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almanaque slow food

Campanhas, biodiversidade, educação.

Estas três palavras, através do olhar do Slow Food, trazem-nos centenas de ex-
periências concretas, diárias. E saberes, mãos, tradições, sabores...
Dos agricultores africanos, que cultivando uma pequena horta, conseguem re-
conquistar sua soberania alimentar, o orgulho de seus alimentos, um futuro me-
lhor que fala dos produtos locais. Das crianças francesas, que mergulhando suas
mãos na terra escura, aprendem o valor de um tubérculo, de um rabanete. Das
mulheres da Palestina, que inauguraram, em Nablus, uma empresa social basea-
da na cultura gastronômica local, onde realizam programas educacionais, sociais
e culturais. Dos pastores da Sérvia, que lutam pela preservação das raças locais
em risco de extinção. Dos consumidores uruguaios e americanos, que querem,
com razão, ver os OGMs indicados nos rótulos. E poder escolher. Dos jovens,
que com suas ideias e sua música, estão conquistando a Europa.
A rede do Slow Food e Terra Madre, cada vez mais articulada e criativa, mostra
que, diante dos grandes paradoxos do sistema alimentar mundial, a resignação
não deve ser a atitude comum. Devemos atuar com determinação, inteligência,
confiança, capacidade de questionar tudo, produzindo pequenas mudanças sig-
nificativas em nosso dia a dia. Ensina que a energia de todos os sorrisos e mãos
que aparecem neste Almanaque têm um potencial enorme. Todos juntos con-
tribuem para uma transformação lenta, mas radical. Sabemos que muitos dos
alimentos presentes no mercado não contribuem para o nosso bem-estar, para a
saúde do planeta, ou para sustentar as comunidades camponesas. Mas também
sabemos que existem alternativas. Ou que é possível criá-las.
E esta é a nossa força.
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responsibility of the author and the European
resumo NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS
Caros amigos 8
Commission is not responsible for any use that Por um alimento saudável e uma agricultura camponesa 10
may be made of the information contained therein. Soluções simples para um futuro melhor 13
Chega de criações intensivas 16
Pescadores como pastores 19
No prato, não no lixo 22
Corrida pela terra 24
Não aos OGM 28
Escreva no rótulo! 31
Dançar no futuro 33

BIODIVERSIDADE
Lutando pela vida do planeta 38
A Aliança torna-se internacional 41
Rótulo, conte-me uma história... verdadeira! 44
Como as contas de um rosário 46
Da fama à obscuridade 48
O mapeamento da biodiversidade dos Bálcãs 50
O Almanaque do Slow Food
A karacanska e as outras 53
Internacional
Unidas sob o signo do alimento 56
Investir em tradição 60
Editora-Chefe Recomeçando com o arroz vermelho 63
Silvia Ceriani Taste the Diversity 66
Os rostos do nosso alimento 68
Conselho Editorial No país dos kvevri 70
Serena Milano, Percurso comum 72
Raffaella Ponzio Sustentável em todos os sentidos 74
A Albleisa reencontrada 77
Editoração Um queijo com dupla identidade 80
Clarissa G. Becker, Aurélie Sabores asiáticos 82
Blain, Juan Bureo, Ursula Puro pu’er 84
Hudson, Flora Mistano,
Bess Mucke EDUCAÇÃO
© Copyright 2013 Educar segundo o Slow Food 88
Tradução Slow Food Uma viagem às origens do gosto 90
Sharon Atkin, Juan Bureo, Piazza XX Settembre, 5 – Bra Para o gosto de saber cada vez mais 94
Giulia Fabioux, Davide Tel. +39 0172 419611 A transmissão entre gerações 96
Forno, Elena Giovanelli, Fax +39 0172421293 Uma família universitária que cresce 100
Flora Mistano, Paola Nano, international@slowfood.com Os relatos dos alunos para restabelecer a fertilidade do solo 102
Francesco Peri, Carla Ranicki, www.slowfood.com Alunos exploram a agricultura, a comida e a cultura da África do Sul 104
Annette Seimer, Viktoria Artesãos do alimento 106
Smelkova, Julia Vistunova Urbanismo e comida 109
A transição na cozinha 112
Direção artística, As vozes da Terra 114
layout e aplicação web O coração de uma rede: a horta da Lowry Elementary School 117
Paolo Rubei A Casa da dignidade 120
Para melhorar a merenda escolar 122
Litographia Photo-Offset Ações para um desenvolvimento sustentável 124
Virgola Graphica, Siena
Apêndice
Capa Dentro dos números 130
© Ivo Danchev As Fortalezas Slow Food no mundo 135
Criador da raça karakachan A organização 138
Arca do Gosto 140
Fechamento Mil hortas na África 141
31/07/2013 As nossas campanhas 142
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

© Bigi Morle

NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS


6 ALMANAQUE 7
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

archivio slow food


Caros amigos,

cada encontro do Slow Food é sempre uma troca riquíssima, que nos
permite ver de perto a nossa extraordinária diversidade e perceber
como podem ser ampliadas as nossas perspectivas. Teremos mais
uma oportunidade com o AsiO Gusto, no próximo mês de outubro e,
de novo, com o próximo Terra Madre Indigenous Peoples de 2015, um
evento extraordinário para as populações indígenas do planeta.
Quando participei do encontro das populações indígenas nas Na-
ções Unidas, mais uma vez dei-me conta de que a sabedoria desses
povos deve ser uma fonte de inspiração para todos nós. A violência
contra os indígenas não apenas merece a nossa atenção, mas nos
obriga a atuar com uma maior humanidade, para defender esses
povos, que conseguem manter uma relação realmente harmônica
entre homem e natureza.
Mas os episódios em que a natureza é vítima da violência por parte
do homem são cada vez mais frequentes.
É a mesma violência que atingiu as populações indígenas e, onde
não houve genocídio físico, houve um genocídio cultural.
O futuro da humanidade deverá partir de uma base diferente, deverá
ter um respeito cada vez maior pelos povos indígenas, pelos jovens,
pelos idosos: por todas as categorias pouco consideradas no mun-
do da alta economia. Mas é a partir delas que o futuro do planeta
pode se tornar sustentável. Ouvir a voz das mulheres, dos idosos,
dos jovens e dos indígenas deve ser a primeira e a mais importante
atividade realizada nos convivia e nas comunidades do Slow Food.
Isto não é poesia, é realidade. Estas pessoas são o futuro do plane-
ta, e todos aqueles que pensam que estão à margem da sociedade,
estão muito enganados. De todas as comunidades do alimento do
Terra Madre, não há uma que não envolva as mulheres, em que a
sabedoria dos idosos não seja levada em conta...
Olhando para as comunidades indígenas, descobrimos a moderni-
dade de suas práticas. E, de uma vez por todas, vemos como, com o
nosso trabalho, estamos defendendo e apoiando as vanguardas do
planeta, que têm um conceito de desenvolvimento diferente do con-
ceito que coloca o lucro e a arrogância dos fortes antes de tudo.
Nós estamos do outro lado: somos aqueles 99% da humanidade
que têm menos poder do que o 1% que detém os grandes capitais,
mas isto não pode continuar assim para sempre.
Terra Madre foi mestre de vida, ensinou-nos que a gastronomia não
é um direito de poucos, mas de todos; que os recursos do planeta
não são ilimitados, mas que podem acabar; que a real democracia é
uma prática diária. Quem achar que tudo isto faz parte de uma visão
poética, não entendeu nada: nós não fazemos poesia, mas acredi-
tamos que a poesia pode mudar o mundo. Não estamos aqui para
ganhar dinheiro, mas para ser felizes. E se o homem for realmente
sapiens, mais cedo ou mais tarde vai se dar conta de que este siste-
ma destruirá o meio ambiente. Este é o futuro, e quem nos mostrará
o caminho serão os indígenas, as mulheres e os idosos.

Carlo Petrini

8 ALMANAQUE 9
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

todos os links
.eu/press.html
www.goodfoodgoodfarming

Ph. Courtesy of Good Food Good Farming Campaign/CAP Snaps


www.arc2020.eu
A Good Food Mar- www.wamkat.de
em toda a Europa.
la Arc2020, a Agri- .de
ch foi organizada pe goodfoodmarch.zs-intern
e s a l e m
ã e s Convention, junto a
s u m i d o r cultural and Rural www.meine-landwirtschaft.d
e
A lemanha e c o n u m a s em diversos países
c u l t o r e
s
m a i s p o
r inúmeros parceiro
O s a g r i a d a v e z e j u s t a nto principal da www.gruenewoche.de
i l i z a m c e n t á v e l europeus. O mome
s e m o b i s s u s t foi o encontro de
t u r a m a Good Food March
a g r i c u l quatro regiões.

u m
bicicletas vinda s de

Juntos po r A etapa alemã teve


com a iniciativa co
início em Munique,
ntr a o desperdício,

el
tt Tonne” (no prato,

á v
intitulada “Teller sta

alimento sa u d não no lixo !), organiza


Alemanha e seus pa
da pelo Slow Food
rceiros. Os prota-
foram o cozinheiro

a
gonistas da iniciativa

r i c u lt u r Wam Kat & Fläming


Kitchen e muitas

e uma ag
lm en te defeituosas: nos
verduras visua
rmalmente estas
supermercados, no
ad as; Wam Kat, ao
verduras são descart
para preparar uma
contrário, utilizou-as

camponesa
00 pessoas.
bela refeição para 15
rre ram quase 1200
Os ciclistas perco
Bruxelas, atraves-
km de Munique a
s. Organizado pela
sando quatro paíse
Iris Kiefer

od, o gran finale da


Arc2020 e o Slow Fo
foi um cortejo mul-
Good Food March
ch s de Bruxelas até o
Good Food Mar ticolorido pelas rua
om ida boa, agricultura To nne , onde realizaram o
Co m o lem a “C
movi- e Tell er st att Parlamento Europeu
sc en do um no vo od Fo od March de e a conferência pela
boa”, está cre res Po ocasião da Go Good Food Brunch
mento de produtor
es e co ns um ido
meira vez, agricult
ores agrícola comum. A
vi- 2012, pela pri reforma da política
na Alemanha e na
Eu rop a. Um mo
idores europ eu s for am até este movimento
el, uma e consum 100 Arc2020 prossegue
alim en to sa ud áv ipa ram ce rca de pro du tores e consu-
mento por um Bruxelas. Partic extraordinário de
justa e pela agri- iativas de 20 países od Food, Good Far-
produção alimentar organizações e inic midores com a Go
cultura campon es a. mais de 50 ações toda a Europa.
da UE, realizando ming Campaign em

10 ALMANAQUE 11
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

África
A Á f r i c a é u m a t e r r a d e c r i s e s p r o f u n das e g r a n d e s r i q u e z as .
U m p r o j e t o s i m p l e s , c o m o b j e t i v o s c l a r o s , m o s t r a q u e e s ta s
r i q u e z as p e rt e n c e m à s co m u n i da d e s lo c a i s

Soluções simples
para um futuro melhor
Marta Messa

A campanha
Agricultur a
para a Minha
a, a ca mp anha Meine Lan-
Na Alemanh
agricultura ), lança-
dwirtschaft (minha
10 , é o destaque do
da no final de 20
ento bom. Com
movimento pelo alim
40 organizações
o apoio de mais de
Slo w Food Alemanha
– entre elas o Kirikú é uma criança magrinha, extre- Mas estas não são cenas de um dese-
iro importante – li-
representa um parce mamente curiosa. Quando acontece al- nho animado, são o cotidiano das hortas
, proteção ambien-
gadas à agricultura guma desgraça na aldeia onde vive, as nas comunidades africanas. A vida real,
umidor e do bem-
tal, proteção do cons pessoas idosas atribuem a culpa à bru- obviamente, nem sempre é tão colorida
da cooperação ao
estar animal, além xa malvada Karabá. Kirikú, ao contrá- como a de Kirikú, como mostram os
ag ora a campanha
desenvolvimento, rio, olha em volta, tenta entender e, no depoimentos dos coordenadores africa-
rientação da polí-
está envolvida na reo final, é ele quem resolve os problemas. nos. Mas também explicam que as Mil
.
tica agrícola europeia O menino de quem estamos falando é hortas são um pouco como Kirikú: muito
am org an izados eventos dicando uma po-
Para isso, for so bre a 20 mil pessoas reivin o protagonista de um curta animado, pequenas comparadas aos problemas
de vários tipos pa
ra inf orm ar is ecológica e justa.
s glo ba is e pa ra lítica agrícola ma ao mesmo
mas, na realidade, suas aventuras não da África, mas podem indicar soluções
PAC e seus impa cto estação aconteceu estão muito distantes da realidade. simples para um futuro melhor.
o diá log o en tre produtores A manif rên cia Int ernacional
promover da ref orm a tempo que a Confe rante Numa das cenas, toda a aldeia de Ki-
e consumidores. O
ob jet ivo s da Agricultura, du
ola da UE de 20 13 é dos Ministro od an d Ag ricul- rikú cultiva uma belíssima horta, onde Os problemas da África
da política agríc al Forum for Fo crescem feijões, berinjelas, ervas Sid Ali Mohamed Abdi tem 65 anos e
da nç a no sis tem a produtivo o Glob se mp re no pri me iro fim
uma mu ture, realizada medicinais. Preparam o terreno, as vive na Somália, onde é agricultor e co-
agricultura susten- feira mundial de-
que conduza a uma so , de semana da maior mulheres carregam cestos cheios de ordenador das hortas em seu país. Fa-
Ph. Courtesy of Good Food Good Farming Campaign/CAP Snaps

mp on es a. Alé m dis , a Internationalen


tável, social e ca ada à agricultura sementes da safra anterior e mudas lando dos problemas de sua terra, diz:
es de ag ric ul- dic Inter-
a campanha organiza
red e (Semana Verde
res , ec olo gis tas , ati- Grünen Woch cultivadas na sementeira, uma criança «A situação da Somália nos últimos 20
tores, consumido .
nacional), em Berlim afasta as galinhas que se aproximam anos, todos conhecem. Mas acho que
imais e ambienta- od March e da mani-
vistas pró-direitos an f Alé m da Go od Fo para comer as sementes. Um pouco quem não viveu não consegue imaginar
mo o Bauer hält Ho es satt, a campa-
listas, e debates co da ). festação Wir haben mais ao longe, uma mulher com uma o nível de degradação, de desespero,
fen de a su a faz en haft promoveu
(o agricultor de , foi rea li- nh a Meine Landwir tsc 11, enxada cava um canal que liga a hor- o terror de muitas pessoas. A crise da
Como parte da ca
mpan ha camponeses de 20
ma nif es taç ão Wir a reunião de mã es, vin do s ta ao tanque de coleta de água. Assim Somália, entre guerra civil, guerras tri-
zada a importante agricultores ale que a água começa a fluir, Kirikú corre bais, banditismo, secas e enchentes,
tt (es tam os ch eio s!) que, quando os dif ere nte s, reu ni- Nota
haben es sa de quatro caminh junto, olhando a água entrar nos canais é considerada a pior do mundo e, em
, chegou à terceira em nome de uma * Sid Ali Mohamed faleceu em
em janeiro de 2013 de ma is de ram-se em Berlim maio de 2013. Vamos lembrar menores entre os canteiros, e canta e parte, fomos nós mesmos que a cria-
rtic ipa çã o is justa.
edição, com a pa política agrícola ma dele com grande carinho. pula de alegria com os outros. mos com nossas próprias mãos. Ago-

12 ALMANAQUE 13
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

em terras ociosas e, graças ao apoio do


Slow Food, foram criadas 15 hortas em
15 vilarejos. Parece um número irrisório,
considerando quantas seria preciso criar,
mas na Somália estes são os modelos
que funcionam melhor». Sara acredita na
força dos jovens, que nunca perdem as
esperanças, sempre encontrando novos
recursos. «Com um projeto como o de
Nawaya queremos ressaltar de onde re-
começar, retomando a história milenar da
nossa agricultura. Por isso, olhamos para
a natureza, que nos oferece modelos que
são uma inspiração, mas também para
as novas ferramentas de comunicação.
Atualmente, temos apenas 17 hortas,
mas é um bom ponto de partida para
dar valor ao alimento e à cozinha egípcia,
resgatando a importância da agricultura e
preservando as sementes.»
Abdon tem outro enfoque e insiste no
papel dos cozinheiros para valorizar a
riqueza dos produtos: «Convido os co-
zinheiros de todos os países africanos a

As hortas e a reconstrução
Há problemas, mas também inúmeras so-
luções possíveis. Para Sid Ali, «o primeiro
passo para o Baixo Shabelle é recome-
çar a partir da agricultura. Com a ajuda
da ong Water For Life, estabelecemos as
bases para uma retomada, criando uma
escola de agronomia e escolas primárias
nos vilarejos da zona rural. Além disso,
graças à Fundação Slow Food para a
Biodiversidade, redescobrimos a horta e
a sua importância para a dieta e a saúde.
Os alunos de alguns vilarejos estão co-
laborando com projetos de reflorestação

ra que, teoricamente, tudo acabou, e muitas vezes, não sabemos como lutarem incessantemente para valorizar
nasceu um estado democrático depois negociar, como construir novas infra- os nossos produtos locais, a nossa gas-
de 20 anos de anarquia, há toda uma estruturas, como enfrentar problemas tronomia local. Há outros cozinheiros
economia que deve ser reconstruída.» como a improdutividade do solo, a na África que são nossos mestres. Para
A coordenadora das hortas no Egito, péssima gestão dos recursos hídricos, conseguir valorizar o que é tradicional,
Sara El Sayed, tem 32 anos. Para ela, a perda de competências.» todos os links precisamos criar uma união, uma siner-
que viveu a revolução, falar de crise e Abdon Manga, 44 anos, da Guiné Bis- gia com estes cozinheiros, ajudando a
Mil hortas (youtube)
dificuldades significa também falar de sau, traz a sua experiência de cozinhei- resgatar as nossas origens.»
esperança e mudanças. «Nós, egíp- ro: «Todos sabemos que o nome África www.nawayaegypt.org Na África, uma horta significa cultivar e
cios, levantamos a cabeça e declara- está geralmente ligado a guerras, pro- comer alimentos locais, sem depender
mos ter orgulho de nossa identidade. blemas, instabilidade política e militar. de ajuda alimentar e de importações.
@ Oliver Migliore

Assistimos ao desmoronamento de Mas também sabemos que a África é o É o caminho para um futuro melhor. O
nossa economia num país onde 40% continente mais rico do mundo, e esta Slow Food trabalha para que muitas
da população é analfabeta e onde, riqueza deve começar a dar frutos.» comunidades possam percorrê-lo.

14 ALMANAQUE 15
Bem-estar animal

© Javier Pierini/Corbis
Os a n i m a i s n ã o s ã o o bj e tos : h oj e o be m - e sta r d e
u m a s o c i e da d e c i v i l é e q u i va l e n t e ao b e m - e sta r
q u e co n s e gu e ga r a n t i r a to d os os a n i m a i s

Chega de criações
intensivas
Piero Sardo

Um dia, há alguns milhares de anos, plicou também na responsabilidade


muito provavelmente no Iraque ou, do homem em relação aos seres vivos
de qualquer forma, no Crescente submetidos às suas necessidades.
Fértil, um homem se aproximou de Durante muito tempo, o homem não se
um lobo, um animal muito sociável, preocupou com esta parte do fenômeno
menos agressivo que seus similares. da domesticação. Durante séculos, os
Começou a passar mais tempo com animais domésticos foram considerados
ele, a lhe dar de comer, a mantê-lo pouco mais que objetos. Eram manti-
separado de sua matilha, controlando dos vivos, alimentados, não importando
a reprodução e selecionando apenas como, e depois abatidos, eliminados,
os exemplares mais dóceis: começou abandonados, mortos sem nenhuma
a domesticá-lo, iniciando a extraordi- hesitação. Foi o progressivo aumento da
nária relação que se criou, a partir de “ética” nas relações sociais, iniciado há
então, entre humanos e cães. poucas décadas, que despertou a aten-
ção dos homens para os animais. Uma
Domesticação sensibilidade moderna, que se expres-
A partir daquele gesto de aproximação sou num estilo de vida que, cada vez
e, depois, de domesticação e do uso mais, abandona ou limita o consumo de
de um animal pelo homem, a história da carne, impondo leis defendendo o bem-
humanidade mudou, começando o ine- estar animal, querendo aumentar o amor
xorável fenômeno de evolução que, de e a atenção com todo o mundo animal,
modo muito superficial, chamamos de não só com os animais domésticos.
“progresso”. A domesticação dos ani-
mais favoreceu um avanço na história Exploração
da civilização, a ponto de que as popu- Mais recentemente, mais ou menos a
lações que puderam utilizar os animais partir do pós-guerra, verificou-se outro
domesticados prevaleceram sobre as fenômeno: o acesso do capitalismo
populações que não tiveram esta opor- industrial ao mundo agrícola e a com-
tunidade. Mas o gesto de aproximação pleta transformação das práticas de
entre duas espécies de mamíferos im- cultivo, de manipulação de alimentos

17
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

e métodos de criação. Os seres vivos corte são uma loucura, sob todos os
úteis ao homem voltaram a ser consi- pontos de vista, dando trabalho a ape-

© Alessandro Astegiano
derados objetos, e sua exploração foi nas uma dezena de pessoas, prejudi-
implacável. Todos tendemos a ignorar cando o território, consumindo água,
que esta tragédia acontece a poucos energia, medicamentos. Não seria me-
metros de nossas casas. Uma grande lhor dividir este rebanho excessivo em
contradição moderna: milhões de ani- 10 ou 15 pequenas fazendas, quem Slow Fish
mais de estimação vivem mimados em sabe em regiões marginais, formando O a u t o r d e Fo u r F i s h e x p l i c a u m t i p o d e a b o r d a g e m
nossas casas; longe do nosso olhar, pequenos agricultores do ponto de que permitiria que pescadores de pequena escala e
mas nos mesmos lugares, milhões de vista cultural e ambiental? Poderá ser pequenos portos continuassem trabalhando
porcos, galinhas, vacas, coelhos, são uma produção menos eficiente, mas

Pescadores
vítimas de um sofrimento atroz. sem dúvida melhor de vários pontos
Sem exigirmos que acabem com as de vista. A questão é se queremos
criações intensivas; sem pensarmos, conseguir o preço mais baixo com a
ao comer um bife, que por trás há um eficiência, ou o preço mais justo com
tratamento cruel de muitos animais,
como podemos dizer que amamos
os animais? Acabar com as criações
intensivas é o primeiro passo se quere-
a pequena e média empresa agrícola
multifuncional, reduzindo o consumo
e o desperdício. Todo raciocínio sobre
o bem-estar animal deve partir desta
como pastores
mos falar de bem-estar animal. E dian- premissa: chega de criações inten- Paul Greenberg*
te das inevitáveis reações contra este sivas e de instalações de produção
atentado à economia, à segurança ali- gigantescas. Os animais não são ob-
mentar, à livre empresa, será preciso jetos: hoje o bem-estar de uma socie-
responder que, independentemente do dade civil é avaliado também segundo
escândalo destes sistemas de criação, o bem-estar que consegue assegurar
rebanhos de 400 vacas leiteiras ou de aos animais, a todos eles.

Ted Ames e eu tivemos oportunidade da os territórios ancestrais poderiam


de conversar sobre a pesca do baca- ser colonizados.
lhau, especialmente sobre a gestão da A abordagem estabelecida pelo Sus-
pesca deste peixe que, no passado, tainable Fisheries Act é inadequada: a
povoava suas águas nativas, da cos- comissão para a pesca na região da
ta que vai de Portland, Maine, para o Nova Inglaterra tem boas intenções,
norte, passando por Boothbay Har- mas é distante e toma decisões apa-
bour e Stonington, até a fronteira com rentemente arbitrárias e pouco atentas
o Canadá. Ames é um ex-pescador sobre áreas de pesca sobre as quais
comercial de bacalhau, filho e neto de tem um conhecimento superficial. (…)
todos os links pescadores de bacalhau, e foi graças a
seu vínculo com a história do bacalhau
Ames acha que o ideal seria ouvir a
opinião dos pescadores sobre a ges-
www.slowfood.com/slowfish que conseguiu embarcar num projeto tão do peixe, do qual depende sua
www.fourfish.org de reconstrução histórica (…). própria existência. É preciso ouvir os
pescadores de pequena escala, in-
Para que o mar teressados na região e em seu peixe.
seja repovoado Pois quando não houver mais peixes,
A pesquisa mostrou que, embora ain- para eles será uma derrota.
da vagos, há sinais biológicos de re- «A analogia apropriada é aquela dos
cuperação. Por esta razão, é urgente primeiros Estados Unidos com seu
uma nova abordagem. Pouco a pou- sistema de governo», explica Ames.
co, o bacalhau está voltando aos ve- «Um sistema onde formas de governo
lhos territórios (…). Ames acredita que federais, estaduais e locais represen-
com a gestão correta, em uma déca- tam diversos níveis de interesse, inte-

18 ALMANAQUE 19
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

ragindo entre si de forma construtiva».


Este é um modelo que foi aplicado
com sucesso a um animal que é um
ícone do estado do Maine: a lagosta.
Hoje há quase 7.000 pescadores de
lagostas no Maine, divididos em uni-
dades comunitárias, cada uma com
conhecimentos profundos e com res-
ponsabilidade de assessorar o estado
na gestão de um trecho de oceano de
1.600 milhas quadradas. Os pescado-
res não podem trabalhar numa área se
não forem residentes, se não possuí-
rem um barco e se não demonstrarem
um compromisso sério com os recur-
sos do mar. (…)

Conhecimento,
compartilhamento
Ames acredita que se também hou-
vesse um sistema parecido para o humanos e animais. Havia também a Ou também o afluxo de peixes jovens
bacalhau, pouco a pouco poderia proposta de um trecho da região ser na área: criaturas imaturas e frágeis,
configurar-se o mesmo tipo de recu- dividido em lotes entre os pescadores muito pequenas para a venda e, ao
peração administrada. Mas também com conhecimentos comprovados mesmo tempo, fundamentais para as
sabe que organizar uma nova frota de da fauna da área de sua competên- futuras gerações de peixes destina-
pescadores locais não é suficiente. O cia, seus hábitos de reprodução, as dos ao comércio. Peixes, enfim, que
que ele imagina é uma nova espécie formas de criação e a velocidade têm um valor muito mais elevado no
de pescador, uma espécie que co- com que se desenvolvem. Em cada mar do que mortos e congelados.
nhece o ecossistema como a pesca. lote (…) os pescadores colaborariam Ao ouvir Ames, percebi que, para ele,
«Acho que a maior lacuna da gestão é com a gestão, adaptando seus equi- os pescadores, os últimos caçadores-
que nem os pescadores, nem os ges- pamentos não para pescar mais, mas coletores do mundo, tornaram-se pas-
tores, têm conhecimentos suficientes para pescar apenas os peixes cuja tores. A única diferença é que estes
para lidar com uma questão tão com- captura não prejudica o ecossistema. pastores trabalhariam como consulto-
plexa como um ecossistema marinho Assim, um pescador deixaria de pes- res com cientistas e administradores
costeiro», disse Ames, com a voz em- car em sua área bem antes da pesca para entender como a tecnologia mo-
bargada. (…) diminuir, isto é, aos primeiros sinais de derna pode ajudá-los a valorizar o seu
Ouvindo a explicação de Ames, per- uma fase crítica para o ciclo vital de território da melhor forma.
© Fokke Van Saane

cebi que aquilo que eu imaginava um determinado peixe. O surgimen-


era o que, historicamente, definiu as to de adultos prontos para a desova, Artigo extraído de Four Fish, Slow Food
relações mais estáveis entre seres poderia ser um sinal para não pescar. Editor 2012

20 ALMANAQUE 21
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

Reduzindo o desperdício
O m o d e lo da s u p e r p r o d u ç ã o e as r e l a ç õ e s e n t r e
U n i ã o E u r o p e i a e pa í s e s e m d e s e n vo lv i m e n to

No prato,
não no lixo Stig Tanzmann

A campanha Teller statt Tonne (no 2010, dirigido por Valentin Thurm, foi dores, não podemos ver ou controlar vimento são dedicadas aos “cultivos
prato, não no lixo) foi lançada na Ale- esclarecedor para muitas pessoas, re- o que é descartado. Entre 30 e 40% de renda”, cujo valor é considerado
manha, reunindo pessoas para cons- velando que «no caminho da fazenda à dos alimentos cultivados em regiões superior ao valor dos cultivos para o
cientizá-las sobre o desperdício inútil e mesa, mais da metade dos alimentos em desenvolvimento não alcançam consumo local. Além disso, os méto-
contínuo do sistema alimentar. Lança- acaba no lixo. As famílias europeias jo- o mercado por estragarem antes ou dos de produção utilizados geralmente
da pelo Slow Food Alemanha em 2011, gam fora 100 bilhões de euros em ali- por não estarem de acordo os rígidos são prejudiciais para a saúde do solo,
com Brot für die Welt, a agência de mentos todo ano, o que seria suficien- requisitos de dimensão e aspecto do meio ambiente e dos agricultores,
desenvolvimento da Igreja protestante, te para alimentar duas vezes todas as exigidos pelos compradores. A con- com um grande impacto sobre a segu-
e Slow Food Youth Network, a campa- pessoas que passam fome no mundo». servação inadequada e os sistemas rança alimentar. Ao mesmo tempo, a
nha gira em torno de ações públicas. A campanha Teller statt Tonne questiona de distribuição estão entre as causas agricultura subvencionada dos países
por que tantos produtos locais são des- principais deste desperdício. Peque- desenvolvidos provocou uma redução
Das ações de protesto perdiçados e como é possível que, ao nos agricultores não podem utilizar dos preços dos alimentos exportados
ao estudo das causas mesmo tempo, importe-se uma enorme sistemas de conservação adequados da África, prejudicando mais ainda o
Entre os diversos eventos realizados, quantidade de alimentos frescos, que e são obrigados a vender a maioria papel dos agricultores locais nos mer-
um dos mais importantes aconteceu também acabamos desperdiçando! de suas safras no atacado, muitas cados regionais.
no mês de agosto de 2012 em Muni- Qual o valor do desperdício que ocorre vezes quando há um excedente e o Muito pode ser feito para reduzir os
que, quando 1.500 pessoas deram ao longo da cadeia de produção antes preço de mercado chega ao mínimo. descartes de alimentos e as perdas
início à Good Food March rumo a que o alimento chegue em nossas cozi- Tragicamente, muitos pequenos agri- pós-colheita, para remediar sistemas
Bruxelas, preparando uma “sopa de nhas? E qual o impacto do desperdício cultores produzem alimentos mais que geram desperdícios e que colo-
protesto”. Toneladas de verduras que sobre a segurança alimentar dos países que suficientes, mas mesmo assim, cam no mesmo nível a agricultura dos
iriam para o lixo foram cozidas em pa- em desenvolvimento que trabalham para passam fome. países industrializados e dos países
nelas enormes, acompanhando uma alimentar os povos mais ricos? Há também a questão do uso do solo. em desenvolvimento. A campanha
declaração sobre resíduos alimentares Centenas de milhares de hectares são Tonne statt Teller está abrindo o deba-
e a conexão entre abundância e su- Injustiças dedicados ao cultivo de banana, man- te, contribuindo para melhorar o nosso
© Katharina Heuberger

perprodução de alimentos nos países Hoje precisamos ir além do velho ar- ga e outras frutas de exportação que entendimento da produção agrícola e
industrializados e crise alimentar nos gumento “Coma tudo, pois na Áfri- lotam as prateleiras dos supermerca- do consumo. O Relatório mundial agrí-
países em desenvolvimento. ca há crianças morrendo de fome”, dos alemães. As melhores terras agrí- cola da ONU afirma: o “business as
O documentário Taste the Waste, de considerando que, como consumi- colas de muitos países em desenvol- usual” não é mais uma opção.

22 ALMANAQUE 23
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

© Alfredo Bini
Desde 2009, cerca de 60 milhões de pra ou arrendamento de terras africa-
hectares de terras da África foram ven- nas por longos períodos de tempo não
didos ou arrendados a multinacionais é feito apenas por grandes empresas,
dos países ocidentais. Setenta por mas também por governos que com-
cento das aquisições ficam na África pram ou arrendam estas terras por
subsaariana. O documentário Land longos períodos, lucrando com uma
Rush realizado por Hugo Berkeley situação em que o conceito de pro-
e Osvalde Lewat para Why Pover- priedade de terras, segundo o sentido
ty? analisa um episódio de grilagem ocidental, não existe. Muitas destas
de terras no Mali, que acabou sendo terras são utilizadas tradicionalmente
abandonado, somente devido ao gol- pela população de camponeses ou
pe de estado de 2012. nômades. Graças à cumplicidade de
governos corruptos, as comunidades
Não podemos locais se encontram de um dia para
e não devemos nos calar o outro sem condições de sobreviver
Entrevistado pelo programa Rai Storia, e trabalhar; sem a sua terra, o bem
Carlo Petrini disse: «A grilagem de ter- primário para a economia de subsis-
ras é um fenômeno de natureza expo- tência. Muitas vezes somos levados a
nencial, que aumenta dia a dia. A com- pensar que esta é uma economia de

Contra a grilagem de terras


G a n d h i d i z i a q u e e s ta t e r r a t e m o s u f i c i e n t e
p a r a a f e l i c i d a d e d e t o d o s , m a s n ã o p a r a a
g a n â n c i a d e p o u c o s : a g a n â n c i a g e r a p o b r e z a

Corrida
pela terra
de uma entrevista com Carlo Petrini
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

menor importância, mas quando dá gerando uma situação insustentável.

© Alfredo Bini
de comer a uma população, quando Mesmo com uma superprodução de
lhe dá dignidade e é parte integrante alimentos, se não conseguirmos frear
da sua cultura, deve ser respeitada e o desperdício, não poderemos garantir
defendida, o que não acontece. a soberania alimentar de povo algum,
Muitas vezes, investimentos feitos na nem a possibilidade de terem terras
África são apresentados como inves- suficientes para o cultivo.
timentos onde todos saem ganhando. Quando falamos de grilagem de terras,
Mas omite-se um estudo de compati- é frequente culparmos a China, a Índia
bilidade com a terra ou com seus re- e os países árabes. Mas não podemos
cursos, as consequências para a co- nos esconder: a Europa e a Itália têm
munidade, que muitas vezes acabam uma parte importante de responsabili-
completamente depauperadas e sem dade. Os responsáveis não são apenas
perspectivas. Além disso, para agra- as multinacionais e os governos, mas
var a situação, não existe governança também um terceiro sujeito que vende
todos os links internacional desta situação (forma de a terra como se fosse um produto fi-
www.slowfood.com/ neocolonialismo). O silêncio da comu- nanceiro: os bancos de investimentos,
landgrabbing nidade internacional em relação a esta muitos deles “na nossa casa”. Não po-
forma de neocolonialismo, em certos demos ignorar este fato. Precisamos
Land Rush (youtube)
aspectos mais violento do que o tradi- denunciar esta situação ou seremos
www.whypoverty.net cional, é uma vergonha. cúmplices com os nossas poupanças.
A grilagem de terras mostra que es-
Mudemos o paradigma tamos diante de uma crise antrópica,
No entanto, não podemos nos calar cuja resolução depende de governan-
sobre a grilagem de terras, assim como ça internacional, consciência política e
não podemos ignorar o fenômeno do novos paradigmas que, substancial-
desperdício alimentar, intimamente mente, são a luta contra o desperdício
ligado à grilagem de terras. O nosso e pela volta à terra. No caso da Itália,
sistema alimentar produz, anualmente, 50% da população ativa nos anos 50
alimentos para 12 bilhões de pesso- era rural. Hoje os agricultores são 3%
as: somos 7 bilhões, mas um bilhão da população, metade dela com mais
passa fome. Isto significa que quase de 65 anos. Para recuperarmos a nos-
50% da produção alimentar mundial é sa soberania alimentar é fundamental
desperdiçado. Diante de um aumento dar aos jovens a perspectiva de uma
demográfico que prevê que se chegue vida segura, voltando à terra. No futuro
a 9 bilhões de habitantes em 2050, não comeremos computadores, infor-
se o paradigma permanecer o mes- mações... Comeremos pão, beringe-
mo, será preciso produzir alimentos las, batatas, cenouras... E precisamos
para 18 bilhões de pessoas. Isto está ser capazes de produzi-los».

27
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

Uruguai
U m a s é r i e d e s e m i n á r i o s , u m a c a m p a m e n t o
d i f e r e n t e . . . No U r u g u a i c h o v e m a s i n i c i a t i v a s
p a r a c o n t r a s t a r o a v a n ç o d o s O GM saiba mais

Não aos
slowfoodcanelones.blogspot.it/
www.slowfood.com/international/22 /gmos

OGM
Laura Rosano

No Uruguai cultivam-se produtos Na tentativa de evitar os possíveis


transgênicos: soja desde 1996 e milho impactos localmente, foi solicitada a to é de origem transgênica juntos, que incluíam uma incrível va-
desde 2003. Estes cultivos foram intro- criação de áreas livres de cultivos GM, mediante um T inscrito num riedade de estilos e sabores. Quatro
duzidos nos nossos campos e na nos- para defender os direitos das comu- triângulo amarelo, como é de dias para trocar informações sobre as
sa dieta sem que se desenvolvesse um nidades. Mas não há um só caso no praxe no Brasil. diversas iniciativas que estão surgindo
debate social adequado sobre a sua Uruguai em que este pedido tenha ob- em toda a América do Sul para dizer
conveniência. Os impactos ambientais tido uma resposta positiva. A liberdade não aos alimentos transgênicos.
dos cultivos GM são bem conhecidos Uma outra forma de impor o debate também passa O nível de preocupação da sociedade
no que se refere à biodiversidade, sobre a questão OGM é garantir infor- pelo acampamento com os alimentos transgênicos está
água, solo e saúde. E, ainda assim, as mações corretas à população, reivindi- Além dos seminários, os jovens do aumentando cada vez mais. Organizar
autoridades uruguaias nunca fizeram cando o direito de escolha daquilo que Slow Food do Uruguai organizaram seminários, acampamentos e campa-
uma avaliação do impacto da introdu- comemos. Com este objetivo, durante um acampamento em San Luis, nhas é também um modo de tornar
ção dos OGM na vida dos agricultores 2011 e 2012, o Convivium Slow Food reunindo jovens de diversas proce- evidente o nosso empenho na defesa
ou na saúde das pessoas. Canario (Uruguai) organizou seminá- dências – não só do Uruguai, mas dos produtos bons, limpos e justos. Os
rios sobre rotulagem dos alimentos também de Brasil, Argentina e OGM são a primeira preocupação de
Seminários GM. A iniciativa teve apoio de outros Chile – para que coordenassem todos os convivia latino-americanos,
para impor o debate convivia, da Universidad de la Repúbli- as suas atividades, trocassem mesmo porque os nossos países es-
Enquanto os cultivos transgênicos avan- ca del Uruguay, da Dirección Nacional ideias e fizessem refeições tão entre os principais produtores.
çam, as tradições perdem terreno e as de Impresiones y Publicaciones Oficia-
sementes de milho crioulo estão cada les de Uruguay e de outras organiza-
vez mais ameaçadas. A “coexistência” ções envolvidas nestas questões.
decretada pelo governo uruguaio em Num terceiro seminário, durante 2013,
2008 permitiu que o mercado atuasse será analisada a proposta de uma ro-
livremente, sem cuidar dos pequenos tulagem com código de cores (verme-
produtores que querem continuar pro- lho, amarelo e verde) para identificar
duzindo milho crioulo, cujas sementes alimentos. Desta forma, o consumidor
conservaram por gerações. identificaria facilmente se o produ-

28 ALMANAQUE
NOSSOS TEMAS, NOSSAS CAMPANHAS

Estados Unidos
A c a m p a n h a c a l i f o r n i a n a p e l a
r o t u l a g e m o b r i g a t ó r i a d e p r o d u t o s
a l i m e n t a r e s O GM

Escreva
no rótulo!
Charity Kenyon

Em novembro de 2012, o mundo assistiu A derrota da Proposta 37 foi desani-


com interesse à votação dos california- madora, mas temos esperanças para
nos da Proposta 37 pela introdução da o futuro. Ativistas estão organizando
primeira lei dos Estados Unidos sobre uma nova iniciativa para um referen-
rotulagem dos alimentos GM. Apesar da do em 2014; defensores da Proposta
enorme campanha pelo “não” orques- 37 participam da campanha para a
trada pelo lobby das multinacionais, o rotulagem no estado de Washington
“sim” quase venceu, conseguindo pou- e das batalhas legislativas em Ver-
todos os links co menos de 49% dos votos: um bom
resultado, mas que não permitiu “votar
mont, Connecticut e outros estados.
A campanha recebeu novo impulso
www.slowfood.com/ com o garfo” sobre o futuro dos alimen- em 2013, quando a rede de super-
international/22/gmos tos geneticamente modificados. mercados Whole Foods anunciou que
lançaria um rótulo para alimentos GM
A Proposta 37 em cinco anos.
Um mês antes, os 92 países represen- Ainda assim, a difusão de alimentos
tados no Congresso Internacional do geneticamente modificados é inevitá-
Slow Food, na Itália, tinham adotado vel. Quando este artigo for publicado,
uma resolução em apoio à campa- a Food and Drug Administration (FDA)
nha na Califórnia. Alice Waters, chef poderá ter aprovado o primeiro animal
californiana, defensora da educação geneticamente modificado para con-
alimentar e vice-presidente do Slow sumo humano: o salmão GM da Aqua-
Food, exerceu a sua influência, persu- Bounty. Ou talvez, no Willamette Val-
adindo centenas de chefs a apoiarem ley, no Oregon, já terá sido introduzida
a Proposta 37. Mais de 16 convivia e o a canola GM, que ameaça destruir a
Slow Food EUA aderiram à campanha, propagação orgânica de sementes.
e os membros do Slow Food de toda O lobby pró OGM afirma que não há
a Califórnia apoiaram as organizações estudos que demonstrem que estes
espontâneas, assumindo a liderança organismos sejam prejudiciais. Mas
do movimento em algumas regiões. muitos órgãos médicos da Califórnia

30 ALMANAQUE 31
Por uma rede mais jovem
A n o v a e n e r g i a d a R e d e Jo v e n s d o S l o w Foo d

Dançar
no futuro
Joris Lohman

discordam e apoiaram a Proposta OGM são tão vantajosos, por que não
37, preocupados com os efeitos dos divulgá-los no rótulo? Mas a indústria
OGM para a saúde humana. Em uma já tinha aprendido a lição há algum
década de cultivos de OGM, a Califór- tempo: o fracasso do tomate Flavr
nia registrou um aumento considerá- Savr (o primeiro OGM comercializado)
vel no uso de herbicidas e pesticidas, foi uma advertência contra qualquer
com uma exposição significativa de rotulagem futura.
trabalhadores e do meio ambiente a Na Califórnia, o Slow Food continua
estes agentes. A dependência das se- lutando pela rotulagem de produtos
mentes OGM com marca registrada e alimentares GM, criando estruturas
de produtos químicos associados organizativas mais eficientes para fazer Inspiração
levou muitos agricultores à falência, com que ouçam a nossa voz. Quarta «Uma organização sem jovens não No Salone del Gusto e Terra Madre
causou uma contaminação difusa de economia agrícola regional do planeta, tem futuro». Com estas palavras, 2012 vimos a determinação com que
frutas e verduras não GM e determi- a agricultura californiana pode exercer Carlo Petrini marcou o nascimento os jovens do Slow Food estão dando os
nou o aumento de “superparasitas” e grande influência. Se formos capazes de um movimento dentro do movi- primeiros passos. Este evento memorá-
de “superinfestantes”. de transformar a política alimentar da mento. Poucos anos depois do lan- vel, que contou com mais de 225.000
Califórnia para que seja boa, saudável çamento do Youth Food Movement visitantes, comunidades do alimento
Boicote e igualitária, não teremos apenas con- (Yfm), durante o Congresso Interna- e produtores de todos os países do
O boicote destes produtos seria a res- seguido “votar com o garfo”, mas tere- cional do Slow Food de 2007, a rede mundo, teve realmente muitos eventos
posta mais óbvia. Mas nos Estados mos ajudado a manter uma agricultura cresceu e hoje inclui jovens de apro- imperdíveis. A presença dos jovens não
Unidos os consumidores não podem sustentável e saudável. Como afirmou ximadamente 25 países, entre os passou desapercebida, graças à sua vi-
ter certeza de evitar os alimentos GM, Carlo Petrini, presidente do Slow Food, quais Grã-Bretanha, Holanda, Fran- vacidade e à capacidade de atrair uma
pois não há obrigatoriedade de rótulo. participando de um de nossos encon- ça, Brasil, Austrália e Itália. Em 2012, multidão de participantes.
A campanha a favor da Proposta 37 tros, «a Proposta 37 é o que há de as iniciativas internacionais para jo- A área Sfyn recebeu jovens do mun-
pedia que a indústria agroalimentar mais importante a ser feito nos EUA vens Yfm e Slow Food on Campus do inteiro, que participaram de oficinas
explicasse por que queria manter os para determinar as características da juntaram-se com o nome de Slow e eventos. No sábado à noite, foram
consumidores na ignorância. Se os produção alimentar mundial». Food Youth Network. apresentados seus projetos cheios de

32 ALMANAQUE 33
Food Film Festival: cultura, identidade
e meio ambiente na tela e no prato
O Food Film Festival nasceu em 2010, quando alguns membros da
rede jovem do Slow Food Holanda concluíram que um evento de
cinema era a melhor forma de transmitir sua mensagem para um
público mais amplo. Dada a popularidade global de diversos filmes
sobre alimentos, aumentando o interesse por temas alimentares
e pelo valor social do alimento, considerou-se um momento
de Amsterdã e Bra às iniciativas locais.
Esperamos conseguir inspirar e formar
todos os links
favorável para mostrar ao público uma variedade maior de filmes jovens do mundo inteiro para que se www.sfyn.org
sobre os alimentos e para iniciar um debate. envolvam na filosofia Slow Food e em www.foodfilmfestival.nl
Nos primeiros três anos, o festival cresceu, tornando-se um nossos projetos, sejam eles oficinas,
Vídeo de Carlo Petrini (youtube)
evento que reúne mais de 9.000 visitantes a cada ano. O destaque apresentações de filmes ou jantares
do programa são os filmes, mas o alimento e todos os aspectos sem desperdícios. www.cap2013.org
a ele ligados são discutidos, produzidos e consumidos em muitas
formas durante o festival. O vasto programa inclui palestras Novas ideias
e oficinas, durante as quais especialistas e cidadãos comuns inspiração: da “Notte della passata”, Uma das iniciativas mais importantes Europa, de 2011 a 2013, jovens de 15
trocam ideias sobre temas políticos e éticos, como a produção e de Sydney a um documentário reali- do nosso percurso é a Academia Sfyn, países participaram ativamente de inicia-

© Elizabeth Lanz • © Daria Mnych • © Saskia van Osnabrugge • © Maart jeStrijbis


o consumo de carne ou o futuro da agricultura. Em 2013 o tema zado no Brasil; do Food Film Festival o programa de formação que reúne tivas voltadas para uma melhor política
principal foram as modificações genéticas dos alimentos e por que de Amsterdã aos jantares sem des- grupos de 25 estudantes e jovens pro- agrícola comum e da gestão direta da
perdícios que estão conquistando a fissionais de diversas áreas do setor campanha CAP2013: Food for Change.
este tema desperta discussões tão acirradas.
Europa: Schnippeldisko na Alemanha alimentar: cozinheiros, agricultores, Como sublinhou várias vezes Carlo
Outro aspecto do festival, não menos importante, é a possibilidade
e DiscoSoupe na França. Durante o comerciantes, nutricionistas, etc. O Petrini, o intercâmbio de conhecimen-
de consumir no local ou de levar para casa uma grande variedade congresso do Slow Food, foi apresen- objetivo do programa é dar formação tos entre gerações é fundamental para
de alimentos. A feira de produtores organizada durante o tado um vídeo que mostrava Carlo Pe- aos participantes em matéria de siste- alcançar os objetivos do Slow Food.
festival oferece produtos locais, artesanais e outros alimentos trini dançando, comemorando um dia mas alimentares, criando uma rede in- A Sfym pode apoiar-se na base sólida
das Fortalezas, além de pratos prontos para consumo entre produtivo: uma representação diver- terdisciplinar de ativistas do alimento. dos fundadores do Slow Food, ofere-
um evento e outro. O restaurante do Festival tem um cardápio tida da energia positiva que anima as Reunindo jovens e, com eles, novas cendo novas abordagens, nova capaci-
completo que resume a filosofia do evento: cozinhar, sempre que iniciativas da Sfyn. energias e ideias, a Sfyn está dando dade de comunicação e nova energia.
possível, com produtos frescos, locais e sazonais. Definimos os nossos objetivos. Ao lon- força ao movimento Slow Food, que Juntos, fazemos parte da rede global,
go dos próximos anos pretendemos tem um papel de destaque nos debates dinâmica e rica de diversidade, formada
Lian Van Leeuwen fortalecer e ampliar a rede jovem, com nacionais e regionais sobre o futuro de pelo Slow Food e Terra Madre. Juntos,
apoio e colaboração das sedes Sfyn nossos alimentos e da agricultura. Na estamos prontos para o futuro.

34 ALMANAQUE 35
BIODIVERSIDADE

© Paola Viesi

BIODIVERSIDADE
36 ALMANAQUE 37
BIODIVERSIDADE

Clarividência

Archivio Slow Food


O S l o w Foo d c o n t i n u a l u t a n d o p e l a p r e s e r v a ç ã o Na história da Terra, tudo sempre teve a ver com isto? Para entender, é preciso
da biodiversidade, pois a defesa dos produtos uma origem e um fim e, em todas as responder à seguinte pergunta: Se a bio-
ameaçados torna-se cada vez mais urgente épocas, muitas espécies se extingui- diversidade desaparece, o que acontece
ram. Mas isto jamais aconteceu com a com os nossos alimentos? Junto com as
velocidade dos últimos anos, mil vezes plantas e os animais selvagens, desapa-
superior a épocas passadas. recem as plantas domesticadas pelo ho-
Depois de um estudo aprofundado du- mem, as raças de gado leiteiro e de corte
rante o verão, a prestigiada universidade selecionadas pelo homem. Segundo a
inglesa de Exeter revelou que o planeta FAO, 75% das variedades vegetais estão
está atravessando a sexta grande ex- irremediavelmente perdidas. Nos Esta-
tinção em massa (com a quinta – há 65 dos Unidos, chegam a 95%. Hoje, 60%
milhões de anos – desapareceram os di- da alimentação mundial baseia-se em
nossauros). Há uma diferença fundamen- três cereais: trigo, arroz e milho. Não nas

Lutando
tal entre esta extinção e as do passado: milhares de variedades de arroz selecio-
a causa. Pela primeira vez, o responsável nadas pelos agricultores que, no passa-
é o homem, que continua destruindo as do, eram cultivadas na Índia e na China.

pela vida
florestas pluviais, cobrindo a terra de con- Ou nas milhares de variedades de milho
creto, poluindo águas e solos com de- que eram cultivadas no México. Mas nos
fensivos e fertilizantes químicos, jogando pouquíssimos híbridos selecionados e
plástico nos oceanos. E que insiste em vendidos aos agricultores por um peque-

do planeta
marginalizar os últimos guardiães da Ter- no grupo de empresas multinacionais.
ra: os pequenos agricultores, pastores A primeira ideia do Slow Food foi es-
e pescadores, que conhecem e sabem tudar a biodiversidade local. Portanto,
como respeitar o delicado equilíbrio da não apenas o panda ou o lobo-mari-
Serena Milano Natureza. O que é que o Slow Food tem nho, mas também a ovelha karaka-
chan. Não só o edelvais, mas também
a batata chifre de Bamberg.
Desde a sua criação, o Slow Food pre-
ocupa-se sobretudo com as pessoas
que cultivam, criam e processam os
produtos: seus saberes e técnicas tra-
dicionais. Foi aí que surgiu a segunda
ideia: a Arca do Gosto – o catálogo dos
produtos a serem salvos – na qual tam-
bém embarcaram produtos processa-
dos: pães, queijos, fiambres, doces.
“Biodiversidade” é uma palavra recen- os níveis mais complexos (os ecossis- A Fundação Slow Food para a Biodi-
te – o entomólogo Edward O. Wilson temas). Todos os níveis se entrelaçam, versidade nasceu em 2002: um instru-
utilizou-a pela primeira vez em 1986, afetando-se mutualmente e evoluindo. mento técnico e operacional da asso-
em Washington – e um pouco difícil. Alguns pesquisadores da Universidade ciação para coordenar projetos, definir
Infelizmente, desperta o interesse de de Stanford compararam as espécies e ferramentas e diretrizes de trabalho,
poucas pessoas e, geralmente, de as variedades de um ecossistema aos realizar atividades de formação e co-
quem estuda o assunto. rebites que mantêm unidas as peças municação sobre a biodiversidade. Os
Na realidade, deveria ser um tema fácil, de um avião. Se um rebite for elimina- convivia e as comunidades do Terra
ao alcance de todos: trata-se da natu- do, por algum tempo nada acontece, o Madre foram os mais importantes pro-
reza, da diversidade da vida em vários avião até continua funcionando. Mas, tagonistas deste percurso.
níveis: do menor e mais básico (os ge- aos poucos, a estrutura enfraquece Os convivia começaram a indicar pro-
nes, os tijolos da própria vida), passando até que, em certo ponto, basta tirar um dutos, as comunidades tornaram-se
pelas espécies animais e vegetais, até único rebite que o avião cai. interlocutoras privilegiadas para che-
gar às Fortalezas.

Trabalho
Como trabalha o Slow Food? Antes de
tudo, reúne mundos diversos que nor-
malmente não estão em contato: agrô-

38 ALMANAQUE 39
Holanda
Da Itália ao Marrocos. A Aliança dos cozinheiros e das
Fo r t a l e z a s S l o w Foo d é u m a g r a n d e r e d e s o l i d á r i a ,
v a l o r i z a n d o p r o d u t o r e s d a s Fo r t a l e z a s e o m e i o a m b i e n t e

A Aliança torna-se
internacional Raffaella Ponzio

Seus nomes: Geert, Fabio, Vezio e dicionais da Fortaleza do Waddensee,


Leonardo. Há anos são cozinheiros que utilizam equipamentos de pesca
e amigos. Juntos, apresentaram em fixos, covos, barcos de pesca e redes
Amsterdã, no dia 9 de dezembro, por para a pesca de caranguejo, mexilhão,
nomos, cozinheiros, veterinários, jor- ocasião do Terra Madre Day, o primeiro robalo e tainha.
nalistas. Para salvar uma raça, o Slow
Food não focaliza a seleção genética;
saiba mais nó da rede dos cozinheiros da Aliança
europeia.
Leonardo Pacenti é cozinheiro e proprie-
tário, com amigos, de um restaurante
para preservar uma variedade de maçã, muito conhecido de Amsterdã, o Caffè
não começa a partir de uma coleção de www.slowfoodfoundation.com A biodiversidade Toscanini. Filho de pai italiano, da região
variedades. Em primeiro lugar, procura torna-se protagonista Marche, e mãe holandesa, Leonardo vi-
os pastores que criam aquela raça, os O projeto da Aliança de cozinheiros e veu na África do Sul, na Itália e na Ho-
agricultores que ainda cultivam aquelas Fortalezas Slow Food nasceu na Itália, landa. Seu cardápio é rico de produtos
maçãs. O Slow Food trabalha junto com de perder a razão de sua existência». onde conta com mais de 300 partici- das Fortalezas holandesas: o peixe do
produtores e apresenta suas histórias O Congresso estabeleceu um objetivo pantes: cozinheiros de tavernas, restau- mar de Waddensee, comprado de Jan
com todas as ferramentas disponíveis, muito ambicioso: 10.000 produtores rantes e bistrôs, determinados a apoiar Rodenburg-Geertsema no mercado dos
para que possam sair das salas das da Arca em 4 anos. Assim, a Fundação os pequenos produtores locais, que produtores de Amsterdã; o cordeiro de
universidades e institutos científicos, Slow Food está organizando atividades são os guardiães da biodiversidade – Kempen, que o produtor lhe entrega uma
tornando-se patrimônio de todos. de formação sobre temas e projetos especialmente as Fortalezas Slow Food vez por semana. Entre os ingredientes, há
Um trabalho fascinante, entusiasmante, ligados à biodiversidade em todos os – utilizando seus produtos. Mas o pro- o queijo fresco “robiola” de Roccaverano
mas longo e complexo. O caminho recém níveis e no mundo inteiro, experimen- jeto ganhou grande interesse também e os embutidos da raça Mora Romag-
começou. A Arca do Gosto inclui cerca tando novas ferramentas didáticas, em outros países europeus. Em 2012, nola das Fortalezas italianas, também
de 1200 produtos; existem 400 Fortale- como vídeos e redes sociais. o congresso dos cozinheiros italianos incluídos nos cardápios dos colegas da
zas e pouquíssimos Mercados da Terra. Não serão os cientistas que salvarão a de Alberese foi uma etapa de reflexão Aliança holandesa, graças à distribuição
Muitos convivia ainda não estão suficien- biodiversidade, nem os poderosos da fundamental para a Aliança: alguns co- da Casa del Gusto de Amsterdã.
temente envolvidos neste percurso. terra. É uma batalha que deve ser trava- zinheiros holandeses estavam presen- Fabio Antonini, nascido em Roma, e
Por isso, o Congresso 2012 do Slow da a partir da base, localmente, todo dia. tes e, de volta à Holanda, decidiram ini- sua namorada, Laura, da região de
Food lançou um apelo para que o tra- E o Slow Food pode oferecer uma con- ciar o projeto em seu país, chamando a montanha da província de Modena,
balho sobre a biodiversidade seja reto- tribuição determinante: através da Arca atenção para os temas da preservação sempre trabalharam com produtos or-
mado com determinação. «O Slow Food do Gosto, das Fortalezas, dos Mercados da biodiversidade, da necessidade de gânicos, não apenas por uma questão
tornou-se o que é, partindo da defesa da Terra, das hortas nas comunidades e apoiar a agricultura sustentável e local. de saúde, mas também ética, por um
dos produtos», declarou Carlo Petrini. nas escolas, e de mil outras formas. E, Geert Burema administra o “Merkelba- profundo respeito pelo planeta (não
«A defesa dos produtos ameaçados sobretudo, com a consciência de que a ch”, usa somente verduras sazonais, por acaso, o restaurante chama-se
© Luca Rinaldini

é cada vez mais urgente e é um dos batalha para preservar a biodiversidade carnes de criação local, peixe fresquís- “Pianeta Terra”). Fabio e Laura cozi-
fundamentos da nossa associação. Se não é uma batalha qualquer. É a batalha simo, pescado, em grande parte, pelas nham com produtos locais (peixe, car-
perder esta sensibilidade, corre o risco pela vida do planeta. comunidades dos 35 pescadores tra- ne e verduras dos produtores próximos

40 ALMANAQUE 41
da cidade) e acreditam na luta contra a
pesca descontrolada que empobrece
os mares do mundo: em sua cozinha
não entra atum nem espadarte.
Vezio Furlani nasceu em Trieste, mas o
seu sotaque é inconfundível: venezia-
no, de Mestre. No “Al bàcaro”, seu bis- Primeiros passos buscar produtos que vêm de longe.
trô, come-se um prato extraordinário no Marrocos Precisamos usar os nossos produ-
de chicória, favas e azeite extravirgem A Aliança holandesa está em busca os mais famosos cozinheiros do país: tos locais, pois são extraordinários:
da Puglia; cordeiro de Kempen assa- de novos companheiros e, na Euro- Choumicha Chafaï Acharki, Meryem água de flor de laranjeira, rosas, mel,
do; ou uma sobremesa de maçã com pa, cozinheiros de outros países se Cherkaoui, Kamal Bensouda, e dois e muitos outros. A Aliança dos co-
Limburg Syrup, ambas Forta- aproximam do projeto: Suíça, Fran- restaurantes: “A ma Bretagne”, de zinheiros do Slow Food nos oferece
lezas holandesas. ça, Áustria. Mas há uma surpresa: André Halbert, em Casablanca, e “El a possibilidade de valorizar o nosso
entre os primeiros países implemen- Morocco Club”, em Tânger. Os cozi- patrimônio». Os pequenos guardiães
Archivio Slow Food

tando o projeto, está o Marrocos. En- nheiros marroquinos utilizam os pro- da biodiversidade não poderiam es-
tre os cinco participantes da dutos das Fortalezas e os produtos tar em melhores mãos.
todos os links Aliança marroquina, das comunidades agrícolas da rede
Maroc Taswiq. Na região do Maghreb,
www.slowfoodfoundation.com/alliance
como diz Meryem Cherkaoui,
«Não precisamos

42 ALMANAQUE 43
BIODIVERSIDADE

O s r ó t u l o s d o s a l i m e n to s , m e s m o e s ta n d o “ d e ac o r d o c o m a l e i ” ,
n ã o r e s p o n d e m , m u i ta s v e z e s , a m u i ta s d e n o s s a s p e r g u n ta s .
O r ó t u lo “ n a r r at i vo ” p r e t e n d e r e s p o n d e r a to da s e l a s

Rótulo,
conte-me
uma história...
verdadeira!
Arianna Marengo

Segundo o Slow Food, a abordagem consumidores muitas vezes estão dis- O rótulo do óleo de palma damentais. O conceito de qualidade, queijos informam o tipo de criação e
selvagem, Em italiano e em inglês
convencional do alimento não permi- traídos na hora da compra. Certamen- amadurecido pelo Slow Food ao longo alimentação dos animais, a superfície
te saber se é produzido respeitando te, os mais atentos encontram poucas de vinte anos de experiência em con- do pasto, a técnica de processamen-
ecossistemas e meio ambiente e se informações nos rótulos e poucos ele- tato com centenas de pequenos pro- to, a técnica de amadurecimento. Os
está em conformidade com os con- mentos para saber mais, não podendo dutores, representa um dos aspectos rótulos de vinho evidenciam aspectos
ceitos de justiça social e direitos dos fazer escolhas conscientes. que diferenciam a associação de ou- que nenhum outro rótulo menciona: os
trabalhadores. Ao contrário, muitas ve- Segundo o Slow Food, a qualidade tras organizações envolvidas com ali- coadjuvantes tecnológicos utilizados,
zes, a comunicação que acompanha de um produto alimentar é, antes de mentação e agricultura. Hoje, cerca de detalhes sobre o cultivo das uvas e o
os produtos é ilusória: fala de um mun-
do rural poético, técnicas tradicionais
tudo, uma narrativa que começa com
a sua origem: o local de domesticação
saiba mais 70 produtores das Fortalezas do Slow
Food de diversos países criaram o seu
processamento na adega.
O rótulo “narrativo” tem também al-
presumíveis, sabores antigos indefini- ou diversificação de uma espécie; de “rótulo narrativo”. Suas embalagens in- guns itens comuns a toda tipologia de
dos. Elementos evocativos, distantes adaptação e evolução natural de uma Baixe o documento cluem “contra-rótulos” ricos em infor- produto: o “território” de origem, isto é,
das qualidades reais dos produtos variedade ou de uma raça; de desen- “O rótulo segundo o Slow Food” mações sobre variedades e raças do a cidade, a província, o país onde atua
divulgados. volvimento de uma técnica de cultivo, projeto, sobre as técnicas de cultivo, a empresa; as informações sobre cli-
de transformação. É preciso informar processamento e territórios de origem, ma e solo, únicas de um determinado
Para valorizar sobre características ambientais e do sobre bem-estar animal e modos de produto e que lhe conferem caracterís-
as pequenas produções território, técnicas de processamento, conservação e consumo. ticas identitárias e organolépticas pe-
Muitas vezes, os produtos naturais de métodos de conservação e de comer- culiares; as “sugestões de uso”, expli-
pequena escala são os mais penaliza- cialização, sobre sustentabilidade am- Informações detalhadas cando a forma, o local ideais para con-
dos: os rótulos estão de acordo com a biental e, naturalmente, sobre caracte- Os rótulos “narrativos” oferecem infor- servar o produto e por quanto tempo
lei, mas as informações são mínimas, rísticas organolépticas e nutricionais. mações diversas, segundo a categoria pode ser mantido sem que a qualidade
não fazendo justiça a queijos, doces e Estamos convencidos de que só uma de produto. Os rótulos de vegetais, por seja prejudicada.
embutidos de grande qualidade, não “narrativa” completa pode devolver a exemplo, descrevem as característi- O projeto do Slow Food consiste na
informando o consumidor sobre a re- um produto o seu valor competitivo, cas da variedade, a técnica de cultivo realização do contra-rótulo “narrativo”
alidade das empresas de produção. baseado na diferença efetiva e autên- e de fertilização, o tipo de tratamento junto a todos os produtores das Forta-
Apesar dos frequentes apelos para tica, diante da massa de produtos com aplicado, a forma de controle de in- lezas, para reconhecer a qualidade de
que se leia o rótulo com atenção, os rótulos reticentes sobre questões fun- festantes e irrigação. Os rótulos dos seus produtos.

44 ALMANAQUE 45
BIODIVERSIDADE

© Antronio Zafra • Archivio Slow Food


Espanha
9 3 4 p r o d u t o s i n s c r i t o s , c l a s s i f i c a d o s
e i n v e n t a r i a d o s . Po r t r á s , o t r a b a l h o
i n c a n s á v e l d e u m c o n v i v i u m ajuda dos associados, especialmente
os jovens, que contribuíram com a de-

Como
licada tarefa de completar as fichas e
de publicá-las no website.

A Arca e o Inventário

as contas
Alguém pode perguntar-se para que
serve, afinal, um Inventário. Já não
existe a Arca do Gosto?

de um rosário
A pergunta é oportuna e é importante
esclarecer que se trata de coisas bas-
tante diferentes, que não concorrem
entre si. A Arca do Gosto é um ato de
Isabel González Turmo denúncia: significa que um produto
corre risco de desaparecer e que deve
ser preservado. O objetivo do Inven-
tário, por sua vez, inclui uma espécie
de premissa: quando um convivium se
empenha na descoberta de alimentos
bons, limpos e justos presentes em
seu território, pode encontrar produtos
que talvez não tenham todas as condi-
ções para embarcar na Arca, mas que
não merecem ser esquecidos.
São, de fato, muito importantes, pois
constituem o patrimônio alimentar da
nossa terra, e porque conhecê-los
será útil, no futuro, para o convivium,
para produtores e para cozinheiros.
Ninguém é eterno e aqueles que hoje
colaboram com o Slow Food, abrirão
Notas o caminho a novos sócios, a pessoas
Aceituna picúa, almendra corchera, Qualquer um pode criar a ficha de um *azeitona picuà, amêndoa constituído um comitê de redação com mais jovens, a energias mais frescas.
azahareña real, castaña dieguina, da- produto local que conhece: basta que corchera, beringela real - especialistas que examinam as fichas Haverá novas necessidades, novas
masco de Medina, garbanzo venao, inclua alguns dados essenciais, além solanum melongena L. va- antes da publicação no website. circunstâncias. Aquilo que hoje não
higo regalí, morcilla de asadura*... As- do nome do produto e do local de pro- riedade local, cultivar espa- Na maioria das vezes, porém, os produ- faz parte da Arca do Gosto, dos cam-
sim, um após o outro, os produtos fo- dução. Não é indispensável preencher nhol de castanha castanea tos chegam em ondas, como presen- pos e da mesa, poderá ter esta opor-
ram sendo acrescentados ao Inventário todos os dados. Não importa se não se sativa, damasco de Medina, tes trazidos pela corrente. O trabalho tunidade mais tarde. Este é o sentido
dos alimentos da Andaluzia. É muito conhece a história do produto, se não é grão-de-bico venao, figo re- das associações e dos pesquisadores e o interesse do Inventário de Alimen-
todos os links bonito ouvir serem enumerados e saber
que muitas pessoas contribuem para
possível fazer uma descrição detalhada
ou se não se conhecem os nomes dos
galí, morcela de miúdos
** alface alcaleña, melão ver-
foi e será muito útil. Assim, o empenho
da Red de Semillas de Andalucía (rede
tos. Por esta razão foi comparado a
uma longa corrente, por isso requer
Inventário dos alimentos recuperá-los e registrá-los, produzi-los produtores. Outros se encarregarão deo, pão de Marchena, hor- de sementes da Andaluzia) contribuiu tempo e paciência, por isso a cadeia
da Andaluzia e comê-los. Talvez não seja hoje, mas de preencher as lacunas. O inventário taliça da família das cucurbi- com muitos produtos para o inventário. de nomes registrados soa como um
www.slowfoodfoundation.com/ark será, com certeza, num futuro próximo. foi pensado como uma longa corrente táceas, pimentão guinda, ra- O mesmo pode-se dizer da pesquisa rosário de esperança: lechuga al-
que vai sendo construída com a con- banete coíno, roscas doces sobre produtos processados à base de caleña, melón de verdeo, mollete de
Como presentes tribuição de muitos. É verdade que por típicas da época do Natal e recursos fitogenéticos típicos da Anda- Marchena, Pendejo oscuro, Pimiento
trazidos pela corrente ser aberta a todos, às vezes chegam Semana Santa, melancia de luzia, que começou com envolvimento guinda, Rábano coíno, Rosquilla de
Já são 934, alguns redescobertos por fichas que não fazem sentido e mesmo hogaño, torrone de Olula de direto dos especialistas do Convivium ochío, Sandía de hogaño, Turrón de
algum internauta desconhecido, ou- brincadeiras, mas não importa. Para Castro, uva alcubilla, vinho Slow Food Sevilla y Sur, como consul- Olula de Castro, Uva alcubilla, Vino de
tros graças aos sócios do Convivium. verificar a veracidade das propostas foi de Ronda, cenoura roxa… tores. Tudo isso, naturalmente, com a Ronda, Zanahoria morá...

46 ALMANAQUE 47
BIODIVERSIDADE

EUA
H i s t ó r i a d o p e i x e b r a n c o d o l ag o M i c h i g a n
e d e c o m o e m b a r c o u n a A r c a d o Go s t o

Da fama
Andrew Fippinger

O Slow Fish, cuja última edição reali- e prateadas, pesa entre 900 gramas e nativos dos Estados Unidos transfor- a 10 minutos, o cozinheiro encerra a
zou-se este ano no Porto Antigo de um quilo e meio e tem sabor delicado. mavam o peixe defumado em tempero preparação com um gesto espetacular,
Gênova, celebra a pesca sustentável No século XVII, o explorador francês em pó para cozidos, sopas ou pães de jogando querosene no fogo e criando
e de pequena escala, com atenção Antoine Denis Raudot escreveu que o peixe. O fígado desta espécie tem um um fogaréu gigantesco, que faz com
especial para espécies e práticas em Coregonus «deve ser o melhor peixe do sabor muito delicado e é servido frito ou que a água salte para fora da panela.
risco. Nos Estados Unidos, a Arca do mundo, pois todos aqueles que o co- refogado. As ovas são utilizadas como Hoje, depois de anos de esquecimen-
Gosto do Slow Food já identificou 11 meram dizem jamais se cansar dele». caviar. Um livro publicado recentemen- to, o Coregonus está voltando à cena.
peixes e métodos de pesca significa- Mas no próprio estado de Wisconsin, te, Wild Caught and Close to Home, é Projetos como a Arca do Gosto, ativi-
todos os links tivos para a tradição americana, mas
que hoje estão em risco de extinção.
este peixe tornou-se uma espécie me-
nosprezada; muitos restaurantes que
inteiramente dedicado a receitas à base
deste peixe, selecionadas por cozinhei-
dades locais e a atenção da mídia con-
tribuíram para demonstrar que este
www.slowfoodfoundation.com/ark Entre os peixes que merecem maior antes ofereciam whitefish no cardápio, ros e pescadores que vivem na região peixe não é apenas uma alternativa
atenção, o whitefish (peixe branco) do hoje servem salmão ou bacalhau. Wa- dos Grandes Lagos. O prato tradicional saborosa, natural e local ao insípido
lago Michigan. shington Island já teve 43 barcos de mais conhecido é o cozido de whitefish, peixe de criação, mas que também
pesca; hoje tem apenas dois ou três, típico da península de Door. desempenha um papel importante nas
Economia de pesca que também desempenham outras Provavelmente introduzido há mais de tradições culinárias únicas que teste-
Durante muito tempo, a pesca foi a base atividades. Apesar das dificuldades um século pelos imigrantes escandi- munham o espírito característico da
da economia da península de Door e para se sustentarem com a pesca do navos que trabalhavam nos barcos península de Door e de Washington
de Washington Island, em Wisconsin. whitefish, hoje estes pescadores tem pesqueiros nos Grandes Lagos, o pri- Island. Os pescadores têm orgulho de
Durante séculos, os Potawatomi e ou- orgulho de sua atividade e de seus co- meiro cozido preparado com objetivos seu trabalho e alguns afirmam que o
tros povos nativos da península e, mais nhecimentos sobre o lago Michigan. comerciais foi servido no Viking Grill de número de Coregonus aumentou. Es-
tarde, os colonos europeus, pescaram Ellison Bay, em 1959. Numa enorme tes sinais indicam que o orgulho local
este peixe branco do lago Michigan Um cozido espetacular panela ao ar livre, ferve-se água com e o interesse pela biodiversidade estão
(Coregonus clupeaformis). De dorso O whitefish é muito importante pelas tra- sal, batata rosa e peixe fresco cortado dando frutos, ajudando as comunida-
marrom-esverdeado e laterais brancas dições culinárias que inspirou. Os povos em pedaços. Depois de cozinhar de 8 des locais dos Estados Unidos.

48 ALMANAQUE 49
BIODIVERSIDADE

Bálcãs
A gastronomia dos Bálcãs não é de segunda
classe, é o fruto de saberes e misturas seculares.
U m g r a n d e p r oj e to pa r a a p r e s e n ta r a s ua h i st ó r i a

O mapeamento
da biodiversidade
dos Bálcãs
Michele Rumiz

Passaram-se quatro anos desde que região: o queijo verde de Tcherni Vit, o ma de tudo: demostrar à Europa e ao oito países (Albânia, Bulgária, Bósnia,
Dessislava Dimitrova teve a ideia de kashkaval das pastagens de Mavrovo- mundo que a gastronomia dos Bálcãs Croácia, Macedônia, Romênia, Sérvia,
convidar os líderes de conviva da região Reka, o slatko de figo selvagem e o de não é de segunda classe. Aqui, onde Turquia) durante dois anos.
para Smilyan, na Bulgária, para lançar a
rede do Terra Madre Bálcãs. A ideia, tão
ameixa pozegaca. As excelências gas-
tronômicas menos conhecidas repre-
saiba mais as cozinhas húngara, eslava, turca e
mediterrânea se misturam há séculos,
Mas não queremos criar uma espécie
de museu, queremos reunir as expe-
simples, era um sucesso: nenhum país sentavam um pequeno tesouro para as existem tradições agroalimentares sur- riências das pequenas comunidades
desta região da Europa, tão fragmenta- muitas comunidades rurais dos Bálcãs, www.essedra.net preendentemente autênticas. Hoje, po- rurais, pois é a partir delas que se deve
da, tinha a massa crítica para defender que, muitas vezes, não sabiam por onde rém, estas excelências gastronômicas construir uma Europa nova, mais cos-
a própria gastronomia do impacto mas- começar a reconstruir seu futuro. Foi correm o risco de desaparecer, sendo mopolita e menos globalizada, através
sificador da globalização. É por isso que então que nasceu a rede do Terra Ma- preservadas pelas pequenas comuni- de um modelo de desenvolvimento ca-
a preservação deste patrimônio gastro- dre Bálcãs, para preservar a biodiversi- dades, enfraquecidas depois de anos paz de colocar as comunidades e suas
© Ivo Danchev • Michele Fossi • Archivio Slow Food

nômico exige um esforço comum que dade agroalimentar e garantir às novas de marginalização e da constante eva- tradições no centro.
vai além das fronteiras nacionais. gerações o direito de encontrar à mesa são de jovens e recursos.
aqueles relatos, tradições e sabores. Por isso, o Slow Food lançou, este Produtos em risco
A rede do Terra Madre Em apenas quatro anos, mais de 1500 ano, um grande projeto de mapea- e barreiras comerciais
Bálcãs associados, 11 Fortalezas Slow Food, mento da biodiversidade agroalimentar Por que lojas tradicionais, embutidos
Uma vez reunidos à mesa, ao redor 60 comunidades do alimento, 15 pro- da região, financiado pela Comissão caseiros e queijos de leite cru são prer-
do fogo de uma das poucas mehane gramas de educação alimentar e 25 co- Europeia (Essedra – Environmentally rogativa apenas da Europa ocidental? É
(bodega) autênticas, apresentamos os zinheiros formam a rede do Terra Madre Sustainable Socio-Economic Deve- inegável que a região dos Bálcãs tem
produtos das Fortalezas Slow Food da Bálcãs. Uma rede com um desejo, aci- lopment of Rural Areas), envolvendo muitas histórias para contar. Até hoje,

50 ALMANAQUE 51
BIODIVERSIDADE

A karacanska
e as outras
Sérvia
M u i ta s v e z e s , q u e m s a lva a s r a ç a s e m r i s c o
de extinção são pessoas simples, teimosas,
que têm muito respeito por seus próprios a n i m a i s

Francesco Martino

A defesa das raças em risco


«Nas últimas décadas, na Sérvia, nin- Hoje, Ivanov luta pessoalmente para
guém sabia mais nada sobre a ka- resgatar a karakacanska, com sua
rakacanska ovca, uma raça de ovelha criação de aproximadamente 250
selecionada ao longo dos séculos pela cabeças. Mas o seu esforço não se
etnia nômade dos karakacani. Há al- limita à ovelha, que se adapta bem
guns anos, porém, durante uma visita às condições climáticas dos Bálcãs.
em todos os Bálcãs, há apenas dois identificar as barreiras que ainda hoje à região do monte Cemernik, no sul da No município de Dimitrovgrad, perto
produtos com denominação de origem impedem que pequenos produtores Sérvia, alguns habitantes me falaram da Bulgária, onde nasceu e cresceu,
reconhecidos pela União Europeia. Só tenham acesso aos mercados com de duas irmãs que, teimosas, continu- Ivanov luta para preservar uma deze-
da Itália, são mais de 200. Mas isto seus produtos tradicionais. Muitas ve- avam criando aquela “estranha ovelha” na de raças que seriam esquecidas,
© Francesco Sottile • Michele Fossi • Ivo Danchev • Archivio Slow Food

não reflete a realidade. As ferramentas zes, as comunidades rurais são reféns de pelagem escura…». com a ajuda de alguns agricultores lo-
oferecidas pelas instituições ainda não de políticos incompetentes, burocra- Sergej Ivanov, veterinário de profissão e cais. Raças com nomes antigos, qua-
são suficientes, mas o Slow Food, com cias asfixiantes, controles excessivos defensor das raças em risco de extinção se esquecidos: a vaca busa, o porco
o apoio da sociedade civil, empenhou- e intransigentes. Mas tudo é permitido e da biodiversidade por paixão, conta- mangulica, o cavalo brdski konj, o
se para inseri-los, um a um, na Arca do à grande indústria: até mesmo abater nos assim a descoberta de uma das burro balkansko magare, as ovelhas
Gosto: do salep do Kelmend, um tubér- cavalos, vendendo a carne como se muitas raças animais que hoje tentamos pirotska, bardoka e krivovirska.
culo de orquídea em pó, utilizado para fosse bovina. preservar. «O caso da ovelha karaka- A ideia de uma ação de defesa das
preparar uma infusão com leite ou água, A Arca do Gosto será, portanto, o canska não é um caso isolado. Muitas raças em risco de extinção começa a
às microdestilarias de rakija (aguarden- trampolim para uma grande campanha vezes, quem salva as raças em risco de aparecer em 2002, dentro de um proje-
te) do vale de Ibar, na Sérvia. de conscientização e de orgulho, para extinção são pessoas simples, teimosas, to apoiado pelo então Instituto Federal
Porém, não basta identificar os pro- transformar esses países em protago- que têm muito respeito por seus próprios Iugoslavo pelos recursos genéticos. A
© Ivo Danchev

dutos que correm o risco de desa- nistas do resgate da agricultura de pe- animais, e que são consideradas meio ONG Natura Balkanica, da qual Ivanov é
parecer. Também é muito importante quena escala da União Europeia. malucas em suas comunidades». sócio fundador, recebe os primeiros 20

52 ALMANAQUE 53
A Fortaleza da raça Karakachan
na Bulgária
No início do ano 2000, na região dos montes Pirin, a Associação
Semperviva criou uma fazenda para resgatar a antiga raça
ovina karakachan. Durante mais de 10 anos, os produtores
procuraram cabeças da ovelha karakachan nos mais remotos
vilarejos de montanha, encontrando comunidades de pastores que
tinham mantido seus rebanhos separados dos outros. O objetivo
é revitalizar a criação desta raça, fazendo com que se torne
economicamente sustentável, valorizando e comercializando seus
excelentes laticínios: queijo branco e iogurte. Hoje, a maioria das
lojas e restaurantes da Bulgária oferecem queijos industriais; os
produtos artesanais não são reconhecidos nem valorizados. Por isso,
é preciso realizar atividades de comunicação e educação do gosto.
Além disso, a Fundação Slow Food, junto à Associação Sempreviva,
está ajudando os produtores a construir uma nova fábrica de
queijos, para que possam obter produtos em conformidade com a
legislação búlgara, e um novo local para a maturação, que mantenha
a qualidade dos produtos durante os meses de verão.

Em busca da
todos os links sustentabilidade econômica
www.slowfoodfoundation.com/ porcos mangulica e quatro cavalos da Com o passar dos anos, aumentou o aproximadamente 400 cabeças, boa
presidia (Ovelha karakachan) raça brdski konj. O início foi difícil: além número de fazendas que criam raças parte criada nos vilarejos em volta de Di-
das dificuldades técnicas e econômi- em risco de extinção. «Começamos mitrovgrad. A raça em maior risco conti-
www.balkanika-crd.org
cas, havia também muito ceticismo. com um único criador; hoje chegamos nua sendo a ovelha pirotska ovca.
www.balcanicaucaso.org/eng «Os agrônomos tradicionais não enten- a mais de 15. – conta Ivanov – Durante Apesar do sucesso, considerada tam-
diam por que queríamos conservar esta alguns anos, o Ministério da Agricultura bém a escassez de recursos, os de-
biodiversidade preciosa e frágil», lembra da Sérvia contribuiu com um fundo para safios ainda são muitos. «A parte mais
Ivanov. «Diziam: estão loucos! Estão este fim, que foi suspenso em 2010. «É difícil é ligada à sustentabilidade eco-
trabalhando para resgatar as espécies uma pena que as verbas tenham sido nômica», diz Dimitrov. «Grande parte
pouco produtivas que fomos eliminan- interrompidas; ao mesmo tempo, é da produção das raças em risco, leite e
do com o trabalho de anos.» bom ver que, apesar do fim da ajuda, carne, é vendida como matéria-prima e
O ceticismo foi superado graças à não diminuiu o interesse pela criação não como produto acabado. Isto torna
ideia de criar, em 2003, uma Feira da destas raças tradicionais». os criadores muito fracos no mercado».
biodiversidade, que acontece todos os O esforço mais bem sucedido é ligado a No futuro, diz Ivanov, precisamos con-
anos em Dimitrovgrad, atraindo milha- uma raça bovina autóctone, a raça busa, seguir combinar criação, produção de
res de visitantes e a atenção da mídia. de chifre pequeno, tamanho menor do alimentos e turismo. «Aumentar a renda
Tanto que, em 2012, o município de que o comum e uma grande capacida- dos criadores, os verdadeiros protago-
Dimitrovgrad votou uma moção para de de adaptação aos pastos da região. nistas desta aventura, é o grande desa-
© Ivo Danchev

tornar o território municipal um parque Quase totalmente desaparecida há cer- fio. Uma eventual derrota dos criadores
da biodiversidade. ca de dez anos, na Sérvia existem hoje seria uma perda terrível. Para todos.»

54 ALMANAQUE
BIODIVERSIDADE

Europa – África de partida é o alimento como motor


U m g r a n d e p r o j e t o p a r a d e m o n s t r a r q u e da mudança. Adotou-se uma aborda-
a s c o m u n i d a d e s u r b a n a s p o d e m d a r m u i t a gem integrada, reunindo aspectos que
f o r ç a à c oo p e r a ç ã o i n t e r n a c i o n a l geralmente são separados: preserva-
ção da biodiversidade e sustentabili-
dade ambiental, atenção às comunida-

Unidas sob o signo des locais e às suas tradições, resgate


econômico para os produtores.
A ideia de que com da defesa de um

do alimento
produto, uma variedade vegetal ou
uma raça animal defenda-se também a
respectiva comunidade, tem um signi-
ficado especial, sobretudo na África. O
Martina Dotta trabalho com o alimento, neste contex-
to, parte da subsistência da comuni-
dade, considerada positiva, por poder
O 4Cities4Dev, co-financiado pela garantir o sustento das comunidades
União europeia, nasce da colaboração que a praticam. Geralmente, a eco-
de quatro cidades - Turim, líder do pro- nomia de subsistência é considerada
jeto, Tours, Bilbao e Riga – e o Slow negativa, mas num contexto em que as
Food. O projeto articula o papel das alternativas são, muitas vezes, a emi-
cidades, protagonistas ativas de polí- gração para os países do “norte” do
ticas locais e de cooperação descen- mundo, a miséria nas favelas, precisa-
tralizada, com a abordagem do Slow mos restituir todo o valor que merece.
Food, apostando no envolvimento das Para apresentar esta ideia de coo-
comunidades do alimento, dos cida- peração, analisaremos uma situação
dãos e dos consumidores. específica, a da Fortaleza do cuscuz

As quatro cidades europeias “adota-


ram” sete comunidades do alimento no
Senegal, Mauritânia, Etiópia, Madagas-
car, Quênia, Mali e Costa do Marfim,
dando início a relações institucionais
entre cidades parceiras, comunidades
do alimento e autoridades locais. Atra-
vés do apoio às comunidades do ali-
mento, pretende-se conscientizar os ci-
dadãos europeus sobre as consequên-
cias dos hábitos alimentares, segundo
um modelo de cooperação, cujo ponto
© Paola Viesi

57
BIODIVERSIDADE

salgado de painço da ilha de Fadiouth,


no Senegal, que conta com o apoio de
Turim, no âmbito do 4Cities4Dev.
A savana africana é, provavelmente,
Mostra itinerante
o lugar de origem do homem, onde
Na Europa, a conscientização para o consumo responsável é o segundo grande
foram colhidos os primeiros cereais
destinados à alimentação humana.
objetivo do 4cities4dev. O conceito básico do projeto é que a cooperação é
Ainda hoje, são colhidas e consumidas possível, sem que as escolhas do dia a dia tenham impacto nos países do Sul do
mais de 60 variedades de cereais sel- mundo. Para isso, foi realizada uma mostra que viajou para os quatro eventos
vagens, e são inúmeras as variedades organizados pelas cidades parceiras: Euro Gusto em Tours; AlGusto em Bilbao,
de cereais domésticos (arroz, fônio, Street of Taste Masters em Riga e Salone del Gusto e Terra Madre em Turim.
painço). A história do cuscuz salgado Objetivo da mostra itinerante era abordar alguns dos problemas mais graves
de painço é também a história do en- do sistema alimentar mundial, propondo soluções viáveis, começando com uma
contro entre o interior e o mar. O vilare- volta ao mundo através das imagens de uma mostra fotográfica. Apresentamos
jo de Fadiouth parece encantado: fica aos visitantes algumas reflexões sobre como comprar de forma responsável
em uma ilha formada inteiramente de e quais as consequências de tais escolhas. Apresentamos a história pouco
conchas, ligado ao vilarejo de Joal por
uma longa ponte de madeira. Os See-
rer, a comunidade indígena que mora
na ilha, são os principais produtores de
painço sunnà, e vivem da agricultura e
da pesca, no mar e na lagoa.
A preparação do cuscuz salgado é lon-
ga: para obter um produto de qualida-
de, são necessários, no mínimo, dois
dias. Terminado o trabalho doméstico,
todos os links conhecida de alimentos que achamos que conhecemos bem e, através de um
percurso interativo, mostramos como os alimentos podem ser reconhecidos
ao anoitecer, as mulheres se reúnem www.4cities4dev.eu e apreciados não apenas pelo gosto, mas também pelo tato, olfato e até a
e começam a preparar o painço, que Fortaleza do cuscuz salgado audição. Os estudantes que visitaram a exposição aprenderam a plantar e a
utilizarão para fazer a farinha: descas- de painço da ilha de Fadiouth reconhecer sementes e plantas em duas pequenas hortas.
cado em pilões de madeira, é depois
(youtube)
peneirado e lavado com água do mar.
Uma vez lavado, é moído, e a farinha
é amassada com um pouco de água,
até formar pequenas bolinhas, que Atualmente, o cuscuz de Fadiouth é coração e muita coragem», explicou
são depois peneiradas. Estes grãos vendido e consumido apenas local- Elisabeth, uma das produtoras mais
de cuscuz são deixados fermentar
durante a noite e, no dia seguinte, são saiba mais mente, geralmente fresco. É por isso
que, com os financiamentos do 4ci-
jovens da Fortaleza, «mas, no Senegal,
é o que não falta! Somos muito dinâ-
polvilhados com pó de folhas secas de ties4dev, montaram-se novas instala- micas, vamos trabalhar com um grupo
baobá e, finalmente, cozidos. A prepa- www.4cities4dev.eu/materials ções, onde as mulheres da comuni- de agricultores para que o painço seja
ração mais típica do lugar é o cuscuz dade poderão produzir e comercializar cultivado de forma natural e vamos nos
ViesiViesi

com molho de flores do manguezal, o cuscuz, preservando as variedades organizar para começar a vender o
© Paola
© Paola

amendoim e carne ou mariscos. de painço local. «É preciso ter muito cuscuz no mercado local e nacional».

58 ALMANAQUE 59
BIODIVERSIDADE

@ Eric Lafforgue • Archivio Slow Food • Oliver Migliore


Etiópia e Quênia
N a Á f r i c a o r i e n t a l , o s p a s t o r e s K a r r a y u e Poko t
d e v e m s ua s o b r e v i v ê n c i a a l i m e n ta r e c u lt u r a l
à t r a n s u m â n c i a e ao s p r o d u to s à b as e d e l e i t e

Investir
em tradição
Maurizio Busca
Os camelos dos Karrayu
todos os links Ao longo do século XX, especialmen-
te nas últimas décadas, as popula-
Foi o que aconteceu com os pastores
Karrayu, da Etiópia, considerados os
O camelo é o animal mais importante
para os Karrayu: dócil e forte, dá leite
Graças ao apoio do Slow Food, a coo-
perativa cresceu, duplicando o núme-
www.slowfoodfoundation.com/ ções que tradicionalmente se dedi- guardiães da cultura Oromo, e que há também em períodos de seca, repre- ro de associados. Em 2012, foi criada
presidia (leite de camela) cavam ao pastoreio e que vivem na séculos vivem na região entre o monte sentando a base da alimentação do a Fortaleza do leite de camela para
www.slowfoodfoundation.com/ vasta região entre Etiópia, Quênia e Fantalle e o rio Awash, 200 quilôme- povo. O elevado teor de ferro e vitami- apoiar a comunidade local, dando visi-
presidia (Iogurte com cinza) Tanzânia, enfrentaram grandes trans- tros a leste de Addis Abeba. Em pou- nas B3, B6 e C, as excelentes proprie- bilidade e melhorando a qualidade de
formações, que ameaçam a sobrevi- cas décadas, os Karrayu perderam dades nutricionais e o sabor aromático seu produto mais importante, graças a
vência de suas culturas. O acesso à quase dois terços de suas terras – os fazem do leite um alimento de altíssi- atividades de formação específica.
terra tornou-se cada vez mais difícil pastos de seus rebanhos – e o aces- ma qualidade, ao qual são atribuídas
e limitado. As mudanças ambientais so ao rio Awash, considerado um rio virtudes medicinais nos países onde é O iogurte dos Pokot
e climáticas obrigaram os pastores sagrado: o tradicional ciclo anual de consumido (Chifre da África, norte da Os mesmos objetivos, em 2009, leva-
nômades da África oriental a emigrar transumância, que cadenciava a vida África e Península Arábica, além de ram à criação de uma Fortaleza que en-
para outras regiões, o que provocou dos pastores com três migrações, China, Mongólia, Índia e Rússia). Em volve outra tribo de pastores, os Pokot
disputas com outros grupos pelo interrompeu-se. Mas o povo Karrayu 2010, 25 jovens pastores criaram uma do Quênia ocidental. Nômades no pas-
controle dos poucos pastos dispo- está tentando preservar sua antiquís- cooperativa que recolhe o leite de ca- sado, tornaram-se, recentemente, um
níveis e o abandono de hábitos anti- sima cultura, também através da va- mela recém ordenhado e o transporta povo sedentário, modificando, assim,
gos, por um estilo de vida sedentário lorização de seu produto símbolo: o para a cidade para a venda. A comuni- sua ligação com a atividade principal (a
ou semi-sedentário. leite de camela. dade somali é a principal compradora. criação) e com seus hábitos, inclusive
BIODIVERSIDADE

@ Oliver Migliore • Archivio Slow Food


Madagascar
Q u a n d o u m c u lt i v o p a s s a a s e r o r g â n i c o , n ã o é s ó o g o s t o
q u e s a i g a n h a n d o , m a s ta m b é m a p r o d u t i v i d a d e d a t e r r a

Recomeçando com
o arroz vermelho
alimentares. Um dos alimentos mais Embora produzido por um número limi- Michele Fossi
importantes da dieta tradicional dos tado de famílias, para consumo priva-
Pokot, é o lolon chomi suton, um iogurte do, o iogurte com cinzas é um alimen-
preparado com leite cru de vaca (des- to com o qual a comunidade Pokot se
tinado aos homens) ou de cabra (para reconhece e identifica: a atividade da
mulheres e crianças). A peculiaridade Fortaleza visa valorizar este produto,
do lolon chomi suton é que, quando o resgatando o seu valor na cultura local.
iogurte está pronto para o consumo, As atividades de formação organizadas
adicionam-se cinzas de uma árvore lo- pelo Slow Food visam, acima de tudo,
cal, o cromwo, que desempenha a fun- melhorar as condições higiênico-sani-
ção de desinfetante, dando um toque tárias de produção; dar aos pastores
aromático ao seu sabor. ferramentas que possibilitem a abertu-
ra de um ponto de venda de iogurte e «Plantamos assim durante séculos, paupérrimo Madagascar, como parte
uma loja agroveterinária, fortalecendo depois vocês, os vasà*, chegaram de um projeto filantrópico italiano, com
a comunidade e garantindo a autos- e disseram que não era assim; que o apoio da associação “Granello di Se-
suficiência econômica de seus asso- tínhamos que usar os produtos de nape” e do Slow Food. «O arroz verme-
ciados. Para os pastores Pokot e para vocês. Agora estão dizendo que mu- lho, uma variedade endêmica, gostosa
os Karrayu, investir em tradição foi um daram de ideia, que era a gente que e nutritiva, representa para os produ-
êxito econômico, social e cultural. tinha razão?». Com estas palavras, os tores que fazem parte da rede do Terra
idosos de Antanafisaka inicialmente ri- Madre não apenas a base de cada re-
ram da proposta de Sandra Pazzaglia: feição, mas também a única moeda de
converter toda a cultura do arroz ver- troca para comprar no mercado o que
todos os links melho, depois de décadas de “revolu- necessitam para viver.» Foram neces-
www.terramadre.org/rete ção verde”, para o cultivo orgânico. sários dois longos anos de experimen-
tações em pequenos terrenos, mas, no
Confiança final, Sandra Pazzaglia conseguiu con-
«Antanafisaka é uma aldeia muito po- quistar, com os resultados, a confiança
bre, sem água corrente e sem eletrici- da comunidade, que agora frequenta
dade», explica a ativista italiana que há com regularidade seus cursos de eco-
anos acompanha, no campo, o proje- agronomia. «Todos se deram conta de
to de desenvolvimento econômico do que, apesar das falsas promessas das

63
BIODIVERSIDADE

grandes empresas, o cultivo orgânico ma-se com a certeza de que na África, Notas mentes dos híbridos de laboratório co- pouco praticado na região leste da ca-

© Michele Fossi
de pequena escala, se praticado com mais do que em qualquer outra parte * O nome coloquial dado aos mercializados pelas grandes empresas, pital. «O cultivo destas terras permite
técnicas modernas, permite obter um do mundo, é possível fazer muito com brancos em Madagascar. adubos e herbicidas. Durante décadas que a comunidade enfrente o difícil pe-
produto melhor, inclusive aumentando muito pouco. Por isto, ela criou o “fun- foram escravos da agricultura industrial: ríodo da soudure, ou seja, a passagem
o rendimento (entre 20 e 60% a mais) do de rotação”, uma experiência de chegou a hora de se libertarem desta de um ano agrícola a outro, quando a
já a partir do segundo ano.» microcrédito para financiar pequenos dependência.» As colinas vermelhas safra anterior começa a ficar escassa,
projetos agrícolas. «Bastam poucos em volta do vilarejo – um lindo contraste mas a nova ainda não está pronta.» Um
Esperança euros para financiar a compra de uma com o verde dos arrozais do vale – , por agricultor sugeriu-lhe a ideia de utilizar
Enquanto fala, faz um cafuné numa ferramenta, um ou dois animais, novas exemplo, não são cultivadas. o fundo de rotação para construir um
criança que está ali sentada, olhando sementes, para provocar uma mudan- Sandra tem o projeto de restabelecer celeiro. A julgar pelo brilho dos olhos
para ela com olhos perdidos. «Tem ça na vida de um camponês.» a fertilidade da terra, há muito tempo de Sandra, foi um presente enorme,
mais de dois anos, mas não fala e não O objetivo principal do fundo, explica, abandonada e empobrecida pelas chu- a recompensa por anos de luta. «Pela
caminha. Não comeu o suficiente du- é convencer os camponeses a culti- vas, introduzindo o cultivo de espécies primeira vez, a ideia foi deles. Isto sig-
rante o período de escassez. Talvez varem mais terras. «Se até agora não fixadoras de nitrogênio, como as legu- nifica que consegui acender uma luz
não consiga sobreviver.» Diante da o fizeram, não é por falta de terras ou minosas, e de trazer de volta para An- de esperança em seu coração, ainda
tragédia desta criança, qualquer um vontade de trabalhar, é porque não ti- tanafisaka o cultivo em terraços, muito que fraca, de que a mudança também
se sentiria impotente, mas Sandra ani- nham os recursos para comprar as se- comum ao sul de Antananarivo, mas é possível em Antanafisika».

64 ALMANAQUE
BIODIVERSIDADE

Bolívia e Brasil
N a A m é r i c a L at i n a , 1 2 t e r r i t ó r i o s a p r e s e n ta m -
s e at r av é s d e s e u s pat r i m ô n i o s g a s t r o n ô m i c o s
e d a s h i s t ó r i a s d e s e u s g u a r d i ã e s

Taste
the Diversity
Lia Poggio, Gabriela Pieroni, Annibale Ferrini

Tarija
Doze territórios, a maioria deles na Amé- nam uma grande biodiversidade que fina, destacada pelos chefs de cozinha A região sul da Bolívia, na fronteira
rica Latina, foram os protagonistas do sempre foi desfrutada pelas popula- brasileiros em sua excelência para o com Argentina e Paraguai, é o en-
projeto “Os percursos da excelência”, ções tradicionais que nele habitam, na preparo do pirão. Já a secular pesca da contro de quatro ecossistemas – o
uma viagem através de seus produtos construção biocultural do território. tainha é o “milagre dos peixes” do litoral Andino, o Sub-andino, o Valle Central
e protagonistas*, que visa promover O litoral catarinense foi o destino dos catarinense. A técnica do arrastão, pro- e a Planície Chaqueña – que formam
experiências inovadoras de valorização povos guaranis, que desde as primei- piciada pelo desenho do litoral, reúne uma variedade incrível de paisagens,
do patrimônio gastronômico local. ras décadas do século XVI realiza- comunidades inteiras à beira-mar, num climas e produções agroalimenta-
Chiloé, litoral catarinense, Valle del Col- ram longas marchas guiadas por sua verdadeiro espetáculo. O Berbigão, pri- res. Um patrimônio que se reflete
ca, Nariño, Tarija, Rio de Janeiro e mui- ancestral cosmologia, em busca da meiro alimento de origem animal a en- também na produção alimentar local
tos outros territórios da região estavam “Terra sem Males”. Com a chegada de trar para a Arca do Gosto do Slow Food que aposta na qualidade, partindo
presentes no Salone del Gusto e Terra famílias do Arquipélago dos Açores a no Brasil é um molusco rico em minerais do trinômio uva-vinho-singani (uma
Madre para celebrar a diversidade bio- partir de 1750, promovida pela Coroa e proteínas, comparado ao “vongole” aguardente de uva) promovendo
cultural e apresentar ao público aromas Portuguesa, iniciou-se a colonização italiano. Atualmente seu extrativismo é uma cesta de produtos altamente
e sabores de suas tradições gastronô- que hoje também é matriz cultural do praticado principalmente pelas famílias especializados.
micas. Histórias de jovens, homens e
mulheres que lutam para promover as
território, muito embasada na pesca
artesanal e agricultura familiar. É do
todos os links da RESEX- Reserva Extrativista Mari-
nha de Pirajubaé, localizada em Floria-
Fiambres, queijo de cabra, frutas,
mel, pães e doces típicos da tradi-
suas regiões valorizando os produtos entrelaçamento destas atividades, ce- www.pathsofexcellence.org nópolis, capital do estado. ção popular vindos sobretudo do
locais, a preservação da biodiversidade, lebradas nos espaços dos ranchos de A manutenção da biodiversidade, que Valle Central beneficiam, hoje, de um
a transmissão das tradições gastronô- pesca e engenhos artesanais de fari- garante a sobrevivência material e sim- novo meio de promoção: o consórcio
micas e a defesa da paisagem. Histórias nha de mandioca, que provém a fari- bólica do litoral catarinense através da Tarija Aromas e Sabores. Uma mar-
de lugares, migrações, contaminações, nha polvilhada de Santa Catarina e o autonomia de suas comunidades pro- ca territorial desenvolvida em 2009
tradições, identidades do continente la- pescado artesanal (com destaque para dutoras é o foco da atuação do Con- pelo Centro latino-americano para o
tino-americano que está redescobrindo a tainha e o berbigão). Estas matérias- vivium Engenhos Artesanais de Farinha desenvolvimento rural e pelo Slow
a sua cultura gastronômica. primas, historicamente utilizadas na de Mandioca, que trabalha junto a or- Food, permitindo aos pequenos pro-
gastronomia local, sofrem atualmente ganizações locais fomentando a agroe- dutores um acesso ao mercado mais
Santa Catarina com modelos de desenvolvimento que cologia, o agroturismo e valorizando os competitivo e sustentável, integrando
Cerca de 500 km de terra são banha- não consideram sua importância so- saberes tradicionais. Por aqui atua tam- suas produções numa oferta turística
© Fernando Angeoletto

dos pelo mar no estado de Santa Cata- cio-econômica, ambiental e cultural. bém o Convivium Mata Atlântica, onde e gastronômica para valorizar a sua
rina, região sul do Brasil. O recorte ge- A peculiar farinha de mandioca produ- ecochefs interagem com os produtores identidade, resultado de transforma-
ográfico desta costa, com suas praias, zida nestes engenhos preserva o ami- locais realizando estudos, eventos e ex- ções e estratificações seculares de
dunas, baías, lagunas e ilhas proporcio- do em seu processo, por isto é alva e pedições de turismo gastronômico. diversas culturas.

66 ALMANAQUE 67
BIODIVERSIDADE

Canadá
U m g u i a i n d i c a n d o c u lt i va d o r e s e p r o d u t o r e s
p o d e d e v o lv e r a e s p e r a n ç a a u m a r e g i ã o m u i t o
a m e a ç a d a p e l a e x pa n s ã o d a s m o n o c u lt u r a s

Os rostos
do nosso alimento
Jacqueline L. Chalmers

Sede de mudança
A agricultura industrial invadiu grande Muitos têm sede de mudança. Os con- localmente estão convidados a contar dutores é uma vantagem, mas o ver-
parte da nossa terra, despojando-a de sumidores estão se esforçando para a sua história. dadeiro desafio é aumentar o con-
seus habitantes naturais e das popula- buscar alimentos bons, saudáveis e A primeira edição do guia ajudou a criar sumo de alimentos locais em escala
ções fundamentais de aves e abelhas, produzidos localmente. Não querem um sentimento de compartilhamento e nacional. Alguns dos maiores super-
responsáveis pela polinização. Na re- apenas os melhores produtos dispo- pertencimento à comunidade. Os de- mercados estão se esforçando para
gião sul do estado de Alberta, é possí- níveis, mas também compartilhar a safios foram enfrentados reunindo pro- apoiar a produção local, mas para
vel dirigir por quilômetros atravessando responsabilidade pela saúde e a sus- dutores que lutam por uma mudança agricultores e comerciantes, a tarefa
campos cultivados. Há poucos sinais tentabilidade de suas comunidades e com uma volta a sistemas tradicionais é difícil. A concorrência pode importar
de biodiversidade e a fertilidade do do meio ambiente. Mas nem sempre é de cultivo, sem com isto abrir mão da alimentos estrangeiros, que se bene-
solo está comprometida. Para lavrar fácil encontrar alimentos de qualidade. tecnologia moderna. ficiam de subsídios graças aos acor-
a terra, plantar as sementes (muitas Por isto, no estado de Alberta, a co- Um dos produtores presentes no guia dos comerciais, e os custos ambien-
todos os links vezes geneticamente modificadas) e
distribuir produtos químicos, utilizam-
munidade de agricultores e produtores
responsáveis tem dificuldade de trans-
é o Trail’s End Beef, uma fazenda que
pertence à mesma família há cinco ge-
tais tornam difícil a competição para
os produtores locais. Além disso, o
The Face of Our Food se máquinas gigantescas. mitir o seu recado aos consumidores. rações, criando bovinos felizes, sãos, consumidor médio está acostumado
A demanda de mercadorias está levan- The Faces of Our Food é a nossa forma alimentados unicamente no pasto até a comprar comida barata. E devido
do muitos agricultores a escolher mo- de mostrar a história dos produtores da o momento do abate. O gado é criado à demanda do mercado, os produtos
noculturas intensivas. Mas, analisando nossa região, os métodos utilizados e pelo sistema tradicional, passando o ve- importados têm, muitas vezes, uma
mais atentamente, descobrimos mui- onde os seus produtos são encontra- rão nas colinas e o inverno nas grandes visibilidade maior.
tos exemplos que nos devolvem uma dos: é uma lista, disponível em formato pradarias, onde nascem os bezerros. A Mas graças a The Faces of Our Food,
esperança: agricultores, proprietários impresso ou eletrônico, contendo os carne é pura, nutritiva e deliciosa. A fa- há um ar de mudança no sul de Alber-
de terras e produtores que usam mé- dados dos agricultores, dos produto- zenda trabalha com os abatedouros lo- ta. Estamos trabalhando juntos, di-
todos sustentáveis de cultivo, criação res, das empresas locais de proces- cais e recebe visitantes o ano inteiro. vulgando a mensagem e construindo,
e processamento dos alimentos. Estas samento e dos chefs que participam aos poucos, comunidades alimentares
Archivio Slow Food

pessoas inspiraram, em 2011, a criação da filosofia Slow Food. Todos aqueles O desafio cada vez mais fortes, que possam nos
do Slow Food Alberta e a publicação de que lutam por um melhor acesso ao Em muitos casos, criar relações mais ajudar a criar uma situação que seja
The Faces of Our Food. alimento bom, saudável e produzido próximas entre consumidores e pro- favorável para todos.

68 ALMANAQUE 69
BIODIVERSIDADE

Geórgia
Na Geórgia existe ainda uma recipiente de barro, o método de pro-
prática de vinificação antiga, dução tradicional georgiano, a uva au-
que não tem a ver apenas tóctone. Além do vinho, é a história da
c o m o v i n h o , m a s ta m b é m Geórgia, a sua geografia, biodiversida-
com a biodiversidade, de, folclore… Por isso, qualquer tentati-
a h i s t ó r i a , a c u lt u r a d o pa í s va de preservar e resgatar esta tradição
única tem um valor importantíssimo.

No país
Há alguns anos, os primeiros apaixona-
dos pelo método tradicional georgiano
tiveram que enfrentar vários obstáculos
antes de conseguir engarrafar o vinho

dos kvevri
dos kvevri, para apresentá-lo no ce-
nário internacional. Uma grande ajuda
chegou da associação Kvevri Wine, que
reuniu os apaixonados vindos da Geór-
Giorgi Barishashvili gia oriental e ocidental, bem como os
artesãos especializados na produção
de ânforas. No começo, a atividade da
associação contava apenas com o en-
tusiasmo de seus associados, depois
começou a colaboração com o Slow
Food, quando da criação da Fortaleza
do vinho de ânfora georgiano e com
a Associação de Agricultura Orgânica
Elkana . Também foram comprados os
equipamentos que servem para todos
os participantes do projeto.
A participação das edições 2010 e
2012 do Terra Madre e Salone del Gus-
to, em Turim, deu um forte impulso aos
produtores georgianos, que tiveram a
Tudo começou cerca de 8000 anos União Soviética, a grande demanda de oportunidade de conhecer colegas de
atrás, quando os antepassados dos vinho barato fez com que a produção outros países, trocando as suas expe-
georgianos realizaram a primeira vasi- industrial tomasse o lugar da produção riências de trabalho. Ao mesmo tem-
lha de barro para a produção de vinho. tradicional de vinho georgiano. Desde po, os melhores especialistas italianos
Aqui existe uma tradição milenar de vi- então, o kvevri foi substituído com re- do setor vitivinícola vão constantemen-
nificação, um antigo sistema georgiano cipientes de metal esmaltado, gerando te para a Geórgia, para avaliar os pro-
que usa o kvevri, uma ânfora de barro uma redução da demanda de recipien- blemas da produção, e assessorar os
todos os links de vários tamanhos, enterrada e fe- tes de barro e, consequentemente, tam- participantes do projeto.
chada com uma tampa de madeira ou bém da demanda de vinho produzido no O princípio que norteia os viticultores
www.slowfoodfoundation.com/ de pedra. Estas ânforas são utilizadas kvevri. Estes processos históricos afeta- envolvidos no projeto é a produção
presidia (vinho de ânfora) para a fermentação, produção e con- ram o destino das videiras autóctones. de vinho natural sem aditivos quími-
www.elkana.org.ge servação do vinho. Na Geórgia havia mais de 500 videiras, cos. Temos dois objetivos principais:
depois da industrialização soviética, fi- queremos que o mundo conheça o
Retomando caram apenas poucas dezenas. vinho georgiano produzido no kvevri
uma antiga prática Hoje, o antigo método de vinificação segundo as práticas antigas, mas tam-
Archivio Slow Food

Até a primeira metade do século XX, na está em risco de extinção. Há três fa- bém queremos preservar esta tradição
Geórgia, o vinho era produzido exclu- tores fundamentais que determinam as como patrimônio cultural mundial para
sivamente no kvevri. Mas na época da características do vinho tradicional: o as gerações futuras.

70 ALMANAQUE
BIODIVERSIDADE

França
A i d e n t i d a d e d o s a g r i c u l t o r e s b a s c o s
s e e x p r e s s a a t r a v é s d e a l i m e n t o s
c a r a c t e r í s t i c o s e d a l í n g u a e u s k a r a

Percurso
comum Coletivo Amalur
Christian Aguerre criação de porcos, vacas ou frangos, Amalur é um coletivo de oito associa-
mas dentro de um único grande galpão. ções no País Basco, cada uma repre-
Ou centenas de litros de suco de uva, sentando um grupo de agricultores que
para encher toneis, cada vez maiores, trabalham com uma raça ou variedade
até a beira. Em um século, perdemos, local. A ovelha manex, o porco basco,
assim, 80% de nossos agricultores e o ganso Kriaxera, as variedades locais
70% de nossa biodiversidade alimentar. de maçã, a cereja de Issau, a pimen-
Este modelo mostrou seus limites; e o ta doce do País Basco, a pimenta de
nosso projeto consiste em promover a Espelette e o milho grand roux basco
O desaparecimento diversificação das fazendas por razões são produções importantes, em risco
dos agricultores econômicas, ecológicas e agronômi- de extinção.
Toda vez que um agricultor desapare- cas. Uma pluralidade de espaços den- Realizamos, em conjunto, os trâmites
ce, com ele se vai um pedacinho da tro de uma fazenda permite valorizar o necessários para conseguir o status
nossa identidade, e sua terra acaba nas meio ambiente, ter produções comple- de Fortaleza, para compartilharmos as
mãos de pessoas que acham que o va- mentares, distribuir o trabalho ao longo ferramentas e imaginarmos um futuro
lor da terra corresponde a seu preço. do ano, diversificar as oportunidades, comum. Queremos promover estes
Nos últimos 10 anos, perdemos 10% reduzindo os riscos. produtos junto ao grande público, que-
de nossa superfície agrícola útil (SAU) Esta diversificação está intimamente remos também falar ao mundo agríco-
e 25% de nossos agricultores, embo- ligada ao desenvolvimento da cadeia la, oferecendo produções complemen-
ra a taxa de assentamento de jovens curta de produção, pois a venda direta tares que poderiam permitir a sobrevi-
agricultores seja a mais alta de toda a favorece uma gama de produtos mais vência das pequenas fazendas.
França. Em breve, a especulação fun- ampla, permitindo valorizar os peque- Há algum tempo, os agricultores bas-
diária e a industrialização da agricultu- nos produtores. O contato direto com cos se organizaram para salvar, man-
ra acabarão com 30 anos de trabalho o cliente favorece o reconhecimen- ter ou desenvolver esse patrimônio
voltado para a valorização da agricul- to do trabalho do agricultor, e o valor vivo e os sistemas de produção tra-
tura camponesa, da solidariedade e agregado resultante faz com que no- dicionais. A batalha faz parte de uma
da organização coletiva, ponto forte do vos agricultores escolham cultivos ou reivindicação mais global, a luta pelo
todos os links O País Basco atrai muitos visitantes
por sua forte identidade, gastrono-
mundo rural basco. No início de nossas
atividades, criamos ferramentas coleti-
criações de variedades ou raças locais
que não se adaptam a modelos inten-
reconhecimento institucional de nos-
sa identidade na França, onde reivin-
Arrapitz mia e belas paisagens. Mas além vas (as associações Arrapitz, Idoki, Ble, sivos. Trata-se de um modelo exigen- dicações identitárias são considera-
Idoki das imagens de cartão postal, são Ehlg) para defender o nosso modelo de te que, para ser bem sucedido, exige das lutas secundárias. Acreditamos
Ble os agricultores que conseguem pre- desenvolvimento, respeitando os ho- diversas competências, ferramentas ser esta a resposta mais apropriada
servar estas paisagens, produzindo mens, sua cultura e sua terra. adequadas e um quadro coletivo. Reu- e moderna à globalização. A nossa
Ehlg alimentos característicos. É neste Na escola, apresentaram-nos as virtu- nir-se em grupo para melhorar a pró- identidade é forte graças à terra, ao
Archivio Amalur

ambiente rural que a nossa iden- des da especialização como modelo a pria formação, para se conhecer, para idioma, à cultura, mas reivindicamos
tidade se expressa através de sua ser imitado, como melhor solução para processar e comercializar a produção uma abertura para o mundo, curiosa,
língua: euskara. tornar rentável uma fazenda. Uma única juntos, é fundamental . em constante movimento.

72 ALMANAQUE 73
BIODIVERSIDADE

Itália
É m i n ú s c u l a , m a s c o n s e g u i u d e s p e r t a r
g r a n d e s e n e r g i a s , q u e f i z e r a m
c o m q u e s e t o r n a s s e o s í m b o l o d e s u a t e r r a

Sustentável
em todos
os sentidos Serena Milano

todos os links
www.slowfoodfoundation.com/presidia (lentilha de Ustica)
www.slowfoodfoundation.com/presidia/15/results (resultados)
nualmente: do cultivo à colheita. Não
se usa nenhum produto químico. Há
dez anos, usava-se o burro para se-
parar as sementes das plantas. Há um
ano, porém, chegou uma novidade da
Finlândia: uma debulhadora, que fica
aos cuidados de Giuseppe Mancuso,
um dos produtores. No mês de junho,
temporada de colheita, ele leva o equi-
pamento cada dia para uma plantação
diferente e todos se reúnem para traba-
lhar juntos. Uma inovação que permite
Símbolo agrícola à Fortaleza produzir e vender um pouco
A pouco mais de uma hora de lancha As estações mais lindas na ilha são a pri- mais, ganhando um pouco melhor.
de Palermo, surge o perfil ondulado mavera e o outono, quando ficam ape- Pequena, macia, saborosa e de cor
da ilha de Ustica. Do porto, chega-se nas os moradores locais: os idosos, mas marrom-escura, a lentilha de Ustica
ao único vilarejo. Alcaparras crescem também os jovens que decidiram ficar ou sempre foi o ingrediente básico da

Archivio Slow Food © Grazia Neri


sobre os vestígios de antigos muros voltar depois de terminar a universidade. com apenas três produtores idosos, tradicional sopa de Ustica (enriqueci-
de alvenaria. Barreiras contra o vento, Administram casas de turismo rural e mas que hoje conta com um grupo de da com brotos de abobrinha, acelga,
criadas com figos da Índia, delimitam cultivam a terra: produzem verduras, fru- jovens e com uma coordenadora muito manjericão ou brócolis), mas há algum
as propriedades, e flores de hibisco e tas e, acima de tudo, a lentilha de Ustica: dinâmica, Margherita Longo. tempo, tornou-se também símbolo da
bougainvílleas enfeitam as entradas a menor da Itália, há 10 anos Fortaleza Nas pequenas plantações, as ativida- agricultura da ilha: mais uma razão
das casas. Slow Food. Uma Fortaleza que nasceu des continuam sendo realizadas ma- para não abandonar o seu cultivo.

75
BIODIVERSIDADE

Uma lentilha no pódio


Em 2012, foi realizada uma pesquisa en- Quando nasceu a Fortelza, havia 3 pro-

archivio slow food


volvendo 48 Fortalezas europeias para dutores acima de 60 anos, que traba-
medir os resultados obtidos em termos lhavam sem colaboração entre si e sem
de sustentabilidade. A lentilha de Ustica contato com qualquer instituição ou
foi considerada um dos melhores proje- instituto de pesquisa. O cultivo da len-
tos e seus produtores foram premiados tilha estava em risco de extinção. Hoje Alemanha
durante o Salone del Gusto e Terra há uma associação formalmente reco- A lentilha formou a identidade não apenas
Madre. Quais os elementos que nhecida, envolvendo 6 empresas (4 são a l i m e n ta r , m a s ta m b é m c u lt u r a l d o A l b da S u á b i a .
determinaram um resultado administradas por jovens com menos U m a Fo r t a l e z a t e m p o r o b j e t i v o a s u a v a l o r i z a ç ã o
tão positivo? A sustentabili- de 35 anos e duas, por mulheres), que

A Albleisa
dade social, ambiental e vende o produto com um rótulo comum
econômica, que vere- (com a marca da “Fortaleza Slow Food”
mos em breve. e o logotipo de produto orgânico). A
responsável pela Fortaleza é uma jovem

reencontrada
formada em agronomia. A associação
tornou-se uma interlocutora importante
para as organizações locais. A Fortaleza
participou de diversos eventos interna-
cionais e foi objeto de estudo e atenção Veronica Veneziano
por parte de universidades, órgãos de
pesquisa, jornais e televisão.
No início, a lentilha era tratada quimica-
mente depois da colheita para evitar o
ataque do gorgulho. A Fortaleza introdu-
ziu uma pequena inovação tecnológica
que solucionou o problema: é só deixar
a lentilha no congelador durante 48 ho-
ras. O tratamento térmico não prejudica
a vitalidade da semente, mas impede a
difusão do gorgulho. Hoje todos os pro-
dutores têm certificação orgânica e os
novos produtores recuperaram muitas
terras improdutivas. Dois estão adotan-
do formas de produção com energia re-
novável (painéis solares no telhado).
O número de produtores duplicou (de 3
para 6), aumentou a quantidade produ-
zida (de uma para 20 toneladas), o preço O rosto de Woldemar Mammel é as- pobre, a lentilha sempre representou
da lentilha triplicou (passando de 3 para sociado à história da lentilha do Alb da não apenas uma fonte alimentar de
9 euros no atacado e 12 euros no varejo) Suábia. Para apresentá-la, entramos primeira importância, mas também um
e melhorou também o poder contratual numa região semi-montanhosa entre elemento identitário e cultural. Ainda
dos produtores, que vendem diretamen- o Baden Württemberg, a Baviera e a hoje, visitando qualquer cidadezinha
te toda a produção. Hoje, em Ustica, a região pré-alpina alemã. Nestes ter- do Alb da Suábia, não é raro encontrar
lentilha é um elemento de renda impres- ritórios não muito férteis e com clima a palavra Linse ou Leisa (versão dialetal
cindível para quem quer fazer agricultura relativamente frio, o cultivo da ervilha e de Linse, “lentilha”), nas fachadas de
na ilha, e passou a ser uma atração para do feijão é antiquíssimo, assim como o fazendas e restaurantes, em cartazes
os turistas: todos os restaurantes ser- trabalhoso cultivo da cevada, centeio, de sinalização ou como parte do nome
vem lentilha, que também está à venda cânhamo, aveia, linho e lentilha. de algum lugar.
nas lojas de produtos alimentares. O papel da lentilha na formação da
Variedades locais identidade regional é fundamental, ten-
Na primeira metade do século XIX, a do sido a fonte principal de proteínas
lentilha era o cultivo principal, ocupan- de baixo custo e de sustento econômi-
do milhares de hectares administrados co para as famílias do Alb da Suábia,
por fazendas familiares. Nesta região, quando a carne não era acessível a
que durante muitos anos foi bastante todos. Na cozinha local, a lentilha era

77
BIODIVERSIDADE

archivio slow food


Em busca das sementes
misturada a carboidratos num prato Mammel, agricultor e pesquisador in-
único, ou moída com outros cereais cansável, desde a década de 80 dedi-
para preparar o pão. Uma das receitas ca-se ao cultivo da lentilha, experimen-
mais conhecidas da região é um prato tando diversas variedades europeias,
rústico com massa: como na versão principalmente francesas e italianas,
tradicional, com Spätzle (uma massa mas continuando a buscar sementes
fresca local), ou na versão dos dias de de Albleisa. Em 2006, dois pesquisa-
festa, servida com dois Saitenwürstle, dores encontram sementes de Albleisa
linguiças de carne de porco, embuti- 1 e Albleisa 2 no banco genético do
das em tripa natural. Mas há inúmeras Instituto Vavilov de São Petersburgo,
outras receitas, da lentilha agridoce à que Mammel e alguns representantes
sopa de lentilhas tradicional. do Slow Food Alemanha foram con-
todos os links Depois da explosão da produção, por
volta dos anos 40 do século passa-
vidados a visitar. Em 2005, a Albleisa
embarcou na Arca do Gosto. Em 2007,
www.slowfoodfoundation.com/ do, afirmaram-se as variedades locais as sementes começaram a ser cultiva-
presidia Späths Alblinse 1, Späths Alblinse 2 e das, graças a um projeto de pesquisa
(Lentilha do Jura Suábio) Späths Hellerlinse (cujo nome vem do da Universidade de Nürtlingen e, em
cientista Fritz Späth), chamadas comu- julho de 2012, foi criada a Fortaleza da
mente de “Albleisa” e cultivadas até o fi- lentilha do Alb da Suábia. A associação
nal dos anos 50. Mais tarde, registrou-se Albleisa, da qual faz parte Mammel e
uma repentina redução, principalmente mais de 60 produtores, segue diretri-
por ser um processo muito cansativo. zes de produção orgânica, fazendo o
A Alblinse, com sabor intenso e textu- cultivo consorciado com aveia, cevada
ra encorpada, é relativamente peque- e trigo-sarraceno, plantas que sus-
na (lembrando a variedade francesa tentam o caule delicado da lentilha e
DuPuy), exige um cultivo e uma limpe- conferem à paisagem um aspecto mul-
za cuidadosa, e tem um rendimento ticolorido, onde cresce e resplandece
relativamente baixo, características a biodiversidade local. Hoje, a lentilha
que levaram muitos cultivadores a Albleisa é comercializada em toda a
preferirem variedades importadas região, atraindo novos cultivadores, e
mais rentáveis. Assim, durante mais voltando, com plenos direitos, não só
de 40 anos, esta variedade autóctone à cozinha local do dia a dia, mas tam-
esteve a ponto de se perder. bém à alta gastronomia.

78 ALMANAQUE
BIODIVERSIDADE

Archivio Slow Food


Suíça
M a s c a r p l i n o u m a s c a r p e l : p r e s t e m at e n ç ã o n o n o m e ,
q u e s e j a c o r r e t o ! No m a i s , n ã o t e n h a m m e d o . . . n e s t e q u e i j o
d e c a b r a s e r e s p i r a a n at u r e z a d o s pa s t o s s u í ç o s . . .

Um queijo
com dupla
identidade
Alessandro Ferri

Estamos num canto pequeno e incon- dúvida de que o mascarplin/mascarpel – para o Alpe Cavloc, onde ficam aos cio à coagulação da massa do queijo,
taminado do Cantão dos Grisões, no e a mascherpa sejam muito próximos, cuidados do mestre queijeiro Minh que depois é colocada em pequenas
sudeste da Suíça. Aqui, o leite cru das considerada também a proximidade Brunner. A produção do mascarplin formas furadas, para que perda o ex-
cabras criadas nos pastos de monta- geográfica. A diferença está no leite: é diária durante o verão, e o queijo é cesso de água. As formas são retira-
nha é utilizado para a produção de um de vaca, com uma pequena parte de vendido fresco aos turistas. Em Isola, das e salgadas antes de secar durante
excelente queijo, que pode ser consu- leite de cabra, na Lombardia, e 100% perto de Maloja, é possível comprar um dia. Começa, então, o processo de
mido fresco ou curado. de leite de cabra na Suíça. a produção diretamente na fazenda maturação que deve durar, no mínimo,
todos os links A região da Val Bregaglia é pequena,
mas não é uniforme. Embora o quei-
Historicamente, a produção de mas-
carplin sempre foi uma atividade rea-
orgânica Cadurisch.
A época de produção vai do final da
de duas a três semanas: o período de
afinamento ideal para o mascarplin,
www.slowfoodfoundation.com/ jo seja produzido sempre da mesma lizada principalmente pelas mulheres, primavera até o começo do outono. que desenvolve um mofo azulado.
presidia forma, segundo a origem do leite, de um trabalho mais doméstico que co- Durante estes meses, o mascarplin Mas, infelizmente, o produto é vendi-
(Mascarplin o mascarpel) Sopraporta ou Sottoporta, ou seja, no mercial. Alguns lembram que durante está à venda diretamente na região do antes do tempo de maturação ide-
vale alto ou baixo, seu nome muda: o verão, quando o gado ia para o pas- dos pastos ou em algumas lojas dos al, perdendo-se, assim, o seu sabor
mascarplin ou mascarpel. Não são ad- to, algumas cabras ficavam no vale e, vilarejos de montanha. Para prepará- tradicional. Com o passar do tempo,
mitidos erros: os moradores são muito com o leite, as mulheres produziam o lo, o leite cru é aquecido à alta tem- o gosto mudou, no passado o queijo
rígidos com a denominação correta de mascarplin. peratura, acima de 90 graus, depois era conservado por mais tempo. Os
seu queijo. Segundo a tradição oral, Hoje além de continuar sendo prer- se adiciona a chamada “maestra”, isto idosos continuam preferindo o quei-
este queijo típico existia já no início do rogativa das famílias locais, proprie- é, um pouco do soro do dia anterior, jo mais amadurecido, conservando o
século XX, mas não sabemos se já era tárias de poucas cabras, há também com um pouco de ácido cítrico. No mascarplin até um ano e utilizando-o
consumido curado ou fresco. O nome um consórcio e uma fazenda orgâ- passado, a “maestra” era produzida ralado para temperar massas e sopas.
se aproxima muito da mascherpa (um nica no vale, produzindo pequenas acrescentando frutas secas fermen- Para divulgar este pequeno grande
nome que na Lombardia indica diver- quantidades. Durante o verão, uma tadas, bagas e raízes ao soro, e era produto e valorizar a região extraordi-
sos queijos frescos, tipo ricota), produ- dezena de criadores leva suas ca- conservada e renovada durante vários nária onde nasce, foi criada uma For-
zida na região da Valtellina, e não há bras – cerca de 130 cabeças no total meses. A “maestra” serve para dar iní- taleza Slow Food.

80 ALMANAQUE 81
BIODIVERSIDADE

Coreia do Sul
D e 1 ° a 6 d e o u t u b r o , a r e d e d o S l o w Foo d d a Á s i a
e Oceania põe a riqueza de sua biodiversidade
em primeiro plano, no grande evento AsiO Gusto

Sabores
asiáticos
Elena Aniere

saiba mais
AsiO Gusto se realizará no Namyang-ju tores, incluindo plantadores de arroz
Cultural Center, na província de Gyeonggi, tradicionais e produtores artesanais de
.
Coreia do Sul, de 1° a 6 de outubro de 2013 alimentos fermentados como o kimchi,
e o tofu, falarão de seu trabalho. Du-
Um grande evento por um
www.asiogusto.org rante o evento serão abordados outros
alimento bom, limpo e justo aspectos, como a importância da pre-
Há vários anos, em todos os cantos do Em 2012, os dois eventos internacionais locais, das culturas alimentares, das prá- servação da biodiversidade alimentar
mundo, os eventos do Slow Food trans- mais importantes do Slow Food (Salone ticas e dos conhecimentos agrícolas. na Ásia e Oceania, através dos proje-
mitem a sua mensagem sobre o alimento del Gusto e Terra Madre) se uniram num Como em outras partes do mundo, a re- tos da Arca e das Fortalezas, além do
bom, limpo e justo a um público local, re- evento único, que inspirou a rede Slow gião possui uma grande diversidade de significado do alimento para a espiritu-
gional, nacional e internacional. Tradicio- Food na Ásia e Oceania a organizar o culturas, tradições culinárias e biodiver- alidade e a paz nos países asiáticos.
nalmente, os nossos eventos dividem-se seu primeiro grande evento regional, sidade alimentar. Muitas delas, porém, Serão também realizadas várias ativida-
em duas categorias: as feiras de produ- combinando os dois elementos. O re- estão em perigo em razão da globali- des interativas: uma competição gas-
tores, inspiradas no Salone del Gusto, e sultado é AsiO Gusto, que se realizará zação e de um estilo de vida acelerado, tronômica, demonstrações práticas re-
os encontros da rede Terra Madre, que de 1° a 6 de outubro de 2013, envolven- que está se tornando cada vez mais velando os segredos das receitas tradi-
discutem aspectos importantes ligados do mais de 40 países da região. frequente. Muitas tradições alimentares cionais da Coreia do Sul, visitas a fazen-
ao futuro dos nossos alimentos. Organizado pelo Slow Food Cultural Cen- asiáticas são importantes não apenas das próximas à cidade de Namyang-ju,
Participamos de eventos como Algusto, ter e na cidade de Namyangju, em cola- por estarem fortemente ligadas à saúde no norte da província de Gyeonggi.
na Espanha; Markt des guten Gesch- boração com o Slow Food Internacional, física das pessoas, mas também à sua Promovendo os valores dos alimentos
macks, na Alemanha; Slow Food Na- AsiO Gusto segue uma série de eventos vida espiritual. Durante o ano, ainda são locais e tradicionais, e a conscienti-
tion, nos Estados Unidos. Além disso, a que se realizaram, a partir de 2009, em realizadas muitas cerimônias celebran- zação sobre a urgência de salvar as
partir de 2004, a rede Terra Madre rea- Namyang-ju, uma cidade satélite de do a terra, as fases do sol e da lua e as culturas alimentares, o AsiO Gusto for-
liza eventos regionais, com reuniões em Seul: palestras do Slow Food, festivais estações da produção alimentar. talecerá a presença do Slow Food na
diversos países: Holanda, Irlanda, Su- do alimento e três edições do Terra Ma- Os visitantes do AsiO Gusto terão a Ásia e Oceania, criando relações entre
© Oliver Migliore

íça, Coreia, Brasil, Argentina, Espanha dre Coreia, entre outros: inúmeras opor- possibilidade de descobrir a incrível os países, aumentando a possibilidade
e Rússia, entre outros, além do Terra tunidades para chamar a atenção para diversidade dos produtos asiáticos, de compartilhar ideias, campanhas e
Madre Indigenous, na Suécia. a importância dos produtos tradicionais reunidos num único lugar. Os produ- parcerias futuras.

82 ALMANAQUE 83
BIODIVERSIDADE

sendo mais delicado no outono. Além cultivo de arbustos em declives com

© He Xie
China disso, os Bulang têm uma ligação forte terraços. Juntos, os cultivos de chá e
U m c h á e n t r e a n t i g a s t r a d i ç õ e s e f l o r e s t a s com o seu ecossistema. Cada família ve- caucho estão invadindo as florestas
r i c a s e m e s p é c i e s v e g e t a i s e f l o r a i s nera uma velha árvore de chá (acreditam de montanha, ameaçando a produção
que as árvores foram plantadas por seus tradicional do pu’er das florestas de

Puro Pu’er
antepassados Pa’aileng) antes de come- montanha, que representa apenas 5%
çar a colheita de primavera. da produção anual. Além de defender
O chá pu’er traz grandes benefícios este produto, a preservação das anti-
para a saúde. A medicina tradicional gas florestas de chá do Xishuangban-
Minguo Li chinesa acredita que o chá tem pro- na ajudará a preservar o habitat e a
priedades que favorecem a “depura- rica biodiversidade da região.
ção do sangue” e a digestão; alguns O chá Pu’er das antigas florestas repre-
estudos demonstraram que pode bai- senta toda a paisagem viva do nosso
xar os níveis de colesterol e a pressão ambiente de montanha e dos nossos
arterial, aumentando, ao mesmo tem- povos. Ao tomarmos um chá de flores-
po, a atividade metabólica. ta, não estamos apenas aproveitando
Hoje, grande parte do chá pu’er vem uma pausa restauradora: até a nossa
de monoculturas industriais, com o respiração se acalma.

O pu’er é conhecido como o chá que a partir de folhas e brotos de velhas ár-
melhora com o passar dos anos e, ge- vores de chá, e não dos arbustos típicos
ralmente, é rotulado com informações dos cultivos, este chá é envelhecido du-
relativas a ano, estação e região de rante muito tempo. Este processo dá ao
origem. Como o vinho, as melhores chá uma cor marrom-avermelhada, bri-
safras têm preços mais altos e desper- lhante e transparente, e um sabor típico,
tam o interesse dos investidores, mas terroso e delicado ao mesmo tempo. O
para os grupos étnicos que vivem nas chá melhora com o passar do tempo, e
regiões de montanha do sul da China, é possível encontrar chás pu’er de 40,
onde este chá é cultivado, seu verda- 50 ou até 100 anos de idade.
deiro valor é o qi, a energia vital. A comunidade Slow Food dos produto-
res de chá pu’er das florestas de monta-
Tradição de envelhecimento nha inclui cerca de 600 famílias Bulang
O pu’er foi o primeiro chá cultivado e da região de Xishuangbanna, no Yunnan
utilizado pelo homem. Segundo os do sul. Na primavera e no outono, os
antropólogos, os colhedores Bulang colhedores fazem uma colheita seletiva
descobriram esta variedade há cerca das folhas das velhas árvores de chá. Al-
de 3.000 anos e, ao longo dos sécu- gumas árvores têm mais de 1000 anos
los, apresentaram-na aos caçadores e, embaixo da folhagem mais alta, abri-
Lahu. Durante suas viagens, os gam orquídeas e outras plantas. Graças
caçadores Lahu inventaram o a uma gestão atenta da floresta pluvial,
método de processamento a região de Xishuangbanna conseguiu
do chá, dito “do bambu”: as manter a sua incrível biodiversidade,
folhas de chá eram guarda- sendo conhecida como o “reino das
das dentro do bambu, um plantas”. Abriga hoje mais de 50% das
sistema que levou à desco- espécies vegetais da China, com aproxi-
berta dos benefícios da fer- madamente 5000 espécies florais e sa-
mentação do chá, prensado mambaias, sendo 153 delas endêmicas
em formas características. e 56 raras ou ameaçadas.
Foi uma descoberta casual,
que aconteceu há milhares de O qi do chá
anos, graças a um povo nômade, Os Bulang acreditam que o qi revigoran-
que sobreviveu ao longo dos séculos. te, obtido com o chá, seja resultado do
Um dos tipos mais valorizados de pu’er florescer da vida em volta das árvores.
é o das florestas de montanha, inserido Na primavera, depois do descanso inver-
na Arca do Gosto do Slow Food: obtido nal, o chá tem qi e aroma mais intensos,

84 ALMANAQUE
EDUCAÇÃO

© Antonello Montesi

EDUCAÇÃO
86 ALMANAQUE 87
EDUCAÇÃO

E d u c a r – e a f o r m a d e e d u c a r –
c o n s t i t u i a b a s e d a m u d a n ç a q u e
q u e r e m o s v e r e m n o s s a s s o c i e d a d e s

Educar segundo
o Slow Food
Michéle Mesmain e Stefania Durante

A aprendizagem existe quando se fala Como diz a introdução do Manifesto, o


à mente com o saber, ao corpo com o Slow Food parte da consciência de que
saber fazer, e às emoções com o saber as instituições tradicionais não estão
ser. O Slow Food tenta implementar este mais preparadas para formar as pró-
princípio até nas ferramentas que coloca ximas gerações, e que a abordagem
à disposição de todos os educadores. à educação deve mudar, abrindo-se e
integrando outros agentes do território:
Do manifesto ao manual todos e em qualquer lugar – adultos e
Partindo de todas as experiências crianças, agricultores e universitários,
realizadas em seus mais de 20 anos nas cidades e nas áreas rurais margina-
de história, o Slow Food elaborou um lizadas – para que se tornem os agen-
Manifesto para desenvolver o quadro tes e os beneficiários da educação.
pedagógico da educação tal como a Pois a educação, tal como a concebe-
concebemos. Um quadro conceitual mos, é um caminho de reciprocidade,
que dá espaço à imaginação, mas que pelo qual se aprende e se ensina ao
ao mesmo tempo define os princípios mesmo tempo. Desta forma, a edu-
que consideramos mais úteis para fa- cação torna-se um processo cons-
cilitar um caminho de mudança; um tante, contínuo e popular, que leva as
quadro baseado numa dinâmica cole- próprias comunidades a garantirem a
tiva que leva não apenas a “aprender”, transmissão dos saberes da cultura
mas também a amadurecer a visão material e social, como a cultura da ali-
de um destino comum que impõe um mentação, entre outras.
rumo preciso à mudança.
© Nicola Robecchi

O Manual de boas práticas acompanha Exemplos do mundo inteiro


o conteúdo do Manifesto, baseando-se O Manifesto representou a primeira
em seus princípios e acrescentando etapa nesta direção, para facilitar uma
uma metodologia e exemplos práticos. atividade educacional oferecida por
O manual, portanto, desenvolve as prá- todos e para todos. A rede equipou-
ticas e pretende facilitar a implementa- se com uma ferramenta operacional,
ção das ideias ilustradas no Manifesto. o Manual de boas práticas, cuja rea-

88 ALMANAQUE 89
Europa oriental, Cáucaso, Ásia central
E d u c a r - s e pa r a o s s a b o r e s d o s a l i m e n to s s i g n i f i c a t r e i n a r
t o d o s o s s e n t i d o s . V i s ã o , a u d i ç ã o , o l fat o , tat o e pa l a d a r
p o d e m s e r t r e i n a d o s , e x ata m e n t e c o m o o s m ú s c u l o s

Uma viagem
às origens
do gosto
Victoria Smelkova

O uso constante de produtos com aro- está incluído um curso de economia


mas e adoçantes artificiais e quantida- doméstica durante o qual as classes
des excessivas de sal e açúcar podem dividem-se em duas turmas: as meni-
criar dependência. O sabor padroni- nas têm aulas de costura e culinária, e
zado de muitos produtos industriais os meninos de carpintaria. Geralmen-
reduz a sensibilidade dos receptores te, o curso de educação sensorial é in-
lização envolveu um grupo de trabalho al apresenta detalhadamente todas as gustativos, provocando uma incapa- tegrado neste programa, substituindo
com especialistas da educação proce- etapas necessárias para criar, preparar cidade de reconhecer o sabor dos estas aulas, ou como atividade extra.
dentes de todos os continentes. Eles e organizar uma atividade educacional, produtos naturais, locais e sazonais. Para organizar um curso, é importante
apresentaram cada princípio do Ma- incluindo um modelo de tabela para fa- Mas visão, audição, olfato, tato e pala- a colaboração entre professores, ad-
nifesto com um exemplo de atividade cilitar o trabalho. O Slow Food espera dar podem ser treinados, exatamente ministração escolar, pais, cozinheiros
para valorizá-lo, considerando tanto os que uma ferramenta como esta permi- como os músculos. da cantina e produtores da rede do
projetos plurianuais como as ativida- ta que todos iniciem uma atividade ou Por que não podemos recuperar as Terra Madre. E quanto mais recursos
des de curta duração. um caminho educacional: escolhendo sensações perdidas, redescobrindo a a escola tiver (por exemplo, uma horta
Todos os exemplos coletados de- um tema e uma abordagem, criando natureza que nos rodeia? ou cozinhas equipadas), mais bem su-
monstram, mais uma vez, a riqueza as condições adequadas e organi- cedido será o curso. Durante as aulas
todos os links de iniciativas, saberes e inspiração zando as próprias iniciativas passo a O kit de educação sensorial de horticultura, os jovens geralmente
Manifesto das diversas regiões. Vejamos o caso passo, com o objetivo não apenas de Partindo de uma abordagem inovado- participam de forma positiva e entu-
do Convivium do Rio 7, no Brasil: para educar, mas também de fortalecer a ra, em 2008, o Slow Food criou um kit siasmada: a possibilidade de preparar
Manual de boas práticas conscientizar um grupo de jovens abai- comunidade. didático, uma ferramenta eficaz de edu- frutas e verduras cultivadas com suas
xo de 15 anos sobre a enorme varieda- Com a certeza de que a educação cação sensorial. O kit inclui o manual próprias mãos torna o trabalho na hor-
de climática, geográfica e ecológica de deva desenvolver-se em qualquer lu- Em que sentido?, o guia Até as origens ta mais atraente.
seu país, além dos diversos alimentos gar e a qualquer momento, o manual do gosto, um vídeo com explicações in- Em cada país, em cada escola, o kit
que representam tal diversidade, foi também pode ser útil para agregar um terativas sobre os sentidos, e material foi interpretado de forma diferente e
organizado um percurso dividido em valor didático às atividades de grupo, gráfico para a organização dos cursos. da Belarus, onde foram organizados
6 etapas, incluindo debates em grupo, inclusive as que não são verdadeiras Em muitos casos, este kit tornou-se os primeiros cursos, a experiência de
Archivio Slow Food
Archivio Slow Food

apresentações coletivas, a realização atividades educativas, como as reuni- matéria de estudo. Por exemplo, nos educação sensorial difundiu-se a ou-
de um livro de receitas e degustações. ões de trabalho, a organização de uma currículos das escolas primárias e mé- tros países: Ucrânia e Rússia, Azerbai-
Além de exemplos concretos, o manu- feira e muito mais. dias dos países do ex-bloco soviético, jão, Cazaquistão e Turquemenistão....

90 ALMANAQUE 91
Algumas experiências

Archivio Slow Food


A primeira escola dos países do ex-
bloco soviético a participar do projeto
saiba mais
foi a escola de Berioza, na Belarus. Em
Baixe aqui o guia Até as origens do gosto
2008 a escola começou a colaborar
com o convivium local para introdu-
zir as aulas no currículo, estudar as Baixe aqui o manual Em que sentido?
diferenças entre comida industrial e
local, conhecer o mundo dos agricul-
tores e cozinheiros. Ainda na Belarus,
os produtores da Fortaleza das frutas
silvestres e chás de Rosson criaram
um convivium, promovendo atividades
didáticas nas escolas dos vilarejos de
Klyastinsy e Zaboryje. No Museu das
ervas, os jovens podem estudar as er-
O manual Até as origens do gosto vas silvestres, aprender a colhê-las e
nas atividades do convivium secá-las, enquanto também trabalham
para tornar a horta escolar completa-
mente orgânica.
Com a ajuda de Irina Belan, repórter do Suzdalskaya Nov, o Na Rússia, Irina Kirilova, vice-diretora
convivium de Suzdal, na Rússia, luta para promover um estilo do Liceu 38 de Belgorod, conta sua
de vida e uma dieta saudáveis. Entre as diversas iniciativas, os experiência: «Começamos o curso em
concursos de cozinha “Eu cozinho com a minha avó” e “Vamos 2011 na escola primária, como ativida-
cozinhar com toda a família” fizeram grande sucesso. O curso de extracurricular. Os alunos ficaram Obviamente, não faltam problemas
de educação sensorial Até as origens do gosto foi destaque imediatamente entusiasmados com as para as coordenadoras: Katerina Siva-
durante o Terra Madre Rússia (abril de 2011), onde se reuniram descobertas, degustações, cheirando reva, psicóloga e professora da escola
os representantes de diversos convivia locais procedentes de ervas e especiarias, cozinhando...». secundária Lugovskaya em Lobnya,
Moscou, Bashkortostan, Altai, Vologda, Kolomna e Kostroma, diz que «no início do curso, nem todos
além de cientistas e personalidades. os alunos são capazes de realizar os
Os visitantes e delegados do Terra Madre participaram das exercícios. É preciso, de fato, ter um
oficinas de desenvolvimento dos sentidos para crianças e vocabulário rico para descrever as
adultos, organizadas pelo Slow Food. «O Slow Food considera a percepções. Antes de participar, os
degustação uma experiência importantíssima, permitindo alunos usam o critério “bom/ruim”,
gerar novas ideias sobre os alimentos», diz Irina. sem especificar suas sensações. Mas,
«A comida é uma cultura que deve ser alegre ao longo do curso, o seu vocabulário
e divertida, ninguém pode negar que o vai se enriquecendo, e eles aprendem
ato de comer consegue influenciar as a definir os produtos com maior preci-
são: fresco, suculento, fibroso, de cor
emoções humanas.»
amarela intensa, com aroma frutado».
O nosso conhecimento é como uma
de Pavel Devyatov
planta: quanto mais cuidamos dele,
mais profundas serão suas raízes e
mais saudável serão as folhagens.
EDUCAÇÃO

Itália
O n o v o p e r c u r s o d a f o r m a ç ã o S l o w Foo d . M a i s
e n v o lv e n t e e m a i s s a b o r o s o , p a r a a p r e n d e r c o m a l e g r i a

Educados para o gosto


de saber cada vez mais
Angela Berlingò e Annalisa D’Onorio

Para o Slow Food Itália, educação é e para os instrutores do projeto “Orto das e curiosas, que querem passar e está mudando também a sua forma
muito importante: 3.500 cursos Master in Condotta” (aproximadamente 50 algumas horas com alguém que lhes de contato com associados e consumi-
of Food de 2001 até hoje, com cerca pessoas que acreditam no modo de explica temas de seu interesse. E nós, dores. Masters, oficinas, cursos de for-
de 70.000 participantes; 450 “Orti in “aprender fazendo”). professores do Master, utilizamos estas mação para professores: tudo foi trans-
Condotta”; 33.500 crianças em idade A formação não é apenas uma oportu- horas para alimentar a sua paixão e a formado através da implementação dos
escolar envolvidas ativamente nas hor- nidade de atualização sobre os conteú- sua curiosidade, tentando fazer isso de três adjetivos: bom, limpo e justo».
tas; 600 professores e educadores. dos dos projetos, mas também de cres- forma informal e com alegria, segundo O âmago desta transformação, se-
cimento para um grupo de pessoas que o espírito que caracteriza o movimento gundo Monica, é que hoje não basta
Por trás dos números acreditam no potencial de mudança que conquistou o mundo». conhecer tudo sobre um determina-
da educação que a filosofia Slow Food traz consigo. Francesco começou seu percurso de do vinho ou queijo, é preciso saber
Estes números demonstram o interes- É por isso que o Slow Food Itália investe professor, levado por sua paixão, pelo apresentar as informações, levando
se cada vez maior da sociedade por um na formação de seus professores, alter- desejo de transmitir tudo aquilo que em conta o aspecto organoléptico, a
novo conceito de qualidade alimentar, nando atualização e projetos didáticos. aprendeu ao longo dos anos, sem se sustentabilidade social e ambiental,
o desejo de melhorar o estilo de vida É a partir da experiência e dos depoi- limitar à sua matéria de ensino. «Quan- despertando no consumidor a vontade
começando pelos hábitos alimenta- mentos dos instrutores que queremos do me convidaram para participar da de usar os cinco sentidos, aprendendo
res, e o grande trabalho realizado pela apresentar esta importante atividade. formação, dei-me conta de que há uma a orientar-se num universo comercial
associação, que promove incansavel- forma de ensinar e divertir, que se temos cada vez mais complicado.
mente cursos e iniciativas para a difu- As testemunhas a coragem de abandonar a tentação de «Para fazer isto, o Departamento de
são da filosofia slow no território. Francesco sempre foi um grande fã do “subir no pedestal”, a aula fica muito Educação trabalhou com os educa-
Por trás destes números há também caracol, e define sua experiência de mais animada. Aprender com alegria, dores, pedindo para que, juntos, re-
um grande grupo de professores professor do Master como «um prazer ensinar aprendendo com os nossos formassem a didática. Assim, compre-
apaixonados pela formação e pelos que recompensa e gratifica, o prazer “alunos”, para tornar ainda mais sabo- endemos que um trabalho de grupo
alimentos, que acreditam numa atua- de colocar à disposição dos outros roso o gosto de saber cada vez mais». não consiste apenas na aplicação das
lização constante e que apostam nos a minha experiência, e que me dá a Ao contrário, Monica conta que «quan- competências de cada um, mas em
intercâmbios. É por isso que o depar- energia para divulgá-la em toda a re- do começou o percurso de encontros dividir com os outros os próprios co-
tamento de educação do Slow Food gião da Puglia, onde moro. Para nós, formativos proposto pelo Departamen- nhecimentos. O resultado são módu-
Itália organiza regularmente encontros professores do Slow Food,» continua, to de Educação, muitos educadores los interessantes, debates de alto nível,
Archivio Slow Food

para o grupo de professores do proje- «falar de vinho ou cerveja, queijos ou provavelmente imaginaram que haveria dias de trabalho em conjunto, com um
to Master of Food (cerca de 150 apai- carnes curadas, é uma oportunidade novidades. E assim foi: o Slow Food novo entusiasmo por temáticas novas,
xonados pela cultura gastronômica) de encontro com pessoas apaixona- mudou e, consequentemente, mudou nascidas a partir do encontro».

94 ALMANAQUE 95
França
A e d u c a ç ã o a l i m e n ta r é u m a a b e r t u r a d e h o r i z o n t e s fa n t á s t i c a .
A b e r t u r a d o s s e n t i d o s , c o n v i t e pa r a e x p l o r a r u m a g a m a c a d a
v e z m a i s a m p l a d e g o s to s , c h e i r o s , s e n s a ç õ e s t á t e i s

A transmissão
entre gerações
Pascale Brevet

O Slow Food educa, inclu-


sive durante os eventos
Os meus dedos ainda guardam a lem- A educação alimentar das crianças
brança do primeiro encontro com uma também é uma abertura de horizon-
scorzonera fresca. Limpar hortaliças tes fantástica. Abertura de sentidos,
pode ser considerada uma tarefa insu- convite para explorar uma gama
portável. Confesso que o pensamento cada vez maior de gostos, cheiros,
“viva as conservas!” já me passou pela sensações táteis. Estimula a curio-
cabeça, mas foi logo esquecido pelo sidade e o senso crítico, graças a
prazer do gosto dos pedaços de raiz todas essas novas informações que
cozidos simplesmente com manteiga. oferecem perspectivas de interpreta-
Por mais que eu busque na memória, ção de um mundo complexo, aquele
não tenho nenhuma lembrança de minha no qual vivemos. Abertura ao pra-
mãe limpando e preparando a scorzone- zer, através de um savoir-faire que é
ra fresca. A minha avó lembra vagamen- elemento necessário para conseguir
te de uma antepassada que preparava captá-lo, exatamente como aconte-
«raízes negras e compridas», mas afirma ce com a arte.
nunca ter experimentado. A minha outra Por tudo isso, a educação ocupa
avó cozinhava estas raízes, mas como um lugar importante nos eventos
morava longe, quando chegávamos, ía- do Slow Food, e o Euro Gusto, em
mos direto para a mesa, que já estava Tours, não é exceção. Educação
posta, ansiosos pela comida preparada de crianças no “Espace Enfants”,
por ela desde de manhã cedo. um espaço com o tema provocador
Na casa dela, como na maioria das casas “Vamos brincar com a comida!”:
das mulheres da minha família, tive a sorte vagas esgotadas em 2011, será um
de experimentar muitos pratos deliciosos, dos destaques do Euro Gusto 2013,
sem me dar conta do tesouro que estas além de outras oficinas para crian-
mulheres tinham em suas mãos. Muitos ças e adultos.
saberes e muitos sabores acabaram se Transmitir os gestos, a experiência,
perdendo. E um dos aspectos positivos com o “Espace Transmission”, inau-
© Nicola Robecchi

da transmissão de hábitos, é que repre- gurado em 2011: diante do grande


sentam uma forma de guardar um peda- sucesso, a experiência será repeti-
ço de cultura. Um pedaço de história. da em 2013. Inicialmente imaginado

97
EDUCAÇÃO

© Nicola Robecchi
como o momento da transmissão
de saberes entre um profissional
especializado e um amador, este

saiba mais ano evoluirá para reunir duas di-


mensões da cozinha: profissional e
doméstica.
Euro Gusto é um evento do Sem a cozinha doméstica, não há gra-
Slow Food que se realizará de mática ou vocabulário para aprender
22 a 24 de novembro de 2013, a cozinha profissional: é um alicerce,
em Tours, na França. uma base cultural que permite deci-
www.eurogusto.org, frar a linguagem dos chefs e compre-
ender a gastronomia. Sem ela, que já
Facebook Euro Gusto ou
existia antes do século XVIII na Fran-
Twitter @euro_gusto
ça, a grande cozinha francesa nunca
teria existido. Sem ela, ficamos re-
clamando das raízes, pois só servem
para manchar e sujar.

98 ALMANAQUE 99
EDUCAÇÃO

Itália
A Universidade de Ciências Gastronômicas tem apenas 10
a n o s d e v i d a , m a s a m a d u r e c e u m u i t o , ta n t o n o p e r c u r s o
f o r m at i v o , c o m o n a q u a l i d a d e d a v i d a e x t r a - e s c o l a r

Uma família
universitária
que cresce
David Szanto

Em 2014, a Universidade de Ciências de alta qualidade) e “Representation,


Gastronômicas, fundada pelo Slow Meaning and Media” (representação,
Food, completará 10 anos de vida. Pode significado e mídia). O resultado é um
parecer jovem, mas em dez anos a es- aprofundamento de conhecimentos es- dos prazeres da viagem e da cultu-
cola cresceu, adquiriu experiência com pecíficos por setor, mantendo uma par- ra. Muitos outros estão trabalhando
muitas relações importantes, criou uma te geral, com uma abordagem de 360 em empresas de consultoria e defesa
família unida e solidária, e produziu frutos graus, como exige a gastronomia. sem fins lucrativos, como Anke Klitzing
dos quais pode ter muito orgulho. Todo ano, portanto, há 100 novos for- (Slow Food Berlim) e Min Young (Ali-
mandos dos cursos de mestrado, além mento para a mudança, em Seul). Mas
todos os links Oportunidades dos quase 500 que já estão trabalhan-
do para produzir uma mudança positiva
não faltam alunos que agora ensinam,
como Daniel Winans, docente do cur-
Uma das mudanças mais significati-
www.unisg.it/en vas de seu percurso é a evolução do no mundo profissional do alimento. Es- so de Ecogastronomia da Universida- fessores, funcionários da universidade
www.unisg.it/ programa de mestrado. Lançando no tes “filhos” da Unisg cresceram rápido e de de New Hampshire. e alunos, todos almoçam juntos, apro-
tavole-accademiche começo de 2005 em Colorono, cida- muitos criaram suas próprias “famílias” veitando este serviço de alta qualidade
www.facebook.com/Unisg. dezinha ao norte de Parma, o mestrado focalizadas no tema do alimento. Misturas e baixo custo. Uma nova energia con-
deslocou-se para o campus de Pollen- Entre os alunos mais – por assim di- A Unisg continua renovando-se interna- tagiou também a vida extra-escolar em
SocietaGastronomica
zo e, para responder à demanda de um zer – “reprodutivos”, está Taylor Coca- mente. A mudança para Pollenzo apro- Bra, onde mora a maioria dos alunos.
público cada vez mais internacional, lis, fundadora da ferramenta de busca ximou os alunos de mestrado dos alu- Por exemplo, regularmente acontecem
concentrou-se no vasto tema da cultura GoodFoodJobs.com. Taylor vive no nos do primeiro e do segundo ciclo de as Food Film Nights, ou os grandes
do alimento e das comunicações (Food nordeste dos Estados Unidos, mas graduação. Hoje os alunos podem mis- eventos da Sociedade Gastronômica,
Culture and Communications). Hoje há sua rede de relações passa por vários turar suas culturas e experiências – dos logo na saída da cidade.
@ Archivio dell’Università di Scienze Gastronomiche

quatro cursos de mestrado, com datas países, tanto que está se tornando um jogos de frisbee nos jardins da Agenzia Muitos especialistas em alimentação es-
de início ao longo do ano inteiro, cada ponto de referência, a “avó” de cente- a leituras na biblioteca. Em 2013, a inau- creveram sobre a importância de com-
um recebendo cerca de 25 alunos. nas de novas famílias gastronômicas, guração do novo serviço de restauran- partilhar refeições para a transmissão da
Todos os cursos têm o mesmo núcleo um verdadeiro símbolo dos resultados te, Tavole Accademiche, mesas acadê- cultura entre pais e filhos. Durante quase
básico de ensino, com programas de possíveis da Unisg. micas, intensificou o intercâmbio entre dez anos, as aulas de Pollenzo oferece-
especialização em “Food, Place, and Mas a história de Taylor não é a única. os alunos durante o almoço: Jacqueline ram tanto alimento como conhecimen-
Identity” (alimento, território e identida- Alunos como Philipp Boecker, Dwight Blazer e Maya Sfair, alunas de mestra- tos, fazendo com que os alunos sejam
de), “Human Ecology and Sustainabili- Stanford e Raffaele Paolini criaram do, por exemplo, conversam sobre as participantes e transformando a tradição
ty” (ecologia humana e sustentabilida- empresas turísticas que divulgam uma tarefas do chef com Lapo Querci, aluno “familiar” da Unisg numa história que
de), “High-Quality Products” (produtos educação do estilo da Unisg, através do primeiro ciclo de graduação. Pro- continuará sendo transmitida.

100 ALMANAQUE 101


EDUCAÇÃO

Viagem entre a gente do pão


«Quem não tem bagagem, põe as ra- Havíamos chegado a Durban há pou- to tempo. O governo que se seguiu à Coastal Links, Artisanal Fishers Associa-
ízes em qualquer lugar», diz Zuleikha cos dias, um grupo de alunos do se- era do apartheid ainda não ofereceu o tion of South Africa, Reyneke Vineyards e
Mayat, ativista e escritora sul-africana, gundo ano da Universidade de Ciên- apoio necessário aos pequenos pro- Good Hope Gardens Nursery, encontra-
ao nosso grupo, em visita ao seu país cias Gastronômicas representando dutores e à comunidade. Ao contrário, mos a diversidade dos atores que lutam
para explorar a rica história de cultu- a Itália, Malta, Bélgica, Tajiquistão e parece que “grande” é melhor. Os pe- por um futuro alimentar bom, saudável e
ras, tradições e alimentos. Zuleikha Estados Unidos. Financiado pelo Slow quenos produtores precisam batalhar igualitário na África do Sul.
escreveu um livro de cozinha, Indian Food, o programa de viagens interna- para obter reconhecimento do gover- A produção alimentar na África do Sul
Delights, e fundou o Woman’s Cultural cionais de estudos da Universidade no. Em particular, a falta de acesso à enfrenta desafios políticos, sociais
Group de Durban, contribuindo para nos trouxe aqui para viver e estudar terra é um grande obstáculo para a e econômicos significativos, mas as
divulgar a humanidade e a cultura que a realidade de um outro sistema ali- agricultura de pequena escala, e tem cores vibrantes de sua terra e de seu
estão na base da cozinha “arco-íris” de mentar, e para conhecer as pessoas um impacto negativo muito significati- povo não podem ser mudadas. A
sua terra. As suas palavras incisivas e as culturas que fazem parte dele. vo sobre a segurança alimentar. grande determinação das pessoas que
todos os links nos acompanharam durante o resto da
viagem: «Para manter viva a diversida-
Dez dias de viagem que nos levaram
de Durban a George, Sedgefield e Ci-
As pessoas que encontramos são tes-
temunhas do trabalho desconhecido
defendem o que é importante fará a di-
ferença, e tem nos ajudado no nosso
www.unisg.it/en de da África do Sul, precisamos edu- dade do Cabo e que permitiram que desenvolvido ao mesmo tempo para caminho de crescimento didático, seja
car e fortalecer uns aos outros». conhecêssemos as pressões sociais, conservar e inovar para as gerações individualmente ou como grupo.

África do Sul
A l u n o s e x p l o r a m a a g r i c u l t u r a , a
c o m i d a e a c u l t u r a d a Á f r i c a d o S u l

Exposição
no sul
Stacy Marie Stout

políticas e econômicas que formam a futuras. Richard Haigh, da Enaleni


realidade atual da agricultura e da co- Farm, integra o trabalho de administra-
zinha na África do Sul. ção da fazenda ao turismo e à forma-
Durante a viagem, fizemos diversas ção. Haigh cria ovelhas zulu, uma es-
trocas muito frutíferas com indivíduos pécie em risco de extinção e Fortaleza
e comunidades, e fomos sempre re- Slow Food, além de animais locais e
cebidos calorosamente por pessoas Archivio Università degli Studi di Scienze Gastronomiche suínos: produz também diversas espé-
dos ambientes mais diversos. Petrus cies vegetais não OGM, como soja e
Brinkform, da Citrusdal Farm Workers milho. «As pessoas tendem a conser-
e do Dwellers Forum, envolvido em var coisas às quais atribuem valor. Mas
questões relacionadas a trabalho, saú- na nossa sociedade, o apego nasce
de e assistência social, resumiu mui- somente quando estamos por perder
to bem a atitude da população rural: alguma coisa.»
«Somos “gente do pão”, acostumada Na Enalemi Farm, na Biowatch South
à compartilhar. Somos uma sociedade Africa, junto a famílias tradicionais de
agrícola pronta para dar». Pongola ou nos convivia Slow Food
No entanto, a comunidade dos agricul- de Imifino, em Sedgefield e na Cidade
tores na África do Sul já luta há mui- do Cabo, no Surplus Peoples Project,

102 ALMANAQUE 103


EDUCAÇÃO

Obstáculos, sucessos
e perspectivas
aos alunos a possibilidade de dividir a Apesar do projeto já ter criado um nú-

@ Archivio dell’Università di Scienze Gastronomiche


experiência de cultivar alimentos sau- mero impressionante de hortas, não
Índia dáveis e nutritivos, além da oportuni- foi tudo tão fácil, com desafios desde a
U m p r o g r a m a d e h o r ta s e s c o l a r e s o r g â n i c a s dade gratificante de saborear produtos perda de interesse de algumas escolas
p a r a a p r o x i m a r o s a l u n o s d e s u a s r a í z e s frescos em suas refeições. até a invasão de elefantes em algumas
A filosofia que está na base do projeto hortas. Ainda assim, mais de 80% das

Os relatos dos alunos


é reaproximar as crianças da nature- hortas conseguiram cumprir os obje-
za, despertando nelas o desejo por tivos prefixados e muitas foram além
alimentos limpos e ricos, como todos das expectativas. Em alguns casos,

para restabelecer
merecem. Selvam fica indignado com pais e alunos ficaram tão entusiasma-
a quantidade impressionante de pes- dos que plantaram hortas orgânicas
ticidas presentes nos alimentos india- em casa. Em 2012 Selvam voltou para

a fertilidade do solo
nos. Ele acredita que a mudança deve o encontro do Terra Madre para apre-
começar do zero e que a volta para um sentar, com orgulho, o impacto do pro-
sistema agrícola que produz alimentos jeto, durante o congresso “Plante uma
mais saudáveis e cuida mais do solo horta e salve o mundo”.
deve começar pela educação das Se perguntarem a estas crianças o
Arianna Garella crianças sobre o valor da agricultura que querem ser quando crescerem, a
tradicional e orgânica. maioria ainda sonha em ser astronauta,
Uma rede de agricultores orgânicos pop star, professor ou médico. Mas o
apoiou Selvam, oferecendo um guia às projeto não pretende formar a próxima
O movimento orgânico está se afir- escolas que aderiram ao projeto. Gra- geração de agricultores orgânicos da
mando no sul da Índia. Cinquenta ças ao seu conhecimento, os agricul- Índia. «No mundo inteiro nos encon-
anos após o boom da revolução verde, tores idealizaram hortas adequadas ao tramos diante de problemas gerados
que promovia o uso de fertilizantes e contexto de cada escola, aproveitando pelos homens, pois nos desligamos da
pesticidas como resposta à fome e ao da melhor forma o espaço e recursos natureza», diz Selvam. «Se somos ca-
baixo rendimento, a Índia está voltan- naturais. Nas escolas que não têm ter- pazes de educar os futuros médicos,
do às suas raízes. As promessas da reno para hortas de grande dimensão, professores e dirigentes do mundo in-
revolução verde não foram cumpridas as verduras são cultivadas em floreiras teiro para que voltem a ter uma ligação
e o resultado foi a perda da fertilidade colocadas em torno do pátio. A cha- com a natureza e para que desenvol-
do solo, o aumento dos custos para os mada revolução verde afirmava que vam um maior respeito pela terra que
agricultores, poluição e cultivos nutri- o solo precisa de produtos químicos nos alimenta, talvez no futuro possa-
cionalmente mais pobres. Tentando para que seja fértil; Selvam e seus vo- mos reivindicar um sistema alimentar
reconstruir um sistema alimentar sus- luntários ensinam a alunos e professo- melhor.» E se algumas das crianças
tentável, os agricultores de toda a Índia res que a chave da fertilidade do solo é quiserem se tornar agricultores orgâ-
estão trabalhando para restabelecer a o conhecimento do terreno local e das nicos, inspiradas por esta verdadeira
fertilidade do solo, trabalhando com a condições que o ajudarão a florescer. “revolução verde”, melhor ainda!
terra, e não contra ela.

O encontro com Selvam


No começo de 2013, tive o prazer de en-
contrar um desses agricultores, Rama-
samy Selvam. Três anos atrás, depois
do encontro mundial do Terra Madre na
Itália, Selvam voltou para a Índia com a
firme intenção de ser agente multiplica-
dor, iniciando um programa de hortas
escolares em seu vilarejo natal de Ara-
chalur, no estado de Tamil Nadu. Foi as-
sim que nasceu o programa “Horta es-
colar orgânica”, lançado para envolver
os alunos no cultivo de verduras para
as cantinas escolares. Hoje o programa
é implementado em 70 escolas, dando
EDUCAÇÃO

@ Marcello Marengo
Aula e laboratório
A partir de 2013, a Universidade de Os cursos de Alta Aprendizagem são
Ciências Gastronômicas de Pollenzo diferentes, por conjugarem saberes
ministrará cursos para padeiros, pizza- humanísticos e tecnológicos das dis-
iolo, mestre cervejeiro, produtores de ciplinas gastronômicas com saberes
carnes curadas, afinadores de quei- artesanais. Os primeiros dois meses
jos. Os cursos de Alta Aprendizagem e meio são de aulas na própria Uni-
representam «uma síntese didática versidade, com visitas didáticas para
ousada», explica o reitor Piercarlo Gri- conhecer todo o ciclo do produto e
maldi, «com a universidade planejando para encontrar pequenos produtores e
aquilo que tradicionalmente sempre empresários. Depois, começa o está-
foi considerado um trabalho manual». gio formativo prático, a aprendizagem,
Uma proposta que responde aos de- como se chamava antigamente. Du-
safios da era moderna, pois o mun- rante 10 meses, os alunos trabalham
do do trabalho está em busca destes com mestres de dois estabelecimen-
profissionais que, sublinha Carlo Pe- tos selecionados pelo Slow Food e
trini, presidente da Universidade, são pela Universidade, entre os melhores
a base da gastronomia italiana. «En- do território nacional. Uma oportuni-
quanto a sociedade tecnológica aca- dade única para colocar em prática as
ba com o valor do trabalho humano,» matérias estudadas na sala de aula,
acrescenta Petrini, «nós resgatamos treinando a própria capacidade produ-
antigos ofícios, devolvendo valor ao tiva. No final do percurso, é avaliada a
trabalho artesanal, um dos pilares de realização da “obra de arte”, ou seja,
nosso país.» o produto.
As almas da massa
«Aprender um ofício diretamente com
os mestres», explica Carlo Petrini,
«pode ser uma fonte de gratificação
e inspiração, definindo a identidade
da vida da pessoa.» Todo artesão in-
terpreta a profissão de forma pessoal,
reconstruindo paisagens e economias.
Em Alba, no Piemonte, por exemplo, o
padeiro Enrico Giacosa deu nova vida
ao “pão de Langa”: o cultivo de anti-
gas variedades de trigo, no passado
muito comuns nas colinas da região
Itália das Langhe e hoje quase extintas, a
A p r e n d e r u m o f í c i o d i r e ta m e n t e co m o s m e s t r e s todos os links moagem em moinho de pedra. Um ci-
clo curto, do qual fazem parte paixão,
p o d e s e r f o n t e d e g r at i f i c a ç ã o e i n s p i r a ç ã o,
www.unisg.it/en/apprendistato/presentazione ética, experimentação e trabalho de
d e f i n i n d o a i d e n t i da d e da p r ó p r i a v i da
grupo: «Hoje é importante fazer esco-

Artesãos
lhas conscientes e rigorosas, para uma
diversificação do mercado. Mas para
fazer isso, são necessárias competên-

do alimento
cias profissionais.» Os consumidores
que compram o produto e os nove
padeiros da província que aderiram ao
Consórcio de defesa do pão de Lan-
ga, cujo presidente é Enrico Giocosa,
Monica Mascarino acreditam nisso.

106 ALMANAQUE 107


EDUCAÇÃO

Cuba
O milagre de um organopónico que cresce entre
p r é d i o s , o f e r e c e n d o p e r s p e c t i va s d e t r a b a l h o pa r a o s
j ov e n s e u m a a l i m e n ta ç ã o s a u d á v e l pa r a to d o o b a i r r o

Urbanismo
y comida Silvia Ceriani, foto Luca Morino

Projeto de vida
Na região do Alto Casertano, Fran- Por que se tornar artesão dos alimen-
co Pepe, pizzaiolo de Caiazzo, faz tos? São diversas as motivações dos
a massa a mão, na tábua de ma- alunos dos primeiros cursos da Uni-
deira, sem utilizar energia elétrica: versidade de Pollenzo. Há quem queira
«Um percurso sensorial necessário, seguir a atividade de família com uma
o abc para os jovens que se aproxi- formação adequada «ampliando-a e
mam deste ofício». A palavra “arte- inovando-a»; quem queira descobrir
são” consta em seu cartão de visitas. todos os segredos (e as técnicas) para
Uma escolha rigorosa: tradição e concretizar uma paixão; quem sinta a
território fazem parte da filosofia que necessidade de se dedicar a trabalhos
adota com os fornecedores de ma- criativos de uma forma simples e com
térias-primas, com que chama para espírito artesanal. Há quem já se sinta Experiência exemplar
construir o forno, e quando cozinha. um pequeno empresário, pronto para Necessidade, possibilidade e vontade. Na entrada da Ubpc (Unidad Básica
E quando experimenta diversos tipos ir para o exterior. E quem acredita que Com estas três palavras, um horticultor de Producción Cooperativa), numa
de farinha pelo prazer «de analisar o «ser padeiro ou “pizzaiolo”, poderá tra- urbano sintetizou a razão do “milagre área sombreada, há uma banca com
comportamento segundo o teor de zer uma satisfação pessoal que pou- agrícola” cubano, durante uma entre- abacaxis, gombo, pimenta-malagueta,
glúten, umidade, temperatura…». cos ofícios são capazes de garantir». vista com Sinan Koont, autor do artigo tomates, temperos e espinafre. Os
“The Urban Agriculture of Havana”. preços são indicados em moneda na-
Chegamos ao Vivero Alamar numa ma- cional ou pesos cubanos. Há fila. Um
nhã quente de maio, mas o calor ainda vaivém de mulheres, idosos, famílias.
é suportável. O organopónico1 fica a Os moradores do bairro vem aqui para
cerca de meia hora de onde estamos suas compras diárias e, depois, be-
@ Kunal Chandra

hospedados. Um roteiro entre antigos bem um guarapo gelado, o caldo de


prédios barrocos e edifícios art-déco, cana preparado na hora.
parques verdes e o azul do Malecón. Ao entrarmos, somos recebidos por Mi-

108 ALMANAQUE 109


todos os links
The Urban Agriculture of Havana

Diversificar as atividades
guel Salcines López, presidente da co- É uma experiência exemplar, uma es-
operativa. Um grande homem. Por suas trutura moderna que recebe visitas de
ideias, sua altura, sua consciência. Com inúmeras delegações oficiais estran-
ele, estudamos as etapas alimentares e geiras, da mídia ou de agricultores de
produtivas da ilha, de uma agricultura outros países que querem aprender
baseada na monocultura, até o des- seus “segredos”. Ao caminharmos
moronamento da economia soviética, pela propriedade, vemos um grupo de
que acabou com a maquinaria, adubos venezuelanos com blocos e canetas.
e pesticidas químicos, meios de trans- Fazendo perguntas, observado, ano-
porte, gasolina e óleo diesel. Durante o tando respostas. Alamar tem muito o
período especial, foi necessário tomar que ensinar.
medidas para alcançar a autossuficên- Isto fica evidente quando vemos de
cia na produção; cultivar perto das ci- perto que esta cooperativa reúne to-
dades, reduzindo ao mínimo os custos dos os aspectos que estudamos e
de transporte; e adotar práticas susten- aprendemos sobre agricultura limpa,
táveis para tornar-se independente das e que tudo é fruto das escolhas feitas
energias fósseis. Mas, de certa forma, por Miguel e seus colegas: estudando,
Cuba estava preparada para enfrentar lendo e estabelecendo um contato au-
a crise: desde os anos 70, centros de têntico com a natureza.
pesquisa e instituições do Estado vi- Último capítulo, a biodiversidade: inú-
nham estudando um caminho para vi- meros tipos de hortaliças cultivadas
ver sem petróleo. seguindo um ciclo breve de 4-5 ro-
É o caso do Vivero Alamar. Miguel tações ao ano; frutas tropicais; ervas
participou desde o princípio, em 1997, aromáticas e medicinais, como a yer-
quando, junto com mais quatro pes- ba buena para o mojito ou a Albahaca
soas, conseguiu a autorização para santissima para as práticas de sante-
trabalhar numa parcela de terra de 3,7 ria; flores coloridas nas estufas; fran-
hectares, um terreno ocioso e, apa- gos; coelhos; touros para a produção
rentemente, sem valor. E aqui está o de esterco. E tudo em torno dos pré-
“milagre”, cujos números falam clara- dios. «¡Mira!, urbanismo y comida»,
mente. Atualmente, 162 pessoas culti- diz Miguel. Uma coisa está ligada à
vam aproximadamente 11 hectares de outra: terra-insetos-plantas-animais,
terra em cooperativa, jovens que veem bem-estar ambiental-social-econô-
a terra como uma perspectiva de vida, mico, e tudo fala de competência e
professores universitários, mais de 40 criatividade.
mulheres e 35% de aposentados. As
condições de trabalho são privilegia-
Notas
das: sete horas de trabalho por dia,
1. A palavra organopónico é originária do es-
salários de aproximadamente 800 pe- panhol cubano e descreve uma realidade agrí-
sos (sendo 450 a média nacional), a cola que se desenvolveu em Cuba a partir de
possibilidade de frequentar cursos de 1987, depois sendo divulgada em outros lu-
preparação e atualização, direito a co- gares. Os organopónicos são hortas urbanas
mer na cantina de graça. Obviamente, orgânicas em grandes tanques de tamanhos
diversos, cercados por uma mureta de pou-
esta realidade tem um forte impacto
cos centímetros e cheios de terra e substância
© Luca Morino

social, melhorando a qualidade de vida orgânica. Em Cuba há mais de 7000 destas


de quem trabalha e a alimentação de hortas, de diversos tamanhos, satisfazendo
todos os moradores do bairro. grande parte das necessidades internas.

111
EDUCAÇÃO

Canadá
Um programa de cozinha para ajudar as mulheres
a reconstruir uma vida saudável e sem violência

A transição
local especializado em temas alimen-
tares e de um especialista em conser-
vação de alimentos. Houve também a

na cozinha
participação de um nutricionista, que
respondeu às perguntas das partici-
pantes e que as assessorou nas es-
colhas mais apropriadas relacionadas
à nutrição e economia.
Cynthia Strawson Vários temas foram abordados durante
as semanas: receitas básicas, como
as sopas de verduras, e pratos mais
complexos, como a lasanha vegetal
de raízes torradas, até a preparação
caseira de conservas e a própria man-
teiga. O programa foi encerrado com
um jantar tradicional com peru e vários
acompanhamentos.
No final do curso, percebemos que
estávamos ensinando às mulheres
“como” cozinhar, mas que elas não ti-
nham as ferramentas necessárias para
cozinhar sozinhas. Assim, através das
redes sociais, espalhamos a mensa-
gem, pedindo ajuda para a compra de
um kit “transição culinária”. Durante o
último encontro, as mulheres recebe-
ram um cesto com as ferramentas de
cozinha compradas com as doações
da comunidade. Como todas as ferra-
O alimento como veículo mentas tinham sido utilizadas, no míni-
de autodeterminação mo, uma vez durante as aulas, as mu-
No final de 2012, a cozinha da casa Muitas mulheres da casa abrigo dei- filhos e o pessoal que trabalha no cen- lheres tinham familiaridade com todas.
abrigo La Salle, em Edmonton, tornou- xaram suas casas, onde eram vítimas tro. Juntos, compartilhamos histórias Eu também vim de uma família violen-
se um lugar de risadas, conversas e de violência. Algumas fugiram levan- e experiências ligadas ao alimento. O ta, portanto, sinto uma forte empatia e
onde criar novas amizades, graças aos do apenas as roupas do corpo e seus objetivo principal era colocar alimen- acredito que estes programas tenham
sócios locais do Slow Food, que com- filhos no colo. Independentemente de tos locais à disposição das mulheres um grande valor para toda a comuni-
partilharam com as mulheres que tenta- suas situações pessoais, todas estas e transmitir conhecimentos práticos, dade. Cada mulher tem direito a rece-
vam fugir de um passado violento, sua mulheres deram um passo dificílimo mas também mostramos como prepa- ber as ferramentas necessárias para a
paixão pela boa comida. O programa, rumo à autodeterminação, e precisam rar pratos saudáveis e baratos e como transição para uma vida independente,
de cinco semanas de duração, propu- de um apoio na fase de transição para é bom comer em companhia. deve recuperar a autoestima, e ter con-
nha-se a devolver às mulheres força e uma nova vida. As aulas de cozinha foram ministradas dições de sustentar a si própria e a sua
um senso de comunidade, utilizando a Uma vez por semana, desde meados por membros do Slow Food Edmon- família. Com as nossas atividades, aju-
comida local como veículo para discutir de novembro, foram realizados encon- ton (chefs profissionais e cozinheiros damos também a nossa comunidade a
os aspectos ligados a uma alimentação tros de cozinha, no final dos quais há amadores) e contaram com a parti- ter contato com a terra e com quem nos
saudável, equilíbrio familiar, felicidade. uma refeição com as mulheres, seus cipação de um jornalista e blogueiro alimenta, física e metaforicamente.

112 ALMANAQUE 113


EDUCAÇÃO

Porto Rico
U m a a g r i c u lt u r a e m h a r m o n i a c o m o m e i o a m b i e n t e fa l a
d e t e r r a n o va – e d e p e s s o a s n o va s – , r i c a e m n u t r i e n t e s

As vozes
da Terra Dalma Enid Cartagena

O nosso projeto “Agricultura em har- transformar solo árido e pobre em ter-


monia com o meio ambiente”, reali- ra negra, viva, rica de elementos que
zado pela Escuela de la Comunidad se combinam para nos dar alimentos.
Segunda Unidad Botijas 1, no distrito Neste processo, de qualquer forma,
de Orocovis, no centro da Cordilheira todos nos transformamos.
Central, nasceu baseado no programa Cada grupo de alunos aprende a pre-
de educação agrícola do Departamen- parar sementeiras na área designada;
to de Educação de Porto Rico. a conhecer ferramentas agrícolas, sua
função e forma de manejar; a preparar
Do composto à vida a terra para o arado; a fazer canais, a
O projeto começou em 2000, quando preparar os canteiros para semeadu-
decidimos fazer um composto para ra. Aprendem, desta forma, a trabalhar
ajudar a produção de hortaliças, cere- em equipe, ajudando um ao outro. E
ais, ervas medicinais e flores na escola. enquanto trabalham na fazenda da
Há treze anos usamos todos os restos escola, aprendem a dividir o espa-
de verduras, frutas e sobras da cantina ço com as criaturas da natureza que
no composto. Os alunos aprendem a contribuem para fazer com que a terra
fazer o composto e podem observar a ofereça os alimentos: abelhas, minho-
© Dalma Enid Cartagena

extraordinária transformação das ma- cas e mesmo rãs e lagartos que aju-
térias orgânicas biodegradáveis, mui- dam a controlar os insetos. Dividimos
tas vezes malcheirosas, que nos dão o planeta Terra com outros seres vivos
terra nova todo dia e a possibilidade de que, em harmonia, ajudam a manter os

114 ALMANAQUE
Palestina
Uma escola de cozinha para mostrar aos outros
pa í s e s a i d e n t i da d e c u lt u r a l e o o r g u l h o da s
mulheres de Nablus. E a riqueza das comidas locais

A Casa
da dignidade
Beatrice Catanzaro

Escola de cozinha
ecossistemas em equilíbrio, ensinan- para ser útil; que somos parte de uma Bait al Karama (Casa da dignidade) é O projeto da escola de cozinha nas-
do-nos a importância do respeito e o cadeia extraordinária e maravilhosa o primeiro centro para mulheres no co- ceu com o objetivo de criar formas de
valor incalculável da paz. As crianças que transcende a todos: a nossa Mãe ração da antiga cidade de Nablus, na trabalho flexível para vinte mulheres
aprendem a importância de preservar Natureza. Recentemente recebemos Palestina, combinando uma empresa da Cidade Antiga de Nablus. A sede
o solo com as práticas de conserva- – graças ao Convivium Boricua, de social, baseada na cultura gastronômica encontra-se na estrutura de Bait al
ção. E enfrentam o que consideram Porto Rico, e por meio da Dra. Eliza- palestina, com atividades e programas Karama, uma construção otomana
fracasso, quando a semente não nas- ma Montalvo e de seu companheiro educacionais, sociais e culturais. O ob- no coração de Nablus, recentemente
ce e precisam semear novamente, re- Bartus Allen – a ajuda do Slow Food jetivo da empresa social é a criação de reestruturada. A cozinha, no térreo,
forçando, assim, a autoconfiança e a fé para a instalação de uma cozinha ar- emprego para as mulheres que sofreram foi restaurada e decorada segundo a
nas próprias ações. tesanal para a preparação de alimen- traumas ou perdas durante a segunda tradição palestina, mantendo elevados
tos saudáveis e frescos provenientes todos os links Intifada, e a gestão de um programa padrões profissionais e de segurança.
Apoio da nossa terra e que fazem parte da www.baitalkarama.org de apoio social, psicológico e formativo O projeto surgiu para divulgar a cozi-
Sou professora e acredito que tudo isso nossa cultura alimentar. O Slow Food para mulheres e crianças. O centro con- nha palestina, ainda pouco conhecida
é vital para a formação, pois a maior também nos ajudou a criar uma área ta com um salão de beleza aberto ao e representada, tanto no Oriente Mé-
parte da vida é feita destas coisas. para a semeadura de produtos locais, público e diversas salas multifuncionais dio como nos países ocidentais, em-
Há algo mágico em tudo isso, que como guineos (bananas verdes), yau- para a realização de cursos, palestras, bora ofereça uma variedade de pratos
nos transforma em pessoas melho- tías e malangas (Xanthosoma sagitti- oficinas e almoços para grupos. e especialidades da cozinha árabe.
res que respeitam e pedem respeito; folium, a taioba) e gandules (Cajanus Bait al Karama é também o primei- Nablus, situada no cruzamento das ro-
© Dalma Enid Cartagena

que querem compartilhar, trabalhar, cajan, o feijão guandú, muito cultivado ro convivium Slow Food de Nablus e tas comerciais entre oriente e ocidente
construir, semear e viver em paz. Há também na Ásia e na África), que já sede da primeira escola internacional e residência de algumas das famílias
algo mágico, que nos contagia, ao colhemos e utilizamos em vários pra- de cozinha palestina na Cisjordânia, mais ricas do país, as quais apoiaram
observar que tudo na natureza vive tos preparados na nossa cozinha. administrada apenas por mulheres. o desenvolvimento de uma “cozinha de

116 ALMANAQUE 117


EDUCAÇÃO

qualidade”, oferece algumas das recei- para os pequenos produtores da re-


tas mais interessantes, nascidas do en- gião. Os cursos e as oficinas incluem
contro de temperos, carnes e verduras visitas a agricultores, criadores e
procedentes de países distantes. Os empresas do setor alimentar, com o
doces representam o ponto alto desta objetivo de aproximar os estrangeiros
tradição, como o knafeh, exportado e das atividades rurais e produtivas da
saiba mais copiado em todo o mundo árabe.
Hoje alimentos e tradição gastronômica
cidade, permitindo um intercâmbio
de porte internacional com profissio-
fazem parte da riqueza de Nablus e são nais do setor.
Bait al Karama
motivo de orgulho para seus habitantes O projeto* pretende comissionar a es-
e, de modo especial, para as mulheres. tudiosos e pesquisadores a elabora-
Ao ensinar e transmitir este patrimônio ção de materiais sobre a cozinha típica
aos participantes dos cursos, as mu- palestina, e buscar o apoio de artistas
A cidade lheres conseguem também estabelecer que valorizem determinados aspectos

© Tanya Habjouqa
contatos com os visitantes estrangei- com vídeos, textos e fotos.
No norte da Cisjordânia, a cerca de ros. A escola pretende contribuir para
63 quilômetros de Jerusalém, Nablus a construção e difusão de uma imagem
foi, na antiguidade, a capital econômica positiva de Nablus como cidade rica em notas
da Palestina. A partir do ano 2000, *O projeto da escola de cozinha foi pro-
cultura, história e tradição, que supere o
movido pelo Comitê para as mulheres da
início da segunda Intifada, Nablus clichê do conflito Israel-Palestina. Nablus Old City Charity Society, Beatrice
foi palco de terror e destruição, A escola de cozinha utiliza produtos Catanzaro (artista) e Cristiana Bottigella
que continuaram até 2010. O centro locais e pretende tornar-se referência (diretora cultural).
histórico, especialmente, que reúne
obras de arte e sítios arqueológicos
que remontam a épocas entre os
séculos I e XV, foi alvo de bombardeios
e destruição. Ainda hoje Nablus sofre
as dramáticas consequências, com
um desemprego de aproximadamente
80% e com 65% da população que vive
abaixo da linha de pobreza. Entre as
produções locais mais importantes, as
diversas fábricas de sabão de azeite
de oliva, no passado exportado para
toda a região do Mediterrâneo, além
do sabão de Alepo.
EDUCAÇÃO

crescerem, as frutas produzidas serão


utilizadas no programa Garden to Ca-
feteria (“da horta à cantina”).
EUA
U m t e r r e n o b a l d i o t r a n s f o r m a- s e e m h o r ta s r i c a s
Da horta à cantina
d e f r u ta s e v e r d u r a s . G r a ç a s ao t r a b a l h o d o s a l u n o s
Durante mais de uma década, o Slow
e d e s e u s p a i s , d a s i n s t i t u i ç õ e s e d o S l o w Foo d
Food Denver, Denver Urban Gardens
e Learning Landscapes colaboraram

O coração de uma rede: com a autoridade das escolas públi-


cas de Denver para realizar hortas

a horta da Lowry
escolares e comunitárias e programas
escolares a elas ligados. A Denver
School Garden Coalition visitou deze-
nas de escolas elementares, tentando

Elementary School
responder a exigências específicas, le-
vando em conta as idiossincrasias de
cada comunidade escolar.
O programa Garden to Cafeteria é uma
Gigia Kolouch oportunidade única para os alunos das
escolas públicas: poder cultivar vegetais
frescos nas hortas escolares e oferecer
parte da safra às cantinas para a prepa-
ração das refeições. O departamento
de cantinas da autoridade escolar de
Denver paga preço de mercado pelos
produtos das hortas que participam de
programas escolares. O dinheiro deve
ser reinvestido no programa para as hor-
tas da escola e é utilizado para financiar
as atividades do ano seguinte. No ano
passado, 14 hortas escolares de Denver
produziram uma safra de 510 quilos, ge-
rando uma receita de 1000 dólares.
Lisa Emerson, líder da horta de Lowry,
diz: «É maravilhoso ver o entusiasmo
dos alunos na hora de colher as verdu-
ras: eles sabem que suas abobrinhas
serão servidas na cantina durante a
À primeira vista, a realização de algu- domínios, dois prédios de residências A horta Victory tem um duplo objeti- semana, e se dão conta da importân-
mas hortas escolares no terreno da populares administrados pela Colora- vo: ampliar, graças à experiência de cia da origem dos alimentos. Isto os
Lowry Elementary School de Denver, do Coalition for the Homeless. Entre os jardinagem e através das atividades ajudará a desenvolver hábitos alimen-
Colorado, parecia uma missão impos- alunos inscritos, 39% têm direito a re- práticas e de ensino interdisciplinar, a tares saudáveis no futuro».
sível. Inaugurada em 2002, a nova es- feições gratuitas ou a um preço reduzi- experiência formativa adquirida na sala Além disso, a horta da escola Lowry
cola estava exposta ao vento e ao sol e do, financiado pelas autoridades fede- de aula, e melhorar os hábitos alimen- participa de outros programas, como o
as mães Lisa Emerson e Kathleen Ma- rais, um indicador típico de pobreza. tares e de saúde dos alunos. A horta Youth Farmers’ Market (a feira dos jovens
ley foram visitar o convivium de Denver Sete anos depois do início do projeto, tem seis canteiros elevados, além de agricultores) e Backpack (mochila). Os
todos os links para mostrar o local da primeira horta:
um terreno baldio perto da entrada da
a escola tem diversas hortas, a original
é chamada “Serenity Garden”, outra
alguns canteiros destinados a plantas
trepadeiras, como as abóboras. Há
alunos também começaram a produzir
mudas, organizar a venda de plantas e
dug.org escola, o único existente. chamada “Victory Garden”, o “Lowry também um recipiente para a compos- colher os produtos no outono.
Garden”, além de uma área circular tagem, no qual são reciclados os res- No outono passado, a escola Lowry
Para melhorar os hábitos com bancos para descanso e outras tos das hortas e as sobras de comida. convidou Arne Duncan, secretário da
Além das dificuldades físicas, a escola atividades. É o resultado do trabalho Na horta Lowry há dois pessegueiros, educação dos Estados Unidos para
Lowry surge numa área de desenvol- atento de Lisa Emerson, que contou duas cerejeiras, duas macieiras e duas participar de uma comemoração, e o
vimento recente, cujos moradores têm com o apoio de pais, professores, Slow pereiras. No outono de 2012, os alu- Slow Food Denver tem orgulho de ser
© Laurie Smith

níveis de renda e origem étnica dife- Food Denver, Denver Urban Gardens e nos colheram a primeira pequena pro- um dos parceiros principais do ecos-
rentes. Nos arredores há casas, con- de membros da comunidade. dução de frutas e, quando as árvores sistema das hortas escolares.

120 ALMANAQUE 121


EDUCAÇÃO

Venezuela
a ou tra iniciativa: o ec ofestival das batatas nativas
Do s p r o j e t o s e d u c a t i v o s à s i n i c i a t i v a s Um
p a r a p r o m o v e r a b i o d i v e r s i d a d e l o c a l .
Food Internacional.
O t r a b a l h o d o s c o n v i v i a n a V e n e z u e l a alona e a outra Nativa, financiado pelo Slow
«U ma batata se chamava arb de 7 a 10 de dezembro,
muito compridas O festival foi realizado
arepita… e outras grandes e pela terceira vez, foi
ata china, a rosada, entre Gavida e Mérida, onde,
, com a proposta de

Para melhorar
A bat
eram chamadas Piguas… celebrado o Terra Madre Day
, cresciam per to… tos transgênicos:
a aucuba: eram companheiras s que rendiam, uma questão importante: “Pr
odu
Aquelas sim eram batatas, bat
ata que m sai pre judicado”. Ainda
tava Deus, a quem sai lucrando e
a, bas resposta unânime à

a merenda
er nad
não era pre ciso faz
mal. E assim que não tenha surgido uma
Virgem e um pouco de adu bo ani era clara: a tecnologia
pergunta, a mensagem geral
seguiam em frente.» seg ura às nossas
passados, que há ainda não é uma resposta
Este é um relato de tempos necessidades primária s.

escolar
horas idosas: dona
dez anos contavam duas sen
Jul ia. Ao lembrarem ez e Javier García
Cándida Rosa e dona Ana Liccia Romero, Hugo Martín
ras , as voz es eram firmes,
daquelas batatas neg
onder a nostalgia.
mas o olhar não conseguia esc er e o empenho
faz
marjorie Sosa Iglesias Dez anos depois, a vontade de
de Mé rida, alguns
e Cristina Olaizola deram frutos. Na cidade nada mais
pal avr a bat ata
jovens para quem a
compras do
era que um item da lista de
estranhar
supermercado, começaram a
par ecid os com o
quando ouviram relatos r-
pre ciso rev olta
descrito acima. Era
icu ltor es par a que
se junto aos agr
em
a evocação se transformasse
o e a lem bra nça pud ess e se
açã
tornar uma nova realidade.
Muitos dos produtos que as mães desenvolvidas pelos órgãos públicos Aconteceram mais ou menos
à
compram para a merenda escolar de voltadas para a população infantil era assim as coisas que levaram
seus filhos são escolhidas pelas cores centrada justamente na merenda es- ção do Col ect ivo Ma no a Mano
cria
la Papa
chamativas e pela propaganda afir-
mando que contêm os ingredientes
colar. O projeto previa a distribuição de
uma arepa (tortilla) com recheio protei-
e, em 2012, ao Eco Fes tiva l de
todos os links
y
necessários para o crescimento e o co a todas as crianças com carências www.slowfood.com/terramadreda
desenvolvimento das crianças. Mas nutricionais. Mas além de ações deste
em muitos casos, a análise nutricional tipo, é necessário que novas iniciativas
revela algo bem diferente: são produ- sejam promovidas pelo governo e pela
tos de baixa qualidade proteica, ricos sociedade civil, num esforço conjunto Reconhecer os recursos
em gorduras, açúcar e sal… Mesmo para educar uma população vulnerável Sustentado por uma coleta de fundos O projeto também facilita o reconhe-
assim, quando uma criança não tem como a infantil. realizada pelo Slow Food no último Sa- cimento dos recursos locais, do meio
bons hábitos alimentares, a merenda Reconhecendo este princípio, o con- lone del Gusto e Terra Madre, o trabalho rural onde vivem as famílias dos pro-
escolar pode ser uma boa oportunida- vivium Miranda di Slow Food ativou o para melhorar o conteúdo nutricional dutores de alimentos, onde o ritmo de
de para introduzir alimentos saudáveis projeto “Mejorando la merienda esco- da merenda escolar pode ser um ins- vida pode facilitar o resgate de práticas
e apetitosos na sua dieta. lar” (melhorando a merenda escolar), trumento estratégico para resgatar tra- culinárias tradicionais, oferecendo para
graças à contribuição da ONG Edepa, dições culinárias; uma iniciativa voltada as crianças em idade escolar alimentos
Para as camadas que se encarrega de informar sobre principalmente para as escolas rurais produzidos localmente. Neste contexto,
mais vulneráveis a importância de consumir alimentos frequentadas por crianças com poucos a escola – núcleo central e propulsor
A Venezuela desenvolveu vários pro- bons, limpos e justos e sobre o valor recursos econômicos. A esperança é dos processos educativos e formativos
jetos sociais dirigidos às camadas destes alimentos, da produção ao de poder contribuir para remediar as ca- – é chamada a ativar as sinergias ne-
mais vulneráveis da população, com consumo. Os ensinamentos recebi- rências alimentares das áreas rurais de cessárias para unir esforços, envolver
archivio slow food

o objetivo de melhorar as condições dos são depois transmitidos às res- nosso país, onde os programas sociais as famílias e toda a comunidade, permi-
alimentares e nutricionais das famí- pectivas famílias, amplificando o seu nacionais sobre alimentação têm pou- tindo assim uma alimentação saudável
lias venezuelanas. Uma das iniciativas impacto positivo. cas oportunidades de desenvolvimento. para as gerações de hoje e do futuro.

122 ALMANAQUE 123


© Pedro Kuperman
Brasil
Nas salas das confer ências, mas também nos
mer cados, nos par ques e nas hortas. Na Rio+20,
o ar de mudança respirou-se sobretudo nas ruas

Ações para um
desenvolvimento
sustentável
Cíntia Bertolino

Em junho do ano passado, o Rio de A pergunta tão eloquente, simples e di-


Janeiro recebeu líderes mundiais, ati- reta, ao lado de tantas outras questões
vistas, estudantes e cidadãos de todos vitais, transcendeu o auditório e ecoou
os continentes para discutir ideias e nas ruas cariocas, especialmente no
pensar alternativas para a vida na Ter- Aterro do Flamengo, onde se realizou
ra durante os dois dias da Conferência a Cúpula dos Povos e nas feiras do
das Nações Unidas para o Desenvolvi- Circuito Carioca de Feiras Orgânicas,
mento Sustentável – Rio+20. além de tantas outras manifestações
populares espalhadas pela cidade.
todos os links Nos pavilhões
e nos mercados
Distante do Rio Centro, o imenso pavi-
lhão que foi sede das Nações Unidas
Rio de Janeiro A convite do governo brasileiro, Car- durante a Conferência, o Slow Food
100 Dicas/100Tips Slow Food lo Petrini foi um dos palestrantes a organizou diversos eventos paralelos e
falar na conferência Segurança Ali- ajudou a levar o debate da Rio+20 até
mentar e Nutrição ao lado de Vanda- os cidadãos.
na Shiva diretora do Research Foun- Como um dos apoiadores do Circuito
dation for Science, Tehcnology and Carioca de Feiras Orgânicas, o Slow
Ecology, na Índia, Luisa Dias Diogo Food fez um trabalho de aprimoramen-
ex-primeira ministra de Moçambi- to da sinalização das barracas, orga-
que, entre outros. nizou atividades, com o apoio dos só-
Ao reconhecer o direito inalienável de cios e da Rede Terra Madre. Dentre as
todos ao alimento, Petrini chamou a várias atividades, os visitantes da feira
atenção para o desperdício e a neces- puderam participar de workshops de
sidade de um novo paradigma para aproveitamento total do produto con-
salvaguardar o conhecimento tradicio- duzido pela chef Tanea Romão. Tive-
nal e preservar a terra. ram também a chance de se encantar
No final da conferência, muito oportu- com produtos brasileiros nativos, de
namente, Pavlos Georgiadis, do Slow biomas distintos, todos dispostos na
Food Youth Movement levantou-se mesa da biodiversidade.
para questionar: “Com qual futuro os As feiras também receberam a presen-
líderes sonham enquanto o campo ça do Comissário Europeu para a Agri-
está morrendo?”. cultura, Dacian Ciolos, e do Diretor-

124 ALMANAQUE 125


No parque e nas hortas
Geral da FAO, José Graziano da Silva, Um mar de gente compareceu todos os mar o lixo orgânico em composto. jeto importante conta com a resiliência
convidados por Petrini para reforçar a dias à Cúpula dos Povos, no Aterro do Igualmente tocante foi conhecer o tra- de seu Áureo Efigênio Nascimento que
importância do contato direto entre o Flamengo. Inúmeras tendas abrigavam balho inovador de diversas associações desde a década de 80 cuida de uma
produtor e o consumidor. debates e palestras. Lá, na tenda Chico empenhadas em melhorar a vida dura de horta comunitária no Morro da Coroa.
A edição bilíngue, português-inglês, do Science, o Slow Food realizou um ciclo quem está à margem do poder público, Depois de muitos percalços - a horta fica
guia Rio de Janeiro – 100 Dicas Slow de conversas, aberto ao público. Luiz em morros distantes das belezas naturais em uma área onde a violência causada
Food, preparado com o apoio de sócios Carrazza da cooperativa Central do Cer- do Rio de Janeiro. Um desses projetos, o por traficantes de droga é corriqueira -
e em parceria com o SENAC e a revista rado falou sobre a produção familiar, tra- Maré de Sabores, promovido pela Redes crianças da comunidade e voluntários
Prazeres da Mesa, sugere bares, res- dicional e sustentável. Fechando o ciclo de Desenvolvimento da Maré, está ins- estrangeiros da ONG Iko Poran, ajudam
taurantes e feiras que respeitam a pre- de conversas, foi difícil não se emocionar talado no Complexo da Maré, um agru- seu Áureo a cuidar da horta.
missa do alimento bom, limpo e justo. com as experiências de Marcos José de pamento de diversas favelas onde vivem Durante a Rio+20, ficou claro que a força
Projetos sociais impactantes também Abreu e do grupo Revolução dos Baldi- mais de 130 mil habitantes. catalisadora da mudança começa na rua,
© Pedro Kuperman

foram destacados no guia distribuído nhos, uma iniciativa que treina jovens ca- O Maré de Sabores promove a inclusão no encontro de ideias e no debate públi-
gratuitamente durante a Conferência e rentes da periferia de Florianópolis para social ao ensinar gastronomia e empre- co. Não em um auditório ultrarrefrigerado
disponível no site do Slow Food Brasil. ensinar a comunidade local a transfor- endedorismo às moradoras. Outro, pro- em um ponto distante da cidade.

126 ALMANAQUE 127


Apêndice

© Ivo Danchev

Apêndice
128 ALMANAque 129
Apêndice

DENTRO
TERRA MADRE: A REGIÃO DE ORIGEM DOS PARTICIPANTES
Ásia e Ásia e

DOS NÚMEROS
oceania oceania
7% 9%

África europa África


e oriente 47% e oriente europa
médio médio 49%
14% 12%

Da d o s e c o n ô m i c o s e a s s o c i at i vo s
2006 2008
Associados A região de origem América
32% América
em nível internacional dos sócios 30%
88.468 89.707 86.747 Ásia e Ásia e
90.000
oceania oceania
85.000 9% 9%
80.846
80.000 África europa África europa
75.552 Ásia e oceania 49% 60%
75.000 e oriente e oriente
2.758 médio médio
70.000 14% 12%

65.000 Itália
60.000

55.000
Europa
29.718
30.913
2010 2012
50.000

45.000
América América
40.000 28% 19%
35.000
América
30.000
do sul
África TERRA MADRE: AS CATEGORIAS DE PARTICIPANTES
25.000 2.531
e oriente médio
20.000
1.404 Acadêmicos
15.000 América do norte 18% Jovens
10.000
13.522 18%
Cozinheiros Produtores
5.000 30% das comunidades
do alimento
0 77%
2008 2009 2010 2011 2012 Acadêmicos

2006 2008
6%
Em 31 de dezembro de 2012, los socios activos eran 80.846.

Cozinheiros
Associados nos países em desenvolvimento 14%
Produtores
4.854 das comunidades
5.000 do alimento
4.510
4.187 62%
4.500
Jovens Jovens
4.709
4.000 11% 8%
3.500
3.051 Nos países em desenvolvimento, o número de associados – Acadêmicos Acadêmicos
3.000 7% 2%
aqueles que possuem carteira anual de sócio – é meramente
2.500 indicativo, não representando a rede do Slow Food e do Terra Cozinheiros
4%
Madre, que se desenvolveu nos últimos anos. Acreditamos que, Cozinheiros

2010 2012
2.000
nesses países, haja mais de 200.000 pessoas envolvidas em 11%
1.500
projetos educativos, hortas, Fortalezas e demais atividades do
1.000 Slow Food, embora nem todas tenham a carteira. Para tal, estão Produtores
sendo avaliadas novas formas de cadastramento e adesão à as- das comunidades
500
do alimento Produtores
0
sociação mais viáveis para as diversas realidades locais. 71% das comunidades
2008 2009 2010 2011 2012 do alimento
86%

130 ALMANAque 131


Apêndice

Res u l ta d o
e c o n ô mi c o - p a t r im o n i a l
A n o s 2 0 0 8 - 2 0 1 2

SLOW FOOD Fundação Slow Food


para a Biodiversidade Onlus
Durante os cinco anos de referência, a receita do 2009, chegando a um substancial equilíbrio nos A Fundação Slow Food para a Biodiversidade de a cerca de 1.000.000 euros, sendo as despe-
Slow Food corresponde a uma média de cerca três anos seguintes. Os excedentes de 2008 e Onlus evidenciou uma dinâmica de crescimento sas para a realização dos projetos institucionais
de 2.400.000 euros, sendo as despesas de cer- 2009 permitiram à Associação de construir um da receita em 2008, que depois se manteve a um e a manutenção da estrutura, de igual valor. O
ca de 2.350.000 euros. A partir de 2011, a recei- patrimônio que, em 31 de dezembro de 2012, nível inferior em 20% nos anos seguintes. O item patrimônio líquido, tendo um constante e sub-
ta do Slow Food teve um progressivo aumento, chegou a um valor de 400.000 euros. O período ligado aos custos seguiu o andamento da receita, stancial equilíbrio de balanço, manteve-se em
bem como as despesas. O resultado do exer- de referência foi caracterizado por um equilíbrio os dois componentes sendo ligados pelo princípio um nível médio de 450.000 euros. A natureza da
cício evidenciou um excedente nos anos 2008 e econômico garantido. da coerência custos-receita. Fundação Slow Food fez com que não houves-
Em média, ao longo dos cinco anos de referên- se excedentes, pois tudo deve ser investido nos
cia, a receita da Fundação Slow Food correspon- projetos institucionais.

RECEITAS RESULTADO DO EXERCÍCIO RECEITAS RESULTADO DO EXERCÍCIO


2.978 8,406
2.582 112
3.000 120 1.600 8
1.426
2.210 2.314
2.500 100 1.400 1.253 6
2.109
1.187
2.000 80 1.200 4
56,35 1.017 1.026
1.500 60 1.000 2
0,6
-3,534 0 0
1.000 40 8000 0
13,76
500 20 600 -2
2,72 0,199
0 0 0 -4
2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008

PATRIMÔNIO LÍQUIDO DESPESAS PATRIMÔNIO LÍQUIDO DESPESAS


402 388 385 385 2.929
400 3.000 500 1.600
2.505 457 1.416
2.172 2.145 431 430
350 2.500 450 1.400
1.955 410 401 1.230
273 1.179
300 2.000 400 1.200
1.012 992
250 1.500 350 1.000

200 1.000 300 800

150 500 250 600

0 0 0 0
2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008

LEGENDA PATRIMÔNIO LÍQUIDO. É composto pelo fundo social, as reservas e o LEGENDA PATRIMÔNIO LÍQUIDO. É composto pelo fundo social, as reservas e o
RECEITAS. São as entradas de atividades institucionais, arrecadação de resultado do exercício realizado no término do ano. RECEITAS. São as entradas de atividades institucionais, arrecadação de resultado do exercício realizado no término do ano.
verbas e outras entradas nas áreas de gestão respectivas. DESPESAS. São os gastos incorridos pela associação, no período de verbas e outras entradas nas áreas de gestão respectivas. DESPESAS. São os gastos incorridos pela associação, no período de
RESULTADO DO EXERCÍCIO. Representa a diferença entre a receita e referência, para a realização de suas atividades. RESULTADO DO EXERCÍCIO. Representa a diferença entre a receita e referência, para a realização de suas atividades.
as despesas relacionadas ao cumprimento do objeto social. OBS.: Os valores são expressos em milhares de euros. as despesas relacionadas ao cumprimento do objeto social. OBS.: Os valores são expressos em milhares de euros.

132 ALMANAque 133


Apêndice

As Fortalezas Slow Food


no mundo
Fundação Terra Madre 399 projetos em 59 países

A Fundação Terra Madre, organizando a cada dois Terra Madre dispõe de um patrimônio, em 31 de
anos o encontro internacional das comunidades dezembro de 2012, de cerca de 1.300.000 euros,
do alimento do Terra Madre, e administrando, nos garantindo uma solidez patrimonial inclusive frente Europa Georgia • Xarope do Limburgo
anos em que não há o encontro, a rede das co- a gestão econômica. Com um resultado do exer- • Vinho na ânfora georgiano Portugal
munidades, tem receita e gastos com andamento cício que, nos últimos dois anos, confirmou-se em Alemanha Espanha • Linguiça mirandesa
muito variável. volta dos 320.000 euros, a Fundação, para con- • Batata Hörnla de Bamberg • Açafrão de Jiloca Polônia
• Grünkern da Francônia • Alcaparras de Ballobar • Mel de beber
O nível de receita e despesas evidencia, portanto, seguir realizar e financiar suas atividades, teve que
• Lentilha do Jura Suábio • Azeite extra-virgem de oliveiras • Oscypek
valores muito diversos, conforme se trate de ano pedir a ativação de linhas de crédito por parte de • Raça bovina de Limpurg milenares de Maestrat Romênia
par (em que há o evento) ou ímpar. A Fundação bancos nacionais. • Vinho espumante de pera • Cebola violeta de Zalla • Branza de burduf dos montes
Champagner-Bratbirne • Feijão ganxet Bucegi
Áustria • Malvasia de Sitges • Geleias das aldeias saxãs
• Açafrão de Wachau • Porco euskal txerria Sérvia
• Centeio de Lungau • Queijo de ovelha carranzana • Rakija de ameixa cervena ranka
• Mostajeiro de Wiesenwienerwald cara negra de Gledic
• Repolho fermentado • Sal marinho de Añana Suécia
• Vinhos Gemischter Satz de Vien • Talo de Mungia • Feijão marrom da ilha de Öland
RECEITAS RESULTADO DO EXERCÍCIO Bielorrússia Grã Bretanha • Queijo de cabra de Jämtland
• Chás e frutos silvestres do Rosson • Perry dos três condados curado em gruta
5.544 564
6.000 600 Bósnia-Herzegóvina • Queijo Cheddar artesanal • Suovas de rena
340 311 • Queijo no saco de Somerset Suíça
5.000 400
• Slatko de ameixa pozegaca Hungria • Abelha preta suíça
4.000 200
3.117 – 580 – 74
Bulgária • Linguiça mangalica • Abrunheiro do Giura Tabulare
2.530
3.000 0 • Feijão de Smilyan Irlanda • Brenzerkirsch suíço
2.000 – 200 • Meurche • Queijos irlandeses de leite cru • Chantzet de Pays d’Enhaut
1.086
1.000
776
– 400
• Ovelha karakachan Itália • Cabra toggenburg
• Queijo verde de Tcherni Vit • 201 projetos e 1600 pequenos • Cicitt dos vales de Locarnese
0 – 600
2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008 Chipre produtores envolvidos • Farinha bóna
• Tsamarella Macedônia • Furmagin da Cion
Croácia • Queijos dos pastos • Emmentaler
PATRIMÔNIO LÍQUIDO DESPESAS • Alho šarak de Ljubitovica de Mavrovo-reka • Manteiga de leite cru
França • Slatko de figo selvagem • Marmelada de Zurique
1.464 1.538
1.600 6.000 • Boi mirandais do Gers Noruega • Mascarplin o mascarpel
4.967
1.400
1.335
5.000
• Brousse de cabra do Rove • Arenque salgado e defumado do Val Bregaglia
1.195 3.702 • Carneiro de Barèges-Gavarnie de Sunnmøre • Massa-podre de Val Bedretto
1.200 4.000
883
• Couve de Lorient • Bacalhau de Møre og Romsdal • Óleo de nozes
1.000 3.000
2.229 • Farro da Alta Provença • Geitost artesanal do Fjord de Sogne • Pão de centeio do Val Monastero
800 2.000 • Galinha de Guascogne • Ovelha Villsau • Pão de centeio tradicional do Vallese
783 960 • Lentilha amarela da planície • Pultost dos condados • Queijo sbrinz de pasto de montanha
400 1.000
de 
Saint-Flour de Hedmark e Oppland • Queijo vacherin de leite cru
0 0
2012 2011 2010 2009 2008 2012 2011 2010 2009 2008 • Nabo negro de Pardailhan Holanda de Freiburg
• Ostra natural da Bretanha • Galinha de Chaam • Queijo ziger de pasto de montanha
• Pélardon curado • Lagosta de Oosterschelde • Salame de pernil de Coira
• Porco negro de Bigorre • Ovelha da província de Drenthe • Vagem seca suíça
• Queijos das pastagens • Ovelha da província de Kempen • Zincarlin do Vale de Muggio
LEGENDA PATRIMÔNIO LÍQUIDO. É composto pelo fundo social, as reservas e o
RECEITAS. São as entradas de atividades institucionais, arrecadação de resultado do exercício realizado no término do ano. de 
montanha de Béarn • Pescadores do Waddensee Turquia
verbas e outras entradas nas áreas de gestão respectivas. DESPESAS. São os gastos incorridos pela associação, no período de • Queijos de Auvergne da raça salers • Queijo de ovelha texel • Bulgur de trigo syiez
RESULTADO DO EXERCÍCIO. Representa a diferença entre a receita e referência, para a realização de suas atividades. • Raça bovina bretã pie noir • Queijo gouda artesanal extra-velho Ungheria
as despesas relacionadas ao cumprimento do objeto social. OBS.: Os valores são expressos em milhares de euros. • Rancio sec de Roussillon • Raça bovina Lakenvelder • Salsiccia di mangalica

134 ALMANAque 135


Apêndice

© o. migliore
Américas África Ásia e Oceania

Argentina África do Sul Afeganistão


• Batata andina da Quebrada • Ovelha dos Zulus • Passas de uva abjosh de Herat
de Humahuaca Cabo Verde Armênia
• Yacón • Queijo de cabra curado • Motal
Brasil do planalto de Bolona China
• Aratu Egito • Queino de yak do planalto
• Arroz Vermelho • Tâmaras do oásis de Siwa do Tibet
• Castanha de Baru Etiópia Japão
• Guaraná nativo Sateré Mawé • Café selvagem da floresta • Salada takana de Unzen
• Licuri de Harenna Índia
• Mel de abelha nativa • Leite de camela dos pastores • Arroz basmati de Dehradun
dos Sateré-Mawé Karrayu Líbano
• Palmito Juçara • Mel branco do Tigrai • Freekeh de Jabal ‘Amel
• Pinhão da Serra Catarinense • Mel do Vulcão Wenchi • Kechek el fouqara
• Umbu Guiné-Bissau Malásia
Canadá • Óleo de palma selvagem • Pimenta preta de Rimbàs
• Trigo Red fife • Sal de Farim Nova Caledônia
Chile Madagascar • Taro e inhame da ilha de Lifou
• Galinha dos ovos azuis • Arroz dista do lago Alaotra Tajiquistão
• Merquén • Baunilha de Mananara • Amoreira do Pamir
• Morango branco de Purén Mali Uzbequistão
• Peixe da Ilha Robinson Crusoe • Massa katta de Timbuktu e Gao • Antigas variedades de amêndoas
Equador • Somè dos Dogon de Bostanlyk
• Cacau nacional Marrocos
Estados Unidos • Açafrão de Taliouine
• Batata Ozette dos Makah • Cominho de Alnif
• Maçã Gravenstein de Sebastopol • Óleo de argan
• Manoomin dos Anishinaabeg • Sal de Zerradoun
• Ovelha Navajo-churro Mauritânia
• Queijos americanos de leite cru • Butargas de tainha das mulheres
Guatemala Imraguen
• Café das terras altas Moçambique
de Huehuetenango • Café da ilha de Ibo
• Cardamomo de Ixcán Quênia
Honduras • Abóbora de Lare
• Café da montanha de Campara • Frango mushunu de Molo
México • Iogurte com cinza dos Pokot
• Amaranto de Tehuacán • Urtiga seca da floresta de Mau
• Baunilha da Chinantla • Sal de cana do rio Nzoia
• Cacau da Chontalpa Senegal
• Mel de abelha nativa • Cuscuz salgado de painço da ilha
da Sierra Norte de Puebla de Fadiouth
• Mesquite tostado de Seri • Suco de frutas silvestres
Peru das ilhas Gandoul
• Batata doce de Pampacorral Serra Leoa
• Fruta andina de San Marcos • Nozes de cola de Kenema
• Kañihua dos Antes Tunísia
• Antigas variedades de trigo
de Lansarin e Gaffay
Uganda
• Café robusta de Luwero

137
Apêndice

A organização

© Pedro Kuperman
A associação internacional Slow Food é coordenada por um Conselho Internacional e é ge-
rida por um Comitê Executivo. Os mandatos são quadrienais. A sede internacional do Slow
Food fica na Itália. Em alguns países – Itália, Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Japão, Reino
Unido e Países Baixos – a atividade associativa é organizada de forma autônoma, em todo o
território, através de uma Direção Nacional, subordinada ao Comitê Executivo.

Comitê Executivo Conselho Internacional*


Presidente Membros Itália Leste Europeu/ Caribe
Carlo Petrini Roberto Burdese Franco Archidiacono Cáucaso Madelaine Vázquez Gálvez
Katherine Deumling Massimo Bernacchini Nataliya Gordetska
Vice Presidente Ursula Hudson Daniele Buttignol Área andina
Alice Waters Joris Lohman Ludovico Roccatello Europa centro- Sabrina Chávez
Edward Mukiibi Daniela Rubino oriental
Secretário geral Jacek Szklarek Brasil
Paolo Di Croce Alemanha Georges Schnyder
Gisela Bautz Bálcãs
Rupert Ebner Dessislava Dimitrova Cone Sul
Lotte Heerschop María Irene Cardoso
Estados Unidos
Suíça Charity Kenyon Japão
Andrea Ries Nazli Parvizi Masayoshi Ishida
Josef Helg Joel Smith
Matt Jones Índia
Países baixos Phrang Roy
Bea Logtenberg Canadá
Hans Van der Molen Sinclair Philip Extremo Oriente
Helianti Hilman
Reino Unido Egito, Líbia
Caroline Bennett e Oriente Médio Coreia do Sul
Sara El Sayed Byungsoo Kim
Espanha
Alberto López De Ipiña África Oriental Austrália
John Kariuki Mwangi Amorelle Dempster
Áustria
Philipp Braun África Ocidental Fundação
Abdon Manga Slow Food para
França a Biodiversidade
Mélanie Fauconnier  África Austral Serena Milano
Herschelle Milford
Turquia Representante
Defne Koryurek Quênia da Universidade
Samuel Karanja Muhunyu de Ciências
Suécia Gastronômicas
* Todos os membros do Comitê Gert Andersson Marrocos Piercarlo Grimaldi
Executivo são também mem- e África do Norte
bros do Conselho Inforam elei- Países nórdicos Lhoussaine El Rhaffari
tos em 2012 durante o VI Con-
Katrine Klinken
gresso Internacional do Slow
Food e ficam no cargo até o VII
México e América
Congresso de 2016. Central
Alfonso Rocha Robles

138 ALMANAQUE 139


Apêndice

Arca do Gosto Mil hortas na África

Giuseppe Cucco
1195 produtos de 60 países 785 hortas em 25 países

TUNÍSIA
10 Hortas

MARROCOS
A Arca do Gosto viaja pelo mundo reunindo os pro- 20 Hortas EGITO
20 Hortas
dutos que fazem parte da cultura, da história e das
tradições de todo o planeta. Um patrimônio extraor- MAURITÂNIA
20 Hortas ETIÓPIA
dinário de frutas, verduras, raças animais, queijos, 40 Hortas
pães, doces, fiambres... SOMÁLIA
15 Hortas
SENEGAL
A Arca do Gosto registra a existência destes produ- 40 Hortas

tos, denuncia o risco de extinção, convida todos a GUINÉ BISSAU


fazerem alguma coisa para protegê-los. Em alguns 70 Hortas MALI
QUÊNIA
60 Hortas
casos, pode ser comprando e comendo os pro- 200 Hortas
dutos; em outros, divulgando-os para apoiar seus SERRA LEOA BURQUINA FASO
30 Hortas BENIN UGANDA
produtores. Ou ainda, quando os produtos forem 60 Hortas 10 Hortas 75 Hortas
espécies selvagens em grave risco de extinção, é
TANZÂNIA
melhor comer menos ou mesmo não comê-los, para COSTA DE MARFIM CAMARÕES
5 Hortas 40 Hortas
40 Hortas
preservá-los e estimular a sua reprodução. GABÃO
10 Hortas MALAW I
10 Hortas
Todos nós podemos salvar um pedaço da riqueza do
nosso planeta. R.D. DO CONGO
(Mapa atualizado em maio de 2013) 20 Hortas
Participe você também. Indique o produto que você
quer salvar!

Preencha a ficha online www.slowfoodfoundation.com Em 2010 o Slow Food iniciou o projeto das Mil Hortas MOÇAMBIQUE
(relatórios um Fortaleza) e salve os sabores do mundo! na África, envolvendo 300 escolas, 1000 comunida- 30 Hortas MADAGASCAR
15 Hortas
des africanas, mais de 10.000 crianças...
www.slowfoodfoundation.com
Uma horta pode garantir à comunidade comida boa, ZIMBÁBUE
10 Hortas
limpa e justa. Pode preservar as sementes, as varie- ÁFRICA DO SUL
150 Hortas
dades e as plantas tradicionais. Pode acabar com a
homologação, a monocultura, o uso descuidado de
produtos químicos. Pode educar os jovens para a so-
berania alimentar. Na África uma simples horta pode
indicar o caminho para um futuro melhor.

Comparada aos problemas que a África enfrenta dia-


riamente, uma horta é uma gota no mar. Mas se forem
criadas mil hortas, se todas elas dialogarem e se apoia-
rem , seu impacto será maior. Juntas poderão ser uma
única voz: contra a grilagem de terras, os OGMs e a
agricultura intensiva, em favor dos saberes tradicionais,
da sustentabilidade e da soberania alimentar. E poderão
representar uma esperança para milhares de jovens.

www.slowfoodfoundation.com/athousandgardens

140 ALMANAQUE 141


Apêndice

As nossas campanhas Chega de grilagem

© marco del comune


A grilagem de terras afeta todos nós: suas con-
sequências são desastrosas para o futuro da
humanidade, para os direitos dos agricultores e
para a conservação da biodiversidade.
A grilagem fortalece um modelo agrícola basea-
do na concentração da propriedade de terras e
em monoculturas intensivas, o que empobrece
Não aos organismos GM o solo, reduz a disponibilidade de recursos na-
O Slow Food é contra os cultivos geneticamente modificados para turais, prejudica a biodiversidade agrícola e ali-
fins comerciais e promove alimentos e rações sem OGMs. mentar, acaba com os saberes tradicionais, vin-
Com os OGMs, corremos o risco de transformar os nossos alimentos cula o preço dos produtos alimentares básicos
em mercadorias patenteadas, controladas por poucas multinacionais, às flutuações de mercado e à especulação.
privando agricultores e consumidores, de seus direitos. Os OGMs não Além disso, prejudica o direito dos povos de auto-
são seguros do ponto de vista científico, são ineficientes do ponto de determinação e de soberania alimentar, explora as
vista econômico e são insustentáveis do ponto de vista ambiental. populações mais vulneráveis, alimenta o risco de
Além disso, têm um grave impacto social, ameaçando os cultivos ali- conflitos sociais, agrava o fenômeno do êxodo ru-
mentares tradicionais e o sustento dos pequenos agricultores. ral e do desemprego. Em nome do lucro imediato
O Slow Food luta por uma rotulagem obrigatória de todos os produtos de poucos, agrava a tragédia da fome e da desnu-
contendo OGMs, inclusive carne e laticínios de animais alimentados trição e priva as novas gerações de seu futuro.
com rações geneticamente modificadas, para oferecer aos consumi- Em 2010 o Slow Food lançou uma campanha
dores a liberdade de escolher livre e conscientemente o que comer. global para acabar com a grilagem de terras,
Em 2010 o Slow Food lançou uma campanha global contra os OGMs trabalhando com as comunidades locais em
e, em 2013, aderiu à campanha Stop the Crop, da Friends of the projetos como o das Fortalezas ou das Mil hor-
Earth, para bloquear a introdução de novos cultivos geneticamente tas na África, para garantir a todos o acesso a
modificados na Europa. um alimento bom, limpo e justo.
www.slowfood.com/gmos www.slowfood.com/landgrabbing

slow fish Resistência queijeira


O peixe é, no mínimo, uma questão Todo ano desaparecem queijos, raças animais,
espinhosa. Escondidos nos mares e pastos, pastores, ofícios e conhecimentos antigos.
nos oceanos, os recursos marinhos Não perdemos apenas o melhor leite e queijos.
são um patrimônio difícil de estudar ou Corremos o risco de perder a nossa cultura ali-
conhecer. Em que condições estão os mentar e a liberdade de escolher o que comer.
nossos mares? Que espécies de peixe O Slow Food empenha-se nestas questões,
estão ameaçadas? Podemos influen- educando crianças e adultos, resistindo à pa-
ciar o mercado? Precisamos deixar de dronização e defendendo os pequenos produ-
comer peixe? Há futuro para os pes- tores e a biodiversidade do alimento.
cadores de pequena escala? O auge da campanha “Resistência queijeira” é
Há anos o Slow Food preocupa-se Cheese, o evento bienal que celebra os melho-
com estas questões, conscientizan- res queijos de leite cru do mundo e seus produ-
do os amantes do peixe através do tores, pastores e afinadores, que nos permitem
evento bienal internacional Slow Fish, conhecê-los e saboreá-los.
em Gênova, e desenvolvendo pro- www.slowfood.com/slowcheese
jetos apoiando as comunidades de
pesca artesanal responsável. Além
disso, os sócios da nossa rede orga-
nizam inúmeras iniciativas locais no
mundo todo.
A campanha Slow Fish reflete o traje-
to do Slow Food, propondo caminhos
de reflexão para quem quiser apren-
der como usar o bom senso, curio-
sidade e apetite para fazer escolhas
conscientes, boas e responsáveis ao
mesmo tempo.
www.slowfood.com/slowfish

143
Slow Food©

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