma certa privacidade. O único
inconveniente é que a administração penitenciária não
permite essa modalidade artesanal de leito. Então é preciso

63
desfazer a rede sempre que os agentes entram no corredor.
Ainda assim, é um alívio não ter mais que dormir agachado
disputando lugar. Minha rede, meu sossego.

A iniciativa tem aprovação na cela. Não dá para


comparar o aperto da praia com o conforto da rede. Já na
noite seguinte, um preso chamado Formiga decide fazer uma
também. De forma precária, ele amarra suas teresas entre a
grade da cela e a quina de jega, deitando um pouco mais alto
que eu. Então outro preso, um tal de Ceilandinha, resolve
pendurar sua rede. A cela ganha mais um andar superior,
acima do meu. Todos se afastam para o Ceilandinha testar a
rede, e ela não rasga. Com a operação encerrada, a
tendência agora é termos menos turbulências de madrugada.
Três presos em redes significa o fim do revezamento para
dormir. Boa noite e até amanhã.

Na primeira noite dormindo em minha rede sou


despertado por volta da meia-noite com um soco fortíssimo no
queixo. Meus dentes estalam ao se baterem. Ouço gritos de
dor e eu mesmo também grito de dor. Quando recobro a
consciência, vejo que a rede do Formiga cedeu ao peso do
ocupante. Quem estava nela era o Arlindo, que tinha trocado
de lugar com o Formiga para dormir. O tiozinho desceu de
cabeça no meu queixo, caindo na sequência em cima dos que
dormiam no chão. Por conta disso, Arlindo sofre uma leve
contusão. Já eu tenho um dente quebrado e a dor no maxilar
permanece por longos dias.

A cela toda acorda e, com o barulho, outras celas


acordam também:

- Olha o sono do ladrão aeeee! Olha o sono do ladrão


aeeee!

Os gritos dos outros presos servem como cobrança


para que se faça silêncio na madrugada. No escuro, usando

64
apenas o reflexo da uma lâmpada que fica acesa no corredor,
montamos a rede do Formiga novamente e voltamos a dormir.

Lá pelas 3:00, acordo com um grande peso caindo em


cima de mim. É o Ceilandinha, o outro morador dos andares
superiores, desabando sobre a minha rede. Sinto minha
perna ralar na parede e dou um grito:

- Porra!

Ceilandinha se levanta rapidamente já pedindo


desculpas. E, sem pestanejar, começa a rearrumar a rede na
madrugada para voltar a subir. Não sem fazer barulho,
acordar pessoas e ouvir reclamações:

- Olha o sono do ladrão aeeee! Olha o sono do ladrão


aeeee!

Mal consigo retomar o sono, sinto novamente um


monte de carne desabar sobre mim. E pior: sinto meu joelho
esfregar a parede no mesmo lugar. Não pode ser uma coisa
dessas. Em silêncio, na rede, vou às lágrimas. Quando os
primeiros raios de sol iluminam o xadrez, Ceilandinha ainda
está arrumando sua maldita rede imprestável. E eu amanheço
com um dente quebrado, dor no maxilar, o peito doído e um
joelho duplamente esfolado.

Arlindo, que quebrou meu dente, era um senhor sábio


e engraçado. Tinha 62 anos e adorava gastar seu dinheiro de
trapaças cheirando cocaína com prostitutas em hotéis. Mais
do que a cabeçada que me deu sem querer, Arlindo era
especialista em outro tipo de golpe. O famoso artigo 171.

Ao chegar em determinada cidade escolhida a dedo,


Arlindo procurava uma lotérica e conferia os resultados da
véspera. Em especial, os resultados da quadra e quina. Ele
então preenchia um bilhete do dia com os números premiados

65
Antes que ele anuncie o valor, meus advogados solicitam que
a fiança seja retirada, pois não tenho condições de pagar.
Todos se voltam para mim e eu, atordoado com todo aquele
bate-rebate de argumentos jurídicos, respondo balançando a
cabeça em sinal afirmativo. Sim, não tenho condições de
pagar.

Só depois é que me dou conta. Balançar a cabeça


naquele momento significa eliminar minha chance de
responder ao processo fora da prisão sem nem saber o valor
da finança. Significa concordar em ser transferido para o
Complexo Penitenciário da Papuda.

O juiz bate o martelo e me conduzem algemado para


fora dali. Enquanto sou escoltado, os advogados me lançam à
meia distância um olhar de frustração e incentivo, como se
dissessem "não deu certo agora, mas ainda vai dar - tenha
força!".

De volta ao DPE, de volta à cela 2. Não esperava


regressar a esse lugar. Na chegada, meus companheiros até
tentam me reerguer:

Uai! Não saiu, THC?! Olha, fica grilado não. O convívio lá é


melhor, vai ser melhor que aqui.

Não consigo imaginar qualquer lado bom no que me


espera. Fico pensando no meu futuro próximo, em como será
duro passar mais tempo sofrendo opressão de todos os lados.
A começar por essa noite, que já vai tarde. Dormir naquela
cela é um pesadelo.

Acordo após mais uma noite desconfortável.


Desentendimentos a respeito de quem dormir como e quando
levaram alguns dos insatisfeitos a passar a noite
conversando. Mesmo falando baixo, não tem como não
escutar com uma densidade demográfica de 2 homens por

47
contou como se deu sua prisão e também como ele estava
indignado por isso. Disse ter 21 anos e uma filha com uma ex-
mulher. Fora preso no artigo 155 do código penal, um roubo a
farmácia que deu errado. Na noite anterior à sua prisão, ele
estava em casa e não conseguia dormir por conta de um gato
miando no telhado. Por causa do miado, o cara pegou um
pedaço de madeira, subiu no telhado e desferiu 6 pancadas
no animal. Com o olhar vidrado, sem demonstrar um pingo de
remorso, ele me revelou sua crueldade:

- Só não dei 7 no bicho porque queria ver se ele tinha


mesmo 7 vidas.

Como já disse, amo gatos. Na hora me veio uma


loucura na mente. Uma vontade de assassinar o assassino da
mesma forma, a pauladas. Mas, além de sangue ruim, ele era
grande. Me contive e disse:

- Uai, então é capaz de você pegar uns 7 anos de


cadeia por isso, né?

O cara surtou. Ficou indignado, disse que eu estava


desejando azar a ele. Vai dar merda, pensei, preciso arrumar
isso. Na minha inocência de cadeia, não me atentei à
conotação temerária que o meu comentário poderia ganhar
no ouvido de outro preso.

Após alguns segundos, ele passou da fúria ao choro.


Disse que eu não sabia nada da vida dele e nesse momento
comecei a achar que podia ficar bem ruim para o meu lado,
com outros presos se juntando contra mim. Então sentei ao
lado dele e passei um pano. Consolei o preso dizendo que
estava arrependido de ter falado aquilo, que fora por
brincadeira. Na verdade não fora, não, mas me peguei
dizendo que logo ele iria embora. Que sua pena seria
pequena. Ele nem ia ficar muito ali, não.
67
Em alguns minutos, o fato se dissipou em outros
assuntos. Fumamos um cigarro e a desavença foi esquecida.

Um ambiente superlotado de homens onde todos


perderam sua liberdade. Essas condições fazem com que
uma cela seja sempre cheia de riscos. Como é minha primeira
vez - e última, espero -, os presos me dão toques a respeito
da conduta e etiqueta da cadeia. Como manter a postura
verbal sabendo o que pode ou não ser dito, como a polícia
age e como o preso é inimigo dos agentes.

Certa vez, durante uma dessas conversas na cela, um


agente apareceu irritadíssimo e, gritando, ordenou o fim da
gritaria. Reclamou também da sujeira nos corredores. Na
minha ignorância cadeeira, concordei com o agente. Só
cometi o equívoco de colocar isso em palavras. No meio da
cadeia, falei que um homem da lei estava certo. Comentei
com o colega ao lado que o corredor estava muito sujo
mesmo e que, se nós queríamos ser melhor tratados,
deveríamos cumprir as ordens dos agentes.

Pra quê eu disse isso? Na mesma hora surgiram


protestos dentro da cela contra minha fala. O assunto
viralizou pelo corredor e, de outras celas, comecei a ouvir
indiretas ameaçadoras:

- Preso não pode defender agente, não! Preso que


defende agente vai ser cobrado no pátio!

O volume do falatório subiu, configurando um princípio


de tumulto devido ao que eu dissera. No meu modo de ver,
estava apenas conversando, sem nenhuma intenção de ser o
certo e nem o centro do assunto. Mas palavra na cadeia não
tem volta. Tudo que se fala pode virar um B.O. contra você.
Para minha sorte, antes que eu pudesse tentar me desculpar,
um dos presos desarmou a bomba gritando:

68
- Esse aí é preso novo, não sabe da cadeia! Não tem
malícia!

Emendei dizendo:

- Realmente, parceiro, eu não falei nada para defender


agente. Só não quero sofrer nenhum dano deles.

Alguns se calaram, outros seguiram cobrando. Eu não


sabia ainda de como a relação entre agentes e presos era
uma guerra declarada. E burra, porque ser um pouco mais
cooperativo com os agentes pode trazer menos tormento para
os presos.

Felizmente, a maioria dos protestantes das outras


celas não sabia quem eu era. Ainda passei uns longos
minutos ouvindo ecos de reclamações sobre mim. Procurei
ficar quieto, esperando a fumaça baixar fechado no meu
quadrado. Eu e minha boca.

Na cela 16 tinha também o Playboy. Simpático,


educado e de boa aparência, Playboy tinha 24 anos e estava
ali por uma tentativa de roubo frustrada, artigo 155. Era um
cara casado, mas separado da esposa por usar drogas e
pelas amizades que não o deixavam quieto em casa.

Playboy foi o primeiro da cadeia com quem consegui


ter conversas mais inspiradoras. Trocava ideia com ele
falando verdades, mas de uma forma compreensível.
Tentando mudar sua expectativa de uma vida sem futuro para
focar na construção de algo melhor. Procurava ser amigo,
dando a ele o apoio que gostaria que me dessem também.

Porém, querer defender a honestidade e uma


perspectiva positiva em um lugar como aquele pode também
trazer problemas. Ali dentro o errado muitas vezes é o certo e
o que acreditamos como correto é o contrário do que as
69
para dormir e visitas. Fico até feliz em sair dali. Meus
primeiros dias de condenação foram muito tristes. Agora
tenho a expectativa de ir para uma instituição que vai me
tratar com mais dignidade. Será mais espaçosa, pelo menos,
devo ter um mínimo de privacidade. Talvez lá os agentes nos
tratem com um pouco mais de respeito também. Quem sabe
a gente possa aprender algo por lá além de truculência,
injustiças e degeneração. Adeus, DPE/DF.

Somos algemados aos pares e colocados no bonde.


Dentro tem dois corredores separados por uma parede de
chapa. Sete presos ficam de um lado e 7 do outro, o que já
deixaria o veículo abarrotado. Mas, dando um jeitinho, os
policiais fazem caber 16 elementos na van. E ela parte rumo
ao CDP numa velocidade de rali, me jogando contra as
paredes do veículo. A viagem dura 30 minutos e inclui escolta
terrestre, sirenes e helicóptero como batedores. O caminho
até a penitenciária passa por dentro de Brasília. As avenidas
da capital param para ver o bonde da Papuda passar.

Quatro viaturas trazendo cerca de 80 presos encostam


no Complexo da Papuda. Delas somos retirados por ordem
de chegada e a primeira pergunta que precisamos responder
é quem tem mais de 40 anos. Sou um dos que levanta a mão
para se identificar.

Agora estamos em um pátio, sentados no chão em


filas. Há um grande número de agentes penitenciários. Seus
porta-vozes falam sobre as normas e procedimentos dentro
do Centro de Detenção Provisória (CDP), unidade do
Complexo da Papuda onde os presos aguardam seus
julgamentos em regime fechado:

Aqui não é Rio de Janeiro. Aqui não é São Paulo. Aqui é


Brasília e não tem Comando, não! Quem dá as ordens aqui
somos nós!

50
cadeia. Isso para já ficar de prontidão caso fosse alguém de
uma região inimiga à dele.

Lembra do Pesão, que eu conheci ainda na


delegacia? O Pesão estava ali por ter sido acusado de
praticar um 121 em sua região, homicídio. Segundo contou
até com certo orgulho, foi uma rixa com alguém do bairro
onde morava. Um dia o Pesão encostou o carro na calçada
do sujeito, chamou ele para perto e lhe deu um tiro no rosto.

Sujeirinha fez amizade com Pesão. E começaram a


querer dominar as coisas na cela. Os dois agiam de forma
descontrolada e sempre se julgando certos. Dando voz de
comando, gritando com os companheiros, fazendo comércio
entre celas, pegando roupas "emprestadas", pedindo dinheiro,
filando cigarros. Às vezes eles se desentendiam entre si, mas
na maior parte do tempo estavam de acordo. Passavam os
dias gerando grito, ameaça e briga.

Certa feita os classificados vieram entregar o


achocolatado de caixinha e, por engano, vieram 8 todinhos a
mais. Sujeirinha e Pesão se acharam no direito de pegar tudo
para eles, sem divisão. Do meu canto, falei que achava aquilo
errado. Cada um ficar com 2 e cada um deles dois ficar com
6? Não estava certo.

Assim que falei o Sujeirinha já saiu me intimando,


perguntando aos gritos o que eu tinha a ver com aquilo. Não
aliviei também:

- Você tá agindo igual a xerife, Sujeirinha. Você e o


Pesão.

Aí o tempo fechou mesmo para o meu lado. Na


cadeia, xerife é quem manda em tudo e quer impor normas
na cela em favor de si próprio. Exatamente o que o Sujeirinha
e o Pesão vinham fazendo. Era como se eu estivesse
71
chamando um ladrão de desonesto. Só que xerife na cadeia
não é bem-vindo.

Os dois se uniram nos xingamentos e ameaças


direcionadas a mim, gritando que ali não tinha xerife e que
iam resolver aquilo naquela hora mesmo. Falaram que iam
me quebrar na porrada. Pesão disse que a partir dali me
desconsiderava e que ia me bater, mesmo a gente sendo
amigos desde o meu primeiro dia na prisão.

- Demorou! - respondi.

Até então eu não sabia que demorou é outra palavra


proibida na cadeia. Soa como uma provocação final, a partir
da qual se parte para as vias de fato. Os dois pularam da jega
para praia, no meio da muvuca, e vieram para cima. Queriam
me agredir de qualquer jeito.

Para minha sorte, os outros presos da cela contiveram


a dupla e desarmaram a treta. Ceilandinha pediu a palavra e
falou que eu era inexperiente. Me encarando, disse que eu
não deveria mais fazer aquilo, de chamar outros presos de
xerife. Pesão e Sujeirinha acabaram abrindo mão da briga.
Mas passaram ainda um bom tempo me amaldiçoando, cada
um com seus todinhos.

Minha saúde acusa o golpe dessa nova vida. Além do


estresse sem fim, começo a me sentir doente de verdade.
Febre, tosse, dores nos braços e na coxa onde tomei as
injeções. Talvez seja reação às vacinas. Lembro que estou há
6 dias na triagem do CDP e ainda não tomei banho de sol.
Por outro lado, recebo uma nova visita dos advogados.

Dessa vez o atendimento é vespertino. Ao meio-dia


me levam da cela. O corró está especialmente intragável
nesse dia. Um preso com colostomia precisou lavar sua bolsa
ali dentro e o cheiro de merda empestou o recinto. Já a
72
superlotação é a mesma de sempre. Essas jornadas para
ouvir notícias desalentadoras trazidas de fora me perturbam.

Quem entra na salinha é Dalton. Ele me conta que os


advogados desistiram do caso e que a família já está
buscando novos defensores. Ouvir isso é irritante. Digo a meu
primo que o poder de decisão sobre meu processo deve ser
todo das minhas irmãs, não quero que ninguém além delas
fique dando palpites sobre o que fazer a seguir. O clima
naquela conversa não está dos melhores.

Dalton revela então que minha filha mandou uma carta


da Europa. Até que enfim, uma boa notícia! Tenho uma filha
que vive na Holanda, mas há pelo menos 15 anos a gente
não se falava. Seu nome é Camilla. E eu a amo muito.

Meu primo lê a carta e eu desabo no choro. Ela traz


palavras de carinho e apoio, tudo que mais sinto falta.
Sempre vivi em ambientes com muito amor e compreensão, e
isso na cadeia não tem. Só a família pode dar. Minha filha
gosta de mim, sente saudades, tem vontade de me ver.
Camilla me transmite solidariedade e diz que posso contar
com ela. Dalton acrescenta que até os pais dela, Carmem e
Renê, mandaram dizer que estão comovidos com essa
situação injusta. Querem ser informados sobre meu caso e
estão dispostos a ajudar - posso contar com eles.

Às vezes os males que vêm abrem janelas para o


bem. Fico muito emocionado em saber dessas novidades.
Peço para Dalton enviar um abraço em meu nome para todos
e dizer a Camilla que vou encontrá-la assim que puder. Meu
primo conta também que a reportagem da TV sobre minha
prisão repercutiu. E que como resposta está havendo uma
mobilização nacional em minha defesa, com muita gente se
pronunciando em público a favor da minha soltura.

Tirando o fato de que no momento estou sem


advogado, essas notícias todas me dão alguma esperança.
73
logo em frente outro agente rouba minha brisa ao comentar
me encarando:

- Esse velho aí não vai aguentar uma semana aqui


dentro, pode apostar.

Por que não aguentaria? A penitenciária não é o lugar


onde vivem os prisioneiros enquanto cumprem sua pena? Só
eu não vou aguentar ou esses outros presos aqui, mais
magros e fracos do que eu, também não vão? Por que não
saem logo matando a todos, então? É impressionante o tanto
de maldade que na cadeia precisamos escutar por um ouvido
e deixar sair pelo outro. Em especial, a maldade que os
próprios funcionários do Estado botam na roda.

Terminada a revista, somos levados para a


carceragem. Um corredor escuro e sujo onde ficam 10 celas.
Sou pilado para dentro de uma que deve medir uns 3 por 2
metros, e junto comigo entram mais 16 presos. Os agentes
gritam ordens: nenhum preso pode marcar a jega, quem fizer
isso vai para o castigo! A grade da porta batendo ecoa atrás
de nós.

Apertados como sardinhas na lata, os presos logo


iniciam uma discussão sobre quem pega qual jega. Já eu
ainda estou tentando entender que lugar é esse. Me disseram
que seria melhor do que onde eu estava. Se isso é estar na
melhor, porra, o que quer dizer estar mal?

Duas camas e 17 presos em cerca de 6 fétidos metros


quadrados. Onde fico? Onde durmo? Não posso acreditar que
vai ser assim mesmo. Os outros presos percebem meu
tormento e ponderam que essa situação deve ser temporária.
Porém, quanto mais perguntas faço a eles, mais as respostas
convergem para uma só:

- Aqui é a cadeia. Você não está em casa, não,


professor.
53
- Fale o mínimo possível aqui dentro e de jeito nenhum
os outros presos podem saber que a gente se conhece!

É ele mesmo quem me leva de volta à cela, onde entro


e já saio contando as novidades para os outros presos. Estou
empolgado com tudo que Dalton me trouxe. Só não conto a
meus colegas sobre a nova amizade que acabei de fazer, é
lógico.

Estamos no nono dia desde que cheguei na triagem


do CDP/DF e sou retirado da cela logo cedo. Mais uma visita
de advogado. Na última vez que encontrei meu primo Dalton,
pedi a ele para não vir com tanta frequência. Aqueles
períodos passados no corró são muito desgastantes.

Mas quem vem ao meu encontro são a Dra. Ludmila e


a Dra. Katia, que se apresentam como minhas novas
advogadas. Foram contratadas pelas minhas irmãs e estão
assessoradas pelos doutores Fernando e Emílio, advogados
do Growroom - grupo brasileiro que atua em defesa dos
direitos dos usuários de maconha. Elas fazem algumas
perguntas a respeito do caso, pedem para eu assinar uma
procuração e me dão 50 reais.

Minhas novas defensoras são mulheres jovens,


simpáticas e bonitas. O perfume delas atravessa a vidraça e
não posso evitar o que isso me desperta. Por uma fração de
segundo, desejo as doutoras. Sinto falta de contato e carinho
humano, de ter a companhia de uma mulher. Esse lugar está
me tornando mais bicho do que homem.

Quando retorno ao corró não é que ele está cheio: tem


preso saindo pelo ladrão. Sou obrigado a esperar de pé até
poder voltar à cela 16. Porém, do meio da muvuca escuto
soar uma sirene. Chamada pelos presos de cachorra, ela só
toca quando algum tumulto acontece na prisão.

75
Vemos os agentes correndo tensos pelos corredores,
trancando todas as portas, gritando. A confusão fica ainda
maior quando chega a turma da DPOE - aquele grupo de elite
que atua nos presídios do Distrito Federal, o mesmo que me
transportou do DPE para a Papuda. Na correria, eles se
chocam uns com os outros. Para os presos, isso é hilário.
Mas quando uma agente da DPOE flagra um preso rindo no
corró, ela se aproxima da porta e grita:

Senta a bunda no chão, seu cu sujo! Procedimento! Vai, todo


mundo da cela!

Antes que todos possam ficar em procedimento, a


agente reforça sua ordem dando um tiro com espingarda
calibre 12 para dentro da cela. Me abaixo no reflexo como se
fosse o alvo do disparo. A bala era de borracha, mas quase
me cago de verdade. Com mais gritos, ela deixa bem claro
quem manda ali:

- Cambada de vagabundo! Se olhar para cá, vai levar


gás!

Tinha que ter um espertalhão para, com o rabo de


olho, desafiar a ordem da mulher. A agente nem hesita: tira
uma garrafinha do seu cinto de Batgirl e despeja gás de
pimenta no corró. Meu Deus, é o fim do mundo. Tento
respirar e não consigo. Abro a boca para puxar ar e começo a
babar de forma descontrolada. Agacho me contorcendo
naquele chão imundo, cheio de cuspe e baba dos outros
presos - até vômito tem ali. O gás permanece no ar por pelo
menos uns 15 minutos. Enquanto todos no corró passam mal,
os agentes passam mandando calar a boca e gritando ordens
de procedimento.

A intervenção fora causada por uma briga entre


presos na triagem. Assim que os agentes restauram a ordem,
sou levado com mais 3 presos de volta para as celas. O
pessoal da DPOE ainda não saiu do prédio e, na entrada do
76
corredor, tem um deles posicionado. E outro mais à frente. E
mais outro adiante. Sou o segundo na fila dos presos e posso
ler nos olhos do policial a sua intenção. Quando meu colega
da frente adentra o corredor, toma uma bofetada do DPOE na
nuca.

- Tô fodido. Agora vou apanhar. - Penso.

Chega a minha vez e recebo o mesmo prato predileto


da casa: tapão na nuca. Com ele eu tropico, mas não caio.
Tento apressar o passo para atravessar logo aquilo. O preso
na minha frente alcança sua cela, só que no caminho entre a
dele e a minha tem mais um agente. Sei bem o que vai
acontecer e você que me lê agora já sabe também. Sigo em
frente, ultrapasso o agente e tomo outro tapa na cabeça. Fico
tonto, ando mais um pouco e paro na porta da minha cela. O
agente vem e dá um tapa no meu peito que me joga contra a
parede oposta. Meus óculos caem e eu saio catando cavaco.
Assim que encontro os óculos, o agente me enfia para dentro
da cela.

Meus colegas assistiram a tudo e estão todos calados.


O gás ainda ronda o ar da cela, respirar é difícil. De pé, olho
um por um e a maioria abaixa a cabeça. Em solidariedade,
alguns comentam que são todos uns porcos. Já o Sujeirinha
faz chacota:

- Hahaha, tomou um tapão e saiu voando!

O que eu fiz para levar tapas de um funcionário


público? Qual o motivo de ser agredido por policiais de vinte e
poucos anos, que teriam idade para ser meus filhos? O
objetivo de jogarem gente na cadeia não é a ressocialização?
Alguém acha que um ser humano vai sair melhor do que
entrou depois de cumprir pena sob um regime de violência e
humilhação?

77
produtos que, na maior parte das vezes, foram trazidos pelos
parentes no último dia de visita.

O comércio é intenso entre celas. O dinheiro de quem


compara é apelidado de carro-forte, e vai de mão em mão
até o vendedor. Quem pega deve ter o cuidado de passar
sem mexer e não demorar muito para isso. Não dá para
desconsiderar que muitos ali foram presos por roubar. Já o
frete do produto ocorre por um sistema chamado de carcará.
Nada mais é que um fio com um peso amarrado em uma das
pontas e o produto na outra. O vendedor arremessa o peso à
frente e, quando alguém o pega, puxa o produto pelo fio. Esse
procedimento se repete de mão em mão e de cela em cela
até a encomenda chegar ao freguês. Assim, na responsa,
compara-se e vende-se entre as celas de triagem do CDP/DF

A polícia prende quem comete ilegalidades.

O delegado abre um inquérito e, em casos como o meu,


encaminha o preso para a Polícia Técnica Especializada.

A Polícia Técnica Especializada cadastra o preso no


banco de infratores conforme o delito cometido, além de
realizar exames de urina e corpo de delito. Enquanto isso, o
inquérito é enviado pelo delegado para o Ministério Público,
onde a Promotoria analisa os indícios junto aos resultados
dos exames e decide se abre denúncia.

Quando abre processo, a Promotoria envia para a


Vara Criminal do Tribunal de Justiça do estado. No meu caso
é o TJ-DF, mais especificamente o 3o Tribunal Criminal de
Entorpecentes.

No Tribunal de Justiça, um juiz é nomeado para


examinar o processo e julgar conforme os artigos da lei em
que a denúncia se enquadra. O juiz pede para escutar a
acusação e a defesa. A decisão judicial é levada para a

56

8. CELA NOVA, VIDA NOVA

A ala A do bloco 1 do CDP/DF tem 4 corredores com 7


celas em cada e é conhecida por ser a ala dos coroas.
Enquanto me escolta, o agente diz que vou ficar em uma cela
mais vazia e também que aquela ala é mais tranquila. Ele
repete o conselho que me dera quando nos conhecemos: fale
pouco.

Com minhas coisas emboladas em uma trouxa feita


com a rede, sou levado para a cela 12. Tiro os chinelos, peço
licença e cumprimento os companheiros da minha próxima
morada. Ali estão o Josias, o Jason, o Passarinho, o Gringo e
o Baiano. São 5 presos além de mim e vejo que tem 6 camas.
Se uma está vazia, só pode ser para mim, penso. Após o
agente fechar a tranca e partir, todos ficam mais tranquilos e
começam a me fazer perguntas. Assim sou incluído no
convívio da cela 12. Nesse momento, meu sentimento é o
melhor possível. Finalmente, um pouco de espaço.

Já na noite em que chego o Jason me oferece um


colchão por 30 reais. Para ser mais exato, duas metades de
colchão sem forro costuradas no meio com fios de plástico.
Digo que não tenho interesse, pois não tenho dinheiro. Ele
insiste que pode esperar até o dia da visita para receber. Eu
nem sei se vou ter visita, mas aceito a oferta para ela não
virar um problema. Enquanto essa negociação acontece,
percebo que o Josias está de cara feia, achando ruim aquilo
tudo.

Depois de uma hora ali dentro, um classificado


aparece do lado de fora da cela trazendo um colchão de
verdade, com forro e uns 15 centímetros de grossura. Tenho
certeza que é para mim. Com dificuldade, passamos o

79
colchão pelo buraco da grade. O classificado então conta que
o colchão pertencia a um preso que fora pego com 13 mil
reais e 50 gramas de maconha escondidos. Ao ouvir isso o
Josias fica doido querendo abrir o colchão, e pergunta ao
classificado quem é o dono agora:

- O agente mandou para um tal de Sérgio aí, que


entrou agora - é a resposta.

- Sou eu! É para mim! - já logo me manifesto e


emendo - Depois nós vemos isso de ver se tem algo mas
vamos apalpar ele aqui e ver se tem algo.

Apalpamos o colchão de ponta a ponta e não


encontramos nada. Josias se dá por satisfeito. Devolvo então
o colchão do Jason, que não gosta nada disso. O cara parece
ser problema. Mesmo assim devolvo e subo para a jega
vazia, a do terceiro andar. Nunca pensei que um dia me
importaria tanto com isso, mas nem acredito que hoje vou
dormir deitado em uma cama com colchão. Estou feliz demais
nesse momento.

Organizo minhas coisas na jega e tomo um banho. O


banheiro na cela 12 tem uma cortina feita com lençol que dá
um pouco de privacidade para quem usa o boi. Poder "entrar
e fechar a porta" para defecar não tem preço. Até se
masturbar é possível ali.

Depois de trocar de roupa, desço para a praia e fico


conversando com os outros presos. Às 21h30, os agentes
passam na galeria chamando os presos que receberam
alvará de soltura e, portanto, agora serão colocados em
liberdade. Todos só dormem depois que passa o alvará. Nos
despedimos dando boa noite e ouço alguns dizerem "bem-
vindo".

80
Deito a cabeça. Sinto falta da minha casa, da minha
vida de cultivador, sinto falta de fumar um baseado. O que
mais me tortura é a falta dos meus gatos, pensar na situação
deles me deixa mal. Mas agradeço a Deus pela minha nova
condição. Com esses pensamentos, acabo adormecendo.

Quando cheguei, a cela 12 tinha cinco habitantes além


de mim. Apresento meus companheiros:

Josias foi preso no artigo 155, crime de furto. Tentou


roubar um tênis do pé do dono, que reagiu. Na hora da briga
passou uma viatura de polícia e levou o Josias preso em
flagrante. Ele diz ser na verdade traficante em uma área do P
Sul, bairro da região de Ceilândia, no Distrito Federal.

Entre idas, vindas, entradas e saídas, Jason está para


completar 18 anos de cadeia, mais preso do que solto.
Originalmente motorista de caminhão, foi enquadrado nos
artigos 157 e 180, assalto a mão armada e receptação de
mercadoria roubada. Tem muita sabedoria de bandidagem,
mas nenhuma sociabilidade. É a definição do xerife, aquele
que quer mandar dentro da cela sendo a voz única da razão.

Passarinho é um cara humilde, tem 38 anos e uma


personalidade bem infantil, quase inocente. É viciado em
crack e foi preso após assaltar duas mulheres em um ponto
de ônibus, com direito a perseguição da polícia até a captura.
Ele diz trabalhar como vigia e lavador de carros no plano
piloto de Brasília. Na cela 12, sofre muita opressão do Josias
e do Jason. Desde minha chegada noto sua submissão aos
dois.

O Baiano tem uns 40 anos e também é usuário de


crack. Já teve casa e trabalho, mas vive nas ruas de Brasília.
Por causa do crack, virou ladrão. Foi pego com pneus de um
caminhão que tinha roubado. É um cara forte, calmo e muito

81
na medida em que alguns presos tentam se impor sobre os
demais. Botando banca de que são os mais bandidos do
pedaço, fazendo provocações e ameaças. Dentro de uma
cela superlotada, não existe a menor possibilidade de tratar
algum assunto em particular. Todos se intrometem na
conversa de todos, sempre surge um dono da verdade e
qualquer assunto pode descambar em agressão. A tensão e o
medo pairam no ar que aqui se respira.

59
palavras positivas e dividir o que eu tiver de bom com quem
faz por merecer. Isso certamente exclui o Josias e o Jason.
Com eles procuro manter apenas a educação e também
passo a agir com alguma submissão. Não quero encrenca
para o meu lado.

As celas da ala A têm perfis distintos. A 11 e a 12 são


para presos "normais", como eu. Nas de número 8, 9 e 10
ficam os classificados, que entre outras regalias têm TV na
cela. Na 13 ficam presos com diabetes e, na 14, presos trans
e homossexuais. Os corredores não são limpos, mas ainda
assim têm menos sujeira que na ala da triagem onde eu
estava. A entrega de alimento é mais organizada e agora vou
poder receber visitas das pessoas que amo. A vida na cadeia
está melhor do que era antes.

Na cela e ala novas eu converso bastante. Falo sobre


o que faço, quem sou, tento dar conselhos. A maioria dos
presos é gente jovem e pouco estudada que, provavelmente,
passará a maior parte da vida na cadeia. Acabam ficando
sem acesso a informações e se mostram interessados em
adquirir conhecimento. Até porque a variedade de assuntos
ali dentro é escassa. Mas sempre tem os que gostam e os
que não gostam do que ouvem.

Durante meus dias na prisão, muito do que eu falava


era interpretado de uma forma diferente do que eu queria
passar. Achavam que eu estava de conversa fiada, contando
vantagem. E, quando eu embasava minhas falas com
conceitos e dados que estudei na vida, a falta de argumentos
para debater deixava muitos com raiva. Daí surgiam brigas.
Era mais recomendável mesmo me manter calado. Assim
como me aconselhou o agente aliado da minha família e
como eu via o Baiano fazendo na sua conduta.

83
Passados dois dias desde que cheguei, a cela 12 da
ala A ganha novos ocupantes. Primeiro vem o Luiz. Em
seguida vêm Quelete e o Ceilandinha, que eu já conhecia da
triagem na cela 2 do DPE.

Luiz tem uma boa postura diante dos outros presos e


uma aparência mais arrumada do que a maioria. É um
paraibano dono de uma empresa de gesso em Brasília e
preso no artigo 122. Pelo que contou, matou alguém de forma
acidental em seu estado de origem. Apavorado, veio embora
para a capital federal, onde passou a trabalhar e fazer sua
vida de forma clandestina. Não usava o CPF, não punha nada
em seu nome e nem carteira de motorista tinha. Viveu 18
anos assim, até ser pego em uma emboscada da polícia.
Com certeza, entregue por alguma denúncia anônima.

Quelete é um humilde morador de rua de Brasília, que


foi pego em flagrante ao tentar roubar uma agência do Banco
do Brasil na Asa Norte. Ainda estava sob efeito da pedra
fumada quando foi levado para a prisão. O cara tem muita
história, pouco estudo e nenhum dente. Como não tem quem
o visite, usa a criatividade em trabalhos manuais para ganhar
alguma graninha. Faz carteiras, capas de bíblia e porta-
retratos com embalagens de bolacha, faz a limpeza na cela e
lava roupas para sobreviver melhor na cadeia. Pelo tanto de
presos que já conhece de outros tempos, Quelete não deixa
esconder o quanto suas passagens por ali são constantes.

Quando se tenta legalizar algo que é sabidamente


produto de crime, temos um artigo 180 qualificado. Foi em um
episódio assim que Ceilandinha terminou na prisão. Ele
estava com a namorada dentro de um carro roubado e, ao ser
parado em uma blitz, apresentou documentos falsos. Os
policiais desconfiaram da placa novinha no veículo usado e
deram uma geral. Identificado o carro roubado, Ceilandinha

84
foi preso em flagrante. Pelo que convivi com ele na triagem, é
um cara sério e ao mesmo tempo interesseiro, que se alia a
quem lhe dá mais vantagem. Apesar do Ceilandinha ter
intercedido como mediador na minha treta com o Pesão e o
Sujeirinha, meu espirito não bate com o dele e nem o dele
com o meu.

Nem bem chegou na cela, Luiz já foi logo negociando


a jega de baixo com o Baiano. Acabou comparando a jega por
150 reais, pagando para ficar nela até o fim de sua estadia na
cela. Ceilandinha também tratou de comparar a do
Passarinho, batendo o martelo pelo mesmo valor e forma de
pagamento. As duas negociações envolveram na verdade o
uso da cama, e não a aquisição. Se os novos moradores
saíssem antes da cela, a jega comparada seria devolvida ao
antigo proprietário.

Com os negócios fechados, a praia passou a ser


ocupada pelo Quelete, o Baiano e o Passarinho, e os demais
dormindo nas jegas. Mas ainda tinha uma transação em
aberto para ser concluída. Na manhã seguinte à chegada dos
novos presos, o maior interessado nela faz questão de cobrá-
la. Josias me chama para conversar sobre a jega onde eu
dormia. Tem início a minha guerra com o Josias.

As celas têm o que chamamos de 21, uma plataforma


de concreto que fica do lado oposto ao banheiro. É possível
subir no 21 e ficar na grade da janela, conversando com os
presos de outras alas que também estão em suas janelas. Ao
me intimar para a conversa, Josias pula para o 21 já com cara
de poucos amigos. E declara o preço da cama: 300 reais. O
preço era para a jega ser minha em definitivo, não apenas
para uso durante minha estadia. Se eu comparasse, poderia
revender quando saísse. Só que aquilo não estava certo.

- A jega tava vazia quando cheguei. Eu tenho direito a


ela - retruco.

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reais e uma coberta de casal bem quentinha. A gente se
despede e agradeço chorando. Ao me retirar da micro sala, o
agente entrega as encomendas para mim. Sou levado de
volta ao corró e espero até ser devolvido para a cela 16.

Na manhã seguinte sou convocado novamente ao


corró dos advogados. Acho isso estranho, mas quando o
agente manda a gente vai. Lá se vão mais algumas horas
esperando naquele chiqueiro sem poder sentar, eu e mais de
40 presos.

Quando chega minha vez, recebo na salinha a dupla


de advogados que cuida do meu caso. Eles relatam ter havido
brigas entre minhas irmãs e filhos por conta da minha
situação e que existe um desejo na família por mudar de
advogados. Me parece um relato bem tendencioso, mas não
posso tomar providências sem falar antes com minhas irmãs.
A conversa se encerra. Passar a manhã no corró podre dos
advogados para ouvir um papo daqueles só me joga para
baixo. Talvez fosse melhor nem ter ficado sabendo daquilo.
Já me basta tudo que sofro sem sair da cela.

Quando retorno, conto as novidades aos colegas. Os


presos têm curiosidade em saber as notícias que o outros
trazem de fora. Às vezes para comparar com o andamento de
seus próprios casos. Às vezes, por desconfiar do
companheiro ser dedo-duro. A comunicação entre detentos
acontece muito por telefone sem fio. Um passa recado para o
outro até a mensagem chegar ao receptor final. E fofoca é o
que mais tem. Todos querem saber se tem alguém famoso,
perigoso, se algum preso é estuprador, assassino de
crianças. Esse tipo de notícia mexe muito com os ânimos ali.
Muitas conversas do corró se esparramam pelo presídio e
tudo que se diz na cela pode cair em domínio público. Com
isso são construídas imagens de homens respeitáveis e uns

62
O Coruja acabou preso tentando roubar um carro. Foi
pego pelos chamados heróis. Alguns pedestres que
passavam no momento do delito lhe deram uma surra e o
imobilizaram até a chegada da polícia. Coruja tem um
machucado feio na região das costelas, que conta ser
sequela de um episódio anterior. Foi quando subiu no telhado
de um galpão para roubá-lo e tomou um baita choque em
uma armadilha que os donos haviam preparado. Na queda,
bateu o tronco no chão e teve que ir rastejando até o carro,
onde sua companheira o aguardava para pilotar a fuga. Ficou
um bom tempo sem conseguir andar depois disso.

Com os novos moradores, a praia já não tem mais


lugar para todos. Dividem ela agora o Quelete, o Passarinho,
o Baiano e o Coruja. O BH dorme debaixo do 21. Com a cela
cheia, a previsão do tempo sinaliza mais problemas e
opressão.

Toda essa experiência que estou vivendo foi por ter


sido ativista de uma causa. Uma causa que contribui
exatamente para que celas como a minha sejam menos
lotadas. Na melhor das intenções, querendo que mais
usuários de maconha pudessem quebrar suas algemas do
tráfico, comecei a doar sementes. Só que um usuário que
recebeu sementes de graça se enfureceu simplesmente por
não conseguir germiná-las. E me entregou para a delegacia
de entorpecentes de Brasília.

Quando repasso a sequência de eventos que me


trouxe até o CDP/DF, sinto muita raiva do indivíduo que fez a
denúncia. Na prisão, cagueta não tem vez. Não posso evitar a
sede de vingança que surge dentro de mim. Esse cara ainda
vai me pagar, ah se vai! Porém, isso é algo para pensar
melhor depois que tudo acabar. No momento, minha
preocupação maior é o Josias, com suas investidas pelo
pagamento da jega onde estou dormindo.

87
Na ala A os banhos de sol acontecem em um pátio
bem grande. Todos os presos da ala saem, caminham um
pouco, se encontram com amigos de outras celas. É talvez o
principal evento social na vida de um preso, ficando atrás
apenas do dia de visita. Muitas vezes o banho de sol dura
apenas o tempo suficiente para a inspeção das celas. Coisa
de 30 minutos. A gente senta no pátio, os agentes fazem o
bate-cela, a gente levanta e volta para dentro. Fim do sol.
Porém, quando os agentes estão mais sossegados, podemos
ficar até umas duas horas na área externa. Caminhando,
conversando, fazendo comparas. Alguns aproveitam para
cortar o cabelo com lâminas de barbeador comparadas
clandestinamente. Por sinal, abrindo um rápido parêntese,
essa é uma profissão livre. Qualquer preso pode cobrar para
realizar serviços de barbeiro e cabeleireiro. Desde que os
agentes não flagrem as ferramentas utilizadas.

No pátio são feitas amizades e inimizades. A fila da


cantina é um lugar onde há muitas brigas. Quando os
classificados abrem as vendas, é perturbador ver o tanto que
os presos brigam para conseguir comparar algo. Mas também
é compreensível. Como temos pouco tempo no pátio, quem
deixa de adquirir um item no momento só vai poder comparar
de novo no próximo banho de sol, dali a no mínimo 2 dias.
São produtos que ajudam a passar uma estadia menos pior
ali dentro: farinha, manteiga, ovo, molho de tomate, pimenta,
refrigerante, chocolate, sabonete, sabão em pó, cigarros,
isqueiro.

Com o dinheiro que tenho, ainda não posso comparar


muita coisa. Me limito a cigarros, pacaia, bolachas e algumas
moreninhas, que são as paçocas. No pátio converso com
alguns presos que se mostram mais amigos. Acabo me
abrindo sobre a opressão que estou sofrendo do Josias.
Todos para quem conto a história - incluindo alguns presos
mais influentes - são unânimes em dizer que ele não poder
fazer isso. Mas devo ter acabado falando com algum preso
88
amigo dele também. Porque um dia depois do banho de sol
seguinte, o Josias me manda sair da jega de uma forma bem
agressiva. Agora ele diz que quer receber tudo de uma vez e
que é para eu pagar já na próxima visita.

- Isso tá errado. A gente combinou outra coisa - me


defendo.

Com o Josias não tem argumento. Ele já assumiu que


a jega é sua propriedade e também que eu posso ser solto e
ficar sem pagar. Fico em silêncio para a situação não piorar e
vou ganhando tempo enquanto posso. A consequência
imediata é que passo a ser perseguido com ameaças e
discussões gratuitas diárias. Em uma dessas situações de
implicância, sobrou até para outro preso. Josias ficou tão
nervoso comigo que descontou no Passarinho. Socos no
rosto, tapa na cara. Em sua humildade, o Passarinho se
recolheu acuado no canto da cela, ainda sob xingamentos e
ameaças do Josias. Já o Jason aproveitou o momento de
opressão para espezinhar ainda mais o oprimido.

Tirando as interações com o Josias e o Jason,


poderíamos dizer que as relações entre os presos da cela 12
são tranquilas. O BH é um que contribui para isso. Em
contraponto aos abusos cometidos pela dupla de xerifes, BH
simpatiza bastante com o Passarinho. Brinca com ele, pega
no pé, faz algumas piadas até de mal gosto. Demonstra
gostar dele de verdade e adota o Passarinho como se fosse
um parente.

Durante as tardes, Ceilandinha e Baiano costumam


praticar exercícios físicos. O Coruja é mais na dele. Vendo ele
devorar em silêncio sua quentinha, qualquer um diria que é
um cara sossegado. Em uma dessas conversas de cela, ao
contar sobre sua passagem na triagem antes de chegar ali, o
Coruja disse que tinha sido tudo bem - até porque já estivera
lá antes. O Josias não acreditou. Chamou ele de mentiroso,

89
apenas o reflexo da uma lâmpada que fica acesa no corredor,
montamos a rede do Formiga novamente e voltamos a dormir.

Lá pelas 3:00, acordo com um grande peso caindo em


cima de mim. É o Ceilandinha, o outro morador dos andares
superiores, desabando sobre a minha rede. Sinto minha
perna ralar na parede e dou um grito:

- Porra!

Ceilandinha se levanta rapidamente já pedindo


desculpas. E, sem pestanejar, começa a rearrumar a rede na
madrugada para voltar a subir. Não sem fazer barulho,
acordar pessoas e ouvir reclamações:

- Olha o sono do ladrão aeeee! Olha o sono do ladrão


aeeee!

Mal consigo retomar o sono, sinto novamente um


monte de carne desabar sobre mim. E pior: sinto meu joelho
esfregar a parede no mesmo lugar. Não pode ser uma coisa
dessas. Em silêncio, na rede, vou às lágrimas. Quando os
primeiros raios de sol iluminam o xadrez, Ceilandinha ainda
está arrumando sua maldita rede imprestável. E eu amanheço
com um dente quebrado, dor no maxilar, o peito doído e um
joelho duplamente esfolado.

Arlindo, que quebrou meu dente, era um senhor sábio


e engraçado. Tinha 62 anos e adorava gastar seu dinheiro de
trapaças cheirando cocaína com prostitutas em hotéis. Mais
do que a cabeçada que me deu sem querer, Arlindo era
especialista em outro tipo de golpe. O famoso artigo 171.

Ao chegar em determinada cidade escolhida a dedo,


Arlindo procurava uma lotérica e conferia os resultados da
véspera. Em especial, os resultados da quadra e quina. Ele
então preenchia um bilhete do dia com os números premiados

65
9. LEIS SOB LEIS

O dia no CDP começa com os agentes fazendo a


contagem dos presos nas celas. Isso acontece entre 6:30 e
7:00. Sabemos das horas por causa da TV dos classificados
na cela ao lado. Todos devem ficar sentados e sem camisa
enquanto os agentes fazem o confere. Depois disso eles
chamam os presos que serão atendidos por advogados e
oficiais de justiça, além dos que vão para o atendimento no
GEAD, o centro médico dali.

Mais ou menos às 10:30 são entregues as marmitas


do almoço e os sucos de caixinha. Às 14:30 eles passam
entregando a marmita do jantar, que vem acompanhada de
dois pães para cada preso. É o café da manhã do dia
seguinte. Todos esses serviços de entrega são prestados
pelos classificados, que são tratados aos gritos e com muita
provocação pelos outros presos.

A rotina é essa. Daí, de 2 em 2 dias um agente passa


alertando que é procedimento de sol. Por lei, presos devem
ter pelo menos 2 horas de sol todos os dias. Na prática,
temos isso a cada 48 horas. Para ir ao pátio devemos sair da
cela de cueca, com a camisa, bermuda e chinelos nas mãos -
e as mãos nas costas. O agente destrava todos os cadeados
e deixa o corredor. Um classificado passa então abrindo as
celas e os presos precisam sair em ordem de chamada.
Nosso primeiro nome é chamado e respondemos com o
sobrenome. A ordem deveria ser alfabética, mas tem sempre
algum preso que sai da ordem. E ouve dos agentes que é um
preso de bosta, mesmo.

Uma vez no pátio, devemos primeiro ficar sentados no


chão olhando para o muro, sem conversar. O agente da
91
guarita libera o pátio na hora que ele quer. Às vezes somos
xingados e humilhados de graça mesmo estando em silêncio.
Já teve vez em que ficamos mais de uma hora sentados,
imóveis, só para depois sermos levados de volta às celas. Em
outra ocasião, fomos obrigados a rezar o Pai Nosso. Os
agentes penitenciários são treinados a mostrar que não
podemos querer qualquer coisa, não temos direito a nada, só
devemos obedecer e aceitar o que é dado. Isso quando é
dado algo.

No período em que estive na ala A, fiz alguns amigos


e também fui reconhecido por muitos presos, tanto novinhos
como coroas, que me viram no noticiário policial da TV. Fiz
amizade também com alguns classificados e isso adiantou o
meu lado, principalmente na hora de ir às comparas. Passei a
pagar 4 reais a um deles para que me trouxesse itens da
cantina. Dessa forma eu evitava as brigas da fila e
aproveitava melhor meu tempo ao ar livre.

Em uma de minhas saídas para o sol, sou chamado


por um classificado conhecido como Professor. Ele é um
preso antigo no CDP, respeitado nas celas e bem quisto pelos
agentes. Certa vez eu tinha dito a ele que era professor
também, que falava inglês e um pouco de espanhol. Na
ocasião ele começou a falar comigo em uma língua enrolada,
semelhante ao inglês, para testar se eu sabia mesmo.
Descobri assim que o Professor não falava coisa alguma de
inglês. Depois dessa chamada oral, ele disse que me
apresentaria uma pessoa que não falava português para eu
tentar ajudar.

Eis que o Professor me chama no banho de sol e sou


apresentado a um negro forte, de aparência tribal. Seu nome
é Ugo Peter. Ugo fora preso no aeroporto de Brasília com 900
gramas de cocaína na barriga. Ele conta que a atendente do
check-in desconfiou de seu passaporte novinho em folha, sem
carimbos, um passaporte argentino na mão de um cara com
92
traços africanos. A mulher chamou um agente da Polícia
Federal e, depois de algumas horas de conversa em sala
fechada, Ugo confessou o real motivo de sua viagem. Foi
então encaminhado à detenção e julgado culpado. Por ser
nigeriano, ele só fala inglês. E isso é uma grande dificuldade
ali no CDP.

O inglês do Ugo é fácil de entender para mim.


Começamos a trocar ideia e acabamos amigos. Nos banhos
de sol, a gente conversa sobre tudo que está acontecendo ali,
sobre sua prisão e a minha, sobre aquele tanto de presos que
vão e vêm voltando para a cadeia como se fosse um lugar
normal. Para nós dois aquilo ali é inóspito e cruel. Ugo não
entende como um país tão rico em recursos como o Brasil
vive uma situação tão desfavorável, com tanta pobreza e
violência. Essas conversas fazem meu inglês melhorar e
muitos ali dentro parecem se admirar ao ver a gente
conversando em uma língua estranha.

Aos poucos, mais gente passa a me conhecer na


cadeia. Tem sempre os presos que se sentem diminuídos
pela convivência com alguém mais inteligente. Mas, de
maneira geral, já me sinto mais querido e acolhido por todos.
Até alguns agentes demonstram gostar de mim. Um em
específico vive me chamando de Professor do Mal:

- Aí vem o Professor do Mal, que tá quebrando com os


traficantes!

Ele diz isso sempre que me vê. E às vezes fala


durante a chamada para o banho de sol, quando todos os
traficantes do lugar estão sendo chamados também. Alguns
me olham torto, claro, mas até aí sem problemas.

Outro episódio em que requisitaram meus serviços de


intérprete foi para ajudar um chinês que acabara de chegar de
São Paulo. Fora preso por estelionato. Colocaram ele na cela
do lado da minha e, como o Ugo, o cara não falava nada em
93
Em alguns minutos, o fato se dissipou em outros
assuntos. Fumamos um cigarro e a desavença foi esquecida.

Um ambiente superlotado de homens onde todos


perderam sua liberdade. Essas condições fazem com que
uma cela seja sempre cheia de riscos. Como é minha primeira
vez - e última, espero -, os presos me dão toques a respeito
da conduta e etiqueta da cadeia. Como manter a postura
verbal sabendo o que pode ou não ser dito, como a polícia
age e como o preso é inimigo dos agentes.

Certa vez, durante uma dessas conversas na cela, um


agente apareceu irritadíssimo e, gritando, ordenou o fim da
gritaria. Reclamou também da sujeira nos corredores. Na
minha ignorância cadeeira, concordei com o agente. Só
cometi o equívoco de colocar isso em palavras. No meio da
cadeia, falei que um homem da lei estava certo. Comentei
com o colega ao lado que o corredor estava muito sujo
mesmo e que, se nós queríamos ser melhor tratados,
deveríamos cumprir as ordens dos agentes.

Pra quê eu disse isso? Na mesma hora surgiram


protestos dentro da cela contra minha fala. O assunto
viralizou pelo corredor e, de outras celas, comecei a ouvir
indiretas ameaçadoras:

- Preso não pode defender agente, não! Preso que


defende agente vai ser cobrado no pátio!

O volume do falatório subiu, configurando um princípio


de tumulto devido ao que eu dissera. No meu modo de ver,
estava apenas conversando, sem nenhuma intenção de ser o
certo e nem o centro do assunto. Mas palavra na cadeia não
tem volta. Tudo que se fala pode virar um B.O. contra você.
Para minha sorte, antes que eu pudesse tentar me desculpar,
um dos presos desarmou a bomba gritando:

68
Porém, nem todos recebem bem a experiência.
Josias não participa. Durante esses cultos, ele sempre
mantém a cortina da sua jega fechada, abrindo vez ou outra o
cantinho para disparar com o olhar rajadas de maldade em
minha direção. Até tento puxar conversa e integrar o cara ao
grupo, mas ele recusa com raiva. O Ceilandinha até participa,
embora seja evangélico e não aceite minha orientação
religiosa. Ele polemiza os comentários que faço por me achar
uma pessoa dominada por espíritos maus. E quando o
assunto gera discussão, daí sim o Josias aparece para somar
no lado contrário ao que eu estou. É nessas que a minha
relação com o Ceilandinha vai azedando de vez também.

Existem vários negócios comerciais internos à cadeia


com diferentes presos controlando. Existe, por exemplo, o
bingo. Sem os agentes saberem, o jogo rola solto pelos
corredores das celas.

As cartelas são enviadas em branco. Você escolhe os


números, escreve e envia de volta para os organizadores.
Para o seu jogo ser válido, junto deve ser enviado o
pagamento de 2 reais por cartela. Os donos do negócio
autenticam a cartela paga com a assinatura deles e devolvem
o papel ao dono. As vendas ocorrem de tarde e o bingo
acontece à noite.

Quando chega a hora de cantarem as pedras, um


preso de outra cela é nomeado para repetir os números que
forem saindo. Assim, todos podem ouvir pelo menos duas
vezes cada número. O dono da mesa fica com 20% da grana
arrecadada. E o resto vai para o prêmio, que varia de 50 a
150 reais por bingo.

Toda vez dá problemas. Desconfianças que viram


gritos que viram brigas. Quando o prêmio é dos grandes,
sempre surgem 3 ou 4 ganhadores. Mesmo assim as celas

95
nunca deixam de apostar no bingo, que costuma acontecer de
3 em 3 dias.

Existe também um mercadinho em uma cela, que tem


a exclusividade na venda para outras celas. Se algum preso
sair vendendo um saco de farinha e ela não for do
mercadinho, isso pode ser considerado uma entrada. Ou
seja, o preso vai ter que assinar esse problema no pátio. O
comércio de cigarros é separado do mercadinho, tem seus
vendedores específicos. E existe também o tráfico. O tráfico
de remédios é um mercado reservado, geralmente controlado
por um só preso. Tem presos que são responsáveis pelas
vendas de drogas como maconha e cocaína, mas este
mercado é aberto. Quem tiver pode vender. Eu, que não
comparava maconha do tráfico fora da prisão, me vi
comparando dele várias vezes depois de preso.

Falando sobre drogas, é uma regra entre os presos


ninguém falar nada se os agentes encontrarem maconha,
cocaína ou qualquer substância ilícita dentro da cela. Todos
pagam o castigo. Entregar outro preso para os agentes é
inadmissível. Lembro de um dia em que estavam demorando
muito para trazer as quentinhas e, quando entregaram, 5
celas ficaram sem comida. Os agentes não fizeram menção
de ir buscar as faltantes. Então um amigo de uma cela
vizinha, um preso conhecido por mortinha, gritou:

Cadê a xepa, seu polícia?! Vai deixar o preso morrer de fome,


vai?! Vai?! Vai?!

Eu, da minha cela, falei assim:

Vai roubar, vai matar, vai traficar, vai?! Vai?! Vai?!

Nessa hora um agente estava dentro do corredor. Ele


veio nervoso até a cela do lado querendo saber quem tinha
dito aquilo:

96
Vai, seu bosta! Fala agora, cuzão! Preso safado!

Engoli seco. Dois segundos depois, ele parou em


frente à minha cela e gritou:

• Fala agora, seus safados! Não têm coragem,


né?! Eu vou dar castigo e essa ala toda vai
ficar sem comida!

Pela educação que recebi em casa e pela ética


pessoal que construí na vida, eu não podia me omitir.
Olhando da minha jega para o agente, disse assim:

Senhor agente, me desculpa. Fui eu que gritei.

Desce daí seu velho safado! Vamos ver se você não é


laranja!

Obedeci ao comando e fui para a porta da cela. De


cabeça baixa e com as mãos para trás, eu disse:

Me desculpe, senhor. Não quis menosprezar o senhor e nem


seu trabalho.

Fala aí de novo! Quero ver se foi você mesmo!

Com o rabo entre as pernas, repeti:

Vai roubar, vai matar, vai traficar, vai? Vai? Vai?

Confirmada minha autoria, o agente procurou o chefe


de pátio, que por acaso estava perto no momento. O agente
disse assim:

• É ele mesmo, olha só! Seu velho! Minha


vontade era te tirar daí agora e te quebrar
todinho! Um velho desses não desconfia, não?!

Eu segui na humildade:

97
cadeia. Isso para já ficar de prontidão caso fosse alguém de
uma região inimiga à dele.

Lembra do Pesão, que eu conheci ainda na


delegacia? O Pesão estava ali por ter sido acusado de
praticar um 121 em sua região, homicídio. Segundo contou
até com certo orgulho, foi uma rixa com alguém do bairro
onde morava. Um dia o Pesão encostou o carro na calçada
do sujeito, chamou ele para perto e lhe deu um tiro no rosto.

Sujeirinha fez amizade com Pesão. E começaram a


querer dominar as coisas na cela. Os dois agiam de forma
descontrolada e sempre se julgando certos. Dando voz de
comando, gritando com os companheiros, fazendo comércio
entre celas, pegando roupas "emprestadas", pedindo dinheiro,
filando cigarros. Às vezes eles se desentendiam entre si, mas
na maior parte do tempo estavam de acordo. Passavam os
dias gerando grito, ameaça e briga.

Certa feita os classificados vieram entregar o


achocolatado de caixinha e, por engano, vieram 8 todinhos a
mais. Sujeirinha e Pesão se acharam no direito de pegar tudo
para eles, sem divisão. Do meu canto, falei que achava aquilo
errado. Cada um ficar com 2 e cada um deles dois ficar com
6? Não estava certo.

Assim que falei o Sujeirinha já saiu me intimando,


perguntando aos gritos o que eu tinha a ver com aquilo. Não
aliviei também:

- Você tá agindo igual a xerife, Sujeirinha. Você e o


Pesão.

Aí o tempo fechou mesmo para o meu lado. Na


cadeia, xerife é quem manda em tudo e quer impor normas
na cela em favor de si próprio. Exatamente o que o Sujeirinha
e o Pesão vinham fazendo. Era como se eu estivesse
71
sumárias foi quando mataram o pastinha por causa de 50
reais. Pastinha é como chamam o preso encarregado de
anotar os nomes de quem vai fazer sexo no dia da visita.
Cada bloco tem o seu pastinha e este dividia com mais 34
presos da cela 11 do bloco 1, ala C.

Era hora do banho de sol e o pessoal da cela deixou


dinheiro com ele para que comparasse alguns itens no
mercado. Só que o cara foi jogar baralho e acabou perdendo
50 reais. Na volta do sol, os presos foram fazer o acerto e
deram por falta dessa quantia. Logo veio a cobrança, mas o
pastinha não tinha a grana para pagar. Foi massacrado com
socos e pontapés, teve os dois braços, ossos e dentes
quebrados, o olho perfurado, seu órgão genital pisoteado.
Durante o linchamento não pôde nem gritar: enfiaram um
pedaço de pano em sua boca exatamente para abafar
qualquer súplica.

Pastinha morreu com a cara mergulhada no boi por


causa de 50 reais. Ladrão que rouba ladrão encontra esse fim
na prisão. Se você pensar bem, vai ver que a lei dos presos é
mais efetiva que a da justiça naquilo que se propõe.

99
10. DIA DE VISITA

Meu primeiro dia de visita acontece 15 dias depois de


chegar à cela 12. Para os presos, é um grande evento. Todos
acordam cedíssimo, por volta das 5:00, tomam banho e se
arrumam. Botam suas roupas mais novas e limpas, pagam
para cortar o cabelo e fazer a barba.

Com todos prontos, a cela é organizada e limpa. Os


presos que têm direito à visita íntima por terem união estável
não só lavam, como perfumam suas celas. Tudo para causar
a melhor impressão possível à companheira. Aquela guerreira
que não desiste de você, mesmo passando por uma série de
constrangimentos até conseguir entrar no pátio da cadeia.

Esse dia é cheio de regras específicas. Não é


permitido levantar a camiseta no pátio, nem mesmo para
enxugar a boca. Não se pode pôr a mão no próprio membro,
nem para coçar. Na cantina os visitantes têm prioridade,
podem passar à frente na fila. E os presos não aceitam que
alguém se aproxime de suas visitas. Inclusive, quem não têm
visita deve ficar afastado. Chegar junto sem ser convidado
pode ser considerado uma infração grave.

Quem vai visitar um preso na cadeia precisa alguns


dias antes retirar uma senha pela internet ou em um posto da
polícia. Em Brasília é o posto do DPOE, que fica no bairro do
Riacho Fundo. No dia da visita as pessoas vão formando uma
grande fila na porta do CDP, debaixo de sol ou chuva.
Conforme chega a vez, a senha da internet é trocada por uma
senha sequencial de atendimento. Um a um, visitantes têm de
se despir e sentar em uma cadeira que contém detectores de
metal. Está ali para evitar que mulheres entrem com objetos
escondidos na vagina, como aparelhos celulares. Depois
todos passam pelo raio X, que identifica se alguém está
carregando drogas dentro de si. E podem se vestir. Quem traz

100
mantimentos precisa ainda passar por uma fila à parte, que
dá em um balcão onde tudo é revirado.

Finalmente, os visitantes são liberados para o pátio


onde encontram seus parentes presos. No meu primeiro dia
de visita, a fila tinha mais de mil e duzentas pessoas para
entrar no CDP.

Estava na expectativa de que minhas irmãs


aparecessem. Não que tivesse qualquer sinal disso, sabia
que elas estavam cuidando do meu caso, correndo com
advogados e papeladas. Pensando de forma realista, era bem
difícil elas virem logo na primeira visita.

Dito e feito. No portão que dá para o pátio entram duas


pessoas por vez. Fiquei ali por perto, esperando. Esperando.
Esperei bem umas cinco horas. A ficha só caiu quando tocou
a sirene informando que acabara o horário de visita no
presídio. Foi o dia mais longo que tive no sol do pátio desde a
minha prisão. O mais solitário também.

Mas pude observar e entender melhor como funciona


esse grande evento na cadeia. Os lugares para sentar na
sombra ou debaixo de cobertura são vendidos pelos presos.
Quem quiser que seu parente se acomode em um banco
paga até 20 reais. Quem não paga pode ainda comparar
lugares à sombra no pátio, sem banco, vendidos por 10 reais.
Já quem não paga nada só consegue sentar ao sol ou ficar de
pé na sombra. Os donos dos assentos muitas vezes são os
presos que não têm visita para receber. Presos como o Josias
e o Jason.

Volto para a cela depois desse dia longo ao ar livre,


naquele pátio cercado por muros com 6 metros de altura.
Passou o dia de visita e não recebi ninguém. Não vou ter
como pagar o que o Josias pede.

101
Tem algo bom à minha espera lá fora e, não importa quanto
tempo leve, uma hora eu vou sair daqui. Me sinto amado,
incluído, tenho amigos, família, um lugar na sociedade. Tudo
que um preso comum não tem.

Dalton parte deixando 50 reais, entregues para mim


pelo mesmo agente que me leva de volta ao corró. Eu e os
outros presos só seremos levados para nossas celas às
21:00. Mas antes disso, do nada, outro agente chama meu
nome na porta. Estranho. Ele me tira do corró e vamos para
um canto mais reservado. O medo me coça.

- Você tem parentes que moram em tal cidade? - Ele


pergunta.

- Tenho sim, senhor.

- Você é irmão do Ricardo? Filho do Lázaro?

- Sou sim, senhor.

O medo sai e o alívio vem. Até sorrio quando percebo


que o policial conhece meus familiares. Ele me confirma isso
e pergunta:

- Tem alguma coisa que você esteja precisando aqui


dentro?

Começo a responder que a única dureza é a cela ser


tão apertada, mas sou interrompido por ele:

- Você está tendo problemas com alguém na cela?

Digo que não, que está tranquilo. Ele ainda pergunta


se tenho produtos básicos, como sabonete e pasta de dente.
Sim, tudo certo. O agente revela então que vai tentar me
ajudar ali, ressaltando que não pode garantir muita coisa. Sua
recomendação pode ser resumida em uma expressão: boca
de zíper.
74
criada a inimizade. O cara ainda veio me acusar de ser
pedófilo para tentar pôr a cadeia contra mim, mas àquela
altura o pessoal já me conhecia e sabia que não era verdade.

Enfim, encontrar paz não está fácil. A opressão de


outros presos se soma à depressão que me atinge quando
penso em tudo que perdi. Algumas noites sento no fundo da
jega e choro em silêncio, sem deixar que os outros percebam.
Penso no Branco, o gato de rua arredio que veio morar em
casa e se tornou meu amigo. Sinto muito por não poder mais
ajudar ele e nem a Estrelinha, minha gata mais amada.
Namorada do Chobill, outro gato inesquecível. Sinto falta da
Zika, a gatinha que mais se acostumou comigo. E do Chico,
do Aedes e da Flika, que acabara de parir 3 filhotinhos. Esses
gatos têm importância na minha vida, dependem de mim e me
sinto culpado pelo meu sumiço repentino da casa. Como
estarão eles?

Muitas coisas ruins vêm na nossa mente quando


estamos sofrendo desprazeres e perdas. Tento consolar a
mim mesmo, enxugo as lágrimas, deito novamente. Sei que
uma hora esse sofrimento vai ter fim. Tudo passa. Quando
sair daqui, vou arrumar um lugar e ficar só com quem gosta
de mim. Como meus gatos. Na cadeia ninguém entende essa
forma de amor. Se falo dos meus bichos, ouço em retorno
histórias de maus tratos. E se eu demonstrar que abomino
isso, aí é que os presos entram em detalhes das sacanagens
que já fizeram com animais.

Até por isso, desenvolvi um tapa-ouvidos usando um


pedaço de plástico fino. Quando eles começam com esses
papos, subo para jega e fecho os tímpanos. Fora que sempre
tem os presos que roncam e os que ficam falando alto de
madrugada. Meus ouvidos agradecem por não escutar.

103
Foram quase 30 dias sem ver meus parentes mais
próximos. Amanhã é um novo dia de visita e torço muito para
que minhas manas possam vir. Com a proximidade da data, o
Josias voltou à carga. Ainda mais, estimulado pelo Jason, que
veio insinuar que eu queria dar o cano e sair sem pagar a
jega. Cá entre nós, não vou negar que isso me passou pela
cabeça, sim. Seria o meu troco por tanta agressividade
gratuita.

Dias antes, um dos agentes tinha me perguntado se


eu sabia mexer com sistemas de segurança com câmeras.
Disse a ele que sim, sabia. Tinha dado aulas disso no SENAI.
Então, na véspera do dia de visita, me chamaram de tarde
para realizar um teste que poderia me classificar. Passando,
eu seria transferido para o bloco 4, onde ficam os
classificados. Lá os presos usam um macacão de cor laranja
e têm privilégios como chuveiro quente, TV em todas as
celas, andar sem escolta e uma ocupação para passar os
dias. Ter o que fazer é maior benefício para um preso bem-
intencionado.

No teste, precisei arrumar um conector na sala de


monitoramento, configurar uma rede para acesso remoto e
depois instalei duas câmeras e dois holofotes no telhado da
penitenciária. Ao descer de volta para checar o sistema
funcionando, fui informado da minha classificação pelo agente
que cuida da parte de TI.

Enquanto era levado por ele de volta à cela, ouvi que


no dia seguinte seria solicitada a minha transferência para o
bloco 4. Aquilo me deixou feliz. Entretanto, não contei aos
outros presos que tinha dado certo. Falei um pouco sobre o
que tinha feito e fui deitar ansioso pelo dia seguinte. Se eu
recebesse a visita das minhas irmãs e ainda conquistasse
minha vingança pessoal contra o Josias ao ser transferido
sem pagar a jega, seria um dia de glória.

104
Amanhece no dia da visita e todos organizamos as
coisas desde cedo. Tomo meu banho e coloco roupas limpas
que eu mesmo lavei. A ansiedade é gigante. Na fila da
chamada, o agente que conhece minha família ordena que eu
fique de pé, esperando por ele na grade. Os presos saem
para o pátio passando por mim, me encarando ali parado.
Quando todos saem, o agente confirma que meu teste deu
certo. Porém, a direção do presídio não concordou em me
classificar por eu ter sido preso no artigo 33, tráfico de drogas.
Este artigo não permite me classificar para trabalhar na
cadeia. Além de ser preso como traficante sem nunca ter
traficado drogas, não posso trabalhar na prisão por ter sido
preso como traficante de drogas. Fez sentido para você? Em
resumo: sigo na cela 12 da ala A. A mesma cela do Josias.

Apesar de frustrado, depois de ouvir isso estou


decidido. Vou acertar essa grana com o Josias e me livrar da
perseguição. É essa a minha expectativa para o dia, além da
vontade de matar as saudades da minha família.

Saio para o pátio e fico esperando novamente perto do


portão de entrada. Ando de um lado para o outro, converso
com alguns presos sobre a ansiedade com a demora dos
parentes. Às 11:00, estou agoniado. Acho que não vou
receber visitas de novo, minhas manas não vêm. O Luiz é
outro que está aguardando ansioso sua primeira visita.
Trocamos algumas palavras e vejo que ele também está
agoniado. Mas logo sua esposa aparece e os dois vão se
sentar felizes no pátio, em um local que eu e ele reservamos
para nossas famílias.

São quase meio-dia quando uma visitante, esposa de


um classificado, vem até mim com seu marido e diz assim:

- Você é o Sérgio, né? Meu marido me falou


que sim. Olha, eu estava com suas irmãs lá fora. Elas
estão na fila, já já vão entrar.

105
corredor, tem um deles posicionado. E outro mais à frente. E
mais outro adiante. Sou o segundo na fila dos presos e posso
ler nos olhos do policial a sua intenção. Quando meu colega
da frente adentra o corredor, toma uma bofetada do DPOE na
nuca.

- Tô fodido. Agora vou apanhar. - Penso.

Chega a minha vez e recebo o mesmo prato predileto


da casa: tapão na nuca. Com ele eu tropico, mas não caio.
Tento apressar o passo para atravessar logo aquilo. O preso
na minha frente alcança sua cela, só que no caminho entre a
dele e a minha tem mais um agente. Sei bem o que vai
acontecer e você que me lê agora já sabe também. Sigo em
frente, ultrapasso o agente e tomo outro tapa na cabeça. Fico
tonto, ando mais um pouco e paro na porta da minha cela. O
agente vem e dá um tapa no meu peito que me joga contra a
parede oposta. Meus óculos caem e eu saio catando cavaco.
Assim que encontro os óculos, o agente me enfia para dentro
da cela.

Meus colegas assistiram a tudo e estão todos calados.


O gás ainda ronda o ar da cela, respirar é difícil. De pé, olho
um por um e a maioria abaixa a cabeça. Em solidariedade,
alguns comentam que são todos uns porcos. Já o Sujeirinha
faz chacota:

- Hahaha, tomou um tapão e saiu voando!

O que eu fiz para levar tapas de um funcionário


público? Qual o motivo de ser agredido por policiais de vinte e
poucos anos, que teriam idade para ser meus filhos? O
objetivo de jogarem gente na cadeia não é a ressocialização?
Alguém acha que um ser humano vai sair melhor do que
entrou depois de cumprir pena sob um regime de violência e
humilhação?

77
administração. Elas trouxeram também uma Cobal com
roupas, frutas, bolachas, produtos de higiene pessoal e sabão
em pó. Trouxeram cuecas, bermudas, camisetas, um tênis,
uma toalha e um lençol. Me sinto rico ao pegar a sacola
plástica. Isso tudo tem muito valor ali dentro.

O dia passa na companhia das minhas manas e sinto


que é a primeira vez que encontro o amor na prisão. Me sinto
amado por elas. No pátio, a alegria é geral com os presos
tendo o conforto de seus parentes. São tantos momentos e
sentimentos ruins em um único dia ali dentro que a fé e a
esperança ressurgem bem mais fortes quando temos pessoas
queridas por perto. Se todos crescessem em um ambiente
estruturado com amor, será que os presídios brasileiros
teriam tanta gente? Não tenho palavras para descrever o
quanto sou grato a Jacqueline e Sandra, minhas irmãs, por
terem vindo me visitar na penitenciária.

A sirene toca às 15:00 anunciando o término do


horário de visita. Nesses dias rola muito comércio ilegal no
pátio, com direito a promoções especiais. Os visitantes
abastecem as necessidades mais caras da cadeia, aumentam
a oferta de produtos e o dinheiro circula. O foco maior é nas
drogas. Traficantes aproveitam as visitas para que elas levem
para fora da cadeia a grana que ganham ali dentro. Tem
casos de sair milhares de reais, levados por mulheres
escondidos na vagina.

Minhas irmãs saem depois de muitos abraços e choro.


Saem juntas com a esposa do Luiz. Assim que as vejo sumir
pelo portão de entrada, quem está ali atrás de mim? Sim, o
Josias. Junto com o Maranhão, amigo dele também barra
pesada, Josias veio me pressionar para dar o dinheiro. Como
tem muitas testemunhas observando essa cobrança,
aproveito para tornar pública minha proposta:

107
Eu só quero pagar por meia jega. Daí quando eu sair a jega
volta para você, Josias.

Antes que expressassem qualquer coisa, emendo:

• E vou pagar tudo de uma vez só.

Vendo vantagem na grana que nem é dele, o


Maranhão responde sem consultar o amigo:

Tá certo. Então paga a meia jega agora.

Talvez por estar no meio de muitos presos ou


simplesmente pelo fato do Maranhão ter topado a oferta,
Josias não teve como recusar. Então, ao contrário de pagar
300 reais, paguei apenas 150 e me vi livre de um peso
enorme ao entregar o dinheiro.

Somos ordenados ao procedimento e levados à cela


logo em seguida, mas antes de irmos os agentes por algum
motivo nos deixam uns 50 minutos sentados. E ficam
ameaçando tomar as comparas que as famílias trouxeram
com tanto sacrifício. Qualquer pequeno movimento ou
conversa é enquadrado como desobediência. Após o alívio de
pagar a dívida com o bandido, tenho uma sessão de medo
promovida pelos agentes penitenciários.

Sobra pouco dinheiro depois da transação. Mesmo


assim, trato de comparar 70 reais de maconha. Me sinto
satisfeito na volta para a cela. O Jason ficou sabendo do meu
acerto com o Josias e não diz um A a respeito. Subo na jega,
que agora é definitivamente minha enquanto estiver nessa
cela, e fecho a cortina. Fechado na minha privacidade, fumo
um baseado escutando o Josias fumar outro com o
Ceilandinha. Eles lá e eu cá. Melhor assim.

Meu fino de cadeia tem o mesmo comprimento e


metade da grossura de um palito de dentes. Um baseadinho

108
mirrado como esse custa 20 reais. Depois de fumar, subo no
21 para trocar ideia com as outras celas. Converso com um
preso chamado Márcio e mostro a ele o tênis de couro que
minhas irmãs me trouxeram. O preso ao lado dele, vulgo João
da Brasilândia, pergunta quanto quero pelo tênis. Se eu
quisesse vender, venderia por 250 reais, respondo. João me
oferece 180 e eu digo que vou pensar. Mas não tenho
interesse em vender por esse valor.

Mais tarde, antes da leitura da bíblia, conto para meus


colegas de cela que vou vender o tênis por 250 reais. Todos
duvidam. Começa uma discussão sobre quanto vale o par de
tênis. O Josias como sempre é o primeiro a me contrariar. Já
vem dizendo que só vale 70 reais e olhe lá. Talvez por não ter
gostado de como nosso acerto da jega teve fim ou talvez
apenas por ser um mal-amado, Josias aproveita para
reclamar que eu sempre acho que minhas coisas valem mais,
que tudo meu é melhor, que sou um metido a sabe tudo.
Vendo onde essa conversa pode parar, encerro o assunto
dizendo que o tênis é meu e, se fosse para vender, seria
somente por 250 reais. Paro de falar e começo a ler a bíblia
em voz alta.

A leitura de hoje é do Livro de Judite. Ele conta a


história de uma viúva judia que, para salvar sua cidade, seduz
e mata o general do exército que a cerca. Os presos
simpatizam com a trajetória da mulher guerreira que se
arriscou pelo seu povo. Ao terminar, comento que essa
história do Antigo Testamento não tem na bíblia dos
evangélicos. E com isso desperto a revolta do Ceilandinha,
que consegue colocar mais quatro presos contra mim. Céus,
é impossível manter o clima ameno por ali.

Na manhã seguinte, um pouco antes da entrega da


marmita, o João da Brasilândia me chama no 21 e pede para
negociar o calçado. Digo que posso fazer por 220 reais em
dinheiro e 30 em maconha. Ele pede para ver o tênis, eu
109
colchão pelo buraco da grade. O classificado então conta que
o colchão pertencia a um preso que fora pego com 13 mil
reais e 50 gramas de maconha escondidos. Ao ouvir isso o
Josias fica doido querendo abrir o colchão, e pergunta ao
classificado quem é o dono agora:

- O agente mandou para um tal de Sérgio aí, que


entrou agora - é a resposta.

- Sou eu! É para mim! - já logo me manifesto e


emendo - Depois nós vemos isso de ver se tem algo mas
vamos apalpar ele aqui e ver se tem algo.

Apalpamos o colchão de ponta a ponta e não


encontramos nada. Josias se dá por satisfeito. Devolvo então
o colchão do Jason, que não gosta nada disso. O cara parece
ser problema. Mesmo assim devolvo e subo para a jega
vazia, a do terceiro andar. Nunca pensei que um dia me
importaria tanto com isso, mas nem acredito que hoje vou
dormir deitado em uma cama com colchão. Estou feliz demais
nesse momento.

Organizo minhas coisas na jega e tomo um banho. O


banheiro na cela 12 tem uma cortina feita com lençol que dá
um pouco de privacidade para quem usa o boi. Poder "entrar
e fechar a porta" para defecar não tem preço. Até se
masturbar é possível ali.

Depois de trocar de roupa, desço para a praia e fico


conversando com os outros presos. Às 21h30, os agentes
passam na galeria chamando os presos que receberam
alvará de soltura e, portanto, agora serão colocados em
liberdade. Todos só dormem depois que passa o alvará. Nos
despedimos dando boa noite e ouço alguns dizerem "bem-
vindo".

80
11. SE FICAR O BICHO COME

Conforme os dias passam, vou aprendendo a conviver


melhor ali dentro. Já se manter longe de confusões é outra
coisa.

Em uma tarde tranquila na cela, estou dormindo na


minha jega quando o Jason inventa de fazer um bolo. Para
isso precisa ligar o pato, um fio feito com alumínio das
marmitas e ligado à lâmpada da cela, e sem titubear ele
escala a minha jega. Dormindo, sem saber de nada, sou
acordado pelo Jason espremendo meu pé nessa subida. Dou
uma resmungada. Então ele mais que depressa começa a
dizer que eu sou um merda, que fico lendo a bíblia, mas só
falo em maconha, que quero algo que ninguém nunca vai
aceitar - deixar os filhos plantar maconha -, e que eu sou um
merda, um safado de merda.

Será que eu me jogo em cima desse cara e quebrou


ele todinho de porrada? - Fico ali pensando em silêncio.

Só que o Jason mede quase 2 metros e pesa uns 110


quilos. Seu braço é da grossura da minha perna. Não tenho
como responder à altura e acho mais prudente deixar ele
falando sozinho. Tirando uns poucos puxa-sacos que apoiam
a falação do Jason por medo ou querendo tirar alguma
vantagem, todos na cela fazem de conta que nada aconteceu.

Estou agindo de forma correta, acredito. Tenho


confiança no meu discernimento. Vejo que a convivência nas
celas é complicada principalmente porque um preso não quer
ser menos que o outro. E ali as pessoas são capazes de
admirar apenas o que de ruim uma pessoa fez e faz. É uma
lógica invertida. Um fato difícil de encarar que aconteceu na
nossa ala foi quando um preso se colocou como alcaguete
dos agentes. Não para obter classificação e regalias, mas por
medo de morrer.
111
Na cela 17, bem atrás da nossa, tem um preso
chamado Cinco da Sul. É um cara extrovertido e
comunicativo, traficante de drogas e ladrão, que foi preso em
casa com 100 gramas de maconha e algumas filmagens de
venda. Ele tem um caráter duvidoso e age como se fosse o
dono da cela.

Certa vez, o Cinco da Sul perdeu alguns pertences na


revista de entrada para o sol. Muitos outros presos perderam
também. Passados 2 dias, os classificados da cela 9
ofereceram alguns itens para vender na ala. Eram lençóis,
tênis, camisetas e bermudas. Um destes lençóis era o do
Cinco da Sul que, ao se dar conta, já saiu gritando que eles
eram ladrões e estavam roubando os presos. Isso não era
bem verdade, se considerarmos que os classificados vendem
apenas o que lhes é dado pelos agentes penitenciários.

Alguns presos manifestaram apoio ao Cinco da Sul.


Mas o Josias, que estava até então deitado e era amigo de
um dos classificados, tomou as dores para si. Ele então subiu
no 21 e começou a ameaçar o Cinco da Sul. Começou uma
briga verbal intensa que culminou com o Josias dizendo que
iria furar o Cinco da Sul no pátio. Com medo do Josias, o
preso ameaçado começou a bater na lata chamando os
agentes. Daí quem se amedrontou foi o Josias, que do lado
de cá viu os homens chegarem e conversarem com o Cinco
da Sul fora da cela. Isso é sinistro, nenhum preso fica de
papinho com agente. Com o Cinco da Sul voltando para a
cela, o Josias sentou triste na jega e começou a murmurar
que seria levado para o seguro.

O seguro é onde os presos insubordinados são


levados de castigo. É uma cela sem janelas, sem colchão,
sem cama, com apenas uma torneira para as necessidades
de mais de 30 homens. Lá os presos só recebem a marmita e
mais nada. Como o vaso vive entupido e não tem quem
desentupa, eles cagam nas marmitas e depois jogam para
112
fora da cela. Dizem que lá também é comum acontecerem
estupros entre os detentos. É o inferno na Terra.

Todos na cela 12 viram que o Josias falara demais e


agora podia morrer pela boca. Eu não gostava do Josias, ele
nunca me tratou bem e me oprimiu demais. Mas tive dó do
ser humano enfraquecido ali sentado, impotente diante das
vontades da cadeia.

Não deu 30 minutos, os agentes vieram até nossa cela


e chamaram pelo nome do Josias, mandando ele pegar suas
coisas e sair. Compadecido, ofereci uma grana a ele para que
pudesse comparar algo na nova cela. Ele me olhou como se
fosse uma caça pedindo misericórdia ao seu caçador. Peguei
um pouco do dinheiro e dei a ele. O Luiz também deu algum
dinheiro. Apesar do Josias ser estúpido e muito antissocial,
era um ser humano como todos nós. Ajudar é importante, não
importa a quem.

O convívio com o Josias na cela 12 da ala A do bloco


1 terminou com ele indo embora levando suas coisas debaixo
do braço. O Quelete herdou sua jega e eu não devia mais
nada da minha. Agora era totalmente minha por metade do
preço que me foi cobrado com tanta voracidade pelo cara.

A saída do Josias foi comemorada na cela. Todos


diziam que ele pagou o preço por ser agressivo e prepotente
demais. Ao querer dominar e oprimir os outros, acabou se
dando mal com seus próprios passos. Havia uma expectativa
no ar de que o convívio na cela passaria a ser mais
agradável, com menos ofensas e brigas gratuitas.

Mas agora quem quer o domínio da cela é o Jason. E


o Jason tem muito mais força física e influência sobre os
outros presos do que o próprio Josias. Ele chegou faz tempo
no CDP, é um cadeeiro que diz estar em um novo caminho
porque Jesus lhe mostrou. Tanto que lê a bíblia e se mostra
temeroso às leis de Deus. Talvez queira ser assim de
113
palavras positivas e dividir o que eu tiver de bom com quem
faz por merecer. Isso certamente exclui o Josias e o Jason.
Com eles procuro manter apenas a educação e também
passo a agir com alguma submissão. Não quero encrenca
para o meu lado.

As celas da ala A têm perfis distintos. A 11 e a 12 são


para presos "normais", como eu. Nas de número 8, 9 e 10
ficam os classificados, que entre outras regalias têm TV na
cela. Na 13 ficam presos com diabetes e, na 14, presos trans
e homossexuais. Os corredores não são limpos, mas ainda
assim têm menos sujeira que na ala da triagem onde eu
estava. A entrega de alimento é mais organizada e agora vou
poder receber visitas das pessoas que amo. A vida na cadeia
está melhor do que era antes.

Na cela e ala novas eu converso bastante. Falo sobre


o que faço, quem sou, tento dar conselhos. A maioria dos
presos é gente jovem e pouco estudada que, provavelmente,
passará a maior parte da vida na cadeia. Acabam ficando
sem acesso a informações e se mostram interessados em
adquirir conhecimento. Até porque a variedade de assuntos
ali dentro é escassa. Mas sempre tem os que gostam e os
que não gostam do que ouvem.

Durante meus dias na prisão, muito do que eu falava


era interpretado de uma forma diferente do que eu queria
passar. Achavam que eu estava de conversa fiada, contando
vantagem. E, quando eu embasava minhas falas com
conceitos e dados que estudei na vida, a falta de argumentos
para debater deixava muitos com raiva. Daí surgiam brigas.
Era mais recomendável mesmo me manter calado. Assim
como me aconselhou o agente aliado da minha família e
como eu via o Baiano fazendo na sua conduta.

83
Isso aconteceu por mais de um mês e só parou depois que
instalei câmeras nos corredores dos banheiros. Quando
contava sobre dois rapazes que foram pegos pelo meu
sistema de segurança roubando alianças, o Jason gritou da
sua jega:

Cala essa boca, seu otário! Seu merda! Fica aí


contando vantagem que prendia malandro e vai ser cobrado
no pátio! Até parece que não sabe que aqui só tem ladrão!?

Ao ouvir isso, me calei. Olhei em volta e os presos me


encaravam como ursos. Me senti um salmão. Pela primeira
vez, a censura do Jason fazia sentido: eu estava confessando
participar de algo que afetava todos eles. Na hora retruquei o
Jason dizendo ser alguém comum que por acaso estava
preso, era um empresário que trabalhava na legalidade e não
no crime. Mas ele não quis saber. Falou que eu merecia era
uma surra. Olhei de novo ao redor e o pessoal da outra cela
com quem eu antes conversa agora estava quieto me
analisando. Parei então de contar casos passados e justifiquei
a eles que só fazia meu trabalho. Eles foram compreensivos,
disseram que entendiam que eu tinha uma vida normal. Mas
que, se eu estava ali, é porque era bandido, sim.

Naquela situação delicada, me vi obrigado a


concordar. Mesmo trabalhando como técnico de segurança
que combate golpes e furtos. Mesmo sendo um cultivador que
planta para lutar contra o tráfico. Sim, ali eu era bandido
também. Pelo menos, até que o meu julgamento chegasse
para dizer o contrário.

Tem horas em que a cela fica insuportável.


Normalmente, os presos usam o banheiro no começo da
manhã e no fim da tarde, após o jantar. Muitos deixam virar a
noite para usar o boi assim que amanhece e aí a coisa fede
de verdade. São peidos que chegam a acordar quem está
dormindo com um fedor maior do que o da própria merda.

115
É comum ver ratos enormes passeando pelos
corredores. Teve um que mordeu o cotovelo de um preso. Foi
algo alucinante, aconteceu enquanto todos dormiam. O preso
acordou gritando e pulando. Ninguém viu o rato, mas lá
estava a mordida dele.

Para mim, o pior são as malditas baratas cascudas.


Elas me deixam paralisado, não sei o que fazer e nem como
reagir. Pelos corredores também alimentamos os pardais.
Damos até nomes a eles, que estão sempre ali à espera de
um pedaço de pão ou grãos de arroz. São só pardais, mas os
agentes não permitem que a gente dê de comer a eles.
Porque o que sobra dos pássaros vira comida para as baratas
e ratos.

Devido à falta de maconha, tenho sonhos constantes.


São diferentes, pesados, sonho que estou passando
sofrimento em lugares imaginários sem poder agir. Neles
estou sempre como observador, as pessoas conhecidas que
aparecem não me reconhecem. Muitos são os momentos em
que acordo assustado e me sinto feliz de estar na cela.
Porém, vez ou outra tenho sonhos bons também, que me
deixam deprimido quando desperto e vejo que estou preso
naquele pesadelo.

Em muitos sonhos, me vejo fazendo sexo. Estou


sentindo muita falta disso: do cheiro de uma mulher, de poder
tocar sua pele, de sentir sua boca me tocando. Ali só
podemos falar sobre mulheres, nunca ver. As únicas que
vemos são as agentes penitenciárias. Posso dizer que são
belas mulheres, fortes e saudáveis, com sua agressividade
que dá margem a muitas fantasias em meio a tanto
testosterona sem válvula de escape. Invariavelmente, depois
dessas noites de sonhos eróticos acordo agoniado, de mastro
erguido. Só tomando um banho gelado para acalmar. É algo
torturante deixar um ser humano adulto sem sexo. Mesmo
quem consegue o benefício da visita íntima só tem direito a
116
sexo de 15 em 15 dias. A falta de privacidade ali dificulta
também a masturbação. Como fazer isso em uma cela com
mais de 30 pessoas, dormindo sentado de ombro colado com
um desconhecido?

O resultado é que na prisão vivemos sonhando com a


amada guerreira que está lá fora. Nós sobrevivendo lá dentro,
ela vivendo lá fora. Isso faz com que os presos fiquem loucos
a respeito de suas mulheres. Ficamos inseguros e tentamos
ser fortes na hora que se toca no assunto. Porque é
desolador pensar na mulher amada e não ter como conversar
com ela. Na cadeia não tem Watts App.

Mais 3 presos chegam na cela 12: Ernane, Gordão e


Elias. Dois dias depois, chega também o Urubu. Agora a cela
está lotada. Estamos em 15 presos e continuam sendo
apenas 6 camas.

Urubu é um conterrâneo goiano que foi preso por


assalto à mão armada, artigo 157. É reincidente, cumpriu 13
anos de cadeia em outra ocasião. Com sua personalidade
forte, chegou se posicionando como alfa, mostrando ser um
grande conhecedor da psicologia humana na cadeia. Um dia
após sua entrada, já encrencou com o Ernane, que o mandou
tomar no cu. Urubu subiu na jega onde Ernane estava e o
desafiou a dizer novamente se fosse homem. Falou isso bem
de perto, com os punhos fechados, e repetiu isso umas tantas
vezes. Ernane então pediu desculpas. No dia seguinte Urubu
discutiu com outro cara, preso na cela do fundo. Ali vi ele
muito nervoso, com as mãos até tremendo, enquanto
chamava o outro de desgraçado e cabra safado. Como os
dois não se alcançavam, a briga não chegou às vias de fato.
Contudo, esses episódios deixaram claro para todos como o
Urubu era.

117
Contudo, Josias está irredutível. Reafirma que a jega
lhe pertence, que foi deixada para ele por um preso de nome
Paulista. Se eu quiser continuar ali, posso pagar em até 3
vezes - 100 reais a cada dia de visita. Não sei se vou poder
pagar e tenho certeza de que não aceito essa cobrança. Para
ganhar tempo, digo a ele que concordo com o prazo. Mas
pondero que a compara ainda não foi efetuada. Vou ver como
consigo fazer, se saio ou se compro.

Essa conclusão da conversa não agrada em nada ao


Josias, que estava mais acostumado a lidar com a submissão
dos outros. A partir daí ele vira meu inimigo. Passei a ver no
seu modo de lidar comigo o ódio que ele tinha por mim. Se
pudesse, me mataria sem pestanejar. No mínimo, daria algum
jeito de me prejudicar. Logo eu, que fora preso por plantar
para não lidar com o tráfico, agora me via em conflito com um
traficante barra pesada. E o motivo era o que deveria ser o
mínimo fornecido pelo Estado para qualquer pessoa sob sua
custódia: um lugar onde dormir.

É óbvio o porquê de tanta negociação em torno


das jegas. Além da possibilidade de dormir deitado, o preço é
o da privacidade. De ter um lugar reservado para sossegar,
de poder se fechar para o resto e só deixar subir quem for
convidado. Esses pensamentos tomam conta de mim quando,
2 dias depois da última remessa, chegam mais 2 presos para
aumentar a lotação na cela: BH e Coruja.

BH fora preso junto com o cunhado enquanto


roubavam uma bateria de carro, artigo 155. Apesar do apelido
sugerir uma origem mineira, BH é na verdade baiano. É um
senhor de 58 anos engraçado e comunicativo, um ladrão
antenado e cheio de histórias. Que também não perde a
chance de se lamentar e mostrar toda sua desolação por
estar ali. Diz ele que é a sua primeira vez em uma prisão.

86
com a liberdade de outros, manter preso alguém já liberto é
uma grande responsabilidade para o complexo. Por isso, era
costume soltar os presos na mesma noite em que sai o
alvará. Quem tem vai embora de ônibus. Pega a condução na
beira da rodovia com um documento de isenção de
pagamento da passagem.

Na noite em que comecei a compartilhar minha jega,


nenhum preso dos 15 que estavam na cela é chamado na
lista do alvará. Chega a hora de dormir, deito do lado da
parede e o BH fica do lado de fora. Ele é um senhor um
pouco forte, com cerca de 1,80m de altura, e dividir a cama
não é nada fácil. Além de ficar apertado no canto, cada vez
que pego no sono sou logo acordado com algum movimento
dele. Quando graças a Deus amanhece, não comento nada
disso com o BH. Apenas iniciamos nossa manhã comendo
bolachas com todinho. Minha dispensa está cheia e
compartilho o que tenho com o companheiro.

O BH sofria de um mal em comum comigo: a opressão


do Jason. Era notório que eu e o Jason não nos dávamos
bem, mas ele também não era amigo de ninguém. Explorava
os companheiros de cela, só pensava nele e certa vez
espancou um preso até o deixar quase morto. Embora não
fizesse o mínimo esforço para demonstrar isso, o Jason tinha
também seu lado sociável. Ele limpava bem a cela, mantinha
suas coisas sempre organizadas e, de uma forma talvez um
pouco agressiva, dividia seus conhecimentos de cadeia com
os demais.

Um dia, um agente chegou na cela e chamou o Jason,


que respondeu com o sobrenome. O agente mandou ele
pegar suas coisas, pois seria transferido. Jason quis saber
para onde seria levado, e ouviu um "cala a boca e anda logo!
” Em retorno. O preso ainda tentou reivindicar sua
permanência em nossa cela, o que levou o agente a repetir a
119
mesma ordem aos gritos. Jason fez sua trouxa de coisas.
Antes de sair, virou para a gente e falou com muita tristeza:

Alguém me entregou. Fui dedurado.

Jason foi transferido para a ala B do bloco 1, a ala dos


novinhos. Porém, um classificado nos contou que ele não deu
conta de ficar lá. Naquela área as celas não têm janelas,
apenas a grade. Com 30 presos fumando e falando em um
espaço que deveria comportar apenas 6 pessoas, era
impossível respirar. Para completar, Jason acabou brigando
com outro preso e quebrou o dedo dele. A cela então bateu
na grade pedindo aos agentes para o novato sair.

Levado para o corró enquanto esperava a definição de


sua próxima morada, Jason se desentendeu com um agente
e deu-lhe um soco na cara. Outros 6 agentes vieram em
socorro do primeiro, puseram o Jason de pé e fizeram uma
roda em volta dele. Enquanto uns seguravam as mãos, o que
levou o soco usou o próprio chinelo do Jason para desferir
dezenas de golpes nos seus olhos. Da nossa cela, podíamos
escutar as chineladas e os gritos de sofrimento.

Encerrada a sessão de tortura, Jason foi levado para a


cela do castigo. Ao chegar na porta, antes de entrar, um
agente esguichou spray de pimenta bem de perto nos olhos
do preso. Jason voltou a gritar:

• Ai, meus olhos! Meu Deus, me ajuda! Meus


olhos! Socorro!

Gritou assim por duas horas ou mais. Até que os


agentes reapareceram na cela e o espancaram novamente
para que ficasse quieto. Jason foi levado em seguida para a
enfermaria, onde permaneceu por algumas horas antes de
retornar ao castigo. Nunca mais tivemos notícias dele.

120
Voltando à minha convivência com o BH, estivemos
em paz somente até a segunda noite em que dormimos na
mesma jega. Foi ainda pior do que a primeira. Dormi muito
mal e manifestei isso a ele. Assim que amanheceu, falei que
ele teria que descer da jega.

BH ficou louco de raiva. Me xingou de tudo. De safado,


desgraçado, disse que eu era um alcaguete e me acusou em
alto e bom som de ter dedurado o Jason. Nesse momento,
senti os olhares de todos se voltando para mim. Desafiei o BH
a provar o que disse, mas a dúvida já tinha aterrissado na
cela. Além da minha desavença com o BH, agora eu era visto
com desconfiança também pelos outros presos.

Depois desse episódio, o BH passou a dormir em uma


rede feita por ele próprio. Eu segui no meu canto, na minha
jega, fechando a cortina com uma frequência maior para
ninguém me ver e nem ter que ver ninguém. Porém, fiquei
revoltado com o ocorrido. Me senti injustiçado. Lembrei de
uma história envolvendo o Passarinho e o Baiano. O Josias
tinha batido no Passarinho e, junto com o Jason, ordenou que
ele saísse da cela. No dia seguinte, Passarinho juntou suas
coisas. Quando ia pedir ao agente para sair, Baiano interferiu
dizendo que também sairia. Na mesma hora a dupla de
xerifes mudou de discurso. Porque se o Baiano saísse da cela
junto com o Passarinho, seria mais complicado justificar o
motivo para os agentes.

Se tem uma coisa que os agentes não aceitam são


presos metidos a xerife. Josias e Jason então recuaram,
dizendo que não era preciso os dois saírem. Seguiu-se uma
discussão e outros presos entraram no meio. Ao mesmo
tempo em que todos gostariam de ver a dupla de vilões ser
punida, ninguém queria sofrer as possíveis represálias. Por
fim, Passarinho e Baiano permaneceram na cela. Com a
condição de serem deixados em paz pelos opressores. O
reinado da dupla Josias e Jason não duraria muito mais
121
amigo dele também. Porque um dia depois do banho de sol
seguinte, o Josias me manda sair da jega de uma forma bem
agressiva. Agora ele diz que quer receber tudo de uma vez e
que é para eu pagar já na próxima visita.

- Isso tá errado. A gente combinou outra coisa - me


defendo.

Com o Josias não tem argumento. Ele já assumiu que


a jega é sua propriedade e também que eu posso ser solto e
ficar sem pagar. Fico em silêncio para a situação não piorar e
vou ganhando tempo enquanto posso. A consequência
imediata é que passo a ser perseguido com ameaças e
discussões gratuitas diárias. Em uma dessas situações de
implicância, sobrou até para outro preso. Josias ficou tão
nervoso comigo que descontou no Passarinho. Socos no
rosto, tapa na cara. Em sua humildade, o Passarinho se
recolheu acuado no canto da cela, ainda sob xingamentos e
ameaças do Josias. Já o Jason aproveitou o momento de
opressão para espezinhar ainda mais o oprimido.

Tirando as interações com o Josias e o Jason,


poderíamos dizer que as relações entre os presos da cela 12
são tranquilas. O BH é um que contribui para isso. Em
contraponto aos abusos cometidos pela dupla de xerifes, BH
simpatiza bastante com o Passarinho. Brinca com ele, pega
no pé, faz algumas piadas até de mal gosto. Demonstra
gostar dele de verdade e adota o Passarinho como se fosse
um parente.

Durante as tardes, Ceilandinha e Baiano costumam


praticar exercícios físicos. O Coruja é mais na dele. Vendo ele
devorar em silêncio sua quentinha, qualquer um diria que é
um cara sossegado. Em uma dessas conversas de cela, ao
contar sobre sua passagem na triagem antes de chegar ali, o
Coruja disse que tinha sido tudo bem - até porque já estivera
lá antes. O Josias não acreditou. Chamou ele de mentiroso,

89
12. MENSAGENS DE DEUS E UMA MENSAGEM AOS
MEUS

Os presos rezam muito. No meu modo de ver, passam


a crer em Deus e Jesus Cristo por carência. Ou por influência
dos que se apresentam como pastores ali dentro.
Diariamente, os detentos mais religiosos cantam músicas de
louvor e rezam o Pai Nosso. Por ter uma mensagem positiva
de amor, acredito que a prática seja saudável ao convívio. Só
que tudo na cadeia se torna radical. No caso da religião, a
coisa é meio Talibã.

Todos são muito sérios em relação a essas questões.


Na ordem de prioridades, primeiro vem a rainha Mãe, depois
a guerreira companheira e em seguida as regras de Deus.
Não que o entendimento dos significados dessas leis seja
muito profundo. Certa data, estávamos ouvindo os presos da
triagem fazendo sua oração. Eis que surge um certo
desentendimento em alguma das celas e o culto é
interrompido. Então um preso grita para que todos respeitem
o culto e deixem os acertos de conta para quando ele
terminar. É no mínimo uma incoerência com a palavra de
Deus. Por acaso o “não matarás” e o “amor ao próximo” são
válidos apenas durante o culto?

Eu tenho uma espiritualidade evoluída a respeito de


minha vida e de como pensar sobre Deus e os seres vivos.
Na prisão, me dediquei um pouco à bíblia, lia ela diariamente.
Nos cultos que conduzia, lia versículos específicos e
acrescentava meu entendimento particular sobre eles para os
que me escutavam no corredor. Procurava sempre ler algo
que tivesse a ver com a vida dos que estavam ali dentro. Sem
ser exagerado na adoração, falava sobre conduta e respeito
ao próximo. Assim, minha voz foi ficando conhecida em
outras celas. Alguns presos me paravam no sol e
perguntavam se era eu quem falava na cela 12 na hora do
123
culto. Ao confirmar que sim, ouvia elogios do modo como eu
pregava.

Um dia o pastor pediu que, uma a uma, as celas


passassem a dirigir os cultos. E, por conta das minhas
leituras, a cela 12 seria a primeira já na noite seguinte. Isso
desagradou tanto ao Urubu quanto ao Ceilandinha, os dois
companheiros evangélicos que discordavam das minhas
abordagens. O primeiro quis porque quis participar da
condução do culto. Como o Urubu era meio perturbado, eu
agia com ele na defensiva. Então disse a ele que preparasse
a mensagem que quisesse passar para a noite seguinte.

Deitei na jega e fiquei lendo para definir qual tema


seria abordado na parte da homilia e qual canção seria
louvada. Amanheceu no dia do culto que eu dirigiria. Para
mim era importante fazer tudo bem feito. Tenho facilidade
para falar em público e a oratória eu sabia que seria tranquila.
Mas queria trazer um assunto que contribuísse para o
fortalecimento da fé de todos. Assumi isso como uma missão.

No começo da tarde, Urubu sugeriu que o tema fosse


sobre o livro de Jó. Respondi que falaria sobre caridade, tema
do livro de Mateus. Ele retrucou que o espírito santo, o
próprio, lhe dissera que deveria ser Jó. Encerrei a conversa
falando para deixarmos as coisas acontecerem na hora. E
cada um passou o resto do dia no seu quadrado.

Quando deu 19:00, o pastor anunciou o culto e passou


a bola para a cela 12 iniciar os trabalhos. Eu abri a sessão
agradecendo a Deus e à ala toda pela oportunidade. Fiz uma
introdução sobre qual seria o assunto da noite e em seguida
cantamos uma música de louvor. Passei a palavra para os
presos da cela 14, que fizeram o seu louvor de hinos. E fui
passando a vez para cada cela do corredor trazer sua
mensagem. Quando voltou para a cela 12, dei a oportunidade
ao Urubu e ele nem hesitou: desatou a falar de Jó e de como

124
o espírito santo tinha tocado seu coração. Urubu seguia sem
botar pontos finais, não parou mais de falar. Baixinho, no pé
do ouvido, tentei reorganizar a parada:

- Chega, Urubu. Vamos dar andamento ao


culto.

Ele continuou:

- … e mesmo que um espiritozinho


endemoniado venha me falar no ouvido para parar, eu não
paro! Pois foi o espírito de Deus quem me mandou falar!

Dessa forma o Urubu ocupou todo o tempo que eu


tinha planejado usar na minha parte do culto. Ele ainda louvou
um hino antes de devolver a palavra para mim. Eu só fiz
encerrar a sessão rezando um Pai Nosso, agradecendo pela
oportunidade de dirigir a benção e dando boa noite. Todos
deram boa noite.

Nem olhei para o Urubu. Disse apenas que era para


ter sido como tínhamos combinado. E mais nada. Apesar de
não ter gostado da forma que ele falou, sem dar contexto para
sua mensagem e tomando conta do culto inteiro, eu não ia
bater de frente com um matador fanático.

Mais um dia de visita de aproxima. Vão completar 45


dias desde que cheguei à cela 12 e sinto que já me acostumei
à rotina da cadeia. Tenho minhas coisas para comer, a galera
já me conhece e, sempre que vou ao corró nas visitas dos
advogados, sou reconhecido por outros presos. Todos sabem
que na ala dos coroas tem um professor da maconha, como
eles dizem. Fico até envaidecido com isso e faço questão de
agradecer de forma humilde. Ali tem muita gente de coração
bom que agiu errado por circunstâncias da vida. Aliás, é o que
mais tem.

125
guarita libera o pátio na hora que ele quer. Às vezes somos
xingados e humilhados de graça mesmo estando em silêncio.
Já teve vez em que ficamos mais de uma hora sentados,
imóveis, só para depois sermos levados de volta às celas. Em
outra ocasião, fomos obrigados a rezar o Pai Nosso. Os
agentes penitenciários são treinados a mostrar que não
podemos querer qualquer coisa, não temos direito a nada, só
devemos obedecer e aceitar o que é dado. Isso quando é
dado algo.

No período em que estive na ala A, fiz alguns amigos


e também fui reconhecido por muitos presos, tanto novinhos
como coroas, que me viram no noticiário policial da TV. Fiz
amizade também com alguns classificados e isso adiantou o
meu lado, principalmente na hora de ir às comparas. Passei a
pagar 4 reais a um deles para que me trouxesse itens da
cantina. Dessa forma eu evitava as brigas da fila e
aproveitava melhor meu tempo ao ar livre.

Em uma de minhas saídas para o sol, sou chamado


por um classificado conhecido como Professor. Ele é um
preso antigo no CDP, respeitado nas celas e bem quisto pelos
agentes. Certa vez eu tinha dito a ele que era professor
também, que falava inglês e um pouco de espanhol. Na
ocasião ele começou a falar comigo em uma língua enrolada,
semelhante ao inglês, para testar se eu sabia mesmo.
Descobri assim que o Professor não falava coisa alguma de
inglês. Depois dessa chamada oral, ele disse que me
apresentaria uma pessoa que não falava português para eu
tentar ajudar.

Eis que o Professor me chama no banho de sol e sou


apresentado a um negro forte, de aparência tribal. Seu nome
é Ugo Peter. Ugo fora preso no aeroporto de Brasília com 900
gramas de cocaína na barriga. Ele conta que a atendente do
check-in desconfiou de seu passaporte novinho em folha, sem
carimbos, um passaporte argentino na mão de um cara com
92
- Uai! Soca o dedo no teu cu e rasga,
Ceilândia! - Reagi no impulso.

Todos os outros ficaram olhando para nós dois,


esperando o que viria acontecer. Ceilandinha arregalou os
olhos, ficou uns 5 segundos bufando de raiva e não se
conteve. Veio para cima de mim. Ele subiu no 21 como um
macaco louco para alcançar a minha jega, mas antes que
conseguisse qualquer coisa eu dei um soco no seu olho.
Ceilandinha ficou balançando os braços desnorteado e só não
despencou porque o BH, que estava em cima do 21, o
segurou. Ele tentou mais uma vez vir para cima da minha
jega, e com os pés dei um coice que o empurrou de volta.
Desequilibrado, Ceilandinha desceu do 21. Nessa hora os
outros presos da cela se dividiram: uns diziam para deixar
disso, enquanto o Urubu com mais uns dois diziam para abrir
a praia e deixar nós dois resolvermos.

Como não saí de cima da jega, Ceilandinha pulou,


agarrou meu colchão e o jogou no chão. Consegui escapar da
queda, então fui intimado a descer e sair na porrada com ele.
Eu não queria isso, mas as provocações me impediam de
arregar. Desci da jega e ouvi o Mariola dizer:

Tira os óculos, professor.

Tirei os óculos e só conseguia pensar em não deixar


ele acertar meus dentes. Ali não tem dentista. Mas então os
presos do deixa disso, em maior número do que os que
queriam ver sangue, conseguiram acalmar as coisas.
Ceilandinha ainda ficou um tempo reclamando que eu o
peguei na traição. Queria vingança contra o soco que dei na
sua lerdeza. Eu me mantive quieto, arrumando minha jega. E
fui procurar o baseado que estava fumando quando a briga
começou.

Cerca de uma hora depois, desci da jega para usar o


boi e tomar banho. Fiz o que tinha que fazer, me lavei e, ao
127
abrir a cortina do boi, lá estava o Ceilandinha. Ele disse que
deixaria para lá a nossa treta porque agora era uma pessoa
de Cristo, que estava mudando seu jeito de ser, mas que
tinha negócios futuros com o Luiz lá fora. Se eu atrapalhasse,
ele ia arrebentar minha cara. Me preparei para a agressão
que ainda poderia vir, mas não passou dessa ameaça. Um
jogo de cena para o resto do pessoal ver como ele era
violento, alguém que só não me detonou ali porque não quis -
coisa que eu não acho. A guerra agora estava declarada
entre mim e ele. E também com o Urubu, que adorava se
fazer de meu amigo, mas que se revelou um palhaço
querendo ver o circo pegar fogo.

No dia da minha terceira visita desde que chegara, eu


tinha a expectativa de receber minha irmã Sandra. Ou a
Nayara, minha última esposa, de quem eu estava separado,
mas com quem fui preso naquela madrugada fatídica. Eu
sabia que ela estava atuando a meu favor.

Fiquei esperando elas chegarem até por volta do


meio-dia, quando vi Sandrinha surgir na grade do portão de
entrada. Ela sorriu e já veio perguntando:

- Você estava esperando a Nayara, né?

Sorri de volta dizendo que esperava elas todas, e que


estava muito feliz por vê-la ali. Fomos ao espaço que eu tinha
arrumado para ficar e conversamos sobre uma porção de
coisas. Ela contou que Jacqueline não pudera vir porque
estava no meio de uma viagem. Dei a ela uma carta para ser
publicada em meu nome no Facebook. Eu tinha medo que os
seguidores do THCPROCÊ me esquecessem. Tinha medo de
que minha experiência na cadeia fosse em vão. Foi a própria
Sandra quem depois acabou publicando a carta em meu
nome no Facebook, no dia 7 de outubro de 2016. Dizia a
carta:

128
“Olá, amigos.

Espero que estejam bem e firmes no propósito do


Plantar Para Não Comparar. Ando angustiado por aqui. Vou
lhes contar um pouco do que vivo na CDP/DF. Ao ser preso
em casa, fui levado até uma delegacia com as plantas que eu
tinha. Lá um policial disse que ficaria com um dos pés que
eles prenderam, disse que ia cuidar e não colocaria no
processo. Foda, mas de boa. Fiquei nessa delegacia por 24
horas, e foi nela que me entrevistaram após eu passar a pior
noite da minha vida; peço desculpas a vocês por ter chorado
em alguns momentos da entrevista. Eu estava muito
emocionado com tudo o que estava acontecendo.

Logo após a entrevista, fui levado para a DPE/DF, um


lugar muito ruim e opressor. Ali vi que a coisa ia ser difícil e vi
o quanto minha vida era boa e feliz. Fiquei ali por 4 dias, foi
horrível. Após isso, fui levado para a CDP/DF, casa de
detenção provisória, muito pior que a anterior. A CDP/DF é
realmente um inferno sem fim. Ainda vou escrever um livro
com os detalhes, mas aqui é algo desumano. Vivo em uma
cela 3x3 metros, com mais 11 pessoas, alguns dormem em
camas (jegas) e o restante no chão duro; alguns com colchão,
outros não. Já passei por quatro celas diferentes, já fiquei em
uma tal de triagem com mais 16 presos e só 2 camas, fiquei
dias sem ver a luz do sol e sem caminhar. Ali chorei e senti na
carne a maldade humana. Foi muito difícil suportar. Sobrevivi
ali dormindo agachado e o pior: fazendo as necessidades na
frente de todos. Muito humilhante.

Tenho tentado viver, sempre penso que não será para


sempre, penso em vocês, na minha família, nos meus
gatinhos, peço a Deus que a juíza do meu caso me liberte,
estou fraco com tudo isso. Muitas coisas me parecem
distantes, não vejo meu rosto mais, comida ruim, sol dia sim e
dia não. Saudades demais. Não se esqueçam do THCProcê,
aqui vocês são minha força.
129
Porém, nem todos recebem bem a experiência.
Josias não participa. Durante esses cultos, ele sempre
mantém a cortina da sua jega fechada, abrindo vez ou outra o
cantinho para disparar com o olhar rajadas de maldade em
minha direção. Até tento puxar conversa e integrar o cara ao
grupo, mas ele recusa com raiva. O Ceilandinha até participa,
embora seja evangélico e não aceite minha orientação
religiosa. Ele polemiza os comentários que faço por me achar
uma pessoa dominada por espíritos maus. E quando o
assunto gera discussão, daí sim o Josias aparece para somar
no lado contrário ao que eu estou. É nessas que a minha
relação com o Ceilandinha vai azedando de vez também.

Existem vários negócios comerciais internos à cadeia


com diferentes presos controlando. Existe, por exemplo, o
bingo. Sem os agentes saberem, o jogo rola solto pelos
corredores das celas.

As cartelas são enviadas em branco. Você escolhe os


números, escreve e envia de volta para os organizadores.
Para o seu jogo ser válido, junto deve ser enviado o
pagamento de 2 reais por cartela. Os donos do negócio
autenticam a cartela paga com a assinatura deles e devolvem
o papel ao dono. As vendas ocorrem de tarde e o bingo
acontece à noite.

Quando chega a hora de cantarem as pedras, um


preso de outra cela é nomeado para repetir os números que
forem saindo. Assim, todos podem ouvir pelo menos duas
vezes cada número. O dono da mesa fica com 20% da grana
arrecadada. E o resto vai para o prêmio, que varia de 50 a
150 reais por bingo.

Toda vez dá problemas. Desconfianças que viram


gritos que viram brigas. Quando o prêmio é dos grandes,
sempre surgem 3 ou 4 ganhadores. Mesmo assim as celas

95
13. COM UMA MÃO NA FRENTE E OUTRA ATRÁS

Eu já estava acordado porque o pessoal do confere


tinha passado. Depois de todos serem contados, me levantei
e tomei um suco acompanhado de bolachas. Terminei o
desjejum, desci da jega para usar o banheiro e ouvi meu
nome ser chamado por um agente na galeria. Respondi com
meu sobrenome. Além de mim, ele chamou também o Coruja.
Mandou nós dois arrumarmos nossas coisas. Seríamos
transferidos.

Fiquei ressabiado. Eu não queria sair dali e perder


tudo que tinha conquistado. Mas a ordem estava dada e o
agente tinha pressa. Com a ajuda dos outros presos, fui
jogando tudo que tinha dentro do meu cobertor, na correria.
Na minha saída, anunciei que a jega deveria ficar com o
Mariola e o Urubu veio logo dizer que eu tinha prometido a ele
a jega. Insisti que não: a jega era do Mariola.

Retirados da cela, fomos levados a um corredor onde


se encontravam mais uns 30 presos, todos com suas trouxas
de roupas. Cumprimentei os que eu conhecia dali. Nenhum
entendia o que estava acontecendo. Ficamos um tempo
sentados, com armas apontadas em nossa direção e ouvindo
gritos de todos os lados. Antes de sair pedi a um preso da
cela 1, conhecido meu, que levasse um bilhete até a minha já
antiga cela 12. Consegui papel, caneta e escrevi que a jega
deveria ficar com o cara da vez na cela, que teria direito a ela
pela ordem de chegada. E esse cara era o BH.

Fomos levados em fila e algemados um ao outro, em


pares, até um ônibus. Sempre ouvindo ameaças de gás de
pimenta e tiros de borracha. O ônibus deu a partida e rodou
por 2 minutos até chegar ao bloco 7. Tínhamos sido avisados
de que nossa cela seria a A2. Ali iniciava a triagem para os
moradores do novo prédio do CDP no Complexo da Papuda,

131
um bloco para presos por tráfico - a maioria - e mais alguns
delitos como Lei Maria da Penha e roubo. Com suas ideias
estapafúrdias, o diretor do presídio queria organizar presos
por artigo penal, e não por periculosidade.

Fomos levados a um grande pátio, com bancos e


mesas de cimento debaixo de uma enorme cobertura. Era um
bloco novinho para onde estavam sendo transferidos 800
presos. Nossa turma foi a primeira a chegar e o pátio estava
cheio de agentes, muitos, mais de 50 agentes. Cada grupo de
35 presos foi colocado enfileirado, um ao lado do outro, todos
sentados no canto do pátio.

Após mais de uma hora naquela posição, já com dores


nas nádegas e nas costas, os agentes começaram a passar
as instruções. Aos gritos, foram elencando tudo que podia e
não podia ali dentro. O diretor apareceu também e falou que
quem estava ali era porque obteve uma oportunidade de sair
da imundice dos blocos antigos. Falou que devíamos
agradecer por estar ali e que, se alguém não quisesse ficar,
que dissesse naquela hora. Um dos presos se levantou - o
Cinco da Sul, que era um alcaguete -, disse ter guerra ali
dentro e que não podia ficar naquele pátio. Os agentes então
o levaram para o seguro. E ninguém mais falou nada. Fiquei
com vontade de falar que queria voltar para a minha cela
antiga. Me faltou coragem.

Com mais de 3 horas sentados no chão debaixo do


sol, sem beber água ou comer algo, fomos encaminhados
para uma revista individual. Ficamos todos nus e nossos
pertences foram examinados: nada além do permitido poderia
passar. Nessa hora vi que tinha muitas agentes femininas
fazendo a revista em presos homens, algo constrangedor. O
agente que me revistou tomou tudo que eu tinha. Jogou fora
os rascunhos do meu livro, um caderno inteiro escrito a mão.
Não me deixou ficar com os cigarros e olha que eu ainda
tentei implorar, dizendo que era viciado. Ele pisou na carteira
132
de cigarros e jogou fora meu isqueiro. Só entrou comigo um
sabonete, o outro foi jogado fora. O sistema penitenciário não
fornece o mínimo e ainda sequestra o que nossas famílias
compararam para termos alguma dignidade ali dentro. Uma
verdadeira sacanagem institucionalizada.

Depois que os agentes revistaram todos os presos,


fomos encaminhados para as celas. Tínhamos sido avisados
que nada poderia ser amarrado na grade e nem escrito na
parede, sob o risco de a cela receber um castigo coletivo. Ao
entrar no recinto somente de cueca e com as coisas na mão
sob uma forte opressão dos agentes, constatamos a situação.
A cela era maior do que as que eu tinha ficado, mas o número
de presos também: 35 homens em uma cela com 8 jegas.

As jegas logo foram ocupados pelos que primeiro


entraram na cela. Eu fui um dos últimos. Fiquei próximo da
porta, me agachei e olhei em volta com horror. Desacreditei
no que acontecia. Era como se reiniciasse ali minha prisão,
tendo apenas meu cobertor e um punhado de itens
essenciais, sem espaço para dormir. Fiquei por um tempo
sem falar com ninguém. Eu não conseguia acreditar em como
o que se consegue na cadeia em semanas é perdido em
minutos. "A cadeia gira”, diz o ditado popular entre os presos.

Para piorar, um preso foi usar o banheiro e o vaso não


funcionava. Estava entupido e não dava descarga.
Chamamos os agentes, mas em meio àquela operação de
transferência todos estavam confusos e cheios de tarefas
para executar. Quando chegaram as marmitas, foi uma
confusão para entregar a todos e organizar o espaço para
conseguirmos comer sentados. Terminada a refeição, as
marmitas com as sobras foram empilhadas em um canto
perto da porta como lixo. Ficaram ali por mais de 3 dias. Com
o vaso quebrado, alguns presos não aguentaram e cagaram
dentro das marmitas. Que foram colocadas nessa pilha

133
• Me desculpa, senhor. Jamais repetirei isso.
Não quis lhe ofender.

O chefe de pátio veio, me olhou com uma cara de


psicopata, e perguntou:

• Há quanto tempo você tá aqui, preso?

• 20 dias, senhor.

• Você ainda não aprendeu o sistema da cadeia


não, né preso?

• Vou aprender, senhor.

Então o agente emendou para encerrar a conversa:

• Eu só não vou te arrebentar porque você foi


homem e falou a verdade, preso. Mas na
próxima vou te extrair!

Eles foram embora e eu subi de volta na minha jega.


Na sequência os outros presos me reprimiram, dizendo que
eu tinha que ter ficado calado.

• Eu não podia deixar todo mundo pagar por um


erro meu. - Respondi.

No meu modo de pensar, essa seria a maneira correta


de agir. Cada um assume seus atos e não deixa os demais
pagarem por seus erros. Mas os presos não toleram dedo-
duro. Mesmo que seja uma confissão da própria autoria,
como a que fiz para os agentes. Preferem aguentar todos
juntos as consequências dos atos de um só do que conviver
com alguém que dá com a língua nos dentes. Na cadeia, uma
delação nunca é premiada pelos presos.

Um caso que ilustra bem como a intolerância dos


internos pode se transformar em sentenças drásticas e
98
na maioria das vezes tenho que ficar de pé, próximo à porta
da cela.

Assim que os primeiros raios de sol aparecem, os


presos começam a gritaria. Cada preso grita um número que
significa a sua posição na ordem de uso do banheiro, onde
instalamos um lençol como cortina para ter alguma
privacidade. Os presos entram, usam o vaso e depois o
chuveiro. Alguns já querem fazer isso logo às 5:00 da manhã,
o que dificulta as coisas para mim. Minha rede fica amarrada
por cima da pia e todos que a usam acabam me dando algum
esbarrão. Não tem como pregar o olho depois que o pessoal
inicia sua higiene. Enquanto alguns apenas escovam os
dentes e voltam a dormir, eu fico acordado, nervoso, e nem
posso reclamar. Falar qualquer coisa geraria
desentendimentos. Ainda mais naquela cela cheia de presos
com menos de 25 anos, todos estourados e predispostos à
treta.

Para piorar, no bloco 7 a opressão dos agentes é


impressionante. É como se tivéssemos ido para um bloco
onde ficamos sob castigo constante, queimando em um fogo
invisível. Nossa ala é composta por 13 celas. Toda vez que os
agentes entram no corredor - e eles entram constantemente -,
as celas devem estar no modo procedimento. Cinco presos
de cada lado nas jegas de cima e os demais sentados na
praia, em fileiras de 3 em 3, todos olhando para a parede. Os
agentes ordenam o procedimento, passam, saem e não dão
qualquer aviso para nos liberar. Ficamos cogitando se eles já
saíram para podermos voltar ao normal, o que cria muita
tensão adicional naquela atmosfera predisposta a discussões
e brigas.

Quando chegamos, ficamos sem sair da cela por 3


dias. Só no quarto dia é que temos nossa primeira ida ao
pátio. No bloco 7, o banho de sol é uma coisa sem noção.
Somos levados em fila e nossos nomes são conferidos em
135
um corredor de grades. Ao sair para o pátio, temos que
permanecer dentro dos limites de uma faixa amarela pintada
no chão, que eles chamam de faixa de segurança. A faixa tem
números que correspondem aos números das celas em
ordem crescente, onde ficamos enfileirados. Se um preso pisa
fora da faixa nesse momento da entrada, vai para o castigo e
a cela inteira volta para o cárcere, perdendo o sol. Quando os
agentes liberam os presos para andar pelo pátio, pisar dentro
da faixa também é uma infração passível de castigo. Ou bala
de borracha.

Neste primeiro banho de sol ficamos algum tempo


sendo instruídos pelos agentes sobre como deveríamos nos
portar ali. Não deveríamos de maneira alguma ficar sem
camisa na rodoviária, que é como chamam a área coberta
com mesas e bancos. Na rodoviária não é permitido fumar. E
não pode haver brigas na cantina, coisa que só alguém muito
idiota imagina que não vai acontecer. Se tiver confusão na
cantina ela será fechada, é o que dizem.

Assim que o pátio é liberado, os presos saem feito


loucos rumo à cantina. Imediatamente se forma um tumulto,
com gritos e empurrões. Os agentes começam a gritar e, por
fim, a venda de produtos aos presos é proibida já no primeiro
sol. Sinto que essa passagem pelo bloco 7 não vai ser fácil de
saída.

Na nossa cela tinha um preso chamado Camarão, que


conseguira ser classificado. Camarão se dava bem nas
correrias. Tinha acesso direto à cantina, de onde trazia
mercadorias para vender e vendia pelo dobro do preço. Os
presos reclamavam, mas não tinham muita opção. Nem
sempre era possível comparar na cantina aquilo que se
necessitava.

Em suas saídas pelos corredores, toda vez Camarão


voltava com alguma maconha. Nos meus primeiros dias de

136
bloco 7, eu comparava dele. Pagava caro, mas comparava.
Até que um dia eu estava preparando um baseado adquirido
com o Camarão e senti o fumo meio úmido, com um odor
estranho. Ao apertar a erva nos dedos para cortar com uma
gilete, cheirei meus dedos. Era puro vômito o aroma. Quem
trouxe para dentro da cadeia engoliu e depois botou para fora,
por isso fedia tanto. Como já tinha pago, resolvi secar a erva
com um papel. Fui apertando aquele tiquinho de maconha até
enxugar todo o suco de vômito. Foi ruim demais. Mas fez a
cabeça.

Faltando poucos dias para a primeira visita naquele


bloco, saímos numa manhã para o banho de sol e
encontramos o tempo fechado. Assim que chegamos ao
pátio, o céu desabou. Fomos todos para baixo da rodoviária.
Vendo que a chuva não pararia tão cedo, os agentes tocaram
a sineta que anuncia o fim do banho de sol e deram ordem de
procedimento. Os presos ouviam, mas não obedeciam. Então
um agente gritou para que todos se calassem. Como não foi
atendido, ele tocou a cachorra.

Um tumulto se formou na área da rodoviária. Ao ouvir


a cachorra, os presos saíram correndo para o fundo do pátio.
Eu estava no meio do bolo e saí correndo junto, mais sendo
empurrado do que por minha própria iniciativa. Menos de 2
minutos após soar a cachorra, com os presos todos
amontoados no canto, entraram no pátio mais de 20 homens
de preto. Os temidos DPOE já chegaram dando tiros e
jogando bombas de efeito moral. Foram uns 5 minutos de
terror, com direito a gritos e xingamentos. Muitos se feriram
com os estilhaços das bombas e balas de borracha
disparadas por espingardas calibre 12.

A agressão foi seguida por humilhação. Ficamos


sentados, encaixados um no outro, sem espaço nem para os
braços. Tivemos que ficar com as mãos entrelaçadas na nuca
e de cabeça baixa enquanto os últimos tiros ainda ecoavam.
137
mantimentos precisa ainda passar por uma fila à parte, que
dá em um balcão onde tudo é revirado.

Finalmente, os visitantes são liberados para o pátio


onde encontram seus parentes presos. No meu primeiro dia
de visita, a fila tinha mais de mil e duzentas pessoas para
entrar no CDP.

Estava na expectativa de que minhas irmãs


aparecessem. Não que tivesse qualquer sinal disso, sabia
que elas estavam cuidando do meu caso, correndo com
advogados e papeladas. Pensando de forma realista, era bem
difícil elas virem logo na primeira visita.

Dito e feito. No portão que dá para o pátio entram duas


pessoas por vez. Fiquei ali por perto, esperando. Esperando.
Esperei bem umas cinco horas. A ficha só caiu quando tocou
a sirene informando que acabara o horário de visita no
presídio. Foi o dia mais longo que tive no sol do pátio desde a
minha prisão. O mais solitário também.

Mas pude observar e entender melhor como funciona


esse grande evento na cadeia. Os lugares para sentar na
sombra ou debaixo de cobertura são vendidos pelos presos.
Quem quiser que seu parente se acomode em um banco
paga até 20 reais. Quem não paga pode ainda comparar
lugares à sombra no pátio, sem banco, vendidos por 10 reais.
Já quem não paga nada só consegue sentar ao sol ou ficar de
pé na sombra. Os donos dos assentos muitas vezes são os
presos que não têm visita para receber. Presos como o Josias
e o Jason.

Volto para a cela depois desse dia longo ao ar livre,


naquele pátio cercado por muros com 6 metros de altura.
Passou o dia de visita e não recebi ninguém. Não vou ter
como pagar o que o Josias pede.

101
14. O PROCESSO É LENTO

Minha audiência estava marcada para 12 de setembro


de 2016, às 14:00. Quando o dia chega, mal posso conter a
tensão. Desde a hora em que acordei estou aguardando
ansioso o agente vir me chamar. Normalmente, eles chamam
os que serão encaminhados à justiça de manhã, na hora do
confere. Faz 90 dias que estou preso.

Logo após a xepa, um agente da DPOE vem me


buscar e entro no procedimento de saída do bloco. Junto com
mais 2 presos, apresento minhas roupas e chinelos. Mais
uma vez, fico nu enquanto meus pertences são averiguados.
Saímos do bloco 7 e somos jogados dentro de um camburão,
que passa por mais dois blocos até ficar cheio, com 12
presos. Todos são traficantes. Ou, para ser mais exato, todos
estão enquadrados no artigo 33 da lei de drogas, porque pelo
menos eu ali nunca trafiquei. Faz um calor absurdo naquela
lata de sardinha. Estamos algemados com as mãos para trás
e o motorista dirige como se fugisse de um assalto a banco.
Quebra-molas não existe, somos jogados de um lado para
outro sem nenhuma consideração. Os DPOE sempre fazem
questão de mostrar que não enxergam presos como seres
humanos.

Em certo ponto do trajeto paramos num semáforo.


Nesse momento, os agentes descem da viatura que escolta o
bonde com armas em punho. Eles realmente acreditam que
estão em um filme de guerra e por isso dão seu espetáculo.
Ficam ao redor do camburão fazendo a guarda dos bandidos,
para mostrar aos cidadãos de bem a eficiência da polícia em
afastar o perigo da sociedade. Por outro lado, ali dentro estão
cidadãos também, algemados e quase sufocando, que sequer
foram julgados - quanto mais condenados. Aquele showzinho
dos agentes não mostra como o preso é tratado todos os dias
no sistema penitenciário: com opressão, violência e infração
139
de direitos básicos. Como lixo ou praga, e não como pessoa.
Isso a sociedade não vê. Ou finge não enxergar.

No Fórum de Entorpecentes do Distrito Federal,


somos levados para um corró no subsolo do prédio, onde
aguardamos nossos nomes serem chamados. Minha
audiência acontecerá no terceiro andar, com a juíza Dra.
Joelcir, reconhecida por sua benevolência e por atuar de
forma realmente justa. Daquele grupo de 12 presos, sou o
primeiro a ser convocado.

Subo as escadas algemado e escoltado. Chegando no


terceiro andar encontro minhas advogadas, que pedem um
momento em particular comigo. Em uma sala de frente para a
sala da audiência, elas me instruem a negar o tráfico e dizer
que os envios que fizera gratuitamente para os seguidores do
canal THCPROCÊ eram mala direta, folhetos e manuais. Me
orientam também a responder com calma o que a juíza me
perguntasse. E reforçam que estariam ali do lado, cuidando
do meu depoimento.

Ao entrar na sala de audiência, vejo sentadas minhas


testemunhas de defesa. O Silvino, dono de uma empresa que
vende peças de computadores, com quem trabalhei por um
tempo e para quem também dei aula há uns 20 anos. Foi ele
quem me vendeu a moto apreendida pela polícia quando fui
preso, apontada como fruto do tráfico. Do seu lado avisto
Nayara, que dormia comigo na madrugada da prisão. Ela está
ali como testemunha de acusação - porque, veja só, os
policiais não tinham a quem recorrer para validar sua versão
dos fatos -, e teria que confirmar tudo que fora apreendido em
minha casa.

Sentada ao lado de Nayara vejo Fabiana, minha ex-


esposa, com quem convivi por 11 anos e ainda mantinha uma
relação amigável. Foi ela quem resgatou meus gatos e fez o
possível para cuidar deles como eu cuidava. Do seu lado está
140
Alan, um ótimo aluno meu do SENAI, que admirava meu
trabalho e a forma como eu ministrava as aulas. Depois de
concluir o curso com bom aproveitamento, Alan e eu nos
tornamos amigos. A fila de testemunhas segue com Dulce,
minha vizinha que tanto me ajudou em casa, e que também
trabalhou por um tempo como minha secretária. Encerrando o
time da defesa está Oriana Flores, minha amiga de muitos
anos e uma grande empresária, dona de uma rede de lojas
em shoppings do Distrito Federal. Prestei inúmeros serviços
técnicos para suas lojas e fui bem próximo dos seus filhos
durante uma época.

A sessão começa com a juíza pedindo que o policial


passe minhas algemas para a frente. Em seguida, ela
reafirma meu direito a responder ou não as questões que ali
fossem feitas. Digo que gostaria, sim, de falar. Então ela pede
que eu conte sobre minha prisão e sobre as plantas que
haviam sido confiscadas em casa. Após tantos dias de
sofrimento, opressões e injustiças, é inevitável ficar
emocionado. Não me sinto à vontade também para inventar
algo ou mentir. Com a voz trêmula, começo a contar minha
história.

Falei que usava maconha há 37 anos e que


nos últimos tempos eu vinha tentando ter autossuficiência no
cultivo da cannabis que eu consumia. Contei que fazia isso
por querer me ver livre do tráfico. Que meu conhecimento
sobre plantio vinha da convivência com meu pai, um agricultor
experiente no cultivo de legumes e cereais. Reforcei que
considerava importantíssima a proximidade entre pais e filhos.
Que as ideias divulgadas no meu canal eram exatamente no
sentido de fortalecer essa relação. Porque, com apoio e
compreensão da família, os jovens não precisariam buscar
drogas nas ruas e bocas. Quem tivesse a oportunidade de
cultivar sua própria cannabis em casa deixaria de interagir
com traficantes e, possivelmente, abriria mão de experimentar
drogas mais pesadas. Além disso, evitaria o contato com as
141
Foram quase 30 dias sem ver meus parentes mais
próximos. Amanhã é um novo dia de visita e torço muito para
que minhas manas possam vir. Com a proximidade da data, o
Josias voltou à carga. Ainda mais, estimulado pelo Jason, que
veio insinuar que eu queria dar o cano e sair sem pagar a
jega. Cá entre nós, não vou negar que isso me passou pela
cabeça, sim. Seria o meu troco por tanta agressividade
gratuita.

Dias antes, um dos agentes tinha me perguntado se


eu sabia mexer com sistemas de segurança com câmeras.
Disse a ele que sim, sabia. Tinha dado aulas disso no SENAI.
Então, na véspera do dia de visita, me chamaram de tarde
para realizar um teste que poderia me classificar. Passando,
eu seria transferido para o bloco 4, onde ficam os
classificados. Lá os presos usam um macacão de cor laranja
e têm privilégios como chuveiro quente, TV em todas as
celas, andar sem escolta e uma ocupação para passar os
dias. Ter o que fazer é maior benefício para um preso bem-
intencionado.

No teste, precisei arrumar um conector na sala de


monitoramento, configurar uma rede para acesso remoto e
depois instalei duas câmeras e dois holofotes no telhado da
penitenciária. Ao descer de volta para checar o sistema
funcionando, fui informado da minha classificação pelo agente
que cuida da parte de TI.

Enquanto era levado por ele de volta à cela, ouvi que


no dia seguinte seria solicitada a minha transferência para o
bloco 4. Aquilo me deixou feliz. Entretanto, não contei aos
outros presos que tinha dado certo. Falei um pouco sobre o
que tinha feito e fui deitar ansioso pelo dia seguinte. Se eu
recebesse a visita das minhas irmãs e ainda conquistasse
minha vingança pessoal contra o Josias ao ser transferido
sem pagar a jega, seria um dia de glória.

104
informações tão acessíveis nas mãos. Digo também que,
apesar dessa revelação depor contra mim, eu tinha enviado
algumas sementes para brasileiros, sim. Mas a cooperativa
era só um nome, não existia uma empresa de sementes com
fins lucrativos. Na verdade, eu fazia uma espécie de compara
coletiva e chamava isso de cooperativa. A juíza não faz mais
perguntas e passa a bola para o promotor.

O promotor me pergunta sobre a quantidade de


sementes enviadas para cada pessoa. Respondo que eram
de 4 a 8 sementes por correspondência, todas com intuito
medicinal. Nesse momento a juíza quer saber: se eu usava
com fins medicinais, qual era a doença? Sintomas de insônia,
inapetência, dores de cabeça e ansiedade, respondo. Eu
explico que a maconha não apenas ajuda a tratar câncer e
epilepsia, como é de conhecimento público, mas que a
cannabis é principalmente um calmante e um estimulador
natural das nossas sensações. Completo esclarecendo que
enviava sementes apenas para maiores de 18 anos já
usuários de maconha.

- Como você poderia afirmar se os destinatários eram


menores ou não? - a juíza quer saber.

Respondo que sempre olhava antes o perfil da pessoa


no Facebook e somente quando tinha essa segurança
colocava seu nome na lista da cooperativa. O promotor
comunico não ter mais perguntas. Minha confissão é a prova
de que ele precisava.

A palavra é dada para minhas advogadas, que me


perguntam sobre o vídeo "Pai conivente, filho presente”, que
eu publicara no canal do THCPROCÊ no Youtube. Argumento
que era mais um incentivo para unir pais e filhos. No vídeo eu
sugeria que, em vez do pai bater de frente com um
adolescente usuário de maconha, tentasse conversar e

143
chegar a um consenso. Esse consenso seria o de plantar
para não comparar. Depois dessa explicação a juíza
determina a entrada das testemunhas de acusação.

Sou colocado em outra cadeira, onde fico de frente


para a juíza. No meu lado esquerdo estão as advogadas. No
direito, sentam as testemunhas. E o agente do DPOE sempre
atrás de mim.

Nayara é a primeira. Ela senta na cadeira de


testemunha, me olha e sorri. "Oi, amor, eu te amo", seus
lábios expressam sem emitir qualquer som. Sorrio de volta e
digo que estou com saudades, também apenas movendo os
lábios. A magistrada anuncia que tudo o que for dito por
Nayara poderá ser usado contra ela caso não seja verdade.
Nayara concorda.

A pergunta inicial é sobre como fora a sequência de


eventos no dia da minha prisão. A resposta de Nayara
confirma a história que eu já havia contado. A juíza pergunta
se ela sabia que eu cultivava maconha em casa. Ela diz que
sim e seu depoimento segue nessa toada, validando minha
versão dos fatos. Sempre acreditei que a verdade liberta, tal e
qual o versículo 32 do capítulo 8 do Evangelho de João.

Na vez do promotor, ele pergunta se Nayara sabia das


vendas de sementes. Ela responde que não. Diz que sempre
conviveu comigo sabendo do meu cultivo, mas que nunca
tinha notado nada sobre envio de sementes. Que no
momento da prisão estava separada de mim. Só que naquela
noite, por coincidência, tinha ido dormir lá para ver os
gatinhos.

O depoimento de Nayara chega ao fim. Antes de sair,


ela faz um pedido à juíza. Pede autorização para me dar um

144
abraço. A juíza diz que não poderia permitir. Se permitisse,
ela própria teria que me revistar - e isso a juíza não queria.
Nayara sai sem me tocar. Ver ela saindo me enche de
saudades. Quero muito encontrar com ela a sós.

Quem entra na sequência é um agente da polícia civil


que participara da minha apreensão. Ele é questionado sobre
como tinha sido organizada toda a operação. O agente revela
que uma pessoa havia ligado anonimamente para a 3a
Delegacia de Polícia Civil do Distrito Federal me denunciando.
Dizendo que eu traficava drogas na minha casa, que eu
vendia sementes de maconha pela internet, que tinha uma
cooperativa e um canal onde ensinava a plantar a erva. A
denúncia incluía o número da placa da minha moto.

Segundo o policial, uma equipe foi até a minha casa e


constatou que ela era muito segura, tal e qual uma
penitenciária. Com muros altos e cercas em cima dos muros,
era impossível observar algo lá dentro. Os policiais acionaram
uma viatura aérea que, ao sobrevoar meu terreno, confirmou
a existência de uma plantação de maconha. Então alguns
agentes se posicionaram nas proximidades da minha
residência e ficaram por dois meses investigando minha
rotina. Notaram que não havia movimento de comércio em
casa, mas que eu usava a internet para vender sementes,
sim. O agente afirmou em seu depoimento que eu tinha um
laboratório onde produzia maconha. Afirmou que eu tinha
vários comprovantes de envios de SEDEX que poderiam ser
de maconha. E que na operação haviam sido encontrados
560 envelopes com sementes prontos para envio.

Terminada a fala do policial, a juíza convoca as


testemunhas de defesa. Na minha opinião de leigo, minhas
advogadas perderam a chance de questionar pontos dos
depoimentos de acusação que poderiam ser úteis para mim.
Um momento crucial foi, por exemplo, quando Nayara disse
que nunca houvera tráfico em minha residência. Por que
145
administração. Elas trouxeram também uma Cobal com
roupas, frutas, bolachas, produtos de higiene pessoal e sabão
em pó. Trouxeram cuecas, bermudas, camisetas, um tênis,
uma toalha e um lençol. Me sinto rico ao pegar a sacola
plástica. Isso tudo tem muito valor ali dentro.

O dia passa na companhia das minhas manas e sinto


que é a primeira vez que encontro o amor na prisão. Me sinto
amado por elas. No pátio, a alegria é geral com os presos
tendo o conforto de seus parentes. São tantos momentos e
sentimentos ruins em um único dia ali dentro que a fé e a
esperança ressurgem bem mais fortes quando temos pessoas
queridas por perto. Se todos crescessem em um ambiente
estruturado com amor, será que os presídios brasileiros
teriam tanta gente? Não tenho palavras para descrever o
quanto sou grato a Jacqueline e Sandra, minhas irmãs, por
terem vindo me visitar na penitenciária.

A sirene toca às 15:00 anunciando o término do


horário de visita. Nesses dias rola muito comércio ilegal no
pátio, com direito a promoções especiais. Os visitantes
abastecem as necessidades mais caras da cadeia, aumentam
a oferta de produtos e o dinheiro circula. O foco maior é nas
drogas. Traficantes aproveitam as visitas para que elas levem
para fora da cadeia a grana que ganham ali dentro. Tem
casos de sair milhares de reais, levados por mulheres
escondidos na vagina.

Minhas irmãs saem depois de muitos abraços e choro.


Saem juntas com a esposa do Luiz. Assim que as vejo sumir
pelo portão de entrada, quem está ali atrás de mim? Sim, o
Josias. Junto com o Maranhão, amigo dele também barra
pesada, Josias veio me pressionar para dar o dinheiro. Como
tem muitas testemunhas observando essa cobrança,
aproveito para tornar pública minha proposta:

107
parentes e testemunhas. E que não era para falarmos nada
sobre o CDP e as condições na prisão. Por que será?

A próxima testemunha é o Silvino, que entra, me


acena com a cabeça, senta e ouve as instruções da juíza. Ele
é questionado sobre como me conhecia e o que pensava de
mim. Responde que já me conhecia há mais de 20 anos,
porque fora meu aluno no SENAC. Com o meu incentivo, ele
abriu sua loja de venda de computadores e depois disso eu
passei a comparar produtos dele. Hoje Silvino é um
empresário bem-sucedido, além de funcionário concursado no
Banco do Brasil.

Silvino conta que eu sempre fora correto com meus


pagamentos. Inclusive, ele já tinha me vendido uma moto, a
mesma apontada pelos policiais como proveniente do tráfico.
Apesar de atrasar algumas parcelas, no final paguei tudo
direitinho. Silvino também conta que uma vez se associou a
mim para a execução de um grande trabalho em um shopping
de Brasília, onde me vendeu fiado mais de 40 mil reais em
produtos. E eu paguei tudo. Ele sabia desde sempre que eu
fumava maconha, pois não era algo que eu escondesse. Isso
nunca tinha atrapalhado seus projetos comigo. Sempre fui
correto, honesto e fazia bem meu trabalho. Na mesma linha
da Oriana, Silvino finaliza seu depoimento dizendo ter
admiração por mim. Sou uma pessoa de bem, um amigo fiel,
alguém que não merecia estar preso. Porque cada um
escolhe o que usar e o que mais importa para ele é se a
pessoa é responsável com o que se compromete. Silvino sai
da sala sob meu olhar de agradecimento.

Agora quem entra é Fabiana, minha ex. Ela senta na


cadeira da testemunha e confirma que falará somente a
verdade. Em seu depoimento, Fabiana não poderia ser mais
ponta firme. Perguntada sobre mim, ela responde que
vivemos juntos por 11 anos. E que eu era uma pessoa muito
boa, amigo dos animais, um homem correto e trabalhador.
147
Uma pessoa de coração bom. Além de esposa, ela tinha sido
minha sócia. Sempre manteve uma relação boa comigo, tanto
nos tempos de casada como depois de divorciada. Fabiana
nem precisou falar muito mais, pois a juíza pediu para finalizar
as testemunhas. As duas últimas seriam dispensadas. Antes
de sair, Fabiana me disse sem sair som:

- Eles estão sendo bem cuidados. Tchau.

Sei que “eles" são os gatos e isso me dá algum


alívio. Antes da juíza encerrar a sessão, minhas advogadas
pedem um momento. Ela então pergunta:

- As doutoras querem o alvará, não é?

Minhas advogadas respondem que sim. Afinal,


tenho direito ao parágrafo 4 . Mas a tréplica da juíza é um
balde de água gelada:

- Não é para todos os 33 que eu dou o


parágrafo 4.

Fim da audiência. Eu contava com ir para casa


naquele momento, achava que poderia responder em
liberdade. Não seria dessa vez. Volto a ser algemado com as
mãos nas costas e levado ao corró do fórum. Meu destino é
retornar ao bloco 7 do CDP. Em alta velocidade, enlatado
igual sardinha.

Estava decepcionado e triste. Imaginava que o meu


caso fosse mais simples, não esperava voltar para a cadeia.
Na verdade, o que aconteceu era de praxe. Os julgamentos
têm as chamadas alegações finais. E isso leva tempo, pois é
a decisão final do processo. Onde a promotoria dá seu pedido
de sentença, a juíza analisa e dá seu veredito - que depois é
enviado ao advogado de defesa para aceitação.
148
Cheguei na cela já era tarde e os presos ansiosos
perguntavam como tinha sido. Cabisbaixo, não pude
esconder a decepção em estar de volta. Percebi em alguns
deles a satisfação em comprovar que eu estava errado ao
pensar que sairia dali antes deles. Em outros, senti o conforto
do olhar solidário. Ouvi palavras de consolo e de provocação.
Naquela noite, eu só queria poder descansar em algum lugar
sem ser incomodado por ninguém. Mas ali nem deitar era
possível.

Fiquei sentado no chão ao lado do Ugo, meu


camarada nigeriano, que a todo momento puxava conversa
comigo. Falava que pelo meu caso era para eu estar livre,
que os meus advogados eram ruins. Finalmente, acabou o dia
e pude estender minha rede. Peguei no sono rápido e dormi
pesado.

Nem bem amanheceu, já me aborreci com um preso


que, às 5:30, esbarrou na minha rede para escovar os dentes.
E ainda iniciou a contagem da fila do banheiro, que acordava
a todos na cela. Quem consegue ficar dormindo com uma
gritaria danada daquelas, 35 homens adultos em uma mesma
cela? O pior é que a lista não é sequencial. Um fala 10, o
outro 30, o outro 70, um outro 120. Sempre tem preso
querendo levar vantagem no grito. Só me resta engolir minhas
dores e aguardar os dias passarem evitando entrar em
confusão.

149
passo pela grade. Ele me devolve 200 reais em dinheiro e
mais uma pedrinha de 50 reais de maconha.

Desço do 21 comemorando com os colegas que


acreditaram que eu conseguiria. Sinto no ar a raiva dos meus
inimigos por eu estar quase duro em um dia e cheio de
dinheiro na manhã seguinte. É a minha vitória contra a
opressão do Josias e sua gangue.

No banho de sol seguinte pago ao Baiano para que


fique na fila da cantina por mim. Estou com grana e, quando
fumo, fico na larica. Minha lista de comparas é grande. Tem
bolacha de maisena, caco (bolacha água e sal), graxa
(manteiga ou margarina), chocolate, algumas moreninhas, giz
(cigarro) e pacaia - além de alvejante, farinha, pimenta, molho
de tomate e uma escova de roupas. Essa lista dá 80 reais. Ao
acertar o serviço com o Baiano, ainda compro seus todinhos e
sucos de caixinha pela próxima quinzena.

Dívidas pagas e despensa cheia. As coisas que tenho


eu compartilho quando uso. Mas, a partir de agora, excluo
desse oferecimento os malvados Josias, Jason e Ceilandinha.

110
Somos avisados que no próximo domingo, 15 de
setembro, teremos visitas. A notícia é recebida com
entusiasmo. Os presos vibram, comemoram, e iniciam
preparativos para o único dia que, junto ao dia da soltura,
pode ser chamado de feliz naquele lugar.

Na véspera, um dos presos sugere já sortearmos a


vez de uso do banheiro para o dia seguinte. Eu acho um
exagero, mas nem comento. O sorteio é realizado e cada
preso recebe seu número. Sou o 27o e fico de boa com isso.
Não precisarei acordar tão cedo para me arrumar. Só que, por
volta das 4:00 do domingo, o primeiro da lista dá início aos
trabalhos e não consigo mais dormir. Continuo deitado na
rede, coberto, fazendo de conta que durmo até chegar minha
vez. O que acontece por volta das 7:00, quando tomo banho
na água mais gelada do Brasil e me arrumo.

Minha expectativa é de encontrar minhas irmãs. E


Nayara também, quem sabe? Vamos para o pátio e, às 9:00,
começam a entrar os grupos de visitantes. Entram de 3 em 3
minutos. Fico por ali, conversando e olhando ansioso para a
porta. No meio do papo com a esposa de um preso
classificado, surge Nayara. Ela vem correndo em minha
direção e vou ao encontro dela. É um momento emocionante
para nós dois. Era muita saudade. Ficamos abraçados uns
bons minutos e o conforto toma conta de mim. Um abraço
apertado e sincero é algo que muitas vezes não valorizamos,
pois temos sempre por perto. Mas basta ficar sem por um
tempo para perceber o quanto esse carinho é essencial à
vida. Estou muito feliz por ela ter vindo.

Sentir o cheiro de Nayara me desperta uma porção de


memórias. Beijo sua boca sedento, como um animal no
deserto ao encontrar um oásis. Meus braços enlaçam sua
cintura e me excito só das minhas mãos tocarem suas costas.
É uma sensação revigorante.

151
Nayara está ansiosa e fala sem parar. Quer me contar
tudo que aconteceu enquanto ficou sem poder me ver. Eu
sabia que ela estava atuante na minha causa e ela demonstra
muito amor e saudade. Agora eu já era um presidiário e todo
preso se preocupa com as pessoas que ficam lá fora. Em
especial, com as tentações que podem surgir na sua
ausência. Mas evito demonstrar ciúmes e falar qualquer coisa
desagradável. Procurei curtir o pouco tempo que tenho com
ela.

Andamos pelo pátio e Nayara segue me contando as


últimas. Tento acalmá-la, dizendo para deixar minhas irmãs
cuidarem de tudo. Até que paro no final de uma fila. Ela me
pergunta para que é.

Para nós irmos cruzar no parlatório. - Respondo.

Deixamos as coisas que ela tinha trazido na mesa de


uns amigos e voltamos para a fila. Nayara me diz ter
vergonha, pois não sabe como é esse tal de parlatório.

É uma cela individual preparada para fazer sexo. Vai


dar tudo certo. - Explico.

O bloco 7 tem 7 celas de parlatório, onde entram até 7


casais por rodada. Esperamos mais de uma hora até a nossa
vez. Quando dá 14:30, entramos com outros 3 casais e
somos trancados em uma das celas.

Já estou pelado quando ela se despe. Depois de tanto


tempo, ver o corpo nu de uma mulher diante de mim me deixa
tarado. Lisinho, cheiroso, uma delícia. Mas me mantenho
calmo e carinhoso. É um momento muito especial para mim.
Trocamos carícias cheios de vontade e pego dela todo o
prazer que posso. Sacio minha sede de sexo, mergulho sem
medo em meus sentimentos.

152
Naquele momento, me senti o homem mais amado do
mundo. Nayara se entregou de corpo e alma àquela aventura
e sou muito grato a ela por isso. Me senti especial, amado,
desejado. E também estimulado a esperar pela sua próxima
visita.

O prazer foi tanto que esquecemos da hora. Ouço


sons vindos do pátio que me parecem ordens de
procedimento. Então colo na grade e dou um grito para o
pastinha, que organizava a fila do parlatório. Para minha
surpresa, quem vem é um agente.

Quem tá aí?! - Ele pergunta.

O preso com a esposa, senhor. - Respondo.

Eu também! - Ouço outro preso dizer.

Eu também estou aqui! - Completam outros dois.

Puta que pariu! As mulheres estão aí?!

Sim, senhor! - Respondemos todos juntos.

O agente sai pisando alto e gritando pelo pastinha,


que finalmente aparece e abre as celas. Vamos pegar as
identidades das nossas mulheres e um outro agente nos
aborda:

Por que vocês estão aqui ainda?

Um dos presos levanta as mãos e responde se


fazendo de desentendido:

Uai! A gente tava lá preso, né?

O agente fica ficou furioso por ele ter levantado as


mãos ao invés de deixá-las para trás. Começa a gritar com
todos nós que não é aceitável falar com ele daquela forma. As
153
fora da cela. Dizem que lá também é comum acontecerem
estupros entre os detentos. É o inferno na Terra.

Todos na cela 12 viram que o Josias falara demais e


agora podia morrer pela boca. Eu não gostava do Josias, ele
nunca me tratou bem e me oprimiu demais. Mas tive dó do
ser humano enfraquecido ali sentado, impotente diante das
vontades da cadeia.

Não deu 30 minutos, os agentes vieram até nossa cela


e chamaram pelo nome do Josias, mandando ele pegar suas
coisas e sair. Compadecido, ofereci uma grana a ele para que
pudesse comparar algo na nova cela. Ele me olhou como se
fosse uma caça pedindo misericórdia ao seu caçador. Peguei
um pouco do dinheiro e dei a ele. O Luiz também deu algum
dinheiro. Apesar do Josias ser estúpido e muito antissocial,
era um ser humano como todos nós. Ajudar é importante, não
importa a quem.

O convívio com o Josias na cela 12 da ala A do bloco


1 terminou com ele indo embora levando suas coisas debaixo
do braço. O Quelete herdou sua jega e eu não devia mais
nada da minha. Agora era totalmente minha por metade do
preço que me foi cobrado com tanta voracidade pelo cara.

A saída do Josias foi comemorada na cela. Todos


diziam que ele pagou o preço por ser agressivo e prepotente
demais. Ao querer dominar e oprimir os outros, acabou se
dando mal com seus próprios passos. Havia uma expectativa
no ar de que o convívio na cela passaria a ser mais
agradável, com menos ofensas e brigas gratuitas.

Mas agora quem quer o domínio da cela é o Jason. E


o Jason tem muito mais força física e influência sobre os
outros presos do que o próprio Josias. Ele chegou faz tempo
no CDP, é um cadeeiro que diz estar em um novo caminho
porque Jesus lhe mostrou. Tanto que lê a bíblia e se mostra
temeroso às leis de Deus. Talvez queira ser assim de
113
dizia que isso era possível nas prisões da Nigéria. Chamava
os brasileiros de estúpidos e ignorantes. Para ele, era
inadmissível que um país tão rico e cheio de recursos naturais
tivesse tanta pobreza e uma educação tão ruim. Quando fora
preso no aeroporto de Brasília levando cocaína na barriga,
Ugo viu a vida endurecer. Sua família ficou sem notícias e ele
teve que depender de desconhecidos, como os advogados da
Defensoria Pública. Isso sem saber falar português. Eu
admirava sua força e também sua maneira de pensar sobre
as pessoas e seus direitos. Era um homem justo e de espírito
sólido. Que se tornara meu amigo de cela, mas também de
coração.

Ugo dormia no chão, perto da porta da cela. E do lado


dele ficava um preso conhecido como Carioca. Do lado do
Carioca, dormia um preso com um problema na perna. Algo
como uma trombose, que deixava seu pé inchado e expelindo
substâncias. Esse preso usava uma meia para dormir e
encostar nele era algo bem desagradável. Fora que o cara
passava o tempo todo fumando, tossindo e escarrando. Ugo
já estava contrariado com essa situação. Mas ficou ainda
mais quando o Carioca, que tinha uma certa antipatia pelo
nigeriano, decidiu trocar de lugar com o preso doente. Ugo
entendeu a atitude como provocação e teve início uma
discussão. Coube a mim o papel de tradutor e intérprete.

Carioca é um malandro que mal fala o português


direito. Não era tarefa fácil ficar no meio da briga passando de
uma língua para outra os xingamentos dos dois. Quando
minha tradução não conseguiu mais acompanhar os nervos
deles, Ugo deu um puxão no Carioca. Que revidou com um
coice. Ugo se controlou e o Carioca o chamou de "filho da
puta". Nem foi preciso traduzir isso: os próprios presos já
ficaram contra o Carioca. Xingar a mãe é inaceitável na
cadeia. Todos saíram falando que o Carioca tinha perdido a
razão. As coisas esfriaram e ficou por isso mesmo. Com o

155
Ugo, puto da vida, dormindo ao lado do preso da perna
doente.

156
16. VALE TUDO

No bloco 7, a chegada de presos com menos de 25


anos é frequente. Nossa cela 2 é composta por uma maioria
de presos acima dos 40, mas temos muitos jovens também.
Os mais novos costumam ser mais radicais e competitivos.
Facilmente partem para porrada e travam verdadeiras lutas
de MMA dentro da cela. Eles batem e se machucam muito,
enquanto os demais devem apenas observar sem interferir. Vi
muitos saírem sangrando e chorando dessas brigas.

Um destes garotos era o Alexandrinho, um rapaz de


21 anos muito inteligente e com o dom do comércio. Cheio de
manhã, entrou na cela com um pouco de maconha no
estômago, foi para o banheiro e cagou dentro de uma
marmita. De lá ele resgatou a erva, que estava embalada em
plástico, e lavou. Depois dividiu em 15 pedaços, colou na
grade e anunciou a venda por 70 reais cada um. Era uma
gritaria doida nas negociações, e os coroas só faziam
observar a desenvoltura do garoto traficando maconha em um
presídio dito de segurança máxima. Alexandrinho me vendeu
um destes pedaços por 50 reais e fui logo ver se estava
haxixado - ou com fedor de merda, melhor dizendo. Meio
receoso, cortei o plástico com uma gilete e fiz um fininho.
Cheirei os dedos e estava de boa. Só maconha, mesmo.

Por sua vez, Alexandrinho fumava sozinho baseados


grandes. E cobrava 20 reais para o braw dele passar na sua
mão. Nada barato. Os presos babando de vontade para dar
uns pegas e sem condições de pagar, assistindo o moleque
fumar.

Alexandrinho chegou acompanhado por um amigo.


Bina era um negro alto e forte, com no mínimo uns 100 quilos.
Muito calado e sempre observador, estava ali por causa da
Lei Maria da Penha, enquanto Alexandrinho pegou cadeia por

157
É comum ver ratos enormes passeando pelos
corredores. Teve um que mordeu o cotovelo de um preso. Foi
algo alucinante, aconteceu enquanto todos dormiam. O preso
acordou gritando e pulando. Ninguém viu o rato, mas lá
estava a mordida dele.

Para mim, o pior são as malditas baratas cascudas.


Elas me deixam paralisado, não sei o que fazer e nem como
reagir. Pelos corredores também alimentamos os pardais.
Damos até nomes a eles, que estão sempre ali à espera de
um pedaço de pão ou grãos de arroz. São só pardais, mas os
agentes não permitem que a gente dê de comer a eles.
Porque o que sobra dos pássaros vira comida para as baratas
e ratos.

Devido à falta de maconha, tenho sonhos constantes.


São diferentes, pesados, sonho que estou passando
sofrimento em lugares imaginários sem poder agir. Neles
estou sempre como observador, as pessoas conhecidas que
aparecem não me reconhecem. Muitos são os momentos em
que acordo assustado e me sinto feliz de estar na cela.
Porém, vez ou outra tenho sonhos bons também, que me
deixam deprimido quando desperto e vejo que estou preso
naquele pesadelo.

Em muitos sonhos, me vejo fazendo sexo. Estou


sentindo muita falta disso: do cheiro de uma mulher, de poder
tocar sua pele, de sentir sua boca me tocando. Ali só
podemos falar sobre mulheres, nunca ver. As únicas que
vemos são as agentes penitenciárias. Posso dizer que são
belas mulheres, fortes e saudáveis, com sua agressividade
que dá margem a muitas fantasias em meio a tanto
testosterona sem válvula de escape. Invariavelmente, depois
dessas noites de sonhos eróticos acordo agoniado, de mastro
erguido. Só tomando um banho gelado para acalmar. É algo
torturante deixar um ser humano adulto sem sexo. Mesmo
quem consegue o benefício da visita íntima só tem direito a
116
No amanhecer seguinte, o preso que apanhou foi
instruído pelos novinhos a falar na hora do sol que queria ir
para o seguro. Deveria justificar dizendo que tinha briga no
pátio e não contar nada sobre a sova que levou na cela. Se
dedurasse alguém, seria morto no espeto, no fundo do pátio.

Saímos para o sol, mas na passagem pela chamada e


confere de nomes, um agente parou o preso surrado e disse
para ele ficar ali. Entramos em procedimento e, com a cadeia
inteira no pátio esperando a liberação, nós da cela 2 fomos
chamados para retornar. Antes de sairmos do pátio, os
agentes nos obrigaram a ficar de frente para eles. E quiseram
saber: quem eram os machões que tinham feito aquilo com o
preso? Quem eram os covardes? Dada a ausência de
respostas, a cela inteira pagaria pela insubordinação,
perdendo aquele banho de sol e também o seguinte. Já o
preso agredido foi transferido para outro bloco.

Na minha opinião, deveríamos ter agido para conter o


espancamento. Mas ali não era a rua. Na prisão, qualquer
derrapada traz um risco muito grande. Foi um erro o preso ter
pego no chão um dinheiro que não era dele. Não quero com
isso justificar a reação desmedida, violenta e covarde. Apenas
que a regra ali é clara: roubar não é algo aceito na cadeia.
Mesmo entre tantos presos por roubo. O que se encontra
deve ser deixado no lugar achado até o dono pegar. Como
dizem ali, o certo é o certo e se você está no certo não tem
erro.

O convívio no bloco 7 é muito mais complicado e


perigoso que no bloco 1. O número maior de pessoas
confinadas no mesmo cubículo gera um volume maior de
conflitos por hora. Na nossa cela tem um grupo de 4 presos
que foram pegos no mesmo caso de tráfico, associação para
o crime e porte de armas - artigos 33, 35 e 40. Todos eles se
dizem réus primários; Paulo, Gugu, Junião e Francisco.

159
Certo dia, Paulo estava deitado na sua jega e um
preso de vulgo Macarrão iniciou uma discussão com ele sobre
a limpeza da praia. Um queria que fosse logo e o outro que
deixasse para mais tarde. Mas o Macarrão ficou mais irritado
e partiu para a agressão pessoal. Por ser mais tranquilo,
Paulo se manteve na defensiva. Até o momento em que o
Macarrão partiu para cima dele. Paulo desviou do ataque e
acertou um direto no olho, bum! Macarrão caiu no chão já
com o olho roxo. E se levantou meio cambaleando, gritando
que o Paulo tinha lhe acertado. Nem precisava, todo mundo
viu. Depois de alguns minutos, indignado, Macarrão voltou à
carga. Partiu novamente para cima do Paulo, que desviou
mais uma vez e lhe acertou outro direto na testa.
Completamente desnorteado, Macarrão foi convencido pelo
pessoal a desistir e as coisas se acalmaram. Os dois se
tornaram inimigos, mas cada um no seu quadrado.

Paulo era o chefe da sua quadrilha, que atuava com o


tráfico. Ele também era empresário, tinha um comércio de
peças de carros. Era casado, possuía uma bela casa e mais
alguns imóveis. Sua organização ia além do trabalho e
negócios. Paulo mantinha suas coisas na cela sempre
arrumadas e limpas. Por ter pago 50 mil reais à vista para o
melhor advogado do pedaço defendê-lo, sua expectativa era
grande em ser libertado logo.

Eu sempre me dei bem com o Paulo. Era uma pessoa


de boa atitude diante dos demais. Pelo menos ali na cela,
sempre se mostrou educado e solidário. Conversávamos
muito sobre as coisas que fazemos dentro e fora da lei. Ele
tinha uma consciência bem resolvida sobre o que é certo e
errado. Vivia e deixava viver, digamos assim. Talvez seu
único grande erro na vida tenha sido traficar drogas, porque
de resto tinha uma conduta exemplar.

No grupo do Paulo tinha o Gugu, um preso gente boa


demais. Ficava o dia todo na jega, deitado ou sentado. Vivia
160
na dele. Falava pouco, mas comigo falava bem. Nunca havia
sido preso. Estava sempre pensando em Nossa Senhora e na
sua família. Tinha uma esperança grande também de sair
logo daquele pesadelo.

Francisco era um taxista que trabalhava como


motorista do grupo - ou entregador da droga. Um senhor de
62 anos, casado e com uma filha. Sua estadia ali era muito
dolorosa para ele. Dizia que era velho e não queria perder
tempo preso, porque ainda queria fazer muitas coisas na vida.
Rezava todo dia pedindo liberdade e planejava comparar um
caminhão baú quando saísse, para transportar mercadorias
do Nordeste para o centro-oeste e sudeste. Queria ser como
um caixeiro viajante e sempre o incentivei a fazer isso
mesmo. Ele dizia que colocaria a filha de funcionária e a
esposa cuidaria da casa. A ideia era ótima. Mas ele bem que
poderia ter posto em prática antes de se envolver com o crime
e parar na cadeia.

O último do grupo era o Junior - ou Junião -, com seus


140 quilos ou mais. Ele estava envolvido na parte comercial
do negócio e era um usuário ativo de cocaína. Gostava de
cheirar um pó do bom. O mesmo que vendia, segundo dizia,
porque sempre se preocupou em vender um produto sem
mistura. Junião era um cara muito comunicativo e tinha sua fé
religiosa, mas também pouca paciência com as coisas que
lhe incomodavam. Consciente, não queria prever quanto
tempo ficaria preso. Sabia que haveria uma condenação e
estar ali já era parte do cumprimento da pena. Ele dormia
bem embaixo de minha rede, e por conta disso tive que
confeccionar novos tapa-ouvidos com plástico, iguais aos que
fazia na cela 12 do bloco 1. Júnior roncava muito e muito alto.
Mas era um bom amigo, que me ajudava na hora das
bênçãos e até me defendeu certa vez em uma briga - que
contarei adiante.

161
com a liberdade de outros, manter preso alguém já liberto é
uma grande responsabilidade para o complexo. Por isso, era
costume soltar os presos na mesma noite em que sai o
alvará. Quem tem vai embora de ônibus. Pega a condução na
beira da rodovia com um documento de isenção de
pagamento da passagem.

Na noite em que comecei a compartilhar minha jega,


nenhum preso dos 15 que estavam na cela é chamado na
lista do alvará. Chega a hora de dormir, deito do lado da
parede e o BH fica do lado de fora. Ele é um senhor um
pouco forte, com cerca de 1,80m de altura, e dividir a cama
não é nada fácil. Além de ficar apertado no canto, cada vez
que pego no sono sou logo acordado com algum movimento
dele. Quando graças a Deus amanhece, não comento nada
disso com o BH. Apenas iniciamos nossa manhã comendo
bolachas com todinho. Minha dispensa está cheia e
compartilho o que tenho com o companheiro.

O BH sofria de um mal em comum comigo: a opressão


do Jason. Era notório que eu e o Jason não nos dávamos
bem, mas ele também não era amigo de ninguém. Explorava
os companheiros de cela, só pensava nele e certa vez
espancou um preso até o deixar quase morto. Embora não
fizesse o mínimo esforço para demonstrar isso, o Jason tinha
também seu lado sociável. Ele limpava bem a cela, mantinha
suas coisas sempre organizadas e, de uma forma talvez um
pouco agressiva, dividia seus conhecimentos de cadeia com
os demais.

Um dia, um agente chegou na cela e chamou o Jason,


que respondeu com o sobrenome. O agente mandou ele
pegar suas coisas, pois seria transferido. Jason quis saber
para onde seria levado, e ouviu um "cala a boca e anda logo!
” Em retorno. O preso ainda tentou reivindicar sua
permanência em nossa cela, o que levou o agente a repetir a
119
está bem complicado. Mas que o que tinha que ser feito foi
feito! Agora é esperar, professor!

Não pude acreditar no que ouvia. Fazia poucos dias


que eu tivera a audiência e para mim o meu caso era simples.
Eu era réu confesso, mas nunca trafiquei maconha. Aquilo
não estava certo. Fiquei gelado na hora. Alguns presos
comentaram que era assim mesmo. Que a gente pensa que o
trem é mamão e só no fim é que sabemos mesmo. Depois
que a pena chega é que vemos o quanto estávamos
enganados. Porque a cadeia roda, amigo. Era isso o que
diziam enquanto eu me recuperava da vertigem causada pela
notícia.

Os únicos que me disseram o contrário foram o


Roberto e, principalmente, o Ugo. O nigeriano levantou a bola
de que o Setor O estava mentindo, porque não tinha como as
coisas serem assim. Fiquei triste e me senti sem forças.
Passei uns dias assim, pensando que amargaria anos sem
fim na cadeia. Mas também comecei a achar que o Setor O
poderia ter sido maldoso, mesmo. Embora eu tivesse pedido
para ele checar meu caso com seu advogado, não era
possível aquela informação ser verdadeira. Meu processo
ainda estava na fase de alegações. Como ele poderia ter tal
informação se nem minhas advogadas tinham dito nada
disso?

Três dias depois, uma das advogadas veio me ver e


estava meio afobada. Vi que se sentia um pouco frustrada
com os resultados até aquela data. Pedi a ela que fizesse
tudo para eu sair dali. E ela quase me matou do coração ao
dizer que eu ficaria ali mais uns 30 dias, pelo menos.

O que senti naquele momento não esquecerei jamais.


Foi desesperador descobrir que continuaria preso no mínimo
até o final do ano. Voltei para a cela abatido mais uma vez.

163
Mas foi a última vez em que falei com minhas advogadas
enquanto estive na prisão.

O desespero maior era pensar que, além de


permanecer preso, continuaria no bloco 7. Para mim era sem
comparação de pior do que o bloco 1, onde eu estava antes.
Alguns companheiros sugeriram que eu tentasse via
advogados retornar para o bloco anterior, dos mais velhos.
Comecei a concordar com eles.

Dormir, comer e usar o banheiro eram um sufoco em


qualquer bloco, mas ali a superlotação piorava o cenário. Eu
passava o dia sem poder nem caminhar ou me sentar com
um mínimo de conforto. E, na medida em que o tempo
andava com seus passos lentos, as coisas tendiam a se
complicar. Como em qualquer relacionamento onde os
indivíduos não têm espaço para si, um começava a enjoar da
cara do outro e o que antes eram virtudes se transformavam
em defeitos. Era um pulo para uns tomarem partido na
discussão de outros e novas situações de opressão tomarem
forma.

Existe um preso que, desde o dia em que entrou na


cela, dava para ver que seria alguém problemático. O vulgo é
Taguatinga. Seus traços são asiáticos, mas sua paciência
está bem longe de ser oriental. Tudo para ele é motivo de
confusão. A paz não tem chance com o cara. Suas conversas
são sempre sobre facas, espetos e sobre resolver questões
no fundão do pátio.

Taguatinga tem por volta de 21 anos e de cara fez


inimizade com o Alexandrinho, que ia despontando como o
chefe da cela. O desentendimento inicial foi por causa de um
baseado. Como de costume, Alexandrinho fumava sozinho.
Taguatinga queria dar uns pegas, mas não queria pagar.
Ficou sem fumar e ainda tomou uma pagada de sapo em
público do dono do beck. Taguatinga não engoliu e reagiu

164
verbalmente. Então Alexandrinho e Bina foram juntos falar
com ele de perto, deixando bem claro quem dava as cartas ali
e quem devia se calar. Ao se afastarem, Taguatinga inventou
de mandar um bilhete para outra cela, mas antes do envio o
Alexandrinho quis ler o conteúdo. O bilhete falava sobre
problemas que o Taguatinga estava tendo na cela e pedia
para alguém arrumar um espeto.

Alexandrinho falou uma pá de coisas. Ameaçou o


outro de morte. Disse que, se Taguatinga queria resolver algo
no pátio, ele estaria por lá o aguardando. E que isso de
mandar bilhetinho pedindo ajuda e espeto não adiantava,
porque a cadeia estava com ele.

Nessas horas, todos ficam calados observando a


situação se desenrolar. Esperam brigas e mortes. Mesmo
correndo riscos de todos os presos da cela pagarem pela
desavença de dois. É um ciclo vicioso de humilhações e
mágoas no cotidiano, que despertam rancor e vontade de
vingança, que levam a desentendimentos e brigas, que
resultam em mais mágoa e rancor. Eu já estava cansado de
tudo isso. Nos momentos em que encontrava abertura, até
tentava conversar com o Taguatinga. Incentivava ele a ser
mais calmo e usar seu potencial explosivo em algo mais
construtivo para sua vida. E ele sempre concordava que, de
fato, poderia ser um pouco menos afoito e nervoso.

Só que em uma dessas conversas, sem mais nem


menos ele disse que eu era um otário. De bate-pronto,
repliquei que o comédia ali era ele. O clima ficou tenso. Vi que
ele se armou para me atacar e assumi uma postura de
defesa. Vendo o que estava prestes a acontecer, outros
presos intercederam por mim. Junião e Ugo se colocaram na
frente do Taguatinga e o alertaram sobre querer confusão
comigo. Com o professor, que é de boa. Taguatinga deixou
quieto. E eu me livrei de um combate com um jovem de 21
anos, mais forte e perverso do que eu.
165
depois disso. O que mostra como é possível fazer com que,
na base da solidariedade e companheirismo, os abusos entre
presos sejam controlados. Até porque sempre tem preso novo
entrando e preso antigo retornando. Toda hora surgem novos
candidatos a tiranos ali dentro.

122
direcionados a mim e aumentou a gritaria. Retruquei que não
fora eu quem dissera aquilo, e sim o José, eu apenas
concordara. Então o Chicão voltou para a história. Disse que
eu o estava chamando de mentiroso e pulou da sua jega para
me agredir. Só não me acertou porque alguns presos que
estavam do meu lado conseguiram afastá-lo. Ele seguiu
gritando e me ameaçando.

Com a poeira baixando aos poucos, eu só pensava na


canseira que seria uma briga. Perder os dentes? Estourar
minha cara? Aquilo era muito animalesco para mim. Procurei
me defender verbalmente, mas naquele ambiente a
ignorância predomina. Demonstrar ter mais inteligência pode
ser até pior do que dar um tapa na cara. Ali não tem
argumento que desarme uma treta.

Mas, enfim, consegui me safar de mais um confronto


direto onde as mãos seriam usadas como armas. Com o porte
que tenho, minhas armas são outras.

167
17. THCPROCÊ NO CDP

Espero ansioso pela próxima visita. Não faz muitos


dias que vi minha companheira nua, toquei e senti seu corpo.
Quero mais amor na minha vida. Quero viver, não apenas
sobreviver.

Entretanto, tenho que admitir que os momentos


agradáveis que vivi na prisão não foram apenas em dias de
visita. No pátio do bloco 7 muitos presos me reconheciam,
sabiam do meu canal e da minha causa. Ou tinham ouvido
falar de mim na cadeia. Não eram poucos os que queriam
aprender a plantar maconha de melhor qualidade. Nos
banhos de sol, às vezes me via dando verdadeiras palestras.
Cheguei até a planejar cultivos em parceria com outros
presos. Quem achou que eu pararia?

Assim como no meu canal do Youtube, eu também


usava minha experiência de vida para dar conselhos sobre
situações que os próprios presos me traziam. Principalmente
os mais jovens, tentava ajudar transmitindo esperança.
Falava que eles poderiam ser mais do que aquilo, sair da
prisão e largar o crime.

Um rapaz soube que eu era professor e veio falar


comigo, me pedindo para lhe dar aulas de programação.
Quando fora preso, ele estava cursando o primeiro ano da
faculdade de sistemas. Pedi a ele que me mandasse um
caderno com uma caneta. Criaria uma espécie de apostila de
exercícios, assim ele poderia ir aprendendo aos poucos e as
dúvidas eu tiraria no pátio. De repente, me vi exercendo
minha profissão de professor. E confesso que me senti muito
bem. Creio que tenho uma vocação natural para isso, é algo
que me completa.

Recebi o caderno e escrevi um primeiro exercício de


programação básica. Entreguei ao preso no pátio e, no banho
168
de sol seguinte, ele me trouxe a resposta. Fizemos mais
algumas rodadas de lições e era nítido que ele estava
começando a aprender algo. Porém, fui transferido de bloco e
tivemos que parar. Antes de ir, o rapaz comentou sobre nosso
cursinho informal com alguns colegas, que vieram me
procurar também atrás de estudo. O que me leva a crer que,
se houvesse na cadeia opções para o preso se ocupar
durante o dia, muitos agarrariam a oportunidade. Ninguém
quer ser banido da sociedade. Assim como tem alguns ali que
já não conseguem mais se desvencilhar do crime, muitos
apresentam caráter sólido e demonstram vontade de
reconstruir suas vidas. Isso se tivessem a chance, claro.

O bloco 7 é composto por duas alas. Minha cela fica


na ala A e o pátio onde tomamos sol fica de frente para a ala
B. Ou seja, a cada par de dias, enquanto caminhamos e
conversamos no sol, é possível fazer contato com os presos
da outra ala. E vice-versa no sol deles. Só que, por ordem dos
agentes, essas conversas entre alas não são permitidas. A
ideia por trás da norma é evitar o tráfico e outras formas de
associação criminosa, além de neutralizar lideranças e
sufocar possíveis rebeliões. Quem tenta se comunicar com o
outro lado é castigado imediatamente. Mas será que os
engenheiros que projetaram a estrutura física da cadeia não
pensaram em algo que pudesse evitar isso?

O que separa o pátio da ala B é um corredor gradeado


com não mais do que 2 metros de largura. Fomos castigados
inúmeras vezes porque um preso se punha a conversar com
os da outra ala. Algo natural quando se tem um amigo por ali,
concorda? O que poderia ser apenas um espaço de
convivência acaba se tornando uma ferramenta para punições
adicionais. E ninguém merece ser colocado na cela do castigo
só por botar o papo em dia com um conhecido.

Já contei sobre essa cela maldita, não? Que mede 3


por 3 metros e não tem janelas ou grades? Que tem somente
169
o espírito santo tinha tocado seu coração. Urubu seguia sem
botar pontos finais, não parou mais de falar. Baixinho, no pé
do ouvido, tentei reorganizar a parada:

- Chega, Urubu. Vamos dar andamento ao


culto.

Ele continuou:

- … e mesmo que um espiritozinho


endemoniado venha me falar no ouvido para parar, eu não
paro! Pois foi o espírito de Deus quem me mandou falar!

Dessa forma o Urubu ocupou todo o tempo que eu


tinha planejado usar na minha parte do culto. Ele ainda louvou
um hino antes de devolver a palavra para mim. Eu só fiz
encerrar a sessão rezando um Pai Nosso, agradecendo pela
oportunidade de dirigir a benção e dando boa noite. Todos
deram boa noite.

Nem olhei para o Urubu. Disse apenas que era para


ter sido como tínhamos combinado. E mais nada. Apesar de
não ter gostado da forma que ele falou, sem dar contexto para
sua mensagem e tomando conta do culto inteiro, eu não ia
bater de frente com um matador fanático.

Mais um dia de visita de aproxima. Vão completar 45


dias desde que cheguei à cela 12 e sinto que já me acostumei
à rotina da cadeia. Tenho minhas coisas para comer, a galera
já me conhece e, sempre que vou ao corró nas visitas dos
advogados, sou reconhecido por outros presos. Todos sabem
que na ala dos coroas tem um professor da maconha, como
eles dizem. Fico até envaidecido com isso e faço questão de
agradecer de forma humilde. Ali tem muita gente de coração
bom que agiu errado por circunstâncias da vida. Aliás, é o que
mais tem.

125
Faz 3 visitas que não vejo minha irmã Jacqueline. Ela
teve que fazer uma viagem e ficou fora por 25 dias. Nesse
domingo, tenho certeza que virá. Todos ficamos aguardando,
observando os parentes que entram e as comparas que
trazem. As frutas, roupas, sabão e sabonetes. Tudo deve
estar em sacos plásticos transparentes, que são vendidos a 3
reais por unidade na porta da cadeia. Os olhos dos detentos
não saem do portão, à espera de uma silhueta, um rosto, um
sorriso conhecido. Uma porção de seres humanos
embrutecidos buscando o consolo do amor materno, a
amizade paterna, a sinceridade fraterna de irmãos e, às
vezes, o carinho da amante. Pessoas queridas que
atravessam os constrangimentos da triagem para vir ao seu
encontro no presídio. A espera parece uma eternidade e
nessas horas um cigarro ajuda. A cada reencontro, beijos por
todos os lados, lágrimas de saudade, notícias de fora que
alegram e entristecem. As demonstrações genuínas de
sentimentos são visíveis a olho nu. Em dia de visita, não se
economiza amor.

A cada 3 minutos, soa o barulho da fechadura elétrica


do portão - tláfiti! Depois de muitas repetições desse som,
finalmente vejo Jacqueline. Ela vem sorrindo e chorando, nos
abraçamos e uma saudade grande morre nesse momento.
Minha mana já me diz de saída que Nayara também está ali,
na fila com as coisas, aguardando a revista.

Jacqueline conta sobre a viagem dela e me atualiza


sobre o andamento do processo. No momento, estamos
aguardando a tal da alegação final, que só vai sair depois da
análise dos pés de maconha apreendidos em minha casa. Ela
me informa que decidiu assinar com um novo advogado, um
especialista no tema, que vai ajudar a me tirar dali. Pondero
que talvez não seja mais necessário, pois eu já tinha ido à
audiência e agora o que nos resta é esperar. Ela diz se sentir
responsável. Diz que vai, sim, contratar o especialista e
resolver. Jacqueline conta sobre nossa família e também que
171
o pessoal do ativismo pela legalização da cannabis quer
notícias minhas.

Então vejo Nayara entrar no pátio com uma sacola em


uma mão e um colchão na outra. Coitada, é muita coisa para
ela carregar. Damos um abraço apertado e um beijo quente.
Só de sentir o cheiro do cabelo dela já fico cheio de vontades.
Sei que logo estaremos juntinhos. Deixo o colchão com Ugo e
peço a ele que faça companhia a minha irmã, enquanto me
dirijo ao parlatório com Nayara.

A fila é bem constrangedora. São 7 casais, um atrás


do outro, esperando sua vez de entrar no motel-cadeia. Todos
que estão no pátio, tanto os presos quanto os visitantes,
sabem que ali vai rolar sexo. Para as mulheres, o desconforto
com certeza é maior. Os presos já estão acostumados com a
promiscuidade daquele lugar. Elas não. Em minutos, se
entregarão ao sexo com seus homens sem a privacidade dos
dias vividos fora da cadeia.

Ao entrar falamos pouco, bem pouco. Nossas bocas


estão ocupadas em nos embriagar de sensações. São muitos
sentimentos canalizados em um momento de intimidade e
prazer carnal entre pessoas que se amam. Nós entregamos
famintos um ao outro. O sexo acalma e alimenta a alma de
qualquer um. Para quem está preso, acrescenta uma dose
vital de esperança. Quando feito com alguém que realmente
lhe ama, é uma poção mágica.

Neste dia voltamos na hora certa para o pátio.


Reencontramos Jacqueline e voltamos a conversar sobre
meu caso. Especulamos sobre quando sairá a sentença e
quanto tempo mais ficarei ali. Alguns amigos passam por
perto para que os apresente a elas. É de bom tom apresentar
seus parentes a outro preso. É sinal de inclusão, respeito e
consideração pelos seus parceiros do dia a dia. Faço isso
com meus conhecidos e muitos demonstram admiração por

172
eu ter uma companheira jovem, bonita e simpática. Sinto que
alguns na verdade me veem como um velho folgado, que
pega as novinhas e vive levando chifre. Percebo alguns
comentários de canto nesse sentido. Mas dou de ombros e
não confronto ninguém. A grande maioria tece elogios a
minhas amadas e me trata com um respeito sincero.

Eu realmente fiz amigos na prisão que gostam do meu


modo de ser, me reconhecem como professor e estimam
meus conhecimentos - não apenas em cultivo de cannabis.
Me pergunto cá comigo o porquê desse respeito ao espaço e
vida alheia não ser o mesmo do lado de fora, já que muitos
terminam ali exatamente por invadir o que é do outro. É
incrível como a honra e o respeito ganham uma importância
maior para o homem quando ele se vê atrás de grades.

Antes de dar a hora das visitas partirem, peço a


Jacqueline que fale com o advogado e com o agente amigo
da família para eu ser trocado de bloco. Quero ser devolvido
ao bloco 1 ou transferido para o bloco dos estudantes, o bloco
4. Se possível, que o Ugo vá junto comigo. Ela promete fazer
isso. Quando os agentes tocam o sinal anunciando o fim da
visita, entrego a ela a cópia de um poema que escrevi para
participar de um concurso interno das penitenciárias do
Distrito Federal. Meu poema diz assim:

Acordado estou, meus sonhos se foram.

Dormindo estou, meu sonho chegou.

Minhas alegrias são sonhos distantes.

Meu viver é um real sofrer - quero sonhar,

não quero viver.

173
abrir a cortina do boi, lá estava o Ceilandinha. Ele disse que
deixaria para lá a nossa treta porque agora era uma pessoa
de Cristo, que estava mudando seu jeito de ser, mas que
tinha negócios futuros com o Luiz lá fora. Se eu atrapalhasse,
ele ia arrebentar minha cara. Me preparei para a agressão
que ainda poderia vir, mas não passou dessa ameaça. Um
jogo de cena para o resto do pessoal ver como ele era
violento, alguém que só não me detonou ali porque não quis -
coisa que eu não acho. A guerra agora estava declarada
entre mim e ele. E também com o Urubu, que adorava se
fazer de meu amigo, mas que se revelou um palhaço
querendo ver o circo pegar fogo.

No dia da minha terceira visita desde que chegara, eu


tinha a expectativa de receber minha irmã Sandra. Ou a
Nayara, minha última esposa, de quem eu estava separado,
mas com quem fui preso naquela madrugada fatídica. Eu
sabia que ela estava atuando a meu favor.

Fiquei esperando elas chegarem até por volta do


meio-dia, quando vi Sandrinha surgir na grade do portão de
entrada. Ela sorriu e já veio perguntando:

- Você estava esperando a Nayara, né?

Sorri de volta dizendo que esperava elas todas, e que


estava muito feliz por vê-la ali. Fomos ao espaço que eu tinha
arrumado para ficar e conversamos sobre uma porção de
coisas. Ela contou que Jacqueline não pudera vir porque
estava no meio de uma viagem. Dei a ela uma carta para ser
publicada em meu nome no Facebook. Eu tinha medo que os
seguidores do THCPROCÊ me esquecessem. Tinha medo de
que minha experiência na cadeia fosse em vão. Foi a própria
Sandra quem depois acabou publicando a carta em meu
nome no Facebook, no dia 7 de outubro de 2016. Dizia a
carta:

128
O concurso se chama FESTART e será sua 12a
edição. É interessante participar, porque quem tem o trabalho
classificado é transferido para o bloco 4. A comissão
avaliadora é composta por pessoas de fora do cárcere e
muitos presos e presas participam. Peço a elas que
publiquem a poesia na internet em meu nome e também uma
segunda carta dando conta do meu parecer, destinada aos
seguidores do canal THCPROCÊ.

Nayara coloca os papéis escondidos na roupa e as


duas vão embora. Essa hora da despedida é sempre ruim,
não tem jeito. O único remédio é sentar e esperar. Esperar
para ser levado de volta à cela. Esperar pela sentença. Torcer
para ser solto logo.

Mais um dia de visita, mais um dia de movimento nos


corredores. Carcarás são enviados, recebidos e as
negociações rolam soltas entre celas. Um verdadeiro
mercadão de compara e venda, com direito a desavenças à
distância que sempre podem dar em conflitos no pátio. Por
sinal, já no dia seguinte voltei a ter uma desavença com o
Chicão.

Ele disse não lembro bem o quê. Eu respondi apenas


"demorou". Só que, como já disse, isso na prisão soa como
desafio; é a mesma coisa que chamar para o pau. Chicão
pulou da sua jega e ficamos cara a cara, trocando agressões
verbais. O pessoal do deixa disso entrou em cena e as coisas
se acalmaram por um momento. Então peguei a grana que
tinha recebido da minha irmã na véspera e fui às comparas.

Pedi a um preso que enfrentasse a fila da cantina para


comparar minha lista de produtos. O total dava 75 reais e eu
pagaria a ele mais 10 pelo serviço. No momento em que dei a
grana, ele já me entregou uma carteira de cigarros Hollywood,
4 pacotes de bolacha maisena e 4 de bolacha wafer. Com ele
ficaram ainda uns 50 reais em comparas a entregar.

175
Esperei comendo uma goiaba. Nayara tinha trazido
mais algumas. Ofereci ao Ugo e ele recusou novamente.
Também dei a ele o colchão que ganhara. O cara dormia
direto no chão.

Depois do apelo que fizera à minha irmã, naquele


momento eu pressentia que logo seria transferido de bloco.
Imaginava que quem podia ajudar não sabia que eu estava
ali. Nunca vou me esquecer das pessoas que conheci e
momentos que vivi na cela 2 do bloco 7. Pessoas boas e
ruins. Mais momentos ruins do que bons. Lá conduzi cultos de
uma forma meio ecumênica - um pouco espírita, um pouco
católica e mística também, com cantos e leituras da bíblia. Sei
que uns ali não iam com a minha cara e não gostavam do que
eu dizia. Mas a maioria tinha apreço por mim e abriu a mente
para minhas ideias e palavras

Poucos dias depois, fui chamado após o almoço na


porta da cela. Era o agente aliado. Ele pediu para eu pegar
minhas coisas e ficar no procedimento para sair. Sem saber
direito o que acontecia, perguntei se eu seria transferido e se
era para levar meus mantimentos. Ele respondeu que sim.
Ainda que estivessem na formação de procedimento com a
cara virada para parede, deu para perceber que os presos
ficaram surpresos. Lá na primeira fila estava o Ugo, muito
longe da porta. Desejei a Deus que o abençoasse enquanto
outro agente me mandava andar logo.

Alguns ainda me olharam com uma expressão de


adeus. Queria poder me despedir, trocar um abraço e votos
de boa sorte. Principalmente com os mais chegados.
Lamentei por deixar Ugo e outros camaradas para trás. Mas
também estava aliviado por sair daquela loucura. Parti como
se fosse um refugiado. Fugindo da guerra sem saber para
onde ia.

176
18. BLOCO VELHO, NOVOS ELEMENTOS

O agente me levou ao corredor de saída. No caminho,


disse não saber que eu estava ali. Pensou que eu tivesse
recebido o alvará de soltura. Ele me levaria de volta para
minha antiga cela, no bloco 1. Fiquei aliviado.

Sou conduzido na traseira da viatura, mas com um


detalhe importante: sem algemas desta vez. Chegando no
bloco 1, me colocam em um corró aberto para revista. Olham
tudo e só não deixam entrar as teresas que eu usava para
pendurar a rede. Um dos chefes de plantão sugere que eu
seja colocado na cela 9, dos classificados, pois "o preso
parece ser gente boa". Outro agente lembra que, por estar
preso pelo artigo 33, eu não posso trabalhar - mas fica de ver
com o chefe de pátio se poderia me classificar. Eu digo
apenas que está tudo bem para mim. E estava mesmo, ô se
estava. O agente então me manda pegar minhas coisas e ir
andando rumo à cela 11. Digo a ele que antes tinha ficado na
cela 12. Ele responde que vai me colocar em uma cela mais
vazia e que ela é tranquila. Agradeço e logo me vejo em
frente à cela 11. Dentro dela, o pessoal fica em procedimento.
Eu entro.

A porta bate atrás de mim e escuto o cadeado ser


trancado. Os presos se viram para me olhar. Vejo o João,
meu vizinho de outrora, amigo do senhor Elias. Dou um
abraço nele. Reconheço o Gibi, o Gui, o Barrela, o Piauí e o
Samambaia. Só não conhecia dali o Aroeira e o JJ.
Cumprimento a todos.

Os vizinhos da cela 12, que dá de fundos para a


nossa, ficam felizes em me ver também. Eles fazem festa e
querem saber por onde eu tinha estado. Não dá para botar a
conversa em dia com todos já na chegada, mas me sinto
como se tivesse viajado e agora voltasse para casa. Luiz,

177
13. COM UMA MÃO NA FRENTE E OUTRA ATRÁS

Eu já estava acordado porque o pessoal do confere


tinha passado. Depois de todos serem contados, me levantei
e tomei um suco acompanhado de bolachas. Terminei o
desjejum, desci da jega para usar o banheiro e ouvi meu
nome ser chamado por um agente na galeria. Respondi com
meu sobrenome. Além de mim, ele chamou também o Coruja.
Mandou nós dois arrumarmos nossas coisas. Seríamos
transferidos.

Fiquei ressabiado. Eu não queria sair dali e perder


tudo que tinha conquistado. Mas a ordem estava dada e o
agente tinha pressa. Com a ajuda dos outros presos, fui
jogando tudo que tinha dentro do meu cobertor, na correria.
Na minha saída, anunciei que a jega deveria ficar com o
Mariola e o Urubu veio logo dizer que eu tinha prometido a ele
a jega. Insisti que não: a jega era do Mariola.

Retirados da cela, fomos levados a um corredor onde


se encontravam mais uns 30 presos, todos com suas trouxas
de roupas. Cumprimentei os que eu conhecia dali. Nenhum
entendia o que estava acontecendo. Ficamos um tempo
sentados, com armas apontadas em nossa direção e ouvindo
gritos de todos os lados. Antes de sair pedi a um preso da
cela 1, conhecido meu, que levasse um bilhete até a minha já
antiga cela 12. Consegui papel, caneta e escrevi que a jega
deveria ficar com o cara da vez na cela, que teria direito a ela
pela ordem de chegada. E esse cara era o BH.

Fomos levados em fila e algemados um ao outro, em


pares, até um ônibus. Sempre ouvindo ameaças de gás de
pimenta e tiros de borracha. O ônibus deu a partida e rodou
por 2 minutos até chegar ao bloco 7. Tínhamos sido avisados
de que nossa cela seria a A2. Ali iniciava a triagem para os
moradores do novo prédio do CDP no Complexo da Papuda,

131
Barrela queria vender a jega toda por 200 reais e se
mudar para a jega do Gibi. Achei que ainda não era
necessário, pois tinha a catacumba. Disse a ele que era caro
para mim e dormi mais uma noite em meu canto.

Eu conversava bastante com os moradores da minha


nova casa. Parecia que tudo ia bem. Barrela gostava muito de
um carteado e, em meio a uma partida, refez sua proposta.
Me convidou para comparar meia jega. Pagar só metade,
compartilhar a cama até ele ir embora e, quando isso
acontecesse, eu ficaria com a jega para mim. Barrela tinha
sido preso em um caso de embriaguez ao volante. Sua
audiência estava marcada e ele iria embora em alguns dias.

Enquanto discutíamos valores, o Gui, que dormia na


praia com o Aroeira, me disse que aquela era a jega da vez.
Ou seja, quando o Barrela saísse, ele poderia ocupá-la sem
pagar nada. Só que na lei da cadeia, se o dono da jega quiser
dividi-la com alguém, isso se chama resgate. O inquilino paga
metade da jega e passa a ser dono dela caso o outro saia.

Na hora Barrela ficou nervoso com o Gui. Disse que


se ele quisesse venderia a jega, sim. E todos da cela
concordaram. Então continuei a negociar a compara e
fechamos meia jega por 80 reais. Dei o dinheiro a ele e passei
a usufruir do meu direito. Na quarta noite já dormi nela para ir
tomando conta do que seria meu. Era uma das melhores
camas da cela, porque ficava no térreo. Foi um bom negócio
para mim.

Tirando essa pequena discussão sobre a jega, minha


primeira semana ali passou sem conflitos. Dava para tomar
banhos longos sem ninguém reclamar e o boi era mantido
sempre limpo. No 10o dias após minha chegada, o Gabriel
veio para a cela. Era um preso inusitado, com boa aparência,
um playboy longe da alta roda. Junto com seu tio, que ficou
na cela 12, tinha dado um golpe em um banco do Distrito

179
Federal. O famoso artigo 171, crime de estelionato. Gabriel
entrou, se apresentou e organizou suas coisas em um canto.
Acabou assumindo a catacumba na hora de dormir.

No banho de sol seguinte, eu quis cortar o cabelo e


fazer a barba. Tudo é feito com uma lâmina de barbear
apenas. O risco de se cortar e contrair uma doença está
sempre presente. Para realizar o serviço, paguei 12 reais à
Gorete - um preso trans, que fica na cela 14, destinada aos
homossexuais. Em seguida me lavei na torneira do pátio,
mesmo. Dei uma caminhada, enrolei um cigarro e fiquei
conversando com os amigos de outras celas.

Como de costume, os presos vinham me perguntar


sobre cultivo de maconha. Alguns queriam saber mais a
respeito do uso medicinal da cannabis. Nessas, conheci dois
presos com câncer que vinham sofrendo na prisão por falta
de medicamentos corretos. Um deles estava ali por tráfico,
inclusive. As dores causadas pelo câncer de próstata o
atormentavam e ele me perguntou se eu sabia algo sobre o
tratamento com maconha.

Contei a ele sobre Rick Simpson, um estudioso


canadense que afirma ter curado seu próprio câncer
utilizando óleo extraído da maconha. Expliquei a ele como o
óleo age e como deve ser tomado. Dei a receita de como
fazer o seu próprio remédio usando a maconha traficada do
Paraguai e álcool para solver. Essas aulas no estilo
THCPROCÊ prosseguiram durante alguns banhos de sol
mais. O preso ficou esperançoso e disse que iria fazer o óleo
quando saísse da prisão.

O Tubarão soube dessa história através do outro


preso e também veio me procurar. Era mais um ali que sofria
com o câncer; tinha uma espécie de linfoma no braço que lhe
dava muitas dores. Me pediu para falar sobre o remédio e
expliquei tudo da mesma forma. Assim como o primeiro, ficou

180
muito agradecido. Ainda mais por ver que eu estava disposto
a ajudar sem querer nada em troca. Esse compartilhamento
voluntário de informações me fortaleceu ali dentro. Fiz boas
amizades e passei a ser visto como uma pessoa do bem. O
“professor da maconha".

Eu tinha sido preso por querer ensinar a plantar para


não comparar. E na cadeia, sob a tutela do Estado, me vi
ensinando a plantar para vender. Tinha sempre os presos que
me procuravam interessados em cultivar cannabis com fins
comerciais. Maconha de melhor qualidade para vender mais
caro na boca de fumo. Essas conversas eram delicadas.
Comecei a plantar exatamente com o objetivo de me livrar
das relações com o tráfico. Para não entrar em dividida, a
única saída que encontrei foi explicar que, cultivando a erva
que eles próprios venderiam na boca, era possível deixar de
depender dos patrões. Até porque só encontrei pequeno
traficante no CDP. Nunca vi um barão do negócio por lá.

Quem ganha de verdade com o tráfico certamente não


são aqueles pobres diabos que conheci. Você já parou para
pensar quem pode ser? O que mais tem na cadeia é
traficante. Mas a venda de drogas nunca para do lado de fora.

Em um domingo, dia incomum para isso, um novo


preso entrou na cela. Ceará devia pesar uns 120 quilos e
chegou com um olho roxo. Disse que vinha do bloco 4, a ala
dos estudantes, e pediu para sair após uma briga na cela.
Barrela, que era muito atento, já suspeitou. Ficou
interrogando o cara sobre o real motivo dele ter saído de lá.
Talvez a desconfiança tenha sido um pouco exagerada. Mais
para frente conto melhor a história do Ceará.

Com a chegada de mais um, passamos a ser 9 presos


na cela. Antes que as coisas ficassem apertadas demais,
para nosso alívio também saíram 2. Gibi e Piauí foram
classificados e mudaram para a cela 9. O Gui subiu para jega

181
também. O fedor na cela ficou insuportável. Agora até respirar
era difícil.

Só conseguimos utilizar o vaso 2 dias depois. Isso


porque um preso gringo de Cabo Verde chamado Eliseu
enfiou uma garrafa de alvejante com a mão no vaso cheio de
merda e fez pressão para tentar desentupir. Logo que
conseguiu, todos ficaram desesperados para usar o vaso.
Sim, agora era um vaso sanitário, e não mais o boi. Com
tanto marmanjo sentando nele, ficava quase impossível
mantê-lo limpo. A solução era usá-lo na mesma hora do
banho para poder lavar suas bordas. Esse maldito vaso
entupiu mais de 5 vezes no tempo que fiquei na cela A2 do
bloco 7.

Embora seja um prédio novo, o bloco 7 apresenta as


mesmas situações do presídio velho. Não existe vantagem
alguma em ter sido levado para aquela cela fétida. É muito
pequena para o tanto de gente que tem dentro. Na hora de
dormir, 3 presos ocupam o espaço do banheiro. Os donos das
jegas passaram a compartilhar suas camas, ficando 2 presos
por jega. Eu e mais 2 presos fizemos redes. Ainda assim, o
lugar é apertado demais. Os 16 que sobraram na praia
dormem amontoados, muito próximos uns dos outros. A maior
preocupação de quem não tem jega para dormir é se
posicionar em um lugar e tornar ele seu canto. Isso não tem
muito como fazer na praia, pois para os presos a praia não
tem dono. Dormiu, acordou e seu lugar já não lhe pertence
mais.

Mais uma vez me dei bem com a rede. Só que tem um


porém. Conforme as instruções passadas pelos agentes na
nossa chegada, nada pode ser pendurado na grade, sob pena
de castigo. Então eu tenho que armar a rede depois de
passar o alvará e desarmar antes do confere. O que não é um
grande problema, visto as condições da maioria ali. Mas como
todos os lugares já estão ocupados quando levanto da rede,
134
Puta merda. Olha o que ele fez. Entre nós, a gente
chamava o cara por aquele apelido. Mas nunca na presença
dele, óbvio. Furioso, o agente questionou:

- O que foi, preso?! O que foi que você falou?! Seu


safado, sem vergonha! Vou te arrebentar os dentes aqui e
agora!

Quase me caguei. O agente abriu o cadeado, mandou


João pegar suas coisas e sair da cela. João implorou perdão,
mas o agente estava com sangue nos olhos. O preso acabou
saindo só com a roupa do corpo, deixando tudo para trás.

Quando a dupla sumiu da nossa vista, Barrela fez uma


previsão: João abriria a boca e ele também seria levado para
o castigo. Passados 5 minutos, o agente voltou e mandou
Barrela pegar as coisas dele. Como devemos ficar em
procedimento quando o agente está na frente da cela, o
Barrela pegou seus pertences e aproveitou para se apossar
do meu lençol novinho, que eu guardava para o próximo
parlatório. Fiquei sem ação vendo ele me roubar.

Os dois foram transferidos. Não sem antes passarem


pelo castigo. Eu tinha grilado com o lençol. Porém, agora a
jega era só minha e a cela ganhou mais espaço. Quando
chegou a noite, o agente que passou cantando o alvará
chamou o nome do Barrela. Avisamos que ele estava no
castigo. O agente foi buscá-lo e o trancou no corró para ser
solto na manhã seguinte. Meu lençol acabou ficando para um
preso que nem conheço, Barrela não precisava ter passado a
mão nele. Mas tudo bem. Gritando da nossa cela para o
corró, nos despedimos dele. Que se vangloriou por estar indo
embora "e o João que se foda!".

Alguns riram, outros não acharam aquilo legal. João


era querido na cela e no pátio, era um bom parceiro. Já o
Barrela era mais problemático, cheio de vícios, se drogava
pesado com remédios e tinha sim uma postura de xerife
183
dentro da cela. Só me dava bem com ele por falar as coisas
na lata, como se fosse um irmão mais velho. Assim ele me
deixava fora das suas neuroses cotidianas.

Pedimos aos classificados notícias sobre o João.


Descobrimos que ele passaria 10 dias no castigo e depois
seria levado ao bloco 6. Era o pior de todos junto com o 2,
onde às vezes chegavam a ter 50 presos por cela - muitos
deles novinhos e raivosos. Enviamos suas coisas por um
classificado e ficamos com algumas para nós. Sabíamos que
jamais chegariam nas mãos dele. Depois de passar quase um
ano na cela 11 do bloco 1, João agora viveria um pesadelo no
CDP. Infelizmente, sua ansiedade o fez pecar chamando o
agente pelo apelido.

E o pior é que aquilo já ocorrera uma outra vez. Com


um classificado tinha sido igual: sem maldade, ele respondera
àquele mesmo o agente falando "Sim, senhor bebezão!". O
agente passou a xingá-lo e o mandou arrumar as coisas, pois
seria desclassificado e transferido. Foi um choque, porque o
cara já era classificado há mais de 8 meses e todos sabiam
do seu empenho nas tarefas do dia a dia. Nada disso
importava. Levado para uma cela lotada, perdeu todos os
benefícios de ser um classificado. João bem que podia ter
assimilado aquela história e evitado o pior.

Assim como tem presos e presos, tem agentes e


agentes. Alguns atuam sem maldade, de acordo com as
normas da LEP. Outros criam regras próprias e cabe aos
presos se enquadrarem nelas. Por sinal, no início de outubro
houve uma greve de agentes penitenciários. Não era mais
possível receber advogados ou comparecer a audiências
marcadas. Quando os agentes interrompem seu trabalho, o
preso deixa de saber do seu processo e muitas vezes perde a
chance de ser solto. Essa greve recebeu ainda o apoio da
polícia civil, então os procedimentos que dependiam das
ações dela também deixaram de acontecer.
184
Foi um período de seca. Ficamos mais de 45 dias sem
visitas, faltando tudo, nos sentindo como animais velhos
abandonados. O sentimento geral ali dentro era de que quem
deveria cuidar de nós tinha saído de férias. Não sei como não
estourou uma rebelião.

Mas eu tinha ficado de contar a história do Ceará, o


preso que chegou em um domingo com o olho roxo. Quando
estava em Fortaleza, sua vida era fumar crack. Mesmo tendo
família, morava na rua.

A irmã era casada com um holandês. Assim que


Ceará conheceu o gringo, já roubou dinheiro da sua mala.
Nada menos do que 3600 euros. Trocou os euros por uma
pechincha em reais e fumou tudo em pedra. Os parentes
ficaram abismados, mas mesmo assim passaram um pano.
Ceará então roubou o holandês mais uma vez. Tomou sua
bicicleta trazida da Europa, vendeu e fumou tudo de novo. O
holandês gente fina ainda quis ajudar oferecendo moradia no
seu país-natal. "Mas lá não tem crack", ele pensou, e recusou
a oferta.

Ceará roubava grades de janelas e vendia no ferro-


velho bem baratinho - tipo 15 reais por grade. O dinheiro na
sua mão virava pedra. Alucinado, ele caminhava muitos
quilômetros todas as noites, andava de um lado para o outro
da cidade. Era um pega no cachimbo de lata e uma
caminhada de 2 quilômetros. Adorava viver assim. Até que
um dia, numa maloca da vida, ele se viu ameaçado por outro
doido de pedra. Matou o cara a pauladas e acabou preso. Ao
chegar no CDP em Brasília, Ceará já era cadeeiro velho.

Quando a mulher faleceu, o homem saiu caminhando.


E, após cometer um desses pequenos roubos, acabou tendo
que fugir para não morrer. Ceará pegou sua bicicleta Monark
e se mandou de Fortaleza. Só com a roupa do corpo, uma

185
bloco 7, eu comparava dele. Pagava caro, mas comparava.
Até que um dia eu estava preparando um baseado adquirido
com o Camarão e senti o fumo meio úmido, com um odor
estranho. Ao apertar a erva nos dedos para cortar com uma
gilete, cheirei meus dedos. Era puro vômito o aroma. Quem
trouxe para dentro da cadeia engoliu e depois botou para fora,
por isso fedia tanto. Como já tinha pago, resolvi secar a erva
com um papel. Fui apertando aquele tiquinho de maconha até
enxugar todo o suco de vômito. Foi ruim demais. Mas fez a
cabeça.

Faltando poucos dias para a primeira visita naquele


bloco, saímos numa manhã para o banho de sol e
encontramos o tempo fechado. Assim que chegamos ao
pátio, o céu desabou. Fomos todos para baixo da rodoviária.
Vendo que a chuva não pararia tão cedo, os agentes tocaram
a sineta que anuncia o fim do banho de sol e deram ordem de
procedimento. Os presos ouviam, mas não obedeciam. Então
um agente gritou para que todos se calassem. Como não foi
atendido, ele tocou a cachorra.

Um tumulto se formou na área da rodoviária. Ao ouvir


a cachorra, os presos saíram correndo para o fundo do pátio.
Eu estava no meio do bolo e saí correndo junto, mais sendo
empurrado do que por minha própria iniciativa. Menos de 2
minutos após soar a cachorra, com os presos todos
amontoados no canto, entraram no pátio mais de 20 homens
de preto. Os temidos DPOE já chegaram dando tiros e
jogando bombas de efeito moral. Foram uns 5 minutos de
terror, com direito a gritos e xingamentos. Muitos se feriram
com os estilhaços das bombas e balas de borracha
disparadas por espingardas calibre 12.

A agressão foi seguida por humilhação. Ficamos


sentados, encaixados um no outro, sem espaço nem para os
braços. Tivemos que ficar com as mãos entrelaçadas na nuca
e de cabeça baixa enquanto os últimos tiros ainda ecoavam.
137
De Fortaleza a Brasília são mais de 2 mil quilômetros.
Ceará pedalou esse percurso em 28 dias. O pneu da bicicleta
foi trocado 4 vezes na jornada. Quando chegou à capital
federal, Ceará trocou sua companheira de viagem por crack e
ficou perambulando pelo plano-piloto. Em uma praça, foi
abordado por um policial e deu seu nome verdadeiro. Ao
puxar a capivara do elemento, o policial descobriu que ele
estava foragido após se envolver em outro caso de homicídio
em Fortaleza. E lhe deu voz de prisão. Se tivesse dado um
nome qualquer, quem sabe o Ceará estivesse vagando por aí
até hoje. Não no CDP, comendo há mais de um ano o pão
que o diabo amassou com o rabo.

Ceará chegou na cela em um domingo e entrou


calado. Mas tinha o olhar de quem gosta de fazer negócios.
Como não recebia visitas porque sua família vivia bem longe
dali, passou a fazer faxina e lavar roupa para os outros.
Recebia 4 reais por faxina e 1 real por peça de roupa lavada.
Também vendia seus sucos de caixa e todinhos a 50
centavos por unidade. Devo ter comparado mais de 100
suquinhos dele.

Sendo pau para toda obra, Ceará ia fazendo seu


dinheiro lenta e constantemente. Era um cara prestativo.
Apenas um pouco impaciente. Uma curiosidade horrível é que
certo dia ele me contou sofrer com vermes. Às vezes
vomitava vermes, às vezes saíam vermes enormes quando
ele defecava. Depois de me contar isso, nunca mais usei o
boi em seguida dele. Procurava usar sempre de manhã, após
a faxina do dia.

A greve dos agentes não impediu que novos presos


chegassem ao CDP. O mais novo a entrar na cela era
conhecido por Pardal. Com ar de mandão, bico empinado e
uma conversa dissimulada, veio trazendo um colchão novo e
uma porção de pertences.

187
Ficamos observando ele arrumar suas coisas. Ao ver
que a cela estava cheia, com 9 presos, Pardal quis saber
onde poderia dormir. Mostramos a ele o espaço que restava,
próximo do boi. Ele não aceitou e fez uma proposta para
comparar a jega do Aroeira. Como o Aroeira estava sempre
querendo dinheiro, combinou com o Gabriel e o Ceará de
dormir no meio deles na praia e vendeu sua jega por 200
reais. Metade seria paga na primeira visita e metade na
segunda. Mesmo com o CDP ainda em greve, sem previsão
de visitas, Aroeira julgou ter feito bom negócio.

Pardal subiu para a jega aliviado por ter seu canto.


Depois desceu do poleiro, lavou roupas e esparramou as
peças pela cela toda para secar - incluindo lençóis e cobertas.
Ao ouvir reclamações nossas por tamanha folga, Pardal se
revelou uma ave de rapina ameaçadora. Era bom ficar de
olho naquele novo morador.

No dia seguinte chegou mais um preso para a cela 11.


Normalmente, as entradas de novos presos ocorrem somente
às terças e sextas. Porém, era uma quarta-feira. Da mesma
forma que o Ceará só veio em um domingo porque tinha
brigado na cela, aquilo não cheirava bem.

Agreste era um bandido da pesada. Aos 24 anos,


tinha sido preso por tráfico, homicídio, corrupção de menores
e formação de quadrilha. Seu pai era policial militar e o irmão,
agente da DPOE. A previsão era de que puxasse uns 40
anos de cana após a condenação. Como um preso com esse
perfil foi parar na ala dos coroas? Simples: por influência do
pai e do irmão. Inicialmente ele tinha entrado no bloco 7, dos
novinhos traficantes. Mas os novinhos não aceitam preso
parente de policial - pior ainda sendo irmão de DPOE. Então
ele passou pelo bloco 4, pelo 6 e agora estava no 1. Dado o
pistolão que tinha, Agreste conseguia escolher para onde ia.
Era mais um para se tomar cuidado ali dentro.

188
Pardal e Agreste já se conheciam, tinham dividido cela
no bloco 6. Na época em que estavam lá, houve uma
tentativa de fuga que acabou frustrada pelos agentes. Quem
também estava por lá nessa mesma época era o Serginho, o
preso seguinte a entrar na nossa cela. Serginho entrou de
uma forma meio espalhafatosa, trazendo um monte de roupa
suja. De cara vimos que ele era muito amigo do Agreste, além
de conhecer o Pardal. Nessa altura a cela ficou cheia demais,
com 12 presos, pois na chegada do Serginho veio junto o
Paulista. Esse era um cara simples, de postura, que entrou e
já providenciou um canto para sua rede - até ajudei ele a
produzir as teresas. Paulista também era amigo dos 3 últimos
presos. Assim, a cela ficou lotada e com uma nova patota
tomando conta do pedaço.

O Agreste tinha o hábito de se drogar com remédios e


sempre dava um jeito de conseguir seu combustível.
Diazepam, rupinol, fluoxetina, carbamazepina: ele pagava até
mil receitas pelas receitas médicas e alguém trazia seus
remédios de fora. Por sinal, toda quarta-feira são entregues
os remédios aos presos que têm prescrição. A maioria acaba
sendo vendida. Plantar maconha é fichinha perto do tráfico de
medicamentos que rola solto nas cadeias - e também na
internet, diga-se.

Serginho costumava entrar na onda e chapar junto


com o Agreste. Nessas, foram fortalecendo sua amizade. Ao
mesmo tempo em que o Pardal foi se tornando quase um
inimigo deles. Já o Paulista era mais imparcial e se guiava
apenas pela lei da cadeia. Talvez por ser de São Paulo e já
ter passado um bom tempo pelas prisões de lá.

Assim que chegou na cela, Agreste tratou logo de


comparar uma jega. Pagou 100 reais pela do terceiro andar,
ao lado do boi, uma cama bem ruim de subir e descer.
Agreste era cadeeiro sabido e ficou com a opção que tinha.
Naquela situação, com a cela cheia, ninguém mais venderia
189
de direitos básicos. Como lixo ou praga, e não como pessoa.
Isso a sociedade não vê. Ou finge não enxergar.

No Fórum de Entorpecentes do Distrito Federal,


somos levados para um corró no subsolo do prédio, onde
aguardamos nossos nomes serem chamados. Minha
audiência acontecerá no terceiro andar, com a juíza Dra.
Joelcir, reconhecida por sua benevolência e por atuar de
forma realmente justa. Daquele grupo de 12 presos, sou o
primeiro a ser convocado.

Subo as escadas algemado e escoltado. Chegando no


terceiro andar encontro minhas advogadas, que pedem um
momento em particular comigo. Em uma sala de frente para a
sala da audiência, elas me instruem a negar o tráfico e dizer
que os envios que fizera gratuitamente para os seguidores do
canal THCPROCÊ eram mala direta, folhetos e manuais. Me
orientam também a responder com calma o que a juíza me
perguntasse. E reforçam que estariam ali do lado, cuidando
do meu depoimento.

Ao entrar na sala de audiência, vejo sentadas minhas


testemunhas de defesa. O Silvino, dono de uma empresa que
vende peças de computadores, com quem trabalhei por um
tempo e para quem também dei aula há uns 20 anos. Foi ele
quem me vendeu a moto apreendida pela polícia quando fui
preso, apontada como fruto do tráfico. Do seu lado avisto
Nayara, que dormia comigo na madrugada da prisão. Ela está
ali como testemunha de acusação - porque, veja só, os
policiais não tinham a quem recorrer para validar sua versão
dos fatos -, e teria que confirmar tudo que fora apreendido em
minha casa.

Sentada ao lado de Nayara vejo Fabiana, minha ex-


esposa, com quem convivi por 11 anos e ainda mantinha uma
relação amigável. Foi ela quem resgatou meus gatos e fez o
possível para cuidar deles como eu cuidava. Do seu lado está
140
Com a saída do Gabriel, Serginho veio dormir no
canto da praia ao lado da minha jega. Além de chato, ele
roncava muito. No início a gente até tinha se dado bem. O
problema é que ele começou a abusar dos coquetéis de
comprimidos e eu fui ficando de saco cheio. O cara se
drogava e depois dormia esparramado na praia. E os presos
deixavam quieto. Ele e o Agreste, por serem mais
experientes, faziam e desfaziam na cela.

Serginho contava vantagem por ter matado um cara


desarmado. Se dizia o bandidão do Distrito Federal e Goiás.
Os dois jogavam baralho quase toda noite no horário de
dormir. Durante o dia, inventavam de fritar comida botando
fogo em plástico, o que deixava a cela no sufoco. Também
atrapalhavam os cultos, interrompendo as leituras com suas
falas sem nexo. Quando se drogavam, gritavam um monte e
avacalhavam todos. Agiam como se não tivesse mais
ninguém dividindo a cela.

Fui me irritando ainda mais porque, no banho de sol,


outros presos reclamavam dos abusos. Diziam que não tinha
como aceitar aquilo. Mas, na hora do vamos ver, ninguém
falava um A para os caras. Com exceção do Ceará e do Gui,
que chamaram a atenção da dupla algumas vezes pedindo
para controlarem seus atos porque a cela não estava
gostando. Não que isso tenha mudado muita coisa. Os dois
fanfarrões ainda arrumaram confusão com o Pardal,
acusando ele de ter dedurado a tentativa de fuga do bloco 6.
Pardal ficou furioso com isso e devolveu a acusação: eles é
que eram os dedos-duros e ele a vítima nessa história.
Observando o Agreste, víamos que ele tinha muita intimidade
com os agentes. Por motivos óbvios, conhecia todos eles.
Vivia chamando os caras para enviar recados e fazer pedidos.

Uma tarde, Agreste e Serginho dormiram por horas


seguidas. Acordaram no meio da noite, quando todos já
estavam dormindo, e começaram a fazer uma baderna para
191
preparar comida. Todos reclamamos. Eles deram de ombros
e continuaram. Umas 4:30 da manhã, como se já tivesse
amanhecido, acenderam a lâmpada da cela e passaram a
conversar normalmente. Daí eu não me contive e reclamei
feio. Serginho disse então que eu era um nojento e que só
falava merda. Retruquei que ele é que não falava coisa com
coisa. Que ia cagar drogado e jogava merda no boi inteiro.
Ele e o Agreste. Eu estava puto.

Serginho veio até minha jega e tentou me agredir com


um soco no estômago. Sua mão enroscou no lençol e
arrebentou minha cortina, me acertando sem muita força na
barriga. Me levantei a tempo de receber outro golpe, mais
violento. A pancada me atingiu na nuca, logo abaixo do
ouvido. Reagi voando no pescoço do Serginho e apliquei um
golpe "garra de dragão" na sua traqueia. Sem conseguir me
alcançar com os braços, o preso ficou se arrastando comigo
grudado no cangote.

Pegou na garganta, né… - sua voz saía raspando e


abafada.

Meus dedos apertavam cada vez mais e a vontade era


de estrangular o cara até a morte. Nessa hora o Ceará
interveio e separou nós dois. Serginho pegou correndo uma
escova de dentes e começou a amolar ela no cimento para
virar uma faca. Aí os presos todos entraram no meio e
disseram que ele tinha perdido a razão. Isso não se faz dentro
da cela.

Com a briga, o clima do lugar mudou por completo.


Agora tínhamos uma divisão clara. Eu de um lado, o Serginho
e o Agreste de outro. Eles de lá, planejando e acusando algo.
E eu pensando comigo mesmo que era hora de sair dali.

192
Fiz um bilhete e entreguei a um amigo classificado, o
Ronaldo, pedindo para que repassasse aos agentes. Antes de
encaminhar, Ronaldo foi para sua cela e leu o bilhete. E
compartilhou com o Cinco da Sul, aquele mesmo preso que
dedurara o Josias, e que agora era classificado. Cinco da Sul
também leu o bilhete. Nele, eu pedia ao chefe de pátio para
me mudar de bloco ou cela, pois tinha problemas com um
preso dali.

Ao cair da noite, pensei melhor e desisti de sair. Afinal,


ali tinha tudo. Eu paguei para ter o meu espaço. Então pedi
ao Ronaldo que deixasse quieto. Só que ele já havia entregue
o bilhete e o agente que recebeu era um amigo do agente que
me conhecia. Ele inclusive já estava a caminho da cela.

Vale ressaltar que as gritarias e vendas nas alas são


proibidas. Porém, as celas são muito próximas de onde os
agentes ficam. Eles escutam praticamente tudo que se fala ali
dentro. Era bem provável que já estivessem cientes da briga
que eu tivera e com quem eu brigara antes mesmo do meu
bilhete ser entregue.

O agente veio até nossa cela e mandou Serginho


arrumar as coisas. Seria transferido. Indignado, ele ainda
tentou contestar. Não teve jeito: era para ele sair e sair logo.
Depois de enrolar o máximo que pôde, na porta da cela
Serginho ainda conseguiu irritar o agente. Disse antes de
partir:

Tomara que onde eu vá tenha muita maconha para eu


poder fumar!

Assim que ele se foi, olhei para o Ceará e vi uma


expressão de satisfação em seu rosto. Olhei para o Gui e ele
tinha uma expressão semelhante. Todos estavam contentes
pelo Serginho ter ido embora. Até o Agreste se mostrou feliz
por perder o amigo.

193
informações tão acessíveis nas mãos. Digo também que,
apesar dessa revelação depor contra mim, eu tinha enviado
algumas sementes para brasileiros, sim. Mas a cooperativa
era só um nome, não existia uma empresa de sementes com
fins lucrativos. Na verdade, eu fazia uma espécie de compara
coletiva e chamava isso de cooperativa. A juíza não faz mais
perguntas e passa a bola para o promotor.

O promotor me pergunta sobre a quantidade de


sementes enviadas para cada pessoa. Respondo que eram
de 4 a 8 sementes por correspondência, todas com intuito
medicinal. Nesse momento a juíza quer saber: se eu usava
com fins medicinais, qual era a doença? Sintomas de insônia,
inapetência, dores de cabeça e ansiedade, respondo. Eu
explico que a maconha não apenas ajuda a tratar câncer e
epilepsia, como é de conhecimento público, mas que a
cannabis é principalmente um calmante e um estimulador
natural das nossas sensações. Completo esclarecendo que
enviava sementes apenas para maiores de 18 anos já
usuários de maconha.

- Como você poderia afirmar se os destinatários eram


menores ou não? - a juíza quer saber.

Respondo que sempre olhava antes o perfil da pessoa


no Facebook e somente quando tinha essa segurança
colocava seu nome na lista da cooperativa. O promotor
comunico não ter mais perguntas. Minha confissão é a prova
de que ele precisava.

A palavra é dada para minhas advogadas, que me


perguntam sobre o vídeo "Pai conivente, filho presente”, que
eu publicara no canal do THCPROCÊ no Youtube. Argumento
que era mais um incentivo para unir pais e filhos. No vídeo eu
sugeria que, em vez do pai bater de frente com um
adolescente usuário de maconha, tentasse conversar e

143
19. O HORROR

Na cadeia tudo sempre pode piorar. Depois da volta


do Serginho, chegaram 3 novos presos para deixar a cela
ainda mais lotada. A sorte foi que saiu um também, o
Planaltina. Na nova configuração, quem ficou com a
catacumba foi o senhor Mauro, mais conhecido como Smigol.

Falando do senhor Mauro, ao ser colocado na cela ele


disse que tinha hipoglicemia, diabetes, disse que não tinha o
pâncreas e também que era um assaltante perigoso. Nós
rimos dele, foi inevitável. Mas o Smigol se manteve calmo e
sereno.

Dava para ver que era uma pessoa com pouca ou


nenhuma saúde. No dia que chegou, dei a ele uma bermuda,
uma cueca e um pacote de bolachas. Ele ficou muito feliz e
agradeceu me chamando de "professor abençoado". Mais
tarde, chamamos um agente e dissemos que era errado
trazer um preso naquelas condições. Ele morreria ali dentro.
O agente mal olhou para o cara, falou que ia ver o que
poderia fazer e sumiu.

De noite, Serginho contrariou o combinado que


tínhamos feito e, junto com o Agreste, preparou um coquetel
de comprimidos com suco de uva de caixinha para chaparem.
Quando estavam bebendo, eles ofereceram ao senhor Mauro,
que aceitou. A noite foi passando e, já de madrugada,
acordamos com o Smigol falando que estava passando mal e
precisava comer algo. O Gui deu a ele um todinho e um pão.
Eu dei a ele mais algumas bolachas. Senhor Mauro
agradeceu a nós, agradeceu a Deus e todos voltamos a
dormir.

Quando amanheceu, ele queria mais comida. Dizia


estar com muita fome e que precisava comer toda hora por
conta dos seus problemas. Os presos já ficaram contra ele.
195
Mandaram o cara se virar. Smigol alegou que sabia se virar
na cadeia, que era preso malandro e não rasga tanga. Que
logo ele conseguiria que seus comparsas dessem uma
fortalecida, que era só ele ir no sol e nós íamos ver. Então,
contou sua história de prisão.

Na rua de uma cidade-satélite de Brasília, Mauro havia


roubado a bicicleta importada de um rapaz. Saiu dando tiros
para o alto. Em frente a um posto de gasolina, encontrou uma
Saveiro estacionada com um cara sentado no banco do
motorista. Já chegou apontando a arma e mandando ele
vazar. Partiu de pinote dirigindo o veículo até encontrar um
bloqueio policial. Largou a Saveiro e correu até uma padaria,
onde roubou o carro de uma mulher que estava parado logo
em frente. Pé na tábua rumo ao plano-piloto. Em dado
momento, olhou pelo retrovisor e viu uma viatura policial
acelerando a mais de 140 por hora em seu encalço. Mostrou
o dedo do meio aos agentes que, emparelhados com ele,
davam ordens para parar. Acabou batendo o carro roubado
na traseira de outro que estava mais lento. Machucou o rosto
feio. E foi levado para a cadeia todo inchado.

Mauro sabia bem as falas cadeeiras e tinha uma


postura sistemática. Valorizava o respeito e, apesar de ser só
pele e osso, cobrava que ele fosse mantido. Na saída para o
banho de sol, todos nus enfileirados, fiquei sem palavras ao
ver o cara de costas. Smigol tinha uma ferida grande bem na
divisão da bunda e pelancas caindo pelos lados. Uma visão
horrível. Sendo que o cara tinha só 40 anos.

Na hora da chamada, o mesmo agente que tinha


levado o Serginho embora da cela estranhou vê-lo ali de
novo. Mandou o preso ficar parado e pediu explicações.
Serginho disse que um superior do agente tinha lhe trazido de
volta para a ala dos coroas por ele ter mais de 40 anos. O
agente liberou ele para o pátio. Então o agente conhecido da
minha família me mandou parar e perguntou o que havia
196
acontecido. Respondi que ele simplesmente voltara para a
cela. O parceiro não gostou nada de ouvir isso. Disse que não
era garoto de leva-e-traz e me liberou para o pátio.

No procedimento, esperando o banho de sol começar,


Serginho falou para mim que eu ia foder ele com aquela
história do bilhete. Reafirmei que meu bilhete só pedia
transferência para mim, não mencionava o nome dele. O
banho de sol passou e voltamos para a cela.

Uma hora depois, o mesmo agente que levara o


Serginho da outra vez ressurgiu e disse para ele arrumar suas
coisas. Seria transferido para outra ala.

No bloco C eu não vou, não! - Serginho reclamou.

Você vai para onde eu quiser! Cala essa boca e sai


logo! - o agente respondeu.

Como o preso ficou enrolando para sair, o agente


chamou outros 3 agentes - um deles bem alto e forte, que se
colocou na porta. Quando Serginho foi saindo de costas com
as coisas na mão, o grandalhão lhe deu uma gravata e os
outros dobraram suas mãos. O detento foi extraído da cela
algemado e deixado no castigo por 10 dias antes de ser
transferido. Agora eu sabia que ele não voltaria mais.
Ficamos livres do Serginho seboso. Finalmente.

Depois da saída do Pardal, a cela ficou com a


seguinte configuração: eu na minha jega de baixo, o JJ na
jega do meio e o Aroeira na jega superior do lado de cá. O
Gui na jega de baixo do outro lado, o Samambaia na do meio
e o Agreste na de cima. Na praia estavam o Reinaldo, o
Ceará e um preso novo, o Piauí. Paulista e Galego dormiam
em redes. E o Mauro Smigol na catacumba. Cela cheia.

Smigol andava reclamando muito de sentir fadiga e


tonturas. E o Gui estava com uma coceira sinistra. Numa
197
então eu estava sendo acusado de tráfico? Era uma pergunta
plausível. Mas essa pergunta não foi feita. Também acho que
as advogadas deixaram o policial civil partir muito facilmente.
Poderiam ter perguntado, por exemplo, se o que a polícia
encontrou em minha residência justificava o volume de
recursos públicos investidos na operação que me prendeu.

Enfim, a primeira testemunha de defesa a entrar é


Oriana Flores. Minhas advogadas perguntam de onde ela me
conhecia e o que pensava sobre mim. Oriana responde que,
quando me viu entrar pela porta, sentiu muita pena. Porque
eu era uma pessoa que não merecia passar por aquilo. Ela já
me conhecia há mais de 14 anos. Eu já fizera trabalhos para
ela nas suas lojas e sempre fora muito correto, uma pessoa
do bem e divertida. Nas palavras dela, eu trazia alegria para
onde estivesse, era uma pessoa de muito caráter e
responsável. Oriana diz que sabia, sim, sobre meu uso da
cannabis, e também sabia que eu plantava maconha para não
comparar do tráfico. Certa vez, ela me chamou na casa dela
com a desculpa de estar com um computador quebrado. Na
verdade, queria que eu me aproximasse dos seus filhos para
dar alguns conselhos de vida. As visitas se repetiram e hoje
um filho estava se formando em medicina e o outro em
engenharia na Universidade de Brasília. Oriana afirma que, se
não fossem meus aconselhamentos, talvez os filhos não
estivessem tão bem encaminhados. Porque, como já dissera,
eu tenho uma capacidade muito grande de fazer o bem e não
merecia aquela prisão.

Ao terminar seu depoimento, Oriana passa por mim e


toca meu ombro. O DPOE dá um pulo e a repreende. A juíza
grita de lá também, diz que não pode. Oriana se assusta e
pede desculpas por não saber. Antes de sair, ela diz que me
esperava lá fora para consertar os computadores de suas
lojas. Respondo balançando a cabeça. Ao chegar no fórum,
os agentes da DPOE tinham nos dito que era
terminantemente proibido falar, olhar, piscar, conversar com
146
Nayara conheceu o buraco onde eu estava morando.
Curiosa, olhou tudo e não pôde deixar de se entristecer pelas
condições deprimentes do lugar. Mas não deixei ela
desanimar. Fui logo tirando sua roupa.

Eu tocava o corpo dela com muita vontade. Me deliciei


com sua pele e seu cheiro. Quando o termômetro começou a
subir, tirei de um lugar escondido algumas cordas e um pano.
Amarrei minha prisioneira com as mãos para trás e amordacei
ela com o tecido. Nayara no começo se surpreendeu, mas
topou entrar na fantasia. Ela se retorcia na jega enquanto eu
percorria seu corpo com minha língua, como um leão
saboreando a presa. Falava palavras safadas no ouvido dela,
que me guiava com seus gemidos de prazer. Então possuí da
forma mais selvagem possível seu corpo nu e dominado.
Segurando o cabelo, beijando o pescoço, lambendo as
costas, dando mordidas de leve.

Entre paredes e grades, fizemos um amor louco na


cela. Eu não podia perder nem um minuto com tabus ou
sentimentos tolos e dei tudo de mim. Senti uma corrente
intensa de energia tomando conta do meu corpo. Quando
ainda estávamos recuperando a respiração, o pastinha
passou na porta dizendo que tínhamos 5 minutos para sair.
Tomamos banho juntos, nos lavando a 4 mãos. Foi uma
manhã maravilhosa, com muito amor e tesão. Um dia ainda
voltaremos a fazer sexo assim, com fetiche. Tenho certeza
disso.

Retornamos para o pátio com as caras mais felizes do


mundo. Minha irmã ainda não tinha entrado. Chegou poucos
minutos depois. Jacqueline estava bem, mas sentia demais
por eu permanecer preso apesar de todo o dinheiro gasto. Ela
disse que o advogado me tiraria logo de lá e a gente só podia
aguardar.

199
Nessa hora procurei acalmá-la. Disse a ela que não
precisava se preocupar tanto, que eu estava bem ali, que era
suportável. Queria que ela soubesse que podia seguir sua
vida e esquecer um pouco de meus problemas. Jaqueline e
Nayara achavam que o novo advogado era sério, mas muito
lento. Disseram que a família estava inquieta com a
possibilidade de eu passar o fim de ano por ali. Nos
despedimos com elas dizendo que todos esperavam me ver
livre antes do natal.

Na verdade eu achava que, se a juíza ainda não havia


me dado o alvará, era porque realmente seria condenado. Já
estava até me conformando com isso. No bloco 1 eu era bem
quisto. Os presos faziam questão de me cumprimentar no
pátio, me perguntavam sobre cultivo de cannabis e,
principalmente, pediam conselhos sobre seus dilemas
pessoais. Muitos me escutavam pregando pelo corredor da
ala nas horas do culto e viam que eu falava de Deus de uma
forma mais simples. Às vezes, sem querer, me chamavam até
de pastor.

Foram quase 2 meses que passei na cela 11.


Mentalmente, me preparava para ficar ali por mais tempo.
Entretanto, quando fiz 5 meses de prisão, aquele sentimento
de urgência em sair dali voltou com tudo. Eu estava tentando
me enquadrar, mas algo terrível aconteceu.

Smigol estava muito mal. Um agente do mesmo


plantão que o meu aliado veio e, cedinho na manhã, o levou
para o corró. É o procedimento padrão para ser encaminhado
à enfermaria. Só que o plantão muda às 9:00. Na troca de
turno, ninguém se certificou de que ele de fato fosse
encaminhado. Smigol passou o dia todo no corró e não foi
atendido na enfermaria. Voltou para a cela mais fraco ainda,
reclamando muito de ter esperado tanto tempo lá. Ficou horas
e horas sem comida, com dores no corpo e sofrendo ataques
de hipoglicemia.
200
Dava pena do senhor Mauro. Ele era feio de doer, mas
humilde e simpático. Eu tinha asco das suas feridas
expurgando e evitava que elas se aproximassem de mim e da
minha jega. Ainda assim, deixei ele sentar na cama várias
vezes para comer ou durante a faxina. Deixava ele sentar ou
colocava outro preso para não precisar ser ele. Naquele
contexto cruel, era difícil não discriminar.

O que o Mauro Smigol mais precisava era de um


amigo de verdade e tentei o que pude nesse sentido. Me
comunicava com ele pelo olhar, sorria para ele, acenava com
a cabeça. No banho de sol, comprei bolachas e pacaia para o
Mauro, que enrolava e fumava um atrás do outro. Ele me
ensinou a fumar sementes de maçã, coisa que é bem errada;
faz mal à beça. Doei alimentos a ele mesmo de madrugada,
quando Smigol acordava a todos pedindo comida. Só não
atendia se o pedido se repetisse poucos minutos depois. O
mais normal ali dentro é não compartilhar o que se tem.
Quem reclama escuta em retorno que “todo preso entra
sozinho na cadeia”. É um convívio insalubre demais para
quem já não tem muita saúde. Tanto que o cara não passou
de 4 dias na cela.

Como o Smigol não tinha sido atendido na enfermaria,


no dia seguinte pedimos que os agentes o levassem
novamente para lá. No fundo, acho que o pessoal queria
mesmo era que ele fosse embora de vez. Não via muita
sinceridade neles quando diziam que o preso precisava de
uma enfermaria, e não de uma cela. Ninguém o queria muito
perto.

Na madrugada do terceiro para o quarto dia do Mauro


por ali, ele tentou se levantar e caiu batendo a cabeça em um
preso que dormia. Pediu desculpas e foi para o banheiro.
Além de todas as moléstias já citadas, Mauro sofria também
com hemorroida. No banheiro ele se cagou inteiro e deixou o
boi emporcalhado. Voltou todo sujo para sua catacumba,
201
Cheguei na cela já era tarde e os presos ansiosos
perguntavam como tinha sido. Cabisbaixo, não pude
esconder a decepção em estar de volta. Percebi em alguns
deles a satisfação em comprovar que eu estava errado ao
pensar que sairia dali antes deles. Em outros, senti o conforto
do olhar solidário. Ouvi palavras de consolo e de provocação.
Naquela noite, eu só queria poder descansar em algum lugar
sem ser incomodado por ninguém. Mas ali nem deitar era
possível.

Fiquei sentado no chão ao lado do Ugo, meu


camarada nigeriano, que a todo momento puxava conversa
comigo. Falava que pelo meu caso era para eu estar livre,
que os meus advogados eram ruins. Finalmente, acabou o dia
e pude estender minha rede. Peguei no sono rápido e dormi
pesado.

Nem bem amanheceu, já me aborreci com um preso


que, às 5:30, esbarrou na minha rede para escovar os dentes.
E ainda iniciou a contagem da fila do banheiro, que acordava
a todos na cela. Quem consegue ficar dormindo com uma
gritaria danada daquelas, 35 homens adultos em uma mesma
cela? O pior é que a lista não é sequencial. Um fala 10, o
outro 30, o outro 70, um outro 120. Sempre tem preso
querendo levar vantagem no grito. Só me resta engolir minhas
dores e aguardar os dias passarem evitando entrar em
confusão.

149
Ainda levou uns 10 minutos até os agentes virem e
verem que o senhor Mauro não respirava mais. Mandaram
dois presos carregarem o corpo no próprio colchão para fora
da cela. Smigol recebeu seu alvará de soltura na forma de
morte. Morte que o CDP propiciou. Morte que o juiz de
custódia poderia ter evitado, enviando ele para uma prisão-
hospital. Morte por descaso de um grupo de agentes, que se
mostrou indiferente ao estado de saúde do preso. Morte que
eu senti demais.

Na noite anterior, Smigol tinha inventado de fazer um


melhorado com sua xepa e ajudamos ele no preparo. Ceará
fez um mexido que o Mauro comeu, se deliciou e agradeceu
muito. Agradeceu a todos nós e ofereceu a cada um da cela.
Somente um preso foi humilde o suficiente para aceitar. Não
fui eu e me arrependo muito disso. Foi sua última refeição.
Era uma ceia santa.

Depois que ele morreu, escutei várias vezes sua voz


dizendo que estava escuro, mas que ia esperar. Que não
estava entendendo o que acontecia. Tinha visões do seu
corpo mirrado sentado no chão da cela, olhando em volta
perdido. Por longos 3 dias, vi e ouvi seu espírito pedir tabaco
e comida enquanto aguardava a partida para onde quer que
fosse. Quando comentava sobre isso com os companheiros,
era como se dissesse uma heresia. Conflito de crenças, vou
fazer o quê? Que Deus o tenha em seus braços, Mauro.

Este não foi um descaso isolado. Falo pelo que ouvi.


Os presos contavam que, na cela 6 do bloco 1, ala A, um
preso teve uma crise de apendicite e os agentes não botaram
fé. Disseram que era mentira, que ele queria era remédio para
vender. Deixaram o preso gritando a noite inteira. Amanheceu
morto.

Em outro caso, um preso no corró gritava sem parar


de dor na barriga, dizia ser gastrite. Os agentes se fizeram de

203
cegos e surdos. Eu cheguei a ver esse preso no corró, vivo.
Tinha uma aparência muito pobre: era magro e sem dentes.
Também vi ele morto no dia seguinte, sendo carregado por
outros presos. Um absurdo de desumanidade essa
indiferença do sistema penitenciário frente à vida de uma
pessoa.

Estar imerso nisso me fez voltar a sofrer muito ali no


CDP. Era selvageria dos presos e crueldade dos agentes.
Todo dia, o dia todo e, na maioria das vezes, por motivo fútil.
Gostaria muito de saber onde está escrito que agentes e
presos devem ser inimigos. Na minha cabeça não entrava
também que a gente passasse o dia todo sem opções de
estudo ou trabalho. Eu sabia que ao sair retomaria minha
vida. Mas e aquele monte de jovens sem perspectiva? Existe
alguma chance de eles pegarem um caminho alternativo ao
crime quando forem libertados? Eles por acaso estão ali
aprendendo algo diferente daquilo que os levou à prisão?
Mantendo as penitenciárias desse jeito que testemunhei, será
que estamos dando oportunidade para um mundo menos
violento? Ou estamos apontando a arma para nossos próprios
pés?

Um princípio que assumi depois de viver essa


experiência traumática foi o de amar meus inimigos. No CDP,
fui forçado a dividir um cubículo com os piores tipos que já
conheci. Era óbvio que a maioria ali não teve as mesmas
chances na vida que eu tive. Sorte a minha e agradeço a
meus pais pela educação que me deram. Mas hoje tenho uma
capacidade muito maior de tolerância e perdão.

Todo mundo deveria ter direito a uma segunda


chance, acredito eu. Será que aqueles que batem no peito
para se dizerem cidadãos de bem são de fato solidários?
Desejam o bem ao próximo? Ou o certo é só aquilo que nós
próprios fazemos, e mais ninguém? O importante é somente o
que gira em torno do nosso umbigo?
204
São reflexões que acredito que cada um deveria ter
consigo mesmo. E viver de uma forma coerente com as
respostas que encontrar. Depois desses meses em que dormi
espremido, tomei banho gelado, defequei na frente dos
outros, respirei gás pimenta, troquei socos, sofri ameaças e,
por fim, vi de frente a morte causada pelo descaso, meu
desejo é de ser ainda mais fiel a uma ideologia que beneficie
a todos. Sem exceção. A vida de um não vale mais do que a
de outro. Todo mundo tem seu valor.


205
Nayara está ansiosa e fala sem parar. Quer me contar
tudo que aconteceu enquanto ficou sem poder me ver. Eu
sabia que ela estava atuante na minha causa e ela demonstra
muito amor e saudade. Agora eu já era um presidiário e todo
preso se preocupa com as pessoas que ficam lá fora. Em
especial, com as tentações que podem surgir na sua
ausência. Mas evito demonstrar ciúmes e falar qualquer coisa
desagradável. Procurei curtir o pouco tempo que tenho com
ela.

Andamos pelo pátio e Nayara segue me contando as


últimas. Tento acalmá-la, dizendo para deixar minhas irmãs
cuidarem de tudo. Até que paro no final de uma fila. Ela me
pergunta para que é.

Para nós irmos cruzar no parlatório. - Respondo.

Deixamos as coisas que ela tinha trazido na mesa de


uns amigos e voltamos para a fila. Nayara me diz ter
vergonha, pois não sabe como é esse tal de parlatório.

É uma cela individual preparada para fazer sexo. Vai


dar tudo certo. - Explico.

O bloco 7 tem 7 celas de parlatório, onde entram até 7


casais por rodada. Esperamos mais de uma hora até a nossa
vez. Quando dá 14:30, entramos com outros 3 casais e
somos trancados em uma das celas.

Já estou pelado quando ela se despe. Depois de tanto


tempo, ver o corpo nu de uma mulher diante de mim me deixa
tarado. Lisinho, cheiroso, uma delícia. Mas me mantenho
calmo e carinhoso. É um momento muito especial para mim.
Trocamos carícias cheios de vontade e pego dela todo o
prazer que posso. Sacio minha sede de sexo, mergulho sem
medo em meus sentimentos.

152
Um dia, deitado com meus pensamentos, tive um
estalo: vou escrever um livro contando o que acontece dentro
do CDP. Pelo menos, o que aconteceu comigo. Desde a
criação do canal THCPROCÊ até o dia em que eu fosse solto
da prisão. Eu até tinha começado a rascunhar uns meses
antes, mas perdi tudo na transferência para o bloco 7 e desisti
por um tempo. Pensei em deixar para fazer quando saísse.
Papel e caneta eram artigos raros e caros por ali. Era
permitido comparar, mas as visitas não podiam trazer. Na
cantina, teve dias em que um caderno de 100 páginas chegou
a custar 70 reais.

Porém, quando voltei para o bloco 1 houve uma venda


de cadernos por 7 reais a unidade. Comprei um junto com
uma caneta e reiniciei o texto. Com tanto tempo à disposição
e uma porção de pensamentos represados na cabeça,
rapidamente o livro foi tomando forma. Escrevia dentro da
minha jega, com a cortina fechada. Em 15 dias, já tinha 150
páginas prontas.

Meu plano era escrever o livro e colocar para vender


nos formatos e-book e impresso. Traduzir para inglês e
espanhol, lançar em outros países. Com a arrecadação, me
mudaria para o Uruguai e montaria uma empresa de
exploração da cannabis medicinal. Produziria sementes e, se
possível, montaria uma associação para distribuí-las a
enfermos no Brasil. E continuaria fazendo os vídeos para meu
canal no Youtube, é claro. Essa era minha meta. Em grande
parte, ainda é.

Era final de novembro e a próxima visita seria no dia 5


de dezembro. Os agentes tinham mudado o intervalo entre
visitas de 15 para 21 dias, uma desgraça. Mas agora já
estava quase no dia de rever as pessoas queridas que não
desistem de nós. Ter notícias de fora, saber do andamento do
processo, receber um reforço para a alimentação e higiene.
Fazer amor.
207
A cela andava tranquila. O mais recente preso a entrar
era um figura vegetariano que se dizia extraterrestre. Ele
contava ter sido preso em Brasília com não sei quantos quilos
de cocaína enquanto ia do Paraguai para Belém do Pará.
Dizia também que nosso mundo está em fase de destruição e
que teríamos 2 bilhões de mortes no ano de 2017. Segundo
ele, nosso planeta estava rodeado por milhões de naves
alienígenas, que só aguardavam o momento certo para
atacar. Confesso ter achado aquilo tudo um pouco fantasioso
demais, mas respeito as pessoas e suas crenças.

Fazia um dia lindo quando acordei no dia 1o de


dezembro de 2016. Na cela 11 da ala A do bloco 1 do
CDP/DF. Melhor ainda porque teríamos banho de sol naquela
manhã.

Fomos para a chamada e vi os mesmos agentes de


sempre. Dei oi para alguns, outros ignorei. Saí no pátio de
cuecas e andei até o meu lugar. Coloquei a bermuda,
cumprimentei os conhecidos de outras celas. Conversei muito
nesse dia. Abracei o Luiz, falei com o Tubarão sobre seu
câncer e o futuro dele depois que iniciasse o tratamento. Bati
um papo com o Gringo e concordei com ele que Alá é grande.
Eu ainda não sabia. Mas era meu último dia ali.

Comprei algumas coisas na cantina antes de voltar


para a cela. Nesse dia a marmita era arroz com galinha.
Depois vieram o suquinho de morango e dois pães doces
para o café da manhã seguinte. Tomei meu banho, conversei
mais um pouco e tirei um cochilo. Acordei com a chegada da
marmita da janta: carne de monstro com mandioca. De
sobremesa, abri um pacote de bolachas de maisena e dividi
com todos na cela. Alguém apareceu vendendo maconha: 5
pedaços de 50 reais. Ofereci 150 pelos 5 e o dono aceitou.
Na mesma hora, vendi 3 pedaços para as celas vizinhas. Em
seguida, bolei um baseado. Ceará estava louco para fumar

208
um também, disse que ainda não tinha fumado ali dentro e
sonhava com isso. Fumamos juntos.

Na lombra, me deitei para dormir. Estava com sono e


nessa noite não quis esperar os agentes passarem cantando
o alvará. Coloquei o tapa-ouvidos para me livrar dos roncos e
outros sons. Capotei. Até ser acordado por alguém me
chacoalhando:

Professor! Professor! Acorda! É o seu alvará! O


senhor vai pra casa.

Pulei da jega e tirei o tapa-ouvidos. O pessoal da cela


comemorava. Toda a galeria, aliás, comemorava minha saída.
Fiquei meio sem rumo por um instante. O agente dava ordens
para eu sair. Ceará veio querendo acertar um dinheiro dele
que estava comigo - eram 20 reais e eu só tinha uma nota de
50. Acabei deixando tudo para ele. Minha maior preocupação
era conseguir pegar o caderno com os rascunhos do livro e
esconder na bermuda sem o agente ver.

Por cima da bermuda, vesti uma calça longa de malha.


Peguei uma camisa de manga, meus chinelos e saí deixando
o resto para trás. Até queria ter dividido tudo na irmandade
com meus colegas e não apenas com o Ceará, mas não foi
possível. É um momento muito confuso. Você só pensa em
vazar dali.

Fui levado ao corró, onde passaria a noite sentado à


espera do amanhecer. Entrei pela última vez naquele lugar
sujo, fétido e maldito. Para variar, o banheiro estava entupido.
Para piorar, estava sendo utilizado quando cheguei. No fundo
dele havia uma chapa furada de onde era possível ver o
corredor e minha antiga cela. Mais tarde, chamei por ali os
nomes dos meus amigos e me despedi deles. Desejei uma
estadia curta, mandei uma benção e recebi de volta votos de
felicidade. Aproveitei para dizer com quem deveria ficar a jega
e que as roupas eram para ser divididas. Consegui encerrar
209
dizia que isso era possível nas prisões da Nigéria. Chamava
os brasileiros de estúpidos e ignorantes. Para ele, era
inadmissível que um país tão rico e cheio de recursos naturais
tivesse tanta pobreza e uma educação tão ruim. Quando fora
preso no aeroporto de Brasília levando cocaína na barriga,
Ugo viu a vida endurecer. Sua família ficou sem notícias e ele
teve que depender de desconhecidos, como os advogados da
Defensoria Pública. Isso sem saber falar português. Eu
admirava sua força e também sua maneira de pensar sobre
as pessoas e seus direitos. Era um homem justo e de espírito
sólido. Que se tornara meu amigo de cela, mas também de
coração.

Ugo dormia no chão, perto da porta da cela. E do lado


dele ficava um preso conhecido como Carioca. Do lado do
Carioca, dormia um preso com um problema na perna. Algo
como uma trombose, que deixava seu pé inchado e expelindo
substâncias. Esse preso usava uma meia para dormir e
encostar nele era algo bem desagradável. Fora que o cara
passava o tempo todo fumando, tossindo e escarrando. Ugo
já estava contrariado com essa situação. Mas ficou ainda
mais quando o Carioca, que tinha uma certa antipatia pelo
nigeriano, decidiu trocar de lugar com o preso doente. Ugo
entendeu a atitude como provocação e teve início uma
discussão. Coube a mim o papel de tradutor e intérprete.

Carioca é um malandro que mal fala o português


direito. Não era tarefa fácil ficar no meio da briga passando de
uma língua para outra os xingamentos dos dois. Quando
minha tradução não conseguiu mais acompanhar os nervos
deles, Ugo deu um puxão no Carioca. Que revidou com um
coice. Ugo se controlou e o Carioca o chamou de "filho da
puta". Nem foi preciso traduzir isso: os próprios presos já
ficaram contra o Carioca. Xingar a mãe é inaceitável na
cadeia. Todos saíram falando que o Carioca tinha perdido a
razão. As coisas esfriaram e ficou por isso mesmo. Com o

155
conosco. Mas agora éramos homens livres e eles não tinham
mais poder sobre nós. Assim que assinei, fui levado a uma
viatura. Entrei, me sentei, olhei para os outros futuros ex-
detentos e sorri. Agora qualquer tristeza tinha passado.
Estava feliz.

Ainda passamos em outros blocos e pegamos mais


alguns. De repente, o bonde parou e desligou o motor. Os
agentes abriram a porta e deram sua última ordem:

- Sai e anda pelo caminho. Sem olhar para trás!

Saímos todos correndo, pulando e gritando: liberdade!


Mal podia acreditar que estava vendo a estrada, os carros, o
verde das montanhas. A vida veio ao meu encontro
novamente. O céu azul sorria para mim.

Andei uns 500 metros e vi um carro se aproximando


muito parecido com o da minha irmã. Olhei no volante e era
Sandra estacionando do lado de lá da estrada. E Nayara
estava com ela. E o Dalton, meu primo advogado. E também
meu primo Hugo. Me despedi dos outros ex-detentos e saí
correndo pela pista de encontro a eles. Muita emoção nesse
momento. Abracei minha mana como se fosse meu último
abraço. Beijei e abracei Nayara. Abracei Dalton. Hugo, meu
grande amigo, eu não via desde que entrara. Dei um abraço
forte nele, aos parantos. Agradeci muito por eles estarem ali
naquela hora.

Assim que partimos, Nayara me apresentou um


punhado de maconha. Quanta sensibilidade. Bolei um
baseadão a la THCPROCÊ e fumei com ela no carro mesmo,
na frente do meu primo advogado e da minha irmã. Meu
coração batia eufórico. Tinha muitas coisas que queríamos
falar ao mesmo tempo. Eu fumava, e falava, e perguntava, e
respondia, e contava fatos, e dizia o que queria comer. Tudo
parecia novo, interessante e bom de se fazer. Sentia saudade
das coisas simples. Estava com fome de vida.
211
Chegamos ao prédio da minha mãe, que estava
esperando na porta do apartamento. Ela me abraçou sorrindo
e me chamando de "meu filho querido". Era um abraço que só
minha mãe sabia me dar. Chorei muito pedindo desculpas por
ter feito ela sofrer tanto. Ela disse que estava feliz por me ver
e que sabia que eu seria vitorioso.

Fomos para a sala e a mesa estava posta com uma


porção de coisas gostosas. Tomei um café e me deliciei com
os afagos e guloseimas. Lar, doce lar. Nessa hora, Nayara
teve que sair para o trabalho. Tudo bem, eu sabia que agora
a gente podia se encontrar quando quisesse. Nos
despedimos com mais beijos e abraços, ela foi e eu fiquei.
Conversando e comendo com meus familiares amados.

Fui fumar um cigarro com minha mãe na área de


serviços. Sentamos para fumar e minha mãe abriu sua bolsa.
De lá tirou dois cigarros de maconha que tinha guardados.

Toma, filho. Guardei para você.

Aquilo me comoveu. Há um tempo atrás, eu tinha


dado esses baseados a ela para que entregasse a uma irmã
que andava sofrendo com a menopausa. Ela não deu e me
devolveu naquele momento. Era como um sinal de permissão
para que eu fumasse maconha de boa, sem correr perigos.
Ruim não é ter filho maconheiro; ruim é ter um filho preso.
Minha mãe não é fraca, não.

No meu primeiro dia de liberdade fiquei por ali,


curtindo o conforto. Recebi algumas visitas, dei uma volta na
quadra e já comecei a pensar no próximo vídeo do
THCPROCÊ, que anunciaria aos seguidores a minha soltura
e retorno ao batente. Quem achou que eu pararia?

Acessei a internet e fiquei lendo o que havia sido


falado de mim durante aquele período. Muitos brasileiros
estavam esperando eu sair e uma porção entrou em contato.
212
Me senti bem por ver tanta gente que eu sequer conhecia se
solidarizando a mim, torcendo pela minha liberdade. Só me
senti um pouco envergonhado ao ver a reportagem sobre
minha prisão. Talvez eu pudesse ter ficado mais calmo. Mas
tudo bem, foi como tinha que ser. Não sou diferente de quem
me assiste: chorei na TV, como talvez a maioria chorasse
também se visse seu mundo ruindo.

Nayara chegou do trabalho e ficamos conversando à


mesa. Quando ela foi ao banheiro, fiz a besteira de pegar seu
celular. Sem querer querendo, dei de cara com as mensagens
de alguém que ela conhecera enquanto estivemos separados.
Então soube que ela teve um namoro de verdade por
algumas semanas. Aquilo doeu e eu não quis muito
conversar. Me senti traído. Embora, no fundo, entendesse
que ela tinha o direito, pois não estávamos juntos.

Esse assunto me fez olhar a vida sob uma nova


perspectiva. Tanto na prisão quanto fora dela estamos
sujeitos a tristezas e alegrias. Só depende da forma como
enxergamos os problemas e como encaminhamos suas
soluções. Apesar de grilado, eu realmente não poderia exigir
que ela ficasse só se eu estava separado dela. Tudo na vida
depende de contexto. E a verdade é que Nayara foi uma
companheira solidária nos meses em que estive preso. Ainda
assim, nessa primeira noite dormi sozinho. Precisava respirar
um pouco. Peguei no sono rápido.

Acordei no dia seguinte, olhei em volta e não estava


mais numa cela. Me levantei, fui ao banheiro, tranquei a porta.
Tomei um banho quente, com sabonete e xampu. Fiz a barba,
escovei os dentes na maior calma. Fui me trocar e vesti uma
roupa normal: calça jeans, camisa polo, meia e sapato. Me
penteei olhando no espelho. Na sala, encontrei novamente
uma mesa com frutas, sucos, café, bolo, biscoitos. Tudo que
eu sonhava lá no CDP. Mas parecia faltar algo.

213
tráfico e assalto. Eles eram bem próximos e dava para ver
que o Bina agia como um guarda-costas, apoiando o
Alexandrinho em tudo que precisasse. Os dois praticavam
exercícios na cela, malhavam pesado uma hora por dia em
média, mas Alexandrinho ia além. Se exercitava tanto física
quanto tecnicamente, em lutas mano a mano. Era alguém
decidido a ser um grande bandido na vida.

Certo dia, um novo preso foi colocado na cela e já de


saída o Bina desconfiou do rapaz. Era um jovem miúdo, com
cerca de 1,70 metros de altura e corpo franzino. Ele se
acomodou ao lado do Bina para descansar. E o Bina,
contrariado, bolou uma armadilha para pegá-lo. Deixou uma
nota de 50 reais cair bem na frente do rapaz deitado. Outro
preso ainda avisou que a nota tinha caído, mas Bina fez que
não ouviu. Ele se levantou, deu dois passos, olhou para baixo
e viu que a grana tinha sumido. Mais rápido do que eu
pudesse perceber, Bina começou a desferir chutes na cabeça
do novato, chamando ele de rato. Outros jovens se uniram ao
ataque, 5 presos espancando um só, sem piedade.

Bateram muito. Alexandrinho desferia sequências de


socos sem parar. Bateu a cabeça do preso na parede
deixando um grande hematoma na sua testa. Outro preso
socava pelas costas. A vítima implorava para que parassem,
dizia que ia devolver a grana, mas era inútil; só quem estava
de fora escutava. Até que outro preso, o Chapolim, interveio.
Mandou aquilo tudo acabar. Uns se afastaram xingando e
outros ainda deram mais uns tapas e socos antes de
pararem. O preso se sentou e eu fiz os primeiros socorros
com um pouco de água e um pano. Mas não pude ajudar
muito. Bina e os demais ordenaram que ele ficasse no boi.
Deveria permanecer ali e só sair para os demais usarem o
vaso. Passou a noite toda sentado na privada, cochilando e
acordando toda vez que um preso ia mijar. Muito humilhante.
Compaixão zero.

158
mulher em minha vida e hoje faz todo sentido para nós
ficarmos juntos. Vale a pena tentar sempre ser feliz. Seja o
que for que eu tenha que viver, vou viver intensamente -
tentando não julgar e não condenar. Se por acaso em algum
momento nossos caminhos divergirem, então vamos dar uma
forma de buscar uma vida feliz longe um do outro. Com
respeito, sempre. Se tem algo que liberta é a verdade.

Agradeço de coração a todos e todas que me


ajudaram. E deixo meu abraço a você que acompanhou essa
história. Alguns nomes foram alterados para preservar
pessoas, mas os fatos aqui relatados são verídicos. São a
minha verdade. Foram 5 meses e 15 dias de prisão. Tudo por
defender a causa que continuo defendendo, que é:

PLANTAR PARA NÃO COMPRAR.

E fim de papo.

215
EPÍLOGO

Sempre acreditei em destino. Temos livre arbítrio para


escolher caminhos, sim, mas toda escolha que fazemos traz
embutida a realização de um objetivo determinado. É uma
crença minha.

Foi dessa forma que sempre encarei os vídeos que


fazia ensinando a plantar maconha. Por conta própria, aprendi
um método que me libertou das relações com o tráfico. E
entendi que, compartilhando esse saber com mais pessoas,
poderia justamente contribuir para combater o tráfico de
drogas no Brasil, com todas as consequências sociais que ele
traz. Encarei essa difusão de conhecimento como uma
missão.

Uma coisa é certa: as pessoas vão continuar fumando


maconha, quer ela seja legalizada ou não. O fato do consumo
de maconha ser proibido no país nunca impediu que as
pessoas fumassem. Basta olhar ao seu redor para perceber:
quantos usuários você conhece? Ou então, basta reler a
minha história.

Mesmo na época da ditadura militar, as pessoas


fumavam. Na medida em que a população cresce, a
tendência é crescer junto o consumo, a produção, a venda.
Vamos encarar isso de frente ou prosseguir enxugando gelo?
A proibição que gera o tráfico faz bem para quem? Alguém
certamente está ganhando com isso e não quer permitir a
legalização. Estes são os verdadeiros inimigos e bandidos.
Não um adolescente que sabe pouco da vida e está sedento
por viver novas experiências.

Nem sempre o que está dentro da lei é o mais correto.


Veja as as experiências que tive dentro da prisão. Está
correto aquilo? Está tudo debaixo da lei, não está? Estudando
216
história, encontramos inúmeros exemplos de leis imorais e
injustas. Até chegar ao genocídio do Holocausto, a Alemanha
sob domínio dos nazistas aprovou uma série de leis que
perseguiam judeus. O Apartheid, na África do Sul, é outro
exemplo. Quando as leis não condizem com o bom senso e
perdem sua razão de ser, devemos mudar as leis.

Daí alguém poderia perguntar: mas fumar maconha


não é errado? Não faz mal? O mais sensato não seria parar?
Minha concepção sobre a maconha é que ela é menos
maléfica do que outras drogas que são liberadas. Como o
álcool, o cigarro e os remédios produzidos em laboratórios.

Falo pela minha experiência própria. Ao fumar


maconha me sinto menos estressado. Ela abre meu apetite
por comida e sexual. Me faz dormir bem também. Quando
bebo álcool, me vejo em situações instáveis. Falo muito,
perco o total controle sobre meus movimentos, por vezes me
torno inconveniente. E esse desequilíbrio é proporcional à
quantidade consumida. O que não acontece com a maconha.
Quanto mais álcool, maior a probabilidade de fazer algo que
prejudique a mim ou aos outros. O efeito se acumula. Já com
a maconha é irrelevante. Poderia fumar 20 cigarros que daria
na mesma. Isso se conseguisse. O mais provável é pegar no
sono lá pelo quinto baseado. Agora me diz: quantos amigos
seus se satisfazem com 5 latinhas de cerveja? E quantos
acidentes no trânsito não decorrem desse consumo de álcool
desenfreado? Falando do tabaco, quantos milhões de reais
são injetados anualmente para combater doenças causadas
pelo seu consumo?

Eu quero com isso proibir o álcool e o tabaco?


Negativo. Cada um sabe do que faz com seu corpo e sua
vida. Meu ponto é que alguém só deveria ser criminalizado
por consumir algo se esse consumo passa a ser prejudicial
aos demais. Como dirigir embriagado.

217
na dele. Falava pouco, mas comigo falava bem. Nunca havia
sido preso. Estava sempre pensando em Nossa Senhora e na
sua família. Tinha uma esperança grande também de sair
logo daquele pesadelo.

Francisco era um taxista que trabalhava como


motorista do grupo - ou entregador da droga. Um senhor de
62 anos, casado e com uma filha. Sua estadia ali era muito
dolorosa para ele. Dizia que era velho e não queria perder
tempo preso, porque ainda queria fazer muitas coisas na vida.
Rezava todo dia pedindo liberdade e planejava comparar um
caminhão baú quando saísse, para transportar mercadorias
do Nordeste para o centro-oeste e sudeste. Queria ser como
um caixeiro viajante e sempre o incentivei a fazer isso
mesmo. Ele dizia que colocaria a filha de funcionária e a
esposa cuidaria da casa. A ideia era ótima. Mas ele bem que
poderia ter posto em prática antes de se envolver com o crime
e parar na cadeia.

O último do grupo era o Junior - ou Junião -, com seus


140 quilos ou mais. Ele estava envolvido na parte comercial
do negócio e era um usuário ativo de cocaína. Gostava de
cheirar um pó do bom. O mesmo que vendia, segundo dizia,
porque sempre se preocupou em vender um produto sem
mistura. Junião era um cara muito comunicativo e tinha sua fé
religiosa, mas também pouca paciência com as coisas que
lhe incomodavam. Consciente, não queria prever quanto
tempo ficaria preso. Sabia que haveria uma condenação e
estar ali já era parte do cumprimento da pena. Ele dormia
bem embaixo de minha rede, e por conta disso tive que
confeccionar novos tapa-ouvidos com plástico, iguais aos que
fazia na cela 12 do bloco 1. Júnior roncava muito e muito alto.
Mas era um bom amigo, que me ajudava na hora das
bênçãos e até me defendeu certa vez em uma briga - que
contarei adiante.

161
vai sair com uma concepção diferente depois de viver
naquelas condições? E quantos presos e custos a menos o
Estado teria se o cultivo e consumo de maconha fossem
legalizados? Quanto o Estado poderia arrecadar a mais se a
produção fosse regulamentada e tributada, tal e qual o
cigarro, o álcool, os remédios?

A população carcerária aumenta ano após ano. No


Brasil inteiro, já são mais de 600 mil detentos. E a sensação
de segurança, vem diminuindo? Será que esse modelo está
funcionando? Ou será que tem alguém ganhando muito com
a manutenção das coisas como estão? Quem são os grupos
que comandam toda a malha de presídios? As construções,
as comparas, a limpeza, o transporte?

Ao me ver em uma cela com 35 presos onde deveria


ter no máximo 16, era inevitável pensar que tudo aquilo é
proposital. Não tenho como comprovar nada. Posso apenas
afirmar categoricamente: não está dando certo. Continuando
dessa forma, teremos cada vez mais jovens especialistas no
crime, com requintes de qualificação penitenciaria. Jovens
que entram réus primários - presos por vender maconha,
talvez? - e são colocados no meio de criminosos experientes.
Jovens que na reclusão são tratados como bicho, não
encontram opções de trabalho ou estudo e sabem que
enfrentarão muito preconceito e discriminação no retorno à
sociedade.

A reincidência fica fácil desse jeito. As prisões


brasileiras vêm funcionando há muito tempo como um grande
departamento de Recursos Humanos do crime. Faz sentido
aumentar essa população botando na cadeia quem planta
maconha para não comparar do tráfico? Esse foi o meu caso.

A maconha pode ser uma saída para muitos males.


Tanto que seu uso medicinal vem se tornando uma realidade
no Brasil. Já teve até matéria no Fantástico mostrando a luta

219
de algumas mães para tratar a epilepsia e outras doenças
neurais de seus filhos com cannabis. Mães que, diga-se,
nunca fumaram maconha. A não-liberação da cannabis pelo
menos para fins medicinais é uma barbaridade. Lá fora já
existem diversos estudos publicados comprovando que a
maconha contribui no tratamento de doenças tão variadas
quanto câncer, AIDS, Parkinson e Alzheimer.

No meu modo de ver, o que impede uma mudança


positiva nas leis é o preconceito que ainda persiste contra os
usuários. Quem usa maconha é tido como vagabundo ou
bandido. Especialmente, por quem nunca usou.

Para quem insiste nessa visão preconceituosa, preciso


reforçar minha mensagem. Pela história que contei nesse livro
e pelas implicações que expus nesse capítulo, encarar o
plantio e consumo de maconha como crime é no mínimo
irresponsável. Muitos repetem sem pensar que "a maconha é
a porta de entrada para outras drogas". Volto a perguntar: e o
álcool, onde é que fica? Como disse lá no começo do livro, a
maconha só está associada a outras drogas porque todas são
vendidas no mesmo lugar. Sim, nas bocadas do tráfico.

Na dúvida, busque conhecimento em pesquisas


científicas. Você pode se surpreender pelo que cientistas de
universidades tão renomadas quanto Harvard, Stanford e
Cambridge vêm apontando sobre a maconha.

E, se não quiser parar para refletir sobre isso, tudo


bem. Cada um sabe da sua vida, não? Portanto, cuide
apenas do seu quintal e deixe seus vizinhos cuidarem dos
deles. No meu canteiro eu planto maconha. No seu, você faz
o que bem entender. A porta da rua é a serventia da casa.

Um abraço do THCPROCÊ.

220
AGRADECIMENTOS

Primeiro a Deus, por ter me dado sabedoria e


entendimento. Sou crente em Deus, acredito no espiritismo e
nas forças divinas em nossas vidas. Sei que Deus tem seus
olhos sobre mim, protegendo-me e guiando meus passos.

Agradeço aos meus irmãos, pais e parentes,


que estiveram tão presentes nos dias de dor na cadeia.
Obrigado, minha família querida e amada. Seu amor e
solidariedade foram minha sustentação no vale da sombra e
da morte, um abraço especial ao Dr. Dalton.

Agradeço a todos os brasileiros e brasileiras,


seguidores e não seguidores do canal. Que foram solidários,
acompanharam todo o meu processo e ainda me
acompanham até hoje, vocês são minha inspiração.

Agradeço a Nayara, por estar presente nos


momentos em que o amor se faz tão ausente, onde um
carinho vale mais que mil moedas. Você estar ali naqueles
momentos tão duros sendo minha companheira me ajudou
demais a querer algo fora da prisão.

Agradeço ao Eme Viegas, pois sua


solidariedade veio no momento em que eu estava mais frágil
e sem sustentação. Sua ajuda valorosa foi um presente de
Deus para mim. Agradeço demais também por você ter
trazido seu amigo, Daniel Boa Nova, para trabalhar junto
comigo no texto do livro - ele fez um trabalho profissional
magnífico.

Meu muito obrigado a um amigo secreto. Um


agente que foi homem correto e pessoa do bem. Um agente
que mostrou, mesmo que solitariamente sem ninguém ver,

221
Mas foi a última vez em que falei com minhas advogadas
enquanto estive na prisão.

O desespero maior era pensar que, além de


permanecer preso, continuaria no bloco 7. Para mim era sem
comparação de pior do que o bloco 1, onde eu estava antes.
Alguns companheiros sugeriram que eu tentasse via
advogados retornar para o bloco anterior, dos mais velhos.
Comecei a concordar com eles.

Dormir, comer e usar o banheiro eram um sufoco em


qualquer bloco, mas ali a superlotação piorava o cenário. Eu
passava o dia sem poder nem caminhar ou me sentar com
um mínimo de conforto. E, na medida em que o tempo
andava com seus passos lentos, as coisas tendiam a se
complicar. Como em qualquer relacionamento onde os
indivíduos não têm espaço para si, um começava a enjoar da
cara do outro e o que antes eram virtudes se transformavam
em defeitos. Era um pulo para uns tomarem partido na
discussão de outros e novas situações de opressão tomarem
forma.

Existe um preso que, desde o dia em que entrou na


cela, dava para ver que seria alguém problemático. O vulgo é
Taguatinga. Seus traços são asiáticos, mas sua paciência
está bem longe de ser oriental. Tudo para ele é motivo de
confusão. A paz não tem chance com o cara. Suas conversas
são sempre sobre facas, espetos e sobre resolver questões
no fundão do pátio.

Taguatinga tem por volta de 21 anos e de cara fez


inimizade com o Alexandrinho, que ia despontando como o
chefe da cela. O desentendimento inicial foi por causa de um
baseado. Como de costume, Alexandrinho fumava sozinho.
Taguatinga queria dar uns pegas, mas não queria pagar.
Ficou sem fumar e ainda tomou uma pagada de sapo em
público do dono do beck. Taguatinga não engoliu e reagiu

164
verbalmente. Então Alexandrinho e Bina foram juntos falar
com ele de perto, deixando bem claro quem dava as cartas ali
e quem devia se calar. Ao se afastarem, Taguatinga inventou
de mandar um bilhete para outra cela, mas antes do envio o
Alexandrinho quis ler o conteúdo. O bilhete falava sobre
problemas que o Taguatinga estava tendo na cela e pedia
para alguém arrumar um espeto.

Alexandrinho falou uma pá de coisas. Ameaçou o


outro de morte. Disse que, se Taguatinga queria resolver algo
no pátio, ele estaria por lá o aguardando. E que isso de
mandar bilhetinho pedindo ajuda e espeto não adiantava,
porque a cadeia estava com ele.

Nessas horas, todos ficam calados observando a


situação se desenrolar. Esperam brigas e mortes. Mesmo
correndo riscos de todos os presos da cela pagarem pela
desavença de dois. É um ciclo vicioso de humilhações e
mágoas no cotidiano, que despertam rancor e vontade de
vingança, que levam a desentendimentos e brigas, que
resultam em mais mágoa e rancor. Eu já estava cansado de
tudo isso. Nos momentos em que encontrava abertura, até
tentava conversar com o Taguatinga. Incentivava ele a ser
mais calmo e usar seu potencial explosivo em algo mais
construtivo para sua vida. E ele sempre concordava que, de
fato, poderia ser um pouco menos afoito e nervoso.

Só que em uma dessas conversas, sem mais nem


menos ele disse que eu era um otário. De bate-pronto,
repliquei que o comédia ali era ele. O clima ficou tenso. Vi que
ele se armou para me atacar e assumi uma postura de
defesa. Vendo o que estava prestes a acontecer, outros
presos intercederam por mim. Junião e Ugo se colocaram na
frente do Taguatinga e o alertaram sobre querer confusão
comigo. Com o professor, que é de boa. Taguatinga deixou
quieto. E eu me livrei de um combate com um jovem de 21
anos, mais forte e perverso do que eu.
165
Como Plantar Cannabis Medicinal

Por: Sérgio Delvair da Costa

2018/@Corporation

Guia Prático de Cultivo


Planta: Cannabis Sativa/Indica

Passo 1
A ESCOLHA DA SEMENTE IDEAL
A cannabis hoje tem várias espécies diferentes com teores de THC e CBD variados. A escolha deve ser
feita seguindo as premissas:

1º - As sementes mais acessíveis devem ser as primeiras a serem cultivadas, estão mais a mão,
essas seriam as sementes doadas ou retiradas de cannabis comprada no mercado negro.

2º - As sementes podem ser compras em sites especializados na internet, desta forma pode-se
escolher a semente de acordo com a necessidade de concentração do THC e CBD.

Passo 2
A germinação da semente

Para se germinar uma semente de cannabis devemos nos preocupar em dar um ambiente propicio com
temperaturas estáveis e não variáveis, o ideal é um local com pouca luz e temperatura entre 21 e 30 graus célsius.

A forma de germinar pode ser variada, mas o conceito é um só, deve-se quebrar a dormência das
sementes com agua. Toda semente tem uma proteção contra germinação indevida, com isso o ambiente propicio
é fundamental para quebrar esta dormência.

1º - separe a semente e escreva em um papel o seu nome e data.

2º - prepare um copinho de jornal com terra preta ou substrato, este copo pode ser substituído
por células jiffy, copo de café, vasos pequenos e etc.… o importante é ser de pequeno tamanho para evitar
transtornos.

3º - prepare um copo com agua até o meio e adesiva o nome de sua semente nele caso esteja
plantando mais de uma espécie. Coloque a semente e deixa ela por 6 horas dentro da água, ela deve estar
submersa após este período.

4º - pegue a semente e plante no copinho enterrando-a 1 cm.

5º - regue com agua até encharcar toda a terra ou substrato.

6º - coloque em um local escuro e com temperatura constante.

7º - aguarde 3 dias e molhe novamente o vaso caso não tenha germinado ainda a semente.
8º - a sementes germinam com 5 dias em média, e após germinarem devem ser levadas para a
luz do dia.

9º - assim que as folhas centrais aparecem ela deve ser deixada ao sol por todo o dia, e em casos
de sol muito forte nos 3 dias iniciais deve-se dar apenas o sol da manhã.

10º - as mudinhas devem permanecer neste vaso de germinação por 15 dias sendo irrigadas uma
vez por dia.

Passo 3
Preparando o vaso de vegetação

O vaso de vegetação deve ter um volume que dê 2 litros de terra para cada mês de vida da planta, use
um vaso de 7 a 15 litros para cada planta na fase de vegetação, os vasos longos são melhores nesta fase.

A terra ou conteúdo do vaso deve ser preparado assim:

1º - prepare uma mistura de terra, substrato e húmus na seguinte proporção:

1.1 – Terra preta 60%


1.2 – Substrato vegetal 20%
1.3 – Húmus de minhoca 5%
1.4 – Perlita ou areia grossa 15%
2º - misture tudo de forma a ficar bem homogênea e neste processo acrescente o adubo 04-14-
08 granulado, na proporção de 30 gramas por 10 litros de terra. Misture bem e coloque nos vasos
deixando 10 cms sem colocar terra. Não molhe a terra até o dia que fizer o plantio nela. Deixar
descansando em um canto sombreado por 3 dias.

Passo 4
A mudança da planta nova

A mudança da planta nova para o vaso se faz de forma a dar a ela maior espaço e profundidade para as raízes.
Devemos mudar ela de seu vaso pequeno para o vaso que preparamos para a vegetação da planta.

A hora certa é quando observamos que se passaram 15 dias e a plantinha tenha um terceiro par de folhas
pelo menos.

1º - Faça um pequeno buraco na terra dentro do vaso que vc preparou no passo 3.

2º - posicione a plantinha entre os dedos da mão apoiando a face do vasinho e vire ele para baixo
assim a terra e a planta se soltam e vc desvira a mão já posicionando o monte de terra com a planta no buraco
que vc fez, não fraqueje agora, ponha de forma firme e sem quebrar o caule da plantinha, seja delicado com ela.

3º - após deixar ela posicionada no buraco preencha com a terra retirada apetando com a palma
dos dedos a terra em volta da mudinha. Faça com delicadeza, mas com firmeza também.

4º - arrume a superfície do vaso e coloque a terra nivelada, molhar com agua de forma a não
remexer a terra, com cuidado e assim que molhar deixar o vaso em um local sempre ao sol.

Passo 5
Cuidados na fase vegetativa
17. THCPROCÊ NO CDP

Espero ansioso pela próxima visita. Não faz muitos


dias que vi minha companheira nua, toquei e senti seu corpo.
Quero mais amor na minha vida. Quero viver, não apenas
sobreviver.

Entretanto, tenho que admitir que os momentos


agradáveis que vivi na prisão não foram apenas em dias de
visita. No pátio do bloco 7 muitos presos me reconheciam,
sabiam do meu canal e da minha causa. Ou tinham ouvido
falar de mim na cadeia. Não eram poucos os que queriam
aprender a plantar maconha de melhor qualidade. Nos
banhos de sol, às vezes me via dando verdadeiras palestras.
Cheguei até a planejar cultivos em parceria com outros
presos. Quem achou que eu pararia?

Assim como no meu canal do Youtube, eu também


usava minha experiência de vida para dar conselhos sobre
situações que os próprios presos me traziam. Principalmente
os mais jovens, tentava ajudar transmitindo esperança.
Falava que eles poderiam ser mais do que aquilo, sair da
prisão e largar o crime.

Um rapaz soube que eu era professor e veio falar


comigo, me pedindo para lhe dar aulas de programação.
Quando fora preso, ele estava cursando o primeiro ano da
faculdade de sistemas. Pedi a ele que me mandasse um
caderno com uma caneta. Criaria uma espécie de apostila de
exercícios, assim ele poderia ir aprendendo aos poucos e as
dúvidas eu tiraria no pátio. De repente, me vi exercendo
minha profissão de professor. E confesso que me senti muito
bem. Creio que tenho uma vocação natural para isso, é algo
que me completa.

Recebi o caderno e escrevi um primeiro exercício de


programação básica. Entreguei ao preso no pátio e, no banho
168
No modo regular e outdoor devemos esperar o outono para que isso ocorra de forma natural. Se quiser
adiantar este evento ou forçar a natureza deve-se pôr a planta por 12 horas seguidas no escuro, sempre no
mesmo horário. Fazendo isso ela irá definir sexo e entrar no estado de floração em 14 dias.

No caso de usar o sistema de plantio indoor com lâmpadas basta que deixe a planta 12 horas sem luz que
ela vai iniciar a floração.

Vamos listar o processo em si:

1º - com a planta pronta para floração, vamos preparar a fase de floração, a planta deve ter agora
60 dias de vida.

2º - sem mudar a planta de vaso vamos dar a ela um estimulo para florir colocando o vaso em um
quarto escuro por 12 horas, pode ser um banheiro ou uma caixa grande que cubra a planta.

3º - ao escurecer por 12 horas em um período de 12 dias as plantas entram no estado de floração,


primeiro soltam pestilos nas derivações do caule principal, essas são plantas fêmeas, caso saiam pequenos botões
redondos serão machos.

4º - ao definir o sexo vc deve manter elas ainda no escuro por 12 horas até o florescimento inicial.
Isso pode levar até 20 dias desde o início da definição do sexo.

5º - após ela soltar pestilos nas pontas de galhos ela já estará pronta para ir para fora e ficar sem
ser levada para o escuro. Pode deixar ela por si em um local só.

6º - agora só esperar a época de colher, mas sempre cuidando dela para que possa ter muitas
flores e produzir muita resina. Vamos ver isso na fase 7.

Passo 7
Período de floração

Durante a floração devemos ter cuidados com agua e adubos.

Nesta fase a planta tende a se alimentar mais e a consumir mais água.

Logo que ela entrar na floração devemos dar uma dose de adubo a ela, aplicar o 10-10-10 no solo e irrigar
por 5 dias seguidos, lembrando de cobrir o adubo com um punhado de terra nova.

Neste período o fosforo e o potássio se fazem necessários e também o magnésio e o cobre que são
nutrientes necessários para flores fortes.

Vamos aplicar o adubo e a agua da seguinte forma:

1º - após a planta estar florescida vamos dar a ela uma cobertura de 10-10-10, isso será por volta
do 75º dia de nascida.

2º - após adubar, sempre irrigar com abundância, assim ela aproveita o máximo dos nutrientes.

3º - a água nesta fase deve ser abundante também, deve se irrigar com 500 ml por dia sem faltar
um dia.

4º - durante a fase de floração vamos dar duas doses de adubo 10-10-10 granulado, uma aos 75
dias e outra aos 90 dias de vida, da planta.

5º - vamos então preparar e analisar o estado de flores e tricomas da planta para ter a certeza de
uma produção correta e eficaz para o nosso uso de acordo com a finalidade desejada. Vamos para o próximo
passo.
Passo 8
Analisando a hora da colheita e cuidando das flores

Ao iniciar a floração devemos ter o cuidado de retirar as pequenas flores e brotos que surgem nos caules
da planta. Estes brotos tendem a retirar a força da planta desviando seiva para alimentá-los. Vamos retirar no
início da floração e manter sem estes indesejados brotinhos.

O processo de corte deve ser feito com uma pequena tesoura e a mesma deve ser desinfetada com álcool.

Faça a retirada dos brotinhos até a quarta forquilha do galho, ficando apenas a parte do caule com a
ponta cheia e a parte inferior limpa.

Depois que fazemos esta limpeza devemos dar agua e luz em abundância, são os raios UVA que estimulam
a criação dos tricomas, e isso é o que queremos.

Ao analisar a planta para a colheita devemos observar os pestilos e os tricomas. Os tricomas podem estar
com 3 cores diversas, translúcidos, brancos e âmbar. Isso determina a concentração de THC e se ele está em
estado de deterioração.

Para se ter a erva com características cerebrais e altos níveis de THC devemos colher as flores numa fase
precoce quando os tricomas estiverem mais translúcidos e iniciando ficarem brancos.

Para se ter uma erva mais corporal com efeitos mais para o corpo, como se fosse para aliviar tensão
devemos aguardar os tricomas mais leitosos e iniciando o âmbar.

Isso é regra para colheita de acordo com os tricomas. Vc vai precisar de uma lente 30x para poder ver de
perto os tricomas.

Pode se ver o período certo de colheita observando os pestilos da planta, eles são como pelos brancos e
à medida que morrem ficam vermelhos queimados, isso determina a maturidade do bulbo e indica sua morte na
questão de reprodução. Para se ter um bom rendimento deve-se colher com 40% dos pestilos queimados, isso se
observa nas flores.

Vamos então executar a colheita.

Passo 9
Colher, secar e curar

A planta na fase de colher se mostra muito aromada e com suas flores cheias de tricomas, deve-se cortar
as folhas grandes com a planta ainda de pé, ela só deve ser retirada do vaso após 24 horas feito a manicure.

Após as 24 horas corte a planta no pé, e pendure para secar em um local arejado e seco, com humidade
em média de 50%. É recomendável caso o período seja muito seco colocar uma bacia com agua próximo as
plantas.

Elas vão secar por 10 dias, lentamente a clorofila vai evaporando e fica somente o óleo e a celulose. Está
na hora de curar, se vc quebrar um galho da planta e ele estralar significa que já está seca o suficiente.

A cura é o próximo processo a ser feito e deve-se colocar os buds ou flores agora limpas dentro de um
pote e fecha-lo. A cura pode ser feita entre 15 e 90 dias, isso dará um ótimo aroma as flores. No caso medicinal
não se faz a cura. Se extrai o óleo sem curar.

Assim temos as flores de cannabis prontas para consumo ou confecção de óleo medicinal.
Passo 10
A produção de óleo medicinal método Rick Simpson

Para se obter o óleo medicinal vamos precisar da lista abaixo:

1º - uma quantidade x de maconha ou de flores de maconha.

2º - um litro de álcool cereais para cada 100 gramas de erva.

3º - suporte e coador de café nº 103.

4º - jarra de vidro ou plástico para coar a erva com 2 litros

5º - Vasilha de plástico com capacidade de 5 litros para preparar a mistura da erva com o álcool.

6º - uma travessa de vidro refratário onde será usada para evaporar o álcool.

7º - forno elétrico para fazer a volatização do álcool.

8º - um vidro pequeno com óleo de coco extra virgem.

9º - uma espátula de silicone.

10º - frasco conta gotas para envasamento.

Processando o óleo

1º - Triture toda a erva e coloque na vasilha grande, vc deve cobrir toda a erva com o álcool
cereais, e a partir daí mecha com uma colher ou com a espátula de silicone por 60 minutos com intervalos de
repouso, deixe este processo acontecer por 1 hora.

2º - após lavar bem a erva com o álcool coe no coador para dentro da jarra, faça este processo
sem deixar cair a erva dentro do coador.

3º - repita o processo de colocar mais álcool dentro da vasilha com a erva para dar uma segunda
lavada, faça isso por mais uma hora e coe toda a erva agora.

4º - despeje o álcool coado dentro do pirex ou travessa refratária, com o cuidado para não
derramar fora.

5º - coloque a travessa dentro de um forno com temperatura máxima de 100 graus célsius.

6º - mantenha a porta do forno um pouquinho aberta e se for o caso aumente a temperatura


para compensar a saída do calor.

7º - observe o óleo para que ele não ferva demais, ele deve evaporar aos poucos e sem causar
aborbulhamentos no liquido.

8º - esse processo pode levar até 4 horas.

9º - ao notar que o óleo já está mais grosso e já saem algumas borbulhas como de um melado,
retire a travessa do forno e mecha o óleo até ele ficar mais frio quase morno.

10º - com o óleo já no ponto e ainda quente misture a mesma quantidade de óleo de coco, ou
misture 3 x a quantidade de óleo da cannabis de óleo de coco, no primeiro caso utilizaremos para doenças mais
fortes como câncer e dores crônicas, e no segundo caso em patologias como EM e alzaimer, Parkinson, epilepsia,
lúpus, fibromialgia, e mais patologias autoimunes.
Faz 3 visitas que não vejo minha irmã Jacqueline. Ela
teve que fazer uma viagem e ficou fora por 25 dias. Nesse
domingo, tenho certeza que virá. Todos ficamos aguardando,
observando os parentes que entram e as comparas que
trazem. As frutas, roupas, sabão e sabonetes. Tudo deve
estar em sacos plásticos transparentes, que são vendidos a 3
reais por unidade na porta da cadeia. Os olhos dos detentos
não saem do portão, à espera de uma silhueta, um rosto, um
sorriso conhecido. Uma porção de seres humanos
embrutecidos buscando o consolo do amor materno, a
amizade paterna, a sinceridade fraterna de irmãos e, às
vezes, o carinho da amante. Pessoas queridas que
atravessam os constrangimentos da triagem para vir ao seu
encontro no presídio. A espera parece uma eternidade e
nessas horas um cigarro ajuda. A cada reencontro, beijos por
todos os lados, lágrimas de saudade, notícias de fora que
alegram e entristecem. As demonstrações genuínas de
sentimentos são visíveis a olho nu. Em dia de visita, não se
economiza amor.

A cada 3 minutos, soa o barulho da fechadura elétrica


do portão - tláfiti! Depois de muitas repetições desse som,
finalmente vejo Jacqueline. Ela vem sorrindo e chorando, nos
abraçamos e uma saudade grande morre nesse momento.
Minha mana já me diz de saída que Nayara também está ali,
na fila com as coisas, aguardando a revista.

Jacqueline conta sobre a viagem dela e me atualiza


sobre o andamento do processo. No momento, estamos
aguardando a tal da alegação final, que só vai sair depois da
análise dos pés de maconha apreendidos em minha casa. Ela
me informa que decidiu assinar com um novo advogado, um
especialista no tema, que vai ajudar a me tirar dali. Pondero
que talvez não seja mais necessário, pois eu já tinha ido à
audiência e agora o que nos resta é esperar. Ela diz se sentir
responsável. Diz que vai, sim, contratar o especialista e
resolver. Jacqueline conta sobre nossa família e também que
171
21º Planta normal e saudável Molhar
22º Planta normal e saudável Não Molhar
23º Planta normal e saudável Molhar / adubar com 10-10-10, usar 10 gramas por vaso de 7 litros.
24º Planta normal e saudável Molhar bem, o dobro do normal.
25º Planta normal e saudável Molhar normal, observar folhas se não se alteram.
26º Planta normal e crescendo, já com galhos Não Molhar
adjacentes.
27º Planta normal, folhas apontadas para cima Não Molhar
durante o dia.
28º Planta normal com folhas verdes e saudáveis. Molhar
29º Planta normal Não Molhar
30º Planta normal e crescendo Molhar, observar insetos e anomalias.
31º Planta normal Não Molhar
32º Planta normal e crescendo forte Molhar
33º Planta normal e folhas crescendo Molhar se estiver seco
34º Planta normal Molhar se estiver seco
35º Planta normal Molhar se estiver seco
36º Planta normal Molhar se estiver seco
37º Planta normal, observar se cresce bem e seus Não molhar, iniciar processo de abstinência liquida.
galhos estão se desenvolvendo.
38º Planta normal Não molhar
39º Planta iniciando o processo de desidratação, Não molhar
folhas iniciando ficar murchas.
40º Planta sentindo a falta de alimento e agua. Adubar com 10-10-10 10 gramas, cobrir o adubo com um pouco de substrato e
molhar.
41º Planta reagindo bem, e iniciando recuperação Molhar pouco
física.
42º Planta reagiu e está para cima. Molhar pouco
43º Planta aponta para cima e brotos vigorosos. Molhar bem
44º Planta Vigorosa e cheia de galhos. Molhar pouco
45º Planta verde e sem folhas amarelas. Molhar bem
46º Planta verde e saudável Molhar pouco
47º Planta saudável com folhas para cima. Molhar pouco e preparar para poda de floração
48º Planta verde e saudável Não molhar/fazer poda de limpeza retirando galhos inferiores, e brotos pipoca.
Retire todos os galhos deixando a apical e 06 galhos adjacentes.
49º Planta verde, limpa de galhos e arejada. Molhar bem.
50º Planta verde e pronta para florar definindo Não Molhar
sexo.
51º Planta saudável, folhas verdes e grandes, Molhar bem
apicais desenvolvendo bem.
52º Planta normal e saudável Preparar para iniciar a fase de floração. Mudar foto período para 12 horas de
escuridão.
53º Planta normal Por a planta no escuro por 12 horas, não molhar.
54º Planta normal Molhar
55º Planta normal Não Molhar
56º Planta normal Molhar
57º Planta normal Não Molhar
58º Planta normal Molhar
59º Planta normal Não Molhar
60º Planta normal Molhar
61º Planta normal Não Molhar
62º Planta normal Molhar
63º Planta normal Molhar/observar se surge os pistilos identificadores de fêmea e macho.
64º Planta normal, fechando brotos apicais. Molhar
65º Planta definido sexo. Molhar/observar se tem pistilos ou brotos na forma de bolinhas.
66º Planta com sexo definido Molhar / planta macho ou fêmea.
67º Planta florescendo Não Molhar
68º Planta florescendo Molhar
69º Planta florescendo Não Molhar
70º Planta florescendo Molhar
71º Planta florescendo Não Molhar
72º Planta florescendo Molhar
73º Planta florescendo Não Molhar
74º Planta florida Adubar com 15 gramas de 10-10-10/molhar
75º Planta florida Molhar bem
76º Planta florida Molhar bem
78º Planta florida Molhar normal
79º Planta florida Molhar normal
80º Planta florida Molhar normal
81º Planta florida Molhar normal
82º Planta normal Molhar normal
83º Planta normal com algumas folhas amarelas. Não Molhar
84º Planta florida normal, enchendo de pistilos, já Molhar bem
se vê tricomas.
85º Planta florida enchendo de tricomas, algumas Não Molhar
folhas amarelas.
86º Planta florida normal e fortalecendo os buds. Molhar bem
87º Planta florida verde com algumas folhas Não Molhar
amarelas.
88º Planta florida Molhar bem
89º Planta florida Não Molhar
90º Planta florida e preparando para colheita. Molhar bem
91º Planta tricomada e com algumas folhas Fazer primeiro flush molhar com o mesmo volume do vaso com agua.
amarelas
92º Planta tricomada Não molhar
93º Planta tricomada Não molhar
94º Planta tricomada M Não Molhar olhar normal
95º Planta tricomada Molhar normal
96º Planta tricomada Não Molhar
98º Planta tricomada Molhar pouco
99º Planta pronta para 48 horas de escuro, Não molhar/deixar em 24 horas de escuridão.
tricomas transparentes e brancos com alguns
âmbar.
100º Planta pronta. Cortar após as 24 horas do dia.
101º Planta cortada e feito a manicure. Colocar os buds tricomados pra secar em ambiente não muito claro.
102º Deixar secando por 10 dias. Colocar uma vasilha com agua no ambiente para umedecer.
112º Buds secos e prontos Fazer o óleo e ou colocar para curar em pote de vidro onde as flores encham o
pote.
Assim esta finalizado o plantio de sua planta, seus buds prontos. A cura é fundamental para o sabor dos buds. São necessários 60 dias para uma cura
satisfatória.

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