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(*) UZIEL SANTANA

UFS: uma análise reflexiva, retrospectiva e perspectiva. (VI)

“A Universidade Federal de Sergipe e o problema histórico, sociológico e cultural da


'Anomia Jurídica'”
Neste penúltimo artigo da série que estamos a escrever sobre a UFS, teceremos algumas
considerações – sempre fundamentados no ideário analítico, reflexivo e proposicional
de despertamento da comunidade acadêmica, dirigente e dirigida, da nossa universidade
– sobre o grave, histórico, sociológico e cultural problema administrativo da “anomia
jurídica”, suas conseqüências para a administração e para os administrados e possíveis
soluções para o mesmo.
Mas, inicialmente, a indagação que precisamos responder é: no que se constituiria essa
tal “anomia jurídica”? Vejamos, então.
Anomia jurídica – na dimensão conceitual do acadêmico francês Émile Durkheim
(1858-1917), considerado um dos pais da Sociologia moderna – viria a ser a situação
em que, numa determinada sociedade ou grupo social, não existam normas a respeito de
condutas e comportamentos que devem ser observados ou que, existindo-as, não sejam
normas claras e passíveis de fácil observação pelos integrantes de tal sociedade ou
grupo social; ou, ainda, num terceira perspectiva, mesmo que as havendo, as pessoas
agem como se tais normas fossem inexistentes. A essas três situações vivenciadas,
muitas vezes, pelas instituições e atores sociais é a que se chama de anomia jurídica.
Tal categoria conceitual – anomia jurídica – para nós brasileiros, sergipanos e
integrantes da UFS é uma realidade fáctica. Sobretudo, sob as duas últimas
perspectivas, quais sejam, a falta de clareza dos princípios e normas que compõem o
ordenamento jurídico brasileiro e o módico grau de eficácia social, tendo em vista que
a inflação legislativa do nosso país nos leva a não entender o direito, a não cumprir o
direito e, notadamente, a desconhecer o direito. Peremptoriamente, vivemos sob a égide
de uma histórica e cultural anomia jurídica que traz como conseqüências,
principalmente, o mau funcionamento da máquina administrativa estatal e um potencial
aumento da ilicitude dos danos causados aos menos “esclarecidos” da sociedade.
Mas e como isso se aplica no contexto de uma universidade federal, onde os atores
principais são homens e mulheres letrados, cultos, civilizados e parte integrante dos
intelectuais e do “establishment” da sociedade? Essa é uma interrogação de difícil e
complexa elucidação. O fato é que, também na UFS, assim como na sociedade
brasileira e sergipana, a anomia jurídica é um problema – um verdadeiro problema! -
grave, histórico, sociológico e cultural que precisa, urgentemente, ser enfrentado.
Pudemos perceber isso, clara e experimentalmente, quando fomos nomeado para
presidir a comissão de elaboração do regimento interno do “Campus” de Itabaiana. A
partir das incursões que realizamos para a consecução de tal estatuto regimental,
observamos que há, dentro da sistemática de administração da UFS, um vácuo
legislativo-institucional entre os procedimentos e rotinas estabelecidos pelas disposições
estatutárias, regimentais e resolutórias do ordenamento jurídico da nossa universidade e
a pragmática administrativo-acadêmica nela implementada.
O que pudemos comprovar, in locus, é que, muitas vezes, o procedimento e a rotina
existem nos estatutos legais concernentes, mas, inobstante isso, a prática da
administração é desvencilhada dos preceitos estatuídos, legal e legitimamente, pelos
órgãos competentes (anomia jurídica sob a 3ª perspectiva durkheiminiana).
Em outras situações, como contra-ponto, chegamos a observar que, mais grave ainda, às
vezes, falta até mesmo o comando normativo que nortei e determine o procedimento
e/ou rotina a ser observado, fato esse que enseja, comumente, a possibilidade de
desrespeito aos direitos da comunidade administrada (anomia jurídica sob a 1ª
perspectiva durkheiminiana). Aliás, esse vazio normativo é uma situação não pontual ou
residual na formatação das unidades administrativas da UFS; na verdade, trata-se de
uma realidade bem presente no contexto administrativo da nossa universidade. Um
exemplo típico disso é que, dos quatro Centros que foram criados, quando da instituição
da UFS, apenas um possui, como determina o Estatuto e o Regimento Geral da
universidade, o seu Regimento Interno. E mesmo, assim, ressalte-se, um Regimento já,
normativamente, caduco, tendo em vista as alterações estatutárias e regimentais
ocorridas recentemente. Esse é só um “simples” exemplo.
De igual modo, não é incomum, por exemplo, você ouvir em reuniões de conselhos de
departamentos, de núcleos, de centros (e etc.) colegas nossos assentirem que, querer
cumprir, fielmente, o disposto em regimentos e resoluções (por eles mesmos
aprovados!) é ser burocrático e legalista. É absurdo ouvir isso de um ator social que
conhece a sua realidade sob uma perspectiva privilegiada. Porque, como diria o
sociológo alemão Niklas Luhmann (1927-1998), um dos maiores pilares teóricos da
democracia, num Estado Democrático de Direito (ou como quer o jurista Carlos Ayres
Britto, Estado de Direito Democrático), tão importante quanto o direito ao voto é a
observância dos procedimentos estabelecidos democraticamente. É o que ele chama de
“legitimação pelo procedimento”. Pensar e agir, contrariamente, a isso é absurdo, ilegal,
imoral, ilegítimo e autoritário. Infelizmente, isso acontece, diuturnamente, também, no
contexto universitário. Não só nas altas instâncias administrativas da universidade, mas
desde a sala de aula, quando, por exemplo, o professor deixa de, no primeiro dia de
aula, conforme estabelecem as Normas do Sistema Acadêmico de entregar o seu Plano
de Curso ou mesmo não corrige e entrega as avaliações no prazo dessa mesma
resolução. Esses são típicos exemplos de “anomia jurídica”.
E falamos em anomia jurídica em casos como esses, porque, simplesmente, o professor
– e o administrador de um modo geral – deixa de respeitar a norma, muitas vezes,
porque não conhece o procedimento. O aluno, então, nem tem consciência da ilicitude
dos danos que muitas vezes lhe são causados em situações como essas.
E como resolver esse histórico problema social que também atinge a nossa Academia do
saber?
É preciso que, primeiro, tal problemática seja reconhecida pela Administração. Que, em
segundo lugar, haja uma política de divulgação e padronização dos procedimentos e
rotinas administrativas estabelecidas pelos diversos documentos jurídicos que formam o
sistema de normas internas da UFS. E, em terceiro lugar, que os administradores
tenham uma mínima formação de como se opera, juridicamente, um ente da
administração pública, porque os princípios e normas, simplesmente, refletem os
valores e anseios da comunidade.
Respeitar e cumprir o princípio e a norma, democraticamente, estabelecidos é ser um
administrador justo, moral, legal e legítimo. Por outro lado, desrespeitar, descumprir ou
“passar por cima” do princípio e da norma que, democraticamente, foram estabelecidos
é ser um administrador autoritário e que administra para aparecer mais que a instituição.
(*) Advogado. Professor da UFS – (ussant@ufs.br).

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