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Umuarama, domingo,

21 de fevereiro de 2010 15
Foto por Thiago Casoni

PARTE III – Corpo Desacostumado


INDECISÃO Por Ângela Russi - Senhor Benjamim! – caminhando de um lado
Por Caroline Guimarães Gil

para o outro - Aquele homem é a própria soberba em conseguia lembrar-se de si mesmo. Sentiu-se deprimido
pessoa! Se ele continuar assim, eu mesma me demito! por não poder satisfazer essas ações internas com tanto
Minha poetisa favorita é Cecília Meireles. Ela era professora - O que?! êxito. Não lhe vinha nem ao menos o rosto de Edna
e acho que por isso uniu tão bem a poesia com o imaginário - Ah! Desculpa-me senhor! e o de seu pai. O único rosto de que sempre guardara
infantil em sua obra “Ou isto ou aquilo”. A poesia que dá nome Percebendo o peso de suas palavras, Edna fora o de Adélia. Como poderia esquecer um rosto tão
ao livro tem um verso assim: (...)” ou guardo o dinheiro e não majestoso, dotado de tamanha graça e formosura? Ah,
compro o doce, ou compro o doce e não guardo o dinheiro. Ou ajoelhou-se aos pés de seu senhor, e começou a beijá-los
isto ou aquilo e vivo escolhendo o dia inteiro. “ com total devoção e culpabilidade. aqueles lábios, muito bem contornados pelos traços
Escolher faz parte do cotidiano. Desde que abrimos os - Pare com isto, não é necessário. Vamos! Pare! divinos, nunca o poderia deslembrar! E se o fizesse não
olhos ao acordar já estamos escolhendo. A escolha da roupa Edna levantou-se e endireitou seu vestido. se perdoaria tão prontamente. Apreciar o rosto de Adélia
a ser vestida, a não ser que seja um uniforme, toma sempre - Pois eu paro. – Edna olhou timidamente para e esquecê-lo é como ser desonesto com os mais humildes
alguns minutos do tempo nas manhãs e o dia continua trazendo inocentes. Novamente fizera, não conseguia parar de
escolhas. Você, por exemplo, pode escolher parar de ler essa suas mãos - Fale com ele o mais rápido possível, senhor
crônica agora mesmo Benjamim. Estou começando a ficar assustada. Ele me imaginar aquela dócil mulher e de lhe criar ambientes
Por que, então, escolher às vezes é tão difícil? causa arrepios, bem que Abigail estava certa, “com esplêndidos, condizentes com o tamanho de sua graça,
Diante de um impasse ante uma escolha é interessante saber Ignácio, extrema vigilância é insuficiente”. e podê-la coroá-la em seus pensamentos, como o agora
que muitos já escolheram por nós. É isso mesmo. Cada pessoa A porta soou forte. fazia. Benjamim tirava de seu dia, duas horas inteiras
tem sua maneira de ver a situação e essa maneira decorre da para Adélia, em seu imaginário; pensa que está sendo
educação que teve. Desde que nascemos somos influenciados - Edna!
pela opinião dos outros, geralmente da família, e com tantas - Sim – voltou-se ligeiramente. justo ao seu amor, que está tão ausente no plano real.
opiniões alheias, qual é a minha mesmo? Muitas escolhas - Meu jornal. Assim, conservava sempre, ainda que um homem tão
que acreditamos ser totalmente nossas são baseadas em - Ah, quase me esqueci! Aqui está. Esses jornais, ocupado, esse par de horas, para deleitar-se com a mais
pensamentos e ideias de outros que vieram antes de nós. Que de nada prestam hoje em dia! – assustou-se com o que ilustre das imagens de Adélia. E hoje, não seria diferente,
triste, não é? Muito normal na verdade. Imagino que quem mais resolveu levá-la para caminhar, descalços a beira-mar,
influencia é a mãe. O jeito dela, suas opiniões, o que ensina falou, cobrindo a boca, e logo foi se justificando – Mas
tem parte fundamental nas decisões, afinal, a mãe toma para sou apenas uma serviçal, nada sei de jornais! Não vá enquanto a lua ia florindo por entre as escuridões, como
si o papel de direcionar os filhos. Mesmo depois da infância, dizer isso ao dono do jornal, por favor, Benjamim! – e um botão de rosa, timidamente nascendo.
já adultos, a voz dela ainda fica na memória dizendo o que saiu pronunciando as palavras indistintamente. - Benjamim!
fazer e o que não fazer. Como saber se sou eu que tomo minhas Sorriu de esgoela ao escutar aqueles comumentes Total entorpecido deteve seus devaneios, e
próprias decisões ou se estou decidindo pelo o que ela acha ser ao ajeitar o casaco para atender a porta, percebeu que
o melhor ou o pior? Só me conhecendo de verdade. comentários de Edna, totais acobardados. Não tinha
Não sou psicóloga e nem tenho conhecimento acadêmico coragem de conferir sua opinião aos demais, a não ser, uma foto de Adélia ainda permanecia em suas mãos.
sobre isso. Escrevo com experiência em minha própria vida. A falar tão espontaneamente com o senhor Benjamim, que Atrapalhado, coloco-a na gaveta mais próxima do
que adquiri dos livros que já li, das situações que eu vivi, das há tanto o apreciava e o respeitava. armário, recuperando por alguns segundos o fôlego,
palavras que ouvi. Enfim, experiências minhas, desenvolvidas Sentou-se, outra vez, na cadeira próxima a abriu a porta.
em relacionamentos e observação do cotidiano. Com tudo isso - Senhor Ignácio?! – disse surpreso.
aprendi que escolher não é fácil. janela, acomodou o periódico em seu colo, esforçou-
Escolher realmente é difícil porque em toda a escolha há se para recordar de uma fase de sua meninice. Suas Continuação?! No próximo domingo (28/02),
uma perda. Opto por um e perco o outro. Todo o ser humano lembranças eram tão vagas e suprimidas, que mal não perca!
detesta perder. Mesmo que a perda não seja tão ruim e acabe
acarretando mais benefícios que malefícios, a palavra perder
tem conotação péssima em nosso cérebro. Já ouvi que há
pessoas que ao dizerem ”perdi peso” ao invés de “emagreci”
acabam engordando novamente os quilos que perderam. Perder
é complicado.
Adiar a escolha, escolher qualquer coisa só para se livrar da
pressão ou até mesmo nunca resolver o que quer, é perigoso. O
estresse é grande demais e coloca a saúde emocional em risco.
Pensar e pesar a decisão são atitudes sábias. Com o doce e com
o dinheiro não dá para ficar. È interessante descobrir qual é
o mais importante e optar por ele. Não quero pressionar nin-
guém, mas, ou se toma decisão ou corre-se o risco de adoecer.
Indecisão não faz bem a ninguém. A escolha é de cada um. Ou
isto ou aquilo.

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