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O PAC deveria ser assim

Transportar a soja do cerrado até o porto está 25% mais barato. Uma
ação conjunta de três estados e empresas privadas dá pistas ao governo
sobre como melhorar a infraestrutura: mais planejamento e uso do que já
existe e menos ideias mirabolantes

Por Angela Pimenta, de Unaí e Pirapora | 16/03/2010

Aos 59 anos, o paranaense Dário Grando é um belo exemplo de


empreendedor rural brasileiro. Em 1985, munido de uma modesta
poupança, após rodar o país ele chegou com a família a Unaí, no
noroeste mineiro, para desbravar a região. Hoje, dono de uma
fazenda de 1 136 hectares no alto de um imponente chapadão, planta
soja, milho e sorgo. Há um ano, Grando farejou que poderia dar
passos mais largos para expandir a lavoura. A novidade para ele e
centenas de proprietários no noroeste de Minas Gerais e nas regiões
norte e leste de Goiás foi a inauguração, em abril de 2009, de um
terminal ferroviário para o embarque de grãos na cidade de Pirapora,
a 300 quilômetros de Unaí. Construído pela Ferrovia Centro Atlântica,
uma subsidiária da Vale, em parceria com sete empresas, entre as
quais as comercializadoras Mitsui, Multigrain e Louis Dreyfus, o
projeto envolveu também a recuperação de 135 quilômetros de
estrada de ferro entre as cidades mineiras de Pirapora e Corinto. O
corredor ferroviário resultante desemboca no porto de Tubarão, perto
de Vitória, no Espírito Santo. De sua parte, o governo mineiro investe
173 milhões de reais na recuperação das rodovias que ligam Unaí a
Pirapora. Para os produtores rurais, a troca do caminhão pelo trem
em grande parte do percurso já resulta em corte de 15% a 25% nos
custos com transporte. "Neste ano vou economizar 33 000 reais em
frete, o que dá 60% do gasto que tenho com os oito empregados da
fazenda", diz Grando. "A economia vai toda para ampliar a
plantação." Estimativas iniciais indicam um aumento de 15% na área
plantada de grãos da região na safra de 2010.

O exemplo que vem de Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo é um


caso primoroso de trabalho conjunto do setor público com o setor
privado. "Se o PAC seguisse o modelo implantado entre Unaí e
Vitória, grande parte dos gargalos nos corredores de exportação do
país já teria sido resolvida", diz Paulo Resende, coordenador do
departamento de infraestrutura da Fundação Dom Cabral.
Diferentemente do grandioso Programa de Aceleração do Crescimento
do governo federal - uma coleção de centenas de obras, muitas delas
amarradas por problemas crônicos de planejamento, atrasos de
licenças ambientais e indícios de superfaturamento -, o corredor de
Unaí-Vitória demonstra como um conjunto de soluções cirúrgicas tem
o condão de gerar resultados rapidamente. Na prática, bastaram três
obras - a melhoria da rodovia MG-251, a recuperação da ferrovia
entre Corinto e Pirapora e a construção do terminal de transbordo em
Pirapora - para transformar a logística de uma enorme área. Do
projeto ao início da operação do terminal foram necessários três
anos, dos quais as obras consumiram apenas dez meses. No caso do
PAC, uma das maiores dificuldades é sua escala faraônica: congrega
2 471 projetos por todo o país, envolvendo desde a construção de
moradias populares até a montagem de refinarias da Petrobras. Tal
gigantismo tem resultado em falta de foco e em uma persistente
lentidão. O governo afirma que já foram investidos no PAC 400
bilhões de reais, ou 63% do total planejado. Mas os recursos
contabilizados incluem financiamentos para imóveis novos e usados e
até mesmo para reforma. Na área de transportes, até fevereiro, o
PAC havia executado em três anos apenas 4,2 bilhões de reais do
orçamento, o equivalente a 16% das metas previstas para o setor em
todo o programa.

EM PIRAPORA, DE SA DA, A RECEITA vitoriosa deriva do


planejamento integrado entre os três estados e as empresas. "A
criação do corredor nasceu do diagnóstico preciso das principais
cadeias produtivas da região", diz Renato Pavan, diretor da
consultoria Macrologística. Contratada pela Vale, a Macrologística
elaborou um estudo que indicou a necessidade de 56 projetos para a
adequação da infraestrutura de transporte ao potencial produtivo dos
três estados. Se tudo for feito, o investimento total será de 16 bilhões
de reais. A um custo de 300 milhões de reais, o corredor ferroviário é
a primeira iniciativa a sair do papel. "De agora em diante, precisamos
do apoio da União para expandir o projeto", diz Sérgio Barroso,
secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais. "Nossa
meta é usar a hidrovia do rio São Francisco, além de expandir a
ferrovia até Unaí." No caso da hidrovia, cabe ao governo federal
promover a dragagem de 1 400 quilômetros do São Francisco entre
Pirapora e Petrolina-Juazeiro, na divisa da Bahia com Pernambuco. A
obra, que deve ser incluída no PAC 2, a ser lançado no dia 29 de
março pelo presidente Lula - antes mesmo de o PAC 1 ter dito a que
veio -, está estimada em 200 milhões de reais. "Quando a hidrovia
estiver funcionando, Pirapora deverá se tornar o maior centro de
distribuição multimodal do interior do país", diz o prefeito da cidade,
Warmillon Braga. "Além de grãos e minérios, o rio tem vocação para
transportar bens de consumo entre as regiões Sudeste e Nordeste." O
projeto prevê também que a ferrovia seja estendida até Unaí, mas
trata-se de uma meta mais remota, pois depende da realização de
um leilão de concessão federal, ainda sem data para acontecer.

Na comparação com o plano feito pelos três estados, chama a


atenção um dos principais problemas do PAC, o planejamento isolado.
o caso das hidrelétricas do rio Madeira - Santo Antônio e Jirau -, que
começaram a ser erguidas sem a instalação de eclusas para a
navegação no rio amazônico, que é o principal escoadouro fluvial da
soja produzida no oeste de Mato Grosso e em Rondônia. "Os gargalos
de transporte das regiões Centro-Oeste e Norte representam um
enorme fardo para o produtor brasileiro", diz Luiz Antônio Fayet,
consultor de logística da Confederação Nacional da Agricultura. "Em
razão deles, a cada ano os produtores deixam de plantar 3 milhões
de toneladas de soja e milho no país." Outra dificuldade diz respeito à
saturação e à ineficiência na gestão dos portos, como é o caso de
Itaqui, no Maranhão. As obras de dragagem e expansão de Itaqui,
mais um projeto do PAC, estão atrasadas cinco anos. Por isso, a
exportação da soja produzida no sul maranhense está emperrada.

Felizmente, a história é outra no porto de Tubarão, destino dos grãos


de fazendeiros como Grando. Operado pela Vale, Tubarão tem
capacidade para movimentar 7,5 milhões de toneladas de grãos por
ano, da qual apenas dois terços foram usados em 2009. "Estamos
apostando no crescimento do transporte de grãos por nossas
ferrovias até Tubarão", diz Marcelo Spinelli, diretor de
comercialização de logística da Vale . A meta da empresa é ampliar
a quantidade exportada de Pirapora, das 400 000 toneladas no ano
passado para 1 milhão em 2011. A perspectiva já repercute
positivamente nos parceiros privados da Vale , como é o caso da
trader Multigrain. "Recentemente, adicionamos 300 vagões em
Pirapora e continuaremos a investir", diz Eduardo Rodrigues, diretor
de logística da Multigrain.

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DIANTE DO AUMENTO DA DEMANDA, o terminal de Pirapora está


em expansão. Seus silos terão a capacidade ampliada em um terço,
para 32 000 toneladas. Uma fábrica de fertilizantes deve ser
inaugurada em 2011. No futuro, o complexo de Pirapora também
prevê a construção de um terminal para biocombustíveis. O ciclo
virtuoso já se faz visível na cidade, onde a instalação do terminal de
grãos criou 500 empregos diretos. Se comparado à produção
brasileira, de 66 milhões de toneladas de grãos por ano, o volume de
3 milhões de toneladas que saem do oeste mineiro e das adjacências
é pequeno. Mas, apenas em Minas e no vizinho sudoeste baiano,
existem 4,8 milhões de hectares - o equivalente ao dobro da área
dedicada ao café no país - usados em pastagens que poderiam
produzir grãos. Agora servida por uma boa infraestrutura logística,
com localização privilegiada, mais perto do mar e ao mesmo tempo
fora da polêmica Amazônia, a região entre Minas e Goiás desponta
como um novo eldorado agrícola. E mostra que - apesar da
burocracia, da pressão ambiental, dos incontáveis controles de
órgãos públicos e de tantos outros obstáculos - dá, sim, para tirar
boas obras do papel.

Lições simples

As virtudes e os primeiros resultados do projeto de integração


logística entre os estados de Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo

1)Planejamento integrado. Em 2007, os governos dos três estados se


uniram para elaborar um plano de melhoria da infraestrutura e de
aumento da competitividade do agronegócio

2)Foco na cadeia produtiva. As ações foram definidas após estudo


para identificar carências de escoamento da produção agrícola no
noroeste mineiro e oportunidades de integração na malha de
transporte

3)Soluções cirúrgicas. O projeto deu prioridade ao uso e à


complementação da infraestrutura já existente. Definiram-se a
recuperação de rodovias e a reativação de ferrovias

4)Parceria com o setor privado. A Vale participa do projeto de


integração com suas ferrovias FCA e Vitória-Minas. Empresas como a
Louis Dreyfuss e a Nova Agri investiram na construção de silos e de
um terminal de transbordo.
RESULTADOS

O custo do frete entre Unaí (MG) e o porto de Tubarão (ES) caiu até
25%, de 60 para 45 dólares por tonelada.
Esse ganho é repassado aos produtores rurais. Encorajados, os
fazendeiros do noroeste de Minas Gerais e de Goiás estão plantando
mais soja e milho

O exemplo que vem de Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo é um


caso primoroso de trabalho conjunto do setor público com o setor
privado. "Se o PAC seguisse o modelo implantado entre Unaí e
Vitória, grande parte dos gargalos nos corredores de exportação do
país já teria sido resolvida", diz Paulo Resende, coordenador do
departamento de infraestrutura da Fundação Dom Cabral.
Diferentemente do grandioso Programa de Aceleração do Crescimento
do governo federal - uma coleção de centenas de obras, muitas delas
amarradas por problemas crônicos de planejamento, atrasos de
licenças ambientais e indícios de superfaturamento -, o corredor de
Unaí-Vitória demonstra como um conjunto de soluções cirúrgicas tem
o condão de gerar resultados rapidamente. Na prática, bastaram três
obras - a melhoria da rodovia MG-251, a recuperação da ferrovia
entre Corinto e Pirapora e a construção do terminal de transbordo em
Pirapora - para transformar a logística de uma enorme área. Do
projeto ao início da operação do terminal foram necessários três
anos, dos quais as obras consumiram apenas dez meses. No caso do
PAC, uma das maiores dificuldades é sua escala faraônica: congrega
2 471 projetos por todo o país, envolvendo desde a construção de
moradias populares até a montagem de refinarias da Petrobras. Tal
gigantismo tem resultado em falta de foco e em uma persistente
lentidão. O governo afirma que já foram investidos no PAC 400
bilhões de reais, ou 63% do total planejado. Mas os recursos
contabilizados incluem financiamentos para imóveis novos e usados e
até mesmo para reforma. Na área de transportes, até fevereiro, o
PAC havia executado em três anos apenas 4,2 bilhões de reais do
orçamento, o equivalente a 16% das metas previstas para o setor em
todo o programa.

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