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São Paulo, 22 de março de 2010.

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo


Teoria Geral do Estado I – Monitoria
Grupo XX – Turma 22 - Sala João Mendes Junior – Seminário aula IV
Ferrajoli, Luigi. A soberania no mundo moderno.

O conceito de soberania é uma das bases da teoria do estado moderno. O texto aborda a
evolução da idéia de soberania, desde as suas primeiras formulações, ligadas, segundo Ferrajoli, à
necessidade de legitimar a conquista do Novo Mundo, até o conceito atualmente mais adequado à
evolução do Estado.
Até o final da Idade Média inexistiam conflitos entre o poder do Estado e outros poderes,
não havendo a necessidade de se formular um conceito de soberania. A primeira parte do texto descreve
a teoria de Francisco de Vitoria, datada do início do sec XVI, que lançou as bases da configuração do
chamado Estado soberano. Sua primeira inovação foi substituir a idéia medieval do domínio universal
do papa ou do imperador pela de uma sociedade de estados soberanos, subordinados externamente ao
chamado direito das gentes e internamente às próprias leis do Estado. Esta sociedade natural universal
reunia um conjunto de direitos, os quais, de acordo com Ferrajoli, serviam apenas para legitimar os
interesses políticos e econômicos da Europa colonizadora.
Dentre estes direitos (direito de se comunicar, de viajar e se estabelecer, de comércio, de
ocupação, de migração, de catequização) destaca-se o direito à guerra, tornando esta legítima quando os
direitos anteriormente mencionados encontrassem-se em risco. No entanto, a guerra só se justificava em
caso de ofensa grave (como sanção) e a mesma também era submetida ao direito, não se admitindo a
violência desmedida.
Os processos de secularização e absolutização do estado, juntamente com a influência do
jusnaturalismo, puseram abaixo as teorias de Vitoria, uma vez que o Estado tomou a forma de “pessoa”,
não mais sujeita às próprias leis e fonte única de produção jurídica, tornando-se independente de
qualquer outra fonte de direito que não o próprio Estado.
Esta situação criou a ambígua situação: internamente, o Estado soluciona a situação de
guerra contra todos, garantindo a paz; externamente, a sua soberania somada à dos demais estados, e à
total ausência de ordem jurídica superior a todos estes estados produz uma situação semelhante a do
estado de natureza de Hobbes. Os direitos naturais de Vitoria perdem aqui todo o sentido, passando as
relações entre os estados a se reger não mais por aqueles, mas pela força dos estados mais fortes, num
estado de guerra permanente.
A noção de que os habitantes do Novo Mundo viviam em um estado de natureza, inferior,
portanto, ao estado civil em que viviam os europeus, dá aos mesmos legitimidade para sua expansão,
com o propósito de “civilizar” os povos inferiores, e submetê-los à sua influência.
A partir da Revolução Francesa, esvazia-se, paulatinamente, o conceito de soberania
interna. Pode-se entender esta soberania como uma não-soberania, uma vez que o liberalismo, limitando
a função do estado, somado às limitações impostas pela divisão dos poderes, estrita submissão à lei, aos
direitos fundamentais, retira a titularidade da soberania do Estado, pois já não existe nenhum poder
absoluto para ser exercido. Todos os poderem se submetem ao direito.
Em relação à soberania externa, Ferrajoli atesta que esta se absolutiza e se legitima na
mesma medida em que a soberania interna é limitada. As situações geradas pelas relações internacionais
contemporâneas – culminando nas duas guerras mundiais, só reforçam o índice de aumento da
selvageria do estado de natureza em que encontram-se os estados.
Duas consequências são apontadas para esta política de falta de limites à soberania externa
dos Estados (isto é, o único limite é a força do outro). A primeira é a negação do direito internacional,
uma vez que cada Estado reconhece como direito apenas o produzido por si próprio.
A segunda consequência é a tendência expansionista, que leva os Estados mais fortes a
promoverem a sujeição e destruição de povos e culturas com menos força, considerados inferiores pelos
mais civilizados. A “razão de Estado” é trazida à tona, devidamente modificada para uma razão de
potência, onde prevalecem sempre os interesses do próprio Estado.
Inúmeros exemplos desta situação podem ser elencados. A “repartição” da África pelos
europeus, os movimentos ultranacionalistas do início do sec XX, o antissemitismo disseminado por
algumas nações européias. Movimentos mais recentes, como a Guerra no Iraque, trazem traços nítidos
desta razão de potência sobrepondo-se à soberania de estados que não contam com um grande poder
bélico.
Com a Declaração universal de 1948, vários estados democráticos incorporaram em seus
ordenamentos os antigos direitos naturais, como sendo direitos universais. No entanto, a ordem jurídica
interna dos estados, por ser exclusiva aos mesmos, privilegia o “cidadão” interno em detrimento do
“homem”, tornando a generalidade e a universalidade dos direitos humanos apenas parcial.

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