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ESTUDO DA CAPACIDADE COGNITIVA DE DEFICIENTES VISUAIS NA PRÁTICA DE TÉCNICAS

MANUAIS DE MASSAGEM

Elis Regina Fonseca Tavares


Vivianne Peixoto da Silva2

RESUMO

A visão representa um dos sentidos primordiais no relacionamento social,


estabelecendo-se através de mecanismos psicofisiológicos que determinam a
impressão sensorial. A cegueira constitui-se uma deficiência grave atingindo
partes do aparelho visual, decorrente de causas congênitas ou adquiridas. Com a
perda visual as pessoas passam por um processo de reconstrução do sistema
cognitivo envolvendo a percepção tátil. O movimento das mãos como atividade de
contato (massagem) estimula a atenção tátil possibilitando a reconstrução do
processo cognitivo. Objetivou-se com esse estudo investigar diferenças no processo
cognitivo de deficientes visuais congênitos e adquiridos através de técnicas de
massagem manual em uma abordagem relevante acerca do redirecionamento da atenção
ao tato e possíveis influências sócio-culturais.
PALAVRAS-CHAVE: Deficiência visual. Processo cognitivo. Massagem manual.

ABSTRACT

The vision is one of the primary ways in social relationship, settling through
psychophysiological mechanisms that determine the sensory impression. Blindness is
in a serious deficiency affecting parts of the visual apparatus, resulting from
either inherited or acquired. With the loss of visual people go through a process
of reconstruction of the cognitive system involving the tactile perception. The
movement of the hands as contact activity (massage) stimulates the tactile
attention allowing the reconstruction of the cognitive process. The objective of
this study to investigate differences in the cognitive process of visually
impaired congenital and acquired through manual massage techniques in a relevant
approach about the redirection of attention to the touch and possible socio-
cultural influences.
KEYWORDS: Visual impairment. Cognitive process. Massage Manual.

INTRODUÇÂO

A visão é tida como um dos cinco sentidos que permitem aos seres humanos, dentre
outros seres vivos a capacidade de percepção do mundo a sua volta. A percepção
visual ocorre pela compreensão de um conjunto de mecanismos fisiológicos e
psicológicos pelos quais se determinam a impressão sensorial (cores, formas,
movimento e relevo), através das radiações luminosas. Para tanto, faz-se
necessário a intervenção de zonas especializadas do cérebro (córtex visual) que
irão analisar e sintetizar a informação que ali chega (KASTRUP, 2007).
Graziano & Leone (2005), descrevem que a anatomia do aparelho visual compõem-se
de quatro partes: a retina, vias ópticas, centro visual cortical e o centro
psíquico. O processo de perda da visão pode iniciar-se em qualquer uma das partes
do aparelho visual, acarretando diferentes anomalias com consequentes danos a
acuidade visual.
A clareza visual pode variar entre visão completa e a falta dela. A cegueira
congênita, é aquela à qual pertencem os cegos que nunca viram, e por isso não
possuem base de referência de elementos visuais ou a memória visual. Esta pode
ser decorrente desde malformações oculares ou cerebrais até mesmo de certas
doenças intra-uterinas (HATWELL, 2003 apud KASTRUP, 2007).
Segundo Hatwell, 2003 apud Kastrup, 2007, os considerados cegos adquiridos
constituem principalmente de casos de deficiência visual adquirida, os quais
possuiriam por um período da vida (em média até os três anos de idade),
referências visuais e coordenações neurais entre as modalidades sensoriais. Esta
cegueira adquirida pode ser proveniente de processos traumáticos, acidentes ou
explosões, medicamentos ou por doenças infecciosas e não infecciosas como o
diabetes mellitus, doenças sistêmicas que comprometem a acuidade visual.
Deficientes visuais fazem o reconhecimento do mundo à sua volta através do tato,
entretanto, existem significativas diferenças entre o tato e a visão no que diz
respeito à percepção e ao processamento da informação. O tato capta a informação
de forma mais lenta e em caráter sequencial, consequentemente gera uma maior carga
na memória de trabalho, além disso, o tato limita-se a exploração de objetos
dentro do alcance dos braços. Sendo assim o tato é considerado um sistema
sensorial de curta distância que possibilita determinar diferentes características
de um objeto (OCHAITA E ROSA, 1995 apud BATISTA, 2005).
Diferentemente, a exploração visual consiste em uma captação da informação de
forma mais rápida, com uma menor carga na memória de trabalho, além de
possibilitar a observação de objetos à distância e sua posição espacial (OCHAITA E
ROSA, 1995 apud BATISTA, 2005).
As pessoas que vivenciam a perda da visão passam por um processo de reconstrução
do sistema cognitivo, e consequentemente dos seus meios de exploração afirma
(KASTRUP, 2007).
No que diz respeito ao processo cognitivo, Hall, 1981 apud Cunha e Fiorim, 2003,
afirmam que o mesmo ocorre a partir de modos de representações, pois deficientes
visuais congênitos não possuem a percepção visual que as pessoas videntes possuem
e por isso detém a capacidade de organizar e integrar as informações do ambiente.
Ainda segundo Kastrup, 2007, a perda da visão (na cegueira adquirida) promove
profunda alteração no funcionamento cognitivo, pois reações que até então eram
tidas como automáticas, passam a dispor de maior participação da atenção para sua
realização. Sendo assim, utilizando movimentos de exploração que envolva dedos e
mãos intensifica-se a capacidade cognitiva, ocorrendo à junção entre percepções
cinestésicas e cutâneas o que resulta na percepção tátil-cinestésica e permitindo
o reconhecimento das sensações ambientais para posterior representação cerebral.
Mediante a ausência da visão ocorre o que alguns estudiosos classificam como
compensação, ou melhor, desempenho de outros sentidos. Entretanto, diversas
análises realizadas mostram que a mesma não ocorre através de reorganizações
fisiológicas imediatas, mas sim por meio de um lento processo de construção sob
influência de fatores sócio-culturais (Vygotski, 1997 apud Kastrup, 2007). Ou
seja, defende-se a tese de redirecionamento da atenção.
Desta forma, os estudos psicológicos preconizam que a atenção é um processo que se
acopla aos outros processos cognitivos, como a percepção, a memória e o pensamento
podendo atenuá-los, amplificá-los ou inibí-los, tornando o processo de
conhecimento do ambiente algo mais rápido e com maior riqueza de detalhes (CAMUS,
1996 apud KASTRUP, 2007).
O movimento das mãos como atividade de contato permite a capturação de informações
acerca dos tecidos. A essa movimentação damos o nome de massagem (DE DOMENICO e
WOOD, 1998 p.18).
A questão é que com a perda da visão são necessários novos domínios cognitivos,
maior atenção direcionada para o tato como ocorre durante a massagem permitindo a
estimulação de ações cognitivas eficazes com conseqüente reconstrução do processo
cognitivo (MONTEIRO; MANHÃES, 2005 apud KASTRUP, 2007).
Tendo como abordagem a alta capacidade cognitiva em deficientes visuais este
trabalho foi realizado com o intuito de detectar através de técnicas de massagem a
atenção direcionada ao uso do tato e seus reflexos na reconstrução cognitiva.

METODOLOGIA
Participantes

A amostra desta pesquisa contou com a participação de oito pessoas deficientes


visuais, sendo quatro deficientes visuais congênitos e quatro deficientes visuais
adquiridos, inscritos para participarem do Projeto Massagem para Deficientes
Visuais realizado na Clínica de Fisioterapia UNIPAM sob coordenação da professora
Vivianne Peixoto da Silva. Para critérios de inclusão foram considerados como
participantes do projeto indivíduos adultos, portadores de deficiência visual
congênita ou adquirida, inscritos no Projeto citado acima e esclarecidos a cerca
do objetivo de realização da pesquisa. Foram caracterizados como critérios de
exclusão da pesquisa, os deficientes visuais que tenham participado de algum curso
de massagem anteriormente, deficientes visuais com baixa visão (ou visão
subnormal), pessoas com deficiência mental, bem como aqueles que possuam outras
alterações na capacidade visual que não inclua a cegueira.

Instrumentação e Procedimentos

A pesquisa enfatizou dentro do seu contexto uma abordagem qualitativa e


quantitativa, sendo uma pesquisa exploratória em procedimento de estudo
comparativo. Antes de dar início ao projeto foi realizada uma reunião prévia com o
intuito de esclarecer os objetivos e os procedimentos a serem realizados, bem como
possibilitar que possíveis dúvidas levantadas pelos participantes fossem sanadas.
De acordo com os critérios de inclusão estabelecidos. Na primeira reunião agendada
foi solicitado para que cada participante estivesse acompanhado por uma pessoa de
sua confiança a qual estaria incumbida de ler e se o próprio participante assim o
desejasse que este assinasse para ele o termo de consentimento livre e esclarecido
aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário de Patos de Minas (protocolo
038/2009). Antes de dar inicio ao projeto, a pesquisadora orientada pela
professora já mencionada passou por um aprendizado de todas as técnicas manuais de
massagem que seriam ensinadas aos participantes.
A pesquisa foi realizada na Clínica de Fisioterapia UNIPAM - Centro Universitário
de Patos de Minas, no horário de 18:00 às 19:00 horas no período entre
junho/agosto de 2009 às quintas-feiras. Após a data da primeira reunião foram
agendados todos os próximos encontros os quais foram realizados semanalmente. A
cada encontro foi oferecido aos participantes uma parte teórica sobre diferentes
técnicas de massagem manual e em seguida uma parte prática, sendo os participantes
auxiliados pela pesquisadora e orientadora do estudo na realização das técnicas
ensinadas, possibilitando neste momento a observação do aprendizado individual.
A pesquisa contou com a coleta de dados, através da aplicação de um questionário
composto por questões objetivas envolvendo perguntas sobre o tipo de deficiência
visual, da participação ou não da família e sociedade no desenvolvimento psico-
social destes, bem como a classificação do aprendizado, questões subjetivas, que
abordavam a descrição do aprendizado, a relação que faziam do curso nos momentos
de explicação com os momentos de execução das diferentes técnicas, a descrição de
dificuldades encontradas e suas percepções ao receber e ao realizar a massagem no
colega de curso, além da relação de cada participante com variáveis sócio-
culturais e clínicas. A seleção das questões foi feita com base em dados apontados
pela literatura como sendo de suma importância para determinar a capacidade
cognitiva de cada tipo de deficiência visual.
O questionário também contou com um teste prático com o máximo de 25 pontos, sendo
considerado <10 déficit cognitivo, entre 11-15 pontos como bom desempenho
cognitivo e >15 excelente desempenho cognitivo, o qual envolvia questões para
avaliação da memória de curto (a realização de uma técnica após sua explicação) e
longo prazo (realização de técnicas praticadas anteriormente no curso); da atenção
(associação da emissão de um sinal sonoro com um tipo de manuseio); da percepção
(diferenciação de texturas de pele do corpo, estímulos dolorosos e estímulos de
fricção) dentre outras questões. Estas receberam pontuações diferentes pela
quantidade de alternativas que possuíam, ou seja, a execução ou não e mesmo a
execução incompleta da técnica, a identificação ou não do estímulo e da textura,
associação correta ou não, ou incompleta com o sinal sonoro dentre outras. Além
disso, a pesquisa contou com períodos de observação da prática das técnicas de
massagem por cada participante e análise dos resultados obtidos.

Análise de dados

Para análise de dados foi realizada a análise percentual, para investigar se houve
possíveis diferenças significantes nas variáveis em questão entre o grupo de
deficientes visuais congênitos e adquiridos, bem como para análise de comparação
dos grupos de deficientes congênitos e adquiridos entre si.
A avaliação do questionário foi realizada através da análise de conteúdo,
utilizando de metodologia qualitativa.

RESULTADOS

Caracterização da amostra

Do total de oito indivíduos cadastrados no Projeto Massagem para Deficientes


Visuais na Clínica de Fisioterapia UNIPAM, três não participaram do estudo, pelos
seguintes motivos: cancelamento repentino (2), impossibilidade por motivos de
saúde (1).
Desta forma participaram do estudo cinco deficientes visuais, dois homens (40%) e
três mulheres (60%), com média de idade 36,6 (variação de 21-58 anos). No primeiro
grupo foram 2 congênitos (75%) e 1 adquirido (25%), no segundo 1 congênito (50%) e
1 adquirido (50%). Sendo que 75% atribuíram a perda da visão a um problema de má
formação ocular. Três indivíduos (75%) possuíam o ensino médio completo e 2 (25%)
apenas o ensino fundamental incompleto. Nenhum dos participantes exercia algum
tipo de atividade remunerada (100%). Como condições relevantes para aplicação do
estudo foram levadas em consideram os seguintes fatores (tabela-1).

Tabela-1 Definição das variáveis do estudo a partir de fatores observados como


importantes no processo de reconstrução cognitiva em deficientes visuais.
Fatores Observados Variáveis Estudadas

Características demográficas

Características da deficiência

Características sócio-culturais

Percepção dos indivíduos

Processo cognitivo

Reconstrução cognitiva
Sexo, idade, escolaridade, ocupação.

Tipo, problema de perda visual.


Conseqüências do preconceito em família e na sociedade, bem como o acesso a
métodos de ensino.

Ênfase no aprendizado das técnicas de massagem manual, grau de orientação prática


de cada indivíduo.

Envolvimento de atenção, percepção, memória curta e de longo prazo, deslocamento


espacial.

Análise da reconstrução do processo cognitivo ou redirecionamento visuo-tátil

Relações sócio-culturais e exploração do meio

Os dois grupos foram unânimes (100%) em dizer que acreditam ter uma melhor
percepção do ambiente em sua volta quando comparados a um vidente. Sendo os mesmos
enfáticos (100%) em considerar fundamental a participação familiar e da sociedade
na forma de encarar sua deficiência, bem como o papel que a sociedade possui na
formação de seu desenvolvimento social. Ou seja, 100% declararam que o acesso aos
métodos de ensino possibilitou sua percepção psico-social.

Relação técnicas de massagem e reconstrução do processo cognitivo ou


redirecionamento visuo-tátil

Ao comparar os dois grupos foi possível perceber com a aplicação do questionário


prático composto de uma avaliação com base nas técnicas de massagem as quais foram
repassadas a cada participante, que no primeiro grupo a pontuação de congênitos e
adquiridos sofreu uma leve variação, ou seja, congênitos ambos 25 pontos e
adquiridos 23 pontos uma média de 24,33 pontos. Comparando o segundo grupo em que
a média foi de 22,5 a pontuação teve maior relevância, embora o número de
participantes com diferentes tipos de deficiência tenha sido menor, desta forma a
pontuação decorreu com 24 pontos congênitos e 21 pontos adquiridos, (Gráfico-1).

Gráfico 1: Comparação entre grupos (1 e 2), mediante a pontuação


no questionário prático.
Variáveis no teste prático como memória de curto prazo e atenção tiveram destaque
quanto ao desempenho dos participantes. Com relação à variável atenção no primeiro
grupo foi possível verificar que ao comparar congênitos (100%) e adquiridos (66%)
como porcentagem o segundo grupo congênito (66%) e adquirido não alcançou
pontuação, na variável atenção (Gráfico-2). Quanto à memória de curto prazo foi
possível perceber o seguinte resultado: primeiro grupo congênitos (100%),
adquiridos (75%), segundo grupo congênitos (100%) adquiridos (75%), ou seja,
mostra maior relevância quanto ao comprometimento de adquiridos em ambos os grupos
(Gráfico-3).

Gráfico 2: Análise percentual comparativa do domínio atenção


entre o grupo-1 e grupo-2.

Gráfico 3: Análise percentual comparativa do domínio


memória de curto prazo entre o grupo-1 e grupo-2.

Ambos os grupos (100%) consideram o método de exposição teórica a cerca das


diferentes técnicas de massagem manual de fácil compressão, embora em algum
momento da aplicação das técnicas todos terem requerido algum tipo de auxílio para
executá-las com perfeição. Entretanto (75%) adquiridos disseram ter encontrado
dificuldade em memorizar todas as técnicas explicadas durante o curso, (25%)
congênitos tiveram a convicção e, portanto acreditaram não ter dificuldade na
realização das técnicas.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo investigar o processo cognitivo de


deficientes visuais congênitos e adquiridos no intuito de avaliar se existe alguma
variação na reconstrução cognitiva destes indivíduos, através da realização de
técnicas manuais de massagem como método de aplicação da atenção direcionada ao
tato ou redirecionamento tátil, decorrente a perda da visão. Sendo, portanto
utilizada como método de avaliação a aplicação de um questionário com questões
subjetivas, objetivas e um teste prático, além de períodos observacionais na
execução das técnicas por cada participante durante a realização do curso.
A visão é tida desde os primórdios da sociedade como sentido que possibilita ao
ser humano a capacidade de socialização, sendo fundamental para manter este
indivíduo participante nos núcleos da sociedade, a qual possui membros exigentes
quanto ao desempenho de seus semelhantes. Desta forma, a deficiência visual torna-
se um fator limitante deste convívio.
O acometimento de uma das partes do aparelho visual que compromete a acuidade
visual do ser humano, como relatado em um dos trabalhos de Hatwell, 2003 apud
Kastrup, 2007, podem ser decorrentes de causas congênitas ou adquiridas. Porém é
importante salientar que como verificado em estudos de Montilha et al, 2000 e
mesmo em estudos do Kastrup, 2007 os acometimentos do aparelho visual e portanto a
deficiência congênita é um número bem inferior ao de deficientes visuais
adquiridos que se tornam casos bastante efetivos, assim como ocorrido no presente
estudo em que o número de deficientes visuais congênitos foi bem inferior ao
esperado, no momento de realizar a divisão dos grupos pela quantidade de
participantes inscritos no Projeto de Massagem para Deficientes Visuais. Tal
informação foi repassada pela Associação de Deficientes Visuais de Patos de Minas
e região, quando perguntados a cerca do número de associados congênitos na cidade.

Com a perda da visão, as pessoas assim destituídas procuram suprir este sentido,
principalmente através do tato e da audição. Estudos realizados como de Spence &
Driver, 1997 apud Kastrup, 2007 e Ochaita & Rosa, 1995 apud Batista, 2005, denotam
a importância do tato como sentido capaz de promover alternativas sócio-
adaptativas, mas não com a mesma eficiência que a visão. Estes não são capazes de
proporcionar a exploração do ambiente a longas distâncias, limitando a exploração
ao alcance dos braços. Ao questionar os participantes, estes relataram o quanto o
tato tornou-se sentido primordial no seu deslocamento, entretanto de forma
limitada, pois é necessário a verificação de todo o ambiente antes e durante o
deslocamento através da palpação.
Desta forma, com a perda da acuidade visual as pessoas vivenciam a reconstrução do
processo cognitivo. Entretanto, estudos recentes têm apontado uma nova tese, a de
que não seria a potencialização de outros sentidos decorrente da perda da visão,
mas sim o redirecionamento da atenção para eles no caso do deficiente visual para
o tato e para audição. Neste âmbito o redirecionamento tátil ocorre por
reorganizações fisiológicas não imediatas sob influência de fatores sócio-
culturais (Vygotski, 1997apud Kastrup, 2007). Neste contexto, o presente estudo
teve como intuito utilizar técnicas de massagem manual, como forma de contato
através das mãos que preconiza a percepção tátil (percepções cutâneas e
cinestésicas), como método investigativo de reconstrução do processo cognitivo.
Os resultados apontados no presente estudo, quanto à pontuação geral do teste
prático corraboram com a literatura em que deficientes congênitos teriam um
processo de assimilação dos objetos e espaço melhor, portanto uma reconstrução
cognitiva mais rápida em relação aos deficientes adquiridos. Segundo Kastrup,
2007, isto se deve ao fato de que deficientes visuais congênitos nunca tiveram
representações visuais ou referência de elementos visuais, ou seja, tudo que estes
aprendem pelo tato ocorre por processos de aprendizagem constantes, sendo que a
memória consciente está frequentemente em trabalho. Diferentemente de deficientes
visuais adquiridos em que ocorrem sérias mudanças cognitivas, pois há relevantes
reduções de suas habilidades e hábitos anteriormente aprendidos, ou seja,
comprometimento de comportamentos caracterizados pelo automatismo e desta forma
tudo que estava na memória pré-consciente precisa ser resgatado à memória
consciente e assim proporcionando significativos aumentos na carga de ativação da
memória de trabalho.
O processo cognitivo possui como componentes a percepção, a memória, o pensamento
e acoplados a estes existe a atenção como descreve Camus, 1996 apud Kastrup, 2007
em seus estudos. No estudo realizado foi possível verificar que variáveis como
atenção e memória de curto prazo tiveram maior relevância em relação aos outros
domínios presentes no questionário prático, bem como nos momentos de observação.
Estudos como de Sternberg, 2000, caracterizam a atenção como um fenômeno que nos
permite o processamento ativo de uma quantidade limitada de informações. De forma
que o processamento de informações sensoriais e informações cognitivas
aconteceriam sem que tenhamos consciência dele, entretanto este processamento deve
acontecer de forma contínua, sendo assim ocorre que deficientes adquiridos perdem
esta condição o que torna necessário que estes processamentos sejam requisitados
sempre como informação consciente.
Porém, quando criamos situações que proporcionem alta ativação da atenção ocorre à
ampliação do pensamento e da memória, (figura 1). No entanto, devemos levar em
consideração que a percepção decorre do conjunto de processos em que reconhecemos,
organizamos e entendemos as sensações recebidas. O que vem ao encontro dos
questionamentos deste trabalho, pois uma percepção deficitária proporciona sérios
agravos na reconstrução do processo cognitivo, condição esta deficiente por parte
de alguns participantes adquiridos. Sendo que trabalhos abordados por Sternberg,
2000 realizados por alguns pesquisadores como Margaret Livingstone e David Hubel,
1998 defendem a idéia que existiriam diferentes rotas neurais para detectar forma
(tato) e cor (visão) dificultando este processo para ambos os tipos de deficientes
visuais. Merabet et al., 2007 e Sathian et al., 2002 apud Imbiriba, 2007, afirmam
em seus estudos apresentados no III Congresso de Conhecimento Científico da UFRJ,
que em tarefas de processamento da informação tátil áreas, visuais são recrutadas
e portanto, haveriam conexões ativas entre as áreas primárias somestésica e
visual.

Figura 1: Abordagem esquemática da organização cerebral que proporciona a execução


das ações funcionais.

Embora o número amostral tenha sido pequeno, circunstâncias vivenciadas no


decorrer do curso em ambos os grupos proporcionaram fortes evidências em relação
ao desempenho cognitivo dos deficientes congênitos. Mas devemos destacar em seu
real merecimento as condições sócio-culturais em que devido às barreiras
arquitetônicas ou mesmo a barreira do preconceito que limitam a conquista de
ideais destas pessoas. O que foi possível verificar diante da aplicação deste
estudo, pois, ao serem questionados, alguns participantes deixaram bem claro em
suas falas que a influência familiar, o preconceito ainda hoje existente na
sociedade, são fatores determinantes para formação pisco-social dos mesmos,
“... minha família tem vergonha de mim...”, “as pessoas agem como que se eu
estivesse vendo e não faço porque não quero...”. A OMS afirma que a população
portadora de algum tipo de deficiência no Brasil, assim como em outros países em
desenvolvimento, tem aumentado, o que torna-se evidente a necessidade de um maior
aparato de acessibilidade disponibilizado a esta população. Sendo assim, o elevado
grau de discrepância entre o primeiro e o segundo grupo se deve ao fato da
acessibilidade e aos investimentos psico-sociais pelos quais cada grupo teve a sua
disposição.
Desta forma, são levantadas como hipóteses de relevâncias na pontuação entre o
primeiro e o segundo grupo deste estudo situações referentes à maior faixa etária
de idade apresentada no segundo grupo e, portanto o favorecimento dos
comprometimentos fisiológicos normais da memória acompanhado do comprometimento da
atenção supra-expostos. Também as respostas aos questionamentos do primeiro grupo
que reforçaram o princípio de que o acesso aos métodos de ensino favoreceu seu
desenvolvimento pscio-social.

CONCLUSÃO

Os achados deste estudo revelaram que embora a literatura considere que congênitos
possuem maior facilidade na reconstrução do processo cognitivo, fatores sócio-
culturais são determinantes para esta reconstrução, promovendo o redirecionamento
da atenção ao tato, com influência direta na formação cognitiva do indivíduo.
Desta forma, o conhecimento que estes possuem forma-se a partir da representação
cortical e semântica dos objetos, mediante a utilização de modalidades sensoriais
cinestésicas acompanhadas não só de reorganizações cerebrais, mas também de
aspectos da atenção que ao comparar deficientes visuais congênitos e adquiridos
por meio de estudos cerebrais fica evidente que existe maior atividade do córtex
visual de deficientes congênitos em tarefas discriminativas táteis na condição de
que estes nunca tiveram representações visuais, mas que, no entanto sejam
favorecidos pela acessibilidade sócio-cultural precoce. Entretanto, faz-se
necessário a realização de novas pesquisas com um número amostral relevante, e
impreterivelmente maior, disponibilidade de material científico para que não se
sejam abordadas somente condições limitantes deste grupo, mas também a
possibilidade de se oferecer uma melhor qualidade de vida.

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