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ano IV – número 10

dezembro de 2008

DE TODOS OS JEITOS DE TODOS OS LUGARES


Os jovens brasileiros que abraçaram a nossa Olimpíada
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC

CRÉDITOS DA PUBLICAÇÃO

Coordenação
Sônia Madi
Ouro para o Brasil
Texto e Edição A palavra “olímpico” sempre esteve vinculada
Luiz Henrique Gurgel a eventos de grandes proporções, envolvendo
Maria Aparecida Laginestra
Regina Andrade Clara
milhares de pessoas dos mais diversos lugares.
O dicionário Aurélio faz referência ao sentido
Revisão figurado que a palavra acabou por adquirir:
Rosania Mazzuchelli
e Mineo Takatama “grandioso, majestoso, divino, nobre”.
A Olimpíada de Língua Portuguesa Escre-
Edição de Arte
Criss de Paulo e Walter Mazzuchelli
vendo o Futuro ocorre em salas de aula de todo
o Brasil, dos grandes centros urbanos às áreas
Ilustrações rurais mais recônditas do país. Sua ação é gran­
Criss de Paulo
­diosa, não apenas por envolver mais de 6 mi­
Editoração lhões de estudantes brasileiros e quase 200 mil
AGWM Editora e Produções Editoriais
professores, mas principalmente por ter como
Fotos obje­t ivo melhorar a qualidade da nossa educa­
Alexandre Mota (MG) ção pública. Conjuga ações do governo federal
André Mendes (PE)
Arthur Calasans e Felipe Russo (SP)
com a sociedade civil, por meio da Fundação
Christina Rufato (DF) Itaú Social e do Cenpec, além de Estados, mu­
Elson José Junior (GO) nicípios e entidades de dirigentes de ensino,
Gisele Koprowski (PR)
Joaquim Saldanha (CE) ou seja, a Olimpíada é um exemplo concreto de
Rogério Uchoa (PA) que lutar por uma educação de qua­­­­­­­lidade está
acima de quaisquer outros interesses e preocu­
Agradecimentos
Eduardo Gonçalves de Andrade(Tostão) pações – é um consenso nacional.
João Wanderley Geraldi É gratificante, portanto, chegar ao fim desta
Mário Prata
Moacir Scliar primeira edição com a certeza de que todo o es­
forço de mobilização para que ela se realizasse
Tiragem
valeu a pena. Fechamos com medalha de ouro
150 mil exemplares
     dois anos de trabalho intenso das equipes do
Contato com a redação Ministério da Educação, da Fundação Itaú Social
Rua Dante Carraro, 68 – São Paulo – SP
CEP 05422-060
e do Cenpec.
Telefone: 0800-7719310
e-mail: escrevendofuturo@cenpec.org.br
www.escrevendoofuturo.org.br

INICIATIVA
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

2
Se a língua é um dos traços distintivos de
nossa identidade e presença no mundo – “Minha
pátria é a língua portuguesa” já disse o poeta
Fernando Pessoa –, é fundamental fazer que os
estudantes brasileiros se aproximem e se apro­ 2
priem ainda mais dela, refletindo sobre seus usos Entrevista

e possibilidades, já que falamos, escrevemos, João Wanderley Geraldi


pensamos e sonhamos em bom português.
Por isso saudamos as educadoras e educa­
dores que participaram de nossa Olimpíada,
convidando-os a estarem conosco novamente
4
REPORTAGEM
em 2010.
A maratona olímpica
Na ponta da língua
Nesta última edição do ano, apresentamos
uma reportagem com cenas das oficinas regio­ 8
nais da Olimpíada de Língua Portuguesa Escre- ESPECIAL
vendo o Futuro, que reuniram professores e Como abraçar o lugar
alunos de todos os Estados brasileiros. em que se vive
Também trazemos informações sobre um
dos gêneros literários mais praticados no Bra­

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sil: a crônica. Se, em sua origem, o cronista era
responsável por registrar para a posteridade
feitos memoráveis de reis, generais e outros Página Literária

poderosos, para os cronistas de hoje são as ex­ Minha vida


periências pessoais e cotidianas, aparentemen­
te banais e contidas em partículas de tempo,
que merecem ser relatadas.
Um artigo do escritor e professor Jorge Mi­
12
Questão De Gênero
guel Marinho fala da evolução da crônica no
Brasil, mencionando os escritores que mais
O gênero textual crônica
contribuíram para o aprimoramento do gênero.
Já a professora Maria do Carmo Brant, coorde­
nadora do Cenpec, destaca a importância do
“lugar em que se vive”, sempre tema dos estu­
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Óculos De Leitura
dantes que participam da Olimpíada. Esses cronistas maravilhosos
Nosso entrevistado é o lingüista e professor e suas palavras voadoras
doutor pela Unicamp, João Wanderley Geraldi,
um dos principais especialistas brasileiros em
práticas pedagógicas para o ensino da Língua
Portuguesa. 18
Na Página Literária, um texto inédito do mi­ De Olho Na Prática
neiro Luiz Ruffato, escritor premiado no Brasil Crônica: Uma prosa bem afiada
e no exterior e um dos mais originais da nova
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

geração.
Desejamos uma boa leitura e um ótimo final
de ano. 23
Desafio
A crônica nossa de cada dia

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“Professor não pode ter medo de errar”
O conselho é do lingüista João Wanderley Geraldi, atualmente professor colaborador voluntário da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos principais pesquisadores brasileiros sobre
o ensino de Língua Portuguesa. Geraldi é um dos organizadores da coletânea O texto na sala de
aula, obra publicada em 1984 que até hoje é referência para a proposição de políticas públicas e
práticas pedagógicas para o ensino da língua. É dele o projeto “Unidades Básicas para o Ensino de
Português”, uma proposta de sistematização para o ensino de 5ª- a 8ª- série. Ex-diretor do Instituto
de Estudos da Linguagem, da Unicamp, onde concluiu o mestrado e doutorado em Lingüística,
Geraldi tem participado como professor visitante de programas de pós-graduação em educação nas
universidades do Porto e de Aveiro, em Portugal, além de ser professor e pesquisador associado
da Universidade de Siegen, na Alemanha, onde colabora na orientação de doutorandos brasileiros.

América Marinho

O que levou o lingüista e professor universi- Esse material, depois de trabalhado pelo pro-
tário a se preocupar com as questões de en- fessor e ilustrado pelas crianças, pode se trans-
sino da língua na educação básica? formar em uma obra que fica na biblioteca e
Eu comecei como professor de ensino noturno pode ser lida por outros alunos. Sua passagem
na educação básica. Quando fui para a universi- pela escola é marcada por sua obra. Ao não jo-
dade, levei minha experiência e minha história de gar fora a história contada, o papel, o desenho e
vida. Isso me fez pensar no trabalho do profes- a cultura – ao mantê-los na biblioteca –, você co-
sor, como atividade acadêmica voltada para pes- meça a criar uma coisa que valorizamos muito: a
quisa e também na preocupação que se deve ter memória.
com o contexto nacional da educação. Um se-
gundo aspecto, sem sombra de dúvida, é uma Para alguns professores, a compreensão de
postura política: acho que a atitude de interferên- que o ensino da língua se dá por meio dos
cia do professor é fundamental e a universidade usos sociais foi como um “abre-te, Sésamo”;
não pode ficar fora das questões da sociedade. para outros, uma enorme dor de cabeça.
Como você vê essas duas reações?
Desde a publicação do livro O texto na sala A criança participa dos usos sociais da escrita
de aula (1984), aprendemos que o ensino e a antes de entrar na escola. Impedir esse uso na
aprendizagem da língua precisam desenvol- escola é separar o sujeito da sua própria vida.
ver-se por meio de situações em que falar, Muitos professores tentam essa separação, em
ler e escrever tenham finalidade. O que isso função do processo de alfabetização. Na ver-
significa? dade esse processo seria muito mais produtivo
Na década de 1980, quando comecei a tratar dis- se levasse em conta os usos sociais da língua.
so com base em uma perspectiva discursiva da Aprendizagem não é só um processo de apreen-
linguagem, os objetivos escolares da produção são; é um processo de reflexão sobre aquilo
de texto eram extremamente limitados, voltados que eu aprendo. Essa reflexão altera tudo o que
à questão da avaliação, à questão da correção. eu pensava antes, porque desloca o conjunto
A idéia era criar uma espécie de escola mais de conceitos de que disponho para acessar o
produtiva – embora hoje a palavra esteja extre- mundo. Eu diria que, quando a criança começa
mamente complicada, pois tem sido usada no a refletir e interpretar a escrita, esse conheci-
sentido de concorrência no mercado. Na época mento passa a ocupar um lugar em sua vida. A
era em contraposição a uma escola reprodutiva. reação dos professores depende da história de
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Por exemplo, numa escola em que é difícil o cada um. Aqueles que naquela época já eram
acesso a material de literatura infantil, o profes- contra a ortodoxia da escola se aproximam das
sor corre atrás de textos adequados para as nossas idéias; os que eram ortodoxos pensa-
crianças. O que pode ser mais adequado para o vam que, se não ensinassem a gramática como
primeiro, segundo e terceiro ano que os textos estavam acostumados, ficariam perdidos sem
contados, produzidos pelos próprios alunos? ter objeto para ensinar.

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Que gêneros devem ser privilegia- nossa caminhada de leitura. Em mi-
dos no currículo da educação bá- nha experiência de trabalho vi alunos
sica? que começaram lendo Éramos seis, de
Qualquer gênero pode ser ensinado Maria José Dupré e terminaram lendo
na escola, o que não quer dizer que Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ri-
todos os gêneros devam ser ensina- beiro. Essa liberdade permite que a
dos na escola. Mas o que está aconte- criança possa de fato começar lendo
cendo a partir dos anos 1990 é a crença o que nós consideramos leitura bara-
de que todos os gêneros têm de ser ta e terminar lendo literatura de boa
ensinados na escola. Isso é um absur- qualidade. Agora, se ela começou
do, pois, se os gêneros têm que ver com literatura barata e terminou com
com as atividades humanas, por que literatura barata, é porque na sala de
eu vou supor que uma pessoa só co- aula não estavam circulando outros
nhece um gênero se for ensinado na livros. Livro de boa qualidade é o livro
escola? Por exemplo, se eu não tenho que os leitores gostam de ler. O que
nenhuma situação planejada na esco- é um livro bom para criança? É aque-
la, nem a necessidade de as crianças le que a criança lê com prazer, que
mandarem um ofício para o prefeito, ela tem vontade. É preciso abrir um
ensinar ofício vai tornar-se parte da leque. Acho que isso explica melhor
obrigação de trabalhar todos os gê- o conceito de liberdade que eu estou
neros. Agora, para quê? Vai chegar o trazendo.
momento em que eles vão aprender a
fazer o ofício, que esse conhecimento Para finalizar, que recado daria
vai se tornar necessário; na hora que aos professores brasileiros, leito-
eles forem para grêmio estudantil, res desta publicação?
avançarem no processo escolar. Os Que o professor não tenha medo de
que têm essa concepção de trabalho errar. Aprende-se muito errando. Acre­
se esquecem inclusive de gêneros que ­­­­­­­­dite que o aluno com o qual você errou
são acadêmicos; circulam e são im- vai aprender muito mais. Quando, mais
portantes dentro da escola, como o tarde, o aluno disser “aquele profes-
resumo, a anotação, a dissertação. sor errou quando fez tal coisa”, vai
Não faz mal que um aluno, durante mostrar onde você acertou. Se você
todo o seu processo de escolaridade, errou, não se culpe – você está fazen-
não tenha feito nenhum texto no gê- do o máximo que pode no momento.
nero X ou Y. Ao longo da vida, ele vai Também acho essencial que os res-
aprender a usar aquele de que tiver ponsáveis pelas políticas públicas
necessidade. olhem para o professor como gente,
da mesma forma que os professores
De que critérios o professor deve precisam olhar para o aluno como
se valer para indicar a leitura de gente. Isso cria outro compromisso;
tex­­tos literários de boa qualidade? cria diálogo, cumplicidade. Cria a
A noção de “literatura de qualidade” pos­sibilidade de ultrapassarmos os
varia ao longo da história. Eu prefiro a limites que nós mesmos temos nos
idéia do grande tempo. Nós vivemos imposto ao longo da história. Porque
um grande tempo. Nesse tempo, há os limites e crises de hoje na educa-
notas que permanecem, outras ficam ção fomos nós mesmos que criamos
anos esquecidas e ressurgem. Por ao longo da história, não foi algo que
exemplo, no século XVI, os textos de caiu do céu. O caminho se faz ao ca-
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Shakespeare eram da literatura po- minhar. Caminhar é um processo às


pular e hoje são considerados clássi- vezes doído, às vezes alegre. E nós
cos. Penso que a liberdade do leitor estamos caminhando.
de construir sua caminhada é o prin-
cipal critério que o professor pode ter. América Marinho é professora de língua
Todos nós somos capazes de fazer portuguesa.

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A maratona
de uma Olimpíada
A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo
o Futuro começou com a participação de mais
de seis milhões de estudantes e quase 200 mil
professores. Em sua penúltima fase, em
São Paulo, reuniu 620 pessoas em três dias
de intensa atividade com brasileiros de
todos os quadrantes do país. Na etapa final,
15 estudantes foram premiados pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, numa cerimônia em
Brasília, no dia 1º- de dezembro.

Luiz Henrique Gurgel

As salas e os corredores do hotel es-


tavam tomados por adolescentes, jovens e
seus professores vindos de todo o país. Pela
primeira vez homens e mulheres de negócios
eram minoria no Hotel Transamérica, em São
Paulo, que recebeu entre os dias 17 e 19 de
novembro a semifinal da 1ª- Olimpíada de Lín-
gua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Foram
três dias com oficinas de formação, trocas de
experiên­cias e roteiros culturais envolvendo
620 estudantes e professores. Desse grupo
saíram os finalistas para a última etapa da
Olimpíada, em Brasília.
No encontro, um mosaico da diversidade
brasileira com seus sotaques, tons de pele,
jeitos de andar e de sorrir. Estrangeiros hos-
pedados no hotel tiveram a oportunidade seguida professores e alunos receberam as me­
rara de conhecer o Brasil inteiro num mesmo ­­­­dalhas de bronze como semifinalistas. “Vocês
espaço, por meio de amostras de sua gente, correram atrás de um so­­­­­­­­nho e conseguiram
todos falando a mesma língua, mas de mo- realizá-lo”, afirmou Sônia.
dos diferentes. Os crachás que estudantes e Mas as principais atividades iriam come-
professores ostentavam no peito indicavam çar no dia seguinte. Separados, professores
nomes de cidades bem brasileiras: Caiapô- e alunos seguiram para as oficinas de forma-
nia (go), Regeneração (pi), Queluz (sp), Ma- ção, divididos conforme o gênero de texto em
rataízes (es), Derrubadas (rs), Xanxerê (sc), que concorriam – poesia, memórias e artigos
Bacabeira (ma), Poconé (mt), Japaratuba (se), de opinião.
Manacapuru (am), Chalé (mg), Salinas da Mar­­­ Apenas a de poesia reunia só participan-
garida (ba), entre outras. tes do Estado de São Paulo, já que nas outras
regiões do país as semifinais dessa categoria
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de texto já haviam ocorrido: em Belo Hori-


Acolhida zonte, reuniu os participantes do Sudeste
No imenso salão de convenções, as boas- (com exceção de São Paulo); em Curitiba os
vin­das foram dadas por Claudia Sintoni, da Fun­ do Sul; em Goiânia os do Centro-Oeste; em
dação Itaú Social, e por Sônia Madi, do Cenpec,
­
Belém os do Norte; em Fortaleza e em Recife,
coordenadora pedagógica da Olim­píada. Em os do Nordeste.

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trechos das conversas. Eram antigas imagens
O dia-a-dia das oficinas
em cores ou em preto e branco. Ivani Moura
Todas as oficinas para professores e alunos da Silva, de São Gonçalo do Amarante (ce),
trataram da elaboração, revisão e reescrita escreveu ao lado da foto de seu entrevistado,
de textos, além de atividades específicas um pescador aposentado, de barbas brancas,
conforme o gênero trabalhado. Nas 17 salas ao lado de uma jangada na praia, uma frase
des­­­­­­tinadas às oficinas professores de regiões poética extraída de seu texto: “Eu continuo
diversas trocavam opiniões e experiências. pequeno pescador sentindo o cheiro do mar”.
Marta Chiva Mangabeira, de São Paulo (sp), Nas oficinas com estudantes do Ensino
que trabalhou com memórias, afirmou “que Médio que partici pam da Olimpíada com
os alunos perceberam que as pessoas mais artigos de opinião cada um pôde apresentar
velhas não são invisíveis, elas têm uma his- aos colegas o tema que abordou. Sempre ma-
tória”. Já Luiz Vicente Costa, de Poções (ba), nifestando a preocupação de intervir em suas
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disse que incentivou os alunos a observar os realidades, com uma grande variedade de as-
detalhes da pequena cidade pelas lembran- suntos e preocupações, mostravam-se agudos
ças dos entrevistados. observadores de suas comunidades. Ficavam
O ambiente nas salas das oficinas de me- surpresos e empolgados para falar sobre o
mória era propício. Todos os estudantes trou- que escreveram ao ouvir os relatos dos co-
xeram fotos de seus entrevistados, destacando legas. Numa mesma turma, um estudante do

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Rio Grande do Sul falava da preocupação blema da mecanização do corte de cana em
com o patrimônio histórico de sua cidade, en- seu município que pode trazer o desemprego.
quanto um colega da Bahia temia pela mata Mariane, que trabalha numa fábrica de calças
nativa ameaçada pelo plantio de eucaliptos; jeans e estuda à noite, baseou-se na história
outro, de Minas, estudante de uma escola do próprio pai, cortador de cana, para falar
militar, questionava a exaltação da violência. dos “Cavaleiros da cana”; ela explica que a
Alguns trataram o tema de forma criativa, a imagem usada no texto veio de um sonho:
partir da experiência pessoal. Foi o caso de “Uma vez acordei com aquela imagem do
Felipe Silva de Oliveira, que mora em Pedra cortador, parecendo um cavaleiro. Toda aque-
do Salgado, uma comunidade de mil habitan- la roupa, luva, botas faz que ele pareça estar
tes no município de Vitorino Freire (ma), que de armadura. O facão é a espada”, explica a
com bom humor, falou da polêmica entre mo- estudante.
radores do vilarejo que criavam porcos soltos Os alunos do Ensino Médio ainda tive-
pelas ruas do lugar. Já Mariane de Oliveira, ram outra empolgante atividade. A equipe
da cidade de Tamboara (pr), levantou o pro- do Cenpec preparou um movimentado jogo

João Acaiabe
Uma das atividades mais esperadas pelos alunos que
participavam da Olimpíada com textos de memórias foi
o encontro com João Acaiabe. Consagrado contador de
histórias no programa Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, e no
papel de Tio Barnabé, no Sítio do Picapau-Amarelo, da
TV Globo, o ator teve de enfrentar um desafio diferente:
contar sua própria história de vida para os adolescentes
que faziam perguntas e anotavam as histórias suscita-
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das pela memória de Acaiabe.


Depois da entrevista, os estudantes escreveram o
texto com as memórias narradas por Acaiabe. No dia
seguinte, uma atividade emocionante para o ator: ele leu
alguns textos dos estudantes e também ouviu, deles
mesmos, o que haviam escrito sobre suas histórias.

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de tabuleiro que serviu como ponto de par- do Pilar Lacerda Almeida e Silva enfatizou a
tida para os textos que deveriam escrever parceria da Fundação com o governo federal
durante uma das oficinas. Por sorteio, os na realização da Olimpíada. Todos os 150 se-
estudantes tinham de discutir, defender ou mifinalistas receberam medalhas de prata e
refutar pontos de vista sobre uma das ques- aparelhos de som.
tões polêmicas sugeridas pelo jogo: multas
de trânsito, devastação da Amazônia, redu- Em Brasília: 16 horas
ção da maioridade penal, desarmamento,
No encerramento da Olimpíada, em Brasí-
entre outros. Debates acalorados com troca
lia, no dia 1º- de dezembro, o presidente Luiz
de idéias e pontos de vista marcaram as ofi-
Inácio Lula da Silva entregou pessoalmente
cinas, enriquecendo as possibilidades para a
as 15 medalhas de ouro aos vencedores. “No
criação de seus artigos.
Brasil, nós muitas vezes somos jogados para
Mas os três dias não foram só para trabalhar
baixo. O que se viu hoje é que nenhum ser hu-
com textos. Além das oficinas, todos puderam
mano se movimenta se não estiver motivado”,
conhecer São Paulo, visitando o Centro Anti­
disse o presidente durante seu discurso. Já
go, o Museu da Língua Portuguesa e o Mu­seu
o ministro da Educação, Fernando Haddad,
Paulista, no Parque da Independência.
lembrou o bom desempenho de estudantes,
que apesar de várias dificuldades, como a im-
Passaporte para a final possibilidade de dedicar-se exclusivamente
A festa que anunciou os finalistas da ­­­­1ª- Olim­ aos estudos por precisar trabalhar, ficaram
­­­
píada
­­
de Língua Portuguesa Escrevendo o entre os finalistas da Olimpíada.
Futuro aconteceu no Teatro Abril, em São O presidente do Banco Itaú e da Fundação
Paulo. A atriz Rosi Campos, a Morgana do Itaú Social, Roberto Setúbal, destacou a par-
Castelo Rá-Tim-Bum, foi a mestre de cerimô- ceira com o governo federal na realização da
nias. Um telão exibiu uma mensagem especial Olimpíada: “A colaboração entre o setor públi-
do ministro da Educação Fernando Haddad co e o privado é fundamental para fazer frente
para os participantes. Em nome da Fundação aos desafios sociais do nosso país”, afirmou.
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

Itaú Social, Antonio Matias, vice-presidente Além das medalhas de ouro, os 15 vencedo­
da entidade, cumprimentou estudantes e pro- res e seus professores receberam computa-
fessores, destacando que a Olimpíada é parte dores e impressoras. Suas escolas ganharam
do “maior de­­­­­­­­safio do país que é oferecer edu- um laboratório de informática com dez com-
cação de qualidade para todos”. Em seguida, a putadores, uma impressora e livros para a
secretária de Educação Básica do MEC, Maria ­biblioteca.

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Como abraçar o lugar em que se vive
Quando escolas e outros serviços públicos são capazes de integrar-se
à comunidade, aproximam os alunos da vida cotidiana e da história local,
reforçando a identidade e o sentimento de pertencimento.

Maria do Carmo Brant de Carvalho

O lugar onde vivo, tema da Olimpíada de escola potencializa o chamado “efeito comu-
Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, não nidade” na aprendizagem. Sabe-se hoje o
foi proposto por acaso. Por trás dessa esco- quanto o repertório informacional e cultural
lha existe um convite: “Experimente ver pela comunitário interfere significativamente no
primeira vez o que você vê todo dia, sem ver”, interesse e aprendizado dos alunos.
como sugeria Otto Lara Resende.
Quando escolas, professores e alunos “fler- “Hoje temos, toda quarta-feira, um espaço
tam” com seu território e sua comunidade, vín- na rádio local onde os alunos selecionam
culos se potencializam, e saberes, identidades as melhores histórias (memórias) e divul-
e projetos de vida têm espaço para encontros. gam para a comunidade.”
Comunidade é aqui entendida como coletivo
Profª- Vilma Salete dos Santos Pereira
de pessoas que vivem num mesmo território (Inácio Martins – PR)
físico e se alimentam de relações de proximi-
dade: vinculam-se a redes, portam valores,
“As crianças pesquisaram sobre o muni-
cultura, identidades e projetos de futuro, co-
cípio na biblioteca, nos livros, documen-
mungam uma mesma vida cotidiana.
tos e na internet. Também receberam a
Compartilhamento fraterno – eis o sentido
visita de um escritor ‘especial’, um aluno
mais profundo do conceito comunidade que
da APAE que escreveu dois livros sobre
nem sempre se expressa, pois as vulnerabilida-
histórias do nosso município e que orga-
des e exclusões sofridas muitas vezes abafam o
nizou um pequeno museu com objetos
potencial de partilha e construção coletiva.
antigos dos colonizadores e de pedras
Os serviços públicos como escola, unida-
lascadas utilizadas pelas tribos de índios
de básica de saúde e centros de assistência
que habitavam a região e que foram en-
social carecem de base comunitária, sobre-
contradas por colonos nos seus trabalhos
tudo nas grandes cidades. Essa base é ne-
na lavoura.”
cessária para se recuperar na comunidade a
confiança perdida no serviço público. A con- Profª- Maira Joceli Pereira Miranda
fiança é o maior capital social que a comuni- (Campo Alegre – SC)
dade oferece. Quando esse capital se perde,
perde-se também a comunidade. Contextualizar a aprendizagem é uma das
Por isso solicita-se da escola e dos demais formas de mover a relação escola–comunida-
serviços públicos habilidades de acolhimen- de, enlaçando-a com cultura e participação
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to. Mais que isso: ao abraçar a comunidade, a pública.

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“Há algumas semanas foi inaugurado para a construção do ser social e percepção
um mega shopping center na região da coletividade. Se, por um lado, valores, com­
centro-sul da cidade [Curitiba]. É um portamentos, saberes e ações de um povo
bairro que não fica muito distante da em seu território são chaves para a indução
periferia e atraiu, provavelmente por desses processos, por outro, é preciso ga-
isso, inúmeros jovens residentes em rantir circulação e abertura a outros mundos
vilas vizinhas ao referido shopping. O possíveis.
fato é que seguranças do estabeleci-
mento impediram a entrada de dezenas “Assim que ouvi as primeiras propagan-
de adolescentes sob a alegação de se das da Olimpíada, tive o desejo de parti-
tratar de gangues, formadas para ‘apa- cipar. Motivar meus alunos a participar
vorar’ os clientes e lojistas com atos de era então o meu desafio. Sem dizer nada
vandalismo. sobre a Olimpíada, organizei uma excur-
Na sala de aula comentei o ocorrido e a são até Itabira – cidade vizinha à nossa e
reação dos alunos foi bombástica. Qua- berço de um dos maiores poetas do
se todos queriam emitir sua opinião si- mundo: Carlos Drummond de Andrade.
multaneamente. ‘O que são lugares pú- Itabira abriga hoje o Projeto Drummon-
blicos?’, ‘Desordeiros têm um perfil que zinho, que consiste basicamente em
os identifique?’, e por aí foi o debate, vencer barreiras sociais através da arte,
quente e acirrado. Foi necessário for- da poesia. Nós conhecemos vários dos
malizar um debate sobre a polêmica ‘caminhos drummondianos’ acompanha-
criada: ‘Grupos com cinco ou mais ado- dos por um dos Drummonzinhos do pro­
lescentes, com as características já ci- ­jeto, que, além de contar a história de
tadas não podem entrar no shopping’. sua cidade, declamou divinamente di-
Você é contra ou a favor?” versas poesias de Drummond. Os mo-
Profª- Ades Nascimento mentos de declamação, a reação dos
(Curitiba – PR)
meus 34 alunos diante daquele adoles-
cente, no meio da rua, com barulho de
“A comunidade/cidade tem sempre suas carro, gente conversando... me fizeram
questões polêmicas: ‘A chegada de es- ter mais certeza ainda que a nossa parti-
trangeiros, comprando terras em nossa cipação nessa Olimpíada aconteceria de
cidade, trará desenvolvimento e geração maneira significativa.”
de emprego ou será outra forma de co-
Profª- Claydes Regina Ricardo
lonização?’”. (Santa Bárbara – MG)
Profª- Francisca Elane Costa
(Camocin – CE) Por isso é importante compreender a idéia
de coalizão com a comunidade e com o terri-
Construir argumentos e contra-argumen- tório como algo mais fundo. O conhecimento
tos para elaborar um artigo de opinião confe- que a escola e seu currículo propõem precisa
re à escrita uma possibilidade em geral pouco envolver a prosa e a poesia que habitam os di-
explorada nas escolas: alunos-autores ins- ferentes espaços e sujeitos capazes de ensi-
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

crevendo-se como cidadãos que podem tornar nar. Caso contrário, a aprendizagem de crian-
público aquilo que pensam e sentem a respei- ças e adolescentes corre o risco da clausura.
to do lugar onde vivem.
O sentido de pertença e a iniciação ao Maria do Carmo Brant de Carvalho, doutora em Serviço
mundo público são exercícios fundamentais Social pela PUC – SP, é coordenadora-geral do Cenpec.

9
Minha vida
Composição de Luiz Ruffato, corrigida pela professora D. Aurora

Agora tem um ano que mudamos para a nossa casa no Paraíso. Ela ainda
não está pronta. Falta emboçar as paredes de fora e pintar as de dentro, mas,
orgulhoso, meu pai fala que pelo menos já não precisamos mais ter medo de ficar
sem dinheiro no fim do mês para pagar o aluguel.
Uma correria danada durante a construção. Todos ajudaram. No dia de bater a
laje, os colegas do meu irmão da Manufatora organizaram um mutirão. Parecia um
caminho-de-formiga: lá embaixo, os que misturavam areia, cimento, pedra-britada
e água; lá em cima, os que espalhavam a massa sobre o madeirame; e entre uns e
outros, os baldes transbordando passavam de mão em mão. Eu mesmo, nesse dia,
fiquei numa lufa-lufa sem fim: montado na bicicleta Phillips, freio contra-pedal,
pneu-balão, que meu pai tinha comprado de segunda-mão para mim, emendei várias
viagens entre a Vila Teresa e o Paraíso, carregando sacos de pão-com-molho-de-
tomate e garrafões de quissuco que minha mãe e minha irmã faziam.
Aquilo lembrava mesmo um caminho-de-formigas, que, depois que o sol morre,
eu e meu pai combatemos nos altos dos pastos. São cabeçudas, que arrancam
sangue da gente, as enfezadas. Nosso bairro ainda não tem luz. A água tiramos
de um poço de vinte metros de fundura, com uma bomba Marumby. Todos nós nos
revezamos para garantir o banho e para minha mãe cozinhar e lavar roupa para
fora. Hoje são dez trouxas, mas já foram umas quinze por semana.
Eu sinto falta da Vila Teresa. Quando no ano passado o caminhão encostou
para levar a mudança, corri para o quintalzinho, onde vivia em camaradagem com
lesmas, grilos, paquinhas, minhocas, e até um sapo-boi, na estação das águas, e
abri o bué. Não tenho vergonha, solucei mesmo. Ali passei os melhores anos da
minha vida, brincando de bola no campinho, de pique na chácara, indo à escola... Eu
possuía um gato, branquinho-branquinho, de rabo assustado, chamado Ronrom.
Ele veio preso dentro de um saco-de-estopa, porque falaram que não podia ver
o caminho, senão voltava para a casa antiga. Durante o trajeto, preocupado se
ele estava sentindo falta de ar, deixei que pusesse a cabeça para fora. Bastou a
gente chegar no Paraíso e ele sumiu. Passei vários dias andando de um lado para
o outro, especulando sobre ele, mas nunca mais ouvimos o miado do Ronrom.
Ainda hoje penso que se não tivesse deixado ele olhar a paisagem...
Mas minha mãe disse que os gatos são assim mesmo, desagradecidos, e
prometeu me dar um cachorro de presente de aniversário. Ele vai se chamar
Joli, um nome bonito que ouvi na Praça Santa Rita, onde meu pai vende pipoca.
Ele tem um carrinho verde e, de vez em quando, me deixa tomando conta para
eu poder aprender a “não ter medo de trabalho”. Apareceu lá certa feita um
adestrador com um pastor-alemão e o bitelo só faltava falar, porque entender,
ele entendia tudo. O senhor mandava ele deitar, rolar, sentar, ficar paradinho feito
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

10
estátua, buscar um pedaço-de-pau-lá-longe, e todos batiam palmas, encantados.
Só quando pediu para tirar o chapéu do meu pai é que não gostei, porque ele
levou um susto e quase caiu de costas e o povo morreu de rir (eu também, mas
disfarcei). Este pastor alemão é que se chamava Joli.
Está sendo difícil adaptar aqui, porque antes a gente vivia num cortiço, mas
com água encanada e luz elétrica e a rua, calçada de paralelepípedo, era perto do
centro. Atravessávamos a ponte nova e já estávamos na Praça Rui Barbosa, onde
meu irmão e minha irmã rodavam no sábado à noite. Lá estão os dois cinemas da
cidade, a padaria mais bonita, as maiores lanchonetes, os bancos e, para tristeza
do meu pai, coitado, o melhor ponto para vender pipoca, ocupado pelo xará
dele, seu Sebastião Lopes. A Praça Santa Rita não oferece nada, só a missa da
Igreja Matriz e a fonte-luminosa. Mas o lugar, escuro, por causa das árvores que
escondem a iluminação dos postes, só acolhe quem não presta, como diz a minha
mãe. Imagina então a freguesia do meu pai... Mas na Vila Teresa também havia
inconvenientes. O correio de casas, muito perto do rio Pomba, ficava coberto
pelas águas quando vinha a enchente.
A minha irmã detesta o Paraíso, porque é longe e feio. Na hora de trabalhar,
ela tem que ir a pé até o Beira-Rio para pegar um ônibus. Ela acorda antes do sol
e desce a morraria xingando e lamentando o dia em que nasceu. Ela reclama da
poeirama, na estiagem, e do barro, na época das chuvas. E vive ameaçando que
um dia se casa com alguém só para ir embora. Aí minha mãe fica brava, porque
ela fala que quis sair da Vila Teresa para dar uma vida mais digna para os filhos,
mas principalmente para minha irmã, onde já se viu criar uma menina no meio
de marginais e mulheres-da-vida? Meu irmão entra na discussão e acusa minha
irmã de ser é metida, que ela tem um rei na barriga, e que ao invés de louvar a
família que tem, cospe no prato que come. E meu pai, que não gosta de confusão,
começa a assobiar, a cantar, sai de fininho, e só volta quando colocaram uma
pedra sobre o assunto.
Agora, que estou terminando o primário, meu pai avisou que vai me inscrever
no Senai, para eu poder aprender uma profissão. Ele quer que eu seja torneiro-
mecânico que nem meu irmão, e sonha um dia a gente ir para São Paulo para
trabalhar nas fábricas de carro, que é onde está o futuro, ele acha. A minha mãe
chora só de pensar nisso, porque por ela nós nunca vamos nos separar. Mas meu
irmão já recebeu até proposta de emprego em Diadema, que, dizem, é longe. E
minha irmã está namorando firme e deve casar mesmo, não demora muito. Eu
fico triste, porque só vai restar eu e devo seguir também para fora. Mas eu não
queria ser torneiro-mecânico, queria mesmo era ser bancário do Banco do Brasil,
que nem o marido da Dona Aurora.

“Minha vida” é uma composição escolar escrita por um aluno do quarto


ano primário do Grupo Escolar Flávia Dutra, de Cataguases, corrigida
pela professora Dona Aurora Silveira, e conta um pouco o momento
de mudanças em sua vida. Mudança de casa, de bairro, de amigos, e,
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

principalmente, de perspectivas. A continuação da história do menino


Luiz Ruffato está, de certa maneira, contada no livro De mim já nem se
lembra, publicado em 2007 pela Editora Moderna.

Luiz Ruffato é escritor, nasceu em Cataguases (MG). Tem publicados


Eles eram muitos cavalos e o projeto Inferno Provisório, composto por
cinco volumes, dos quais quatro já lançados: Mamma, son tanto felice,
O mundo inimigo, Vista parcial da noite e O livro das impossibilidades.

11
O gênero textual crônica
Heloisa Amaral

A palavra “crônica”, em sua origem, está tantes escritores começam a usar as crôni-
associada à palavra grega “khrónos”, que cas para registrar, de modo ora mais literá-
signi­fi ca “tempo”. De khrónos veio chronikós, rio, ora mais jornalístico, os acontecimentos
que quer dizer “relacionado ao tempo”. No sociais de sua época, publicando-as em veí-
latim existia a palavra “chronica” para desig- culos de grande circulação.
nar o gênero que fazia o registro dos aconte- Os autores que escrevem crônicas como
cimentos históricos, verídicos, numa seqüên- gênero literário recriam os fatos que relatam
cia cronológica, sem um aprofundamento ou e escrevem de um ponto de vista pessoal, bus-
interpretação dos fatos. Como se comprova cando atingir a sensibilidade de seus leitores.
pela origem de seu nome, a crônica é um gê- As que têm esse tom chegam a se confundir
nero textual que existe desde a Idade Antiga com contos. Embora apresente característi-
e vem se transformando ao longo do tempo. ca de literatura, o gênero também apresenta
Justificando o nome do gênero que escreviam, características jornalísticas: por relatar o
os primeiros cronistas relatavam, principal- cotidiano de modo conciso e ser publicadas
mente, aqueles acontecimentos históricos em jornais, as crônicas têm existência breve,
relacionados a pessoas mais importantes, isto é, interessam aos leitores que podem
como reis, imperadores, generais etc. partilhar esses fatos com os autores por te-
A crônica contemporânea é um gênero rem vivido experiências semelhantes.
que se consolidou por volta do século XIX, As características atuais do gênero, po-
com a implantação da imprensa em pratica- rém, não estão ligadas somente ao desenvol-
mente todas as partes do planeta. A partir vimento da imprensa. Também estão intima-
dessa época, os cronistas, além de fazerem mente relacionadas às transformações so-
o relato em ordem cronológica dos grandes ciais e à valorização da história social, isto é,
acontecimentos históricos, também passa- da história que considera importantes os mo-
ram a registrar a vida social, a política, os vimentos de todas as classes sociais e não só
costumes e o cotidiano do seu tempo, publi- os das grandes figuras políticas ou militares.
cando seus escritos em revistas, jornais e No registro da história social, assim como na
folhetins, ou seja, de um modo geral, impor- escrita das crônicas, um dos objetivos é
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

12
mostrar a grandiosidade e a singularidade No Brasil, a partir da segunda metade do
dos acontecimentos miúdos do cotidiano. século XIX, muitos autores famosos passa-
Ao escrever as crônicas contemporâneas, ram a escrever crônicas para folhetins. Coe-
os cronistas organizam sua narrativa em pri- lho Neto, José de Alencar, Machado de Assis
meira ou terceira pessoa, quase sempre como estavam entre aqueles que sobreviviam do
quem conta um caso, em tom intimista. Ao jornalismo enquanto criavam seus romances.
narrar, inserem em seu texto trechos de diálo- Os cronistas, atualmente, são numerosos
gos, recheados com expressões cotidianas. e costumam ter, cada um deles, seus leitores
Escrevendo como quem conversa com fiéis. Hoje, os cronistas nem sempre são ro-
seus leitores, como se estivessem muito mancistas que escrevem crônicas para ga-
próximos, os autores os envolvem com refle- rantir sua sobrevivência. Há aqueles que vêm
xões sobre a vida social, política, econômica, do meio jornalístico ou de outras mídias,
por vezes de forma humorística, outras de como rádio e TV. Por isso, a publicação do gê-
modo mais sério, outras com um jeito poéti- nero também ocorre em meios diversificados:
co e mágico que indica o pertencimento do há cronistas que lêem suas crônicas em pro-
gênero à literatura. gramas de TV ou rádio e outros que as publi-
Assim, uma forte característica do gênero cam em sites na internet.
é ter uma linguagem que mescla aspectos da Pelo fato de os autores serem originários
escrita com outros da oralidade. Mesmo de diferentes campos de atividade e de pu-
quando apresenta aspectos de gênero literá- blicarem seus textos em várias mídias, as
rio, a crônica, por conta do uso de linguagem crônicas atuais apresentam marcas dessas
coloquial e da proximidade com os fatos co- atividades. Por isso, há, atualmente, diferen-
tidianos, é vista como literatura “menor”. Ao tes estilos de crônicas, associados ao perfil
re­gistrar a obra de grandes autores, como de quem as escreve. Todos os estilos, porém,
Machado, por exemplo, os críticos vêem seus acabam por encaixar-se em três grandes gru-
romances como verdadeiras obras de arte e pos de crônica: as poéticas, as humorísticas
as crônicas como produções de segundo plano. e as que se aproximam dos ensaios. Estas úl-
Essa classificação como gênero literário me- timas têm tom mais sério e analisam fatos
nor não diminui sua importância. Por serem políticos, sociais ou econômicos de grande
breves, leves, de fácil acesso, envolventes, importância cultural.
elas possibilitam momentos de fruição a mui-
tos leitores que nem sempre têm acesso aos Heloísa Amaral é mestre em educação, autora do Caderno
romances. do Professor – Pontos de vista.
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

13
Esses cronistas maravilhosos
e suas palavras voadoras
Jorge Miguel Marinho

A história que agora passo jornalístico, hoje significativamente literá-


a contar do início rio, que ainda resiste a uma classificação
formal, é tão presente no processo de forma-
explica em grande parte ção da Literatura Brasileira e igualmente tão
por que ainda acredito no singular na afirmação das nossas Letras que
ser humano se pode dizer, com segurança, que a crônica
é um modo muito nosso de ser.
– ô, raça!
Tutty Vasques
E de onde vem a crônica?
Machado de Assis, como a maioria dos
A crônica aqui entre nós se casou tão bem nossos escritores, também foi cronista e, jun-
com o espírito brasileiro, com a vontade de to com José de Alencar e Joaquim Manuel de
se confessar nas coisas miúdas e extrair de- Macedo, fez parte do primeiro time de “cães
las uma história maior, com o calor afetivo farejadores do cotidiano” – numa expressão
de um povo que, espontâneo nos atos, se feliz de Antonio Candido para registrar a
quer espontaneamente expressivo na lingua- avidez pela “reportagem da vida” que pro-
gem também, com as necessidades de um gressivamente vai se tornar na nossa tradição
país novo que busca a sua identidade com os literária um encontro único entre literatura e
olhos no mundo e um olhar mais decisivo no jornalismo, gênero que os escritores brasi-
local, com aquela versatilidade camaleônica leiros dominam como poucos e, por que não
que precisa de muitas vozes e muitas formas dizer?, como ninguém.
de expressão para se auto-afirmar, com a Pois é o nosso Machado mesmo que, brin-
pressa de leitura de um mundo que tem ur- cando seriamente e se autodenominando “es-
gência de se ver e se reconhecer nas suas criba das coisas miúdas”, desvenda “O nasci-
palavras e no seu lugar – que este gênero mento da crônica”, não por acaso numa crônica
com este mesmo título, afirmando e fabulando
com aquele humor inteligente que a natureza
ou a origem da crônica nasce de uma trivialida-
de como exclamar “Que calor!”, para depois
conjecturar “acerca do sol, da lua, da febre
amarela, dos fenômenos atmosféricos” e
outros calores da alma humana. E mais: que
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

14
esse tom tão trivial e aparentemente bisbilho- Escolhe teu diálogo
teiro da crônica é mais velho do que Esdras, e
Abraão, Isaque e Jacó, sugerindo para nós tua melhor palavra
leitores que é mais velho até do que Noé,
ou
que – por essas veredas da fábula, não é ne-
nhum pecado imaginar – muito provavelmente teu melhor silêncio
se utilizou do ritmo exclamativo e prosaico da Mesmo no silêncio e com o silêncio
crônica para anunciar ou quem sabe irradiar a Dialogamos.
iminência do maior dilúvio de todos os
tempos, ameaça ou notícia esta em que, com Só para iluminar mais a simplicidade e a
a graça de Deus, teve gente que acreditou. sutileza, por vezes, até refinada da crônica, é
É isto: por seu caráter de prosa, colóquio, quase uma sorte poder recorrer também às
confissão, comunicação imediata, “graça”, palavras de Manoel de Barros, hoje carinho-
sentido telegráfico, urgência, trivialidade e samente acolhido por leitores de todas as ida-
até mesmo brincadeira, ainda que o tema so- des como “o grande poeta das coisas peque-
licite o tom da seriedade, não dá para precisar nas”, entendendo que ele levou a “herança e a
em que época nasceu a crônica, mas é muito ciência da crônica” para os seus poemas em
provável (e ainda quem nos alerta é Machado) prosa e avisa, com voz de cronista, que “para
que a crônica aconteceu pela primeira vez apalpar as intimidades do mundo”, labor pre-
quando as duas primeiras vizinhas, depois cioso da crônica, “é preciso saber que o es-
das tarefas do jantar, se sentaram na porta de plendor da manhã não se abre com faca” e
casa para papear sobre o dia e agarrar a tran- que, no jogo literário, a gente tem de saber
sitoriedade da vida com palavras triviais e muito bem “como pegar na voz de um peixe”.
“voadoras” porque aparentemente dispersas, Enfim, como pegar com as palavras as pe-
palavras com ar de coisa nenhuma, mas no quenas coisas, agarrar o grande com a sabe-
fundo necessárias e urgentes como o impulso doria do miúdo, revelar a dimensão humana
natural de comunicação entre dois amigos – nas suas porções mínimas, escutar a vida co-
escritor e leitor – que, se confessando no rés- tidianamente, atenções estas presentes em
da-calçada e nas miudezas da vida, revelam a todos os tempos e em todas as formas literá-
complexidade da condição humana e a expe- rias, mas em nenhum deles com o sentido de
riência única de viver. permanência, a singularidade e o “à vontade”
Carlos Drummond de Andrade, que, como do ofício de ser cronista.
Rubem Braga e Clarice Lispector, imprimiu
poesia e estados de alma à crônica, diria me-
lhor, sugerindo, por sua vez, num poema, o
E aqui no Brasil dá para
sentido atávico e até mesmo inexorável da situar o começo da crônica?
linguagem como busca do outro e, por ser raiz A crônica como gênero literário só vai
e matéria tão antiga e presente na natureza aparecer em 1854 com José de Alencar escre-
humana, ilustra muito bem a origem remotís- vendo para o jornal Correio Mercantil o fo-
sima da crônica, para usar uma imagem nossa, lhetim “Ao correr da pena”, título sugestivo
“um vôo breve com o tempo da eternidade”, para ilustrar a leveza e o tom corriqueiro da
puríssimo diálogo: matéria que comentava desde a presença da
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

15
máquina de costura que roubava a graça do escritas como uma espécie de subjetividade
dedilhar das agulhas, passando pela euforia coletiva.
tola das danças e dos costumes que invadem É fato mais que conhecido no universo das
o Rio de Janeiro, até o furor especulativo da palavras que o clima de conversa ao pé do ou-
época e a indiferença da nação diante da vido da crônica, tocante e ao mesmo tempo
Guerra da Criméia. volátil, e que Manuel Bandeira, cronista na
Mas o espírito de cronista já está presente prosa e cronista na poesia, chamou puxa-pu-
na “certidão de nascimento” da Literatura xa, provoca no leitor um desejo enorme de es-
Brasileira: a carta de Pero Vaz de Caminha, crever crônica também.
que, com o entusiasmo de cronista, a precisão Por tanta expressividade e tantas formas
no registro objetivo e circunstancial do fato e de expressão, vale fazer um percurso de lei-
um certo tom segredado da conversa de co- tura pelos labirintos da crônica desde João
madres escrita com “engenho e arte”, relata a do Rio e Lima Barreto, que chegaram a criar
el-rei D. Manuel, com olhos de descobridor in- personagens, sátiras, e mesclar ficção e rea-
teressado, os benefícios e os malefícios da lidade nos seus folhetins dos primórdios do
Terra de Vera Cruz. século XX, até os mais atuais, que escrevem
Isso ainda não é arte literária, mas o ofício diariamente para as mais conhecidas revistas
de cronista é a primeira voz, ainda que embrio­ e jornais brasileiros, como André Sant’Anna,
nária, das nossas Letras e vai ocupar um que chega a suprimir a pontuação para “per-
lugar de destaque a partir de meados do sé- der o fôlego” de tanto ódio e adoração por
culo XIX na Literatura Brasileira, persistindo São Paulo, Antonio Prata, que vai ao ápice
como uma espécie de “idioma nacional” e da auto-ironia amorosa de sua própria classe
compondo uma galeria de cronistas maravi- social, ou Tutty Vasques, que, com o eterno
lhosos que, com suas palavras voadoras, soli- espírito solidário da crônica, confessa que
dárias ao registro factual e aos vôos imagi- é cronista “porque ainda acredita no ser
nários, mais parecem uma comunidade de humano”.
alquimistas que vão das memórias aos flagran- É isto: nesse trajeto tão humanamente nos-
tes do dia-a-dia, da piada às inquietações so que recupera e reassume algo da versatili-
metafísicas, do diário às digressões filosófi- dade do herói Macunaíma enquanto “história
cas, do ultimato às cartas literárias, dos de busca” e constante desejo de se reinventar,
apelos de alma à ironia mordaz, da denúncia a nossa crônica avança e retorna no tempo
social à contemplação introspectiva, das criando novos modos de cultivar, na própria
confissões poéticas ao comentário chulo, do respiração das palavras, o ofício de contar e
humor à compaixão, da “bolsa à vida”, ape- elegendo sempre o tema da “solidariedade”
nas para registrar seus extremos.
Em todos o tom da oralidade e o sentido
da solidariedade fazem do leitor um inter-
locutor que se reconhece na matéria, sempre
expressa com fôlego de experiência vivida,
até mesmo como co-autor dessas páginas
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

16
entre cronistas e leitores como norte da expe- E, para provisoriamente
riência imperdível de ler. E é por essas veredas
pôr um ponto final nessas
de sensível e puríssima comunicação que ela
veio se aclimatando desde os “tempos que já linhas que já estão com
lá vão” com a pena missionária do padre Ma- vontade de virar crônica,
nuel da Nóbrega ou do padre José de Anchieta
como vai ela hoje em dia?
no Quinhentismo e se firma progressivamente
nas décadas de 1930 e 1950 de forma única e
“Muito bem, obrigada”, ela grita leve e sol-
originalíssima no Brasil, acolhendo o que as
ta nas entrelinhas dessa conversa ligeira,
vanguardas ofereciam de melhor nos idos de
sempre abusando lindamente da liberdade de
22, entrando no ritmo da bossa nova com a
expressão que é seu território livre para o
aparente simplicidade de quem conta e faz “re-
trânsito das idéias. Isso porque, quando se lê
portagem da vida” com uma nota só, festejan-
uma crônica que é crônica mesmo, coisa que
do ou não a criação de Brasília, comemorando
só lendo para descobrir, a gente se perde no
a primeira vitória da copa do mundo, “cami-
tempo imemorial de todos os tempos sem o
nhando contra o vento sem lenço nem docu-
menor interesse de se achar, a gente fica
mento” nas passeatas e comícios dos anos
como Carlos Heitor Cony naquela crônica que
sessenta, transitando sempre na contramão
conta a sua história de amor com a sua cade-
dos artifícios e de toda e qualquer ditadura de
linha “Mila”: com a breve eternidade da crônica
expressão, por estar a serviço da vida, a parte
que, igual à cachorrinha, nunca quer ser maior
melhor de toda essa sua história.
do que a nossa alegria ou tristeza, a gente
Pensando mais uma vez junto com Antonio
“perde o medo do mundo e do vento” e fica
Candido, ela, a nossa crônica, “pode servir de
com saudade das crônicas que ainda não leu.
caminho não apenas para a vida que ela serve
de perto, mas para a literatura”, como que- Jorge Miguel Marinho é professor de literatura,
rem, do fundo do coração e na memória do escritor, ator e roteirista. Entre as obras publicadas
tempo, todos os cronistas ou folhetinistas estão Te dou a lua amanhã, prêmio Jabuti; Na curva das
de fato, como eles eram chamados, nesse emoções, prêmio APCA; O cavaleiro da tristíssima fi-
nosso país tão cronicamente tropical. gura, prêmio HQMIX; Lis no peito, prêmio Jabuti.

Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

17
uma prosa bem afiada
“(...) ao cronista compete ser registrador do tempo,
o seu particular e aquele em que mais alargadamente vive.”
José Saramago (1986 apud Neves, 1995)

Num tom bem-humorado, sensível, despretensioso, o cronista emociona, envolve, ajuda o


leitor a refletir criticamente sobre questões sociais, atos e sentimentos humanos. O cronista
usa uma linguagem simples, espontânea, quase uma conversa. Narra com naturalidade fatos
corriqueiros, miudezas do comportamento das pessoas, trazendo à tona a vida da cidade.
Para aproveitar esse clima de proximidade, de identificação entre autor e leitor, propiciado
pela crônica, preparamos, para você, professor, algumas sugestões de atividades de leitura e
escrita que podem ser desenvolvidas em sala de aula.

De que falam as crônicas?


Escolha uma crônica instigante e prepare o material para a roda de leitura. Providencie
cópias do texto para que os alunos possam acompanhar a leitura. Convide-os a ouvir as
com atenção a leitura da crônica. Pergunte se eles costumam ler as crônicas que são publicadas
em jornais, revistas, livros, ou já ouviram em áudio, CD. Pergunte também se eles sabem quais
são os temas preferidos pelos cronistas.

Conheça o que os alunos já sabem em relação ao gênero crônica.

Crônicas de ontem e de hoje textos para os alunos. Para facilitar a leitu-


Pesquise crônicas bem interessantes. ra e escolha dos trechos, organize-os num
Procure mesclar textos de escritores mural ou varal, ou disponha-os no chão da
que foram cronistas importantes do início do sala de aula. Peça aos alunos que leiam os
século XX (João do Rio, Machado de Assis, vários trechos e selecione um de sua prefe-
José de Alencar, Graciliano Ramos, Rachel rência. Faça um quadro na lousa e preencha
de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade...) os dados junto com os alunos. Organize uma
e outros dos dias atuais ( Mário Prata, João roda de conversa para que eles comentem e
Ubaldo, Luís Fernando Veríssimo, Affon- comparem os assuntos das crônicas, a época
so Romano Sant’anna, Ivan Ângelo, Walcyr em que foram escritas e a linguagem usada
Carrasco, Fernando Sabino...). Apresente os pelos autores.

TÍTULO AUTOR ÉPOCA ASSUNTO


Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

Hábitos e comportamentos dos


Ser brotinho Paulo Mendes Campos 1960
jovens no início da década de 1960

... ... ... ...

18
[...] Ser brotinho é desdizer de enfeites
e pinturas, e fazer uma cara lambida, arru-
mar os cabelos no vento, apagar o corpo
dentro de um vestido em graça de doer,
mas ir por aí espalhando fagulhas pelos (...) O que é uma flor?
olhos. Ser brotinho é lançar fagulhas pelos Será esta criação vegetal que na prima-
olhos. [...] Ser brotinho é possuir vitrola vera se abre do botão de uma planta?
própria, perambular pelas ruas do bairro Não: a flor é o tipo da perfeição, é a mais
com um ar sonso – moderninho –, vagaren- sublime expressão da beleza, é um sorriso
to, abraçada a uma porção de elepês esfu- cristalizado, é um raio de luz perfumado.
ziantes. É dizer a palavra feia precisamente Por isso há muitas espécies de flor.
no instante em que essa palavra se faz im- Há as flores do vale — mimosas criaturas
prescindível e tão inteligente e superior.... que vivem o espaço de um dia, que se ali-
“Ser brotinho”, Paulo Mendes Campos. mentam de orvalho, de luz e de sombras.
O cego de Ipanema.
Há as flores do céu — as estrelas, — que
Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, p. 15.
brilham à noite no seu manto azul, como os
olhos de uma linda pensativa.
“Falemos das flores”, 1855, José de Alencar.
Ao correr da pena. 2ª- ed. São Paulo:
A caminho de casa, entro num botequim da Melhoramentos, s. d. pp. 309-312.
Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na
realidade, estou adiando o momento de escrever.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar ins-
pirado, de coroar com êxito mais um ano nesta A Rua do O
uvidor con
fumarias, e tou diversa
busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de , por conse
qüência, d
s lojas de p
er-
cheirosa, m ev ia
cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida ais perfum ser a rua m
do Rio de a d a entre todas a is
diária algo de seu disperso conteúdo humano, fru- Janeiro. as da cida
E todavia n d e
to da convivência, que a faz mais digna de ser vi- ão o era!...
Com efeito
não havia n
vida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nes- de aromas,
de perfum
em há rua
mais opule
ta perseguição do acidental, quer num flagrante banhas e d e s, d e pastilhas nta
e pomadas odoríferas,
isso encerr d e ótimo ch de
de esquina, quer nas palavras de uma criança ou ado em vid eiro; mas
quenas caix rinhos, em tu do
num incidente doméstico, torno-me simples es- as bonitas frascos e e
Rua do Ou que mantin m pe-
pectador e perco a noção do essencial... vidor tão in ham e man
Atualmente odora com têm a
de noite ob o as outras d
“A última crônica”, Fernando Sabino. Elenco de cronistas Naquele te serva-se o e dia.
mpo, poré mesmo fato
modernos por Carlos Drummond de Andrade e outros. Demarais, m, isto é, .
e ainda de nos tempo
Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 259. fácil e reta pois, a Ru s do
comunicaç a do Ouvid
mais freqü ão com a p or, de
entadas pe raia, era u
tes barris, lo s condutores m a das
das oito ho dos repugn
ras da noit an-
“A Rua do e até às de
Ouvido r ”, Joaqu
z
im Manuel
Rio de Jan Memórias de Maced
eiro: Tip. da rua do o.
Persevera Ouvidor.
nça, 1878,
pp. 99-101
.
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

Aproxime os alunos do gênero textual crônica.

19
Da notícia à crônica mais impessoal possível, evitando ambigüi-
dade. Esclareça que o escritor Moacyr Scliar
publica semanalmente uma crônica, com base
“Cobrador usa intimidação como
numa notícia veiculada no jornal. Faça uma
estratégia. Empresas de cobran- leitura dramatizada, usando a entonação (voz,
ça usam técnicas abusivas, como pausa, gestos, mímica...) para expressar o
tornar pública a dívida.” diálogo estabelecido entre o marido e a mu-
Cotidiano, 10 setembro de 2001 lher. Em uma roda de conversa, explore com
os alunos a sensibilidade do escritor Moacyr
Scliar em construir, com base na notícia, uma
Mostre para o grupo trecho da notícia crônica bem humorada. O autor usa um tom
publicada no caderno Cotidiano, do jornal irônico, expressões típicas do discurso fami-
Folha de S. Paulo, em 10 de setembro de 2001. liar para revelar as desavenças na vida do ca-
Retome com os alunos o principal objetivo da sal. Aproveite e analise junto com os alunos
notícia: relatar o fato ocorrido de maneira o os recursos utilizados pelo cronista:

Cobrança
Ela abriu a janela e ali estava ele,
diante da casa, caminhando de um
cujos dizeres atraíam a atenção dos lado para outro. Carregava um cart
passantes: “Aqui mora uma devedora az,
— Você não pode fazer isso comigo inadimplent e”.
– prot estou ela.
— Claro que posso – replicou ele.
— Você comprou, não pagou. Voc
cobrador. Por diversas vezes tent ei ê é uma devedora inadimplent e. E
lhe cobrar, você não pagou. eu sou
— Não paguei porque não tenho dinh
eiro. Esta crise...
— Já sei – ironizou ele. — Voc
ê vai me dize r que por causa daq
negócios fi­caram prejudicados. Prob uele ataque lá em Nov a York seu
lema seu, ouviu? Problema seu s
estou fazendo. . Meu problema é lhe cobrar. E é o que
— Mas você podia fazer isso de uma
forma mais discreta...
— Negativo. Já usei todas as form
as discretas que podia. Falei com voc
de cont a que nada tinha a ver com ê, expliquei, avisei. Nada. Você fazi
o assunto. Minha paciência foi se a
recurso: vou ficar aqui, carregando esg otan do, até que não me restou outro
este cart az, até você saldar sua dívid
Neste momento começou a chuvisca a.
r.
— Você vai se molhar – advertiu ela.
— Vai acabar ficando doente.
Ele riu, amargo:
— E daí? Se você está preocupada
com minha saúde, pague o que deve
— Posso lhe dar um guarda-chuva... .
— Não quero. Tenho de carregar o
cart az, não um guarda-chuva.
Ela agora estava irrit ada:
— Acabe com isso, Aristides, e
venha para dentro. Afinal, você é
— Sou seu marido – retrucou ele meu marido, você mora aqui.
– e você é minha mulher, mas eu
devedora. Eu a avisei: não compre sou cobr ador profi ssional e você
essa geladeira, eu não ganho o sufi é
você não me ouviu. E agora o pess cien te para pagar as prestações. Mas não,
oal lá da empresa de cobrança que
Que perca meu emprego? De jeito r o dinheiro. O que quer você que
nenhum. Vou ficar aqui até você eu faça?
cumprir sua obrigação.
Chovia mais fort e, agora. Borrada,
a inscrição tornara-se ilegível. A
andando de um lado para o outro, ele, isso pouco importava: cont inua
diante da casa, carregando o seu va
cart az.
(Moacyr Scliar. O imaginário cotid
iano. São Paulo: Global, 2001.)
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

• Usa 1ª- pessoa do verbo, singular


e plural.
• Usa discurso direto no diálogo,
verbos de dizer.
• Traz aspectos de oralidade para
a escrita: expressões de conversa
• Part ilha fatos cotidianos com familiar/íntima, repetições, pron
seu leitor, dando singularidade ome você.
• Usa marcas de tempo e luga r a eles.
que revelam fatos cotidianos.

Moacyr Scliar nasceu em Port


o Alegre em 23/3/1937. É mem
de 55 livros, em vários gêneros: bro da Acadenia Brasileir a de
conto, romance, crônica, ensa Letr as, autor
adaptados para cinema, televisã ios. Recebeu vários prêmios e
o, teatro e rádio. tem trabalhos

20
Amplie o repertório dos alunos por meio da leitura de crônicas.

tando uma dose de ficção, lirismo ou mesmo


Agora, os alunos são de humor. Por exemplo, se a notícia escolhi-
os cronistas da for sobre o riso, pergunte ao grupo se eles
Traga para a sala de aula notícias pu- riem com freqüência, em que situações cos-
blicadas em diversos jornais. Organize tumam “cair na gargalhada”, se em seu grupo
com os alunos um mural com essas notícias de amigos há alguém que está sempre rindo,
e convide-os a lê-las. Peça-lhes que as ana- ou faz todo mundo rir? Direcione a conversa
lisem e escolham entre elas uma que, na opi- para seleção de situações que possam contri-
nião deles, pode originar uma boa crônica. buir para dar o tom literário para a elaboração
Diga aos alunos que vamos escrever a crôni- do texto.
ca coletivamente, pois isso possibilita a troca Retome as idéias sugeridas pelos alunos
de experiência e a negociação entre alunos e e vá anotando-as e escrevendo na lousa os
professor. parágrafos iniciais. Durante a produção cole-
Lembre à turma que o ponto de partida tiva faça perguntas e dê orientações que aju-
para a escrita da crônica é o próprio aconte- dem o grupo na elaboração da crônica. Essa
cimento relatado na notícia e o cronista vai versão inicial do texto deverá ser aprimorada
colocar a sua visão pessoal do fato, acrescen- no decorrer do processo.

za,
Sobre o riso Em dez anos, dobrou
o m d elicade
C
o uso de bicicletas e passe
Por que rimo
s? Linha d mília
fa
Ninguém sa De acordo com a pesquisa, mostra ria de SP
be. O riso te fe
uma qualida m o uso da bicicleta cresceu da peri ília na
de universal: principalmente para m
e uma fa lo (SP)
todas as cult A vida d P au
uras têm viagens curtas e na periferia. de São
seus contado periferia ara sobreviver
res de piadas. A pesquisa também ta p
e sua lu s são os
E, mesmo qu mostrou que pela primeira z a r sonho
e a piada e reali o filme
ntrais d 2008),
tenha graça
só para uma vez desde 1977 o número itens ce s e (Brasil,
e p a s
cultura, as p de pessoas que utilizam Linha d s e Dan
iela
essoas reagem e W a lt er Salle à s
transporte motorizado coletivo d ega
sempre da m , que ch (5).
esma forma. ultrapassou o daqueles que Thomas s e x ta-feira
n e s ta
telonas
usam veículos individuais.

Produza coletivamente a versão inicial da crônica.

É crônica?
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

Providencie cópias da crônica “ História de cheiros” para os alunos para que eles acom­
panhem a leitura (ou podem ler em duplas). Se isso não for possível, copie o texto na
lousa ou numa grande folha de papel. Planeje bem a leitura da crônica. Após a leitura, proponha
uma roda de conversa. Deixe os alunos manifestarem sua compreensão e opinião sobre o texto.
Para melhor explorar as características da crônica, prepare tarjas com observações sobre os
recursos utilizados pelo autor. Proponha aos alunos que releiam com atenção a crônica e ordene
as tarjas no texto.
21
Identifique as marcas, os recursos utilizados pelo autor na escrita da crônica.

História de cheiros
Luiz Henrique Gurgel

Fazia tempo que não passava por São Paulo de madru-


gada. Vinha do interior e atravessava a cidade para chegar
em casa. Quem mora no ABC Paulista tem sempre a triste
A nar ra sina de ter de cruzar o gigante. Pior se chega na hora do
tiva
em prim rush. Tinha chovido, a cidade estava vazia e molhada, o ar
eira pes
aproxim soa úmido e quente. Eu tinha saído de um sítio no Vale do Pa-
a o auto
do leito r raíba. Lá também havia chovido, vim embora com o cheiro
r. gostoso de mato molhado, misturado ao agradável odor
de estrume de vaca remexido. Vi cair a chuva-criadeira,
O nar rad
que molha a terra, que enche o rio, que limpa o céu. “Que or
trata um
traz o azul!”, como cantava Tom Jobim. fato
corrique
Menino nascido e criado em cidade, desde a infância iro de
dor - forma pe
O nar ra fazendas e sítios foram espaços míticos, lugares de con- culiar
gem
persona tato com a natureza, mesmo quando peguei carrapatos.
i mesmo
fala de s Bicho insuportável, castigo de condenado no Juízo Final.
ito que
de um je Naqueles sítios era possível o contato prazeroso consigo
o leitor
envolve mesmo, onde o tempo escorre lento, tortuoso, sem pressa
de ver o pôr-do-sol.Talvez por isso, até hoje, o perfume do
estrume bovino me pareça tão bom.
Mas agora, em São Paulo, eu subia a rua da Consola-
ção, vazia, com a bonita luz amarelada saindo de postes
altos, tudo molhado e deserto de gente, de vez em quando
um carro na outra pista e o chiado da água espalhada pe-
los pneus no asfalto. Com o calor e o ar úmido da chuva
que acabara de cair, a cidade exalava um cheiro estranho,
que aos poucos fez esvanecer a imagem bonita da urbe
vazia e molhada, refletindo o amarelo das luzes. O odor
era azedo feito chorume de lixão, parecia esterco. Àquela Toda a narrativa
hora a poluição baixara – ainda mais porque havia cho- se organiza em
vido –, não tinha a bruma cinzenta que iguala todos os torno do mesmo
odores. Será que haviam adubado os canteiros da aveni- tema: cheiros
da? Ou será que chegamos ao ponto em que esse era o
perfume de São Paulo, o cheiro real da cidade?
Em dias recentes, de forte calor, o odor do rio Pinhei-
ros ultrapassou as margens e chegou aos bairros vizi-
nhos. Era o rio devolvendo parte – o cheiro – daquilo que
recebe pelos encanamentos.
Usa ma Qual devia ser o cheiro do Pinheiros e de São Paulo
rca de quando caía chuva boa e prazenteira, há mais de quatro
tempo e
lugar séculos? Imagino o mesmo cheiro do mato molhado, do
que rev
elam estrume de vaca remexido dos sítios da minha infância.
fatos do
cotidian Na minha utopia torço para que um dia os rios e a
o
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

O autor
cidade de São Paulo fiquem cheirosos novamente. Que traz
chova água-de-cheiro. Água-de-cheiro da natureza. Aí impress
ões
vai ser bom atravessar a Paulicéia, de madrugada, captada
s
pelos se
respirando fundo. ntidos

22
(...) A crônica é frágil e íntima, uma relação pessoal.
Como se fosse escrita para um leitor, como se só ele, o narrador, pudesse se expor tanto.
Conversam sobre o momento, cúmplices: nós vimos isto, não é, leitor?
(“Sobre a crônica”, Ivan Ângelo. Veja São Paulo, 25/4/2007.)

A crônica nossa
de cada dia
Você gosta de ler crônicas? De que estilo? As poéticas, recheadas
de descrições líricas? Ou as bem humoradas e irônicas?
Ou prefere as marcadas pelas ásperas críticas à realidade social,
política e cultural? Leia trechos das crônicas abaixo e descubra quem
são seus autores. As respostas estão na página 25.

Netos
são co
A A ar t e
de ser
to nad
um at
a isso
, de re
mo he
ranças
: você a vó
o de D pent e os gan
eus. S lhe ca ha sem
misso e m em do merec
s do m se pas c é u. É, c er. Sem
um fi l atrimô sarem o m t er f e i
ho ape nio, se a s penas o d i z em os -
sangu nas su m as d d o i n
e do s posto, ores d amor, gleses
eu san como a m at erni s e m os c ,
Quare gue, fi o fi lho dade. ompro
nt a an lho de adot ad E não -
seus o os, qu fi lho, m o: o n se t r a
ssos, arent a ais qu e to é t a d e
lhe in que o e cinc e o fi lh realm
comod t empo o... Vo o m ent e o
a enve passo cê sen esmo.
suas lhecer u mais t e, ob ..
compe , é d e p ressa s curame
ainda nsaçõ claro. do qu nt e, n
não as es – to A velh e espe os
t en dos d ice t e r a
Todav h a d e i z e m i m a s va. Nã
ia, t am s cober s so em s uas a o
às vez b é m to – m bora v legria
es lhe obscu a s o cê, pe s ,
xões: dá aqu ramen acredi
t a. ssoalm as
a doçu ela no t e, t am ent e,
ra da m st algi bém s
eia-id a da m ent ida
ade nã ocidad nos s
Livro o lhe e e. Não eus os
Elenc o x ige es d e a mores sos,
de Cro sas ef nem p
nistas e r a i-
Mode vescê
rnos, E ncias.
ditora [ ...]
alis t as id o
José O
lympio

s e r e or t iv
m
os t ê o, da
s , 2003.

mado
e s p i l e i r
st as bras
or rnali t ebol dos.

B Conf ro s jo o f u o cupa
s o ut tu r o d s p r e ist a,
e p ouco ade e o fu . E s t amo a de ot im
s a
lazan e a qualid sma form amad
an d o Ca o b r m e b é m ch mo-
Fern l i s t as s
n s od a
b a , ta m
b é m os
e a P e
oba- o m eo
r í t i cos e r s clubes. a d o r í t i c o e t a dizem qu
c do rm as . o c e , ro
e l e ç ão e e r o sa tu e ss imist uco sens i fi c a ment e e spera -
s
Já a
num uito p m po dos cient car a bola idão. Con
m os m os que t ê ra To nt
a q ue s o
a d o s, e m prepa engoli-lo. i m o de le
ac h m b n
onfor são muito Temos de virou sinô no es
t ilo
Os c q u e e a í. g o l h o j e
,
ist as erno é es
s z er o . ogar
dern o d t e n t ar f a ocridade se deve j t ar
ol m ar a ed i ue ont en l-
fut eb to cer to p de com m a achar q os n o s c
s fa
mom
en
o d e rnida ê n u o par ã o p odem d e muit a
mm o in g N e
funde uém é t ã ade. éreas
g s q ualid ogadas a como
Ni n
0 . v e r ma i
s ó d ej u t ro. o r t a ção, es-
6 os é o
nos uase ut ebol é a exp ados na m -
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

dos a e querem díocre, q do f , p a r a


o c en
O qu t ebol me e n c anto e m série o são col d o s . Aum
t o
um fu orreria. O roduzido
s t alen do para t
com t a c p e t a s de rca
a s e mu i
o r e s s ã o
s . O sa t l
s . H á me Espo
rte
t g a d f u so í o c r e ] o d e
Os jo a de para dos med e. [... r n
Cade
áb r i c ç ã o q u a lidad d e 2008,
f u
uma e pro
d uiu a agos
t o
l inha d e e dimin l o , 31 de
m a t ida d Pa u
quan de S.
tou a Fo lha
23
De qua
es t a s e
C
ndo em
quando
Conto-
do-vigá
r io
mana, aparece
autores bem co -nos o c
da com nt ado, onto-do
editor. posição bem ou -vigário
pudera v ido, b . Tivemo
m receb e m v en -lo
O cont e r dido, p
o-do-vig int egra orque o
nhece. ário é o lm ent e os lu s
A rigor, mais an cros do
Eva a co p ode cre t igo gê
mer o f r r-se qu nero de
dúvida uto pro e o dis fi cção
sobre is ibido, fo curso d que se
sogro. so, não i o t ex t o a serpe co-
Sabe-s a pode primit iv nt e, ind
e que J haver q o do cont u z indo
lhos da acó pro uanto a o. Mas,
s cabra p ô o c s e h
que mu s q ue nasc s a Labão a so de Jacó á
itos tra essem que lhe e s e
gou de r ia m uma m alhados d esse to u
só cor; . Labão d
assim
umas v
a r a s de mas Ja concord os os fi-
branca plá t ano có, que ou cer t
ques, a s e ver , r aspo t inha p o de
s cabra des a u u-as em lano f e
s conce m t empo, par t e, it o , pe-
malhad biam co e, have de ixan
os. A b m os olh ndo-as p d o -as
genro; oa - f é d os nas osto no
m a s nã e L abã v a s t
sorrir, a o sei que o f o i assim r a s, e os fi lh a n-
o passo há n a a embaça os saía
que Jac lma hu da pela m
Obra C ó passa m a na q fi nur a d
o mpleta p o r um varão u e L abã o o
, Organ é que f az
ização
de Af râ arguto
nio Cou e hábil.
t inho, R [...]
J. Nova
A guilar, 1
99 4

pent e r Aníbal Ma-o


D o
Meu r
p
e
elhor
oet a

–m ida p
e
ode
n t e
por u
s, era
me
m
do às
v
que a a, mas fi l
sso
ino o tê-los. Já oter muito soflhor tê-los. -
prof e
raí
rimen
to,

ho
n íb a
ai
l t inh rocriação
iz algum ão era; A de que a p alcance
s–d ravem
Filho confiou g xplicação sn va de
o m e
o t e re p l e s, ma i m p erat i ut e, fora éoq
ue
cha d e n ã e s i m t e z a d i s c lh o s
o pod parec cara a ce ue não se
r zer fi
mund nclusão n m as f a
A co a r r a oi s a q au lo , gar a
e de lá u ma c q ue, P o deva
a vi da , a l, p o r b r i n d Me-
zes d erdade a
nim n ã o se i i d esco n al de
o. “E
u , f u d o fi nos-
av
é um r fi losófi c nt e.” c o n versa rrosivas g a d o de
a o e
do ra
da rta dess ras c iatura o l
i s impo e, depois las palav cr ica-
m a u e uma iet et s
há de açado é q tura daqu it i a nenh e a n t
Engr impo
s m orrig , se não o
a o trans o et a c as e
ncó l i c :“ n ã sm o p ta : m séd
m e l a
ó s t u m a s
á s , o m e
o p e r g u n
ê - lo s, ma s a -
as p li d t ra
móri a ” . t ê - los, a rso, quan elhor não t ê-los pa
iséri o e ável
sa m or nã ele v s, m
: fi lho ndispens
o s , melh mo daqu in d o i 2001
Filh s s imis R e s um e t o do a s i leira,
e ê-lo? d r
eop as é ação
B
ment como sab t ê-los, m s , C i v i l iz
s, l o
t emo sáve . [...] Buga
lh
i n d ispen hor t ê-los A lh os &
todo , mel
ê - lo ; logo
b

João do Rio – RJ (1881-1921). Pseudônimo Eduardo Gonçalves de Andrade – MG Paulo Mendes Campos – MG (1922-1991).
usado pelo escritor e jornalista carioca (1947-). Conhecido como Tostão, é consi- Cronista, poeta e tradutor, trabalhou no
João Paulo Alberto Coelho ao escrever derado um dos grandes jogadores do fute- Instituto Nacional do Livro e foi diretor da
suas crônicas para, entre outros, o jornal bol brasileiro e mundial. Afastou-se do seção de obras raras da Biblioteca Nacio-
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

Gazeta de Notícias. Parte de sua obra foi esporte e estudou medicina na UFMG, nal. Escreveu suas primeiras crônicas no
reunida no clássico A alma encantadora das tornou-se professor universitário e traba- Diário Carioca e manteve por muitos anos,
ruas (Companhia das Letras, 1997). lhou em hospitais. Em 1990, foi convidado na revista Manchete, uma coluna semanal.
para comentar jogos de futebol na televi- Destacou-se pela simplicidade com que
são. Os argumentos equilibrados e inteli- tratou em sua obra temas como o mar, a
gentes logo fizeram de Tostão um dos vida carioca, conversas de bar e futebol.
principais nomes da crônica esportiva
brasileira. Em pouco tempo passou a cola-
borar na imprensa escrita.

24
ria
v o s se

E
nã o te
ima ue es
a t q
A ru
a ín lg a r , s
a tod ra ju s. Nó
n a turez vesse pa todos vó , nas
de ti or de s
t i m ento zões não ilhado p s cida eres, a
se n er a a r t ;n a az
sse sse, oép ua i s espr te
a r ua. E ão julga xagerad dos e ig or e os d rua. É es
m o e n e e c i a d d a pró-
Eu a or mim s e assim mos par os, com o amor , como a
p lu t o nt i am i a –o
lado abso s s e rque sof r a e agrem único qu do varia a.
e
reve i m n o
ass nós po ivel el, o a, tu ironi
amor irmãos, ados, não os une, n dissolúv ransform lorosa a n-
som
os s p ovo rq u en v e l e in d o s e t
a i s do nt e cime
o á s aco
ias, n
o as p r turb pocas. T
u iso, m amor
a lde polícia, m nto impe s é rg o o r út eis e o maior, o
e se à am a f ez ida-
lei e
a
o s ent im às idade e é mais a s c oisas s cada v id a das c
o e oj do çõe da v
mesm a, resist oísmo. H m, levan das gera f ator
v id g a o u m 908
pria dio ,oe , d e sl i z
, l e g ad
a r u aé a r nier, 1
,oó sam fi ca sso, itora
G
amor ulos pas ersist e e d o que i r u a s, Ed
c p
é
Os s áveis. Só mais o ra d
as
n o t , a r ua é n c a ntad
tos ] Ora a e
a. [... m alma. A alm
a r u
d te
a rua
des,

mundo
Modism
F Quem t
o é con
osco m
em med
o da mo
t ários n
vai a t r á
at ivos in
s dela. A esmo. O
últ ima d
r t adela?
brasileir
o adora
que ser v ent aram o b r asileiro invent a
coisa do a expre é “prim r moda.
“primeir ssão e a e ir o mund E todo
[...]Ago o m u go r a t o”. Os p
r a já t em caip n d o ”. u d o que nós u blici-
pre foi e irinha d querem
sempre e vodca e os t em
que os será de , pasme
europeu cachaça m ,
para fi c s v êm proc . C o isa de c d e r um. Caip
ar com urar aq aipira m irinha s
brasileir cara de ui. Mas e s m o. E é e em-
os! primeiro já met e s t a
m undo. V r a m a vodca b eb ida
Toda es amos d e o rum
sa intro eixar a n e
f erem g dução p caipirin la
arçons e ara cheg ha caip
que ela padeiro ar à mor ir a,
veio lá d s. Quer t adela. O
brasileir a It ália. coisa m u mor t a
o. O no Mas tor a is brasileir n d ela, com
nome. In me vem nou-se, a que a o pre-
f elizme de mur t alvez p mor t ade
nt e o br t a, uma p e lo b a ixo preç la ? C laro
minto. E asileiro lant inha o, o pet
o que so a c h it a isco do
A cacha m o s nós, c a q u e mor t a li an a que Ih
ça e a m ara-páli dela é c e valeu
mundo. o r t ad das? oisa de o
Mas aco e la são p p ob r e
a morta n t ece que r o d u tos do B , d e f a-
dela há um p rasil, do
dela num . Contra a mort reconce
ito dos p n o s s o querido
a f esta, adela o atrícios terceiro
vão te o caso é m co
lh a r f eio. Vo a is grave. S n tra a cac
Filho é b
o m, mas cê deve e você o haça e
dura mu estar pe f erecer
it o. Edit rto da f a morta-
ora Malt lência.
ese, S ão Pau [...]
lo 1995.
p. 157-1
59

Rachel de Queiroz – CE (1910-2003). Mário Alberto Campos de Morais Prata – MG (1946 -). Joaquim Maria Machado de Assis –
Foi a primeira mulher a ingressar na Trabalhou em jornais , escreveu editoriais, reportagens RJ (1839-1908) Cronista, contista, drama-
Academia Brasileira de Letras. Publi- e artigos. Entre seus livros podem-se citar: O morto turgo, jornalista, poeta, novelista, roman-
cou 23 livros individuais e quatro em que morreu de rir; Preto no branco e 100 Crônicas. Além cista, crítico e ensaísta. É considerado o
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10

parceria. Sua vasta e preciosa obra está de livros, escreveu novelas, roteiros e peças para tea- ficcionista mais expressivo da prosa rea-
traduzida e publicada em francês, in- tro e através desse vasto trabalho recebeu prêmios lista da literatura brasileira. Escreveu
glês, alemão e japonês. Além disso, internacionais e nacionais. várias crônicas sobre a escravidão e os
traduziu 45 obras para o português, dramas sociais de seu tempo, esconden-
sendo 38 romances. Colaborou sema- do-se atrás de vários pseudônimos.
nalmente com crônicas no jornal O Es-
tado de S. Paulo. E) João do Rio; F) Mário Alberto Campos de Morais Prata
C) Machado de Assis; D) Paulo Mendes Campos
A) Rachel de Queiroz; B) Eduardo Gonçalves de Andrade (Tostão)
Resposta:

25

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