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Público • Sexta-feira 19 Março 2010 • 45

Este plano não se esqueceu apenas do “crescimento”: ele acomoda-se à estagnação económica e compromete o futuro

Este PEC devia chamar-se DEC. De decadência

H
ENRIC VIVES-RUBIO
á sempre uma altura em que é neces- de apenas um funcionário público por cada um que
sário dizer: Basta! É possível que essa sai do Estado, o mais certo seria chegarmos a 2013
altura tenha chegado com o Plano de a necessitarmos de outro PEC e de novos apertos.
Estabilidade e Crescimento. Porque a Para além de mais endividados e, em termos rela-
opção está entre continuar a morrer tivos, mais pobres.

P
lentamente ou, correndo um risco maior no curto
prazo, inverter a decadência. odemos escolher, bem à portuguesa, seguir
José Neste momento já está escrito o guião para a por este caminho e continuar a “empur-
Manuel votação do próximo dia 25 de Março. A maioria rar os problemas com a barriga” e folgar
Fernandes socialista, colocada entre a espada e a parede pela enquanto o pau vai e vem. Ou podemos
Comissão Europeia e pelos mercados financeiros, querer correr o risco de fazer já as esco-
Extremo preparou um PEC que, além de deitar borda fora lhas mais difíceis.
ocidental não só os compromissos eleitorais como o progra- A primeira escolha é a de saber se estamos dis-
ma do Governo, desagrada à esquerda por causa postos a viver com um Estado deste tamanho. A
das privatizações e cortes nas políticas sociais e resposta devia ser clara: não estamos, nem pode-
desagrada à direita por causa do aumento dos im- mos. Não basta emagrecê-lo, é preciso redefini-lo.
postos. Mesmo assim a esquerda do BE e do PCP, Primeiro acabando com dezenas de serviços e ins-
historicamente desobrigada de qualquer respon- titutos que só atrapalham e apenas servem para
sabilidade governativa, ainda votará contra. Já o manter empregos. Depois deixando que em muitas
centro-direita do PSD e do PP, assustado com as áreas sejam os privados e a sociedade civil a prestar
consequências de curto prazo de um chumbo do serviços – incluindo serviços sociais – que, sendo
PEC – um cenário que atiraria Portugal para uma públicos, não têm de ser detidos pelo Estado. Por
instabilidade financeira “à grega” – prepara-se para fim reforçando-o naquilo em que é insubstituível,
engolir todos os sapos e, como sobremesa, a hu- em especial na administração da Justiça.
milhação de Sócrates nem se ter dado ao trabalho Se quisermos reformar o Estado, é necessário
de simular uma negociação. não o alimentar, porque ele é voraz, e, porventu-
Depois o documento será enviado para Bruxelas ra, também será preciso rever a Constituição. Mas
onde, cumpridas as formalidades mínimas, deverá a altura de crise até é boa para forçar as decisões
ser aceite, até porque a União Europeia quer tudo sempre adiadas. E, se reformarmos o Estado não
menos problemas. Se puder circunscrever o “incên- necessitaremos de cobrar mais impostos, deixando
dio” à Grécia, mesmo sabendo que muitas outras mais dinheiro no sector privado para que seja este
economias têm pés de barro, os líderes europeus a decidir onde, como e quando investir e também
não hesitarão. Pelo que, se não houver grandes sur- como consumir. Ninguém duvida hoje que o faz
presas, lá como cá todos ficarão felizes porque, no melhor do que o Estado e que nem sequer precisa
mínimo, evitaram mais problemas. que lhe indiquem “desígnios estratégicos”, apenas
Ao seguir este guião tanto a oposição de centro- que lhe criem oportunidades e não atrapalhem com
direita como a União Europeia estão a colaborar nu- morosos processos de licenciamento ou esmaguem
ma mentira. Ou na perpetuação de uma mentira. Há sempre uma altura não fazer escolhas: corta um boca- com impostos e contribuições insuportáveis.

O
dinho nas despesas públicas, mas Optar por seguir esta via implica mais turbulên-
PEC é mau e perpetua a mentira em que em que é necessário dizer: só um bocadinho; põe limites ao cia no curto prazo, mas ajudará a ter um país dife-
temos vivido porque não enfrenta – se crescimento das despesas sociais, rente daqui por uns anos. Seguir pela via do PEC,
Basta! Essa altura pode
bem que também não ignore – o nosso mas não encara o seu financiamen- procurando conciliar o inconciliável, apenas adia
principal problema: não somos capazes ter chegado com o PEC. to a médio e longo prazo, que com problemas, e isto se os conseguir adiar.
de crescer. O país está estagnado há uma os cortes fica de novo em perigo; Ninguém parece, contudo, com vontade ou cora-
década, bastando recordar que o PIB per capita em
Porque a opção está entre aumenta os impostos mas de forma gem para correr estes riscos, a começar pelo Presi-
2009 ter-se-á situado, a preços constantes, ao nível morrer lentamente ou o mais disfarçada possível, criando dente da República mas passando pelo presidente
do de 2001. No quinquénio de Sócrates o cresci- distorções e tirando competitivida- da Comissão, pelo primeiro-ministro e pelas lideran-
mento médio do PIB quedou-se nos 0,1 por cento,
inverter a decadência de às empresas portuguesas. ças do PSD e do CDS. Todos parecem preferir ver se
isto é, em nada. O PEC, mesmo assim, prevê um Assim, mesmo que fosse cumprido, que o cenário a borrasca passa sem causar muitos danos, nenhum
crescimento médio de um por cento em 2010-2013, macro-económico não viesse a revelar-se de novo parece perceber até que ponto esta crise pode ser
o que está no limite superior do optimismo, mas errado, mesmo que o Governo conseguisse levar uma oportunidade para sacudir este país atolado
não deixa de ser anémico. Mais: com os cortes que por diante medidas tão tímidas como a da admissão num pântano económico e político. Jornalista
o PEC prevê no consumo e no investimento público
é duvidoso que mesmo esse valor pouco ambicioso
possa ser alcançado, sobretudo porque a Europa
toda está a querer colocar as contas públicas em or-
Uma semana em http://twitter.com/jmf1957
dem e dificilmente a procura externa para as nossas
exportações compensará a dieta interna. a 18Mar10 ir atrás do PS” – pq o PS tem, de facto, – Lei da rolha: Pedro Santana Lopes
Na verdade, o PEC, por falta de ambição estraté- – Interessante e pertinente artigo sobre mesmas sanções (art.º 94) fez proposta matreira, mas ao não
gica, consagra um ciclo vicioso: como o Estado não a crise europeia: Greece, the euro, and – Façam favor de assinar: Carta pela reagirem quatro candidatos mostraram
pode endividar-se mais, corta no consumo públi- the Battle of Jutland http://is.gd/aNrqy libertação dos presos políticos cubanos que não estão à altura da liderança
co e, no que toca ao investimento, este diminuirá a 17Mar10 http://tinyurl.com/ygwrplp a 13Mar10
para níveis historicamente baixos, o que traduz o – Study of 29 countries found that level – Contribuintes com rendimentos a – Esta infografia animada sobre
abandono de qualquer estratégia keynesiana, tão of competition among schools directly partir 517 euros por mês afectados a evolução, desde o Big Bang, é
defendida ainda há algumas semanas; como, mesmo tied to higher test scores in reading & pelo corte das deduções. Os ricos em fantástica. E há mais no mesmo site
assim, o nível da dívida já é muito elevado e o peso math http://is.gd/aMrrn Portugal são um bocado pobres... http://is.gd/awqGE
dos juros também, procede-se a privatizações para – Um bom artigo da Economist – Failing a 15Mar10 – Ministro dos Santos, presidente
tentar, com receitas extraordinárias, travar a espiral schools: Giving parents a real choice – Porque não há crónicas destas “eterno” da Câmara de Mafra, fala no
do endividamento, mas esquecendo que alguns dos http://is.gd/aMqVr nos jornais portugueses? Diary of a Congresso do PSD reunido no Pavilhão
compromissos das parcerias público-privado só ca- – Descaramento: Empresas envolvidas marriage: My marriage is like a very Ministro dos Santos. Que lástima
em depois de 2013, quando já não haverá nada para em esquemas off-shore, como long car journey http://is.gd/aIBGH a 12Mar10
vender; como, mesmo assim, o peso do Estado não detectados Operação Furacão, limpam – O Mário Nogueira quando perde a – Recomendação de leitura: entrevista
diminui, aumentam-se os impostos e os encargos ficha fiscal e criminal http://is.gd/aLH8K vergonha: Fenprof propõe que stress de Fernando Ulrich ao JdeN. Um
associados à criação de emprego, assim comprome- a 16Mar10 seja considerado “doença profissional banqueiro sem papas na língua, ao
tendo uma retoma pelo lado da economia real. – Marcelo é impagável, diz q sanções dos docentes” http://bit.ly/curPFa invés dos que estão sempre com o
Isto acontece porque o PEC tentou, até ao limite, são constitucionais e critica “erro de a 14Mar10 regime

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