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TERRA LIVRE

PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº17 FEVEREIRO DE 2010

- Valorização Energética de Resíduos: Incineração Escondida com Rabo de Fora

- Sem tauromaquia o touro não vivia

- Declaração de !yélény – Foro Mundial pela Soberania Alimentar


Valorização Energética de Resíduos:
Incineração Escondida com Rabo de Fora
intoxicação da opinião pública acerca da bondade
Texto de Mariano Soares da queima de lixos travestida de valorização
Numa altura em que cada vez é mais visível a energética, primeiro em sessões restritas e depois
crise económica com que se debate os Açores, na através do apelo lançado pelo presidente da
ausência de uma qualquer politica de ambiente, Associação de Municípios de São Miguel que
com a crise em que vivem vários sectores da como autarca pouca importância deu à gestão de
indústria açoriana fortemente dependente de resíduos, à espera do milagre da queima
apoios públicos, o actual governo regional dos purificadora dos mesmos, que contou com o
Açores e algumas autarquias pretendendo dar a pronto apoio do Delegado (ou ex?) de Saúde de
volta por cima, ou tapar o Sol com uma peneira, São Miguel, o qual através de depoimentos ao
estão a investir a fundo no capitalismo dito jornal Correio dos Açores, no dia 20 de Janeiro de
socialista. Assim, se em mandatos anteriores o 2010, acabou por dar uns valentes tiros nos
lema era criar negócios “verdes” para as empresas próprios pés, ao confundir tratamento integrado
privadas, neste mandato a grande aposta é, com co-incineração, ao comparar esta com os
continuando a pintar de verde todas as aterros sanitários, quando o que está em causa é a
barbaridades feitas em nome do ambiente e da sua comparação entre incineração e outras formas de
protecção, criar empresas públicas para gerir tratamento, já que de aterros ninguém se livra, e
actividades não lucrativas e entregar a gestão de ao apresentar como único problema da incineração
resíduos a empresas privadas, obrigando os a localização da incineradora já que, segundo ele,
cidadãos a pagar a factura de manter de pé toda a os filtros e os ventos tudo resolvem, esquecendo-
empresa, não esquecendo os lucros para os donos se que estes não transportarão os “problemas”
e accionistas, e adquirir ou manter empresas para Marte.
falidas, algumas das quais eram apontadas como
as galinhas dos ovos de ouro da economia
regional, como as ligadas ao golfe e outras. Em
suma, temos bons gestores com a lógica de
sempre: privatizar lucros e socializar prejuízos.

Contrariando o decidido ontem e não havendo


quaisquer razões para a mudança de qualquer
posição a não ser a teimosia de alguns
governantes, está em curso “suavemente” a
em particular de dioxinas e furanos, águas
residuais e à geração de cinzas e escórias
tóxicas que exigem depósitos de alta
segurança que temos muitas dúvidas em
deixar nas mãos de alguns dos nossos
gestores que têm sido incapazes de gerir
outros resíduos menos perigosos;

3- A energia recuperada pela incineração é


sempre menor que a que se poupava se se
reutilizassem e reciclassem os materiais
que compõem os resíduos;

4- A incineração é incompatível com a


implantação e promoção das recolhas
selectivas, a exploração de sistemas de
Em seguida, para refrescar a memória de alguns redução, reutilização e reciclagem e
comedores de queijo, apresentamos, adaptadas de recuperação de materiais uma vez que
um texto da CODA-Coordenadora de estes diminuem a matéria-prima necessária
Organizaciones de Defensa Ambiental, de 1996, para viabilizar a incineração;
um conjunto de razões para recusarmos a
incineração: 5- A incineração requer grandes
investimentos e a sua manutenção é muito
1- A incineração destrói as matérias-primas cara. Além disso, é o sistema que menos
existentes nos resíduos, constituindo um postos de trabalho cria; (compreende-se a
desperdício de recursos naturais que a opção pela incineração já que o que se
sociedade não pode dar-se ao luxo de pretende é manter os cidadãos
permitir. Além disso as incineradoras não desempregados, aumentando a disposição
evitam a existência de aterros já que cinzas para vender a sua força de trabalho a preço
e escórias têm que ir para algum lado; de saldo ou a receber o rendimento social
de inserção sem refilar)
2- A incineração é uma técnica de tratamento
de resíduos contaminante para o ambiente 6- A incineração fomenta o uso de resíduos
e de elevado risco para a saúde dos que não podem ser reutilizados ou
cidadãos devido à emissão de toneladas de reciclados, eliminando qualquer incentivo
dióxido de carbono, de metais pesados e à sua substituição;
dos resíduos que criam e contamina o
7- A incineração é incompatível com uma ambiente.
política ambiental de sustentabilidade
(chavão que eles usam e abusam a torto e a
Não queríamos terminar sem denunciar o silêncio
direito), de protecção da atmosfera e de
comprometedor de algumas (ditas) associações de
aproveitamento racional dos recursos;
defesa de ambiente dos Açores e de alguns
ambientalistas que estão mais preocupados com a
8- A incineração nunca poderá ser a solução
manutenção dos seus cargos, tachos e outros
para o problema dos resíduos caso se opte
compromissos com os senhores actualmente no
por uma sociedade participativa e uma
poder (ou com os que estão à espera de lá chegar)
região com qualidade ambiental já que
do que com a defesa da causa pública.
desresponsabiliza os cidadãos pela gestão

A todos eles dedicamos o poema de Mário Henrique Leiria:

A !êspera

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
Sem tauromaquia o touro não vivia

Texto de Mariano Soares

subespécie e o fim das touradas não significa, de


maneira nenhuma, a extinção da raça.
O que não é compreensível é a utilização deste
argumento conservacionista para justificar a única
e verdadeira razão que leva os industriais da
tauromaquia a criar touros, a económica. Se a
motivação fosse a da conservação de uma espécie,
como se compreende a necessidade de maltratar
os touros, espetando bandarilhas, enfiando-lhes
ferros ou provocando-lhe a morte numa praça, que
é a mãe de todos os sonhos dos adeptos da sorte
de varas?
Além disso, se a motivação fosse a protecção da
Um dos argumentos usados pelos defensores da
espécie por que razão não propõem os industriais
indústria tauromáquica é o de que sem ela a
tauromáquicos a criação de reservas ou santuários
biodiversidade da Terra ficaria mais pobre já que
para a protecção dos touros? Se eles são sensíveis
o touro acabaria por se extinguir.
ao sofrimento animal, como alguns o dizem
Com este argumento o que pretendem é tentar
relativamente aos cães, gatos e cavalos, por que
convencer uma população cada vez mais
não promovem a observação de touros (Bull
sensibilizada para os problemas ambientais do
Watching?).
planeta, tentando colocar-se ao lado dos que
Por último, desnecessário é perder muito tempo
lutam, sem hipocrisias, para a construção de uma
com o contributo dos touros bravos para a
Terra sem explorados nem exploradores, sejam
conservação dos ecossistemas já que os touros,
humanos ou não.
não estão nos campos por estarem em equilíbrio
Tal como os outros argumentos, este não tem
com a natureza, mas por terem sido introduzidos
nenhuma razão de ser. Com efeito, o touro bravo
com o único fim, o de satisfazerem interesses
não é nenhuma espécie, mas sim uma raça ou
económicos de um reduzido grupo de industriais.
Declaração de !yélény – Foro Mundial pela
Soberania Alimentar
interesses de, e inclusive às futuras gerações. Nos
oferece uma estratégia para resistir e desmantelar
Nyéléni, Selingue, Malí o comércio livre e corporativo e o regime
Quarta-feira 28 de fevereiro de 2007 alimentício atual, e para ENCAUZAR os sistemas
alimentários, agrícolas, pastoris e de pesca para a
Nós, mais de 500 representantes de mais de 80 prioridade das economias locais e os mercados
paises, de organizações camponesas, agricultores locais e nacionais, e outorga o poder aos
familiares, pescadores tradicionais, povos camponeses e à agricultura familiar, a pesca
indígenas, povos Sem Terra, trabalhadores rurais, artesanal e o pastoreio tradicional, e coloca a
migrantes, pastores, comunidades florestais, produção alimentícia, a distribuição e o consumo
mulheres, jovens, crianças, consumidores, sobre as bases da sustentabilidade meio ambiente,
movimentos ecologistas e urbanos, nos reunimos social e econômica. A soberania alimentar
com o povo de Nyélény em Selingue, Mali, para promove o comércio transparente, que garanta o
fortalecer o movimento global pela soberania ingresso digno para todos os povos, e os direitos
alimentar. O fizemos, tijolo por tijolo, vivendo em dos consumidores para controlarem sua própria
cabanas construídas a mão, segundo a tradição alimentação e nutrição. Garanta que os direitos de
local e comendo a alimentação produzida e acesso e a gestão de nossa terra, de nossos
preparada pela comunidade de Selingue... Damos territórios, nossas águas, nossas sementes, nossos
a nosso trabalho o nome de Nyeleni, como animais e a biodiversidade, estejam nas mãos
homenagem, inspirados na legendária camponesa daqueles que produzimos os alimentos. A
maliense que cultivou e alimentou sua gente. soberania alimentar supõe novas relações sociais
livres de opressão e desigualdades entre homens e
A maioria de nós somos produtores e produtoras mulheres, grupos raciais, classes sociais e
de alimentos e estamos dispostos, somos capazes e gerações.
temos a vontade de alimentar a todos os povos do
mundo. Nossa herança como produtores de Em Nyéléni, graças a muitos debates e a intensa
alimentos é fundamental para o futuro da interação, estivemos aprofundando em nosso
humanidade. Este particularmente é o caso de conceito de soberania alimentar, e temos
mulheres e povos indígenas que são criadores de intercambiado acerca da realidade das lutas de
conhecimento ancestrais sobre alimentos e nossos respectivos movimentos para conservar a
agricultura, e que são desvalorizados. Para esta autonomia e recuperar nosso poder. Agora
herança e esta capacidade de produzir alimentos entendemos melhor os instrumentos que
nutritivos, de qualidade e em abundância, se vêm necessitamos para criar um movimento e
ameaçadas pelo neoliberalismo e o capital global. promover nossa visão coletiva.
Frente a isto, a soberania alimentar nos aporta à
esperança e ao poder para conservar, recuperar e
desenvolver nossos conhecimentos e nossa
capacidade de produzir alimentos.

A soberania alimentar é um direito dos povos a


alimentos nutritivos e culturalmente adequados,
acessíveis, produzidos de forma sustentável e
ecológica, e seu direito de decidir seu próprio
sistema alimentício e produtivo. Isto coloca
aqueles que produzem, distribuem e consomem
alimentos no coração dos sistemas e políticas
alimentárias, por cima das exigências dos
mercados e das empresas. Defendendo os
aterra, defendam e recuperem os territórios
indígenas, garanta às comunidades pesqueiras o
Em prol de quem lutamos? acesso e o controle das zonas de pesca e
ecossistemas, que reconheça o acesso e o controle
Um mundo em que... das terras e das rotas de migração de pastoreio
garanta empregos dignos com salários justos e
... todos os povos, nações e estados possam direitos trabalhistas para todos os trabalhadores, e
decidir seus próprios sistemas alimentários e um futuro para os jovens do campo, onde as
políticas eu proporcionem a cada um de nós reformas agrárias revitalizem a interdependência
alimentos de qualidade, adequados, acessíveis, entre produtores e consumidores, garantam a
nutritivos e culturalmente apropriados. sobrevivência da comunidade, a justiça econômica
e social, a sustentabilidade ecológica e o respeito
... se reconheçam e respeitem os direitos e o papel pela autonomia local e a governanza com
das mulheres na produção de alimentos e a igualdade de direitos para as mulheres e os
representação das mulheres em todas as instâncias homens... onde se garanta o direito aos territórios
de tomada de decisões. e a autodeterminação de nossos povos;

... todos os povos de cada um de nossos paises ... compartilhamos nossos territórios em paz e de
possam viver com a dignidade de seu trabalho, e maneira justa entre nossos povos, sejamos nós
possam ter a oportunidade de viver em seus locais camponeses, comunidades indígenas, pescadores
de origem; artesanais, pastores nômades e outros;

... a soberania alimentar seja considerada um ... em se vivendo catástrofes naturais e provocadas
direito humano básico, reconhecido e respeitado pelas pessoas, e situações posteriores aos
pelas comunidades, os povos, os estados e as conflitos, a soberania alimentar atue como uma
instituições internacionais; autêntica garantia que fortaleza os esforços de
recuperação local e diminua o impacto negativo.
... possamos conservar e habilitar as comunidades Em que se tenha presente que as comunidades
locais, zonas pesqueiras, paisagens e os alimentos afetadas desamparados não são incapazes, e onde
tradicionais, baseando-se em uma gestão uma sólida organização local para a recuperação
sustentável da terra, do solo, da água, das por meios próprios constitua a chave para a
sementes, dos animais e da biodiversidade; recuperação;

... valoremos, reconheçamos e respeitemos a ... se defenda o poder dos povos para decidir sobre
diversidade de nosso conhecimento, alimentação, suas heranças materiais, naturais e espirituais.
línguas e nossas culturas tradicionais, e o modo
em que nos organizamos e nos expressamos; Contra que lutamos?

O imperialismo, o neoliberalismo, o
neocolonialismo e o patriarcado, e todo sistema
que empobreça a vida, os recursos, os
ecossistemas e as agentes que os promovem, como
as instituições financeiras internacionais, a
Organização Mundial do Comércio, os acordos de
livre comércio, as corporações multinacionais, os
governos quer que prejudicam a seus povos;

O dumping de alimentos apreços abaixo do custo


de produção na economia global;

O controle de nossos alimentos e de nossos


sistemas agrícolas nas mãos de empresas que
... exista uma verdadeira reforma agrária integral, privilegiam os ganhos às pessoas, a sua saúde e ao
que garanta aos camponeses pleno direito sobre meio ambiente;
Tecnologias e práticas que desgastam nossa fazendo que nossa solidariedade, força e
capacidade de produção alimentária no futuro, criatividade cheguem aos povos de todo o mundo
danificam o meio ambiente e põe em perigo nossa que tem um compromisso com a soberania
saúde. Estas últimas incluem os cultivos e animais alimentar. Cada luta pela soberania alimentar,
trangênicos, tecnologia terminator, aqüicultura independentemente em que lugar do mundo se
industrial e práticas pesqueiras destrutivas, a libere, é uma luta de todos.
chamada “revolução branca” e as práticas
industriais no setor lácteo, as chamadas “novas e
velhas revoluções verdes”, e os “desertos verdes”
dos monocultivos e agrocombustiveis industriais e
outras plantações;

A privatização e a mercantilização dos alimentos,


serviços básicos públicos, conhecimentos, terras,
águas, sementes, animais e nossos patrimônio
natural;

Projetos/modelos de desenvolvimento e industrias


de extração que despejam, expulsam a população
e que destroem nosso meio ambiente e nossa
herança natural;
Acordamos uma série de ações coletivas para
Guerras, conflitos, ocupações, bloqueios compartilhar nossa visão de soberania alimentar
econômicos, fome, despejos forçados e como todos os povos do mundo, que estão
confiscação de suas terras, e todas as forças e detalhadas em nosso documentos de síntese.
governos que os provocam e os apóiam; e os Levaremos a cabo estas ações em cada uma de
programas de reconstrução após conflitos e nossas respectivas áreas locais e regiões, em
catástrofes que destroem nosso meio ambiente e nossos próprios movimentos e conjuntamente em
capacidades; solidariedade com outros movimentos.
Compartilharemos nossa visão e nossa agenda de
A criminalização de todos aqueles que lutam por ação para a soberania alimentar com aqueles que
proteger e defender nossos direitos; não puderam estar conosco em Nyéléni, para que
o espírito de Nyéléni se dissemine em todo o
A ajuda alimentaria que encobre o dumping mundo e se converta em uma poderosa força que
introduz OGMs comunidades locais e os sistemas faça da soberania alimentar uma realidade para os
alimentários e crie novos padrões de colonialismo; povos de todo o mundo.

A internacionalização e a globalização dos valores Por último, damos nosso apoio incondicional e
paternalistas e patriarcais que marginalizam as absoluto aos movimentos camponeses de Mali e
mulheres e as diversas comunidades agrícolas, ao ROPPA em sua luta para que a soberania
indígenas, pastoris e pesqueiras no mundo; alimentar se converta em uma realidade em Mali e
Que podemos fazer e faremos a respeito em toda África.

Da mesma maneira em que estamos trabalhando É hora de Soberania Alimentar!


com a comunidade de Selingue para criar um
espaço de encontro em Nyéléni, nos Fonte:
comprometemos a construir nossos movimentos http://www.wrm.org.uy/temas/mujer/Declaracion_
coletivos para a soberania alimentar, construindo Mujeres_Nyeleni_PR.html
alianças, apoiando nossas diferentes lutas e

Terra Livre – Caes http://terralivreacores.blogspot.com/

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