Você está na página 1de 8

Educação para a saúde: Trajectórias Lusitanas

© Celeste Duque, 2004

Psicóloga Clínica (celeste.duque@gmail.com)

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objectivo contextualizar historicamente o surgimento da necessidade de se


criar a uma área de intervenção em Educação para a Saúde, referindo-se ainda vantagens que daí advieram
para a população em geral e muito particularmente para o sujeito individual.

A educação para a saúde, e a sua prática, inicialmente ligada às ordens religiosas, por razões que
facilmente se podem inferir – os frades e religiosos tinham o privilégio de aceder ao estudo enquanto que a
população geral era “controlada” através da ignorância: barrava-se-lhe a possibilidade de instrução; a única
instrução possível ao povo era a relacionada com a aprendizagem de um “mister” ou actividade
profissional. A par disso, a constatar o facto de apenas os fidalgos e poderosos poderem usufruir dos
cuidados “médicos” prestados pelos frades, ao povo restava-lhes o recurso aos bruxos e feiticeiros, no seio
destes havia uma grande diversidade de “profissionais”, por exemplo aqueles que efectivamente se
interessavam em aprender os remédios caseiros feitos à base de ervas e iam fazendo as suas próprias
experiências e aprendendo com a experiência, outros, pelo contrário, vendo ali uma oportunidade de
ganharem algum dinheiro fácil deambulavam de vila em vila, de terra em terra vendendo as suas soluções
aquosas açucaradas, remédio para todos os males.

Não é pois objectivo do deste artigo proceder à apresentação de metodologias e estratégias de intervenção
em Educação para a Saúde, fazendo recurso aos conhecimentos teóricas e áreas de investigação que a ela
subjazem, apenas levantar o véu sobre o que as condições históricas de épocas específicas e os hábitos
culturais e respectivos estilos de vida, podem fazer por si sós.

Tendo então em atenção presente que as condições de higiene e salubridade foram, ao longo dos tempos
sofrendo alterações, considerando que conheceram o seu auge com Marquês de Pombal, facilmente se
percebe que as preocupações com questões de Saúde são algo que se perde nas brumas da origem dos
tempos.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Portugal, à semelhança de muitos outros Países, sofreu a influência de diversos povos o que se reflectiu na
cultura dominante das variadas épocas históricas. Algumas destas influências, não se restringiram às
épocas passadas, subsistindo nos dias de hoje.

Vejamos então o que nos ensina a história.

1
Lusitanos
Os lusitanos eram ágeis e sóbrios, pastores e cavaleiros tiveram uma alimentação característica,
provavelmente baseada nos rebanhos. O estado de saúde e a duração média de vida dependeriam
provavelmente da alimentação, e deviam ser fundamentalmente afectadas pelas condições de vida dentro
das povoações (higiene, saneamento, epidemias) e resultados de lutas, guerras, cercos, deslocações
forçadas em que a mortandade e as condições dos prisioneiros alteravam bruscamente situações favoráveis
anteriores, criando diminuição de população e mudanças na sua estrutura etária.

Hábitos alimentares
Alguns dados históricos que chegaram até aos dias de hoje pela mão de Estrabão e que foram confirmados
por estudos arqueológicos e etnográficos mostram que os povos castrejos da Península tinha, antes da
conquista romana, formas económicas pouco desenvolvidas, em que na parte alimentar a recolecção de
ervas, sementes, frutos naturais e pequenos animais constituía parte importante das disponibilidades, ao
lado de alguma caça e pesca. A agricultura era, segundo conta Estrabão, pouco desenvolvida, “os
habitantes das montanhas vivem durante dois terços do ano de bolotas, que secam e trituram e depois
moem para fazer pão, que conservam muito tempo” (Gonçalves Ferreira, 1990, p. 56). Ao nível dos
achados arqueológicos são precisamente as bolotas do género quercus (carvalho) as mais frequentemente
como restos de alimentos, a par dos instrumentos utilizados para a sua preparação e confecção alimentar.

Nessa época, à bolota juntava-se em muitas regiões a castanha, pois, a Lusitânia do Norte e Centro antes de
ser floresta de pinheiros foi floresta de carvalhos e castanheiros. As gramíneas como o trigo, o painço, o
milho-miúdo, o centeio e a cevada eram também largamente utilizados, sendo os seus vestígios frequentes
tal como os utensílios utilizados, tais como foices e pequenos moinhos primitivos, utilizados para o corte e
transformação em farinha. São inúmeros os relatos históricos que referem que em algumas regiões se
procedia inclusive ao seu armazenamento, o que não é de estranhar já que nos chegam relatos que o
mesmo se fazia nas antigas civilizações egípcias.

Algumas plantas herbáceas eram, igualmente, cultivadas, tais como a fava e a ervilha e, certamente plantas
de folhas foram desde cedo utilizadas na alimentação, ao lado do consumo tradicional de muitas outras
silvestres, obtidas por colheita directa nos campos.

Com a conquista pelos romanos, as condições alimentares modificaram-se rapidamente para melhor e, no
final desta, a agricultura já estava mais desenvolvida com a introdução de novas sementes e diversas
variedades de plantas, melhores instrumentos e cultivo de maiores extensões de terra, assim como um
melhor aproveitamento agrícola das mesmas. Os cereais, a videira e a oliveira alcançaram enorme
importância, e a cevada era cultivada principalmente no norte e a partir dela se produzia cerveja, aliás
muito apreciada, tal como o vinho. Das árvores de fruto encontra-se apenas referência às figueiras e
cerejeiras e, posteriormente foram introduzidas muitas outras variedades, tendo igualmente surgido, com
os romanos, o girassol e os espargos.

Ao lado da actividade agrícola rudimentar, desenvolvida pelas mulheres, acompanhadas das crianças e
idosos em pequenas parcelas de terra e com instrumentos de madeira, pedra e pequenas partes metálicas

2
(sachos, enxadas, chuços, martelos, pequenos arados e machados), havia ainda a criação de animais (cabras
e ovelhas, porcos, bois, cavalos, aves de capoeira) e caça feita exclusivamente pelos homens (veados e
outros cervídeos, javali, coelho, lebre), assim como a pesca (nas zonas costeiras e ribeirinhas – já
desenvolvida com rede).

Saúde
A saúde destes povos estava sujeita a graves riscos, nomeadamente ao nível da saúde materno-infantil, e ao
risco associado do perigo de infecção, quer dos ferimentos quer das doenças infecciosas correntes ou
epidémicas nos aglomerados maiores. Nos exércitos e durante os cercos e as deslocações dos grupos de
população. Sabe-se que a mortalidade infantil era elevadíssima, havendo uma profunda e severa selecção
por doença e morte nas crianças durante o primeiro e segundo anos de vida, sobrevivendo apenas os mais
resistentes. Esta forte probabilidade de morte infantil continuava a pairar no ambiente durante mais alguns
anos.

Os lusitanos que chegavam à idade adulta sem deficiências eram, na grande maioria robustos, tinham vida
muito movimentada em regiões montanhosas ou acidentadas onde viviam. Quer se deslocassem a pé,
viviam a maior parte do tempo fora longe da sua família e das áreas residenciais, como pastores, caçadores
ou guerreiros, tendo, deste modo, e derivado das próprias condições impostas pelo meio, adoptado a sua
alimentação às exigências energéticas e nutricionais específicas dessa condição de vida.

O tipo de alimentação indicada que devia ser generalizado, contribuía para um razoável nível de saúde,
ultrapassada a fase dos riscos de mortalidade acima referidos, e o padrão de doença da população durante
os períodos de tranquilidade raramente contemplava situações de doença crónica (muito presente nas
sociedades actuais) também ao nível das doenças infecciosas correntes era diminuta a sua variedade,
restringindo-se basicamente à varíola, de facto a tuberculosa e a lepra eram ainda pouco conhecidas e
frequentes, tal como sucedia relativamente ao paludismo, no exterior das raras zonas pantanosas e quentes.
Ao que tudo indica, a lepra parece ter tido maior incidência na população céltica. Juntavam-se-lhes as
dermatoses e os ferimentos chagados, para os quais o tratamento consistia em emplastros feitos à base de
ervas, barro ou argila, gordura animal e/ou mel.

Alimentação e Saúde em tempos de “guerra”


Nas fases de lutas e guerras as condições do padrão de doença modificavam-se, juntando-se aos ferimentos
e traumatismos as infecções e toda uma panóplia de carências alimentares que propiciavam um elevado
índice de mortalidade e de estados de doença prolongada, deficiências, incapacidades e enfermidades
físicas e mentais cujo diagnóstico dificilmente era identificado acabando por engrossar as fileiras dos
desempregados e “incapazes” na época.

Os grandes e pequenos grupos armados que se organizavam para fazer razias e combater na defesa ou no
ataque, estavam sujeitos às doenças conhecidas desde tempos imemoriais (varíola, tifo, desinterias, febre
tifóide, e outras pestilências de contornos indefinidos) que ao se fazerem acompanhar das carências
alimentares hoje perfeitamente identificadas, levavam a situações dramáticas que médio ou longo termo
expressavam através dos elevados índices de morbilidade e mortalidade.

3
Durante muitos séculos, foram estas as situações que caracterizaram a vida dos Lusitanos, até chegarem à
fase crítica da luta contra os Mouros e a fundação da Nacionalidade Portuguesa. Perdidas, desde há muito
as condições favoráveis à saúde, de higiene e saneamento implementadas e amplamente divulgadas pelos
Romanos, antes do seu declínio, e consideradas como uma perfeita perda de tempo e desde logo banidas
aquando da invasão dos Bárbaros Germânicos.

Aspectos sanitários
Os lusitanos entraram rapidamente em decadência, nos aspectos sanitários após o desaparecimento da
influência romana. Não tinham organização assistencial regular nem medicina organizada. Os cuidados
assistenciais e/ou médicos eram esporadicamente praticados por curiosos, feiticeiros, curandeiros,
sangradores, barbeiros e por bruxedo. Além da intervenção, fortemente limitada, de alguns clérigos e
monges, depois que se instalou o Cristianismo nas terras Lusas, os quais contribuíram largamente para a
adopção de novos estilos de vida de onde eram banidos os banhos públicos, porque considerados amorais e
fonte de heresia e promiscuidade.

Estes religiosos mais hábeis oradores que forneciam os seus préstimos curativos, sobretudo, aos comensais
das ordens e às personagens ilustres (superiores), a par dos raríssimos médicos que utilizavam práticas
tradicionais e remédios cuja eficácia suscita grandes dúvidas já que a sua acção sobre o sintoma era muito
reduzida ou mesmo nula.

Relativamente à assistência de caridade prestada pelas ordens religiosas, ao inúmeros pobres, incapacitados
ou deficientes, pelas ordens religiosas a sua organização era muito rudimentar, e quando começou a
monarquia portuguesa não existia praticamente nada fora dos muros das Igrejas ou Conventos. A caridade
cristã individual praticada nestes locais, apenas conseguia uma dar resposta muito precária às situações de
miséria e de doença, que grassava na época.

Saúde Pública
Relativamente à Saúde pública e ao se constituir o Reino independente (1139-1140), pode-se afirmar que
Portugal apresentava uma situação de saúde da população em tudo semelhante às dos outros países, muito
próxima à do padrão dominante na época.

A preocupação com a defesa da Saúde Pública surge desde muito cedo ligada às autoridades responsáveis,
nomeadamente através da criação e estabelecimento de medidas gerais e de imposições sanitárias locais,
levadas a cabo pelos municípios, impostas pelo poder régio e/ou por deliberação da Corte, e pontualmente
podia advir de intervenções esporádicas de instituições e personalidades poderosas.

Situando-se o balanço destas acções como perfeitamente insuficiente, a organização e persistência com que
as regras eram implementadas e levadas a cabo não surtiu grande efeito. Pelo contrário, são inúmeras as
evidências históricas que relatam que a implementação e aceitação de novas regras por parte da população
em geral, desde os pequenos aglomerados de pessoas na aldeias mais dispersas, até aos grandes
aglomerados das cidades, reagiram com um forte resistência à novas medidas tendo, quer as famílias como
os sujeitos individualmente, mantido os comportamentos há séculos perpetuados.

4
Gonçalves Ferreira considera que os factores que mais peso tiveram no insucesso de tais medidas foram:

O ensino se reger pelos princípios e regras práticas de higiene, particularmente as das escolas médicas e da
formação dos eclesiásticos;

O papel das instituições, obras e costumes sanitários, ao longo da estruturação da vida social dos
aglomerados populacionais ;

A legislação geral e municipal (forais e costumes) foi sucessivamente ampliada em defesa da saúde e que,
em princípio, era da responsabilidade fundamentalmente dos municípios, que deviam dispor de fiscais
(almotacés) para vigilância e repressão das convenções (1990, p. 92).

PRÁTICA DE HIGIENE

É provável que, algum ensino da prática da “higiene e limpeza pessoal e urbana”, envolvendo condições
sanitárias do ambiente, tenha estado, pobremente, dependente do ensino médico e da prática clínica,
iniciados no Mosteiro de Santa Cruz, de Coimbra.

Paralelamente talvez se tenha também desenvolvido algum ensino de higiene nos mosteiros de diversas
Ordens Religiosas posteriores, tais como sejam Rocamador, Beneditinos, Cisterienses, Franciscanos,
Dominicanos, Trinitários, de São Lázaro, do Espírito Santo, de Santo Antão, etc. (Gonçalves Ferreira,
1990, p. 92).

Só com a reforma de Marquês de Pombal, em 1772, aparece referência pormenorizada ao ensino da


higiene no curso de médicos, ampliado e completamente reorganizado.

Vinha dos Romanos a tradição que foi sendo esquecida ou desprezada do “valor de saúde do corpo”, como
já foi referido anteriormente, a qual era conseguida por medidas de higiene e limpeza fortemente
dependentes da prática dos banhos, que o advento do cristianismo vai repudiando por considerar tratar-se
de “libertinagem e licenciosidade” coagindo o aos indivíduos que os praticavam para a necessidade de, ao
mesmo tempo que davam tão grande atenção ao corpo e à sua saúde se deverem preocupar com algo
fortemente imanente e que se sobrepunha a esta tão leviana necessidade – a de preparar a alma para a
salvação depois da morte.

Nas fontes procurava-se o aproveitamento de águas seleccionadas, pela tradição da sua salubridade e, em
muitos locais, eram resguardadas para evitar a conspurcação, enquanto nos grandes aglomerados se
cobriam as condutas abastecedoras ou estas eram subterrâneas ou substituídas por aquedutos protectores,
conforme os declives.

INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO A DESFAVORECIDOS

A criação de hospícios para crianças órfãos ou abandonadas (o primeiro da responsabilidade da Rainha D.


Beatriz de Gusmão – 1253-1300 –, mãe de D. Diniz, com a designação de “hospital de meninos”) e de

5
casas de regeneração para mulheres adúlteras e o esboço de organização de lazaretos e quarentenas
constituíram uma tentativa de estruturação de medidas combinadas de saúde pública e de assistência,
apoiadas em serviços organizados com que se procurava reduzir os malefícios para a saúde das populações.

Ainda hoje em casos que envolvem a moral e o comportamento, a sociedade ainda não conseguiu
encontrar soluções capazes de assegurar a saúde desejável, apesar das experiências de milénios e contenta-
se em aplicar medidas paliativas com elevados custos de tratamento, em vez de se optar pela prevenção.

Para casos que envolvem vigilância técnica e aplicação de medidas de experiência comprovada, os
progressos foram importantes logo que a organização de serviços criou estruturas adequadas, o que
raramente sucedeu entre nós (em Portugal).

Legislação de saúde
A legislação de defesa da saúde transformou-se numa necessidade, com o desenvolvimento da estruturação
dos grupos humanos e passou a basear-se em preceitos básicos desde a fundação da Nacionalidade,
principalmente pela via dos forais régios, das cortes, das posturas municipais e dos costumes estabelecidos
localmente pelos povos.

Era da responsabilidade dos municípios, o estabelecer e fazer cumprir todo um conjunto de tarefas de
higiene pública, em geral, tais como: fiscalização de açougues (o equivalente aos actuais matadouros) e
mercados, vigilância e conservação dos aquedutos e condutas de água para as fontes, limpeza de ruas,
monturos e esterqueiros. A chamada polícia de géneros alimentícios nos locais de venda e a inspecção de
balneários e de desobstrução de rios. Era da incumbência dos almotacés, ou almotacéis, o cumprimento
destas tarefas. Estes foram, de facto, as primeiras autoridades de vigilância sanitária municipal e os
contraventores eram punidos, de acordo com as suas informações.

Também o direito canónico se ocupava de medidas de ordem moral e de comportamento pessoal ligadas à
saúde (crianças abandonadas, apoio a doentes, luta contra a prostituição, formas de enterramento), o
mesmo sucedendo com as intervenções reais, os forais, os regimentos para as instituições e a delegação de
responsabilidades da Coroa na administração de serviços.

Da acção que os municípios procuravam exercer na defesa da saúde pública por disposições sanitárias
concretas, é altamente, instrutiva a indicação das desenvolvidas pelo Município de Évora, servem de
exemplo para o período dos séc. XIII-XIV – disposições de saúde em 1420, regimento dado por D. João I.

É de salientar que o povo cumpria mal estas instruções e as imundices e sujidades de todo o género
apareciam nas ruas e praças, lançadas às escondidas. Resultando, deste facto, maus cheiros, moscas,
pequenos roedores e outros sinais de falta de higiene que originavam mal-estar, desconforto e doenças.

Mais tarde, vão-se encontrar, igualmente, no reportório das ordenações do reino, referência às medidas de
sanção para evitar o lançamento nos rios de produtos tóxicos, reconhecidos estes pela mortandade
provocada nos peixes.

Estas práticas têm hoje paralelo na poluição química e física, eram consideradas à época, como de alta
gravidade. Pelo que se especificava que quem lançasse esses produtos nas águas correntes fosse açoitado

6
na praça pública, se pertencesse à classe do povo, e degradado para África, se fosse fidalgo ou escudeiro,
ou de correspondente categoria social.

Época dos Descobrimentos


A individualização da época dos Descobrimentos (cerca de 150 anos desde o reinado de D. João II) na
História da Saúde e dos Serviços de Saúde em Portugal, justifica-se pela nova ou muito acentuada política
nacional de centralização das instituições de assistência, de alargamento do ensino médico que o poder
régio procurou actualizar e, principalmente, porque o povo português desenvolveu, na época, actividades
do maior interesse científico, tendo surgido personalidades capazes de levarem a cabo estudos que se
ficaram na história, pelo significado das descobertas e contribuições inovadoras, no conhecimento de
algumas doenças estranhas e tentativas do seu tratramento.

De salientar as grandes inovações na organização de serviços prestadores de cuidados de saúde e a


revelada capacidade na administração de grandes unidades hospitalares e, paralelamente, as preocupações
com o ensino, por um lado, há a referir as dificuldades provocadas pelas grandes movimentações dos mais
diversos grupos de população fora do País, através dos mares e nos mais variados continentes descobertos
ou com que se entrou em contacto, a distâncias enormes da mãe-pátria, e exigindo sacrifícios e capacidade
de adaptação que se podem classificar de sobre-humanos.

O nível geral de saúde só virá a melhorar substancialmente, quatrocentos anos mais, depois de continuados
períodos de marcada instabilidade, no começo do sec. XX, quando se verificaram fortes mudanças nas
condições de vida e o padrão dominante das doenças infecciosas e contágios se modificaram levando a
uma acentuada diminuição da taxa de mortalidade, sobretudo durante a gravidez e parto, bem como na
infância, levando, deste modo, ao progressivo aumento da duração média de vida.

Criação das Misericórdias


As guerras em Espanha e África, as carências alimentares intermitentes, fomes e pestes levaram a um
extraordinário aumento das zonas urbanas de Lisboa e outras cidades, estendendo-se, esta expansão, às
aldeias. O número de pessoas que não trabalhava: indigentes, viúvas, órfãos, cegos, aleijados, mutilados,
famintos, doentes não acamados com afecções crónicas ou ulcerativas dos membros, mazelas da pele, etc.;
bem como os profissionais da “pedinchice”, que viviam à custa da caridade pública, pedindo esmola à
porta das Igrejas e Conventos, Romarias e Feiras, nas povoações e caminhos com movimento, grassavam.
No conjunto, chegavam a constituir um quarto da população.

Pedia-se por todo o lado, por pobreza e por hábito, e também havia os peditórios organizados pelos frades
para as diversas ordens medicantes (Franciscanos, Dominicanos, Carmelitas, Agostinhos, etc.), dos
“pedidores” ou memposteiros que esmolavam para as Confrarias e Ordens da Santíssima Trindade, que
tinha o privilégio de angariar donativos para resgate dos cativos, a que se juntavam os diversos peditórios
para a Igreja, órfãos, gafos, etc., com carácter de periodicidade (Gonçalves Ferreira, 1990, p. 99). A
realidade que se vivia na época era tal que se pode afirmar que se “pedia muito e se produzia pouco” e
levou à criação, e rápida expansão, das Misericórdias.

7
Muitos dos pedintes acabariam por adquirir o hábito de pedir, desde crianças e tornavam-se
“profissionais”, no entanto, a percentagem de indigentes, desprovidos de meios próprios de subsistência e
sustento, era elevadíssima, e estava directamente ligada ao não cumprimento das antigas Leis do Trabalho.

Assim, por exemplo, pela Lei das Sesmarias, que vinha da época de D. Afonso III, era obrigatório o cultivo
das terras não arroteadas por quem não estivesse incapacitado, e as terras nestas condições eram muitas,
mas o desejo de trabalhar era inversamente proporcional, isto é, extremamente reduzido.

A instabilidade e prejuízos de toda a ordem, causados pelas doenças dominantes, tais como, lepra e as
causada pela falta de higiene corporal, sanidade ambiental e cuidados materno-infantil, e pelas epidemias
(muito frequentes durante todo o século de 400) desorganizaram a vida de muitas populações com a
mortandade provocada, encargos acrescidos em face da doença e deslocações de fuga por medo.

BIBLIOGRAFIA

Gonçalves Ferreira, F. A. (1990). História da Saúde e dos Serviços de Saúde em Portugal. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.

© Celeste Duque

2008-04-04

Você também pode gostar