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Conflitos na História do Brasil

- Regime Militar-
Ditadura Militar
Guerrilha do Caparaó: 1967

A Guerrilha do Caparaó foi uma guerrilha ocorrida na Região Sudeste do Brasil, entre 1966-
1967, onde preparava-se para uma luta armada contra a ditadura militar então estabelecida.
A História do Brasil entre o ano de 1964 até o final da década de 70 foi marcado por
acontecimentos importantíssimos que jamais podem ser esquecidos pelos brasileiros. A Nação
brasileira foi governada por mão de ferro pela ditadura militar onde a democracia ficou à margem.
Foi uma época nebulosa onde a livre expressão e o direito de ir e vir foi cerceado pela censura e
pela imposição ditatorial. Mas como não é possível exterminar o pensamento humano e os ideais de
liberdade, vários vozes se levantaram em movimentos contra o regime então implantado. Dentre
vários movimentos inconformados com a situação vivida, destacou-se em nossa região o levante
denominado Guerrilha do Caparaó. Foi um importante movimento revolucionário e a primeira
oposição armada contra o regime militar ora vivido pelo país.

Ocultamento das informações


Apesar de representar um movimento revolucionário de grande importância histórica para o Brasil,
pouco se falou e pouco se conhece. A sua pouca difusão se deve ao fato de que o governo militar
tinha por princípio abafar e calar qualquer manifestação contra o citado regime. Qualquer
divulgação poderia representar risco para o governo. A imprensa era censurada e não tinha acesso
aos fatos. Aquele que de alguma forma manifestasse o seu pensamento, poderia ser interpretado
como opositor ao governo e declarado subversivo, podendo ser levado à prisão e submetido a
torturas, sem qualquer direito de se defender. Diante do controle da imprensa e do medo de um
povo reprimido, os fatos ficaram sob o domínio e conhecimento de uma parcela reduzida da
população.

Primeiro movimento armado


A Guerrilha do Caparaó foi o primeiro movimento armado que, nos anos de 1966 e 1967, se
levantou contra o regime militar implantado no Brasil em 1964. Foi constituído por intelectuais,
militares cassados e militantes de esquerda que, influenciados pelos ideais revolucionários de Che
Guevara difundidos em toda América Latina e pelo pensamento de Fidel Castro, em Cuba, se
rebelaram contra o governo.

Movimento Nacional Revolucionário


O movimento foi organizado pelo MNR – Movimento Nacional Revolucionário - organização
fundada com o objetivo de lutar contra o regime militar vigente. Baseado em ideais revolucionários,
consistia em estabelecer estratégias e treinar guerrilheiros para, em futuras incursões armadas, lutar
contra o sistema vigente. Segundo o jornalista Gilson Rebello em sua obra “Guerrilha da Caparaó”
publicado pela Editora Alfa e Ômega em 1980, a Casa de Pedra no conhecido Terreirão, localizada
na metade do trilho que dá acesso ao Pico da Bandeira pelo lado mineiro, é o local histórico onde
aconteceu a primeira reunião do MNR.
Os principais municípios que serviram de cenário para a Guerrilha foram Caparaó, Alto Caparaó,
Espera Feliz, Alto Jequitibá, Manhumirim e Manhuaçu pelo lado mineiro e Dores do Rio Preto,
Guaçuí, Santa Marta e Iúna pelo lado capixaba. Nestes locais se viram desfilar um grande
contingente de soldados, comboios de carros de combate e o sobrevôo de um grande número de
aviões e helicópteros de guerra.
Leonel Brizola
Mas sem dúvida o nome de destaque na Guerrilha do Caparaó foi o do ex-governador do Rio,
Leonel Brizola. Cassado pelo governo militar, ficou exilado no Uruguai, de onde passou a
acompanhar os acontecimentos no Brasil. Inconformado com os acontecimentos, se propôs
organizar movimentos de resistência à ditadura militar. Foi o braço direito do MNR acompanhando
e provendo recursos financeiros para financiar o movimento. O movimento chegou a receber
recursos do governo cubano de Fidel Castro que pretendia desviar a atenção de seu país para outros
movimentos revolucionários em toda América Latina.
Interessante notar que Brizola sempre que questionado sobre o movimento de Caparaó, se
esquivava e não gostava de comentar o assunto. Dizia que se tratava de ferida ainda não cicatrizada
e que futuramente se pronunciaria sobre o episódio, porém morreu sem fornecer maiores detalhes.
Provavelmente isto se deve ao fato de que o movimento foi derrotado fragorosamente ou,
possivelmente, pelo fato de ter recebido recursos não “explicados” de governos estrangeiros, o que
até hoje é proibido pela nossa Constituição.
Outro ponto também controvertido é a ligação do movimento de Caparaó e Leonel Brizola com o
movimento revolucionário promovido por Che Guevara. Brizola também não se pronunciou sobre o
caso. No entanto, existe informações do acontecimento de um encontro entre os dois, no Uruguai.
Coincidentemente, ao mesmo tempo que acontecia a Guerrilha do Caparaó, também acontecia o
movimento de revolucionário de Che Guevara na Bolívia. Poucos meses mais tarde, em Outubro
de 1967, foi morto Che Guevara.

Parque Nacional do Caparaó


Para organizar o evento, foi escolhido estrategicamente a região do Parque Nacional do Caparaó,
por ser um região com acidentes geográficos propícios, de difícil acesso, favorável à defesa armada
e com esconderijos naturais. Os guerrilheiros se instalaram na área do parque montando diversos
acampamentos em locais como a Macieira, Casa Queimada, Cristal , do Tatú, Gêmeas, Casa dos
Porcos, Rancho do Antônio Leite, onde revezavam estadia para não levantarem suspeitas. Fizeram
várias picadas que davam acesso ao parque, como a que existe no córrego do Paraíso até a Casa
Queimada e a que passava pela cabeceira da fazenda do Sr. Renê Rabelo em Alto Caparaó,
passando pela Cachoeira do Aurélio, até chegar ao acampamento da Macieira. Este último era o
acesso mais fácil entre a extinta estação ferroviária de Taquaruna e o parque.
O movimento era bem organizado e com estrutura bem montada. Possuíam um armazém na cidade
de Guaçuí, no lado capixaba, onde eram fornecidos os víveres. Os guerrilheiros chegavam de trem
pela extinta ferrovia que cortava a região, desembarcando nas estações de Caparaó e Taquaruna e
permaneceram na região por mais de 5 meses.
Apesar de todo o cuidado, o MNR foi descoberto pelo serviço de inteligência do governo que
imediatamente deflagrou uma operação de guerra denominada “Martelo” e “Bigorna” para sufocar
o levante. A operação contou com o apoio da Polícia Militar de Minas Gerais através do 11°
Batalhão de Polícia de Manhuaçu, do Exército e da Aeronáutica que, no início do mês de Abril de
1967, em poucos dias, rechaçou o movimento revolucionário. Muitas pessoas foram presas,
inclusive moradores das cidades envolvidas que, sob a menor suspeita, eram detidos e submetidos a
interrogatórios e investigações.
O Governo destacou para a região um grande contingente militar composto por milhares de
soldados, pára-quedistas carros de combate, aviões e helicópteros que assustaram as populações das
localidades próximas. Para minimizar as conseqüências, sem assustar os habitantes locais e ganhar
o apoio da população, o Exército também promoveu uma grande atividade social junto às
comunidades, prestando atendimento médico gratuito, palestras nas escolas e programações
culturais com exibição de filmes educativos, dentre outras.
Os primeiros guerrilheiros presos foram Juarez de Souza Moreira e Gregório Mendonça logo após o
desembarque na estação de trem da cidade de Caparaó. Um grupo de guerrilheiros, após muita
perseguição, saiu da área de Caparaó, passaram pela Vargem Grande em Alto Jequitibá,
atravessaram a região de Luizburgo e foram presos quando estavam alcançando a rodovia BR 116
próximos a São João do Manhuaçu. Um grupo de oito guerrilheiros foi preso em um dos
acampamentos situados na área do parque chamado de Fazendinha, após um de seus integrantes ter
sido preso em Alto Caparaó onde fora conseguir medicamentos para um dos guerrilheiros que
estava doente atingido pela peste bubônica. Dois outros guerrilheiros foram presos em uma
barbearia em Espera Feliz quando participavam de uma missão para levarem cartas para o comando
da Guerrilha. Ainda outros dois guerrilheiros foram presos no córrego da Vista Bela, pouco depois
de desembarcarem na estação de trem de Taquaruna, ocasião que, segundo informações, foi a única
vez em que houve troca de tiros entre as forças revolucionárias e as forças do governo. Os
guerrilheiros presos foram enviados para o presídio de Linhares em Juiz de Fora, em Minas Gerais
onde cumpriram pena. Foram investigados e submetidos impiedosamente a torturas de todos os
tipos.
Dentre alguns fatores que contribuíram para o insucesso do movimento destacam-se alguns:
Primeiramente não contaram com o apoio da população local. Nesta época o comunista carregava
um pesado estigma, principalmente entre a população menos informada. Era visto como pessoa do
“mal” contra a religião, contra a moral e os bons costumes. Os guerrilheiros cabeludos, barbudos e
com mochilas nas costas bem ao estilo “Che Guevara” não eram bem quistos. Além disso, para
sobreviverem, os guerrilheiros subtraíram e abateram animais de fazendas vizinhas ao parque,
motivo pelo qual foram denunciados pelos proprietários. Enfrentaram ainda um clima muito
desfavorável nos últimos meses de treinamento. Foram meses de incessantes chuvas e temperaturas
próximas de zero grau, comuns no Pico da Bandeira. Guerrilheiros foram infectados pela peste
bubônica transmitida por ratos, comuns naquela região, principalmente em se tratando de
acampamentos improvisados.
Apesar de sua pouco divulgação a Guerrilha do Caparaó hoje já faz parte de alguns livros de
História. O assunto tem despertado o interesse de muitas pessoas. Já em 1980 o jornalista Gilson
Rebello escreveu “A Guerrilha do Caparaó” que traz importantes revelações sobre o assunto,
principalmente por vivenciar junto com o guerrilheiro Amadeu Rocha uma viagem pelo local da
Guerrilha. Recentemente o também jornalista capixaba José Caldas da Costa produziu um excelente
trabalho A Guerrilha do Caparaó – que, mesmo antes de ser publicado, virou tema de um
documentário premiado, recebendo o prêmio "E tudo verdade"
Também pode-se conhecer mais sobre a Guerrilha conversando com habitantes da Região de
Caparaó contemporâneos ao movimento. Dentre estas pessoas que presenciaram os acontecimentos
está o Sr. Juvercy Emerick, residente em Alto Caparaó, é funcionário aposentado do Parque
Nacional do Caparaó e hoje se encontra com sua saúde já bastante abalada. Ele foi um dos que, pela
sua experiência e conhecimento do local, serviu de guia para as forças militares em suas incursões.
Foi ele quem levou os militares ao local onde foi preso o “Grupo dos Oito”. Segundo ele me
informou, existe até hoje muito armamento escondido pelos guerrilheiros na região do parque e que
provavelmente nunca serão achados.
A Guerrilha do Caparaó não pode ficar esquecida pela nossa História, principalmente para os
habitantes da região do entorno do Parque Nacional do Caparaó. A sua importância se dá por ser o
primeiro movimento armado a se levantar contra a ditadura militar ora implantada. Apesar de ser
violentamente sufocado, também serviu para fazer aflorar o sentimento democrático e incentivar
novos movimentos com o mesmo objetivo, como a Guerrilha do Araguaia, e culminar mais tarde
com a abertura política, a anistia aos exilados e presos políticos, a redemocratização do País e o fim
da Ditadura Militar com a eleição de Tancredo Neves.

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