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O 2º Concílio de Constantinopla e a Reencarnação – A Bem da

Verdade!
Indubitavelmente, cremos que a reencarnação é a única maneira racional, através da
qual, se pode explicar a vida, tal como ela se apresenta diariamente, a cada ser vivente. É,
para nós, uma certeza que paulatinamente se robustece, em virtude do alicerce científico-
filosófico-religioso, apanágio da Doutrina Espírita.
Entretanto, cumpre-nos, na presente matéria, evidenciar, sem qualquer presunção,
um determinado equívoco, que tem se perpetuado através da produção de artigos, veiculados
indiscriminadamente na internet, e largamente “copiados” e “colados” por uma legião de
adeptos que, inadvertidamente, acaba divulgando registros errôneos, sem consultar as
verdadeiras bases históricas da questão. Pior, ainda, é quando tais erros eternizam-se em
obras literárias, assinadas por renomados espíritas, tornando-se, por sua vez, fontes de
pesquisa pouco confiáveis.
Referimo-nos, especificamente, à insistente (e inconsistente) afirmação de que o
ensinamento sobre a transmigração das almas (reencarnação) teria sido expurgado dos
registros evangélicos por ocasião da realização do 2º Concílio de Constantinopla, realizado
no ano 553 da nossa era. Ledo engano!
Façamos um breve histórico.
De início, vale citar um dos mais conceituados pais da igreja primitiva cristã,
chamado Orígenes (185 d.C.–254 d.C.), que havia lançado ensinamentos conflitantes com o
sistema religioso organizado de sua época, e ainda hoje.
O fato é que, sua filosofia, quase três séculos após seu desencarne, ainda conquistava
adeptos em diversos escalões da igreja oriental e, sobretudo, ocidental.
Afirma-se, constantemente, apesar das controvérsias, que Orígenes teria difundido a
pluralidade das existências. O fato é que, em sua obra Comentário Sobre Mateus, ele a
negaria peremptoriamente (como veremos adiante), apesar de tê-la apresentado,
provavelmente apenas como hipótese, em duas de suas obras anteriores, intituladas De
Principiis e Contra Celsum.
Entretanto, o que incomodava o clero não era a questão da transmigração das almas,
já que esse não era, sequer, um ponto controverso, por ser considerado francamente
contrário às escrituras. Havia, na filosofia origenista, diversos outros pontos instigantes, até
mesmo para nós, espíritas.
O ano 543, entretanto, reservava a Orígenes algumas contrariedades póstumas.
Os ortodoxos da Igreja do Oriente começaram a se preocupar com os seguidores da
filosofia origenista, uma vez que os mesmos fortaleciam suas fileiras com padres ortodoxos,
como Gregório de Nissa, Dídimo, o Cego, e outros. Na Síria, sobretudo, os origenistas se
sobressaiam mais intensamente.
Diante disso, o patriarca Efrém de Antioquia (atual Antakya-Turquia), cidade de
grande expressão à época, convocou, no ano 542, um sínodo que condenava o Origenismo.
No ano seguinte, 543, portanto, Justiniano (Imperador Romano), em vista das pressões dos
ortodoxos, apoiado pelo patriarca Mena e do representante de Roma, Pelágio, publicou um
edito (sentença) contra o Origenismo. Mena aproveitou a ocasião e, no mesmo ano,
convocou mais um sínodo, que deu à decisão imperial autoridade sinodal. O papa Vigílio,
entre outras autoridades, assinou a decisão.
Chegava, então, o dia 5 de maio de 553, data da convocação do tão falado 2º
Concílio de Constantinopla.
Não entraremos, aqui, em exaustiva explanação histórica sobre esse sínodo. Limitar-
nos-emos a dizer que, como é consenso histórico, diversas filosofias foram anatematizadas
(condenadas) e declaradas heréticas. Citemos, principalmete, dentre os quinze anátemas
proferidos, apenas aquele que, segundo alguns confrades espíritas, teria condenado a
reencarnação:
“Se alguém defender a fabulosa pré-existência das almas e a monstruosa
restauração que se segue a ela: que seja anátema.”

Vejam bem que, no anátema em questão, não se cogita, absolutamente, em qualquer


condenação da transmigração da alma ou reencarnação que, repetimos, não foi alvo das
decisões do afamado concílio. Condenou-se, tão somente, a pré-existência da alma e a
restauração (reabilitação) de todas as almas, também chamada de apocatástase (do grego
apokhatástasis).

A pré-existência da alma (ainda hoje combatida por diversos segmentos religiosos)


afirma que, muito antes da formação dos corpos físicos, a alma já existia. Esse é um dos
princípios fundamentais do Espiritismo.
A apocatástase seria o processo pelo qual, todas as almas, um dia, convergiriam para
Deus, formando, com ele, um todo, configurando, assim, para alguns origenistas, uma
espécie de Panteísmo. Afirmava Orígenes, para espanto das autoridades eclesiásticas
constituídas, que até mesmo os demônios, um dia, haveriam de se purificar, através das eras.
Pelo sistema origenista, a alma, pré-existente, seria lançada num corpo físico, uma única
vez, e apenas em caráter punitivo, se fosse o caso, para, após a mesma, alcançar a redenção
eterna (restauração salvacionista).
Ressalte-se, como já citado, que Orígenes, em torno dos 60 anos de idade,
explicitaria sua rejeição à reencarnação. Isso se percebe claramente em sua obra
Comentário sobre Mateus, Livro XI, cap VII, quando, ao se discutir a temática do retorno
de Elias no corpo de João Batista, assim se expressou:
“Neste ponto, não me parece que se falava da alma de Elias, com receio eu de
cair na doutrina da transmigração, que é estranha à Igreja de Deus, não
sendo ensinada pelos apóstolos, nem encontrada nas escrituras.”
A fim de respaldar nosso ponto de vista, recorramos, por fim, ao grande discípulo de
Kardec, Leon Denis. Vejamos o que nos diz o filósofo do Espiritismo, em sua obra
CRISTIANISMO E ESPIRITISMO, às páginas 50 e 51:
“Na realidade, a questão da pluralidade das existências da alma jamais foi
resolvida pelos concílios. Permaneceu aberta às resoluções da Igreja no
futuro, e é esse um ponto que se faz preciso estabelecer.”
Ante o exposto, conclamamos articulistas e escritores espíritas, bem como demais
divulgadores da Doutrina, que não se limitem simplesmente a reproduzir, mecanicamente,
textos extraídos da internet, sem o devido crivo ou aprofundamento. Que se comprometam
mais intensamente com as fontes originais de todas as informações que colham e
disseminem em nome do Espiritismo. Assim agindo, estarão preservando a pureza
doutrinária, com base em registros históricos fidedignos, contribuindo efetivamente para que
o Espiritismo mantenha a sua aura de fé inabalável que, no dizer do Nobre Codificador, é
aquela, e somente aquela, que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da
humanidade.
JOSÉ MARCELO GONÇALVES COELHO

e-mail: josemarcelo.coelho@ig.com.br
Funcionário Público Federal, Expositor e Articulista Espírita há 20 anos. Reside em
Vitória, ES.
Referências bibliográficas:
ORÍGENES de Alexandria, De Principiis, Livros I, III e IV

ORÍGENES de Alexandria, Contra Celsum, Livro I

ORÍGENES de Alexandria, Comentário sobre Mateus, Livro XI

DENIS, Leon, Cristianismo e Espiritismo, pp 50-51, FEB, 1987)

SCHAFF, Phillip, The Seven Ecumenical Councils, em Nicene and Post-Nicene Fathers, série II,
vol. XIV, de (Fonte dos anátemas do 2º Concílio de Constantinopla – 553)

Christian Classics Ethereal Library – Virtual Library (http://www.ccel.org/)

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