de dizer apenas o essencial - excertos ZANOTTI, C. A. . Títulos no jornalismo diário, ou a difícil arte de dizer apenas o essencial. Revista de Estudos de Jornalismo, Campinas, v. 1, n. 2, p. 45-58, 1998.
Carlos Alberto ZANOTTI
Professor das disciplinas Introdução às Técnicas do Jornalismo e Técnicas de Produção em Jornalismo Especializado da PUC-Campinas e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP)
-Professor, posso colocar ponto no título?
-Não, não pode, nenhum jornal faz isso. -Porque? -Você já viu algum jornal colocar ponto final nos títulos? Por trás deste diálogo há uma história com pelo menos um século de vida. É a história da produção do titulo da notícia, uma atividade, infelizmente, relegada a segundo plano dentro de boa parte das salas de aula dos cursos brasileiros de jornalismo. É pena, pois produzir um título deveria ser encarado, pelos profissionais e estudantes de jornalismo, como algo muito mais nobre que a aplicação de algumas regras básicas. Afinal, é este um momento ímpar da produção do texto noticioso; é o instante em que o jornalista sintetiza em uma frase a notícia que tem em mãos e que deseja revelar ao seu leitor. (...) O que se proporá aqui é exatamente o oposto do que, via de regra, se propõe de forma equivocada em algumas salas de aula: pensar primeiro o título e, somente depois, redigir o lide e o restante do texto. Isso porque, o título, a bem da verdade, não é um problema do editor. Ele é um problema de comunicação que precisa ser resolvido no campo da comunicação, sendo o repórter o principal mediador desta história e, por formação acadêmica, o profissional mais habilitado a resolvê-lo. Tanto é verdade que o problema do título está nas mãos do repórter que um dos principais jornais brasileiros, o "O Estado de S. Paulo", faz a seguinte recomendação aos seus editores:
"Nos textos noticiosos, o título deverá obrigatoriamente ser extraído. do lead;
se isso não for possível, refaça o lead, porque ele não estará incluindo as informações mais importantes da matéria". (OESP, 75) Refazer o lide, como se sabe, é uma das tarefas mais desagradáveis que se pode realizar numa redação de jornal. Tanto para o editor, que acumulará um trabalho extra, como para o repórter, que se sentirá desprestigiado, uma vez que seu trabalho final acaba sendo refeito por seu superior imediato. O mais grave é que, depois de um certo tempo refazendo lides, o superior imediato pode querer pensar em refazer sua equipe de trabalho. E aí, adeus emprego, o que é ruim para o jornalista que, mesmo tendo freqüentado quatro anos de faculdade, mostra-se incapaz de adaptar-se a um padrão de qualidade um pouco mais exigente. Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br) site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/ ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/ Página 1 de 2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
Jor
(...)Albert KIENTZ (1975), em um de seus trabalhos mais conhecidos; faz uma
análise sistemática de jornais e revistas franceses e acaba criando a expressão "conflitívoro" para descrever a principal característica do leitor de diários. É aquele que se alimenta de conflitos, que, se interessa especialmente pela discórdia, Assim, para o pesquisador, no jornalismo diário o aspecto conflitual acaba por ser o núcleo da notícia. E em sendo seu núcleo, o conflito é portanto o principal elemento do título; Conflito este que, nas sociedades civilizadas, se traduz por verbos como "atacar”, "critica", "acusa", “revela", "derrota", "lamenta", "propõe", "agride", "quer"... De onde se conclui que título bom tem que ter verbo, uma vez que este elemento da frase é o seu componente de ação. Além de ter verbo, o título precisa também conter uma informação completa. Ou seja: é preciso dizer ao leitor qual a ,"ração diária de novidade” que se encontrará no texto, ainda no dizer de Kientz. Não é tarefa das mais simples, pois é necessário intuir quais conhecimentos o leitor médio tem em torno do assunto relatado. Pessoas que habitualmente freqüentam as páginas de jornais não precisam, por exemplo, ser reapresentadas todos os dias no título. Não será o caso do nosso prefeito apaixonado, de uma cidadezinha qualquer, quando sua renúncia virar notícia na "grande imprensa". O título é também descrito como algo "apelativo" no trabalho de AMARAL (1978: 86). O autor certamente não se refere ao sentido de distorção do fato, o que o termo muitas vezes insinua, mas sim ao sentido de apelar ao universo de sensações dos leitores, em torno das quais se chamará sua atenção para o fato narrado. Distorcer o fato no título apenas com o propósito de chamar a atenção do leitor, para depois repor a verdade, é ser desonesto para com o público, o que não constitui base para nenhuma relação que se pretende duradoura. A menos que queiramos nos especializar em trabalhar em jornais de vida curta. (...)Para demarcar o espaço do título e chamar a atenção do leitor, muitos comunicadores de várias áreas, entre jornalistas, publicitários e assessores de comunicação entre outros, preferem produzir títulos em caixa-alta. Quando perguntados dos motivos, respondem que é para "atrair a atenção do leitor", "destacar o texto", "ressaltar" e assim por diante. Há textos publicitários (para os quais ainda não se produziu manuais de redação, por razões óbvias) e jornalísticos (em publicações de menor porte), escritos inteiramente em letras maiúsculas, ou "em caixa-alta", como se diz no jargão da imprensa. São textos, a partir de seu formato, que podem ser considerados perfeitamente ilegíveis, tamanha a dificuldade de fluidez que impõem aos seus leitores. Sabe- se, de longa data, que o olho humano lê por blocos (de letras, de palavras ou até de frases). Ou seja, ninguém lê somando letra por letra, mas sim reconhecendo palavras, grupos de palavras ou mesmo frases inteiras (BERTHOUD, 1992: 44). Colocá-las em caixa-alta pode ser atraente para o autor, que sabe o que ali está escrito, mas para o leitor é um verdadeiro castigo.
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
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