Você está na página 1de 2

Texto: TERTO JR, Veriano.

“Homossexualidade e Saúde: Desafios para a Terceira


Década de Epidemia de HIV/AIDS”. In. Horizontes Antropológicos/UFRGS.
IFCH. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Ano 8. N. 17. Porto
Alegre: PPGAS, 2002. (147-158).

O texto trata dos desafios existentes na relação entre homossexualidade (masculina) e


saúde, não apenas no tocante ao HIV, mas em todos os aspectos de saúde.

Durante boa parte do século XX, a homossexualidade foi considerada doença – se


psiquiátrica, biológica ou genética era uma questão de ponto de vista. O Brasil a ex-
cluiu da lista de doenças reconhecidas nacionalmente, mas o item manteve-se no Có-
digo Internacional de Doenças da OMS até os anos 1990.

Com a AIDS, homossexualidade passou a ser sinônimo da doença o que gerou nova
onda de preconceitos e novos estigmas, além dos já existentes. De certo modo, os
gays tornaram-se os grandes vilões da epidemia.

Diante disso, os estudos de saúde e campanhas de prevenção acabaram por reduzir os


problemas de saúde da população homossexual masculina à AIDS, como se eles não
fossem vulneráveis a outras doenças.

Ao longo desses 20 anos de epidemia, houve uma considerável queda no número de


novos casos entre homossexuais, ao lado de um aumento na parcela heterossexual. O
número de novos casos tende a estabilizar-se, e há mais novos casos de transmissão
heterossexual do que homo-bissexual. Porém, há uma parcela de novos casos de ori-
gem indefinida, possivelmente relacionada a um grupo que pratique esporádica ou
periodicamente relações homossexuais, mas se autodenomine socialmente como he-
terossexuais.

Há uma vulnerabilidade especial entre jovens com práticas homossexuais, em especi-


al oriundos de classes com reduzido poder econômico, que pode vir a fazer aumentar
novamente os casos entre homossexuais. Existe uma dificuldade especial para a pre-
venção nessa população, relacionada, em especial, à vergonha e à culpa que “cercam a
abordagem da homossexualidade nas iniciativas de prevenção e mesmo de assistên-
cia”. De certo modo, existe a representação segundo a qual um homossexual soropo-
sitivo pode ser considerado culpado por ter sido infectado, por não ter usado adequa-
damente os métodos de sexo seguro. Isso implica, inclusive, no medo de realizar o
teste.

Além disso, existe o problema da abordagem metodológica a ser utilizadas na preven-


ção do vírus. As técnicas mais tradicionais enfocam apenas a mudança comporta-
mental, o que deixa um vazio. Para certas populações, o trabalho relativo à defesa dos
direitos humanos conjugada com a mudança comportamental pode surtir um efeito
muito mais positivo. Enfim, é necessário que se elabore “modelos com perspectivas
mais integrais e holísticas da saúde num sentido mais amplo”.

Outra dificuldade centra-se no fato de que, nas pesquisas clínicas sobre o risco de
diversas doenças que possam afetar os homens, não se costuma considerar a catego-
ria orientação sexual. Assim, os “problemas e necessidades de saúde” de populações
de sexualidades não hegemônicas não são conhecidos pela classe médica. Não existe,
também, programas de assistência para populações homossexuais.

A “inclusão da orientação sexual nos estudos clínicos sobre as doenças pode ampliar
as possibilidades de atenção para uma saúde mais integral”. O conhecimento das
condições e necessidades de saúde dessas populações permitiria “reconhecê-las soci-
almente e romper com o referencial da doença”, de modo a quebrar as barreiras do
preconceito.

O tratamento deve incluir não apenas “a supressão dos sintomas clínicos, mas tam-
bém (...) o desenvolvimento de projetos de vida, de estímulo à inserção social e de
realização pessoal”. “A prevenção e a assistência devem estar integradas, como ma-
neira de garantir uma atenção mais completa e que vise à felicidade individual e cole-
tiva”.

“As relações entre homossexualidade e saúde (...) têm originado preconceitos contra
os homossexuais e permanecem como uma complexa questão a ser enfrentada indi-
vidual e coletivamente. No início da terceira década de convivência com a epidemia,
as lições aprendidas e os desafios a serem enfrentados demonstram que é hora de
essas relações mudarem radicalmente, não mais se definindo a partir da doença e do
preconceito, mas a partir da solidariedade e da promoção da felicidade”. (p. 156)

Você também pode gostar