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Priscila Limas da Silva

“DIZEM QUE SAMBAR É PECADO”: O PROCESSO DE


INCORPORAÇÃO DE RITMOS BRASILEIROS NA MÚSICA
EVANGÉLICA BRASILEIRA

Dissertação submetida ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina
para a obtenção do Grau de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Santiago Pich

Florianópolis
2018
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus. Minha maior conquista foi ter chegado até aqui
e agradecê-lo.
À minha Família. O apoio, o cuidado e a confiança que
depositaram em mim. Aos meus pais e avós, esta pesquisa se iniciou nas
músicas de vocês em nossas reuniões de família.
Aos professores, que me ajudaram na trajetória acadêmica.
Primeiramente, ao orientador deste trabalho Prof. Dr. Santiago Pich,a sua
paciência e auxílio foram fundamentais para a concretização deste
trabalho. E, especialmente, ao Prof. Dr. Rogério Santos Pereira, ao Prof.
Dr. Francisco Emílio de Medeiros e à Profª Drª Iracema Munarim. As
palavras gentis e de incentivo de vocês semearam este sonho em mim.
Aos amigos, as palavras de encorajamento e fortalecimento.
Guardo comigo cada uma.
Dizem que sambar é pecado,
Dizem que sambar não é bom, não é bom.
Eu acho isso um tanto equivocado:
O Criador amado dando pra gente esse dom
Pra deixarmos meio jogado
Na gaveta fria de uma opinião
Que deixa tanta alegria de lado
Deveria ser dado a ele mesmo, em adoração.
BORGES, Gerson. 2016
RESUMO
O crescimento do número de evangélicos no Brasil resultou na inserção
destes em vários setores da sociedade, destacando-se na mídia, através
das rádios e TVs evangélicas, dos artistas, apresentadores, jogadores de
futebol evangélicos; assim como na política, com o surgimento da
bancada política evangélica. Dentre as muitas coisas a surgir no Brasil em
versão evangélica ou gospel, destaca-se a música gospel. Os evangélicos
têm uma forma peculiar de lidar com a cultura brasileira, e, muitos são os
elementos da cultura brasileira que, ao longo dos anos, foram
demonizados. No âmbito da música, muitos instrumentos e gêneros
musicais são considerados profanos ou demoníacos. Por isso, o
surgimento de música cristã evangélica em gêneros musicais brasileiros,
como o samba, por exemplo, gerou resistência, boicote e censura por parte
de alguns setores evangélicos. Para investigar como acontecem no meio
evangélico os processos de incorporação de gêneros musicais brasileiros
na música evangélica brasileira, assim como, quais são os discursos que
suscitaram resistências ou transigências à música brasileira, nesta
pesquisa, consideramos a carreira musical de dois músicos evangélicos
que trabalham com gêneros musicais brasileiros, os cantores João
Alexandre e Waguinho. A partir de material encontrado na internet,
analisamos letras de suas músicas, assim como suas falas em: entrevistas,
vídeos de apresentações musicais, matérias de sites especializados na
música gospel. A partir desta pesquisa percebemos que a legitimação
destes gêneros musicais se deu de duas maneiras diferentes, pautados por
duas teologias distintas. No âmbito de teologia reformada o conceito de
Graça Comum opera como legitimador, enquanto no âmbito de teologia
pentecostal, conceitos da teologia da Batalha Espiritual permitem a
incorporação de gêneros musicais brasileiros na música evangélica.

Palavras-chave: Evangélicos. Música evangélica brasileira.


Pentecostalismo.
ABSTRACT
The growth of the number of evangelical people in Brazil resulted in their
insertion in many sectors of society, standing out in the media, through
the radios and evangelical TVs, artists, presenters, evangelical football
players; as in politics, with the emergence of the evangelical political
party. Among the many things to appear in the evangelical fild in Brazil,
the highlight is the gospel music. The evangelical people have a special
form to deal with the brazilian culture, and, many are the elements of
brazilian culture that, over the years, have been demonized. In the scope
of music, many instruments and musical genres are considered profane or
demonic. So, the emergence of evangelical Christian music in brazilian
musical genres, like samba, developed resistance, boycott and censorship
by some envagelical sectors. To investigate how the processes of
incoporation of brazilian musical genres in brazilians evangelical music
take place in the evangelical environment, as, which are the speeches that
have provoked resistance or compromise to the brazilian music, in this
research, we consider the musical career of two evangelical musicians that
work with brazilian musical genres: the singers João Alexandre and
Waguinho. From the material found in the internet, we analyzing song
lyrics and also interviews, videos of musical presentations, article on sites
specializing in gospel music. From this search we notice that the
legitimation of these brazilian musical genres came from distinct
theologies. In the scope of reformed theology the concept of Common
Grace operates as a legitimator, while the scope of Pentecostal theology,
concepts of Spiritual Battle Theology allow the incorporation of the
brazilian musical genres into evangelical music.

Keywords: Evangelicals. Brazilian Evangelical music. Pentecostalism.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................15
2 O QUE É RELIGIÃO ........................................................................21
3 O CENSO E O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO ..................25
3.1 AS OUTRAS RELIGIÕES ..............................................................27
3.2 SEM RELIGIÃO ..............................................................................28
3.3 CATOLICISMO ..............................................................................31
3.3.1 Carismatismo Católico Brasileiro .................................................33
4 EVANGÉLICOS ...............................................................................37
4.1 PENTECOSTALISMO ....................................................................43
4.2 EVANGÉLICOS E A MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA.........49
5 MÚSICA EVANGÉLICA ................................................................57
5.1 MAS, O QUE É MÚSICA PARA OS EVANGÉLICOS? ................64
5.2 A INCORPORAÇÃO DOS GÊNEROS MUSICAIS BRASILEIROS
NO MEIO EVANGÉLICO.....................................................................70
6 JOÃO ALEXANDRE .......................................................................99
6.1 CARREIRA MUSICAL ...................................................................99
6.2 MÚSICAS ANALISADAS............................................................106
6.3 FALAS DE JOÃO ALEXANDRE - “Não existe um Ré Menor
profano e um Mi Maior Divino...isso é uma bobagem!”........................117
6.3.1 Relação institucional com a Igreja evangélica..............................118
6.3.2 A respeito do conceito de música.................................................119
6.3.3 A respeito da música secular........................................................125
6.3.4 Sobre a música de João, os gêneros musicais que ele faz e suas
influências.............................................................................................132
6.3.5 Sobre trabalhar com música brasileira no meio evangélico..........141
6.3.6 João e o Mercado Gospel.............................................................145
7 WAGUINHO ...................................................................................151
7.1 CARREIRA MUSICAL .................................................................151
7.2 MÚSICAS ANALISADAS............................................................155
7.3 FALAS DE WAGUINHO: “Eu decidi pegar no microfone só pra
louvar e adorar o nome do Senhor Jesus!”.............................................164
7.3.1 Relação institucional com a Igreja evangélica..............................165
7.3.2 Origem familiar e relação com o samba........................................170
7.3.3 Conversão ao Pentecostalismo.....................................................174
7.3.4 Despedida do Secular...................................................................180
7.3.5 Carreira Gospel............................................................................184
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................195
REFERÊNCIAS..................................................................................199
15

1. INTRODUÇÃO

Ao entrar no Mestrado em Educação eu estava disposta a


continuar a investigar e pensar a Educação Física na Educação Infantil,
agora sob um outro olhar. Depois da experiência na Rede Municipal de
Ensino de Florianópolis, esperava que me direcionar para outra área de
conhecimento ampliaria minha formação de forma significativa. Nem
sequer suspeitei os caminhos que eu viria a percorrer.
Ao ingressar no Programa de Pós-graduação em Educação, fui
atrás do currículo de meu orientador, Pr. Dr. Santiago Pich, a fim de
conhecer melhor seu trajeto acadêmico e em que temas desenvolve suas
pesquisas. Ao me deparar com sua Tese – “Extra corporem nulla salus: a
encruzilhada entre corpo, secularização e cura no neopentecostalismo
brasileiro” (2009), um novo mundo se abriu para mim. Conforme eu lia
sua Tese, mais crescia em mim a insatisfação pela pesquisa no tema da
Educação Física na Educação Infantil. Angústia.
Eis que começam a surgir diversos questionamentos, “poderia eu
pesquisar algo ligado à temática pentecostal em um Mestrado em
Educação? ”, “se sim, que objeto me seria interessante e desafiador? ”,
“evangélico, pode ser pesquisador do meio evangélico? Haveria
validade nisso? ”. É claro que hesitei. O período que vivemos no país,
com os evangélicos ainda em expansão, crescendo em influência social,
sendo objeto de estudo de pesquisas em variadas áreas de conhecimento.
Fora da academia, o Brasil partindo-se em blocos ideológicos. O bloco
cristão declarando oposição e “guerra santa” aos “outros”, e os
evangélicos – este grupo social multifacetado, desarmônico, dissonante;
inserindo-se em tantos espaços, protagonizando tantas polêmicas,
provocando tantos repúdios. “Quem ouviria uma evangélica falando
acerca de: evangélicos? ” “Quem ouviria as reflexões de um evangélico
acerca de qualquer coisa?” Eu me questionava. Angústia.
Primeiramente, tratei de procurar o que me interessava em todo
esse campo. Lembro-me de duas coisas que me chamaram a atenção na
época. Soube da existência de uma “Igreja da Criança” em uma igreja
no Estado do Mato Grosso, um ambiente lúdico, um culto voltado às
crianças, espaço aberto, sem cadeiras; interessou-me. Naquele período
de grande dúvida, soube também que um amigo de infância de meu pai,
Gerson Borges, músico e pastor, havia lançado um livro nomeado “Ser
evangélico sem deixar de ser brasileiro”. O livro é uma reflexão acerca
de toda a tensão, disputa e confronto existente entre a cultura evangélica
e cultura brasileira. O autor questionou “O que faz o brasileiro,
brasileiro? O que faz o evangélico, evangélico? E como ser o segundo
16

sem deixar de ser o primeiro? ” No livro, estava a letra da canção


“Dizem que sambar é pecado”. Li o livro e ouvi a canção. Por fim, tive
certeza das minhas incertezas acerca desta relação complicada,
complexa entre evangélicos e Brasil, entre o Brasil e os evangélicos.
Isso mais que me interessou, arrebatou-me.
Eu – quinta geração de uma família de evangélicos, dentre eles,
muitos músicos, decidi pesquisar justamente a música evangélica. Esta,
que fez parte de minha formação. Em minha trajetória tive a influência
de meus avós maternos – que formam uma dupla e que na década de
1980 chegaram a gravar um LP Gospel juntamente com minha mãe.
Também, a influência de meus pais – que cantam e cantaram tantas
canções de seu tempo. Saliento a influência de meu pai, que em sua
formação musical teve muito contato com música brasileira – cristã e
secular, e que, nos últimos anos, me acompanha no violão quando canto
na igreja.
Francamente, tive dificuldades. Até aqui tive o constante
exercício de afastar-me de mim. Tirar o agasalho e os tênis da Educação
Física. Despir-me da toga do canto gospel. Colocar os óculos de
pesquisadora, estranhar o familiar, para enxergar o objeto naquilo que
me era comum. A proximidade com o objeto carrega esta complexidade,
mas a pesquisa acadêmica tem permitido a descoberta de que nem tudo
é “natural”.
Do campo religioso brasileiro pude aprender, através dos Censos
realizados pelo IBGE, que nas últimas décadas houve uma queda no
número de pessoas que se declaram como católicas – 73,8% em 2000,
64,6% em 2010; um aumento, ainda que menor do que nos outros
Censos, do número de evangélicos – 15,4% para 22,2%; e o aumento do
número de pessoas que se declararam como sem religião – 7,3% para
8,1%. Segundo os números do Censo de 2010 do IBGE, o Brasil ainda é
um país de maioria cristã (86,8% da população), com cada vez menos
católicos e com o aumento de pessoas sem religião, em transformações
acerca da religiosidade e com intensificação de um senso religioso
desinstitucionalizado.
Referente aos evangélicos, vi a multiplicidade do campo ao me
deparar com as inúmeras classificações referente às igrejas evangélicas.
Uma forma de começar a caminhada para entender o meio evangélico
brasileiro poderia ser dividindo entre evangélicos reformados e
evangélicos pentecostais. As igrejas reformadas são aquelas que tem
suas raízes na Reforma Protestante do século XVI, chegando ao Brasil
através da migração ou de missionários. Como representantes destas
temos as igrejas Luterana, Anglicana, Reformada, Congregacional,
17

Presbiteriana, Metodista, Batista, entre outras. As igrejas pentecostais


igualmente têm suas raízes na Reforma, contudo também guardam
relação com o Evento de Pentecostes e com o pentecostalismo norte-
americano do século XX. Se caracterizam pela crença em um segundo
batismo, o do Espírito Santo, identificado pela glossolalia. Entre as
igrejas pentecostais temos a Congregação Cristã no Brasil, a Assembleia
de Deus, Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja o Brasil para Cristo,
Igreja Pentecostal Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus,
Igreja Renascer em Cristo, Igreja Bola de Neve, entre muitas outras.
Mixadas, misturadas e confundidas. Muitas vezes se fala de
Igreja Evangélica como se a expressão correspondesse a uma instituição
coesa e harmônica, mas a “Igreja Evangélica”, na verdade, são muitas.
Ainda dentro da divisão entre Igrejas Evangélicas Protestantes e Igrejas
Evangélicas Pentecostais, podemos ver em cada uma dessas
classificações uma grande quantidade de igrejas. Alguns autores
buscaram formas de classificar estas igrejas evangélicas, a fim de
distinguir as singularidades das tendências de uma identidade evangélica
mais generalizada. Cunha (2004, 17-18) realizou algumas sínteses que
permitiu uma classificação do Protestantismo brasileiro: Protestantismo
Histórico de Migração, Protestantismo Histórico de Missão e
Protestantismo de Renovação ou Carismático. Do meio Pentecostal,
temos a classificação do Freston (1994), que nomeou as três ondas do
pentecostalismo brasileiro. Já Mariano (1999) trabalhou com os nomes
de Pentecostalismo clássico, Deuteropentecostalismo e
Neopentecostalismo. Em meio a tantas classificações, é importante
ressaltar que o meio evangélico brasileiro é dinâmico e que novas
igrejas continuam a surgir, assim como, muitas das já existentes
continuam a se modificar. Ocorrem influências em muitos sentidos e há
uma tendência de algumas igrejas sempre tentarem se afinar segundo a
“nova onda” que esteja surgindo, se sintonizando às novas abordagens,
roupagens, movimentos e ações que possam render novos adeptos.
Fala-se muito sobre um processo em específico na literatura
acadêmica: a pentecostalização do campo religioso brasileiro. O
pentecostalismo, devido ao seu crescimento numérico e de influência,
tem causado transformações em outras igrejas evangélicas e até mesmo
em outras religiões. Muitas igrejas evangélicas hoje estão na mídia, na
política, tem sua gestão institucional à semelhança do modelo
empresarial e se utilizam das mais diversas e criativas estratégias
proselitistas. Isso tem atraído o olhar de pesquisadores de diversas áreas
de conhecimento para o campo religioso brasileiro, e, para as possíveis
influências que os evangélicos brasileiros possam estar exercendo sobre
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a religiosidade e cultura dos brasileiros. Dentre todas as formas das


igrejas e dos evangélicos proclamarem sua fé cristã, a música tem se
destacado como forma de proselitismo.
“Solfejando” as ideias, postura e cultura evangélica pelos quatro
cantos do Brasil, a chamada música gospel tem sido um fenômeno nas
últimas décadas. São cantores, bandas, trios, quartetos e grupos vocais,
corais, rappers e instrumentistas, produzindo música com temática
cristã nos mais variados gêneros musicais.
Lá, no meio de todo este universo gospel, há quem faça samba,
chorinho, baião, bossa nova gospel. Há ainda quem, antes mesmo da
explosão do gospel nos anos 1990, já fazia o que pode ser chamado de
música cristã brasileira, referindo-se àquelas produções musicais que
buscaram descolar-se da influência trazida pelos missionários
estrangeiros.
Situando-se entre os conceitos de sagrado e profano, entre as
muitas e diversas significações dadas à música pelos evangélicos,
considerando os movimentos de acomodação ou resistência da cultura
brasileira, este trabalho teve por objetivo investigar como se dá no meio
evangélico os processos de incorporação de gêneros musicais
brasileiros na música evangélica brasileira. Quais são os discursos
que suscitam resistências ou transigências aos gêneros musicais
brasileiros? E o que pode significar a positivação da identidade
brasileira na formação da identidade do cristão evangélico brasileiro?
Esta pesquisa também buscou: compreender a percepção de
músicos evangélicos ligados a gêneros musicais brasileiros, como
Bossa-Nova, Samba, MPB, acerca da postura evangélica mediante estes
gêneros musicais; identificar as influências do discurso religioso na
produção de música evangélica em gêneros musicais brasileiros.
Nos questionamos se, no processo de acomodação da cultura
brasileira musical pelos evangélicos, houve diferenças na incorporação
de gêneros musicais brasileiros nos meios protestantes reformados e
pentecostais? Será que a incorporação destes gêneros se deu embasada
em um discurso de valorização, afirmação e defesa da identidade,
cultura e música brasileira?
Considerando a demonização da identidade cultural brasileira que
ocorreu nos setores pentecostais, será que a incorporação de elementos
de gêneros musicais brasileiros ocorreu de maneira explícita? Ou será
que se deu de maneira disfarçada – como se fosse uma produção cultural
descolada da realidade brasileira, desconsiderando as influências
autóctones e, principalmente, as diretamente ligadas à cultura afro-
brasileira?
19

Apesar de toda a produção musical evangélica em gêneros como


samba, MPB, Bossa Nova, Axé, será que ainda perdura entre os
evangélicos o discurso que demoniza estes gêneros musicais? E se há
aceitação destes gêneros musicais brasileiros, eles entram no meio
evangélico apenas para proselitismo e entretenimento ou chegam a fazer
parte da liturgia de cultos e reuniões?
É importante ressaltar que o processo de incorporação de gêneros
musicais brasileiros no meio evangélico não é algo dado, que já está
consolidado. Trabalhar com música brasileira no meio cristão
evangélico ainda hoje pode despertar críticas e resistências. Em muitas
igrejas, tanto reformadas quanto pentecostais, ainda não é permitido
determinados ritmos e instrumentos, e estas proibições podem ou não
estar ligadas à teologia da igreja. Isso porque em muitas igrejas o pastor
local tem uma maior independência, podendo ser mais ou menos rígido
em relação as suas escolhas sobre o que irá fazer parte das reuniões e
dos cultos. Para além disso, ainda é recorrente entre os cristãos
evangélicos o pensamento de demonização da cultura brasileira, assim
como, a música brasileira.
De início, para tentar compreender como acontece o processo de
sacralização de gêneros brasileiros incorporados à música evangélica no
contexto brasileiro optou-se pela utilização da História Oral Temática.
Como colaboradores do nosso trabalho, seriam entrevistados dois
músicos evangélicos ligados à produção musical em gêneros musicais
brasileiros, de modo a sondar as disputas, os confrontos e os discursos
que se estabeleceram, ou foram superados, no processo de sacralização
de gêneros musicais brasileiros.
Entramos em contato com três cantores, e obtivemos respostas
positivas de dois. No entanto, após mostrarem-se favoráveis a participar
de entrevista, não recebemos mais respostas. Por este motivo, não
conseguimos realizar as entrevistas e mudanças metodológicas tiveram
que ser feitas na pesquisa.
Recorremos ao estudo e análise da trajetória musical e religiosa,
da produção musical e depoimentos de dois músicos evangélicos que
tem sua identidade musical marcada pelos gêneros brasileiros. O
material foi colhido da internet e os cantores observados foram João
Alexandre, músico presbiteriano, e Waguinho, cantor pentecostal, que
estavam entre os três selecionados anteriormente. A preferência pelos
dois cantores se deu por se tratar de duas vias distintas de legitimação
dos gêneros musicais brasileiros no contexto evangélico. Como também,
por motivo de que ambos os cantores trabalham com música brasileira e
tem certa popularidade entre os evangélicos e entre os músicos
20

evangélicos. Os dois cantores têm carreira gospel já consolidada, fazem


parte do processo de incorporação de gêneros musicais brasileiros no
meio evangélico brasileiro, e contribuem, cada um à sua maneira, para a
construção de uma identidade cristã evangélica e brasileira. A opção por
estes cantores se deu também pela maior disponibilidade de material
para ser analisado.
As canções escolhidas para a análise estão entre as músicas mais
populares destes cantores, ou músicas que tratam de temas relacionados
à cultura brasileira, neste caso, independendo da popularidade destas
músicas. Foi realizada uma análise das letras das músicas a fim de
identificar elementos da brasilidade, como também, recursos utilizados
para a construção de uma legitimidade dos gêneros musicais brasileiros
no meio evangélico.
Como fonte de dados exploramos entrevistas destes músicos – em
sites/texto, em rádio/áudio e em programas/vídeo; assim como, vídeos
de programas que eles participaram; críticas e matérias de páginas e
portais especializados na música gospel a respeito dos músicos.
Observamos vídeos de apresentações em shows e de apresentações em
cultos e reuniões em igrejas. Os sites e as redes sociais dos músicos
foram acompanhados, bem como sites de instituições às quais eles se
vincularam ao longo de sua carreira. Vídeos de regravações das
músicas de autoria destes músicos também foram fonte de informações.
De João Alexandre, analisamos as músicas “Pra cima, Brasil”,
“Em nome da justiça”, “João Brasileiro” e “Folião”. Destacamos em
seis categorias suas falas sobre: sua relação institucional com a igreja
evangélica; seu conceito de música; seu conceito de música secular;
sobre sua produção musical, suas influências musicais; sobre trabalhar
com música brasileira no meio evangélico e sua relação com o mercado
Gospel.
De Waguinho, as músicas “Mulher Santa”, “Sou Pagodeiro”,
“Samba adorador” e “Pão com Jesus” foram analisadas. Foram
elencadas cinco categorias das falas de Waguinho sobre: sua relação
institucional com a igreja evangélica; sua origem familiar e relação com
o samba; sua conversão ao pentecostalismo; sua despedida do secular e
sua carreira gospel.
21

2. O QUE É RELIGIÃO?

Neste trabalho, utilizaremos o conceito de Religião desenvolvido


por Geertz (1989), que se apresenta como:
(1) Um sistema de símbolos que atua para (2)
estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras
disposições e motivações nos homens através da
(3) formulação de conceitos de uma ordem da
existência geral e (4) vestindo essas concepções
com tal aura de fatualidade que (5) as disposições
e motivações parecem singularmente realistas.”
(GEERTZ, 1989, p. 104-105)
Onde símbolo significa “[...] qualquer objeto, ato, acontecimento,
qualidade ou relação que serve como vínculo a uma concepção - a
concepção aqui é o “significado” do símbolo” (GEERTZ, 1989, p. 105).
Sendo assim, os símbolos são como “formulações tangíveis de noções”,
através dos quais as concepções da experiência firmam-se em formas
perceptíveis.
Para o autor, os padrões culturais são sistemas ou complexos de
símbolos que se configuram como fontes extrínsecas de informações.
“Extrínseco” porque, diferente dos genes, são externos ao organismo do
indivíduo, e “fontes de informação” porque, assim como os genes, eles
“fornecem um diagrama ou gabarito em termos do qual se pode dar
forma definida a processos externos a eles mesmo.” (GEERTZ, 1989, p.
106) As fontes de informação extrínsecas tornam-se vitais para o
homem, pois, diferentemente dos outros animais, o comportamento
humano é “frouxamente” determinado pelas fontes de informações
intrínsecas. Desta forma, os Padrões culturais tornam-se como
“modelos”, modelos de “realidade”, modelos para “realidade”.
Este sistema de símbolos atua de forma que estabelece nos
homens disposições e motivações. Estas disposições tem uma
variabilidade de intensidade e não levam a coisa alguma, surgindo em
determinadas circunstâncias, sem responder a quaisquer fins, “como
neblina, elas apenas surgem e desaparecem; como aromas, elas se
espalham e evaporam” (GEERTZ, 1989, p. 112). As disposições
tornam-se significativas a partir das condições por meio das quais se
concebe que elas surjam. É possível interpretar as disposições em
termos das suas fontes. Já o motivo configura-se como uma tendência
persistente, uma propensão duradoura e crônica para efetuar certos tipos
de atos e experienciar determinadas espécies de sentimentos em certos
contextos. As motivações tornam-se significativas “no que se refere aos
22

fins para os quais são concebidas e conduzidas”. Interpreta-se os


motivos em termos da sua consumação. (GEERTZ, 1989, p. 122)
A formulação de conceitos de uma ordem da existência geral é
que permite o estabelecimento das disposições e motivações no
indivíduo. E a formulação de uma ordem de existência geral ocorre
porque há no homem uma dependência em relação aos símbolos e
sistemas simbólicos, pois são decisivos para sua viabilidade como
criatura, e porque há no homem a quase incapacidade de deixar sem
esclarecimento os problemas de análise não esclarecidos. O autor aponta
que o “caos ameaça o homem” e isso se aplica em três aspectos. Em
primeiro lugar, nos limites da sua capacidade analítica, diante da
perplexidade, os símbolos religiosos proporcionam uma garantia
cósmica para que o homem compreenda o mundo, de forma que os
recursos simbólicos são empregados para a formulação de ideias
analíticas que resultam em uma concepção autoritária da forma total da
realidade.
Em segundo lugar, nos limites do seu poder de suportar – o
sofrimento. A religião atua, não para evitar o sofrimento, mas como
fazê-lo algo suportável. Desta forma, os símbolos religiosos permitem
uma compreensão de mundo que proporcionam uma “precisão ao
sentimento”, há uma adequação dos recursos simbólicos para o controle
da vida afetiva, definindo as emoções e permitindo tolerar o sofrimento.
Por fim, nos limites da introspecção moral, há a adequação dos
recursos simbólicos para a disponibilização de um conjunto manipulável
de critérios éticos e guias normativos que governem a ação humana.
A estranha opacidade de certos acontecimentos
empíricos, a tola falta de sentido de uma dor
intensa ou inexorável e a enigmática
inexplicabilidade da flagrante iniquidade, tudo
isso levanta a suspeita inconfortável de que talvez
o mundo, e portanto a vida do homem no mundo,
não tenha de fato uma ordem genuína qualquer –
nenhuma regularidade empírica, nenhuma forma
emocional, nenhuma coerência moral. A resposta
religiosa a essa suspeita é sempre a mesma: a
formulação, por meio de símbolos, de uma
imagem tal de ordem genuína do mundo, que dará
conta e até celebrará as ambiguidades percebidas,
os enigmas e paradoxos da experiência humana. O
esforço não é para negar o inegável – que existem
acontecimentos inexplicáveis, que a vida machuca
ou que a chuva cai sobre o justo - mas para negar
23

que existam acontecimentos inexplicáveis, que a


vida é insuportável e que a justiça é uma miragem.
(GEERTZ, 1989, p. 123- 124)
O Problema do Significado em cada um desses aspectos, permite
a afirmação ou o reconhecimento de que a ignorância, a dor e a injustiça
são inevitáveis no plano humano, contudo, ao mesmo tempo se nega que
essas sejam características do mundo como um todo. (GEERTZ, 1989,
p.124) Há a percepção de uma desordem que é experimentada, ao
mesmo tempo em que há uma certa convicção de que haja uma ordem
fundamental.
Estas concepções vestem-se com uma “aura de fatualidade” na
medida em que o complexo específico de símbolos, “da metafísica que
formulam e do estilo de vida que recomendam”, é infundido de uma
autoridade persuasiva, de forma que, a crença religiosa implica na
aceitação prévia da autoridade. Neste sentido, é no ritual, nas realizações
religiosas que se manifesta essa autoridade fortalecendo no homem a
perspectiva religiosa do “verdadeiramente real”, e estabelecendo nele as
disposições e motivações induzidas pela religião. O ritual torna “real”
aquilo que a religião afirma ser real.
Estas disposições e motivações se manifestam também para além
dos limites do ritual, pois, quando o homem “mergulha” no complexo de
significados que as concepções religiosas definem e depois, ao término
do ritual, retorna para o mundo do senso comum, o homem modifica-se.
O homem modificado pelo ritual, agora muda o mundo do senso
comum, pois, na sua concepção o mesmo se tornou apenas uma parte de
uma realidade maior que atua corrigindo e completando esta parte.
A religião é sociologicamente interessante não
porque, como o positivismo vulgar a colocaria, ela
descreve a ordem social (e se o faz é de forma não
só muito oblíqua, mas também muito incompleta),
mas porque ela – a religião – a modela, tal como o
fazem o ambiente, o poder político, a riqueza, a
obrigação jurídica, a afeição pessoal e um sentido
de beleza. (GEERTZ, 1989, p. 136)
Contudo, essa ação da religião sobre a ordem social, de correção
e essa complementação da vida comum, não se apresenta de forma
idêntica em todo lugar e em toda religião. Há uma variabilidade da
natureza do bias que cada religião imprime à vida comum, tudo muda de
acordo com as concepções específicas que o crente passa a aceitar,
conforme as disposições que são incutidas nele. (GEERTZ, 1989, p.
139)
24

É justamente essa particularidade do impacto dos


sistemas religiosos sobre os sistemas sociais (e
sobre os sistemas de personalidade) que torna
impossível uma avaliação geral do valor da
religião em termos tanto morais como funcionais.
(GEERTZ, 1989, p.139)
25

3. O CENSO E O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO:

Desde 1872, de 10 em 10 anos1 é feito no Brasil o recenseamento


abordando a pertença religiosa da população brasileira. Os dados
obtidos ao longo dos anos pelo Censo do IBGE têm sido fundamentais
para as discussões acerca das transformações do campo religioso
brasileiro, e, dentre elas, vemos através dos dados que uma tendência
tem se fortalecido a partir da década de 1980: a diminuição no
catolicismo e o aumento de evangélicos (principalmente os
pentecostais), assim como os sem religião.
Entre 1980 e 2010, os católicos declinaram de
89,2% para 64,6% da população, queda de 24,6
pontos percentuais, os evangélicos saltaram de
6,6% para 22,2%, acréscimo de 15,6 pontos,
enquanto os sem religião expandiram-se num
ritmo ainda mais espetacular: quintuplicaram de
tamanho, indo de 1,6% para 8,1%, aumento de 6,5
pontos. O conjunto das outras religiões (incluindo
espíritas e cultos afro-brasileiros) dobrou de
tamanho, passando de 2,5% para 5%. De 1980
para cá, portanto, prosperou a diversificação da
pertença religiosa e da religiosidade no Brasil,
mas se manteve praticamente intocado seu caráter
esmagadoramente cristão. (MARIANO, 2013,
p.119.)
Houve um aumento de interesse da academia, dos setores
políticos e dos religiosos nos dados do Censo do IBGE acerca da
religiosidade dos brasileiros. Desta forma, os resultados do Censo de
2010, que evidenciou mudanças substanciais no campo religioso
brasileiro, geraram diversas interpretações e debates, inclusive, acerca
da própria metodologia do Censo do IBGE. No Censo do IBGE é
realizada apenas uma pergunta referente à pertença religiosa: “Qual a
sua religião ou culto?”, o que muitos consideram insuficiente para uma
melhor compreensão da realidade religiosa da população. Há uma
inexatidão em relação às respostas, não só por se tratar de apenas uma
pergunta referente à religião ou culto, mas também porque o campo
religioso brasileiro é nebuloso.

1
Ao longo do tempo, em alguns anos houve impossibilidades na realização do
Censo. Por exemplo, por motivos políticos e econômicos, o Censo 1990 não
aconteceu, sendo realizado em 1991. (SANTOS, 2014).
26

Clara Mafra (2013) apresentou a relevância do Censo IBGE no


âmbito do estudo do campo religioso brasileiro, pois, em países como a
França e EUA, o Estado deixou de fazer o levantamento censitário sobre
a filiação religiosa; também reconheceu o “trabalho monumental” que
exige a obtenção de dados sobre pertença religiosa no Censo do IBGE,
pois, o fato de o respondente poder indicar livremente o nome da sua
religião ou do culto ao qual faz parte gera um contingente enorme de
respostas2, permitindo a identificação do surgimento de novas religiões,
igrejas ou seitas. Contudo, Mafra aponta para a "escassez de
informações empíricas do Censo sobre religião e como isso produz
desvios na análise”, e, como proposta para números mais precisos serem
obtidos através do Censo, a autora sugere um “leque fechado de
alternativas” na questão de pertencimento a religião ou culto, assim
como a inclusão de uma questão que dê indicação da prática religiosa
através da frequência de participação (MAFRA, 2013, p. 16).
Assim como Mafra, outros autores têm chamado a atenção para
um maior conhecimento a respeito da metodologia de pesquisa do IBGE
no levantamento de dados, por considerarem que a falta de
conhecimento afeta as interpretações sobre o que tem acontecido no
campo religioso brasileiro; havendo também diversas sugestões de
mudanças no modo do IBGE abordar a pertença religiosa do brasileiro.
(MAFRA, 2013; MARIZ, 2013; MARIANO, 2013; entre outros)
Cecília Mariz (2013) destacou o benefício da questão em aberto,
que é permitir a inclusão de novas religiões, e as desvantagens da
pergunta única “qual é a sua religião ou culto?”, que não permitiria
captar a dinâmica no meio evangélico e o surgimento de novas igrejas.
Apresentando situações em que os recenseadores foram além da
orientação para realizar apenas a pergunta do questionário, a autora
indica que a solicitação por parte de estudiosos e até lideranças
religiosas de reformulação da pergunta ou o acréscimo de outra, talvez,
não seja algo tão custoso a ser feito para o IBGE, dado que, o acréscimo
de questões possivelmente já esteja sendo feito devido à liberdade dos
recenseadores. (MARIZ, 2013, p.56)
Contudo, as mudanças do campo religioso brasileiro evidenciadas
no Censo de 2010 não devem ser desprezadas, e por isso, foram
abordadas sob as mais diversas interpretações que buscaram investigar

2
No Censo de 2000, por exemplo, foram coletados mais de 15 mil nomes de
religiões de pertencimento, estas sendo classificados depois em 144 categorias.
Já no Censo de 2010 os diversos nomes de religiões foram categorizados em 66
categorias. (MAFRA, 2013, p. 15-16)
27

as complexas relações que envolvem a queda numérica do catolicismo;


o aumento dos evangélicos e dos sem religião.

3.1. AS OUTRAS RELIGIÕES

Excluindo as categorias “católicos” (64,6%), “evangélicos”


(22,2%) e “sem religião” (8%), todas as outras religiões representam
apenas 5% da população brasileira (MARIANO, 2013). Apesar de os
dados do Censo de 2010 mostrarem a força do cristianismo na sociedade
brasileira (86,8%), eles também apontam para o início de uma
intensificação da pluralização religiosa.
Os dados do Censo revelaram um aumento do número de
espíritas, de 1,3% em 2000 para 2.0% em 2010, e a categoria apresentou
os melhores indicadores de educação, ao ter em si o maior número de
pessoas com nível superior completo (31,5%). Bernardo Lewgoy falou a
respeito do processo de transformação que o espiritismo brasileiro
passou nas últimas décadas, indo de “minoria religiosa para alternativa
religiosa”, apresentando-se como doutrina que se pretende religiosa e
científica ao mesmo tempo. (LEWGOY, 2012). O autor fala a respeito
de uma “ressonância social” do espiritismo que faz com que as crenças e
práticas espíritas transbordem para espaços não espíritas, assim como,
que haja uma grande circulação de pessoas não espíritas em centros
espíritas. Esta “ressonância social” do espiritismo também pode
significar uma dupla pertença religiosa, o que nos leva a fazer a ressalva
em relação a uma possível inexatidão dos dados do Censo que, para
muitos estudiosos, não consegue captar de forma satisfatória a presença
espírita na sociedade brasileira. A respeito desta presença das crenças ou
práticas espíritas em outros espaços religiosos, o autor faz menção à
cultura popular religiosa brasileira, lembrando que tanto no espiritismo,
quanto nas religiões afro-brasileiras, e até mesmo no
neopentecostalismo, o transe e a possessão são compreendidos como
elementos centrais.
Gilberto Velho já havia chamado atenção, há
vários anos, para esse ecumenismo alternativo da
linguagem dos espíritos na sociedade brasileira,
onde o transe e a presença dos mortos no
cotidiano resistem fortemente a uma ideia linear
de modernização e desmagificação do mundo,
sendo este um aspecto cultural próprio do Brasil.
(LEWGOY, 2012, p. 65).
28

Com relação ao conjunto das religiões afro-brasileiras, o Censo


de 2010 demonstra a continuidade do declínio de número de adeptos.
Ao longo dos anos, os Censos demonstraram os seguintes números para
o conjunto: 1980 – 0,57%; 1991 – 0,44%; 2000 – 0,34% e 2010 –
0,30%. Prandi (2012) enfatiza que, os números devem ser considerados
melhorados, no sentido de serem mais correspondentes à realidade a
cada censo. Isso devido a um aumento constante da liberdade religiosa
no Brasil, assim como dos processos de dessincretização, que fazem
com que os adeptos das religiões afro-brasileiras deixem de escudar-se
como sendo católicos ou espíritas, passando a afirmarem sua identidade
religiosa sem maiores constrangimentos. Ao considerar isso, Prandi
percebe que a diminuição de adeptos é ainda mais acentuada.
Segundo o autor, esta diminuição no número de adeptos das
religiões está baseada principalmente na queda de seguidores da
umbanda, que sofre uma “dupla ofensiva”: de “fora”, vindo dos
evangélicos que declararam “guerra santa” e visam a conversão dos
adeptos das religiões afro-brasileiras, e de “dentro”, por parte do
candomblé, pois muitos dos seguidores do candomblé foram antes
umbandistas. (PRANDI, 2012).
Apesar dos baixos números censitários, as religiões afro-
brasileiras têm grande importância na cultura nacional:
Em termos de Brasil, a importância dessas
religiões de origem africana não pode ser medida
simplesmente pelo minúsculo tamanho de seus
contingentes, mas pela sua participação na
formação da cultura nacional não religiosa, com
presença marcante na literatura, no teatro, cinema,
televisão, nas artes plásticas, na música popular,
sem falar do carnaval e suas escolas de samba, da
culinária originária da comida votiva e, sobretudo,
da sua especial maneira de ver o mundo. Com isso
têm ganhado visibilidade, prestígio social e
respeito. Talvez seja isso uma das razões pelas
quais o candomblé tem atraído adeptos brancos de
boa renda e alta escolaridade, que se juntam nos
terreiros aos extratos mais pobres da população
brasileira, os negros, conforme atestam os dados
do censo demográfico de 2010. (PRANDI, 2012,
p.62).

3.2. SEM RELIGIÃO


29

A categoria dos sem religião tem se destacado nos Censos do


IBGE com uma parcela crescente da população brasileira se auto
identificando assim.
Demograficamente insignificantes até 1970,
quando eram apenas 0,8% dos brasileiros, os sem
religião dobraram de tamanho entre 1970 e 1980,
subindo para 1,6%. Saltaram para 4,7% em 1991,
para 7,3% em 2000 e para 8,1% em 2010,
chegando a 15,3 milhões a proporção dos que
afirmam não possuírem filiação religiosa e que
admitem publicamente isso. Quintuplicaram de
tamanho entre 1980 e 2010, formando o terceiro
maior “grupo religioso” do país. Apesar disso, sua
expansão perdeu fôlego na última década: foi de
apenas 0,8 ponto percentual contra os elevados
3,5 pontos obtidos entre 1980 e 1991 e os 2,5
entre 1991 e 2000. (MARIANO, 2013, p. 123)
O grupo dos sem religião3 é heterogêneo, sendo possivelmente
composto por ateus, agnósticos e pessoas que se declararam como sem
filiação religiosa. Contudo, estes últimos indivíduos têm representado
uma incógnita para os estudiosos, quem seriam estes que se auto
identificam como “sem religião”?
Um aspecto salientado por Cecília Mariz é que os números de
ateus/agnósticos podem estar subestimados, uma vez que, ao se fazer a
pergunta “qual sua religião e/ou culto?” os ateus e agnósticos poderiam
responder como sendo sem religião, porque nem o ateísmo nem o
agnosticismo são religiões ou cultos. Para a autora, porém, isso não
significa que a categoria de sem religião seja composta em grande parte
por ateus e agnósticos. (MARIZ, 2013, p. 53). Mafra (2013) apresentou
o argumento de Cecília Mariz sobre a possibilidade de uma parcela
destes indivíduos evidenciarem que um novo sentido de “religião” pode
estar se consolidando no Brasil:
Foi Cecília Mariz quem lançou uma hipótese bem
interessante para o caso: ela sugeriu que esta
declaração de “sem religião” tem a ver com um
novo sentido de “religião” que tende a se
estabelecer no país em função de uma influência
mais alargada dos evangélicos (MARIZ, 2012).
Esses jovens, pondera ela, que estão na base da

3
É importante destacar que apenas a partir do Censo de 2010 ateus (615.096) e
agnósticos (124.436) passaram a ser discriminados como subcategoria.
(MARIANO, 2013; SANTOS, 2014).
30

pirâmide (como boa parte dos pentecostais), que


são de cor parda (como boa parte dos crentes), que
têm baixa escolaridade (como a maioria dos
pentecostais), muito provavelmente são
considerados “desviados” no meio em que
habitam. Desviado é a categoria nativa pentecostal
para falar de alguém que conheceu a doutrina
evangélica e depois se afastou da igreja. Como
boa parte dos jovens das periferias tem sido criada
aos cuidados de uma mulher evangélica, eles
tendem a aprender com suas mães/avós/tias que
“ter religião” é sinônimo de “frequentar uma
igreja”. Como esses jovens não frequentavam uma
igreja na época da aplicação do Censo, eles se
autodeclararam “sem religião”. (MAFRA, 2013,
p. 21)
Isto nos leva a considerar uma possível mudança da concepção
popular sobre o que é ter religião. Este novo sentido de religião estaria
relacionado a ser ativo ou não na prática religiosa e à frequência com
que essa prática se dá. A partir destas considerações vemos uma
possível relação do crescimento e influência de uma cultura evangélica
sobre a categoria dos sem religião. Outras relações entre evangélicos e
sem religião foram feitas:
Em seu artigo sobre os sem religião, baseado em
dados de pesquisa do CERIS (Mobilidade
Religiosa no Brasil, 2006), Silvia Fernandes
(2008, p.36) observa que há percentualmente mais
indivíduos que se declaram sem religião que
indicaram que sua última religião foi evangélica
(44,5%), considerando históricos e pentecostais
em conjunto, do que católicos. O percentual dos
que disseram que sua última religião foi católica
era um pouco menor, 42,01%, mas comparando
ambos percentuais dessas religiões com seus
percentuais no total da população, essa diferença
se torna significativa. Por outro lado, é importante
notar que 60% dos sem religião, à época da
pesquisa, declararam que já tinham sido católicos
em algum momento de suas vidas. Comparando
com o total da população católica e evangélica,
fica evidente uma tendência de que os sem
religião tenham vindo do mundo evangélico.
Pessoas criadas católicas parecem ter passado por
igrejas evangélicas antes de optar por ficar sem
31

religião. Esses dados são coerentes com o fato de


que, segundo o censo, se observa uma
similaridade entre o perfil social dos sem religião
e o dos evangélicos, e também para o fato de que
cidades e estados com maior proporção de
evangélicos são os que têm também maior
proporção de sem religião. (MARIZ, 2013, p.56)
Diante disso, vemos mais claramente a possibilidade de que parte
dos indivíduos auto declarados como sem religião não sejam exatamente
pessoas sem influência de crenças religiosas, pelo contrário, o conjunto
de crenças da fé evangélica pode ser, entre outros fatores, responsável
pela própria concepção do que é ser “sem religião”. Neste grupo ainda
podem estar presentes as pessoas que autodeclaradas como “sem-
religião” e que “militam” contra a instituição religiosa. Vemos então, a
disseminação da ideia de “crer sem pertencer”, através da recusa da
lógica institucional na relação com o sagrado.

3.3. CATOLICISMO

Os dados do Censo de 2010 mostram uma constante diminuição


de declaração da crença católica. Este declínio vem acontecendo mais
intensamente a partir do Censo de 1980, quando os indivíduos
autodeclarados como católicos somavam 89,2% da população. A partir
daí os números foram decrescendo: em 1991 – 83,3%; em 2000 –
73,8%; em 2010 – 64,6%. Segundo o que diversos autores constataram a
respeito do trânsito religioso, é principalmente do catolicismo que outras
religiões arrebanham novos adeptos.
A redução católica ocorreu em todas as regiões do
país, sendo a queda mais expressiva registrada no
Norte, de 71,3% para 60,6%. O estado que
apresenta o menor percentual de católicos
continua sendo o do Rio de Janeiro, com 45,8%
(uma diminuição com respeito ao censo anterior
que apontava 57,2%). O estado brasileiro com
maior percentual de católicos continua sendo o
Piauí, com 85,1% de declarantes (no censo
anterior o registro era de 91,4%). Os dados
indicam que o Brasil continua tendo uma maioria
católica, mas se a tendência apontada nesse último
censo continuar a ocorrer teremos em breve uma
significativa alteração no campo religioso
brasileiro, com impactos importantes em vários
campos. (TEIXEIRA, 2012, p. 12)
32

Mariano (2013) elenca como motivos para a redução da


hegemonia católica “o crescimento acelerado de seus concorrentes
religiosos, sobretudo das igrejas pentecostais”, assim como a progressão
dos sem religião. Isso significa que:
[...] a desmonopolização e a destradicionalização
religiosas estão associadas à pluralização religiosa
e à intensificação da concorrência no e por
mercado religioso, mas também à crescente opção
individual de não filiar-se ou de se afastar de
instituições religiosas. (MARIANO, 2013, p.120)
Segundo Mafra, o catolicismo passou de uma “religião dos
brasileiros” para uma “religião de maioria” (MAFRA, 2012 apud
MAFRA, 2013), de modo que a queda numérica do catolicismo implica
em uma mudança na configuração da concepção do que é ser brasileiro.
Não deixa de ser curioso que em plenos anos 80,
justamente no momento da arrancada desse
processo de destradicionalização, pluralização e
concorrência religiosa, o clero católico ainda se
mantivesse ferreamente convicto na existência de
uma indissolúvel “aliança mística Igreja-Nação”,
ou entre igreja católica, povo e nacionalidade
brasileira, segundo a qual, supostamente,
estaríamos “condenados ao catolicismo”
(Pierucci, 1986, p. 80). Escudado numa
dominação religiosa secular, o clero parecia
desatento aos efeitos (sobre sua hegemonia
religiosa) do processo de modernização
socioeconômica e cultural e, especialmente, do
avanço da liberdade religiosa, do pluralismo
religioso, da consolidação de um mercado
religioso em solo nacional, da capacidade
organizacional e da eficiência proselitista de
alguns de seus concorrentes religiosos.
(MARIANO, 2013, p. 120-121)
Isso se aliou ao fato de que filiação religiosa progressivamente
deixa de ser considerada predominantemente como herança familiar, se
tornando tema de escolha individual e voluntária, como algo de “questão
de preferência ou opinião pessoal e como experiência privada e
subjetiva.” (MARIANO, 2013, p. 121).
Pierre Sanchis (1994), abordou a ideia de “cultura católico-
brasileira”, e apresenta a construção de uma ideia de Brasil como um
país intrinsicamente católico. Para exemplificar o pensamento católico,
cita o Pe. Júlio Maria, que afirmara “O catolicismo formou nossa
33

nacionalidade...Um ideal de Pátria brasileira sem a fé católica é um


absurdo histórico tanto como uma impossibilidade política” (SANCHIS,
1994, p. 35). O autor argumenta que a construção desta consciência
surgiu com a intenção de alcançar o Brasil popular.
Esta cultura católico-brasileira se manifesta de forma sincrética, e
Sanchis chega a falar de uma “cegueira institucional católica” frente à
realidade dos fiéis, que, por exemplo, se identificavam como católicos
ao mesmo tempo em que participavam de religiões afro-brasileiras,
coexistindo duas identidades religiosas nos fiéis denominados
“católicos”. Haveria no catolicismo uma tendência ao sincretismo, que
se manifestaria historicamente de maneiras diferentes, de acordo com o
lugar e o momento histórico.
É necessário salientar o perfil plural do catolicismo brasileiro e a
sua “malha larga” – que permite a presença de outras religiões no seu
interior. O catolicismo popular tradicional, segundo Oliveira (2012),
“mostra muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre”. O autor
explica esta frase, que mostra a tradição católica popular caracterizada
como uma religião familiar, na qual o catolicismo era praticado em casa
na devoção aos santos e a frequência nas igrejas era apenas para receber
os principais sacramentos.
Teixeira (2014) afirma que o catolicismo brasileiro é
característico por acolher e conviver uma diversidade:
[...] “em que Deus pode ter muitos rostos”.
Sublinha-se que “talvez seja o exemplo mais fiel
de uma tradição religiosa – dentro e fora do
cristianismo – de um sistema de sentido pluri-
aberto, multi-cênico e em constante
transformação” (BRANDÃO apud TEIXEIRA,
2014, p 38)
São três as modalidades que o censo distingue na Católica:
“Católica Apostólica Romana”, “Católica Apostólica Brasileira”,
“Católica Ortodoxa”. Há ainda a existência do movimento de
Renovação Carismática Católica – RCC dentro da igreja Católica
Apostólica Romana.

3.3.1. Carismatismo Católico Brasileiro

Responsável por diversas “inovações” no meio católico, a RCC


desenvolve um papel ambivalente no catolicismo, pois, ao mesmo
tempo em que é considerada positiva por aproximar os fiéis à religião de
origem tornando-os mais praticantes, por envolver a juventude católica e
34

por disputar em igualdade com os pentecostais; pode causar a


recriminação de setores católicos mais tradicionais, e até o afastamento
dos fiéis, justamente por sua semelhança ao pentecostalismo.
(FERNANDES, 2014).
Maués em seu estudo a respeito de algumas técnicas corporais na
Renovação Carismática Católica destacou as técnicas que ele observou
ao longo de seu trabalho:
[...] entre as várias técnicas da Renovação
Carismática, as seguintes: o toque corporal, que
pode ocorrer de diferentes maneiras, como, por
exemplo, o aperto de mão e, muitas vezes, o
abraço fraterno como forma de saudação; a
imposição de mãos que, também, apresenta muitas
variações, incluindo o próprio toque corporal;
gestos corporais variados, como colocar as
palmas das mãos para cima e para fora (do
corpo), tremer as mãos e/ou agitá-las – com os
braços estendidos para o alto, para baixo ou para a
frente – de um lado para outro; palmas e aplausos,
que também ocorrem em várias situações, durante
os cantos, na ocasião da missa, em vários
momentos de louvor etc.; a dança, com a
execução de várias coreografias; a oração, que
pode ser feita de diferentes maneiras, inclusive
através do exercício da glossolalia; e, finalmente,
o “repouso no Espírito”, em que a pessoa, de
olhos fechados, cai, bruscamente, para trás,
ficando deitada sobre o chão, às vezes durante
muitos minutos; (MAUÉS, 2000, p.123-124)
Maués salienta que Movimento de Renovação Carismática se
difere do Movimento Carismático norte-americano ao recusar o título de
"pentecostalismo católico" e por ter deixado de lado a inclinação
ecumênica que o Movimento Carismático estadunidense tinha, no
entanto, mesmo a RCC brasileira recusando esse nome ligado ao
pentecostalismo, as técnicas corporais destacadas pelo autor se
assemelham muito das que ocorrem no pentecostalismo brasileiro.
Entre as características que aproximam o carismatismo do
pentecostalismo também estão o rigorismo com relação à sexualidade, a
utilização do corpo como instrumento de culto e louvor, a visão acerca
do Espírito Santo, e a importância dada à música, tanto no momento de
culto, quanto na sua relevância em ações de proselitismo. A RCC é
considerada como a reação católica ao crescimento do pentecostalismo
no Brasil, e as estratégias da RCC também se assemelham às das igrejas
35

e pastores pentecostais: o uso da mídia e a produção de música através


dos padres cantores e bandas católicas.
A força da mídia católica é muito grande hoje e
não perde para o uso pentecostal dos meios. Os
grupos evangélicos em geral têm certa vantagem
nas formas de divulgação e disseminação da fé e
na inovação. Mas essa vantagem é logo eliminada,
pois o catolicismo também incorpora os novos
métodos. Na televisão, o uso católico é tão
evidente e significativo quanto o evangélico.
(FRESTON, 2012, p. 97)
Cada vez mais alguns cantores ou bandas carismáticas se
destacam para além do ambiente da RCC. Entre os destaques estão os
padres cantores que conquistam, de diversas religiões, seguidores,
admiradores e consumidores de seus produtos (CD’s, DVD’s, livros,
entre outros). Há também bandas que alcançaram visibilidade em outros
setores religiosos, ou até se destacando no gênero musical que produz,
como o caso da banda Rosa de Saron4.
A ação da RCC através da música, à semelhança da música dos
evangélicos, tem como um dos objetivos alcançar a juventude, e isso
parece ter sido atingido em certa medida. Maués (2000) destacou, ao
descrever algumas das reuniões que esteve presente, a forte presença de
jovens nestes momentos, seja na equipe que promovia o evento, como
também entre os iniciados ou neófitos.
Intensificando-se ao longo do tempo, vemos um trânsito de
cantores de “louvor”, carismáticos e pentecostais, nos espaços dentro do
“espírito pentecostal” de maneira supradenominacional. A música tem
funcionado como lugar de diálogo e reconhecimento entre os diferentes
grupos religiosos cristãos, no entanto, isso se dá mais pela via
mercadológica, de consumo de produção musical religiosa, e não pela

4
Ao longo da vida conheci pessoas que eram seguidores do trabalho da banda
Rosa de Saron. Quando estava na escola, tinha uma amiga que era fã da banda,
principalmente do vocalista, tal qual uma fã de qualquer outra banda de rock. O
interesse não era pelo conteúdo religioso.
Em outro momento, uma colega evangélica, ao me sugerir “boas bandas de rock
evangélicas” citou a banda Rosa de Saron. Ela escutava as música sem saber
que eram carismáticos, e não esboçou reação quando soube. Essas duas
ocorrências podem dar indícios de que há elementos em comum entre a música
gospel evangélica e a carismática, como também, de que a circulação da música
religiosa transcende o âmbito denominacional e insititucional.
36

via institucional, dado que há sempre uma disputa por fiéis no campo
religioso.
No mês de Abril, na conferência em comemoração dos três anos
de sua igreja, o Cantor-Pastor5 Kléber Lucas convidou o Padre-Cantor
Fábio de Mello para estar entre os pregadores do evento. Tanto o Padre
quanto o pastor publicaram em suas redes sociais acerca do dia,
afirmando que foi momento de “estabelecer a comunhão” e que “Cristo
destruiu o muro” que havia entre católicos e evangélicos.
A música parece estar se consolidando como ferramenta
encurtadora de distâncias entre os evangélicos e os católicos – e porque
não de outras religiões também. Nos últimos anos, vimos a união de
músicos e cantores provenientes de diferentes vertentes do cristianismo
brasileiro, dentre estas uniões, destacamos o projeto Loop Sessions
Friends, que uniu em sua primeira versão Mauro Henrique – vocalista
do Oficina G3, importante banda de rock gospel, Guilherme Sá –
vocalista da banda de rock carismática Rosa de Saron e Leonardo
Gonçalves – cantor adventista. Os três realizaram em diversos lugares
pelo Brasil apresentações nas quais os três cantores dividiam no palco
suas respectivas canções e compartilhavam experiências com o público
através de bate-papo. No ano de 2017 Leonardo Gonçalves deu uma
pausa na carreira para um ano sabático, e foi substituído no projeto por
Eli Soares – cantor pentecostal mais orientado para a black music.
Recentemente, tivemos uma canção lançada pela cantora católica
carismática Adriana Arydes, com a participação do cantor evangélico
Eli Soares, do Padre-cantor Fábio de Melo e do pagodeiro secular
Thiaguinho. A música é como uma oração a Deus em favor do Brasil, e
a união de músicos – secular, católicos e evangélico na canção parece
querer simbolizar a união da nação em favor do Brasil. A música foi
lançada no canal do YouTube da cantora6 uma semana antes do início
da Copa do Mundo de 2018.

5
Mais à frente iremos abordar acerca dos Cantores-pastores no meio
evangélico.
6
ARYDES, Adriana. Adriana Arydes - Sara Brasil ft. Thiaguinho, Eli
Soares, Padre Fábio de Melo. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ODP2M0m7GNQ>. .A música chegou a
1.735.823 visualizações em cerca de três meses ( acesso no dia 08/09/2018).
37

4. EVANGÉLICOS

O perfil socioeconômico dos evangélicos diverge entre


evangélicos protestantes e evangélicos pentecostais, estes têm grande
parte se seus adeptos provenientes dos estratos mais vulneráveis da
população, enquanto os protestantes têm níveis de renda e escolaridade
maiores do que a média nacional. (MARIANO, 2013)
O pentecostalismo, portanto, continua se
expandindo nos estratos econômica e socialmente
mais vulneráveis da população, concentrando-se
nas periferias urbanas das capitais e das áreas
metropolitanas e nas fronteiras agrícolas das
regiões Norte e Centro-Oeste. Expande-se,
sobretudo, em territórios pobres e desassistidos,
onde, a partir de 1980, tornou-se epidêmica a
violência entre jovens do sexo masculino e
disseminaram-se gangues e facções armadas,
locais geralmente em que tanto a presença católica
quanto a dos poderes públicos é rarefeita.
(MARIANO, 2013, p. 125)
Comparado às décadas anteriores, há uma queda na expansão dos
evangélicos no Brasil, no entanto, o crescimento deste grupo ainda
apresenta números significativos. Segundo os dados do Censo de 2010,
de 2000 a 2010, os evangélicos foram de 26,2 para 42,3 milhões,
apresentando o acréscimo de 16 milhões de adeptos e um crescimento
de 61,4%, chegando à marca expressiva: 22,2% da população brasileira
declararam-se evangélica.
Os 42,3 milhões de evangélicos são apresentados em três
categorias: evangélicos de missão, pentecostais e evangélicos não
determinados. Os evangélicos de missão são 7,7 milhões e cresceram
apenas 10,8% no Censo de 2010, um número bem inferior aos 58,1%
apresentado na década anterior. Os pentecostais apresentaram uma
expansão de 44%, o que também é inferior ao crescimento apresentado
nas décadas anteriores, quando entre 1980 e 1991 aumentaram em
111,7% (sendo 8,8 milhões) e, na década seguinte, até o início dos anos
2000 cresceram 115,4 % (avançando para 17,7 milhões). (MARIANO,
2013, p. 124).
Já a categoria de evangélicos não determinados representa 9,2
milhões de evangélicos, expressou o valor significativo de compreender
21,8% de todo o contingente evangélico e 5% de toda a população
brasileira, e despertou as mais diversas interpretações de possíveis
causas para isso. Campos (2012), por exemplo, relaciona os evangélicos
38

não determinados à evolução da “igreja eletrônica” e ao crescimento dos


“desigrejados”.
Porém, há um crescente número de evangélicos
que não mais se adapta às estruturas burocráticas
(que exigem arrecadação de dízimos e ofertas) e
preferem limitar a frequência aos cultos a alguns
dias por ano, aumentando a prática do lazer, ou
até fazendo parte do que temos chamado de
“paróquia virtual”, praticando uma religiosidade
evangélica na rede mundial de computadores.
Como prova disso, aumenta o número de igrejas
que transmitem seus cultos pela internet,
chegando os pastores ao agradecimento pelas
visitas presenciais e invocando uma bênção
especial para os que acompanham o culto
virtualmente. Talvez esses evangélicos não
determinados sejam uma expressão dos
“desigrejados” que nos EUA ou Europa são
muitos, nestes tempos de individualismo e de
formação de um rebanho virtual. (CAMPOS,
2012, p. 59)
Houve ainda, entre 2000 e 2010, uma queda numérica em sete
igrejas evangélicas, à essa queda numérica é relacionado o crescimento
da categoria de evangélicos não determinados. A perda de números
significativos de fiéis era algo, até então, novo na história dos
evangélicos no país. São elas:
[...] a Congregação Cristã no Brasil passou de
2.489.079 para 2.289.634 adeptos (perda de 8%);
a Igreja Universal do Reino de Deus, de 2.101.884
para 1.873.243 adeptos (-10,8%); a Casa da
Bênção, de 128.680 para 125.550 (-2,4%); a
Igreja Evangélica Luterana, de 1.062.144 para
999.498 (-5,9%); a Igreja Evangélica
Congregacional, de 148.840 para 109.591 (-
26,4%); a Igreja Evangélica Presbiteriana, de
981.055 para 921.209 (- 6,1%). (MARIANO,
2013, p. 126)
Alguns questionamentos foram levantados sobre o aumento da
categoria dos evangélicos não determinados. Mariano (2013), por
exemplo, supõe que parte dos que foram classificados dentro da
categoria de evangélicos não determinados sejam pessoas que estejam
filiadas ou frequentem igrejas protestantes ou pentecostais, que por
algum motivo não declararam a instituição. Como um possível sinal
39

disso ele aponta as similaridades entre o perfil de escolaridade e renda


de evangélicos não determinados e de evangélicos de missão e
pentecostais. Contudo, ele admite que a categoria de evangélicos sem
vínculo institucional vem crescendo, e que tem a tendência de crescer
ainda mais.
Mariz (2013) salienta que do censo de 2000 para o censo de 2010
houve uma mudança7 na forma de nomear a mesma categoria, os
evangélicos que não destacavam a que igreja pertenciam eram
computados como sem vínculo institucional. A autora considera a nova
categoria: evangélico sem declaração de denominação como mais
precisa, pois, expressa melhor que tipo de evangélico o dado representa
– aqueles que “omitiram a sua pertença denominacional”. Mas a autora
nos alerta para algo importante: o motivo de tal omissão é algo que os
dados não apontam, e que, portanto, sobre eles não é possível afirmar
muita coisa, pois, sem novas questões e sem novas pesquisas não é
possível saber quem são os evangélicos que não declararam sua
denominação. Contudo, com a consciência deste problema, foram
formuladas diversas hipóteses na literatura acadêmica.
Como a pergunta era apenas qual sua “religião
e/ou culto”, pode se pensar que muitos preferiram
responder apenas a religião por economia de
tempo, por privacidade ou por tantos outros
motivos, e não necessariamente por não ter
nenhuma prática e denominação religiosa. Dessa
forma, entre esses podem estar muitos evangélicos
praticantes ligados a qualquer igreja, que não
vamos saber quais, e pode haver os sem igreja
também, mas não temos informações sobre isso
no censo. Portanto, não se pode supor que essa
categoria exclua evangélicos que têm
denominação. São assim categorias que se

7
Dentro da religião evangélica, no censo de 2000, havia a subcategoria sem
vínculo institucional que recebeu uma nova nomeação, a de evangélico sem
declaração de denominação. Segundo a autora, os técnicos e auditores do IBGE
“Chegaram à conclusão de que nomear essa subcategoria como sem vínculo
estava errado, pois em suas respostas os entrevistados, que aí estavam
contabilizados, tinham dito apenas que sua religião era evangélica e nada
mencionavam sobre ter ou não vínculo institucional, nem ter ou não
participação em alguma igreja. Como não foram perguntados a que igreja eles
pertenciam, podiam ter achado que não precisariam ou não deveriam informar a
sua denominação.” (MARIZ, 2013, p.47)
40

sobrepõem e não excludentes. (MARIZ, 2013,


p.48)
Isso nos leva a perceber que a resposta “sou evangélico” pode
responder muito bem à pergunta “qual sua religião e/ou culto? ”. Isso se
dá porque, no senso comum, a religião é evangélica, e, as diversas
igrejas são diferentes ramos de uma mesma religião, de uma mesma
identidade religiosa. Os estudos a esse respeito devem considerar que a
pergunta está bem respondida quando o respondente não fala a qual a
denominação pertence.
O se definir como evangélico não significa negar
o pertencimento a uma denominação, já que a
pergunta era apenas “qual sua religião e/ou
culto?”. O recenseador foi instruído para não
refrasear a questão, não dar mais esclarecimentos
e não solicitar mais detalhes ou informações
diante de qualquer resposta dos recenseados. Mas
será que todos fizeram isso mesmo? Será que os
dados foram afetados por alguma variação na
forma como os dados foram coletados? (MAFRA,
2013, p 42-43)
Conscientes das limitações8, os estudiosos da religião têm
especulado acerca dos diversos e possíveis razões responsáveis pelo
aumento de evangélicos não determinados. Mariano (2013) fala sobre a
“desvinculação destes religiosos de suas igrejas”, situação que faz com
que o crente mantenha a identidade, as crenças e as práticas religiosas
(ao menos em parte) externamente a qualquer instituição. Outras
possíveis razões são elencadas pelo autor:
Várias razões podem estar contribuindo para seu
avanço, entre as quais: a massiva difusão do
individualismo, responsável aqui e alhures pelo
paulatino desmanche dos coletivos sociais; a
busca de autonomia pessoal em relação a poderes
hierocráticos e à tentativa de imposição
institucional de moralidades tradicionalistas e de
costumes sectários; a avaliação, por um lado,
como sendo excessivos os custos de tais laços e

8
Ricardo Mariano (2013) e Cecília Mariz (2013) apoiam a proposta de Clara
Mafra (2013) de reivindicar aos dirigentes do IBGE o acréscimo de novas
questões no Censo referentes a religião, e também salientam como dificuldade o
fato do Censo não perguntar a que igreja o respondente pertence. A ausência da
pergunta impossibilitaria saber se os evangélicos não determinados possuem ou
não filiação institucional com alguma igreja.
41

compromissos religiosos, bem como, por outro


lado, a fragilidade de parte dos vínculos sociais e
religiosos formados em e por igrejas cujas
estratégias de recrutamento residem
prioritariamente no uso do tele-evangelismo e na
oferta de serviços mágicos para atrair as massas
[...]. Além disso, a banalização e o
recrudescimento do trânsito religioso nas últimas
décadas tendem a contribuir para fragilizar os
laços e os compromissos religiosos, já que
entreabrem a porta para novas defecções e para a
adoção de opções religiosas individualistas,
subjetivistas e idiossincráticas de tipo
instrumental ou self-service. (MARIANO, 2013,
p.129)
No meio evangélico tem crescido a utilização do termo nativo
“desigrejados”, que parece se relacionar com o afastamento de fiéis das
instituições religiosas e com uma nova forma de ser evangélico.
Diferente do “desviado”, o “desigrejado” não abandona a fé evangélica,
mas apenas a sua vinculação institucional. O desigrejado tem orgulho de
ser assim, pois, em muitos casos, acredita ser mais praticante dos
princípios cristãos do que um membro de uma igreja, sustentando o
discurso de que Deus não habita em templos feitos por mãos de
homens9, eles se opõem à religiosidade institucionalizada. Alguns até
permanecem se agrupando em casas para realizar reuniões, sem haver
líderes espirituais determinados. Entre os evangélicos, os desigrejados
representam uma imagem negativa por terem, tal qual os desviados,
abandonado a igreja-instituição. Contudo, a desaprovação se acentua
neste caso, pois, há um discurso contrário que disputa e confronta os
cristãos frequentadores de igrejas. Há outro aspecto curioso, muitas
vezes, as reuniões dos desigrejados podem, paradoxalmente, resultar no
surgimento de uma nova igreja, culminando em cisma na igreja de
origem.
A existência dos desigrejados relaciona-se diretamente com a
ideia e o método da chamada “igreja orgânica”, que tem se expandido

9
Baseados na referência bíblica de Atos 17:24, que diz: “O Deus que fez o
mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em
templos feitos por mãos de homens;” os desigrejados afirmam ser “mais
cristãos” que muitos que estão vinculados às instituições. Isso evidencia que os
desigrejados não abandonam a fé cristã, antes, se utilizando de textos bíblicos e
princípios norteadores do cristianismo, reorientam estes para uma nova prática
de fé cristã.
42

por todo o mundo, e, na qual, há uma nova forma de ser cristão


evangélico10. Reunindo-se em casas, a igreja orgânica se opõe à
institucionalização da religião, e pretendendo uma ativa participação de
todos os membros, nega a existência de um clero ou qualquer tipo de
divisão sacerdotal entre os seguidores. É uma nova forma de ser cristão
evangélico que tem entrado na disputa acirrada por fiéis no campo
religioso brasileiro.
Outra forma de ser evangélico que tem se fortalecido e
disseminado é o modelo de igreja em células. Neste tipo de instituição
parece haver um meio termo entre a igreja evangélica institucionalizada
e a igreja orgânica. A igreja em células se compõe de diversos pequenos
grupos (células11) que esporadicamente se reúnem num templo/salão
como igreja. Por exemplo, se a reunião em célula acontece uma vez na
semana, uma vez no mês todas as células pertencentes ao ministério irão
se reunir num grande salão, e, geralmente, a presença na célula é mais
incentivada e valorizada do que a frequência nas grandes reuniões. A
igreja em células se assemelha à orgânica por enfatizar as pequenas
reuniões nos lares, e por incentivar uma prática religiosa que tende a não
institucionalização (um frequentador de célula pode afirmar-se como
sem religião). Mas se diferencia dela por manter, e às vezes até
intensificar, a relação hierárquica das igrejas tradicionais. Isso porque o
modelo em células forma uma pirâmide na qual o frequentador de uma
célula é “liderado” pelo líder da célula, que está abaixo de um líder de
um grupo de células, que, por sua vez, é guiado pelo líder espiritual da
denominação.
Mas é importante fazer uma ressalva, o modelo de igreja em
células se diferencia do modelo de igreja com células. Muitas igrejas
tradicionais se utilizam da dinâmica das células na pretensão de
aumentar o número de fiéis, no entanto, continuam a enfatizar como
prioridade a frequência nos cultos e como liderança principal o pastor
líder da igreja. As reuniões em casa existem apenas para

10
Embora possa haver a negação de uma identidade evangélica, preferindo
apenas declararem-se como cristãos, a igreja orgânica parece ter surgido do
meio evangélico.
11
Os pequenos grupos que se reúnem semanalmente apresentam diversos
nomes nas diferentes igrejas, mantendo a mesma lógica. Entre os nomes estão:
célula, pequeno grupo, grupo familiar, grupo de comunhão, grupo de
crescimento, entre muitos outros.
43

complementar12 as reuniões da igreja. A utilização do sistema de células


apresenta-se como ambiguidade para as igrejas tradicionais, por um
lado, a possibilidade de aumentar o número de fiéis, por outro, a
intensificação da ocorrência de cismas, dado que o crescimento de uma
célula pode originar um novo ministério se o líder da mesma tiver algum
desentendimento com a liderança da igreja, ou por qualquer outro
motivo que o faça decidir separar-se, juntamente com seus liderados, da
denominação a qual pertencem.
Apesar da sub-categoria do Censo dos evangélicos não
determinados ter sido motivo de diversos debates recentemente, é outra
categoria de evangélicos que despertou o interesse da academia nos
últimos anos, o pentecostalismo brasileiro. Isso se deu em virtude do seu
rápido crescimento numérico e a expressiva expansão da influência de
aspectos da crença pentecostal, tem feito com que diversos autores
investiguem a respeito do chamado processo de pentecostalização de
outras religiões no Brasil.

4.1. PENTECOSTALISMO

O pentecostalismo brasileiro é diverso, mas as igrejas13 desta


corrente têm algo em
comum: a sua identidade está embasada na referência ao
Pentecostes14 e apresenta ligação ao movimento pentecostal que surgiu
nos Estados Unidos no início do século XX.

12
Nestas igrejas com células, muitas vezes as reuniões nos lares relembram a
pregação que foi realizada no culto principal da semana, geralmente domingo.
Ao relembrar o conteúdo, é possível que sejam feitos comentários referentes ao
assunto, mas a intenção nas igrejas com células é sempre incentivar que os
frequentadores da célula sejam também frequentadores dos cultos.
13
É cada vez mais comum, a coexistência de diversas teologias na mesma
igreja, dado o dinamismo no meio evangélico. Muitas das novas igrejas são
compostas por pessoas que eram de diversas outras igrejas – inclusive
“obreiros”, o grupo de liderança da igreja. Com uma liderança formada por
pastores provenientes de diferentes ministérios, com diferentes teologias, é
difícil manter coerência teológica de um pastor para o outro, ainda que na
mesma igreja.
14
Segundo a crença pentecostal, o evento do Pentecostes bíblico (Atos 2)
ocorreu em Jerusalém, quando os discípulos de Jesus receberam o batismo no
Espírito Santo, falaram em “novas línguas”, glossolalia, considerada como
línguas espirituais ou línguas “dos anjos”, e então foram pelo mundo pregar o
Evangelho. Os pentecostais acreditam na busca pelo “dom” de falar em novas
44

O pentecostalismo iniciado nos Estados Unidos, primeiramente


na pessoa de Charles Parham, que pregava que o falar em línguas
estranhas era a evidência do Batismo15 com o Espírito Santo16. Mas o
seu estopim veio através de William J. Seymour – negro, nascido como
escravo e aprendiz de Parham. Foi na “Missão de Fé Apostólica” de
Seymour na Azusa Street, em Los Angeles, onde aconteceu um
“avivamento” que atraiu cristãos de todos os EUA na busca por uma
“experiência com o Espírito Santo” (CAMPOS, 2005.) Este
“avivamento”, seria a retomada do evento do Pentecostes. Sendo assim,
o movimento pentecostal surgiu como um “voltar às raízes”, desta vez, o
polo irradiador do movimento se deu na a “American Jerusalém – Azuza
Street”, que exerceu influência na história do cristianismo em
proporções internacionais.
Em seus primórdios nos EUA, o pentecostalismo tinha como
característica o adventismo, a esperança pela iminente17 volta de Cristo.

línguas e chamam o momento em que esse dom é recebido de batismo no


Espírito Santo.
15
No pentecostalismo dois batismos são almejados pelos fiéis: um é de viés
institucional – o batismo nas águas, que atesta a confissão de fé publicamente.
O outro é de viés místico, espiritual – o batismo no Espírito Santo. O batismo
nas águas pode ser planejado, o do Espírito não. Isso faz com que não haja uma
ordem estabelecida entre os dois batismos, há aqueles que primeiro são
batizados nas águas, mas também há aqueles que são primeiros batizados no
“Espírito”. Em tempo, o Batismo no Espírito Santo tem significados diferentes
conforme a teologia da igreja.
16
É importante salientar que o Batismo no Espírito Santo tem significados
diferentes conforme a teologia da igreja evangélica. Há diversas igrejas
pentecostais hoje, que creem de forma diferenciada. Podem compreender que o
batismo com o Espírito Santo se dá quando a pessoa ouve o Evangelho e crê
nele, segundo Efésios 1:13. Essa concepção poderia ser influência da teologia
protestante e reformada. No caso destas igrejas pentecostais, o falar em línguas,
muito buscado, é considerado um dom do Espírito que serve apenas para a
edificação individual daquele que fala. Em outras igrejas, a glossolalia pode ser
considerada a própria evidência de que a pessoa é “salva” e “cheia do poder de
Deus”. Há ainda a crença da possibilidade de uma pessoa passar por uma
experiência de glossolalia sem ter sido efetivamente batizada no Espírito Santo.
Neste caso, a glossolalia é considerada como um “sinal” episódico do “poder de
Deus” e não um dom concedido.
17
Em algumas igrejas, como a Assembleia de Deus, sempre foi muito comum
este discurso. E isso é explícito em muitas canções, de teor apocalíptico,
cantadas por cantores e membros da AD durante os cultos. Por exemplo: “O Rei
está voltando”; “Quando a angelical trombeta neste mundo estrugir, O meu
45

Neste sentido, o “avivamento” e o dom de falar em línguas seriam sinais


de confirmação deste fim prestes a se concretizar. A glossolalia não é
um fenômeno originário do movimento pentecostal, no entanto, o papel
de centralidade litúrgica e teológica configurou algo inovador no
protestantismo. Uma das formas de expansão do pentecostalismo foi por
meio do movimento holiness e através de missionários americanos, que
se pentecostalizaram, e foram atuar em diversos países. (FRESTON,
1994, p. 74-75.)
Outro caminho que o pentecostalismo percorreu foi via
imigrantes europeus que estavam no Estados Unidos, mas mantinham
contato com o país de origem. Após terem experiências com o
pentecostalismo nos Estados Unidos, saíram pelo mundo como
missionários para espalhar as “boas novas”, à semelhança do que
ocorreu após o evento bíblico do Pentecostes. Foi por esta via que
chegou ao Brasil o pentecostalismo. (CAMPOS, 2005)
Há diversas classificações18 na sociologia da religião que tentam
facilitar o entendimento do pentecostalismo brasileiro. Freston (1994),
divide em três momentos seguindo uma lógica temporal da implantação
de igrejas, denominando entes momentos como três ondas.
A primeira onda do pentecostalismo brasileiro compreende as
primeiras igrejas pentecostais no Brasil, nomeadamente, a Igreja
Congregação Cristã do Brasil, que teve início em 1910 e a Igreja
Evangélica Assembleia de Deus, iniciada no Brasil em 1911. A década
de 1920 foi justamente o período no qual ocorreu a origem e expansão
mundial do pentecostalismo. Em suas histórias, ambas igrejas tiveram a
atuação de missionários estrangeiros19 como fundadores e líderes

nome ouvirei Jesus chamar”; “Glória! Glória! Aleluia! Vencendo vem Jesus!”,
entre outros. Atualmente, o tema ainda é abordado nas canções gospel, mas de
forma mais esporádica.
18
É importante salientarmos que, em relação à música, as classificações tornam-
se paralelas. Porque a música evangélica não é restrita ao local e teologia na
qual foi produzida, é possível encontrarmos uma canção de uma banda
pentecostal sendo tocada em uma reunião reformada, como é possível que um
cantor reformado seja o artista favorito de um crente pentecostal.
19
Na Assembleia de Deus houve, nas primeiras décadas da igreja, a liderança e
influência da missão sueca, através dos missionários e fundadores da AD:
Daniel Berg e Gunnar Vingren; na Congregação Cristã a influência veio da
Itália, na pessoa de Luigi Francescon – fundador da igreja. É interessante
ressaltar que as duas igrejas resultaram de europeus que passaram por Chicago,
EUA, onde tiveram como influência o Pastor William H. Durham, um dos
46

iniciais, e durante seus primeiros 40 anos de existência as duas igrejas


tiveram a supremacia no campo pentecostal brasileiro. (FRESTON,
1994, p. 70-71.)
Quando chegou ao Brasil, o pentecostalismo mundial estava em
seu início. Os missionários que vieram não tinham muitos recursos –
missionários de one way ticket20, não eram especificamente enviados
por denominações para estabelecimento institucional, estavam mais
interessados em anunciar as boas novas antes do advento do fim. Nesse
sentido, os primórdios do pentecostalismo no Brasil não estabeleceram a
relação de dependência que caracterizou as igrejas históricas. Porém,
isso não significa que as influências estrangeiras não foram parte da
constituição das igrejas pentecostais brasileiras (FRESTON, 1994)
Segundo Mariano, “desde o início estas igrejas caracterizam-se
pelo anticatolicismo, pela ênfase no dom de línguas e por radical
sectarismo e ascetismo de rejeição do mundo” (MARIANO, 1996, p.
25). Considerando as influências estrangeiras e a importância da música
nas igrejas pentecostais, questionamos de que forma este conjunto de
características influenciou na configuração da música destas igrejas da
primeira onda? Houve resistências na aceitação de determinados
instrumentos ou gêneros musicais considerado mundanos? Quais seriam
eles? Houve sectarismo explícito nas letras das músicas? E a glossolalia,
também entrou na produção musical destas igrejas?
Para Freston, a Segunda onda do Pentecostalismo brasileiro é
representada pelas novas igrejas que surgiram nas décadas de 1950 e
1960. Como exemplares da Segunda Onda, Freston destacou a Igreja do
Evangelho Quadrangular, a igreja O Brasil para Cristo e a Igreja Deus é
Amor que são caracterizadas pelas novas técnicas e formas de
organização.
“Rolim diz que os ramos pentecostais mais
antigos se aburguesavam, e os grupos novos iam
em direção às camadas mais baixas (1985:84).
Mas não é só isso. É questão de estilo cultural. Os
grupos novos tinham a liberdade de adaptar-se à
nova sociedade urbana, porque não carregavam
mais de 40 anos de tradição. Puderam inovar com
técnicas mais modernas e uma nova relação com a
sociedade.” (FRESTON, 1994, p.110)

líderes do pentecostalismo americano e influenciado diretamente por William .J.


Seymour – pastor da igreja na Rua Azusa.
20
Estes missionários vinham apenas com a passagem de vinda.
47

A Igreja do Evangelho Quadrangular se estruturou oficialmente


no Brasil em 1955, e no início, tinha a forte característica de
“importadora de técnicas religiosas mais adequadas à nova sociedade de
massas”, trazendo do exterior todo tipo de novidade que pudesse ser
mais eficiente para o proselitismo. Depois, conforme as técnicas foram
aprendidas, houve a adaptação ou substituição por técnicas nacionais.
Dentre as técnicas inovadoras estavam novas formas de comunicação,
inovou na ocupação de locais “seculares” e públicos, através de tendas
trazendo a cura divina para fora das paredes do templo, assim como,
uma mudança na abordagem evangelística, não mais focada no inferno
ou na crítica aos costumes dos não crentes, mas agora redirecionada
para uma centralidade nas necessidades das pessoas por cura física e
psicológica. (FRESTON, 1994).
A Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo surgiu em
solo nacional, por um fundador brasileiro, Manoel de Mello, ex-membro
da Igreja do Evangelho Quadrangular, e que segundo Freston: “foi o
abrasileiramento da tradição pentecostal de igrejas fundadas por
operários.” (FRESTON, 1994, p. 117). A Igreja O Brasil Para Cristo
começou em 1956 e inovou ao ser a primeira igreja evangélica ao eleger
seus próprios políticos, ao relacionar-se com entidades ecumênicas e ao
ocupar espaços seculares considerados profanos pelos evangélicos,
como estádios de futebol, ginásios e cinemas. A ocupação de estádios
pela igreja aconteceu, inclusive, no mesmo ano em que o Brasil venceu
pela primeira vez a Copa do Mundo de Futebol, 1958:
Já em 1958, enchia o Pacaembu em feriado
nacionais, com a presença de autoridades civis e
bandas do Exército. Nessas “Tardes da Bênçãos”,
os paralíticos ficavam no gramado aguardando a
oração da fé. Essa relação com o secular era
novidade no pentecostalismo brasileiro. A
mentalidade sectária se escandalizava com a
mistura do sagrado e do profano; esses locais
eram a síntese da sociedade corrompida. A
ocupação do espaço público para fins religiosos
era coisa da Igreja Católica, com sua famigerada
aliança com os poderes temporais. Para a seita, o
espaço público era lugar de perigo.” (FRESTON,
1994, p. 119-120)
A utilização de estádios de futebol como lugar para reuniões,
provavelmente, causava escândalo entre as igrejas mais tradicionais,
pois, durante muitos anos a bola de futebol era chamada de a “cabeça de
satanás”, a prática de esportes proibida e futebol era considerado
48

pecado. Contudo, é possível que a ocupação de um local como estádio


de futebol, palco de uma paixão popular nacional, guardasse relação
com a ideia representativa de o evangelho “ganhar o Brasil”, justamente,
conquistando o povo. Um estádio de futebol, ocupado por evangélicos,
seria uma propaganda que passaria a mensagem de que “O Brasil é de
Cristo”. É interessante o fato de uma igreja de cunho nacionalista
escolher atuar em estádios, já que, o futebol exerceu influencia na
formação da identidade cultural brasileira.
Para muitos o auge da Igreja O Brasil para Cristo foi a década de
1960, isso por causa da fragilidade estrutural da igreja, que se formou
entorno da liderança carismática de Manoel de Mello e teve dificuldades
de manter o sucesso nas décadas seguintes. Mas não há dúvidas da
influência desta denominação em todo o cenário evangélico brasileiro,
principalmente, por causa dos eventos realizados em grandes espaços
públicos. Atualmente, é corriqueiro a realização de diversos eventos
evangélicos ao ar livre, normalmente sempre envolvendo festivais de
bandas e cantores gospel. Estes eventos atuais teriam tido, entre outras,
a influência das reuniões externas da Igreja O Brasil para Cristo? As
reuniões realizadas por Manoel de Mello apresentavam inovações no
âmbito musical também? O cunho nacionalista da denominação se
manifestou na produção musical da época?
As igrejas da Terceira onda são aquelas também denominadas
como neopentecostais, igrejas que surgiram a partir da década de 1970,
com forte influência da Teologia da Prosperidade, que defende a ideia
de que os cristãos devem usufruir das “bênçãos” terrenas e monetárias, e
da Teologia da Guerra ou Batalha Espiritual, que implica na crença de
uma constante guerra contra o Diabo. A vertente neopentecostal
promoveu a liberação dos tradicionais usos e costumes do
pentecostalismo, enfatizou a oferta de soluções mágico-religiosas,
organizou a gestão denominacional em moldes empresariais, ingressou
na vida política, investiu na mídia, com o arrendamento de emissoras de
rádio e de TV, e na música gospel, propulsionou o crescimento da
chamada indústria gospel.
A vertente neopentecostal liderou, portanto,
diversas mudanças e inovações teológicas,
estéticas, litúrgicas e comportamentais no
pentecostalismo. Não obstante seu sectarismo no
plano religioso, cujo destaque recai sobre sua
demonização dos cultos afro-brasileiros, ela
contribuiu fortemente para acomodar o
pentecostalismo à sociedade brasileira. Colaborou,
49

por exemplo, para abrir espaço ao surgimento e


incorporação de artistas, modelos, surfistas,
jogadores de futebol, políticos, rappers, roqueiros,
atletas de Cristo, bandas gospel e até para a
formação de blocos evangélicos carnavalescos: a
folia de Cristo.
Desde então, tornou-se possível ser
pentecostal e modelo; ser pentecostal e roqueiro,
etc. Tal conjunção identitária, que até há pouco
era inadmissível e radicalmente incompatível com
sua moralidade, com seus usos e costumes e com
seu ascetismo, tornou-se repentinamente aceitável.
Sinal de que essa religião, ao se transformar,
vai paulatinamente deixando de ser um retrato
negativo da cultura brasileira. Demonstração de
que suas fronteiras identitárias, tanto no plano
moral como no comportamental, tornaram-se mais
diluídas, porosas, flexíveis e mais difíceis de
distinguir. (MARIANO, 2012, p.9) [Grifo nosso]
Como representantes do neopentecostalismo, Freston destacou a
Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de
Deus. O crescimento excepcional destas igrejas despertou os mais
diversos olhares, e entre as principais críticas estão: a relação que se
estabelece entre o fiel e a igreja (ou Deus, segundo a crença) através do
dinheiro dos dízimos; e a intensificação de uma postura de intolerância
religiosa, principalmente em relação às religiões afro-brasileiras.
A classificação de Freston termina na Terceira Onda, mas como
esse campo é muito dinâmico, surgindo novas igrejas frequentemente,
entende-se que o campo pentecostal brasileiro está em um novo
momento, talvez, uma nova onda. São poucos os estudos que
demonstram a respeito das igrejas que surgiram nas décadas de 1990 e
nos anos 2000, qual seria o perfil das novas igrejas, influenciadas pelo
neopentecostalismo? Como seria a relação destas novas igrejas
pentecostais com a música, depois do boom da música gospel, no
contexto em que não há mais gênero musical secular que não tenha já o
seu similar em versão gospel?

4.2. EVANGÉLICOS E A MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA

Magali do Nascimento Cunha (2004) referenciou algumas


pesquisas que abordaram as possíveis raízes religiosas na cultura
brasileira, elencando possíveis aspectos coincidentes e resultantes da
50

experiência religiosa indígena, africana e europeia. A autora cita os


conceitos de “Matriz simbólica de uso comum”, desenvolvido por
Carlos Rodrigues Brandão; de “Elementos básicos da religião popular”,
proposto por Rubem César Fernandes; de “Religiosidade mínima
brasileira”, criado por André Droogers e o conceito de “Matriz religiosa
brasileira”, de José Bittencourt Filho. Magali aponta para a existência de
uma noção comum entre esses conceitos: a da existência de uma
“cosmovisão que alimenta um sistema de crenças e valores religiosos,
que perpassam horizontalmente as diversas expressões religiosas
brasileiras”. (CUNHA, 2004, p. 63). E as principais crenças seriam:
 Compreensão de Deus: Deus é um Deus que
ajuda, abençoa, ilumina, companha, protege.
Por isso, Deus é objeto de petições e
desejos, capaz dos impossíveis. É um Deus
prático. Mas nem sempre sua vontade
coincide com a do fiel, que deve aceitar, sem
reclamar, o que lhe acontece. Muitas vezes
acontecimentos desagradáveis são
interpretados como castigo de Deus, que é
capaz de perdoar e curar, dependendo do
cumprimento de deveres e obrigações.
 Compreensão da relação com Deus: ela é
direta, não necessita intermediações, daí o
próprio clero ser dispensável. Deus é amigo,
é próximo. Surge com isso uma aversão ao
rito e um apego ao culto sem obrigações
nem rigor, intimista e familiar.
 Compreensão da oposição divindades
positivas vs. negativas: Deus é soberano,
portanto, o Diabo não deve ser levado a
sério – daí zombaria com ele, que se torna
até motivo de fantasia do Carnaval. Essa
atitude pode esconder, no entanto, um
verdadeiro medo do Diabo. Isso explica o
fato de nas religiões concretas o Diabo
ocupar lugar destacado, muitas vezes acima
de Deus.
 Compreensão de fé: pensamento positivo ou
otimismo, segurança, confiança. Quem passa
por problemas, quem quer vencer na vida,
tem que ter fé.
51

 Relação com as instituições religiosas:


desapego – tendência ao trânsito religioso. O
que importa é sentir-se bem em um ambiente
religioso. “A vida íntima do brasileiro nem é
bastante coesa, nem bastante disciplinada,
para envolver-se consciente, no conjunto
social. Ele é livre, pois, para se abandonar a
todo o repertório de idéias, gestos e formas
que encontre em seu caminho, assimilando-
os freqüentemente sem maiores
dificuldades” (CUNHA, 2004, p. 63-64.)
As relações dos protestantes e pentecostais com essa “matriz
religiosa brasileira”, ao que parece, no início se deu de forma similar
entre si, contudo, divergiu da postura Católica. No Catolicismo houve
uma acomodação dessa matriz religiosa brasileira, e, habituando-se aos
sincretismos, foram considerados católicos todos aqueles que haviam
sido alcançados pela pregação e pelos sacramentos da igreja Católica
(batismo, crisma, eucaristia, matrimônio, entre outros).
[...] com o protestantismo foi diferente: a marca
foi a rejeição. Ao chegarem ao Brasil, as missões
protestantes históricas (congregacionais,
presbiterianas, metodistas, batistas e episcopais)
desqualificaram as expressões religiosas nativas
bem como as diversas manifestações culturais
nacionais, ambas estreitamente vinculadas, e
interpretadas como atraso e paganismo. A
pregação apresentava o protestantismo como
única e verdadeira religião, e a postura de negação
das manifestações culturais autóctones
apresentava as práticas e costumes anglo-saxões
como os verdadeiros valores culturais. O
pentecostalismo, implantado no início do século
XX, adotou a mesma postura.( CUNHA, 2004, p.
65)
Esta postura parece ser o cerne da rejeição e resistência que ainda
hoje muitos evangélicos tem em relação aos elementos culturais
brasileiros, como por exemplo, os ritmos musicais e as danças
brasileiras. Entre os protestantes e pentecostais havia também uma
postura anti-católica, que significava não somente uma rejeição e
condenação ao catolicismo em si, mas também aos aspectos desta matriz
religiosa brasileira que se misturavam ao catolicismo. Ou seja, ocorria
uma reprovação do sincretismo presente no catolicismo popular.
52

No entanto, se o sincretismo no início havia sido rejeitado, com o


passar do tempo parece ter sido assimilado no meio evangélico também,
todavia, de forma diferente do que ocorrera no catolicismo. A ideia de
“religião verdadeira”, de tudo ou nada (ou se é evangélico e de Deus, ou
se é do mundo e do Diabo) não foi abandonada e ainda é marcante no
meio pentecostal, muitas igrejas alegam que só há salvação para aqueles
que são adeptos e frequentadores de sua igreja. Como se manifestaria,
então, o sincretismo no meio pentecostal?
No pentecostalismo acontece um processo que pode ser chamado
de antropofagia das religiões contrárias, uma sacralização de expressões
religiosas e culturais que antes eram consideradas malignas.
Para os pentecostais o mal é personificado na figura do Diabo,
um ser espiritual que seria a fonte de todo o mal, comandante de
diversos outros seres – os demônios. O Diabo teria força superior aos
seres humanos, e força inferior só a Deus, podendo agir neste mundo e
sobre a vida das pessoas. Por terem sua origem no protestantismo, os
pentecostais também rejeitam a invocação de santos e de mortos, sendo
assim, há uma redução na quantidade de seres sobrenaturais, quando
comparado à religiosidade brasileira popular. Existiriam apenas dois
seres sobrenaturais que poderiam agir sobre a vida humana: de um lado
Deus Pai-Filho-Espírito Santo e seus anjos21, do outro, o Diabo e seus
demônios (MARIZ, 1997).
Isto não significa que o sobrenatural esteja menos
presente no cotidiano pentecostal. Para
compensar, tanto Deus como o diabo são bastante
ativos. Ambos podem estar tão próximos das
pessoas que, por vezes, tomam o seu corpo e
agem em seu lugar. Tanto um fiel pode receber o
Espírito Santo como um pecador pode ser
possuído pelo diabo. Tanto é o diabo que causa as
doenças, conflitos, desempregos, alcoolismo, leva
ao roubo ou a qualquer crime, como são Jesus e o
Espírito Santo que curam, acalmam, dão saúde,
dão prosperidade material e libertam do vício e do
pecado. Nesta visão se nega, por um lado, a ação

21
O enfoque em anjos ou demônios é muito variável de igreja para igreja.
Existem igrejas que tem uma ênfase maior, houve igrejas que sempre em seus
cultos mantinham cadeiras vazias, e que não podem ser ocupadas por pessoas,
por estarem reservadas para os anjos. Quanto aos demônios, vemos igrejas que
tem os rituais de exorcismos já como parte da programação da igreja através dos
chamados cultos de libertação.
53

dos seres espirituais, por outro, a responsabilidade


humana e, consequentemente, as origens
históricas do mal e do bem. (MARIZ, 1997, p. 27)
Comparando à religiosidade tradicional brasileira, Mariz (1997)
parece apontar para uma continuidade e uma ruptura na crença dos
pentecostais referente à figura do demônio. Continuidade porque a
noção de demônio, um ser maligno que atua na vida das pessoas, se faz
presente na religiosidade popular, não sendo uma inovação do
pentecostalismo. Contudo se apresenta como ruptura, na medida em
que, no pentecostalismo, esta figura assume um lugar central:
No catolicismo popular, o poder do demônio e sua
malignidade são ofuscados por uma miríade de
santos e espíritos, sejam esses orixás ou mortos
que retornaram a este mundo, pela possibilidade
de feitiços, de “olho grande” e outras formas de
“malinezas”, com bem explicado por Heraldo
Maués (1997). Tanto no catolicismo popular
como nas religiões afro-brasileiras, o mal tem
origens diversas. O demônio não é a única fonte
do mal, nem corporifica o mal absoluto. É, neste
universo religioso, uma figura pouco lembrada e
distante, talvez tão distante como o próprio Deus
Pai. O pentecostalismo inova aqui, trazendo
uma relação pessoal e de proximidade tanto
com Deus, como com o diabo. (MARIZ, 1997, p.
49) [grifo nosso]
Esta relação de proximidade com esses dois seres sobrenaturais
fica explícita no discurso pentecostal, expresso em pregações e músicas
que contam da busca por um relacionamento entre crente e o Espírito
Santo, assim como, dos exorcismos e libertações, do “amarrar”22 o
demônio, as ações relacionadas às batalhas espirituais que Deus e o
Diabo estariam fazendo constantemente pela vida do crente.
Desta forma, a conversão ao pentecostalismo significaria uma
redefinição da concepção acerca do sobrenatural, agora personificado na
figura de Deus – representando o bem, e no Diabo – representando o

22
“A categoria amarrar indica, antes de tudo, o tipo de relação que a pessoa
detém com estes seres. Com efeito, a ideia de amarrar quer dizer manter presos
os seres que tentam habitar o corpo da pessoa. Não se trata de destruir os
espíritos malignos nem mesmo afastá-los, distanciá-los de si. Estes, exercendo a
autonomia que possuem, estarão sempre por perto. A solução é, pois, mantê-los
amarrados[...]” (BIRMAM, 1997, p. 76). Neste texto, a autora fala a respeito do
mal no discurso neopentecostal, e das categorias nativas amarrar e manifestar.
54

mal, assim como uma nova concepção de corpo humano, como algo a
ser disputado pelo bem e pelo mal. Esta religiosidade que define o
sobrenatural de forma marcadamente dicotômica leva ao pensamento de
que “o que não é de Deus, é do Diabo”. Ao longo dos anos, os
pentecostais têm levantado este tipo de acusação contra diversos grupos
religiosos, considerando-os como algo demoníaco ou diabólico.
Esta postura demonizadora de outras religiões parece existir
desde o povo hebreu, e está expressa em diversas passagens do Antigo
Testamento, textos muito valorizados pelos pentecostais. No caso dos
pentecostais brasileiros, a demonização das religiões contrárias
inicialmente tinha foco sobre o catolicismo, e, nas últimas décadas, o
foco tem se direcionado para as religiões mediúnicas, como as religiões
afro-brasileiras e o espiritismo. Mariz (1997) aponta para os estudos
sobre pentecostalismo realizado em outros países e salienta que este tipo
de acusação contra estas religiões não é particularidade do contexto
brasileiro, pois é parte da teologia pentecostal também em outros países.
No mundo pentecostal, espíritos e orixás
continuam a existir, mas são demônios. O
pentecostalismo assim atribui ao demônio um
papel de maior destaque, identificando-o com uma
grande variedade de espíritos e definindo a sua
vontade e o seu único objetivo de destruir o
homem, afastando- o de Deus. Converter, aqui,
consiste em redefinir o demônio ou descobrir um
novo demônio ativo em áreas antes não
percebidas como demoníacas.” (MARIZ, 1997, p.
49)
Na medida em que o Diabo ocupa um lugar importante no meio
do pentecostalismo, sendo o principal “inimigo” a ser combatido,
expulso, vencido; e em que os deuses, espíritos e entidades das outras
religiões são considerados como do demônio, a antropofagia das
religiões contrárias pelo pentecostalismo, ocorre através da “presença”
destes seres nos cultos pentecostais, não sendo adorados ou venerados,
mas combatidos, ridicularizados, “amarrados” quando “manifestados23”.

23
“A ideia de manifestar é empregada em relação a um contexto específico, e
refere-se ao ritual de possessão feito na igreja e que antecede ao ato ritual do
exorcismo. [...] Manifestar é, pois, uma apresentação do espírito no espaço da
igreja. Esta forma de possessão possui, portanto, um sentido peculiar. O espírito
é suposto estar dentro da pessoa no sentido de estar escondido, de prender-se
indevidamente a esta sem que haja qualquer intencionalidade, por parte de quem
o guarda, no sentido de mantê-lo. ” (BIRMAN, 1997, p. 73).
55

Em algumas igrejas pentecostais, há até uma espécie de


“entrevista com o demônio”, na qual, depois do demônio se manifestar
pela palavra de “autoridade” do pastor, este começa a inquerir o espírito
a respeito do que ele tem feito na vida do hospedeiro. Neste momento, a
fala do demônio, a figura maligna, é justamente a que dá o sentido do
sofrimento (BIRMAN, 1997), explicando as razões de diversas
situações pelas quais a pessoa está passando:
O momento desta fala é, também, em
consequência, o momento de explicitar este
desequilíbrio entre os poderes do Mal e aqueles do
Bem. Neste momento, por isso mesmo, as forças
do mal se dobram ao bem e, ao assim fazer,
mesmo contra as suas vontades, são colocadas a
Seu serviço. O diabo é chamado a colaborar com
Deus, a dobrar-se contra a sua vontade e a
submeter-se a seu desejo. Uma forma de
colaboração do diabo, através da fala, se faz pelos
avisos que dá às pessoas. Antecipa o futuro,
explica os acontecimentos e, deste modo, fornece
simultaneamente aos fiéis da igreja os meios de
dar sentido aos eventos e de agir sobre estes.
(BIRMAN, 1997, p. 75)
Neste sentido, o mal para os pentecostais não deve só ser evitado
ou combatido, mas encarado, pois, a partir dele é que há uma construção
de sentido da vida. Vemos então que há no pentecostalismo uma
incorporação de elementos de outras religiões, através de uma forma
própria de sincretismo.
O mal no pentecostalismo se aplica não somente à demonização
das religiões contrárias, mas também à demonização de elementos
culturais diversos. Durante muito tempo, houve no meio pentecostal
brasileiro a demonização de festas populares, dos esportes, de produtos,
de danças e de gêneros musicais. Contudo é interessante como, no
pentecostalismo, coisas que antes eram profanas podem se tornar, ao
longo do tempo, lícitas para o cristão evangélico através de um processo
de sacralização do profano. Dentre as muitas coisas que antes eram
consideradas “diabólicas” e proibidas, mas que posteriormente foram
“liberadas” entre alguns evangélicos estão: a televisão, a rádio, o
futebol, as sandálias do tipo “havaianas”, a capoeira, a guitarra elétrica,
a bateria – assim como, qualquer outro instrumento de percussão.
Hoje, vemos canais de TV e emissoras de rádios arrendados por
igrejas; jogadores de futebol evangélicos com camisas e faixas escritas o
nome de Jesus e instituições como os “Atletas de Cristo”. Nos cultos
56

evangélicos é recorrente o formato de banda ou conjunto jovem, com


bateria, guitarra elétrica, baixo e teclado. Recentemente, uma
reportagem da BBC Brasil24 abordou o tema da tensão entre evangélicos
e movimento negro, envolvendo a Capoeira Gospel e a acusação de
apropriação cultural. E crescem cada vez mais o número de bandas ou
cantores evangélicos que trabalham com gêneros musicais brasileiros.
Nestes, e em tantos outros exemplos, podemos ver que há uma
tendência, no meio evangélico, a incorporar alguns elementos culturais a
partir de um processo de recriação de conceitos, que torna sacro aquilo
que era conceituado como profano.

24
BBC BRASIL. 'Capoeira gospel' cresce e gera tensão entre evangélicos e
movimento negro. Publicado em: 14 de outubro de 2017. Disponível em:
<http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41572349>. Acesso em: 25/09/2018.
57

5. MÚSICA EVANGÉLICA

O crescimento do número de evangélicos no Brasil tem se


apresentado como um fenômeno complexo e diversificado, e juntamente
com a expansão, este subcampo religioso brasileiro tem passado por
muitas transformações concernentes ao modo de ser evangélico e de se
relacionar com a sociedade e cultura brasileira.
Jungblut (2007) enumerou diversos fatores motivadores das
transformações pelas quais as instituições e evangélicos passaram nas
últimas décadas, entre eles, o crescimento das igrejas que teria causado a
dificuldade na imposição de regras de comportamento restritivas a um
número maior de pessoas; a entrada de setores da classe média, que
seriam menos habituados e mais resistentes a uma conduta puritana e
rigorista; as inovações proselitistas e a ocupação de novos setores, como
a mídia e a política, teriam gerado a necessidade de acomodação às
lógicas internas destes ambientes; a utilização da lógica do marketing,
que levaria a igreja a adaptar-se às demandas dos fiéis e novos
convertidos. Segundo o autor, os evangélicos:
[...] vêm se tornando cada vez mais indistintos da
cultura e sociedade envolventes. Pode-se dizer até
mesmo que, em diversos casos, vigora como que
uma inusitada, e aparentemente paradoxal,
fascinação de muitos evangélicos pela
mundanidade que os envolve. Fascinação que se
expressa por certa avidez em se apropriar de tudo
aquilo que, produzido para finalidades mundanas
ou não-religiosas, mostra-se simbólica e
esteticamente sedutor, mobilizador de atenções,
consumível em grande escala, racionalizador de
esforços. Mídia, marketing, computação, internet,
artes visuais, moda, estética moderna, músicas
profanas, estilos e comportamentos de
vanguarda, rapidamente são incorporados,
ressemantizados ou instrumentalizados individual
e institucionalmente por crentes e grupos de todas
as vertentes evangélicas para incrementar a
pregação e divulgação do Evangelho.
(JUNGBLUT, 2007, p. 144-145) [grifo nosso]
No entanto, analisar estas transformações no meio evangélico
como motivadas apenas pelo forte proselitismo conversionista destes
religiosos é, talvez, fazer uma apreciação simplista do fenômeno.
Muitos são os teóricos que afirmam que as mudanças em igrejas
58

evangélicas se deram apenas por motivos evangelizadores, a fim de se


alcançar novos adeptos, entretanto:
Fatores como, por exemplo, a natural influência
destradicionalizante das novas gerações que se
sucedem no interior das igrejas tradicionais, as
transformações decorrentes de influências
teológicas alóctones, a inevitável modernização
que as instituições evangélicas sofrem por
navegarem num mundo historicamente muito
dinâmico, etc., ajudam a engrossar o caldo de uma
desconcertante complexidade de fatores, difícil de
ser apreendida através de esquemas causais
heuristicamente econômicos. Também adiciona
complexidade a este quadro o fato de que vários
grupos evangélicos seguem em rota diferente, ou
seja, constroem seu capital simbólico na recusa à
destradicionalização envolvente, preferindo, pelo
contrário, manter distância da sedutora
mundanidade. (JUNGBLUT, 2007, p. 145) [ grifo
nosso]
Somamos a estes elementos o fato de que, ao mesmo tempo em
que algumas igrejas evangélicas intencionaram mudar para crescer, elas
mudaram porque cresceram – a entrada de novos convertidos, ainda não
amoldados ao padrão da igreja, podem gerar diversas transformações na
liturgia25. Crescimento e transformação parecem configurar uma rotina
cíclica no meio evangélico.
O crescimento e surgimento de novas igrejas, com propostas
inovadoras, ocasiona sempre a disputa por fiéis, assim como, grande
resistência por parte daqueles que são mais tradicionais. Desta forma,
sempre que surge uma “nova onda” no meio evangélico, é despertado de
todas as partes diversas opiniões e posições, que geram recorrentes
debates acalorados, repletos de “polêmicas”, a respeito do sagrado e do
profano, ao que é permitido e ao que é proibido a um “verdadeiro cristão
evangélico”. Dentre todos os temas possíveis, um que frequentemente
tem sido motivo de discussão e reflexão nos debates entre evangélicos é
a música.
A música é algo importante dentro do culto evangélico brasileiro,
ocupando em alguns casos, mais tempo na reunião do que a própria

25
O Jesus Movement nos Estados Unidos é um exemplo de como a inserção de
novos convertidos, já ligados a uma outra cultura (cultura hippie) puderam
ocasionar transformações internas nas igrejas evangélicas americanas.
(CUNHA, 2004)
59

pregação. Quando se fala de pentecostalismo, a música transcende o


momento do “louvor26” no culto, estando presente durante a pregação,
durante as ofertas e dízimos, orações, no início e fim das reuniões, como
música ambiente. Ou melhor, a música é algo que “cria” o ambiente
“espiritual” – ou “espiritualiza” o ambiente natural. Porque a música
apresenta-se como parte importante no ritual pentecostal, sendo através
e durante os momentos musicais que ocorrem mais intensamente as
manifestações ligadas a estados alterados de consciência como êxtase,
glossolalia, o transe, a possessão, o “bailar e repousar no Espírito”27, as
profecias e visões. Isso acontece devido à crença que a música tem o
potencial de atrair a presença e as manifestações do Espírito Santo.
Neste sentido a música é formativa. Configurando-se como ritual,
ela modifica o homem, forma a identidade cristã evangélica no fiel.
Pois, se reveste de autoridade persuasiva e fortalece no crente as
concepções religiosas, estabelecendo disposições e motivações, e
tornando “real” para o fiel o que a religião evangélica afirma ser real.
Esta importância da música muitas vezes transcende o próprio
culto público. No cristianismo há uma defesa da necessidade de prática
de oração solitária; em casa, em um quarto, “a sós com Deus”.
Atualmente, no meio evangélico, tem se formado uma cultura, uma nova
prática difundida principalmente entre os jovens: a utilização da música
nestes momentos de solitude. A tecnologia tem auxiliado neste sentido;
através da internet, dos smartphones, tornando possível para essas
pessoas a pratica de suas orações com a “ajuda” daquele cantor que é
considerado um exemplo de vida cristã, tendo como trilha sonora as
músicas da preferência do ouvinte. A juventude parece sempre ser
ativa nos processos de mudanças no contexto religioso, Sanchis
relaciona as mudanças à música:
[...] não se poderia falar da juventude religiosa
sem assinalar outra mudança [...]. Uma mudança

26
Momento da liturgia de uma reunião evangélica destinado à execução de
músicas, comumente o momento da música é chamado de “louvor”.
27
Termos utilizados por Maués (2003), “bailar no Espírito” se refere aos
momentos em que durante a música os fiéis cantam e dançam, normalmente de
olhos fechados e com mãos erguidas, que resulta em êxtase. Enquanto o
“repouso no Espírito” compreende aos momentos em que os fiéis caem ao solo
e ficam deitados, por vezes em estados de inconsciência. Muitas vezes o
Repouso no Espírito vem após o Bailar no Espírito, e a crença é de que ambas
atitudes são causadas pela presença do Espírito Santo no fiel. Apesar de Maués
utilizar os termos observando católicos carismáticos, os aspectos de êxtase
envolvendo a música ocorrem semelhantemente em meios pentecostais.
60

cultural de clima na expressão musical, nas


assembleias católicas e, muito mais, nos grupos
jovens evangélicos. Louvor, gospel, grupos
musicais de oração, padres cantores: a
modernidade entrou pela música, pretendendo
transformar ou confirmar as atitudes. A julgar
pelo movimento comercial dos livros e dos CDs, é
bem possível que os resultados de frequência
deste censo não seriam os mesmos sem este
misticismo sonoro. Resta a medir as
transformações que ele pode induzir. (SANCHIS,
2012, p. 38) [Grifo nosso]
Segundo Jungblunt (2007) “os jovens brasileiros e seu universo
estético e comportamental vêm se tornando um dos principais fronts de
atuação do conversionismo evangélico”, fazendo com que haja processo
de transformações no meio evangélico para que ele esteja mais em
sintonia com a cultura contemporânea. E uma das ações dos evangélicos
envolvendo música que mais se destacou nas últimas décadas foi a
Marcha para Jesus.
[...] não se pode esquecer de mencionar, como
demonstração da grande vitalidade desse
movimento, a “Marcha para Jesus”, evento que
reúne anualmente (desde 1993), no centro de São
Paulo, um número cada vez maior de jovens
evangélicos numa inquestionável demonstração de
força do “modo gospel” de se ser evangélico no
Brasil atual. Só para se ter uma idéia, no último
desses eventos, em 15 de junho deste ano,
estiveram presentes cerca de três milhões de
pessoas. (JUNGBLUT, 2007, p.145-146)
A Marcha para Jesus parece não ter perdido a sua força ao longo
dos anos, no dia 15 de junho de 2017, dez anos após a afirmação
supracitada, os jornais noticiaram que na Marcha para Jesus na Zona
Norte de São Paulo estiveram presentes de dois a três milhões de
pessoas. O evento é interdenominacional, mas foi trazido ao Brasil e é
liderado pela Igreja Renascer em Cristo, através dos líderes da igreja,
Apóstolo Estevão Hernandes e Bispa Sônia Hernandes. O sucesso da
Marcha, mesmo após diversos escândalos envolvendo os líderes da
Igreja Renascer em Cristo, pode confirmar a tendência que existe no
meio evangélico, especialmente nas neopentecostais, das lideranças
manterem sua força apesar dos escândalos, alegando perseguição.
A música ocupa um lugar tão importante entre os evangélicos,
que, em muitos casos é fator decisivo para a escolha pela religião.
61

Cecília Mariz (1994) ao investigar o processo de recuperação do


alcoolismo via igrejas pentecostais, entrevistou membros destas igrejas
que afirmavam antes serem viciados do álcool, mas que posteriormente
abandonaram o vício graças à conversão. Nas entrevistas, a autora
percebeu que geralmente a experiência do primeiro culto ou trabalho
missionário são descritas pelos entrevistados como cheias de emoção e
que a música teve papel fundamental nisso:
A música e os hinos tocaram profundamente a
maior parte dos entrevistados. SI recorda: “Minha
primeira visita à igreja foi muito bonita, porque
sempre gostei da música, e a primeira coisa que
me chamou a atenção foram os hinos. [...] uma
irmã me chamou a atenção em especial: ela
louvava, o louvor saía do coração. Eu senti
naquele dia uns arrepios vendo aquela irmã
louvando ao Senhor. Toda a parte musical e a
pregação também me chamou muito atenção”. A
emoção que SI descreve é uma constante. Muitos
relatam que choram ao ouvir hinos ou pregações e
comentam que as últimas pareciam ter sido
dirigidas especialmente a eles. ” (MARIZ, 1994,
p. 212-213)
Outro entrevistado afirmou que “foi falada toda minha vida
através dos louvores que foram cantados” (MARIZ, 1994, p. 213),
mostrando o quanto a música é protagonista na experiência pentecostal,
envolvida em misticismo e emocionalismo, impactando muitos daqueles
que estão pela primeira vez em uma reunião pentecostal.
A relevância da música no contexto evangélico faz com que
bandas e cantores gospel sejam elevados a um lugar de autoridade, e nas
últimas décadas houve o surgimento do que podemos chamar de
Cantores-Pastores. Se no Carismatismo Católico tivemos a
efervescência dos Padres-Cantores, no meio evangélico vimos um
processo ocorrer no sentido contrário, cantores que já tinham atingido o
sucesso na música gospel, assumiram ou fundaram novas igrejas
evangélicas.
A Cantora-Pastora Fernanda Brum é um exemplo. Juntamente
com seu marido, tecladista e produtor musical – o pastor Emerson
Pinheiro, se despediram da Igreja Batista Atitude/ Central da Barra da
Tijuca, igreja na qual o casal atuou como pastores por cerca de nove
anos. E iniciaram um novo ministério – a Igreja Profetizando às Nações,
também na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. O nome da igreja é o
mesmo de um CD que a cantora havia lançado em 2006 e parecido com
62

o nome da Conferência Profetizando às mulheres que era um evento


interdenominacional para mulheres que vinham de todo o país, e que já
era realizada pela pastora e cantora Fernanda Brum enquanto ela ainda
estava na sua antiga igreja.
De semelhante modo, vemos a Igreja Apostólica Deus é Bom,
liderada pelo Cantor-Pastor Robson Nascimento, que teve carreira
musical no meio secular como backing vocal de diversos cantores e
bandas famosas. Ao “retornar aos caminhos do Senhor”, ou seja, voltar
a frequentar uma igreja evangélica, iniciou sua carreira gospel, se
destacando na black music gospel. Juntamente com um coral, suas
músicas se assemelhavam muito ao estilo dos corais gospel norte-
americanos, fazendo com que diversas vezes fosse considerado o Kirk
Franklin28 brasileiro. A igreja Apostólica Deus é Bom tem forte
influência da produção musical de seu líder, muitas de suas músicas
fazem parte das reuniões, e a igreja tem a peculiaridade de ter reuniões
musicais e dançantes às quintas-feiras, entre elas: a reunião Quinta Chic
Dance29 – em que as pessoas dançam ao estilo de dance e disco music, e
a reunião Samba Santo30, na qual são tocadas músicas cristãs em samba,
samba rock e samba funk, enquanto as pessoas dançam na “pista”.
No ano de 2017 a Igreja Batista Soul, liderada pelo Cantor-Pastor
Kleber Lucas – um expoente musical no meio evangélico, foi palco de
diversas polêmicas. Em março, um vídeo publicado pelo pastor causou o
maior alvoroço no meio evangélico. No vídeo o pastor cantava,
juntamente com o ministério de louvor da igreja e o pastor convidado31
da noite, a música Epitáfio da banda secular Titãs. O vídeo repercutiu

28
Kirk Franklin é um importante músico do meio gospel, revolucionou a música
gospel internacionalmente ao inserir ao Gospel gêneros como o Hip hop e o
R&B.
29
No canal do YouTube do Pastor e cantor Robson Nascimento estão
disponíveis vídeos das reuniões Quinta Chic Dance, os vídeos mostram as
pessoas dançando como nas discotecas e nos bailes black das décadas de 70 e
80, e a dança parece ser algo valorizado e incentivado nestas reuniões.
30
No canal do YouTube do Pastor e cantor Robson Nascimento estão
disponíveis vídeos das reuniões do Samba Santo, nas músicas vemos referências
a cantores da Música popular brasileira, e na “pista de dança” vemos casais ou
duplas de mulheres dançando com certo conhecimento técnico da dança do
samba rock. (ROBSON NASCIMENTO. Robson Nascimento - Um som legal
- Samba Santo. Publicado em 20 de dez de 2014 em
<https://www.youtube.com/watch?v=kFe_ECUEcus>)
31
O Pastor Thiago Rodrigo da igreja AME de Joinville é Youtuber e já postou
no seu canal e nas redes sociais vídeos cantando músicas do meio secular.
63

muito, devido à influência do cantor no meio evangélico, e reacendeu o


debate acerca do sagrado e do profano em relação à música. Muitos
internautas evangélicos levantaram diversas acusações sobre Kleber
Lucas – de que abandonou a fé, se corrompeu, e tudo devido a ele ter
cantado uma música secular no culto. É interessante perceber que estes
Cantores-Pastores parecem estar inovando no quesito musical, podendo
agora realizar musicalmente aquilo que, sob a liderança de pastores
convencionais, não lhes seria permitido.
Um outro caso curioso é o da Igreja Casa da Rocha32, que tem
seis unidades espalhadas pelo Estado de São Paulo. A Igreja não é
liderada por um Cantor-Pastor, mas uma Banda que se tornou também
liderança eclesiástica. A igreja é dirigida por alguns membros da Banda
Resgate: a unidade Independência é administrada por Zé Bruno –
vocalista e guitarrista da banda; a unidade de Tatuapé por Jorge Bruno –
fundador e baterista da banda; a unidade de Guarulhos é dirigida por
Hamilton Gomes – guitarrista da banda. Marcelo Amorim, o baixista da
banda também é pastor da igreja e ainda tem as unidades de São Miguel
Paulista e do ABC, administradas respectivamente por Marcelo
Monteiro e Paulo Alexandre, membros de outra banda gospel, a RM6.
A banda Resgate já tem 28 anos33 de carreira fazendo um rock’n
roll cristão. Com um toque de humor sarcástico, os integrantes da banda
sempre fizeram declarações polêmicas acerca do meio gospel através
das músicas e das entrevistas. A Igreja Casa da Rocha tem canal no
YouTube34 onde disponibilizam as pregações, assim como vídeos feitos
para a divulgação da visão da igreja e dos pastores acerca de diversos
temas. Por ser uma igreja em que a liderança é composta por músicos,
muitos destes vídeos abordam temas acerca dos tabus que envolvem a
música e o cristianismo.
Estes são apenas alguns exemplos de Cantores-Pastores, músicos
que alcançaram certa popularidade através da música religiosa e,
juntamente, posições de liderança eclesiástica. Isso é possível devido ao
lugar de importância que a música ocupa no culto e na concepção
evangélica – a música, como atividade espiritual para invocar o Espírito
Santo, deve ser feita por pessoas que tenham certa proximidade e

32
IGREJA CASA DA ROCHA. Site oficial. Disponível em:
<http://www.acasadarocha.com.br/>. Acesso em: 19/08/2018.
33
BANDA RESGATE. Resgate – site oficial. Disponível em:
<http://www.bandaresgate.com.br/>. Acesso em 18/09/2018.
34
IGREJA CASA DA ROCHA. Sobre nós. Canal do YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/user/videosdarocha>. Acesso em: 19/08/2018.
64

relacionamento especial com Deus. No culto o momento musical é tão


importante, ou até mais, do que qualquer outro cerimonial realizado pelo
pastor ou líder espiritual. Por este motivo, quando os fiéis consideram
que a música é eficiente para “atrair” a presença de Deus, diz-se que o
cantor ou o músico está “ungido”, “cheio da unção”, “cheio do Espírito
Santo” – expressões que assinalam que o músico tem um contato ou
relacionamento diferenciado com Deus. Aqueles músicos que
apresentam regularidade neste sentido, revestem-se de autoridade sendo
reconhecidos como líderes carismáticos.

5.1. MAS, O QUE É A MÚSICA PARA OS EVANGÉLICOS?

Primeiramente é necessário pontuar algumas noções sobre o


termo Gospel, sobre a origem do termo:
Gospel (“Evangelho”, no inglês) é o termo
originado nos Estados Unidos, onde é comumente
utilizado para classificar a música religiosa
moderna ou a Música Contemporânea de Igreja
(Contemporary Church Music/CCM). Na origem,
porém, o gospel dizia respeito não a toda música
religiosa contemporaneizada mas a um tipo
nascido no início do século XX em comunidades
protestantes negras. As raízes deste gênero
musical encontram-se nos “negro spirituals”, que
estão na base de toda a música negra
estadunidense, no blues, no ragtime e nas músicas
religiosas populares do movimento urbano do
revival (“reavivamento”) do século XIX.
(CUNHA, 2004, p. 118)
No entanto, no contexto brasileiro, o termo gospel não se refere
mais ao gênero musical norte-americano, ligado à música afro e ao
cristianismo. No âmbito brasileiro, o termo Gospel se refere a uma fatia
do mercado musical brasileiro que compreende a música religiosa cristã
evangélica – a música católica carismática é considerada por alguns
como gospel também. No Brasil, o termo Gospel, apesar de ser um
adjetivo para o termo música, tem uma substancialidade tal que define e
comporta gêneros musicais. Por exemplo, o caso do samba gospel, não é
o samba que define a música religiosa, mas a música religiosa que
define o samba tornando-o samba gospel – inclusive a religiosidade
pode atuar “reprimindo” determinados aspectos que envolvem a música
e a dança, como a proibição de determinados instrumentos e do sambar.
65

No entanto, as formas de lidar com os gêneros musicais são muito


diferentes nos diversos setores do meio evangélico.
Isso acontece porque o conceito de música para os evangélicos é
algo complexo, já que há diversas concepções acerca da música neste
meio. Não é possível classificar as diferentes concepções acerca da
música de acordo com a igreja, já que, principalmente no meio do
pentecostalismo, na mesma igreja podem coexistir múltiplas concepções
acerca da música. Isso se dá exatamente porque a música ultrapassa as
denominações. Um artista gospel que é considerado “errado/mundano”
pelo pastor da igreja pode ser o artista preferido de um membro da
igreja.
Os debates acerca da música no meio evangélico sempre
apresentam um sem-número de opiniões e polêmicas. Nem sempre as
pessoas se posicionam totalmente do lado mais “moderno”, liberal ou do
lado tradicional; isso depende muito do assunto a ser tratado. Um
evangélico pode ser totalmente a favor da utilização de gêneros musicias
brasileiros, mas ser contra letras que não sejam inspiradas nas
Escrituras, porque existe um discurso que rejeita canções com
“inspirações humanas”. Pode haver outro evangélico que seja a favor do
rock, da música eletrônica, mas que rejeite gêneros musicais brasileiros.
O contrário pode acontecer também. Porque há um pensamento que
afirma determinados gêneros musicais serem satânicos, e neste caso, a
proibição pode se direcionar a diversos gêneros musicais. Há ainda
aquele que escuta música secular diariamente, mas desaprova quando
alguma música secular é citada ou cantada no momento do culto, por
esta ser considerada imprópria para o momento. Enfim, o que
percebemos é que há sempre uma tensão em relação à música; muitas
concepções diferentes, muitos debates, disputas e polêmicas acerca do
que é permitido ou não para um cristão. Tanto que gera a dificuldade em
encontrar concordância e harmonia de posicionamentos dentro de uma
mesma denominação, ou até na opinião de um só indivíduo evangélico.
Não há apenas uma corrente de pensamento dos mais modernos e o
outra dos tradicionais, tudo se apresenta de forma muito complexa.
A música pode ser encarada como sinônimo de Louvor e
Adoração. Nesta forma de pensar, a música não é produção humana,
mas algo existente desde antes da criação do mundo descrita em
Gênesis. No mundo espiritual, anterior ao natural, a música já seria
usada por anjos para adoração a Deus. Lúcifer – satanás antes da sua
expulsão do céu, seria um dos “músicos” responsáveis pela adoração.
Ao ser expulso, teria levado consigo a possibilidade de fazer música,
que agora não tem por objetivo adorar a Deus, mas ao próprio satanás.
66

Para os evangélicos que acreditam desta forma, cantar uma música é


sempre adorar a algo ou alguém. Toda música que não adora a Deus,
adora a satanás. Esta ideia leva a um pensamento dicotomizado acerca
da música, há a música de Deus, mas há a música de satanás, e os shows
seculares são enxergados como cultos ao diabo. Esta dicotomização da
música guarda relação com a Teologia de Batalha Espiritual que
representa a visão pentecostal do sobrenatural, bipolarizada, e que tanto
Deus, quanto o Diabo, são seres que desejam ser venerados. A música,
como uma expressão espiritual também possível ao ser humano, é a
própria adoração a um ou a outro.
Dentro desta visão, o cristão não pode ouvir músicas “do
mundo”, muito menos frequentar shows ou apresentações artísticas de
música secular. Não existe a profissão de músico cristão se este for atuar
no meio secular, pois em seu trabalho, ele estaria adorando a Satanás.
Há uma divisão explícita da música sacra e profana, do gospel e
do secular, da música de Deus e da música do Diabo. Da parte daqueles
que assim acreditam, surgem acusações de que determinados cantores
ou bandas são demonólatras e tem “pactos com o Diabo”. Uma das
acusações que mais se espalhou pelo país foi registrada por Mariz
(1997), que afirmou ter escutado em um culto de uma igreja Assembleia
de Deus acusações contra os discos da apresentadora de TV Xuxa, que,
segundo muitos evangélicos, cantava músicas que quando rodadas ao
contrário se revelavam como um hino de louvor ao diabo.
Este tipo de acusação é muito comum no meio pentecostal, de
modo que produtos, empresas, times de futebol, artistas famosos,
cantores, bandas e outras religiões já receberam as acusações de
pertencerem ao Diabo. Isso tem muita relação com o lugar que a figura
do Diabo ocupa na crença pentecostal, um ser que deseja ser adorado,
venerado, e que determinadas músicas serviriam para isso. Desta forma,
muitos gêneros musicais também são rechaçados no meio evangélico
como “música do Diabo”. Aqueles gêneros musicais que guardam
alguma relação com a cultura afro-brasileira receberam esta definição e
foram considerados como proibidos, devido ao lugar da música nas
religiões afro-brasileiras, assim como, devido às disputas no campo
religioso brasileiro e o processo de demonização das religiões contrárias
que aconteceu no contexto evangélico.
Os que são adeptos deste pensamento também atacam
ferreamente os cristãos que participam de um show secular, por
exemplo. Cunha (2004, p. 117) ao falar da expansão das rádios
evangélicas como meio de comunicação, comentou que alguns ouvintes
se recusavam a ouvir outro tipo de música que não a gospel, pois esta
67

seria “abençoada”, “a serviço de Deus”. Foi o crescimento do mercado


gospel, ao possibilitar aos evangélicos o consumo de um sem-número de
produtos em versão gospel, que permitiu, intensificou e legitimou a
difusão entre os evangélicos deste discurso que enxerga a música de
forma tão dicotômica?
Um outro aspecto que pode ser considerado na música pelos
evangélicos é a “arte”. Há uma linha de pensamento que considera a
música como expressão artística, e que ela por si só, enquanto “arte”,
louva a Deus. Acredita-se que a capacidade de produzir arte foi
concedida a toda a humanidade, então, uma música bela, bem elaborada
esteticamente exalta ao Deus que concedeu este “dom” aos mortais.
Neste pensamento, é aceitável a ideia de que um artista ateu “glorifique
a Deus” simplesmente por exercer seu “dom”. Já o músico cristão deve
ter um compromisso, com a estética da música, que deve ser bem
desenvolvida para “honrar a Deus”. Neste raciocínio há a possibilidade
de ser músico profissional, e inclusive, produzir música que não seja
religiosa.
Dentro deste entendimento há inúmeras bandas e músicos que,
mesmo sendo cristãos, produzem músicas que são consideradas
seculares. Muitos deles direcionam sua crítica à produção cultural que
não sai do meio “gospel”, afirmam que ela é irrelevante na sociedade
como um todo por ser, segundo eles, uma música ruim, onde não há
qualidade estética, e espiritualizada, de difícil compreensão, porque não
diz nada de pertinente para a sociedade em geral. Criticam o mercado
gospel como uma “bolha social”.
Conforme se compreende o que é a música, assim também se terá
uma compreensão acerca do músico cristão e evangélico. Em um
contexto onde a música é entendida como Louvor/Adoração a Deus, o
músico não tem carreira, tem ministério. Assim como o pastor, o
apóstolo ou o bispo, enxerga-se uma autoridade espiritual atribuída
àqueles que cantam “para o Senhor”. Os que atingem o sucesso, é
porque “Deus levantou”, ou seja, abençoou seu ministério com o
sucesso. O alcance deste sucesso, bem como a prosperidade que
acompanha o mesmo, seria uma recompensa de uma vida “santa”
daquele que “respondeu ao chamado de Deus35”. Como músico o
indivíduo “louva um hino que Deus lhe deu” (isso é muito dito entre os

35
Segundo a crença, “chamado” é a missão, o propósito de vida que Deus
haveria planejado para uma pessoa. O cantor de sucesso teria como chamado a
carreira musical, o sucesso seria uma confirmação de que Deus está
abençoando-o por sua obediência.
68

pentecostais). Não é cantar, é louvar; não há compositor, se parte da


compreensão de que este é o próprio Deus através do Espírito Santo;
não há artista, pois isso seria visto como “estrelismo”. Ou seja, neste
registro se concebe que o componente humano deve ser suprimido, para
que a música seja espiritualizada, mistificada.
Se a música não é entendida como sinônimo de Adoração, então,
há a possibilidade de ser compreendida e aceita como profissão. O
músico pode desenvolver uma carreira, e pode ter ministério, mas não
necessariamente serão a mesma coisa. O título de “artista” não é visto
como algo depreciativo, mas apenas como descrição daquele que se
comprometeu a “fazer arte” através da música. Busca-se uma música
feita com qualidade, para disputar espaço com a música secular, e para
“glorificar ao Deus-Criador,” ao se desempenhar o “dom” artístico
concedido por Ele. O proselitismo, em alguns momentos, até pode ser
deixado de lado nestes casos. Neste entendimento o músico “canta ou
toca uma música que ele compôs porque Deus o capacitou”. A música é
encarada como produção humana, mas isso exaltaria a Deus quando
feito com excelência.
A da concepção a respeito na música influencia até na forma de
lidar com o dinheiro. Há toda uma discussão acerca da licitude de um
cantor ou banda gospel cobrar cachê para fazer uma apresentação
musical. Quando a música é vista como arte ou profissão, pode ser mais
aceitável que o dinheiro seja cobrado pela apresentação ou show. Mas,
se a música é concebida como louvor e ministério, pode se tornar
reprovável que o “ministro” solicite um cachê, pois, isso seria
“comercializar a fé”. Essa discussão ainda pode ter a variante do local
da apresentação, muitos recriminam a cobrança de dinheiro para fazer
música em uma reunião de igreja, mas considerariam normal isso
acontecer se a apresentação ocorrer em um teatro.
É importante atentar que no meio evangélico, conforme se
propagou a lógica profissional e empresarial, muitos são os pregadores,
cantores ou bandas hoje que só aceitam convites para estar em igrejas
mediante pagamento de um cachê com um valor pré-estabelecido.
Contudo, não são todos os evangélicos que concordam com isso. No
mês de agosto de 2017, a Convenção Batista Nacional – CBN emitiu um
comunicado oficial declarando a decisão de que “nenhuma instituição,
órgão ou departamento da CBN pode convidar pregadores, cantores e
outros que façam exigências financeiras, quer por meio de contrato ou
não, para participarem de alguma programação” (CBN, 2017). O
comunicado causou grande repercussão entre os evangélicos nas redes
sociais, e demonstra uma intenção da CBN de afastar suas reuniões da
69

lógica mercadológica. No entanto, no comunicado fica claro que não há


proibições acerca da igreja local entregar uma “oferta voluntária36” ao
cantor ou pregador de fora.
Há ainda outra função da música: a pedagógica. A música é
utilizada como meio de ensino de princípios norteadores da fé cristã
desde a Reforma Protestante, configurando-se como poderosa
ferramenta de proselitismo e formação. Dentro das igrejas a música
desenvolve no culto a função de criar uma “atmosfera de adoração”, que
significa a crença de que a música pode atrair a presença do Espírito
Santo de Deus, como também, que a música pode preparar um ambiente
favorável para que o povo escute e receba melhor a pregação, assim
como, desempenhas uma função pedagógica quanto à teologia da igreja
local. Ao analisarmos as músicas entoadas em um culto de domingo de
uma igreja evangélica, podemos especular a qual teologia a igreja é
adepta.
Um bom exemplo disso é a Igreja Renascer em Cristo, que
exerceu muita influência no contexto musical brasileiro através da
Marcha pra Jesus, da popularização da venda de produtos Gospel, da
veiculação dos Clipes Musicais e, principalmente, pela produção
musical da igreja. A Igreja Renascer em Cristo desde 1993 tem sua
própria banda – Renascer Praise. A banda é liderada pela líder da igreja,
Bispa Sônia Hernandes, que compôs grande parte das canções da banda.
As letras das canções evidenciam a teologia da Igreja Neopentecostal,
músicas como “As Nossas Armas”, “1000 graus” e “Deus é por Nós”
apresentam conceitos da Teologia da Batalha Espiritual. Já as músicas “
Nasci pra Vencer”, “O Segredo de Dar”, “Semente da Promessa”
revelam conceitos da Teologia da Prosperidade. A banda também
gravou canções que demonstram a música como importante instrumento
para o evangélico travar a “Batalha Espiritual”, entre estas temos as
músicas “Fogo Cai” e “Sinfonia”.37 Nesse caso, a música torna-se
“arma” na mão do crente para derrotar o inimigo.

36
A oferta voluntária é um valor em dinheiro que a liderança da igreja
determina e não o cantor ou banda convidado. Muitas vezes, os convidados que
não exigem cachê da igreja local, apenas o pagamento dos custos com
deslocamento e estadia. Nesses casos, a oferta voluntária ficaria como uma
bonificação, ficando à escolha da instituição que realizou o convite entregar ou
não este valor ao convidado.
37
A música “Fogo Cai” faz afirmações como “quando eu canto o inferno cai”,
da mesma forma a música “sinfonia” afirma “Fortalezas cairão, portas do
inferno tremerão, e demônios, pela unção deste louvor vão recuar”.
70

O papel pedagógico da música evangélica fica mais explícito


ainda nas produções direcionadas ao público infantil, como CD’s e
DVD’s. Nas reuniões infantis, se ensina aos pequenos os princípios
bíblicos através da música, dos chamados “corinhos” e das canções
parecidas com as cantigas de roda. A música evangélica parece sempre
carregar esta intenção de passar uma mensagem, ensinar algo a quem
está ouvindo, e, conscientes desta função pedagógica da música,
algumas igrejas chegam a ter os teólogos da música – pessoas com
conhecimento teológico e musical, que avaliam as mensagens das
músicas antes delas entrarem na programação dos cultos, a fim de evitar
que alguma mensagem contrária à teologia local seja proclamada nas
reuniões.
Para alcançar novos adeptos, a música é fundamental. Como
meio de ensinar e proclamar as suas crenças, os evangélicos tem
realizado nas últimas décadas diversos eventos e festivais musicais em
todos os espaços possíveis fora das igrejas: nas praças, ruas, transportes
públicos, praças de alimentação de shoppings, nos estádios, ginásios,
teatros, cinemas, trios-elétricos, com grandes estruturas de shows ou na
versão acústica reduzida, a música evangélica já, há décadas, “saiu” dos
templos e reverberou nas ruas de todo o Brasil. Mas, qual a relação da
música evangélica com o Brasil? Que a música evangélica brasileira tem
ressoado pelo Brasil é fato incontestável, mas, e o Brasil, tem dado seus
acordes na música evangélica produzida no Brasil?

5.2. A INCORPORAÇÃO DOS GÊNEROS MUSICAIS


BRASILEIROS NO MEIO EVANGÉLICO

Hoje no meio evangélico encontramos músicas com temáticas


cristãs feitas em todos os gêneros musicais. Muitos consideram que a
diversidade de gêneros resultou da expansão do mercado gospel que
ocorreu nos anos 90. Mas a música gospel brasileira teve raízes na
música cristã evangélica produzida em décadas anteriores.
No início do protestantismo no Brasil, os missionários
estrangeiros não pregavam apenas a doutrina protestante, mas também
outra proposta cultural. Houve um choque entre o protestantismo e as
manifestações culturais brasileiras compostas pelas influências
indígenas, negras e euro-ibéricas, e, como as manifestações de cultura
local já estavam identificadas com a Igreja Católica Romana, a postura

Demonstrando a crença desta igreja de que a música pode ser um instrumento


de “poder” para travar a “batalha espiritual”.
71

anticatolicista por parte dos protestantes se manifestava também como


“uma ruptura com os valores autóctones”. (CUNHA, 2004)
A negação do catolicismo e a formação de uma identidade
protestante no Brasil também se deu através da prática de uma ética
puritana de restrição de costumes, que no Brasil, implicava em se abster
do álcool, do fumo, das festas populares, especialmente o Carnaval,
assim como das músicas populares. O domingo que em algumas áreas
rurais representava um momento de convívio entre familiares e vizinhos
através da realização de festas com álcool, danças e cânticos populares,
para o cristão protestante deveria ser reservado para estar na igreja. Isso
fazia com que a conversão para uma igreja protestante implicava
também um rompimento cultural, muitas vezes até de relações
familiares. (CUNHA, 2004)
O modelo de protestantismo estadunidense que
chegou ao Brasil com os missionários
presbiterianos, metodistas, batistas no século XIX,
entrou em atrito com uma matriz religiosa
brasileira, contestando o catolicismo imposto
pelos colonizadores portugueses, a religiosidade
indígena e mesmo a religiosidade africana trazida
pelos escravos. O denominacionalismo
estadunidense implantado no Brasil buscou
descolar-se e negou a matriz religiosa brasileira,
para tentar implantar um protestantismo anglo-
saxônico, com o seu modus operandi. (PAEGLE,
2013, p. 81).
Assim, na medida que se afirmavam como “religião verdadeira”
traziam à tona também uma visão de mundo predominantemente anglo-
saxã, que se expressava na música, através da escolha de instrumentos
musicais e da hinologia.
O instrumento musical protestante era o órgão,
com repúdio aos instrumentos populares de
percussão ou cordas. A hinologia – mormente a
grande fonte de inspiração espiritual, emocional e
de veiculação de conteúdos teológicos –
estruturou-se por meio de versões de hinos
tradicionais europeus e norte-americanos ou
mesmo de canções populares daquelas nações.
Isto refletia o sentido de negação das culturas
autóctones assumido pelo Protestantismo
Histórico de Missão: o popular anglo-saxão era
admitido; o latino, não. (CUNHA, 2004, p. 73.)
72

No final do século XIX foram elaborados os primeiros hinários


brasileiros em português, sendo publicado em 1891 a primeira versão do
hinário “Cantor Cristão”38 – o primeiro hinário oficial das Igrejas
Batistas do Brasil, inicialmente com 16 hinos. Ao longo dos anos todos
os hinários foram crescendo e sendo revisados, a última versão do
Cantor Cristão, a 37ª edição que foi lançada em 2007 pela JUERP,
apresenta 581 hinos.
Na primeira metade do século XX foram lançados outros
hinários, entre eles os que se originaram no meio pentecostal: a “Harpa
Cristã” – hinário oficial da Assembleia de Deus lançada em 1922, e o
“Hinos de Louvores e Súplicas a Deus” – hinário oficial da
Congregação Cristã no Brasil, que surgiu por volta de 1934. Estes dois
hinários guardam relação com a origem cultural dos pioneiros de cada
igreja. No caso do “Hino de Louvores e Súplicas a Deus”, as primeiras
versões continham muitos hinos em italiano.
Já a Harpa Cristã, teve em sua primeira edição 100 hinos, sendo
alguns originários da hinologia escandinava. Inclusive, Gunnar Vingren
e Frida Vingren, casal de pioneiros da Assembleia de Deus no Brasil ao
lado de Daniel Berg, foram os responsáveis por algumas traduções. Com
o tempo foram acrescidos outros hinos, e, em 1992, foi lançada a versão
Harpa Cristã Atualizada, com 628 hinos e com as partituras dos hinos,
que foram distribuídos em sequência numérica dividida em 6 grupos
temáticos. Chama atenção os últimos temas, o bloco de “Hinos Cívicos
e Religiosos” abrangendo do hino 621 ao 624, e o bloco de “Hinos
Pátrios” do 625 ao 628, que incluem o Hino à Bandeira Nacional, o
Hino à Independência, o Hino da Proclamação da República e o Hino
Nacional Brasileiro.
No portal Hinologia Cristã, que visa conservar o histórico de
hinos e cânticos cristãos protestantes brasileiros, há disponível um
comparativo de 7 hinários39 cristãos brasileiros em suas versões

38
O “Cantor Cristão” foi o terceiro hinário brasileiro, o primeiro foi o “Salmos
e Hinos” de 1861 que foi organizado pelos fundadores da Igreja Evangélica
Fluminense, Robert R. Kalley e Sarah P. Kalley. O Segundo hinário foi lançado
em 1876, por Richard Holden. (JUNIOR, Joaquim. Hinários Brasileiros –
Joaquim Júnior. Publicado em 23/06/2018. Disponível em:
<http://www.hinologia.org/hinarios-brasileiros-joaquim-junior/>. Acesso em:
02 de setembro, 2018.)
39
Os hinários comparados foram: Salmos e Hinos (SH), Cantor Cristão (CC),
Harpa Cristã Ampliada (HCA), Hinário Adventista (HA), Hinário Evangélico
(HE), Hinário para o Culto Cristão (HCC), Hinário das Igrejas Evangélicas
73

atualizadas, o comparativo destacou o fato de 20 hinos se fazerem


presentes em todos os 7 hinários. Estes 20 hinos foram compostos, em
sua maioria, por norte-americanos e ingleses. Já as traduções destes
hinos foram feitas, em sua maioria, por missionários estrangeiros que
vieram para o Brasil ou por portugueses.
A influência da cultura de outros países sobre a hinologia
brasileira ainda pode ser vista no fato de que, na Harpa Cristã, por
exemplo, o hino de número 185: “Invocação e Louvor”, teve a melodia
retirada do Hino Nacional Inglês “God Save de Queen”. O Hino 212:
“Os Guerreiros se Preparam”, tem sua música idêntica ao Hino Nacional
das Ilhas Fiji, que originalmente era um hino cristão norte-americano
chamado “Dwelling in Beulah Land” – (Habitando a Terra de Beulá).
Esses dados revelam a grande influência da cultura musical
anglo-saxã sobre a música cristã, não só nas primeiras décadas e nem só
sobre as primeiras igrejas protestantes brasileiras, mas uma influência
que se estende até hoje. Isso por que muitos destes hinos tornaram-se
clássicos e, vez ou outra, apesar de todas as novidades do Gospel, ainda
são entoados nas reuniões evangélicas – até mesmo das igrejas mais
recentes.
Magali Cunha (2004), apresenta a partir de Baggio40, os dois
movimentos que precederam o êxito gospel, e que romperam com a
música tradicional protestante. O primeiro movimento é a popularização
da música evangélica, que se iniciou nas décadas de 1950 e 1960 a partir
da ampla utilização dos corinhos. O segundo é a revolução musical
jovem dos anos 1970.
A partir das décadas de 1950 e 1960 é iniciado o processo de
rompimento com a tradicional hinódia protestante, caracterizada pela
utilização de órgão na execução de hinos tradicionais do protestantismo
estadunidense e europeu traduzidos para o português, isso é percebido
através de duas frentes de ação: a produção musical pentecostal e a
influência que as instituições paraeclesiásticas estadunidenses
exerceram sobre a música evangélica nacional.
Os pentecostais desenvolviam composições
populares mais ligadas às raízes nacionais (a
música sertaneja) e as paraeclesiásticas produziam
versões em português de cânticos populares

Reformadas do Brasil (IERB). Um total de 2.800 hinos distintos. (JUNIOR,


2018.)
40
A obra de Baggio a que Cunha se refere é: BAGGIO, Sandro. A Revolução
da Música Gospel. São Paulo: Êxodus, 1997.
74

estadunidenses (marchas e baladas românticas).


As primeiras paraeclesiásticas do exterior a se
estabelecerem no Brasil nos anos 50 e 60 vieram
dos EUA: a Organização Palavra da Vida, Os
Jovens da Verdade, a Mocidade Para Cristo e o
Serviço de Evangelização para a América Latina
(Sepal). (CUNHA, 2004, p. 124-125)
O protestantismo reformado da época rejeitava a forma musical
pentecostal, mantendo a hinódia tradicional. A ação das instituições
paraeclesiásticas no início também causou forte resistência e reação
negativa das igrejas evangélicas mais tradicionais. Houve a inserção dos
corinhos – músicas de ritmos populares com melodias fáceis, versos
curtos e letras simples, e também do uso de instrumentos considerados
profanos, como o violão e o teclado. Estas inovações musicais
exerceram forte influência sobre a juventude evangélica brasileira. A
resistência das igrejas fez com que os corinhos e os instrumentos se
tornassem praticamente proibidos, restringindo o uso destes apenas para
as reuniões específicas de jovens. (CUNHA, 2004).
Na década de 50 houve o surgimento dos primeiros cantores
evangélicos, o primeiro a se destacar foi Feliciano Amaral, cantor,
compositor e pastor batista, que gravou o primeiro disco cristão de 78
RPM, em 1948, do catálogo da gravadora Atlas ligada à Convenção
Batista Brasileira. Feliciano faleceu em julho deste ano quando estava
com 97 anos, mas até recentemente ainda se apresentava musicalmente,
em 2013, quando tinha 92 anos, foi reconhecido pelo Guinness Book
como o cantor mais velho ainda na ativa.41
Outro cantor que surgiu na década de 50 foi Luís de Carvalho
(1925-2015), que já era músico quando se converteu ao protestantismo
em 1947, continuou sua carreira no secular até o fim do contrato,
quando abandonou a música não religiosa. Luiz de Carvalho foi
responsável por alguns pioneirismos no meio cristão evangélico,
primeiramente, gravou o primeiro LP 33RPM cristão brasileiro em
1955. Luiz também introduziu o violão nos cultos na década de 1950,
quando o violão ainda era considerado profano e seu uso em reuniões e
cultos era proibido. O uso do instrumento rendeu um apelido ao cantor:
“o Violão convertido”. O álbum do cantor “Meu tributo- a Deus toda a

41
BRANDÃO, Sayonara. Pastor está no livro dos recordes como cantor mais
velho na ativa. G1, Globo, 2013. Disponível em: <
http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2013/03/pastor-esta-no-livro-dos-
recordes-como-cantor-mais-velho-na-ativa.html>. Acesso em: 18 set 2018.
75

glória”, de 1983, vendeu 200 mil cópias, conquistando o disco de ouro,


algo inédito entre os evangélicos na época.42
Uma lista publicada em 2015 pelo portal Super Gospel foi
realizada em parceria com diversas outras páginas do meio evangélico,
através de historiadores, jornalistas e músicos, para eleger os 100
maiores álbuns da música cristã contemporânea brasileira, a lista foi
chamada 100 Álbuns Para Ouvir Antes de ir Para o Céu. Segundo o site
Super Gospel, “a lista visou elencar discos que se destacaram pela
qualidade musical, além do impacto cultural e histórico”43. Luiz de
Carvalho entrou na lista dos 100 maiores álbuns da música cristã
nacional, ficando em 25º lugar com o álbum “Obra Santa” (1969). No
documento disponibilizado no site da supergospel é mencionada a
importância do cantor para a música cristã brasileira.
Ele foi o primeiro cantor a gravar um disco de
vinil no meio evangélico nacional, em 1958, foi o
primeiro artista evangélico de fato, o responsável
por levar às igrejas o, então profano, violão,
inseriu o bolero e elementos de samba e
marchinhas na tradicionalíssima música cristã da
época e se sagrou como o maior nome do cenário
musical protestante nas décadas seguintes. O vinil
Obra Santa, clássico indiscutível, além de contar
com a voz e interpretação inconfundível de Luiz
de Carvalho, é responsável por emplacar o
primeiro hit da música evangélica nacional. A
faixa-título se tornou uma espécie de hino oficial
do movimento de Renovação Espiritual que se
iniciou no Brasil a partir da década de 1960.44
Não foi possível analisar toda a produção do cantor para ver
quando começou a inserir elementos de sambas e marchinhas, mas
conseguimos identificar no álbum de 1967 – Hinos que eu pedi, a
canção “Eterno Lar” que tem elementos de “chorinho”. Apesar de suas

42
HINOLOGIA CRISTÃ. Luiz de Carvalho – Biografia. Atualizado em 2018.
Disponível em: http://www.hinologia.org/luiz-de-carvalho/. Acesso em: 18 set
2018.
43
SUPERGOSPEL. Lista dos 100 maiores álbuns cristãos nacionais. Notícia.
2015. Disponível em: <http://www.supergospel.com.br/noticia_sites-cristaos-
produzem-lista-dos-100-maiores-albuns-nacionais_7212.html> Acesso em:
25/09/2018.
44
DIAS, João et al. Lista dos 100 maiores álbuns cristãos nacionais.
Disponível em: <https://melhoresdiscoscristaos.files.wordpress.com/2015/09/
100-maiores-c3a1lbuns-cristc3a3os-nacionais.pdf>. Acesso em: 26/09/2018.
76

inovações, Luiz de Carvalho teve grande parte do seu repertório


composto pelos Hinários Cristãos, principalmente pelo Cantor Cristão, e
gravou muitas canções que eram traduções do inglês para o português.
Na década de 60 surgem outros cantores e grupos, entre eles, a
versão brasileira do quarteto vocal masculino pertencente à Igreja
Adventista do Sétimo Dia, o quarteto Arautos do Rei, que existe até hoje
depois de muitas formações.
A partir desse período, diversos processos sociais e culturais
brasileiros e latino-americanos reivindicavam o fim do colonialismo
cultural, político e econômico, assim como a afirmação da identidade
brasileira e latino-americana. A contracultura proposta pela juventude
expressava, inclusive através das músicas, as tendências pacifistas,
ecológicas e as relativizações dos valores morais, sexuais e éticos. No
Brasil, a Música de Protesto denunciava os problemas do país e
popularizava-se em meio à ditadura. A Tropicália vinha com a
influências do Movimento Antropofágico da década de 20, havia um
clima de valorização da identidade brasileira ao mesmo tempo em que
se lutava por um país melhor e a música foi um palco importante dessas
reinvindicações no contexto secular.
No meio evangélico, a partir dos anos 70 temos a revolução
musical jovem, com forte influência do Movimento de Jesus e como
resultado do que estava acontecendo em décadas anteriores. Surgido nos
Estados Unidos nos anos 60, o Jesus Movement foi decorrente de
estratégias de evangelismo que tinham como objetivo a evangelização
da juventude, inclusive os ligados à cultura hippie. O número crescente
de jovens novos convertidos ao cristianismo causou diversas
consequências no campo religioso estadunidense:
(1) igrejas tradicionais adotaram estilos mais
informais nos cultos para incluir os novos
convertidos e passaram a admitir até mesmo no
seu staff pessoas provenientes do movimento
hippie; (2) novas igrejas e denominações cristãs
surgiram, adequadas ao estilo hippie mais
descontraído na aparência e na forma de cultuar;
(3) o uso de diferentes formas de comunicação
pelos hippies cristãos, como os jornais
alternativos (meio comum daquele movimento) e
as artes (teatro, pintura, desenho, caricatura), com
fins conversionistas; (4) o surgimento da Jesus
Music [Música de Jesus], uma combinação de
rock e gospel que se tornou a base do movimento
de avivamento da juventude, cuja teologia
77

assumia bases pietistas com ênfase conversionista.


Respondendo às reações negativas dos grupos
tradicionalistas, cantores e compositores da Jesus
Music diziam estar usando a música para
combater os efeitos negativos do rock popular. E
repetiam uma frase do reformador Martinho
Lutero para fundamentar sua causa: “Por que o
demônio deve ficar com os melhores tons?”
(CUNHA, 2004, p. 127)
Uma das características do Jesus Movement é a proposta
contracultural religiosa. Este processo de mudanças se deu como uma
via de mão dupla, ao passo que, as modificações nas ações proselitistas
foram originadas da intenção de alcançar a juventude, e, posteriormente,
mudanças no meio evangélico norte-americano ocorreram justamente
pela entrada de novos adeptos. Este processo cíclico de modificações
parece ser característico do meio evangélico, inclusive no contexto
brasileiro.
O movimento de Jesus, junto com a Jesus Music, chegou ao
Brasil através de missionários do movimento e reforçou o processo de
renovação musical iniciado pelos pentecostais e pelas instituições
paraeclesiásticas, inclusive, intensificando e ampliando a ação destas
organizações paraeclesiasticos já existentes no país. (CUNHA, 2004)
Nesse contexto surgiram os grupos musicais
jovens brasileiros, que produziram canções mais
elaboradas que os corinhos, não para cântico
congregacional, mas para serem ouvidas,
introjetadas. Os grupos ou conjuntos jovens de
organizações paraeclesiásticas assumiram a,
missão de compor e apresentar as canções de
conteúdo religioso para serem mensagens
inseridas nos momentos de culto. Era a versão
popular e jovem do clássico canto coral. Foram
vários os grupos que nasceram nesse período, e
entre os mais populares estão Vencedores por
Cristo, Palavra da Vida, Grupo Elo, Comunidade
S-8. A gravação de discos por meio de produção
independente contribuiu com a popularização
desses conjuntos jovens, ainda que a distribuição
fosse restrita às poucas livrarias e lojas
evangélicas. (CUNHA, 2004, p. 128)
Dentre as organizações que existiam na época queremos destacar
algumas que tiveram, e ainda tem, influência sob a incorporação de
gêneros musicais brasileiros na música evangélica. Primeiramente a
78

organização paraeclesiástica e missão Mocidade Para Cristo45- MPC.


Surgida nos Estados Unidos na década de 40, em 1947 teve seu trabalho
iniciado no Brasil. Em 1955 realizou o Congresso Mundial de
Evangelismo e Missões, que reuniu o público de 35.000 pessoas no
estádio do Pacaembu em São Paulo. O MPC hoje tem um acampamento,
este localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, e tem como diretor
geral Marcelo Gualberto, Pastor da Igreja Presbiteriana Central em Belo
Horizonte, casado com Vânia Salther – membro do Quarteto Vida, e pai
de Carol Gualberto – cantora cristã que produz músicas com influência
da bossa nova e do jazz.
A partir da MPC surgiram diversos outros “ministérios”, entre
eles o Atletas de Cristo – que posteriormente se desvinculou da MPC, o
Quarteto Vida – quarteto feminino de música popular brasileira, e o
MPC-4 – versão evangélica do quarteto masculino MPB-446; assim
como eventos, entre eles o Som do Céu, que é um evento musical que
ocorre há mais de 30 anos, tendo se iniciado em 1984.
A proposta do Som do Céu 2017 é apresentar o
novo cenário da música cristã brasileira na ótica
da MPC. Consagrados artistas como João
Alexandre, Gerson Borges, Carlinhos Veiga
dividem espaço com Marcos Almeida, Paulo
Nazareth, Lorena Chaves e outros nomes da
música cristã que juntos vão apresentar uma
musicalidade ímpar.47
Os cantores escalados para o Som do Céu 2017 podem apontar
para uma tendência do evento em valorizar a produção de música
evangélica caracteristicamente brasileira, ou seja, com o uso de gêneros
musicais brasileiros. João Alexandre, Gerson Borges e Carlinhos Veiga
são exemplos de músicos que produzem música popular brasileira cristã,
assim como os outros supracitados, que representam a, por alguns
denominada, nova MPB cristã. Muitas vezes, estes artistas da nova

45
Informações retiradas do site da missão Mocidade para Cristo. (MISSÃO
MOCIDADE PARA CRISTO. Site. Disponível em: <http://www.mpc.org.br/>.
Acesso em: 20/10/2017.)
46
Aristeu Pires Junior fazia parte do grupo, que era ligado à Mocidade Para
Cristo. O músico fez parte do álbum “De Vento em Popa” – 1977, ligado à
outra organização paraeclesiástica – a Sepal, falaremos mais adiante. (CABRAL
e PEREIRA, 2012).
47
MISSÃO MOCIDADE PARA CRISTO, EVENTO SOM DO CÉU.
Disponível em: <http://www.mpc.org.br/som-do-ceu-2017-2/>. Acesso em:
21/10/2017.
79

geração abrem mão da alcunha cristã, considerando-se músicos da nova


MPB e transitando entre o meio evangélico e secular.
Outra organização paraeclesiástica que teve influência nos anos
70 e ainda está em atividade é a Jovens da Verdade, que, segundo o site
oficial, é uma missão que “tem o objetivo de evangelizar jovens, edificá-
los e treiná-los para que se multipliquem, engajados na tarefa de
estender o Reino de Deus no Brasil e no mundo”. A missão define-se
como:
[...] uma missão evangélica, brasileira e autóctone.
Oficialmente, é uma sociedade civil, dirigida por
uma diretoria eleita, composta de vários
ministérios.’ [...] Jovens da Verdade nasceu em
março de 1968 no colégio J.M.C. em Jandira, S.P.
dois jovens Jasiel48 e Josafá, e mais alguns
estudantes formaram um grupo musical que
visitava as igrejas, cantando, testemunhando e
pregando, desafiando jovens para um
compromisso maior com Jesus. Este trabalho
simples, mas desafiador, cresceu e continua
crescendo com a mesma fé e esperança. 49
Uma das primeiras ações da Missão Jovens da Verdade foi o
Acampamento Jovens da Verdade, que existe até hoje50 e em seu
calendário anual tem alguns eventos fixos. Entre os eventos fixos estão
dois que são específicos de música o Rock no Vale51 e o Nossa Música
Brasileira – NMB, a apresentação do evento no site diz o seguinte:
O Nossa Música Brasileira, como o próprio nome
diz, é um evento que se propõe a valorizar,

48
Jasiel Botelho é o autor de um blog de humor cristão. O blog chegou a ser
objeto de análise da Tese de doutorado de Eduardo Guilherme de Moura Paegle,
de tema A “MCDonaldização” da fé. O culto como espetáculo entre os
evangélicos brasileiros (2013).
49
MISSÃO JOVENS DA VERDADE. Disponível em:
<http://www.jovensdaverdade.com.br/>. Acesso em: 21/10/2017.
50
Segundo as informações no site, o atual prédio localiza-se na cidade de Arujá
– São Paulo.
51
É um evento de Rock, mas não se reduz ao Rock gospel. Na edição de 2017
estarão presentes a banda de Rock Fresno, o rapper Rashid e Fernando Anitelli
(responsável pelo O Teatro Mágico), todos estes tem carreira musical secular.
Contudo, representantes da música gospel também estão convidados para o
evento, dentre eles, Paulo César Baruk e Rodolfo Abrantes. (ROCK NO VALE.
Evento. Disponível em: <http://www.rocknovale.com.br/>. Acesso em:
25/10/2017.)
80

encorajar, incentivar e estimular artistas cristãos


que produzem e veiculam música feita em
português, portanto brasileira, e popular, sem
fronteiras ritmicas ou estéticas.
O público, composto de gente de várias partes do
país, é agraciado pela diversidade do palco do
NMB e também volta pra casa marcado pelas
lembranças e emoções proporcionadas pelo
espaço agradável do acampamento JV, pelas rodas
de conversa, pelo tempo de descanso e lazer e, é
claro, pela música que se faz (oni)presente, no
palco principal, no refeitório, por toda parte e em
todo o tempo do encontro.
Já incorporado ao calendário do que de melhor se
pode oferecer em termos de evento artístico e
musical com essas características no Brasil, o
NMB é ocasião de presença obrigatória para quem
aprecia boa música. Não perca o próximo! 52
Acontecendo desde 2007, o NMB apresenta-se como um evento e
um movimento de defesa da música brasileira no interior do cenário
evangélico brasileiro, segundo o site oficial:
Este é um evento pioneiro no Brasil!
Com ele queremos louvar e honrar o Artista
Maior: nosso Pai, o Criativo Criador. Queremos
levantar vozes e mãos aos céus em gratidão pelas
nossas raízes e nossa identidade cultural.
São dias onde conversamos sobre a nossa fé e a
nossa cultura assentados ao redor de uma rica
mesa regada pela comunhão e pela música
popular brasileira feita por cristãos. Como bem
sabemos, nem sempre isso é possível entre
irmãos, por causa da maneira cruel como as
nossas raízes foram negadas, e até mesmo
demonizadas, por uma teologia não
contextualizada que nos antecedeu.
Uma festa da alforria! Nela participam alguns
nomes representantes desse movimento de resgate
da cultura musical brasileira.53 [grifo nosso]

52
NOSSA MÚSICA BRASILEIRA NMB. Evento. Disponível em:
<http://www.jovensdaverdade.com.br/eventos/nmb.php>. Acesso em:
20/10/2017.
53
Retirado de um blog que registrou as edições do evento de 2007 a 2014.
(NOSSA MÚSICA BRASILEIRA NMB. Blog do Evento. Disponível em:
81

O evento propõe um posicionamento em defesa da utilização de


elementos da cultura brasileira no meio evangélico e contra uma
teologia que demonizou a cultura brasileira em detrimento da
valorização e sacralização da cultura anglo-saxônica, o que eles chamam
de “teologia não contextualizada”. É válido destacar alguns trechos
desta apresentação do evento, primeiramente, o “levantar vozes e mãos
aos céus em gratidão pelas nossas raízes e nossa identidade cultural”
representa um discurso de valorização da identidade cultural brasileira
no contexto evangélico. A descrição da música do evento como “música
popular brasileira feita por cristãos” pode indicar que o repertório não é
somente de músicas religiosas.
O posicionamento contra a “maneira cruel como as nossas raízes
foram negadas, e até mesmo demonizadas, por uma teologia não
contextualizada que nos antecedeu” revelam o reconhecimento da
tensão existente no meio a respeito da relação entre cultura brasileira e
cultura protestante/evangélica, e a “teologia não contextualizada” pode
ser uma referência à Teologia da Batalha Espiritual, mas não somente,
que no Brasil colaborou para uma ideia de demonização da cultura
brasileira, principalmente dos aspectos mais ligados à cultura afro-
brasileira. Pra além disso, há um posicionamento de reinvindicação
daquilo que foi negado aos cristãos evangélicos – as raízes culturais. O
evento seria uma “Festa da Alforria” no sentido em que seria uma
celebração e libertação em relação às ideias religiosas que demonizaram
a música e cultura brasileira. Estas afirmações nos mostram uma
instituição que parece ser atuante no sentido de “defender” a cultura
brasileira no meio cristão, de reafirmar a identidade brasileira e a
possibilidade de conciliação entre brasilidade e cristianismo. Vemos
aqui a legitimação dos gêneros musicais brasileiros por um meio
institucionalizado – as paraeclesiásticas.
Tradicionalmente, o NMB ocorre na sexta, sábado e domingo.
Curiosamente, a noite e madrugada de sábado é reservada para a
realização do corujão, um momento em que os participantes do evento
celebram ouvindo e dançando forró.
Uma outra área de atuação da Missão Jovens da Verdade é
através da Faculdade Latino-Americana de Teologia Integral, antigo
Seminário Teológico Jovens da Verdade, sob a direção do prof. e pastor

<http://nossamusicabrasileira.blogspot.com.br/p/home.html>. Acesso em:


20/10/2017.)
82

Ariovaldo Ramos54, o maior expoente da Teologia de Missão Integral, a


versão protestante da Teologia da Libertação, com aproximação ao
socialismo e marxismo. Esta teologia é alvo de debates e duríssimas
críticas no meio evangélico.
Outra organização paraeclesiástica que teve fundamental
importância naquele período foi o Sepal. A Sepal55 é uma missão
internacional que se estabeleceu no Brasil em 1963. Foi por meio dela
que, anos mais tarde, foi enviado ao Brasil o jovem pastor Jaime Kemp.
Ele fundou o Projeto 7, que por ter alcançado as expectativas do
fundador, se ampliou e adotou um novo nome: missão Vencedores por
Cristo – VPC56, existente até hoje. O projeto do Vencedores por Cristo
oferecia um treinamento bíblico e missionário para jovens universitários
e pré-universitários durante o período de férias escolares. Após o
treinamento, os grupos jovens percorriam o país para evangelismo
através de apresentações musicais, entre outras formas proselitistas
através da arte. Terminando suas viagens evangelísticas, muitos jovens
retornavam a suas igrejas de origem, implantando nelas uma nova forma
musical, através da formação de novos grupos jovens e do uso das
canções dos grupos jovens já existentes. (CUNHA, 2004). Dentre os
objetivos do Vencedores por Cristo estava o de levar o cristianismo à
juventude brasileira de forma contextualizada e “moderna”, e isso era
feito principalmente através da música. Este modelo de formação de
jovens cristãos talvez tenha sido o motivo da música da banda
Vencedores por Cristo ter se espalhado pelo país, e influenciando tantos
jovens, mesmo sendo uma produção musical independente.
A banda Vencedores por Cristo57, foi um dos grupos jovens da
época que tiveram influência na transformação musical que ocorreu no

54
Foi o pastor Ariovaldo Ramos que fez um discurso e oração pelo político Luís
Inácio “Lula” da Silva, quando este estava no Sindicato dos Metalúrgicos do
ABC às vésperas de sua prisão por corrupção e lavagem de dinheiro em 2018.
55
Sepal, no início, significava Serviço de Evangelização para a América
Latina, mas atualmente a sigla tem um outro significado: Servindo aos Pastores
e Líderes. A Sepal faz parte da Aliança Global OC, uma missão internacional
que “reúne todos os centros de mobilização missionária ao redor do mundo,
todos com a mesma visão, missão e valores”. ( SEPAL. Servindo aos pastores e
líderes. Disponível em: <http://sepal.org.br/>. Acesso em: 20/10/2017.)
56
VENCEDORES POR CRISTO. Site Oficial. Disponível em:
<http://www.vpc.com.br/website/default.asp>. Acesso em: 07 jul 2018.
57
A banda musical Vencedores por Cristo existe até hoje, mas como é apenas
uma das áreas de atuação da missão Vencedores por Cristo, a banda já teve
inúmeras formações ao longo dos anos.
83

meio evangélico a partir dos anos 70. Magali Cunha comentou a


respeito da influência de bandas jovens (chamados conjuntos, naquele
tempo) dentro das igrejas:
Uma consequência deste processo vivenciado nos
anos 70 foi a consolidação dos conjuntos jovens
como modelo de participação da juventude nas
igrejas locais – era raro encontrar uma igreja
evangélica que não o possuísse, e muitas
possuíam mais de um. O repertório era o dos
conjuntos-modelo Vencedores por Cristo, MPC,
Elo, Palavra da Vida; alguns grupos arriscavam
composições próprias. O padrão não se restringia
somente às canções mas à forma de cantar –
arranjos vocais, por exemplo – e de se apresentar
– uso de uniforme, disposição cênica. Os
conjuntos paraeclesiásticos “ditavam moda”. Os
conjuntos jovens em pouco tempo tornaram-se a
forma de articulação da juventude local, que se
reunia não só para ensaiar as canções mas também
para orar e estudar a Bíblia em preparação para as
apresentações musicais; e freqüentemente
realizava retiros espirituais para busca de maior
consagração como jovens cristãos. (CUNHA,
2004, p. 130-131)
A banda Vencedores por Cristo se destacou pela proposta musical
inovadora no cenário da música evangélica brasileira, e apresentaram
este diferencial a partir do álbum De Vento em Popa, lançado em 1977.
A primeira característica deste álbum é que ele foi o primeiro do grupo
constituído apenas por composições de autores brasileiros. Isto era
inovador no contexto evangélico brasileiro da década de 1970 que, por
causa das influências das instituições paraeclesiásticas com raízes
estrangeiras e da tradicional hinódia protestante, muitas canções
cantadas pelos evangélicos eram versões em português das canções
criadas em outros países. Outro importante elemento do álbum é a sua
sonoridade, marcado pela bossa nova. O álbum é considerado por
muitos um marco na música evangélica brasileira.
Em 2012, Gladir Cabral58 e Sérgio Pereira59 publicaram o artigo:
Contracultura no protestantismo: o álbum De Vento em Popa (1977),

58
Doutor em Letras (Inglês e Literatura Correspondente) pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do curso de Letras e do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense
(UNESC). Também pastor presbiteriano e músico, produz mpb cristã.
84

no qual foram realizadas entrevistas com três integrantes do grupo


Vencedores por Cristo que participaram das gravações do álbum. No
artigo, o álbum é apresentado como contracultural no meio evangélico,
demonstrando algumas reações da época, como a proibição do álbum,
das músicas e dos instrumentos utilizados nas gravações, inclusive, um
dos entrevistados afirma que alguns pastores quebraram o LP De Vento
em Popa durante os cultos na frente de toda a igreja. Também é
defendido o seu caráter revolucionário ainda nos dias de hoje, alegando-
se que no meio evangélico ainda há uma resistência aos gêneros
musicais brasileiros.
No artigo, o álbum é caracterizado como contracultural apenas no
contexto evangélico, os três entrevistados – Nelson Bomílcar, Aristeu
Pires Junior e Artur Mendes, afirmam que isso se deu somente no
contexto religioso. Em relação à música secular é possível vermos um
alinhamento apenas da sonoridade. Segundo Nelson Bomilcar, “a
sonoridade era mais brasileira, mas a teologia continuava
conservadora”.
Há que se dizer, no entanto, que não se encontra
em suas letras e encarte nenhuma forma de
contextualização dos problemas de ordem política,
econômica ou social que afligiam o brasileiro em
pleno regime militar. Partindo das características
da contracultura proposta pela juventude em
vários países do mundo, não há no disco nenhuma
tendência pacifista, ecológica, de relativização dos
valores morais, sexuais ou éticos. Não há indícios
também de orientalismo ou de qualquer
ingrediente ideológico de esquerda. (CABRAL e
PEREIRA, 2012, p. 130)
Apesar de não haver um posicionamento em relação ao contexto
social, econômico e político análogo às letras da música secular da
época, ao analisarmos as letras das canções do álbum pudemos perceber
temas que aparecem também nas músicas não religiosas do mesmo
período. Temas como a busca por paz, alegria, liberdade e amor surgem
ao longo das canções, temas que estavam presentes na juventude da
década de 1970. Uma das músicas do álbum que melhor parece dialogar
com o contexto musical secular é a “Vai Caminhando”, pois, a letra
parece “responder” ou “conversar” com a canção secular “Pra não dizer

59
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (UPM). Também músico cristão, conhecido pelo dupla
Baixo e voz.
85

que não falei das flores” de Geraldo Vandré de 1968, uma década antes.
A canção de Vandré tornou-se um hino da resistência civil e estudantil à
ditadura militar, inclusive foi censurada. O início da letra diz:
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção (VANDRÉ, Geraldo, 1968.)
Este trecho fez a canção popularizar-se como por título
“caminhando”. A música de Vencedores por Cristo parece dialogar com
a canção da década anterior, trazendo um ar de dúvida sobre as
motivações do “caminhar”, ao mesmo tempo que se faz um convite ao
“caminhar com Jesus”:
Vai caminhando, como quem não sabe aonde ir
e vai caindo cabisbaixo por aí.(2x)[...]
Mas, se do meu Senhor Jesus ouvir a voz, e o seu
caminho lhe entregar, todo o caminho, não mais
sozinho vai andar. (KERR e BOMÍLCAR, 1977.)
Na entrevista ao artigo de Cabral e Pereira (2012), Geraldo
Vandré é citado por Nelson Bomílcar, autor da música, como um dos
músicos que eram considerados pelos líderes eclesiásticos como
influência negativa para a juventude cristã, pois, nas palavras de
Bomilcar, “ajudavam as pessoas a PENSAR, REFLETIR e
POSICIONAR, resistindo à toda sorte de manipulações.” (p.135).
Apesar de o músico ser negativado pelas lideranças da época, vemos na
fala de Bomílcar uma apreciação positiva de Vandré como referência.
Outra canção que, supostamente, possa estar dialogando com “Pra não
dizer que não falei das flores”, pode ser a música “Sinceramente”. A
persona da canção é alguém que não é cristão, mas que “ouviu falar
sobre Deus”.
Sinceramente eu preciso encontrar
Outro caminho, outra vida levar
Sinto que existe um motivo melhor
Para viver, por quê lutar,
Sem iludir, só amar...

Ouço falar por aí sobre Deus,


E que nas trevas a luz Ele traz
E satisfaz suas vidas, também.
Buscam o bem, gozam a paz,
86

Tem um motivo pra crer.

Vão correndo pra Deus (2x)


Esperando um caminho melhor. (2x)

Se realmente é verdade o que ouvi,


São tantas coisas eu posso sentir
Que vão encher o vazio de mim
Nova canção, quero cantar
Quero este amor abraçar.

Vou correndo pra Deus (2x)


Certamente um caminho melhor! (2x) (MENDES
E CHAGAS, 1977.)
Na letra, aparece a busca de um motivo para viver, para lutar,
assim como, a busca por um “caminho” melhor. A procura pelo bem e o
alcance da paz, como também, os motivos para crer e ter esperança de
um futuro melhor já teriam sido alcançados pelos cristãos – que teriam a
realização da paz, do bem, do amor em Deus. Chama a atenção a
afirmação “nova canção quero cantar”, em um contexto onde as canções
entoavam a busca pela liberdade, pela paz, democracia, por um mundo
melhor, a “nova canção” a ser entoada pela persona seria a canção cristã,
que falasse do amor, paz, satisfação em Cristo.
Outra canção que parece apresentar alguns temas recorrentes nas
músicas da época é a música-tema do álbum, “De vento em popa”.
Segundo Cabral e Pereira (2012):
A canção sugere um desejo de “encontrar um
mundo melhor/Onde a dor no peito não tem
guarida/Onde brilhe sempre o sol”. A vida é
representada como uma viagem, e os tripulantes
do barco refletem sobre a possibilidade de mudar
o mundo. De acordo com a canção, essa mudança
só se faz possível pelo encontro com Jesus, que
traz aos ouvintes a experiência do “amor que não
falha”, do perdão, da graça. Ao mesmo tempo, a
canção faz um chamamento para que o ouvinte
siga Jesus e se torne cantador, “ao mundo inteiro”,
da mensagem do evangelho. (CABRAL e
PEREIRA, 2012, p. 127)
Neste sentido, vemos que, apesar de as músicas do álbum “De
vento em popa” não tratarem diretamente do contexto político,
econômico e social que o Brasil estava passando, as músicas apresentam
temas que eram recorrentes na sociedade brasileira da época: o “Mundo
87

incerto que rouba a paz”60, que traz a “dor”, a “ilusão”, o “medo” e as


“trevas” faz surgir nas pessoas a “busca” e a “luta” por um “mundo
melhor”, por “paz”, por “amor”, pela “alegria”, pela liberdade, por um
“caminho” e uma “direção”61. A diferença se dá onde se encontrariam
estes ideais, para muitos músicos do meio secular o fim da ditadura
poderia possibilitar isso, para o grupo Vencedores por Cristo, somente
em Jesus se alcançaria tal realidade. A abordagem destes temas, ao que
tudo indica, foi feita de forma “inconsciente” pelos autores.
Mesmo não havendo um “engajamento” político, tal qual na
música popular brasileira da época, o álbum foi significativo dentro do
contexto evangélico.
No meio evangélico foi um choque ao ponto de
ser proibido em algumas igrejas. Na época em que
viajei com VPC (1977) em várias delas era
proibido o uso do violão, mesmo o acústico.
Guitarra e bateria eram impensáveis na maioria
das igrejas. Samba, no conceito de muitos (mesmo
samba-canção), era música de carnaval, coisa da
carne e do diabo. (Resposta de Aristeu Pires Jr. à
questão nº 1, em CABRAL e PEREIRA, 2012, p
128)
A importância do álbum também é salientada na lista dos 100
Maiores Álbuns Cristãos Nacionais62, na qual o álbum alcançou o
primeiro lugar. Na página vemos os seguintes comentários a respeito do
álbum da banda Vencedores por Cristo:
Um dos discos mais aclamados até hoje em
termos de letras, ritmos, vocais e instrumentais. A
grande importância desse trabalho reside na
proposta diferente que trazia, na linguagem
inovadora e na influência que provocou em tantos
artistas cristãos, que estavam sendo formados
naquela época, e mesmo em épocas posteriores.
Pela primeira vez, os Vencedores por Cristo
lançavam um disco com canções totalmente
autorais e cujas letras e sonoridade dialogavam,
sem medo, com a cultura brasileira. [...] De Vento

60
Trecho da música “Mais perto”, do álbum De vento em popa (1977).
61
Todas estas expressões estão nas letras das músicas do álbum De vento em
popa (1977).
62
DIAS, João et al. Lista dos 100 maiores álbuns cristãos nacionais.
Disponível em: <https://melhoresdiscoscristaos.files.wordpress.com/2015/09/
100-maiores-c3a1lbuns-cristc3a3os-nacionais.pdf>. Acesso em: 26/09/2018.
88

em Popa foi o único disco cristão a ser tema de


uma tese de mestrado, defendida na Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Ainda, esta obra, devido
a sua qualidade musical, transpassou as barreiras
do meio cristão, servindo de influência para
alguns músicos ‘seculares’, sendo citado,
recentemente, por Ed Motta, como “um disco raro
no gospel”.
Aliando-se à música brasileira, na pretensão de
nacionalizar as canções cristãs da época, era um
contraponto a tantas versões que eram feitas
(profético?). Reúne músicas de grandes
compositores da música cristã: Aristeu Pires
Junior, Artur Mendes, Ederly Chagas, Guilherme
Kerr, Sérgio Pimenta e Nelson Bomilcar, que
também participam nos vocais e instrumentais.
Um disco em que brasilidade, poesia, qualidade e
espiritualidade se harmonizam.”63
Desta forma, o álbum De Vento em Popa, assim como a produção
posterior do grupo Vencedores por Cristo, parece ter influenciado
gerações de músicos evangélicos. A relação das instituições
paraeclesiásticas na produção de música evangélica relacionada à
cultura brasileira parece se manter até hoje, desempenhando já há
décadas um papel fundamental no processo de incorporação de gêneros
musicais e elementos da cultura brasileira, antes considerados profanos,
no meio evangélico brasileiro. Interessante perceber que estas
instituições supracitadas têm relação maior com os setores evangélicos
protestantes do que com os pentecostais.
É difícil mensurar as relações entre a música secular das décadas
de 60 e 70 – da Tropicália, das Músicas de Protesto, da Bossa Nova,
com os grupos e conjuntos musicais de jovens evangélicos do mesmo
período. Não é possível dizer que houve uma relação de causa e efeito.
São necessários mais estudos que investiguem este processo de inserção
dos elementos musicais brasileiros e da brasilidade na música
evangélica e sua relação com os movimentos de valorização da música e
cultura brasileira no meio secular.
A respeito da produção musical pentecostal, suas colaborações no
processo de incorporação de gêneros musicais brasileiros na música
evangélica são difíceis de identificar, pois no meio pentecostal a relação

63
Ibid, 2015.
89

com a cultura brasileira se deu de forma diferente do que aconteceu nos


setores reformados e tradicionais.
Além disso, a produção de registros históricos internos acerca da
música evangélica é mais comum nas igrejas de teologia reformada,
dado que os seus membros são provenientes de uma cultura mais letrada
e de um nível sócio-econômico mais alto quando em comparação ao
pentecostais. Há uma necessidade de mais estudos que investiguem a
história da música evangélica pentecostal brasileira e sua relação com a
cultura nacional.
Apesar da dificuldade em se encontrar informações da música
evangélica pentecostal brasileira, chama a atenção a inovação por parte
dos setores pentecostais, nas décadas de 1950 e 1960, ao se utilizar de
gêneros musicais ligados à cultura nacional, especificamente o
sertanejo, que ainda hoje é muito comum e característico da música
pentecostal.
O gospel no Brasil tem raízes que remontam aos
anos 50 e 60, quando a primeira fase do
crescimento pentecostal acompanhou o fenômeno
da concentração populacional urbana brasileira,
intimamente relacionado ao êxodo rural. Foi nesse
período que os pentecostais romperam com a
tradição da hinologia protestante: introduziram
ritmos e estilos mais populares nas canções,
incluíram instrumentos de percussão e sopro no
acompanhamento e compuseram pequenas
canções com melodia e letra simples para serem
cantadas nos cultos – algo muito próximo do que
seria mais tarde popularizado entre os evangélicos
como “corinhos”. (CUNHA, 2004, p. 123)
Devido às dificuldades para encontrar informações, a partir da
Lista dos 100 maiores álbuns cristãos nacionais, destacamos aqueles que
foram denominados na lista como expoentes da música pentecostal, a
fim de encontrar elementos da música brasileira na carreira destes
músicos.
O álbum mais antigo a aparecer na lista é o álbum “Alma
Cansada” de 1968 da dupla Jair e Hozana, que ficou em 19º lugar. A
dupla foi apontada como a primeira dupla sertaneja, formada por
homem e mulher, a se destacar no cenário evangélico, e Jair Pires é
classificado como “um dos mais notórios cantores e compositores da
90

história da música pentecostal.”64 O álbum de 68 era composto por


hinos da Harpa Cristã juntamente com canções compostas por Jair.
De 1973, é destacado o álbum que, segundo a lista, revelou “o
maior nome masculino da história da música pentecostal nacional”65,
“Cem Ovelhas” de Ozéias de Paula. A música título do álbum foi
gravada originalmente em guarânia, e este álbum aparece na lista em 5º
lugar. Como inovações do cantor no contexto pentecostal, destacamos o
LP “Joia Infinita” – 1975, onde Ozéias de Paula inovou gravando uma
canção em Marchinha.66 Ozéias aparece na Lista em outro momento,
com o álbum “Entrei no Templo”, de 1979, em 65º lugar. A importância
deste álbum na lista se dá pela inserção do trio contrabaixo, guitarra e
bateria no contexto assembleiano.
Em 1971 a dupla Edison e Telma lançava seu primeiro LP “amor
e paz”. O álbum “Deus Vivo”, lançado mais tarde em 1983 entrou para a
Lista em 62º lugar. A respeito do álbum a lista diz:
Ele é um dos maiores compositores da história da
música pentecostal e, ao lado da esposa Telma
formou uma das duplas mais importantes do
gênero. Acumulando sucessos desde 1971,
quando gravaram os primeiros vinis, o ponto alto
da dupla veio em 1983 com Deus Vivo. A música
tema ultrapassou os limites do tempo e entrou
para o repertório de todas as igrejas pentecostais
desde então. Embalado por este grande clássico, o
disco traz ótimas referências do samba e alguns
lampejos de pop.67
Em 1977 temos o surgimento de uma das maiores vozes
femininas do pentecostal, Shirley Carvalhaes, que lançou o LP Acima
das Estrelas. Mas a colaboração de Shirley, no sentido de incorporar
elementos da música brasileira na música pentecostal, se deu mais tarde

64
DIAS, João et al. Lista dos 100 maiores álbuns cristãos nacionais.
Disponível em: <https://melhoresdiscoscristaos.files.wordpress.com/2015/09/
100-maiores-c3a1lbuns-cristc3a3os-nacionais.pdf>. Acesso em: 26/09/2018.
65
Ibid, 2015.
66
TAVARES, Elvis. Ozéias de Paula, intérprete maior do gospel nacional.
Coluna sobre Música Gospel. 2008. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/conteudo.php?id=64&id_secao=3>. Acesso
em: 08/09/2018.
67
DIAS, João et al. Lista dos 100 maiores álbuns cristãos nacionais.
Disponível em: <https://melhoresdiscoscristaos.files.wordpress.com/2015/09/
100-maiores-c3a1lbuns-cristc3a3os-nacionais.pdf>. Acesso em: 26/09/2018.
91

no álbum “Primeiro Amor” de 1994, com a polêmica canção “Faraó ou


Deus?”
Mesmo já tendo vinte anos de carreira, foi com
Primeiro Amor que Shirley Carvalhaes se firmou
como a grande dama da música pentecostal
brasileira. O disco, produzido por Tuca
Nascimento, foi um fenômeno cultural. Seu
grande destaque, a música “Faraó ou Deus?”,
causou um mix de encanto e repúdio nas igrejas,
tamanha era sua ousadia, cujo som misturava
referências da música árabe com forró, ritmo que
passaria a ser constante nos discos do gênero, a
partir de então. Como resultado, a faixa, tratada
nas igrejas mais conservadoras como ‘música para
dançar’, se tornou um hit inquestionável, elevando
a carreira de Shirley e toda a música pentecostal a
outro patamar.68
O álbum “O jardineiro que chora” - 1984, de Alceu Pires entrou
para a Lista em 78º lugar como um dos principais representantes da
música sertaneja e raiz no meio pentecostal. De 1984 também foi
destacado o álbum “Cicatrizes e testemunhos” de Jorge Araújo, no posto
73, o cantor representa outro ramo da música pentecostal da época,
sendo inovador ao introduzir a guitarra elétrica, a bateria e trazendo
canções do gênero pop.
No meio pentecostal emergiram músicas mais ligadas à cultura
sertaneja e nordestina, nas igrejas pentecostais vemos um sub-gênero da
música evangélica: os corinhos de fogo, conhecidos também como
reteté69. Lopes (2016), ao abordar o forró70 como gênero musical

68
Análise feita pela Lista dos 100 maiores álbuns cristãos, o álbum entrou para
a lista em 69º lugar. (DIAS, João et al. Lista dos 100 maiores álbuns cristãos
nacionais. Disponível em:
<https://melhoresdiscoscristaos.files.wordpress.com/2015/09/100-maiores-
c3a1lbuns-cristc3a3os-nacionais.pdf>. Acesso em: 26/09/2018.)
69
Tanto a expressão “fogo” como “reteté” fazem alusão ao momento em que o
fiel é “tomado pelo Espírito”, o que se expressa através da glossolalia, da dança,
dos giros, balançar das mãos e até o “cair”, “descansar no Espírito” – quando
uma pessoa cai no chão, podendo ali ficar por alguns minutos.
70
Lopes explica o que considerou como forró: “Portanto, para este artigo,
convencionou-se chamar de forró o conjunto de gêneros musicais, que, apesar
de ultrapassar o campo sonoro, será analisado a partir dos seguintes elementos:
células rítmicas, estilo vocal, poética popular, harmonia com poucos acordes,
92

transversal entre umbanda, catolicismo e pentecostalismo, apontou


alguns aspectos da música produzida no pentecostalismo:
Até o final dos anos 50, seu repertório
hegemônico era definido por traduções de hinários
europeus e norte-americanos. A partir das
organizações paraeclesiásticas um novo conjunto
de canções ganhou espaço no meio evangélico
brasileiro: os corinhos. Esse outro modo de fazer
música acrescentou instrumentos, como violão,
pandeiro e teclado, substituindo o espaço que
pertencia somente ao órgão e à música a capela.
Por conseguinte, um desdobramento desta
transformação musical no meio evangélico
brasileiro (ou tentativa de resgate da tradição), foi
o movimento composicional de corinhos de fogo,
populares em diversas igrejas pentecostais. Estes
louvores são formados, basicamente, por gêneros
que compõe o forró, acrescidos de outros, como,
por exemplo, o “axé baiano”. (LOPES, 2016, p.
610-611)
O autor investigou a realidade de Xerém, 4º distrito de Duque de
Caxias, Rio de Janeiro, e observou a utilização de pandeiro em duas
igrejas pentecostais. Constatou que, geralmente, as igrejas que mais
valorizam a utilização de corinhos de fogo (reteté) nos repertórios de
suas reuniões são as Assembleias de Deus de estrutura física pequena,
que são chamadas de congregações. No estudo, também foram
analisadas músicas disponíveis no YouTube, e como exemplar da música
pentecostal foi escolhida a canção Divisa de fogo, interpretada pelo
Pastor Melvin, que apresenta estrutura rítmica que se aproxima do xote
e de uma variante do axé music baiano, popularmente chamado de
swingueira. (LOPES, 2016, p. 613-614.) Há um fato curioso, a música
Divisa de fogo é muito utilizada em vídeos de humor cristão71. Isso

dependente de instrumentos de percussão e introdução em formato de aboio.”


(LOPES, 2016, p. 610)
71
Há diversos canais de humor gospel no YouTube, mas cabe ressaltar um
especificamente aqui: o canal Tô Solto. Com 1.129.139 de inscritos o canal
pertence ao humorista cristão Vini Rodrigues e os vídeos, produzidos e
protagonizados por ele, apresentam o personagem Pastor Jacinto Manto em
diversas situações. Jacinto Manto é um pastor pentecostal e nos vídeos o humor
é feito a partir do linguajar, crenças e costumes pentecostais. O próprio nome já
faz brincadeira com os pentecostais, pois, Manto também é uma forma de
expressar o momento em que o fiel é “tomado pelo Espírito”. “Sentir o manto”
93

porque parece haver de alguns setores evangélicos um tom depreciativo,


satírico, em relação ao reteté. Da parte dos tradicionais e reformados,
vemos críticas de cunho teológico, dado que sua crença em relação ao
Espírito Santo diferencia-se dos pentecostais. No entanto, é possível
encontrar a rejeição do estilo inclusive entre os pentecostais, por
exemplo, membros de uma Assembleia de Deus com estrutura física
maior (chamada de Sede, por ser a principal igreja regional) podem
rejeitar o estilo dos corinhos de fogo. Se os corinhos de fogo são
compostos por elementos do forró, é possível elencá-los como um
exemplar da cultura popular brasileira que emergiu no interior do
pentecostalismo? Seria a característica popular um dos motivos a
suscitar a rejeição, ridicularização do reteté por parte de alguns setores
evangélicos? Ou seria a característica brasileira do estilo?
Apesar de rejeitado por alguns setores, até encarado de forma
pejorativa, o reteté tem grande importância no meio pentecostal. Para
aqueles que gostam, e para as igrejas que tradicionalmente usam deste
tipo de música em suas reuniões, o reteté é música séria e música que
“atrai a presença de Deus” de forma mais intensa do que outras músicas.
Nestas igrejas, é durante os “corinhos de fogo” que acontecem diversas
manifestações extáticas nos fiéis.
Lopes constatou “a partir da análise de células rítmicas, do estilo
vocal, da poética, da harmonia e da instrumentação, [...] o forró pode ser
considerado transversal entre a umbanda, catolicismo e o
pentecostalismo.” (LOPES, 2016, p. 615-616) Ou seja, gêneros
brasileiros podem ser encontrados na produção musical religiosa de
diferentes religiões brasileiras, é possível encontrar identidade cultural
brasileira na musicalidade das religiões do Brasil.
É difícil se localizar quanto às datas, mas entre os pioneiros dos
“Corinhos de fogo” estão Osvaldo Nascimento, com a música “Fogo do
Senhor”, e Vino Santos com o xaxado “Jacó segurou o anjo”. Apenas o
coro desta música se popularizou, por isso é chamada de “corinho”.
Hoje no meio gospel há um sub-gênero musical denominado
“música pentecostal”. Mas isso não significa que nessa categoria estão
todos os músicos pentecostais, pois ela compreende apenas os cantores e
bandas que produzem músicas no estilo reteté, corinho de fogo.

equivale para os pentecostais a sentir a “presença do Espírito Santo”.


Normalmente este momento “do manto” ocorre enquanto músicas são tocadas.
Neste vídeo há uma sátira com relação a este assunto, além da participação de
outro humorista cristão Jonathan Nemer, dono do canal Desconfinados com
1.685.815 inscritos.
94

Enquanto os pentecostais tinham a produção musical ligada às


raízes sertanejas, alguns conjuntos jovens relacionado às
paraeclesiásticas começaram, a partir da década de 1970, a produzir
músicas em gêneros musicais como bossa nova e MPB. Como os
pentecostais, que pareciam estar em processo de transformação e
inovação na sua música, foram influenciados pela ação destas
instituições paraeclesiásticas? Como foram recebidas as inovações
musicais surgidas nos grupos paraeclesiásticos, como a inserção de
instrumentos e estilos mais ligados à bossa nova e MPB? Os conjuntos
musicais jovens, como o Vencedores por Cristo, tiveram espaço nos
cultos e reuniões pentecostais para executar suas músicas?
A introdução, em contexto pentecostal, de gêneros musicais
brasileiros como o samba, parece ter acontecido mais tarde com as
neopentecostais e a “explosão” do gospel. A partir da década de 90
houve um surgimento de bandas, grupos e artistas gospel nas mais
variadas vertentes musicais. Gêneros musicais populares e que guardam
relação com grupos marginalizados começaram a ser utilizados com o
intuito de “falar a mesma linguagem” destes grupos. Houve o
surgimento de diversos grupos de rap, do grupo de funk Yehoshua72,
grupos de samba como o Pra God, Só Pra Te Abençoar73 e o Divina
Inspiração, que ganhou grande popularidade por ter sido fundado por
dois jogadores de futebol – Marcelinho e Amaral. Este último grupo,
apresentou-se em diversos programas de TV, os jogadores se dividiam
entre a carreira esportiva e musical, quando possível estavam juntos nas
apresentações. O grupo masculino se apresentava com passos de danças
ensaiados e sempre com todos vestindo terno e gravata – o “traje
tradicional” do crente. A música “Olhos Espirituais” foi um sucesso no
início, o grupo chegou a vender 500 mil cópias, mas depois da saída dos
jogadores e alguns escândalos o grupo acabou. Outro grupo que surgiu
na década de 90 foi o grupo do cantor e político Magno Malta, o grupo
Tempero do Mundo. O grupo gravou o primeiro CD em 1998, e ficou
conhecido como “os pagodeiros de Cristo”74. (CUNHA, 2004)

72
Surgiu no contexto Metodista no Rio de Janeiro, a partir de dois membros que
eram ex-funkeiros. (CUNHA, 2004, p.160)
73
O nome parece ser uma referência ao grupo de pagode secular “Só Pra
Contrariar – SPC”.
74
ALBIN, Cravo. Banda Tempero do Mundo. Instituto Cravo Albin.
Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/banda-tempero-do-mundo/dados-
artisticos>.
95

Neopentecostais, especialmente a Igreja Renascer em Cristo,


abriram espaço na liturgia dos cultos para os gêneros que antes eram
considerados profanos, como o pagode, o axé, funk, samba, reagge, rap.
As inovações atraíram para estas igrejas um número grande de pessoas,
principalmente jovens. Nos CD’s produzidos pela banda oficial da igreja
Renascer em Cristo – o Renascer Praise, houve a participação de alguns
pagodeiros convertidos, como os cantores Salgadinho e o Rodriguinho.
Ao longo do tempo, inclusive, surgiu o “carnaval gospel”.
Tradicionalmente as igrejas evangélicas realizavam, ainda realizam,
retiros espirituais no período de Carnaval, na lógica de buscar as coisas
“espirituais” enquanto o mundo busca as coisas da “carne”. Em 1988, a
Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, cidade do Rio de
Janeiro, inovou criando um bloco de Carnaval chamado “Mocidade
Dependente de Deus”. Posteriormente, surgiu o Bloco “Cara de Leão”,
surgiu em 1993 a partir do Projeto Vida Nova, e faz parte da Federação
dos Blocos Carnavalescos do Estado do Rio de Janeiro, fazendo parte
dos desfiles oficiais do Carnaval e concorrendo com os demais blocos.
Durante o Carnaval são Blocos, Trio Elétricos, até Escola de Samba,
que em seus desfiles anunciam a mensagem cristã evangélica. A posição
que os evangélicos tomam é a de usufruir de momentos de diversão
sadia, enquanto se serve a Deus e se “guerreia” contra Satanás, pois
aproveitam o momento para ações proselitistas. Além disso, a ocupação
destes espaços ligados ao que é denominado como “carnalidade” e
“pecado”, é também opor-se ao Inimigo Cristão, demonstrando formas
“santas” de alegria e festividade. (CUNHA, 2004)
Todas estas expressões musicais e culturais surgem no contexto
evangélico debaixo de muitas polêmicas, controvérsias e resistências.
Apesar da expansão da música e da cultura gospel, que anda digerindo
toda a cultura ao redor e regurgitando tudo novamente em versão gospel
– antropofagia gospel [?], a aceitação da música cristã em gêneros
musicais brasileiros não é unanimidade entre os evangélicos, e ao que
parece, nem tampouco é predominante.
As premiações específicas da música gospel nacional apontam
um panorama geral da música evangélica. Quanto aos gêneros musicais
brasileiros, se faz necessário fazer alguns apontamentos em relação às
premiações. Em 2008, o álbum do pagodeiro gospel Waguinho, “Vida
Renovada”, ganhou o Troféu talento na categoria Álbum Alternativo,
pois nunca houve uma categoria específica de samba ou música
brasileira na premiação.
O Troféu Talento era promovido pela Rede Aleluia, emissora de
rádio da Igreja Universal. Durante os anos que aconteceu foi o maior
96

evento de premiação da música gospel. Em 2010, o evento foi suspenso


por tempo indeterminado, sendo a última edição do evento em 200975.
Em 2011 tivemos o surgimento do Troféu Promessas, com o
apoio da Rede Globo, veio para preencher a lacuna que o Troféu Talento
havia deixado. Os eventos do Troféu Promessas foram transmitidos pela
Rede Globo, e a última edição do evento foi em 2013. O evento
envolveu algumas polêmicas e despertou críticas, entre elas, o fato de
que a música vencedora da categoria Melhor Música em 2012 ter sido a
canção "Me Ama" – do grupo Diante do Trono. A polêmica surgiu
porque a música é na verdade uma versão em português da música
“How He Loves Us” do norte-americano John Mark McMillan, houve a
manifestação de alguns artistas do meio que apontaram como
incoerência premiar uma música estrangeira como a Melhor do Ano em
um evento de premiação nacional. Em 2013, novamente a categoria de
Melhor Música foi vencida por uma versão em português de música
norte-americana, a música “Nosso Deus” de Gui Rebustini, que é a
versão em português da “Our God” de Chris Tomlin. O Troféu
Promessas, nas suas três edições também não teve uma categoria
destinada à música brasileira. Em contrapartida, na edição de 2013 teve
a categoria de “Melhor Cd de Rock”, que foi a única categoria
específica para gênero musical da premiação, não havendo uma
categoria para “pop”, “sertanejo”, “Mpb” ou qualquer outro tipo de
gênero musical76.
Chamamos atenção também para o fato de, nas duas premiações,
terem existido uma categoria específica para a música pentecostal, que
normalmente compreende não aos músicos que são pentecostais, mas
àqueles que fazem música do “reteté”, “corinhos de fogo”. O gênero tem
forte influência do gênero musical de forró e sertanejo, contudo, as

75
Na última edição do Troféu Talento – 2009, tivemos as seguintes categorias:
“Álbum Instrumental”, “ Dupla”, “Álbum Alternativo”, “Álbum Rap”, “Álbum
Independente”, “Banda”, “Grupo Vocal”, “Álbum infantil”, “Álbum
Pentecostal”, “Álbum Pop e Pop Rock”, “Álbum Rock”, “Álbum Black Music”,
“Vídeo Clipe”, “DVD”, “Grupo de Louvor”, “Álbum Ao Vivo”, “Álbum
Adoração e Louvor”, “Revelação Feminina”, “Revelação Masculina”,
“Intérprete Feminino”, “Intérprete Masculino”, Destaque de 2008”, “Álbum do
Ano”, “Cantora do Ano”. “Cantor do Ano”, “Música do Ano”.
76
As categorias existentes no Troféu Promessas em suas três edições foram:
“Melhor Clipe”, “Revelação”, “Melhor Cd”, “Melhor DVD/Blu-ray”, “Melhor
Grupo”, “Melhor Ministério de Louvor”, “Melhor Cantor”, “Melhor Cantora”,
“Melhor Música”, “Pra curtir”, “Melhor Cd pentecostal” somente em 2012,
“homenageado do ano” em 2012, “Melhor Cd de Rock” somente em 2013.
97

raízes culturais brasileiras ficam escondidas na alcunha de “música


pentecostal”.
Estas informações acerca das premiações nos apontam que a
música evangélica em gêneros musicais brasileiros ainda não tem uma
grande popularidade e reconhecimento no meio evangélico quando
comparado a outros gêneros musicais. Nos mostram também, a
influência da cultura e música evangélica estrangeira – principalmente a
norte-americana, na produção da música evangélica brasileira parece
produzir uma dependência do mercado gospel brasileiro em relação ao
mercado “gospel” internacional, já que normalmente as regravações em
português são justamente das músicas de língua inglesa de maior
sucesso no contexto internacional.
Por todo o país é possível ver entre as igrejas evangélicas,
sobretudo entre as pentecostais, as “conferences”, pois não se chamam
mais conferências ou “cruzadas”. Nos cultos temos o momento do
“worship”, inclusive sendo denominado como um gênero musical. Os
cultos e reuniões jovens tem seus nomes em inglês, e em algumas
igrejas, a influência do idioma chega até às orações, com expressões
como “Yes”, “Lord”, “I love You Jesus”, “Come on” sendo proferidas
durante estes momentos.
Mesmo após décadas de produção de música evangélica em
gêneros musicais brasileiros, dos grupos de bossa nova, duplas
sertanejas, grupos de forró, pagode, samba, axé, entre muitos outros –
porque ainda perdura a forte influência estrangeira, especialmente norte-
americana, sobre os evangélicos brasileiros? São necessários mais
estudos para sondar as relações dos evangélicos com a cultura
estrangeira, norte-americana e a cultura brasileira.
98
99

6. JOÃO ALEXANDRE:

João Alexandre Silveira, paulista, nascido em 1964, é um dos


maiores referenciais no meio evangélico quando o assunto é música
brasileira. Ele decidiu ser músico profissional por volta dos 20 anos de
idade e teve forte influência do grupo musical Vencedores por Cristo,
que inovou com inserção de elementos da música popular brasileira na
música cristã. João fez parte do grupo Pescador e do Grupo Milad77,
grupos cristãos marcados pela brasilidade nas letras e nos ritmos das
canções.
Em 1991 iniciou sua carreira solo, através da qual ganhou maior
popularidade. Hoje, João ainda tem sua carreira solo, e no ano de 2018
João fez apresentações em parceria com novos nomes da MPB cristã,
apresentando-se em Belo Horizonte com Estevão Queiroga, e no Rio de
Janeiro com Luiz Arcanjo78.
Atualmente, João faz parte da Igreja Presbiteriana, da tradição
reformada calvinista.
João desenvolve uma espécie de programa de entrevista, no qual
ele recebe músicos ou cantores, nem sempre evangélicos. O programa é
gravado em um estúdio musical e os vídeos são disponibilizados no site
do Koinonia79 online e no YouTube80. O programa é sempre
apresentado por João com o seu violão, que recebe seus convidados para
fazer música e, entre uma canção e outra, conversar sobre muitos temas.

6.1. CARREIRA MUSICAL:

João iniciou sua carreira musical fazendo parte de grupos


musicais em um tempo em que a maioria dos grupos evangélicos não

77
GOSPEL NO DIVÃ. Simplesmente João. Dezembro – 2010. Disponível em:
<http://www.gospelnodiva.com/2010/12/simplesmente-joao.html.>
78
A apresentação com Luiz Arcanjo aconteceria em 10 de Maio de 2018, mas
foi cancelada e remarcada para 27 de setembro de 2018. Luiz Arcanjo, apesar
de já fazer sucesso no gospel com o grupo Toque no Altar e com o ministério
Trazendo a Arca, apenas a partir de 2009 começou a fazer música em gêneros
musicais brasileiros no álbum “Luiz Arcanjo”.
79
São 85 programas disponibilizados neste site. (KOINONIA ONLINE. Meia
Hora. Disponível em: <http://www.koinoniaonline.net/meiahora/menu.htm>. )
80
O canal tem a mesma logo do site do Koinonia, mas no canal tem cerca de
100 programas Meia Hora, além de outros tipos de programas com outros
apresentadores. (PROGRAMA MEIA HORA. Canal no YouTube. Disponível
em: <https://www.youtube.com/user/programasondemand/videos>. )
100

tinham característica comercial, mas missionária, pois, o mercado


gospel ainda não tinha “acontecido”. Para estes grupos, ir de um lado ao
outro do país era uma jornada missionária e não uma turnê musical.
Em 1983 João participou como músico convidado do álbum
“Tudo ou Nada” do grupo Vencedores por Cristo, fazendo sua
participação nos violões, na guitarra e no vocal. Os músicos do grupo
Vencedores por Cristo exerceram forte influência sobre João Alexandre,
sendo considerados pelo cantor como um dos grupos que representam o
que ele chama de “primeira geração de música brasileira cristã”.
O segundo grupo que o cantor fez parte foi o Grupo Pescador,
que existiu apenas por alguns anos da primeira metade da década de 80.
O Grupo Pescador tinha intencionalidade em defender a música
brasileira e cristã. João falou a respeito grupo Pescador “a gente era 5
meninos com o propósito de “abrasileirar” um pouco mais a coisa”.81 O
Grupo Pescador teve apenas um álbum, Contraste – 1984, no qual
estava a “Canção da Alvorada”82, uma das músicas que João Alexandre
regravou e continuou cantando em sua carreira solo.
O terceiro grupo que João Alexandre fez parte foi o Milad –
Ministério de Louvor e Adoração, que nasceu em 1985 dentro do
contexto da Missão Vencedores por Cristo e tinha como objetivo “de
evangelizar e edificar através das “artes cristãs”83. Dentro do Milad
foram surgindo grupos de música, teatro, dança. As apresentações do
Grupo aconteciam por todo o país e eram com caráter evangelístico,

81
João em uma Mesa Redonda que aconteceu no evento “I Conferência
Exposição Bíblica – Pregação e musicalidade cristã no Brasil” que foi realizado
nos dias 4, 5 e 6 de setembro de 2014 na Igreja Batista Deus é Luz (Águas
Claras, Brasília-DF). (JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes,
Paulo Cézar, João Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez
2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.)
82
“Canção da Alvorada” é uma MPB que lembra algumas canções de Flávio
Venturinni. O grupo pescador parece ter sido influenciado pelas bandas
seculares 14 BIS (que Flávio foi integrante) e Boca Livre. João Alexandre, ao
participar da Mesa redonda que citamos, afirmou que na época que era do grupo
Pescador, eles foram ao show do Boca Livre e que a banda os influenciou.
83
VENCEDORES POR CRISTO. MEMÓRIAS - MILAD - Ministério de
Louvor e Adoração.2007. Disponível em:
<http://www.vpc.com.br/website/exibe_txt.asp?conteudo_txt=132&tit=memori
as>.
101

proselitista, e, com caráter didático84, a fim de ensinar aos músicos das


igrejas evangélicas brasileiras as concepções de Louvor, Adoração e
Música que o grupo defendia. No trecho a seguir, retirado do site da
missão Vencedores por Cristo, vemos a respeito do grupo Milad e da
ideia defendida pelo grupo de o músico cristão poder ser profissional:
Do início até o fim do ministério, por onde
passou, a grande dificuldade sempre foi
conceituar a possibilidade bíblica do músico e do
artista cristão, poder viver e receber dignamente
pelo trabalho que ele estava realizando.85
A intenção didática do grupo também se manifestou numa série
de retiros espirituais denominada “A criatividade no Reino de Deus” e
realizados pelo Milad em diferentes cidades do país. O objetivo foi o de
disseminar o conceito do grupo de que as manifestações artísticas
podem e devem ser usadas como ferramentas evangelísticas. O Grupo
musical do Milad se mantinha a partir das ofertas em dinheiro que
recebia de pessoas que queriam ajudar o grupo, como também através
da venda de discos de gravação independente, que eram levados pelos
músicos para serem vendidos para o público nas apresentações.
João saiu do Grupo Milad, e iniciou a sua carreira solo em 1991,
quando lançou seu primeiro álbum Simplesmente João. O álbum foi
gravado pela Gospel Records86 e teve a regravação de “Olhos no
espelho” e “Pra cima, Brasil”, ambas originalmente gravadas pelo
Grupo Milad. Neste álbum João continuou mantendo a identidade
brasileira e gravou uma canção dedicada ao estado de Minas Gerais
chamada “Muito mais mineiro”.
Em 1994 João gravou o álbum Todos são iguais, no qual João
gravou as canções “Em nome da Justiça”, “Todos são iguais” e “Pai
Nosso”.

84
Este termo é usado no site do VPC. O fato de João ter iniciado a carreira neste
contexto, de ensinar aos evangélicos através da música e acerca da música, pode
ter influenciado a sua postura engajada e contundente ao defender as suas
concepções de música, brasilidade e cristianismo.
85
VENCEDORES POR CRISTO. MEMÓRIAS - MILAD - Ministério de
Louvor e Adoração.2007. Disponível em:
<http://www.vpc.com.br/website/exibe_txt.asp?conteudo_txt=132&tit=memori
as>.
86
A Gospel Records foi uma gravadora brasileira criada em 1990 por Estevam
Hernandes e Antônio Carlos Abbud, respectivamente Apóstolo e Bispo da
igreja Renascer em Cristo. Em 2010, a gravadora encerrou suas atividades.
102

Em 1996 lançou o álbum Voz e Violão, a partir do qual começou


a assumir todas as etapas de produção de seus álbuns87, configurando-se
como artista independente. João sempre fez declarações polêmicas,
inclusive afirmou que “rompeu com o gospel”, mostrando o interesse
em que sua imagem não esteja vinculada ao “mercado gospel”
brasileiro.
Em 1999 lançou o álbum Acústico, no qual houve regravações e
músicas inéditas. Neste álbum tem a regravação de “Muito mais
mineiro”, além de ter uma canção dedicada à cidade de Belém no Pará,
com o nome “Belém do Pará” e uma para Manaus, chamada “Manaus,
morada do sol”. No mesmo ano, lançou outro álbum nomeado Hinos:
instrumental, no qual ele toca quatorze hinos tradicionais da música
cristã evangélica nacional e internacional como: “Mais perto quero
estar”, “Tu és fiel” e “Glória, Glória, Aleluia”. Interessante destacarmos
que a faixa nove deste álbum é o Hino Nacional Brasileiro executado
em violão e gaita de boca.
Em 2002, João gravou o Voz, Violão e Algo Mais com
regravações e canções inéditas. Neste álbum tem as canções “Salvador
da Bahia" e "Vitória do Espírito Santo", ambas dedicadas às cidades do
título da música. Faz parte também a canção “Casa Grande”, uma
canção de Gladir Cabral que faz analogia entre a escravidão que
aconteceu no Brasil e a liberdade que, segundo a crença, Cristo pode
dar.
Em 2007 João lançou seu Cd É proibido pensar, e a canção
homônima foi uma das que mais geraram polêmicas em relação ao
cantor. Isso porque a canção “É proibido pensar” faz uma crítica direta
às igrejas, movimentos e musicalidade neopentecostais.
João ainda lançou outros álbuns depois destes – Autor da Vida,
1997; O melhor de João Alexandre (Coletânia), 2000; Oração da Noite,
2003; João Alexandre: 20 anos, 2004; Família, 2005; Do outro lado do
mar, 2009; Sobre o amor, 2009; Dois Tempos - Dvd, 2010. Todos pela
VPC Produções. Atualmente João desenvolve um projeto chamado
MMJA- Mais Música Online João Alexandre88, que é uma plataforma
de ensino a distância online, no qual através de vídeo-aulas o músico
ensina suas músicas para violão em diferentes níveis: iniciante,
intermediário e avançado. Esta tem sido uma parte da renda de João

87
Parece que, a partir do álbum Voz e Violão, em 1996, a gravação e
distribuição do seu trabalho foi feita pela VPC Produções.
88
MAIS MÚSICA. Curso online com João Alexandre. Disponível em:
<https://mmja.eadplataforma.com/curso/mmja/>. Acesso em: 25/10/2017.
103

Alexandre, que segue também com sua carreira musical através de


apresentações.
João Alexandre é uma referência entre os músicos cristãos
evangélicos como violonista, compositor e cantor, e seu trabalho com
música popular brasileira exerce uma influência na forma destes
músicos enxergarem a música brasileira.
Na Lista dos 100 maiores álbuns, promovida por diversos sites
cristãos, aparecem dois álbuns de João Alexandre: em 15º lugar está
“Voz e Violão – João Alexandre” de 1996, VPC Produções, e em 27º
lugar está “Simplesmente João – João Alexandre” de 1991, Gospel
Records. É interessante reparar que João Alexandre se faz presente em
outros álbuns listados no ranking. O álbum que está em 8º lugar:
“Janires e Amigos – Janires” 1985, Doce Harmonia, é apontado como o
primeiro álbum ao vivo da música cristã nacional e teve participação de
diversos músicos, entre eles João Alexandre.
João Alexandre também aparece no álbum “Poemas e Canções”
(76º lugar da lista), de 2002, Novo Tempo, do cantor Leonardo
Gonçalves, pois o cantor adventista gravou em seu álbum músicas de
composição de João Alexandre. É possível que outros álbuns da lista
também tenham mais canções compostas por João.
O álbum “Retratos de Vida”,1987, do Grupo Milad, o qual João
fez parte aparece em 9º lugar. Segundo a análise realizada na lista “os
100 maiores álbuns da música cristã” álbum é marcado por explorar:
[...] a vida noturna paulista e todo o caos urbano
que existia – e persiste – na maior cidade do país.
Tratando da elite cultural (“Plateia”), prostituição
(“Esquinas Cruéis”), desigualdade em seus
extremos (“Pobres Ricos” e “Meninos de Rua”) e
isolamento social (“Solidão de Ilha”), o trabalho é
cheio de riqueza musical, passeando pela MPB,
bossa-jazz e até mesmo o post-punk, com muita
tranquilidade.89
O álbum ainda contém músicas que marcaram a carreira de João
Alexandre, como a canção “Olhos no Espelho” que foi regravada em
discos solo do cantor. Na lista está também o álbum “Pra Cima Brasil!”
do grupo Milad, de 1990, e de produção Independente. Segundo a
análise da lista, o álbum politizado evidenciou uma “decepção com o
jogo político e as extremas crises econômicas que assolavam o país” e

89
DIAS, João et al. Lista dos 100 maiores álbuns cristãos nacionais.
Disponível em: <https://melhoresdiscoscristaos.files.wordpress.com/2015/09/
100-maiores-c3a1lbuns-cristc3a3os-nacionais.pdf>. Acesso em: 26/09/2018.
104

apresentou a canção “Brasil”, que mais tarde teve o nome mudado para
“Pra cima Brasil!”. Enquanto estava no Milad, João foi um dos
principais compositores do grupo, o grupo abordava temas como as
desigualdades e injustiças sociais em tom de crítica, característica que
João demonstra em algumas de suas canções em sua carreira solo.
A popularidade do cantor se evidencia ao procurar suas canções
no YouTube. Além de diversos vídeos do cantor apresentando suas
canções podemos encontrá-las também interpretadas por outras pessoas.
A canção “Pra cima, Brasil”, de composição de João Alexandre,
que foi gravada pela primeira vez em 1990 pelo grupo MILAD, é uma
das mais populares do cantor, sendo inclusive o título de sua turnê no
ano de 2018. A canção é uma crítica às injustiças sociais do país e
levanta um “clamor” para que o Brasil deposite sua esperança em Deus
– apresentado na canção como única solução para os problemas
nacionais.
No YouTube encontramos diversos vídeos de apresentações de
João Alexandre, assim como apresentações em reuniões evangélicas nas
quais esta música foi utilizada por outras pessoas. Em um deles,
publicado em dezembro de 2013, uma apresentação de dança e teatro
feita a partir da canção de João é realizada por jovens e adolescentes em
uma Igreja Assembleia de Deus Filadélfia90. Em outro vídeo, vemos a
música sendo apresentada por um grupo de dança feminino em uma
Igreja Assembleia de Deus91. Nas duas apresentações é utilizada a
versão da canção do álbum Voz e Violão de João Alexandre, no qual há
um trecho do Hino Nacional Brasileiro tocado pelo violão. Nas duas
apresentações também a bandeira brasileira aparece.
Encontramos também vídeos da música sendo executada em
coral, entre eles, pelo Coral da Faculdade Adventista de Hortolândia92

90
GRUPO DE TEATRO ASSEMBLEIA DE DEUS FILADÉLFIA.
Coreografia: Brasil olha pra cima (João Alexandre). Vídeo no YouTube.
Publicado em: 17 dez 2013 Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=3CszFNj7mf0>.
91
GRUPO KADOSHI. Pra cima Brasil- grupo Kadoshi (JP1). YouTube.
Publicado em: 28 abr 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=rjhBQdaGvPY>. Acesso em: 07 jul 2018.
92
Coral da Faculdade Adventista de Hortolândia apresentando Pra Cima, Brasil.
O vídeo, relativamente bem produzido, apresenta o coral interpretando a canção
em um local externo, e a música parece ter sido gravada anteriormente em
estúdio. É interessante o fato de que no vídeo há também um homem, que
parece ser integrante do grupo, interpretando a canção em Libras. (CORAL EM
FAH. IASP 2014 - Coral em FAH - Pra cima Brasil. Hortolândia. YouTube.
105

formado pelo alunos Universitários, e por um coral jovem durante um


culto em uma Assembleia de Deus93.
Também temos vídeos de cantores famosos no meio gospel
interpretando a canção, em um deles vemos Eli Soares cantando a
canção na Igreja Batista Getsêmani94 em Belo Horizonte. Outro vídeo é
o do grupo Arautos do Rei95 interpretando a canção, neste temos apenas
o áudio da versão a capella que o quinteto deu para a canção. O grupo
Arautos do Rei gravou esta canção no seu álbum “a capella” de 1998.
Cunha (2004) apresentou um estudo de caso realizado com as três
maiores igrejas do segmento evangélico de protestantismo histórico de
missão da região do ABC do estado de São Paulo, nomeadamente:
Igreja Batista, Igreja Presbiteriana e Igreja Metodista. A partir de
questionários, entrevistas e observações de cultos o estudo apontou que
63% dos evangélicos do grupo que participou do estudo adquirem CDs
de música religiosa e que:
[...] foram feitas 36 menções de cantores
evangélicos preferidos. O mais indicado foi o
cantor João Alexandre (17,8%), seguido de Kleber
Lucas (16,4%) e de Matos Nascimento (12,32%);
(CUNHA, 2004, p. 268)
Esse dado mostra a popularidade do cantor João Alexandre,
atualmente presbiteriano, no meio dos evangélicos do protestantismo
histórico de missão. No entanto, o vínculo institucional do cantor não
parece ser o maior motivo para sua popularidade, pois, se observarmos

Publicado em: 3 out 2014. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=cwUigWgK5sM >.)
93
CORAL JOVEM – ASSEMBLEIA DE DEUS. Pra cima Brasil - Equipe de
missões 2007 (CEADUR-05). Recife - PE. YouTube. Publicado em: 26 jul
2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MtREs2-PwVU>
94
O vídeo foi gravado durante uma reunião que teve na igreja Batista
Getsêmani em 09/08/2017. A versão de Eli Soares se apresenta com influência
do jazz. (ELI SOARES. Pra Cima Brasil (João Alexandre) - Eli Soares ft.
Josue Lopez. Igreja Batista Getsêmani - Dona Clara - BH-MG. YouTube.
Publicado em: 23 ago 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=54XOryaD4Kg>.)
95
O grupo Arautos do Rei é um dos quartetos vocais mais famosos no meio
evangélico. O grupo pertence à Igreja Adventista do Sétimo Dia, iniciou em
1962 e existe até hoje, na sua 29ª formação diferente. O vídeo da canção “Pra
cima, Brasil” já tem mais de 28.775 visualizações e pode ser encontrado no
endereço a seguir: ARAUTOS DO REI. Arautos do Rei - Pra cima Brasil.
YouTube. Publicado em: 21 abr 2008. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Ic-9Evp12-I>.
106

os cantores que estão em sequência como mais indicados como


preferidos são: Kléber Lucas e Matos Nascimento, ambos de origem
pentecostal96. Demonstrando mais uma vez que a música gospel circula
por todos os segmentos e instituições do meio evangélico.

6.2. MÚSICAS ANALISADAS:

- PRA CIMA, BRASIL!

Das músicas de João Alexandre que tem por tema o Brasil, essa
talvez seja a mais popular. De composição do cantor “Pra Cima, Brasil”
foi gravada originalmente em 1990 pelo Grupo Milad, o qual João fazia
parte antes da carreira solo. A seguir a primeira parte da letra da música:
Como será o futuro
Do nosso país?
Surge a pergunta no olhar
E na alma do povo
Cada vez mais cresce a fome
Nas ruas, nos morros
Cada vez menos dinheiro
Pra sobreviver
A primeira estrofe apresenta que “na alma do povo” estariam os
questionamentos acerca do futuro do país. A fome, a desigualdade
social, a falta de dinheiro para “sobreviver” seriam os elementos que
levantariam o questionamento desesperançoso no meio do povo. Como
se levantasse o questionamento: “que futuro tem um país em que boa
parte da população vive em situação de fome e pobreza? ” A música do
cantor encontrou lugar no meio do povo evangélico, tornando-se a
canção como um “hino evangélico brasileiro” ao longo das décadas.
Apesar de não fazer parte da rotina litúrgica, a canção quase sempre é
relembrada e tocada nas igrejas em apresentações de 7 de setembro, por
exemplo. É compreensível o porquê de esta ser uma das canções mais
populares do cantor, retrata não somente o perfil de parte da população
brasileira, mas justamente o perfil da maioria evangélica brasileira:
pessoas pobres, de periferia, e por vezes, em situação de vulnerabilidade
social.
Onde andará a justiça

96
Kléber Lucas converteu-se na Igreja Nova Vida, de onde também saíram O
Bispo Edir Macedo com a Igreja Universal do Reino de Deus e o Missionário
R.R Soares com a Igreja Internacional da Graça de Deus. Já Mattos
Nascimento, parece ter se convertido e sido membro na Assembleia de Deus.
107

Outrora perdida?
Some a resposta na voz
E na vez de quem manda
Homens com tanto poder
E nenhum coração
Gente que compra e que vende
A moral da nação
A “voz de quem manda”, faz alusão aos políticos brasileiros, e é
representada como uma voz imoral, corrupta, corrompida, subornada,
sem coração, não se comovem com o que as desigualdades que a
população vivencia. A ideia e de que a justiça se perdeu, e os homens
com poder e sem coração não se comovem com isso. No entanto, em
uma entrevista ao ser questionado acerca desta canção, João afirma que
não estava se referindo somente aos políticos, mas também ao povo
brasileiro. Isso por considerar que a corrupção no Brasil é endêmica e
que o poder de transformação está nas mãos de todos.97
Brasil olha pra cima
Existe uma chance
De ser novamente feliz
Brasil há uma esperança!
Volta teus olhos pra Deus,
Justo Juiz!
No refrão da canção João dá a resposta aos questionamentos
levantados anteriormente, a solução apontada pelo cantor é de que o
Brasil venha a se voltar para Deus. Considerado pelos cristãos como um
justo juiz, Deus poderia intervir na história da nação, dando ao Brasil
uma chance de ser feliz. A esperança em Deus demonstrada no refrão
traduz as expectativas do povo evangélico em relação a nação: as
decepções em relação à política e a crença de que a humanidade é

97
“Quando eu falo “homens com tanto poder e nenhum coração” não é só a
questão dos governantes. Eu acho que a corrupção é endêmica, corrupção faz
parte do brasileiro. [...] Quer dizer, o Brasil está coberto de corrupção, de fora a
fora... é o cara que estaciona na vaga de idoso, o cara que fura fila, o cara que
pega o atestado sem estar doente...então os homens com tanto poder e nenhum
coração, são estes, que tem o poder de mudar o país. Não só os governantes,
mas que acabam entrando neste sistema. O governante é reflexo do povo que ele
governa e vice-versa. Então eu acho que tem que começar com uma consciência
de cada um, que se a gente não começar a mudar esse vício da corrupção, o país
nunca vai pra frente.” João Alexandre em entrevista ao Programa de Rádio
“Onde os Fracos Tem Vez”. (JOÃO ALEXANDRE, 2017).
108

caída98, corrompida pelo pecado, faz com que os evangélicos depositem


suas esperanças de um país melhor somente em Deus. Apenas através de
intervenção divina, de milagres é que haveria melhora. Essa ideia
encontra solo fértil no coração de pessoas pertencentes às parcelas mais
pobres da população, a falta de oportunidades ao longo da vida faz com
que as expectativas de melhorias na vida dependam de um “milagre”, a
crença é de que somente a justiça divina daria aos pobres os direitos que
não são alcançados humanamente.
Como será o futuro
Do nosso país?99
Apesar de Deus ter sido apresentado como esperança no refrão,
não é garantia que o povo “volte seus olhos” para ele. A canção se
encerra com o questionamento acerca do futuro da nação, mantendo o
tom de insegurança, incerteza e temor sustentado durante a música.
O título da canção nomeia a turnê que João Alexandre está
fazendo no ano de 2018, provavelmente a escolha se deu porque, apesar
de ser uma canção gravada originalmente em 1990, são levantados
temas que ainda encontram sentido no contexto atual Brasileiro: o
questionamento acerca do futuro do país, as desigualdades sociais, a
desesperança em relação à política e à classe política, assim como, a
perspectiva de colocar em Deus a esperança de um futuro melhor para o
país, algo muito presente nas falas de alguns candidatos à presidência
neste ano.
Nesta canção, ao apresentar problemas sociais como fome,
pobreza e corrupção, João demonstra acreditar em uma religiosidade
cristã que não “fecha os olhos” diante das realidades sociais brasileiras.

- EM NOME DA JUSTIÇA

“Em nome da Justiça” é, sem dúvidas, uma das canções mais


populares de João Alexandre. Gravada no álbum “Todos são iguais”,
1994. Neste samba, a letra da música evidencia e denuncia em tom de
desesperança as injustiças sociais no contexto brasileiro. A esperança do
autor está no “amor de Deus”, que pode ser agente transformador da
sociedade através dos “filhos” de Deus, os cristãos. No entanto, a crítica

98
A ideia da Humanidade caída faz referência à queda de Adão e Eva no Éden,
após isso, toda a humanidade é pecaminosa, sendo quase incapazes de fazer o
bem.
99
Em uma das versões desta música, esta frase é sucedida por um trecho do
hino nacional tocado no violão.
109

do autor aos evangélicos demonstra uma desilusão em relação a estes,


que, ao invés de exercerem suas “obras de justiça”, tornaram-se
indiferentes às injustiças sociais por estarem muito envolvidos em suas
práticas religiosas. A seguir a letra da música:
Enquanto a violência acabar com o povão da
baixada
E quem sabe tudo disser que não sabe de nada
Enquanto os salários morrerem de velho nas filas
E os homens banirem as leis ao invés de cumpri-
las
Enquanto a doença tomar o lugar da saúde
E quem prometeu ser do povo mudar de atitude
Enquanto os bilhetes correrem debaixo da mesa
E a honra dos nobres ceder seu lugar à esperteza.
Não tem jeito não.
Nesta primeira parte há a demonstração de desânimo em relação à
situação social e política do Brasil. São apontados os problemas da
violência, da corrupção, da saúde pública. Interessante ressaltar os
trechos que se direcionam à corrupção de homens de poder:
primeiramente “E quem sabe tudo disser que não sabe de nada”, se
referindo a uma justificativa e defesa muito utilizada por pessoas
envolvidas em escândalos de corrupção (ou de qualquer crime). A
segunda expressão é “e os homens banirem as leis ao invés de cumpri-
las”, este trecho pode estar apontando também para o fato de,
culturalmente, o brasileiro ser conhecido como quem não respeita as
leis, o “jeitinho brasileiro”. No entanto, ao falar a respeito de homens
banirem leis, também é possível que haja aqui a referência àqueles que
tem esta função na sociedade: os políticos. Mais à frente, vemos a
afirmação “E quem prometeu ser do povo mudar de atitude”, que parece
igualmente referir-se à parte da classe política, que muitas vezes, após
atingir o poder, trabalha para interesses próprios. Ainda vemos o trecho
“Enquanto os bilhetes correrem debaixo da mesa, e a honra dos nobres
ceder seu lugar à esperteza”, que poderia ser aqui uma referência e
crítica direta aos acordos políticos e econômicos realizados às escuras,
sem transparência, sem honradez que são motivados pela “esperteza”
daqueles que pensam apenas em benefício próprio, em lugar de pensar
no melhor para a nação. Após citar todos estes problemas, o autor
afirma desmotivado que enquanto tudo isso acontecer “não tem jeito,
não”, não há a possibilidade de um futuro melhor para a nação.
Só com muito amor a gente muda esse país
Só o amor de Deus pra nossa gente ser feliz
Nós os filhos seus temos que unir as nossas mãos
110

Em nome da justiça, por obras de justiça


Quem conhece a Deus não pode ouvir e se calar
Tem que ser profeta e sua bandeira levantar
Transformar o mundo é uma questão de
compromisso
É muito mais e tudo isso.
Nesta canção, assim como em “Pra cima, Brasil” a mensagem
que se pretende transmitir é a de que esperança de um país melhor reside
na intervenção divina do Deus cristão, isso se evidencia nos dois
primeiros versos do Refrão “Só com muito amor a gente muda esse país,
só o amor de Deus pra nossa gente ser feliz”. Após isso, diferente de
“Pra cima, Brasil”, não há um convite para a nação como um todo
voltar-se para Deus. Aqui nesta canção há um convite específico aos
cristãos para um engajamento maior nas “obras de justiça”, estas “obras
de justiça” seriam manifestas na vida cristã através da bondade,
compaixão, altruísmo. Aparentemente, para o cantor, os cristãos devem
se unir para realizar estas “obras”, pois “quem conhece a Deus” – que é
cristão, não pode ignorar as injustiças que lhe cercam.
Enquanto o domingo ainda for nosso dia sagrado
E em Nome de Deus se deixar os feridos de lado
Enquanto o pecado ainda for tão somente um
pecado
Vivido, sentido, embutido, espremido e pensado
Enquanto se canta e se dança de olhos fechados
Tem gente morrendo de fome por todos os lados
O Deus que se canta nem sempre é o Deus que se
vive, não
Pois Deus se revela, se envolve, resolve e revive
Não tem jeito não, não tem jeito não.
João direciona sua crítica para os evangélicos, por parecer
acreditar que estes demonstram disparidade entre suas crenças e suas
práticas. A crítica é para uma devoção demonstrada em cultos, mas que
é incapaz de ir para além destes, impedindo os evangélicos de
enxergarem a realidade da pobreza e fome. “Enquanto o domingo ainda
for nosso dia sagrado”, faz referência ao dia que tradicionalmente
muitas igrejas evangélicas se reúnem para realizar seus cultos e reuniões
principais da semana. “Enquanto se canta e se dança de olhos fechados,
tem gente morrendo de fome por todos os lados”, pode ser uma crítica
em relação aos setores evangélicos, que valorizam muito a musicalidade
como forma de devoção, adoração, invocação à Deus, e que por outro
lado, valorizam menos ações sociais. É a crítica à prática de uma
111

religiosidade individualista, e a defesa de uma religiosidade mais


compassiva, altruísta., comunitária.
João aponta para o que acredita ser uma disparidade entre as
crenças e a prática, isso é dito nas últimas frases, onde o cantor afirma
que o cristão deveria “viver” o Deus que “canta” – se revelando, se
envolvendo, resolvendo e revivendo a realidade que o cerca. Segundo o
que a canção propõe, todos estes “problemas” existentes no meio cristão
– a desatenção em relação à realidade social, também deixariam o país
em um estado irreversível.
Há na canção a crença de um cristianismo evangélico que destine
mais atenção para a realidade brasileira de violência, de pobreza,
corrupção e injustiças sociais, e de que o cristão, por ser guiado pela
justiça, deveria ser um agente “transformador” do mundo ao espalhar o
“amor de Deus”.
“Em nome da justiça” teve algumas regravações por outros
cantores, entre elas, a que foi feita pelo cantor gospel Paulo Cesar
Baruk, no álbum Multiforme, que foi indicado ao Grammy Latino 2010.
Na sua versão de “Em nome da Justiça”, Baruk deu uma nova
sonoridade à canção imprimindo uma mistura de manguebeat com
samba rock, o que parece ter dado mais dinamismo e ênfase às críticas
da letra.

- JOÃO BRASILEIRO

A canção “João Brasileiro” está no Cd de coletânea João


Alexandre: 20 anos, lançado em 2004 pela gravadora VPC Produções.
Esta canção é um Baião, e é uma das canções do autor que mais
evidencia a conciliação entre cristianismo evangélico e brasilidade. Em
uma das apresentações da música João fala as seguintes palavras antes
de tocá-la:
Ás vezes eu acho que a gente é mais americano de
segunda do que brasileiro de primeira. Então, eu
fiz essa música na tentativa de pensar como é que
seria o Evangelho, de repente, se ele fosse todo
feito aqui no Brasil. As histórias mudariam um
pouquinho... iria ficar mais ou menos assim...100

100
JOÃO ALEXANDRE. João Alexandre - João Brasileiro - Nova Semente
17/03/2012. Mar 2012. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=2OBRvWzmARg>. Acesso em: 16 jul
2018.
112

A crítica direta é à americanização que acontece no meio


evangélico, religião que sempre teve influência dos pastores,
movimentos e teologias norte-americanos, influência que também se
manifestou na música, através dos hinos e corinhos tradicionais e, mais
recentemente, através das versões em português de músicas de grandes
igrejas de origem estrangeira, como a Hillsong Church. A seguir a
primeira parte da letra da música:
Eu não tenho vergonha de ser brasileiro, não
Sou mistura de negro, europeu e tupi guarani
Todo mundo já sabe meu nome é João, sou cristão
Deus me deu minha voz pra quem quiser ouvir.
Na primeira estrofe da canção já temos alguns elementos que
podem apontar para a construção e defesa de uma identidade evangélica
brasileira. A estrofe começa com a frase repetida muitas vezes ao longo
da música: “eu não tenho vergonha de ser brasileiro, não”. A repetição
deste verso sugere oposição a quem rebaixa a identidade brasileira, a
considerando como motivo de embaraço, demérito. No segundo verso,
vemos a alusão ao mito das três raças na formação da nação brasileira,
quando o autor diz ser “mistura de negro, europeu e tupi guarani”. A
herança afro-brasileira e indígena na identidade não é apontada como
negativa, e logo em seguida, após a afirmação de sua brasilidade, o autor
também afirma ser cristão. Em toda a canção vemos a associação da
identidade cristã evangélica à identidade brasileira retratada como algo
positivo. O quarto verso da primeira estrofe demonstra uma concepção
acerca da música comum entre os evangélicos, de que a capacidade de
fazer música vem de Deus, é “dom de Deus”. A segunda estrofe a
seguir:
Eu não tenho vergonha de ser brasileiro não
Sou profeta do samba, do frevo e do maracatu
Todo mundo já sabe as cores do meu coração
Ele é verde, amarelo, branco e azul.
No segundo verso da segunda estrofe vemos algo muito
interessante, o autor alia uma atividade religiosa – de profeta, aos
gêneros musicais brasileiros do samba, do frevo e do maracatu. Ao que
parece, para o compositor, os gêneros musicais brasileiros não impedem
o desempenho das atividades religiosas, consideradas santas. A ideia
pode ser considerada polêmica, pois, no meio evangélico brasileiro os
gêneros citados são considerados profanos por alguns, o que tornaria
estes gêneros musicais como impróprios para os cristãos. Ao aliar estes
elementos, João atua em favor da legitimação destes gêneros musicais
no meio evangélico.
113

Designar o coração como sendo “verde, amarelo, branco e azul”


traz a ideia de que há paixão, amor pelo Brasil e por ser brasileiro. A
letra continua:
Imagine só: ver um cavaquinho nas mãos do rei
Davi
Imagine só: São Pedro pescando na praia de
Itapuã
Imagine só: um frevo rasgado dos filhos de Levi
Imagine só: o apóstolo Paulo no Maracanã, já
pensou...
Imagine só: Maria fazendo uma feijoada
Imagine só: Isaias pregando na Rocinha
Imagine só: Miriã dançando uma timbalada
Imagine só: Esaú se vendendo ao jabá com
farinha...
Conforme a tradição cristã, Davi tocava harpa; Pedro era
pescador no Mar da Galiléia, em Israel; na religião judaica, os
descendentes de Levi eram responsáveis por diversas atividades no
templo, entre elas, a música; e o apóstolo Paulo viajou por diversos
lugares anunciando o evangelho. Miriã, irmã de Moisés, comemorou a
passagem pelo Mar Vermelho tocando um tamboril, dançando e
cantando junto com outras mulheres. Segundo a tradição bíblica, Esaú
vendeu seu direito de primogenitura ao seu irmão por um prato de sopa
de lentilhas. O autor faz uma brincadeira com os personagens bíblicos,
contextualizando-as à cultura brasileira, através da substituição de
elementos bíblicos por elementos da música brasileira, da culinária
brasileira e de locais brasileiros. A música brasileira fica representada
pelo tocar cavaquinho (instrumento importante no choro e no samba),
tocar frevo (música e dança nordestina que tem sua origem ligada à
capoeira) e dançar com a timbalada (música baiana/afro-brasileira). Os
elementos da culinária brasileira inseridos são a feijoada e o jabá com
farinha. Também são inseridos locais brasileiros que tem significação na
cultura brasileira – a praia de Itapuã, que está presente na MPB peça
canção “tarde em Itapuã” de Toquinho, a Rocinha, que é a maior favela
do país, e o Maracanã, maior estádio de futebol do Brasil. Colocar os
personagens bíblicos para ocupar estes lugares pode significar o
cristianismo evangélico adentrando, não somente o espaço, mas também
a cultura brasileira. Como também, o contrário, a cultura brasileira
invadindo a cultura judaico-cristã de uma forma que as duas culturas se
mesclam.
Eu não tenho vergonha de ser brasileiro, não
Sou mistura de negro, europeu e tupi guarani
114

Todo mundo já sabe meu nome é João, sou


cristão.
Deus me deu minha voz pra quem quiser ouvir.
Eu não tenho vergonha de ser brasileiro, não
Quero mais florescer no lugar onde Deus me
plantou
tô aqui pra cantar minha história, meu povo, meu
chão.
Esse Brasil brasileiro que Ele tanto amou.
A ideia de “florescer no lugar onde Deus me plantou” remete à
noção de que se é brasileiro porque Deus quis que se nascesse aqui. Os
cristãos evangélicos acreditam que a vida tem um propósito, cada ser
humano existe para cumprir uma missão. Para João, ter nascido no
Brasil relaciona-se a cumprir esse propósito.
Nos versos seguintes, o compositor afirma a sua posição de
“cantar minha história, meu povo, meu chão”, ou seja, há uma
intencionalidade em cantar a brasilidade e “florescer” pode significar
cumprir esta missão de ser brasileiro e cristão. No último verso desta
estrofe vemos a afirmação de que Deus amou o “Brasil brasileiro”, o
termo aqui empregado faz referência à canção secular que é um dos
maiores símbolos da música brasileira e da brasilidade de todos os
tempos: “ Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, exemplar do gênero
musical samba-exaltação, que tem por característica a valorização das
qualidades, cultura e natureza brasileiras. Aqui é fortalecida a ideia
defendida pelo autor, de que Deus ama o Brasil. Contudo não é só o
lugar, é o “Brasil brasileiro”, ou seja, o lugar, o povo e a cultura são
alvos do amor do Deus cristão. A ideia é a de que “Deus ama o Brasil e
sua a brasilidade”.
Imagine só: os salmos em moda de viola
Imagine só: os profetas virando repentistas
Imagine só: o Mestre e os doze batendo uma bola
Imagine só: a visão de Jacó pela voz de um
sambista a cantar
Mais uma vez, a “brincadeira” de substituição de elementos
bíblicos por elementos da cultura brasileira. Na imagem criada pelo
compositor, os salmos bíblicos poderiam ser executados em “moda de
viola” caipira; os profetas também seriam repentistas nordestinos; Jesus
e os doze discípulos até poderiam jogar futebol, e a história de Jacó,
rememorada ao longo de todo o texto bíblico, também seria contada em
samba. Em todas estas substituições o compositor demonstra
conhecimento a respeito da cultura brasileira, e em algumas delas
posiciona-se de forma ousada, podendo despertar as mais diversas
115

críticas de outros cristãos evangélicos. O samba e o futebol já foram


demonizados por alguns setores evangélicos, associar estes elementos
brasileiros ao cristianismo evidencia a intenção de sacralizar aquilo que
antes era considerado profano no meio evangélico.
Imagine só: os anjos tocando seus tamborins
Imagine só: cuicas nos braços dos serafins
Imagine só: pandeiros soando ao invés dos clarins
Imagine só: um céu brasileiro, bem tupininquim
O “céu brasileiro, bem tupiniquim” imaginado pelo compositor
seria como uma escola de samba, onde os anjos tocariam tambores,
cuícas e pandeiros. A ideia deste verso remete à ideia de salvação cristã.
Ao afirmar que o céu pode ser brasileiro, demonstra acreditar que a
cultura brasileira não impossibilitaria a salvação (entrada no céu). Isso
se opõe diretamente aos discursos vigentes entre os evangélicos –
muitas vezes os pentecostais, que demonizam a cultura brasileira.
Novamente, vemos uma intencionalidade por parte do compositor de
defender a identidade brasileira como algo positivo, bom para o cristão,
ao ponto de entrar no “céu” – onde nada pecaminoso, ruim e mal
entraria.
Eu não tenho vergonha de ser brasileiro não...
É isso aí, eu não tenho vergonha de ser
brasileiro...
A canção finaliza repetindo algumas vezes estes últimos versos.
João Brasileiro claramente afirma a dignidade, honradez e orgulho de
João Alexandre de ser brasileiro, harmonizando elementos culturais
brasileiros com elementos judaico-cristãos, de modo a positivar a
identidade brasileira no meio evangélico brasileiro.

- FOLIÃO

Em ritmo de Marchinha, a música Folião foi gravada por João


Alexandre em 2009 no álbum “Do outro lado do mar”. Anteriormente,
já havia sido gravada pelo quarteto vocal feminino Quarteto Vida, no
álbum Quarteto Vida – Volume I, de 1996, no qual João participou das
gravações. Não é uma das mais conhecidas do cantor. A seguir a letra da
música:
Eu sempre fui de brincar
De sorrir, de cantar
De viver à vontade!
Luz, carnavais, foliões
Em diversos salões
Quanta felicidade!
116

A primeira parte da letra retrata alguém que, em um passado


distante, era muito ativo em relação ao samba, representado aqui nas
expressões “carnavais” onde há o samba partido-alto, “foliões” pelos
blocos de carnaval, “diversos salões” onde tradicionalmente ocorrem os
“bailes” de samba de gafieira. É a vida do folião, que vive na folia, na
brincadeira, nas festas do meio secular. Estas práticas são retratadas
como promotoras de felicidade.
E na brincadeira de viver
Brinquei demais e quis morrer!
Risos passageiros, falsas alegrias!
Lágrimas, angústias, tristes fantasias!
Dia menos dia descobri que resta
Cinza em plena quarta-feira
Pra comemorar
No entanto, aqui na segunda parte da letra, a felicidade do folião
é apresentada como enganosa e passageira. A defesa é de que a
“brincadeira de viver” do folião, por ser constituída de ilusória alegria,
pode levar à morte ou ao desejo de morrer. A referência ao morrer pode
estar relacionada também à vida considerada pecaminosa pelo
cristianismo, pois na concepção cristã, quem vive no pecado – sem
Jesus, está morto espiritualmente.
Mas houve alguém que chegou
Quando a festa acabou
Quando já era tarde!
Trouxe a alegria melhor
Um sorriso maior
Plena felicidade!
Esse alguém que chega representa Jesus, ou alguém que traz a
mensagem de Jesus através do evangelismo. É importante lembrar que,
a partir da década de 1990, grupos evangélicos começaram a identificar
o Carnaval como oportunidade para ações proselitistas, e a prática
tradicional de realizar retiros espirituais para cristãos foi em muitas
igrejas substituída ou conciliada com a produção de eventos
evangelísticos – surgindo blocos de carnaval, grupos de samba, trio
elétricos gospel. Não é possível saber a posição de João sobre estas
ações, mas na música é apontada uma mudança de vida causada pela
conversão de um folião ao cristianismo. A “nova vida”, a vida cristã,
traria uma verdadeira e plena felicidade, contrastando com a vida
anterior de alegrias ilusórias.
Hoje eu sei de fato o que é cantar
E brincar e sorrir!
Tudo é mais bonito e nada
117

Mais seduz
Do que ter na vida alguém
Como Jesus!
Traz a esperança, alma de criança
Vida eterna e confiança em seu
Imenso amor!
Nesta última parte, há a afirmação que somente na vida cristã o
personagem – o folião, encontrou reais motivos para “cantar, brincar e
sorrir”. A maior “sedução”, o maior atrativo para alguém seria ter em
sua vida Jesus, pois, ele traria a esperança, a vida eterna e segurança
para os cristãos. Ou seja, o personagem torna-se em um ex-folião do
carnaval, e a defesa é de ele teria na vida cristã uma “folia” mais intensa
e verdadeira do que a do carnaval.

6.3. FALAS DE JOÃO ALEXANDRE – “Não existe um Ré Menor


profano e um Mi Maior Divino...isso é uma bobagem!”

João Alexandre tem como marca a sua forma de falar e se


expressar, sempre muito sincero e defensor daquilo em que acredita, o
faz de forma irônica e bem-humorada. Esta característica de João se
manifesta em muitas de suas apresentações musicais, quando entre uma
e outra música ele conta alguma história ou apresenta algum ponto de
vista seu, quase sempre “alfinetando” alguém. Por causa desta sua
característica, João também é convidado para Seminários, Conferências
e eventos voltados ao público evangélico, muitas vezes direcionados aos
músicos. Nestes eventos, João pode expressar e ensinar seus conceitos
aos ouvintes. Desta forma, podemos entender que a influência que João
Alexandre pode exercer sobre os ouvintes se estende para além da
música.
Por este motivo selecionamos e analisamos falas de João
disponíveis na internet, que ocorreram em apresentações, assim como,
respostas a entrevistas, que tenham relação com os temas “música”,
“brasilidade”, “cristianismo/religiosidade”. Entre as fontes utilizadas
temos a entrevista dada por João Alexandre ao Programa de Rádio
Gospel “Onde os Fracos Tem Vez”, que é apresentado por Elvis Tavares
e é veiculado pela Rádio Gospel Sara Brasil FM. Este foi um programa
especial de comemoração de um ano do programa “Onde os Fracos Tem
Vez”, e João Alexandre participou desta edição do início ao fim, pois a
118

entrevista foi intercalada com canções do cantor. O áudio da entrevista


está disponível no YouTube101.
Também observamos as falas de João Alexandre em uma Mesa
Redonda “Pregação e musicalidade cristã no Brasil”102 que aconteceu no
evento “I Conferência Exposição Bíblica”, realizado nos dias 4, 5 e 6 de
setembro de 2014 na Igreja Batista Deus é Luz (Águas Claras, Brasília-
DF). Desta conferência também observamos as apresentações musicais
de João, e entre elas, as falas antes da apresentação da música
“República do amor”103 também foram significativas para este estudo.
A entrevista dada por João a Thiago Oliveira, do Blog Gospel
“Batedeira Industrial”104 também foi usada como fonte, assim como, a
entrevista de João ao Portal Ultimato105, um portal cristão que é
associado à Editora Ultimato.

6.3.1. Relação institucional com a Igreja evangélica

O cantor, hoje presbiteriano, frequentou a Igreja do Evangelho


Quadrangular até os 18 anos de idade106. João já declarou que:
Eu hoje estou presbiteriano, mas eu já fui criado
na quadrangular, fui batizado duas vezes...tô
salvo, ninguém me tira mais isso. Por aspersão e
por imersão, se tiver outro você me fala aí [risos]

101
JOÃO ALEXANDRE. Entrevista com João Alexandre - Especial 1 Ano
do OFTV. Entrevista. Publicada em 11 fev 2017. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/ondeosfracostemvez54.php>.
102
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
103
JOÃO ALEXANDRE. João Alexandre - República do Amor | I
Conferência Exposição Bíblica. Águas Claras, Brasília-DF. Set 2014. YouTube.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UUzR0odnujU>.
104
JOÃO ALEXANDRE. BatePapo com João Alexandre. Blog: Batedeira
Industrial. Entrevista. Publicado em: 27 de outubro, 2013. Disponível em:
<http://batedeiraindustrial.blogspot.com/2013/10/batepapo-com-joao-
alexandre.html>.
105
JOÃO ALEXANDRE. Artista cristão ou cristão artista? Faz diferença?.
Entrevista. Publicada em: 14 de fevereiro de 2018. Disponível em:
<http://www.ultimato.com.br/conteudo/artista-cristao-ou-cristao-artista-faz-
diferenca>.
106
João pode ser um exemplo de que o fluxo “migratório” entre igrejas
evangélicas não se dá somente no sentido reformada para pentecostal ou de uma
igreja tradicional para uma igreja neopentecostal, mas o oposto também ocorre.
119

Às vezes, eu vou numas igrejas aí, o pessoal fala


“você então é presbiteriano? Então nós somos
primos, porque eu sou batista” Falei “bicho, só se
Deus for seu tio, porque Ele é meu Pai” [risos]
essa confusão... [grifo nosso]107
Ao dizer que está presbiteriano João rompe com a ideia de
construção identitária evangélica ligada à instituição, o que é muito
comum no meio evangélico. Muitas vezes os evangélicos se apresentam
dizendo “eu sou presbiteriano”, “eu sou assembleiano”, aliando a sua
identidade como cristão evangélico à identidade da instituição a qual ele
frequenta e faz parte. Ao dizer que “está” presbiteriano, João passa a
ideia de desprendimento em relação à identidade institucional. Nas falas
de João, podemos perceber que este desprendimento não é a
possibilidade de, em algum momento fazer parte de outra igreja, mas
muito mais a crença de que ser evangélico é algo menor do que ser
cristão.
João fala em relação ao batismo de maneira bem-humorada,
despertando risos na plateia ao dizer que está salvo e “ninguém me tira
mais isso”, assim como a brincadeira que faz a respeito das formas
diferentes de batismo. Na Igreja do Evangelho Quadrangular, exemplar
da segunda onda do pentecostalismo no Brasil, foi a primeira igreja que
o músico frequentou, e nesta o batismo é realizado por imersão nas
águas. Já na presbiteriana, que tem suas raízes na reforma, o batismo é
realizado por aspersão da água. João mostra em tom de brincadeira
diferenças doutrinárias de igrejas evangélicas pelas quais ele passou,
diferenças que o cantor dá a entender que as considera como irrelevantes
ou de menor importância. Esta postura se diferencia da que tomou em
relação a um convite que recebeu de apresentar-se em um evento
espírita, na situação, a negativa foi justificada pelas diferenças entre as
crenças do cantor e do espiritismo.

6.3.2. A respeito do conceito de música:

Algo que João sempre tenta ensinar é o seu conceito de música,


segundo ele, a música é uma arte que pode ser desenvolvida

107
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
120

profissionalmente. E aí está mais uma posição polêmica de João no


meio evangélico, isso porque, para muitos há uma mistificação da
música, podendo ser considerada como “adoração”, como um “ato
espiritual”. Neste contexto, afirmar que a música é uma arte choca com
estes outros conceitos que circulam no meio evangélico. Ao aceitar a
profissionalização da música, João assume mais uma posição que choca
com outras posturas no meio evangélico – as posições daqueles que
defendem que a música, por ser “adoração” e algo “espiritual”, não deve
ser feita sob as condições de salário ou cachê, pois isso seria “vender-
se” de uma forma imoral para estes.
Abaixo temos um trecho de João falando acerca de seu conceito
de música:
Trabalho é o “esforço físico ou mental que traz
alegria ao trabalhador, benefício à sociedade e
Gloria a Deus” qualquer coisa que se encaixa
nisso, é uma profissão digna, portanto santa,
portanto bem recebida. Eu acho que a igreja em
relação à música [...] o cara pode ser um pedreiro
cristão, pode ser um advogado, mas quando se
trata de música dá a impressão de que ele só pode
fazer música evangélica. E a música ela não é
santa ou profana, a música ela não tem atributos
morais, quem atribui moralidade ou imoralidade à
música, ou qualquer outra coisa, é o músico. A
música é o fruto, um meio para um fim, e não um
fim em si mesmo. Por se tornar um fim em si
mesma, se tornou mercado, mercadoria vendida.
[...] (MESA REDONDA- sobre música como
profissão)108
A fala de João parece tentar desmitificar conceitos existentes
entre os evangélicos sobre a música. Ao dizer que a música não é, em si
mesma, santa ou profana João abre possibilidades diversas para os
evangélicos em relação à música. Pois, se não há música profana em si
mesma, aí já não há gêneros, ritmos ou instrumentos musicais proibidos.
Não há pecado em ouvir ou tocar música secular, não há música “de
Deus”, nem música “do Diabo”. Vemos que para este cantor a
religiosidade é algo posterior à música, pois religioso ou não, é o
músico, e não a música por si só.

108
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
121

Ao dizer que a música é “um meio para um fim, e não um fim em


si mesma”, João evidencia que a sua música é intencional, no sentido de
que ele se utiliza da música para cumprir um propósito pré-estabelecido,
como, por exemplo, ensinar acerca de sua crença.
João chegou a escrever um livro acerca do que ele pensa sobre a
música no contexto evangélico e fora dele. Na Mesa-redonda da
Conferência de Exposição Bíblica que participou em 2014 João conta
um pouco acerca do livro:
Eu tenho um livreto [...] o título é muito
sugestivo: “Músico: profissão ou ministério?” E
nesse livreto eu divido o livro em 3 partes,
primeiro eu explico o que é música: o que é nota,
o que é intervalo, o que é acorde, o que é
dissonância, o que é consonância... o que é pausa!
Tem músico que acha que não existe pausa, pausa
existe e faz parte da música. Porque tem lugares
que você vai que é aquele 5T: todos tocam tudo o
tempo todo, e ninguém para. 109
Este trecho foi tirado de um vídeo que ele está em uma igreja em
uma conferência onde o público presente provavelmente quer aprender
com ele – normalmente, as conferências são programações extras, que
não exigem obrigatoriedade da presença dos membros. Na primeira
parte do seu livro, João fala da música sob o aspecto teórico da mesma,
algo que também pode chocar evangélicos. Isso porque é muito comum
a ideia de que a capacitação musical “vem de Deus”, ou seja, para
muitos não é necessário se aperfeiçoar tecnicamente na música – há uma
desvalorização da teoria musical no meio evangélico. Esta
desvalorização permite que haja um sem-número de “músicos”
evangélicos que não tem mínimo conhecimento sobre teoria musical. É
muito comum que encontremos estes grupos “5T” em igrejas
evangélicas devido ao despreparo técnico. Inclusive, depois de um
tempo, no mercado gospel as bandas, com o objetivo de serem mais
populares e comerciais, começaram a fazer músicas mais simples, e
assim, acessíveis ao músico amador de uma pequena igreja. João se
opõe a isso, e no seu livro aborda a música de forma técnica,
defendendo que o músico cristão deve também aprender música
teoricamente.

109
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
122

Depois, na segunda parte do livro depois de


explicar o que é música tecnicamente falando, a
igreja biblifica a música, eu explico lá que música
é música. É um conjunto de sons feitos para gerar
determinados sentimentos e pensamentos, ela é
um meio para um fim. Ela é uma forma de arte.
Não coloque a música nem a mais nem a menos
do que isso, ela é um meio para um fim. Aí eu
explico a música como instrumento de louvor a
Deus, que já é outra coisa. Eu posso, inclusive,
usar a música pra isso, mas ela não foi criada só
pra isso. Música é música, ela expressa
sentimentos e pensamentos. Eu posso falar do
feijão broto legal, do candidato Paulo Otávio, eu
posso falar o que eu quiser usando a música. E
posso, inclusive, adorar a Deus, que é uma das
suas utilidades, vamos dizer assim. Posso até
adorar a Deus sem música, não preciso de música.
Aliás, música não é louvor, louvor é “seja comer,
beber ou fazer qualquer outra coisa”. Então, a
noção do que seja uma vida de louvor é muito
mais do que música. É por isso que o musico seja,
talvez, mais sacrificado: porque acham que
música é louvor. Então o cara que canta, ele não
pode cantar qualquer coisa. É diferente do cara
que assenta um tijolo. Não senhor! ... o cara que
assenta um tijolo tem que fazer aquilo com tanta
santidade e reverencia a Deus quanto um sujeito
que canta “quem tem posto a mão no arado não
pode olhar para trás...” Não há esta lista de
atividades santas ou profanas...110
As afirmações de João mostram que a segunda parte de seu livro
vem no sentido de desconstruir conceitos já existentes no meio
evangélico, e rejeita enfaticamente alguns conceitos, quando afirma “a
música não é louvor”, quando critica “a igreja biblifica a música” e
quando diz que a música é uma forma de arte e que não deve ser
considerada nem mais, nem menos do que isso. Ao conceituar a música
como um tipo de arte, João a defende como como algo neutro, como
“um meio para um fim”. Como muitos evangélicos, ele afirma que a
música pode ser para o louvor a Deus, mas que isso é apenas uma das

110
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
123

possibilidades da música, e rejeita a ideia de que ela em si mesma o


louvor ou adoração a Deus.
Na fala de João podemos ainda identificar o conceito de vocação
de Lutero, quando João diz que tanto o pedreiro quanto o músico devem
fazer suas atividades com a mesma “reverência e santidade a Deus” e
quando ele diz não haver uma “lista de atividades santas ou profanas”.
A respeito de seu livro, João ainda diz:
E a última parte do livro é “um profissional
chamado músico”. Aí eu vou lá, pego uns caras
que vivem, que tocam profissionalmente. Eu só
acho que, assim como qualquer outro cristão, que
ele tem que ser um reflexo da luz de Jesus por
onde ele esteja. Se o ambiente não propicia
isso...se o musico tiver um pingo de dúvida de
quem ele é, Paulo111 falou muito bem, eu vou
repetir o que ele disse e frisou no sermão “Jesus,
onde ele estava, sabia quem era”. Se eu sou quem
eu sou, não interessa onde eu esteja, quer seja “na
rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de
sapê112”.. [risos]. Já se eu não sei quem sou, influi
muito o lugar onde eu esteja. Se eu sei quem sou,
tanto faz...se o inferno me chamar pra cantar lá, eu
vou lá dizer pra todos os demônios, principados e
potestades que Jesus Cristo é o meu Senhor e que
eu não tenho dúvida nenhuma sobre isso. Não
precisa ser só igreja não. Agora, se eu não tenho
uma vida, não interessa onde eu esteja. Até no
culto, até no culto... eu posso tá lá e estar
totalmente fora... igreja não é um culto só, igreja é
uma vida de culto no culto da vida. Então, a priori
não existe essas coisas de profissões.113
A afirmação de que iria até o inferno para cantar sua música
confessional parece ser justamente para chocar quem ouve – um público
evangélico. A expressão “inferno” parece significar o ambiente, com a
lógica de “não importa o ambiente, isso não me impedirá de confessar

111
Referência a outro participante da mesa redonda, também cantor Paulo Cesar
do grupo Logos.
112
Uma canção secular que se popularizou no Brasil, gravada originalmente por
Hyldon, um dos precursores da soul music no Brasil, e depois com regravação
do grupo Kid Abelha.
113
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
124

minha fé através da música”. O lugar, para João, não determina o quanto


a pessoa é cristã ou não, e ele “alfineta” dizendo que a pessoa pode estar
no culto, porém totalmente alheio aos princípios da fé cristã. Porém, a
expressão “inferno” pode ter sido escolhida pelo músico como uma
forma de representar a música secular ou determinados gêneros musicais
considerados como profanas ou “do Diabo”. Neste sentido, a mensagem
dele poderia ser interpretada como: “não importa o gênero musical que
eu faça, eu vou confessar minha fé através de minha música”. Na fala de
João vemos uma visão evangélica mais aberta em relação a lugares e a
gêneros musicais, no entanto, em relação à mensagem, há ainda a defesa
de que se faça música que anuncie a fé cristã, música que defenda a
teologia que o cantor professa.
Certa vez, em uma fala sua João contou que foi convidado por
uma associação espírita de Marília para se apresentar. Segundo ele o
convite do representante espírita foi assim:
oh irmão, nós cantamos o seu Pai Nosso na nossa
mesa branca. Toda vez que tem a nossa mesa
branca a gente canta, e a gente queria que você
viesse aqui cantar na nossa reunião anual dos
espíritas de Marília114
João chegou a questionar se o evento era para promover a fé
espírita, como a resposta por parte do convidador foi positiva, João
negou o convite, alegando que sendo evangélico não poderia cantar em
um evento que promovesse algo que fosse contra a sua fé. Essa postura
parece contradizer a fala anterior, de que iria até “no inferno” tocar sua
música. Mas é interessante saber que a música de João chegou a um
lugar no qual ele mesmo não iria. Pode ser mais um indício de que a
música religiosa tem um poder de se disseminar para além da teologia e
da religião que o músico professa.
A respeito da relação que algumas igrejas estabelecem com
músicos cristãos João é categórico:
Quem tem que cuidar da própria vida com Deus é
o próprio músico. E a igreja não tem que lidar
com ele de forma especial. Existem uns livros
escritos, que eu acho ridículo, que põe os músicos
como se ele fosse um cara que inspira mais
cuidado do que qualquer outra pessoa na igreja.
Então você tá elegendo o cara como melhor ou

114
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
125

como... a gente tem que tirar urgentemente essa


coisa do Levita, da nação santa...todos nós, você é
um levita lá no banco, você é um levita lá no
escritório de advocacia, o outro é um levita lá
como empregado doméstico... a gente é levita de
Jesus porque a gente é sacerdócio santo, povo
santo... é que constituímos o tabernáculo de Deus.
Então, não há que privilegiar, nem desmitificar,
nem mundanizar nenhuma profissão... este é o
meu ponto de vista. 115
Nestas afirmações, João demonstra que acredita que quem tem
que cuidar da sua espiritualidade é o próprio músico, e que os músicos
devem ser encarados como profissionais. A questão do “levita” se
relaciona a uma mistificação da música que ocorre no meio evangélico:
a ideia de que os músicos seriam responsáveis por atrair a presença de
Deus durante as reuniões. Sob este olhar, é possível compreender por
que há resistências em relação a determinadas músicas e gêneros
musicais; se a música tem o poder de atrair a Deus, teria também
potencial para atrair espíritos malignos e indesejados. Daí vem as
proibições. João se opõe a esse pensamento, afirmando que ser músico
não é diferente de ser advogado ou empregado doméstico.

6.3.3. A respeito da música secular:

Em uma entrevista, ao ser questionado pelo entrevistador se “nós


(evangélicos) temos que ignorar a cultura musical brasileira? Há como
nos contaminarmos ouvindo MPB?”, João responde que:
Mano eu acho que tem como se contaminar
ouvindo música evangélica, né. Eu acho que, tanto
ouvindo música popular brasileira como música
evangélica. Deus não é evangélico, né; Deus não
nasceu em nenhuma igreja. Evangélicos somos
nós. Deus é antes da fundação do mundo, antes de
a gente nascer, antes de tudo existir, Ele existia.
Como diz o versículo: “Porque por meio dele, por
Ele e para Ele são todas as coisas” não são só as
coisas evangélicas. Acho que o grande desafio de
um cristão, é inclusive enxergar Deus naquilo que

115
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
126

não é evangélico, naquilo que não é religioso,


naquilo que não é eclesiástico só, né.116
Há alguns pontos importantes nesta fala. O primeiro é levantar a
possibilidade de se contaminar ouvindo música evangélica. Aqui, João
rompe com a ideia de que o Gospel seria o lugar da música “de Deus”,
portanto santa, benéfica e lícita, assim como, rompe com o pensamento
de que a música secular seria música “do Diabo”, portanto profana,
maléfica e proibida. João afirma haver a possibilidade de se contaminar
tanto com a música evangélica, quanto com a música popular brasileira,
rompendo com o pensamento dicotômico de “música sacra x música
profana” - no contexto evangélico representado pelos termos “música
gospel x música do mundo”. Neste sentido, para o cantor, nem a música
evangélica, nem a música secular são sagradas ou profanas em si
mesmas.
Outra afirmação elementar para a compreensão do pensamento de
João é “Deus não é evangélico”, esta ideia rompe com uma cultura
evangélica já secular no Brasil: a de que não há salvação, nem
cristianismo, nem contato ou devoção ao Deus cristão fora da igreja
evangélica117. Embora seja, cada vez mais, evidente em todo o campo
religioso brasileiro uma intensificação de uma religiosidade que tende à
independência das instituições, ainda é possível identificar em meio aos
evangélicos a ideia de que participar de uma igreja evangélica é
totalmente fundamental para alcançar a “salvação”. Ao afirmar que
Deus não é evangélico, João coloca em risco a própria legitimidade das
igrejas evangélicas como lugar onde Deus está e a legitimidade da
música evangélica como música de Deus. Se Deus que os evangélicos
acreditam não é evangélico, talvez não seja a igreja evangélica o local
onde as pessoas poderiam encontrá-lo.
Ao citar o texto bíblico de Romanos 11:36: “Porque por meio
dele, por Ele e para Ele são todas as coisas”, João defende que todas as
coisas são de Deus, não somente as evangélicas. Priorizando a ideia de

116
JOÃO ALEXANDRE. Entrevista com João Alexandre - Especial 1 Ano
do OFTV. Entrevista. Publicada em 11 fev 2017. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/ondeosfracostemvez54.php>.
117
O texto bíblico que conta a história do dilúvio e da Arca de Noé é muito
utilizado para sustentar esta ideia. A arca simboliza a igreja, aqueles que estão
fora da “arca” – da igreja, não serão salvos. No dilúvio, a salvação é a vida e
proteção da arca, e a não-salvação a morte em meio as águas. Quando aplicada
ao contexto evangélico, a salvação seria a proteção de estar na igreja e ir para o
céu, enquanto a não-salvação seria o “estar no mundo”, portanto caminhar para
o inferno.
127

Deus Criador de todas as coisas, a partir do conceito de Graça Comum,


que é um tradicional conceito teológico de setores calvinistas e
reformados que afirmam que a graça de Deus traz benefícios que
alcançam todos os seres humanos, independente se estes indivíduos são
salvos118 – irão para o céu, ou não. Este posicionamento de João sofre
influência da formação teológica a partir da sua filiação institucional, já
que João frequenta há anos a igreja Presbiteriana.
João segue respondendo à pergunta, explicando um pouco mais
seu posicionamento a respeito da música:
E Deus, Ele dá talento a todos os homens, né. E dá
gratuitamente. Ele não dá talento depois que o
sujeito se converte. Quando o sujeito nasce, ele
ganha um talento de Deus gratuito. E o que ele faz
com esse talento define o resto da sua vida. Por
isso a gente não deve desperdiçar o talento de
ninguém. Seja evangélico ou não. Quanto à
convicção de fé de cada um, isso é uma coisa que,
né, a gente deve usar aquele versículo examinar
todas as coisas e reter pra gente o que é bom.
Assim como existem mensagens que são pregadas
por um pastor que não se aproveita nada. Mas
existem músicas compostas por um cara não
cristão que se aproveita tudo. Música tem
melodia, harmonia, ritmo, letra...então não é
possível que a gente jogue tudo isso fora como se
isso não viesse de Deus. Tudo vem dEle, e para
Ele retorna. Conscientemente ou não.119
Vemos aqui mais explicado a lógica da Graça Comum em relação
à música. Este conceito teológico permite que cristãos como João
escutem e apreciem músicas de pessoas não-cristãs, pois, o talento de
fazer arte, ou qualquer outro talento, teriam sido dados por Deus, sendo,
portanto, de Deus. Ainda que quem desenvolva o talento não o faça com
esta intenção. No entanto, isso não significa que tudo seja benéfico.

118
A Graça Comum se diferencia da Graça Salvadora. Segundo se acredita, a
primeira atua em toda a humanidade, uma evidência seria a distribuição de dons
e talentos da parte de Deus para todos os homens. Já a segunda atuaria somente
nos “escolhidos” para a salvação, somente sob aqueles que foram
“predestinados” a irem para o céu. Ambos conceitos apontam uma ideia de
Deus Criador e Soberano e são bem presentes na teologia reformada Calvinista.
119
JOÃO ALEXANDRE. Entrevista com João Alexandre - Especial 1 Ano
do OFTV. Entrevista. Publicada em 11 fev 2017. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/ondeosfracostemvez54.php>.
128

Tanto as coisas evangélicas, quanto as não evangélicas, tanto no gospel,


como no secular há coisas que não são de bom proveito e outras que
devem ser desconsideradas. João Alexandre se utiliza de outro texto
bíblico para afirmar seu posicionamento, “Examinai tudo. Retende o
bem”120.
No álbum de João “É proibido pensar”, temos a canção
“Feirante” que é um baião de autoria de Marcílio Menezes, um músico
secular. No encarte do disco está escrito:
“Nesta canção, o compositor juntou todos os
conselhos de sua avó feirante e decidiu, em forma
de poesia, perpetuá-los numa melodia rica de
harmonia simples! Quem sabe, a coroa da vida
seja "um sonho de açúcar mascavo embrulhado
num papel de seda azul" e o Céu seja a "Quitanda
da esperança", onde um dia nos encontraremos”.
Ao que tudo indica, a música não foi feita para ser cantada em um
contexto cristão, mas a gravação de João Alexandre da música mostra
que o cantor conseguiu encontrar significância cristã em uma música
que originalmente não era. Em suas apresentações, João também canta
trechos de músicas símbolo da cultura brasileira como: “Asa Branca” e
“Luar do Sertão”, de Luiz Gonzaga121. Isso entra em concordância com
o discurso de João acerca da música sob o olhar do conceito teológico
de Graça Comum.
A teologia que opera o conceito de Graça Comum traz diferenças
significativas em relação à teologia da Batalha Espiritual, por exemplo.
Na teologia de Batalha Espiritual, muito forte no pentecostalismo, há as
coisas de Deus e as coisas do Diabo, e sempre há uma oposição, uma
guerra, uma disputa no plano espiritual entre Deus e o Diabo, entre
anjos e demônios pelas almas e vidas das pessoas. Segundo esta
teologia, apesar de Deus ser criador de todas as coisas, existem coisas
corrompidas (possivelmente, até “criadas”) pelo Diabo. A música seria
um dos meios do Diabo tentar afetar a vida das pessoas, e como a vida é
vista de forma polarizada e combativa, haveriam as músicas de Deus e
as músicas do Diabo. Por este motivo, nos meios pentecostais é comum
haver mais resistências e proibições em relação à musica secular do que
nos meios reformados. Não podemos negligenciar, porém, que estes

120
Está na Bíblia, texto base da fé Cristã, no livro de 1 Tessalonicenses 5:21.
121
João cantou trechos destas músicas em uma apresentação, ao final da música
“João Brasileiro”. (JOÃO ALEXANDRE. João Alexandre - João Brasileiro -
Nova Semente. 17/03/2012. Mar 2012. YouTube. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=2OBRvWzmARg>.)
129

evangélicos são de origens sociais diferentes. De forma geral, os


evangélicos reformados são de níveis sociais, econômicos e de formação
acadêmica mais elevados do que os pentecostais, o que também pode
significar – mas não necessariamente, um maior acesso à cultura e arte
quando comparados aos pentecostais, e consequentemente, formas
diferentes de lidar com arte, cultura e música que sugeririam
motivadores que estejam além da teologia da igreja a qual se pertence.
Em sua entrevista ao blog “Batedeira Industrial”, em 2013, após a
fala do entrevistador que enfatizou a música de João Alexandre como
respeitada por artistas do meio secular122, há a pergunta a respeito da
barreira entre a música secular e a música religiosa. Pelo que João
Alexandre disse:
Pra mim não existe música religiosa nem profana,
existe música boa ou música ruim! Como também
não existe um Ré menor profano e um Mi maior
divino! Saber diferenciar uma coisa da outra é pra
poucos ouvintes, poucos mesmo! O povo cristão,
por sofrer dessa falta de julgamento, não poucas
vezes, infelizmente “engole” tudo o que é
supostamente “evangélico”, mesmo que seja mal
feito e despreza tudo o que não é “evangélico”,
mesmo que bem feito! Quanto aos elementos da
música (letra, melodia, harmonia e ritmo), seja ela
qual for e de quem vier, é preciso seguir a Palavra
de Deus, examinar tudo e reter o que é bom!
Particularmente, me empenho em ser um bom
profissional, já que vivo disso e procuro fazer
música de qualidade, respeitando os ouvidos de
quem me ouve, dentro de minhas limitações, ao
invés de me aproveitar da música, coisa que muita
gente tem feito mundo afora! Fazer música é
diferente de se aproveitar da música! 123

122
Para sustentar a afirmação, o entrevistador cita o elogio a João Alexandre
realizado pelo Ed Motta no Twitter. Na rede social Ed Motta já indicou também
o Vencedores por Cristo, segundo ele, um disco raro da Gospel/christian
brasileira. No tweet, Ed compartilhou um link do YouTube da música tema do
álbum De Vento Em Popa, dos Vencedores por Cristo.
123
Entrevista ao blog “Batedeira Industrial” 2013, após a fala do entrevistador
“João, a tua sonoridade é respeitada por artistas como, por exemplo, o Ed Mota,
que te elogiou via twitter. Você se empenha em quebrar essa barreira música
secular/música religiosa?” (JOÃO ALEXANDRE. BatePapo com João
Alexandre. Blog: Batedeira Industrial. Entrevista. Publicado em: 27 de outubro,
130

Nesta fala João deixa claro que seus critérios em relação à música
que consome não é a origem, se gospel ou secular, mas a qualidade, se
boa ou ruim (o que pode ser algo muito subjetivo). A sua crítica se
direciona, justamente, ao consumo de música somente pela origem
gospel, ainda que seja música de má qualidade e à rejeição da música,
somente pela origem secular, ainda que de boa qualidade.
Após isso, João posiciona-se como músico profissional,
comprometido com uma produção musical com qualidade em respeito
ao público. Ele contrasta este posicionamento ao daqueles que, segundo
ele, não fazem música, mas se aproveitam dela. Podemos sugerir que se
aproveitar da música poderia ser o manter uma relação com o mercado
da música, tornando-se um produto comercial objetivando apenas
alcançar fama, mídia e retorno financeiro por meio da música. Parece
que, aos olhos de João, isso seria um desrespeito ao público e uma má
utilização da música.
Em sua entrevista ao Portal Ultimato, João foi questionado se “os
evangélicos já superaram a velha dicotomia “secular versus sagrado”? ”
e também “quais as implicações dessa visão para a igreja na relação com
a cultura e, especificamente, com a música?”:
Acho que ainda não! Muitos cristãos, por falta de
esclarecimento, ainda acreditam no Mi maior
profano e no Ré menor divino, infelizmente. Há
pastores que não entendem de música e músicos
que não entendem de Bíblia espalhados Brasil
afora. Isso dificulta demais a inserção sadia da
música cristã, como arte, dentro dos meios de
comunicação. Ainda usamos o “evangeliquês” de
forma latente e somos identificados muito mais
como religiosos do que como artistas. Somos
artistas cristãos e deveríamos ser cristãos artistas.
A noção de que “por meio dele, por ele e para ele
são todas as coisas” ainda é subjugada à
religiosidade quando deveria se submeter ao fato
de que Deus é o criador de todas as coisas.124

2013. Disponível em:


<http://batedeiraindustrial.blogspot.com/2013/10/batepapo-com-joao-
alexandre.html>.)
124
JOÃO ALEXANDRE. Artista cristão ou cristão artista? Faz diferença?.
Entrevista. Publicada em: 14 de fevereiro de 2018. Disponível em:
<http://www.ultimato.com.br/conteudo/artista-cristao-ou-cristao-artista-faz-
diferenca>.
131

João afirma que ainda percebe a dicotomia entre secular e


sagrado, e defende que isso aconteça porque ainda “há pastores que não
entendem de música e músicos que não entendem de Bíblia espalhados
Brasil afora”, disto podemos inferir que João entende que muitos
pastores tem um conceito errado a respeito da música, assim como,
muitos músicos têm pouco conhecimento acerca de teologia. Isso
dificultaria a “inserção sadia da música cristã, como arte dentro dos
meios de comunicação”. Esta inserção sadia pode ser interpretada como
uma música cristã relevante, para usar o termo que João sempre utiliza,
ou seja, uma música cristã que seja como arte e cultura relevante para
cristãos e não cristãos.
O “evangeliquês”, quase um “idioma” do evangélico, seria todo o
conjunto de conceitos e palavras nativas do meio evangélico que,
quando combinados na letra de uma música, tornam-se indecifráveis
para aqueles que não tem acesso aos símbolos e significados da cultura
evangélica. O uso do “evangeliquês” nas músicas, segundo João, faz
com que os músicos evangélicos sejam muito mais religiosos do que
músicos.
A afirmação de que “somos artistas cristãos e deveríamos ser
cristãos artistas” pode parecer uma redundância, mas não é. Quando diz
“somos artistas cristãos” isso traz a noção de como o “cristão” ou o
“gospel” tornou-se um adjetivo que direciona as pessoas a um lugar
específico na sociedade, como em uma caixa. Temos o cantor gospel, o
músico gospel, a banda gospel, que fazem música gospel, para um
público gospel. Há todo um mercado gospel. O artista cristão, ou o
artista gospel, é um tipo específico de artista que atua em um lugar
definido da sociedade – o mercado gospel. Neste sentido, o “artista
gospel” tem sua identidade cristã como definidora da sua arte e do seu
público.
Quando ele afirma que "deveríamos ser cristãos artistas”, ele diz
que acredita na possibilidade do indivíduo ser um cristão que é artista,
um cristão que faz arte. Neste sentido, o “cristão artista” tem a
identidade cristã como influenciadora da sua produção artística, mas não
definidora. Sua arte não seria apenas para o mercado religioso. Por isso,
em algumas das suas falas João cita outras profissões, segundo sua
lógica, assim como um pedreiro não faz uma parede gospel ou uma
parede secular, mas apenas uma parede, assim também o músico não faz
música sagrada ou profana, mas apenas música. E assim como uma
parede, pode ser de qualidade ou não, sendo que a qualidade não é
condicionada pela religiosidade de quem a fez.
132

Este pensamento se sustenta pela afirmação final “A noção de


que “por meio dele, por ele e para ele são todas as coisas” ainda é
subjugada à religiosidade”, provavelmente direcionando a crítica aos
setores que não compartilham ou priorizam o conceito teológico de
Graça Comum, e que acabam incentivando a polarização não só da
música, mas do mundo, criando um “mundo gospel125”.

6.3.4. Sobre a música de João, os gêneros musicais que ele faz e suas
influências.

Em seu antigo site oficial126, o cantor João Alexandre era


apresentado assim:
João Alexandre é violonista, cantor, compositor,
arranjador e produtor musical. Como violonista,
foi influenciado por músicos brasileiros, como
Paulinho Nogueira, Baden Powell, Noite
Ilustrada, João Bosco, Lenine, Guinga, entre
outros. Como cantor, sua voz tem recebido boas
críticas de nomes como Leni Andrade, Wanda Sá,
Zé Luiz Mazzioti, entre outros. Como compositor,
sua música traz em suas matizes harmônicas,
rítmicas e melódicas, influências bem brasileiras,
desde a música rural, a seresta, a urbana e a de
raiz, passando pelo samba, pela bossa nova e pelo
jazz. Sendo cristão por convicção, nostalgia,
brasilidade e poesia caracterizam suas
composições, que transmitem sentimentos
diversos em relação ao mundo, à Fé e ao cotidiano
das pessoas, de forma geral. (CARDOSO, 2013,
p. 2.)
Em uma entrevista ao programa de Rádio “Onde os Fracos Tem
Vez”, ao ser solicitado pelo entrevistador a expressar sua opinião sobre
“o momento atual das letras da música cristã”, o entrevistador

125
O mercado gospel possibilita toda a construção de uma “vida gospel”, ou até
de um “mundo gospel”. São lojas, escolas, academias de musculação, filmes,
novelas, programas de Tv, lanchonetes, restaurantes, entre muitos outros
espaços Gospel. Não se trata somente de produtos gospel, mas práticas de vida
Gospel que podem significar uma vida de austeridade e ascetismo. (uma cultura
dentro/paralela/em concorrência com outra cultura, daí o choque entre “cultura
evangélica” e cultura brasileira)
126
O site está atualmente fora do ar, no entanto, esta apresentação foi registrada
no texto de Cardoso, 2013.
133

questionou “teríamos um modismo em curso? É um vento que vai se


dissipar?”. João respondeu sobre sua trajetória musical:
[...] E eu, de muitos anos pra cá, eu decidi cantar
nas minhas letras, assim como mais um número
pequeno de compositores que eu conheço, de
voltar à Palavra de Deus e voltar à verdade
bíblica. Doa a quem doer, né. Porque a verdade é
um negócio gozado, todo mundo quer ouvir, mas
quando ouve fica incomodado. Todo mundo
procura a verdade, mas quando ouve fica
incomodado. Como você mesmo disse, as pessoas
querem ouvir aquilo que elas gostam de ouvir, ao
invés daquilo que elas precisam ouvir. Então, já
que a fé vem pelo ouvir, eu tenho que cuidar
muito bem sim daquilo que eu ouço, pra que
minha fé não se transforme em qualquer coisa.
[...] 127
A decisão de João em “falar a verdade”[...] “doa a quem doer”
pode ter sido um dos motivos para a decisão do cantor de desvincular-se
do mercado gospel oficial, seguindo na carreira independente. Pois,
quando se está vinculado à uma gravadora há determinadas posturas e
opiniões que não podem ser expressadas, quando conflitantes com os
interesses da gravadora, além do que, as gravadoras também têm um
alto grau de influência na produção musical do cantor, no caso de João
isso poderia significar o impedimento de gravar determinadas músicas.
Acerca das influências musicais, na entrevista dada a um blog
cristão chamado “Batedeira Industrial”, João foi questionado a respeito
dos gostos musicais e do que tem ouvido ultimamente:
Nada especificamente e tudo se for preciso!
Depende do trabalho em que estou me
envolvendo, gravação, apresentação, com a banda,
etc. Confesso que hoje o silêncio é ouro pra
mim... “tô” ficando velho! Como indicação,
sugiro qualquer músico genuinamente brasileiro e
cito como exemplos, Ivan Lins, Djavan, Milton
Nascimento, Toninho Horta, entre outros e a obra
de Dori Caymmi, filho de Dorival Caymmi,

127
JOÃO ALEXANDRE. Entrevista com João Alexandre - Especial 1 Ano
do OFTV. Entrevista. Publicada em 11 fev 2017. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/ondeosfracostemvez54.php>.
134

compositor, intérprete, arranjador e violonista


reconhecido dentro e fora do país!128
É interessante perceber que João nesta resposta somente indicou
músicos do meio secular. Este posicionamento não é comum no meio
dos cantores evangélicos, pois a resistência de alguns setores em relação
à música secular, à “música do mundo”, impede estes músicos de
revelarem suas influências na música não-religiosa. O posicionamento
de João, mostrando suas preferências musicais sem “temor” talvez esteja
relacionada com o fato de ter se “desvinculado” do mercado gospel, não
sendo contratado de nenhuma gravadora, o que possibilitaria uma maior
liberdade em posicionar-se de forma “polêmica”. Além disso, João
demonstra de várias formas um posicionamento que evidencia que ele
não coloca limites entre a música religiosa e a música não-religiosa.
Para o cantor, ao apreciar uma música a qualidade musical vem antes da
religiosidade.
Curiosamente, nesta entrevista, parece que não era isso que o
entrevistador esperava como resposta, pelo que ele continua: “E no
cenário gospel? Tem gente boa pra escutar? ” Agora, com a pergunta
mais específica, João responde:
Claro que tem: Stenio Marcius, Diego Venâncio,
Fabinho Silva, Baixo e Voz, Gerson Borges,
Roberto Diamanso, Arlindo Lima, Ju Bragança,
Glauber Plaça, Jorge Camargo, Gladir Cabral, e
por aí vai...129
Em 2014, ao participar de uma mesa redonda130 da qual
participou como convidado, João se posicionou sobre sua trajetória e
sinalizou o desconhecimento das pessoas evangélicas em relação ao que
seria a “primeira geração da música brasileira cristã”, que teria
influenciado o cantor. João afirmou que as pessoas costumam pensar
que ele é um dos pioneiros, mas ele defende que se inspirou nesta
primeira geração:
Da minha parte, eu tô tentando continuar, vou usar
um termo pejorativo, levantando a bandeira do

128
JOÃO ALEXANDRE. BatePapo com João Alexandre. Blog: Batedeira
Industrial. Entrevista. Publicado em: 27 de outubro, 2013. Disponível em:
<http://batedeiraindustrial.blogspot.com/2013/10/batepapo-com-joao-
alexandre.html>.
129
Ibid, 2013.
130
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
135

divino. Porque eu sou discípulo de pessoas como


o Paulinho131, sou uma geração depois [...] e muita
gente me confunde com a mesma geração,
justamente por eu tentar manter a “horta viva”. Eu
prefiro cantar uma música que coloque os pés no
chão de volta do que tirar os pés do chão132. [...]
Mas assim, existem movimentos no Brasil que
ainda prezam, o próprio “Som do Céu” é um
evento forte, o “Nossa Música Brasileira 133” é
organizado pela missão Jovens da Verdade. É um
movimento que preza pela musicalidade mais
profunda, pela música que faça pensar, pela
música que não só entre pelos ouvidos e sai pela
boca, como se todo mundo fosse um papagaio
espiritual...mas, uma música que tenha conteúdo,
letra.134
Nesta fala João assinala que não é pioneiro em fazer “música
brasileira cristã”, como o músico se refere à música evangélica mais
voltada à música brasileira, afirmando que muitas pessoas “confundem”,
pensando ser ele pioneiro nessa vertente. Isso demonstra o quanto o
grande público evangélico ainda desconhece o trabalho musical de
pioneiros como Vencedores por Cristo, por exemplo. João cita, como
remanescentes do movimento que o inspirou, os movimentos “Som do
Céu”, realizado pela missão Mocidade Para Cristo – MPC e o
movimento “Nossa Música Brasileira”, realizado pela missão Jovens da
Verdade, ambas as missões são exemplos do movimento
paraeclesiástico das décadas de 1970 e 1980 que visava valorizar a
música cristã brasileira. A fala de João continua:

131
Paulo Cezar do Grupo Elo e Grupo Logos.
132
“Tira o pé do chão!” é uma frase muito dita pelos artistas e cantores em
shows gospel. A afirmação de João pode ser entendida como uma crítica a este
tipo de música, para entretenimento, para pular, para dançar, quando esta seja só
para estes fins.
133
Estes dois eventos, Som do Céu – realizado pela missão Mocidade para
Cristo (MPC), e o Nossa Música Brasileira – realizada pela missão Jovens da
Verdade. Ambas missões foram tão importantes quanto a missão Vencedores
Por Cristo, onde João iniciou e com a qual mantém um certo relacionamento até
hoje, pois muitos de seus álbuns foram produzidos pela VPC – Produções.
134
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
136

E se há uma diferença dessa época, os


compositores dessa época queriam competir com
os grandes compositores populares, a gente fazia
música pensando em competir com o Taiguara,
com o Vinícius de Moraes, com Caetano Veloso,
com o Chico Buarque... com um diferencial
específico: a nossa música era confessional. Era
uma poesia que tinha no seu âmago a pessoa de
Jesus. Eu acho até que, às vezes, agora a gente
corre o risco de fazer a música pela música.
Esquecer a “confessionalidade” da fé. [...] Alguns
dos nossos compositores companheiros, estão
compondo música que falam da beleza, do
passarinho, da arte, “pápápá”... mas que não tem
uma “confessionalidade”, não tem Jesus. Eu,
particularmente, não consigo compor qualquer
música que seja se eu não citar135 o nome de Jesus
por ser o autor daquilo tudo. Se eu fizer uma
música pro meu cachorro, pra minha esposa, eu
vou por Jesus lá no meio, porque eles são
instrumentos da Graça de Deus. [...] tudo isso é
benção de Deus. Eu quero que o Espírito Santo
visite os corações das pessoas.136
João demonstra que os compositores que o inspiraram e que
foram seus colegas consumiam música secular, havia a influência dos
cantores mais famosos da época da Mpb, da bossa nova, e segundo ele,
a música era feita “para competir” com estes músicos. Através desta
afirmação, é possível interpretar que a música produzida por estes
evangélicos naquelas décadas – 1970,1980, pretendia-se em qualidade
musical e poética igual ou maior ao que era produzido no meio secular.
Isso evidencia que não havia uma preocupação com um mercado
ou público específico, o gospel, pois o mesmo ainda não tinha a força
que hoje tem. A produção musical destes músicos evangélicos
objetivava a circulação nos mesmos locais da música não-religiosa da
época. Entendemos que, para isso, era necessário ouvir a produção

135
Evidentemente que João não cita propriamente o nome “Jesus” em todas as
suas músicas, mas esta afirmação demonstra que em suas composições ele
considera Jesus como criador de todas as coisas, dos temas que as músicas
abordam, seja o amor, a natureza, uma cidade, a cultura brasileira.
136
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
137

musical do meio secular, algo que na época e até hoje é “proibido” para
muitos evangélicos. Apesar de não haver um mercado gospel como
hoje, os evangélicos tinham seus tradicionais hinários, que são
compostos de hinos e corinhos, em sua maioria de compositores
estrangeiros e cantados nas igrejas brasileiras na versão em português.
Ouvir qualquer coisa que não fossem os “hinos” poderia ser considerado
pecado. Por se tratar de músicas em gêneros musicais brasileiros, o
acesso de evangélicos a estes músicos seculares era para muitos
“duplamente proibido”.
Apesar de se inspirarem na música secular da época, estes
músicos não perdiam seu conteúdo religioso – a confissão da fé cristã
através das músicas. João nesta fala critica parte da produção musical
evangélica mais recente, suspeitando a possibilidade de perder-se a
profissão de fé através da música brasileira feita por cristãos
evangélicos, o que parece uma afirmação um tanto exagerada. Neste
aspecto, João parece demonstrar sua principal motivação para compor:
apresentar as suas crenças.
Ainda na mesa-redonda, João recorda quando fez parte do Grupo
Pescador:
Quando eu gravei esta canção, “canção da
Alvorada”, eu estava no grupo “Pescador”, a
gente era 5 meninos com o propósito de
“abrasileirar” um pouco mais a coisa. A gente foi
no show do “boca Livre”, eu fiquei espantado
com a música do “Boca Livre”. E lá no estúdio a
gente não tinha um tostão pra gravar. A gente pôs
o joelho no chão, todo dia a gente, eu pus meu
joelho no chão “Senhor eu não sei o que vai ser
esse Vinil, mas a gente quer que o Espírito Santo
fale com as pessoas através disso aqui”. Então,
perdeu-se o foco da nossa mensagem, eu acho.
[...] A gente tem que retomar este objetivo. [...]
Naquela época, o artista e a música pretendia
levar as pessoas até Deus. Hoje Deus e a música
levam as pessoas até o artista.137
É interessante perceber na fala de João que, no primeiro grupo
que participou – o Grupo Pescador, já havia uma intenção de
“abrasileirar”, de trazer as características da música e cultura brasileira

137
JOÃO ALEXANDRE. Mesa Redonda - Jilton Moraes, Paulo Cézar, João
Alexandre e Michel Augusto. Vídeo no YouTube. 05 dez 2014. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LNnAJTGqMW0>.
138

para o meio evangélico. João afirma o grupo fazia música com a


intenção “levar as pessoas até Deus”, e critica dizendo que hoje a
produção de música evangélica “leva as pessoas até o artista”. Vale
lembrar que, por considerar a música como arte, João não tem
problemas em chamar o músico de artista. Neste sentido ele não critica o
“ser artista” em si, mas a mudança ao longo dos anos no meio musical
evangélico, que segundo ele, passou da produção de músicas que tinham
por interesse professar a fé cristã evangélica para a produção de músicas
que visam apenas promover a carreira do músico. Isso demonstra uma
oposição de João Alexandre aos “artistas gospel” que, para ele, teriam
um comportamento reprovável ao estabelecer grandes cachês, buscar a
fama, entre outras.
Quando João fala sobre as suas influências musicais no meio
cristão, vemos que os grupos musicais de missão das décadas 70
exerceram influência sobre sua produção musical. Em entrevista ao
OFTV o apresentador pede para João comentar acerca de Sérgio
Pimenta, componente do grupo Vencedores por Cristo e compositor:
O que eu posso te falar do Sérgio Pimenta, meu
querido, é que se ele fosse vivo, ele seria o maior
compositor de todos os tempos que eu já conheci.
Ele conseguia dizer coisas simples de uma
maneira bem trabalhada, coisas complicadas de
uma maneira muito simples. O Pimenta tinha
harmonia no sangue, e tinha a melodia, tinha
brasilidade, foi um dos caras mais brasileiros que
conheci. O interessante é que ele fazia música
brasileira muito bem feita, a música cristã
contemporânea brasileira, Mpb, música popular
brasileira confessional. Quer dizer, tudo o que ele
compunha tinha os valores da fé. Eu tô vendo que
hoje, as vezes, as pessoas se perdem, na tentativa
de fazer uma música brasileira acabam perdendo a
chance de fazer uma música confessional. Isso
tem me preocupado muito, quer dizer, a gente tem
visto muita poesia legal. Eu acho que a poesia por
si só já é um presente de Deus, divino, já é uma
coisa que vem do alto. Mas nada como você fazer
uma música poética, melódica, harmônica,
rítmica, claro, por que não? Adoro rock, acho
lindo, bem feito, maravilhoso, mas de uma
139

maneira confessional. Que fale sobre os valores


do Reino. 138
Primeiramente vemos a influência de Sérgio Pimenta139 na obra
de João Alexandre, e os elogios à “brasilidade” de Pimenta e à sua
produção de música popular brasileira e confessional. Características
que João também apresenta em suas músicas.
Mais uma vez João, com ares de saudosismo, contrapõe a música
cristã produzidas naquela época com as músicas produzidas hoje.
Contudo, é importante frisar que aqui não é a todo o cenário musical
gospel que ele dirige sua fala, mas àqueles do cenário evangélico que
produzem músicas no mesmo gênero musical que ele, em samba, bossa
nova, Mpb, entre outros. Segundo João, está faltando a confissão de fé
nas músicas desta “nova geração” da Mpb cristã. A fala de João pode
indicar uma mudança no cenário da produção de música brasileira por
evangélicos. Recentemente, temos visto alguns músicos que, apesar de
serem evangélicos, buscam uma produção musical descolada do cenário
gospel, ou pelo menos de uma forma que seja possível transitar entre o
gospel e o secular. Um exemplo é o cantor, compositor e violonista
Estevão Queiroga, que inclusive este ano se apresentou juntamente com
João Alexandre. Estevão é uma das novas vozes da Mpb cristã, no
entanto, participou recentemente de um projeto secular que reuniu
diversos cantores famosos, como Ney Matogrosso e Fernanda Takai,
para a gravação de canções inéditas de Adoniran Barbosa. A fala de
João não é uma crítica ao transito destes músicos cristãos entre o gospel
e o secular, pois o próprio João defende a desconstrução das barreiras
entre os dois, mas parece muito mais uma preocupação de que os
evangélicos deixem de produzir música em gêneros musicais brasileiros
que anunciem a fé cristã. Que os músicos evangélicos, ao produzirem
Mpb, por exemplo, acabem todos fazendo Mpb e não restando ninguém
que faça Mpb cristã.
Não parece ser uma preocupação com uma possível ausência do
proselitismo através da música brasileira, mas sim um receio acerca de
uma possível inexistência de brasilidade na música evangélica. João não

138
JOÃO ALEXANDRE. Entrevista com João Alexandre - Especial 1 Ano
do OFTV. Entrevista. Publicada em 11 fev 2017. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/ondeosfracostemvez54.php>. Acesso em: 07
jul 2018.
139
Das treze músicas do álbum “De vento em popa” do grupo Vencedores por
Cristo, quatro são de composição de Sérgio Pimenta.
140

parece querer evangelizar a música brasileira, mas sim, abrasileirar a


música cristã.
A respeito da música “você pode ter”, composta por Sérgio
Pimenta e regravada por João, o cantor diz:
Mas eu diria que, nossa... essa minha releitura
dele tem gente que pensa que a música é minha.
Nada a ver, tenho que falar “essa música é do
Sergio Pimenta”. Aí, ninguém nem sabe quem é o
Sérgio Pimenta. Mas, é uma alegria poder cantar
esses caras. Meu trabalho é tentar manter o jardim
vivo, tentar mantes a plantação das flores
bonitas...daquilo que já foi plantado, né. Parece
que todo mundo quer chutar o jardim e acabar
com o jardim. 140
Ao falar “aí, ninguém conhece o Sérgio Pimenta”, João aponta
para um aspecto que encontramos entre os evangélicos, muitas vezes há
um desconhecimento a respeito da história e de quem foram os
personagens da história da música brasileira cristã. João já disse em
várias entrevistas que confundem ele com os pioneiros, e que se
considera da segunda geração de músicos que fazem música brasileira
cristã, por isso, usa das analogias de que tenta manter “o jardim vivo” ou
a “horta viva”, deixando claro que não foi ele que “plantou” as primeiras
sementes da musicalidade brasileira na música evangélica.
João hoje não compõe mais canções, já falou diversas vezes que
isso se dá devido à sua exigência em querer fazer algo de excelência. A
seguir, vemos João falando de suas influências e objetivos ao compor:
[...] Há muitos anos, parei de compor, mas, pela
graça e misericórdia de Deus, sobrevivo das
canções que compus há vinte, trinta anos. Aprendi
desde cedo, com Guilherme Kerr, Nelson
Bomilcar, Sérgio Pimenta, entre outros, que
canções devem ser compostas pensando na
eternidade e não em um momento, nem mesmo
em um mercado. Ouvir pessoas me dizendo que
elas parecem atuais, me alegra demais e me deixa

140
JOÃO ALEXANDRE. Entrevista com João Alexandre - Especial 1 Ano
do OFTV. Entrevista. Publicada em 11 fev 2017. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/ondeosfracostemvez54.php>. Acesso em: 07
jul 2018.
141

certo do dever cumprido. Se isso servirá de


exemplo para futuras gerações, o tempo dirá. 141
Os três compositores que João cita, Guilherme Kerr, Sérgio
Pimenta e Nelson Bomilcar, fizeram parte da geração do álbum “De
Vento em Popa” do grupo Vencedores por Cristo, mostrando mais uma
vez a forte influência desta geração de músicos evangélicos na obra
musical de João. Compor canções que pensem na “eternidade” e não em
um “mercado” evidenciam que a produção musical de João, tal qual a
produção dos músicos evangélicos que o influenciaram, segue a lógica
da produção musical evangélica que existia antes do crescimento e
fortalecimento do mercado gospel – na qual o músico cristão pode ser
visto como profissional, mas suas reais motivações são “missionárias”.
Neste sentido, a música cristã seria produzida muito mais com o intuito
de professar a fé – perspectiva “eterna”; do que na perspectiva do
mercado. Ou seja, na hora de fazer uma música, João priorizaria expor
na canção a sua “verdade”, sua crença. Por isso, sem receios, apresenta
maior liberdade para expor suas posições polêmicas através das letras e
das suas falas, e de produzir suas músicas com um grau técnico mais
elevado, justamente por não ter como objetivo fazer músicas que sejam
comerciais, de mais fácil consumo ou alcance um maior público.

6.3.5. Sobre trabalhar com música brasileira no meio evangélico:

João é um exemplo de cantor evangélico que tem por identidade a


música brasileira. Em uma de suas apresentações, antes da canção
“República do amor”, João argumenta a respeito da música brasileira:
Eu gosto muito de música brasileira, e as vezes as
pessoas me perguntam porque, né? Uma vez eu
fiquei meio enjoado de responder essa pergunta...
“porque você gosta tanto de música brasileira?”.
Eu falei: “é porque eu sou chinês, né?!” [o público
ri] E... eu não tenho nada contra as músicas de
outros países, a impressão é de quando você só
defende música brasileira é que você tem algo
contra as outras... nada a ver! 142

141
JOÃO ALEXANDRE. Artista cristão ou cristão artista? Faz diferença?.
Entrevista. Publicada em: 14 de fevereiro de 2018. Disponível em:
<http://www.ultimato.com.br/conteudo/artista-cristao-ou-cristao-artista-faz-
diferenca>. Acesso em: 07 jul 2018.
142
JOÃO ALEXANDRE. João Alexandre - República do Amor | I
Conferência Exposição Bíblica. Águas Claras, Brasília-DF. Set 2014. YouTube.
142

João fala de ser questionado “porque você gosta tanto de música


brasileira?”. A resposta de João - “é porque eu sou chinês, né?!”, é
carregada de ironia, o que pode indicar que ele deve ter ouvido essa
pergunta diversas vezes. O que parece é que, no meio evangélico, aquele
que trabalha com música brasileira precisa justificar o porquê de fazer
música brasileira. Isso pode indicar o quanto a música brasileira no
contexto evangélico ainda é algo que cause um certo espanto ou
represente uma “novidade” para alguns, já que a história sobre a música
evangélica brasileira ainda é desconhecida de muitos.
João ainda pontua um pensamento recorrente, que aquele que
defende música brasileira é contra a música de outros países. É possível
percebemos que, apesar de João ser defensor da música e cultura
brasileiras, ele não apresenta um nacionalismo extremo.
Na fala seguinte, João fala sobre o Brasil:
A gente tem... o Brasil é um país multifacetado, o
Brasil é um país antropofagicamente cultural, que
a gente...uma cultura digere a outra, né. A gente
não é uma coisa só, né? Tem negros de cabelos
lisos, “japoneses” de olhos azuis, o Brasil tem de
tudo... e como tal, ás vezes, precisa ter um
pouquinho de Brasil também, faz bem né?! Só
acho que a nossa música é muito loira de olhos
azuis e falta um pouco de morenice, falta um
pouco de negritude, falta um pouco de coisa de
brasileiro. Tá faltando botar aí, bicho, feijoada
nessa coisa toda, né?! 143
Ao apresentar o Brasil, João apresenta o “corpo” brasileiro –
miscigenado, multifacetado. E critica a música gospel brasileira que,
segundo o cantor, é “muito loira de olhos azuis e falta um pouco de
morenice, falta um pouco de negritude, falta um pouco de coisa de
brasileiro”, a afirmação de João se justifica no contexto da música
evangélica, que sempre teve influência das músicas estrangeiras. João
defende que o evangélico brasileiro tenha mais brasilidade e menos a
influência norte-americana e europeia.
Antes de cantar a música João diz:
Então vou cantar aqui um samba, que não é nem
de Deus e nem do Diabo, é só um samba, né?!
[risos do público] É...samba! Não tem samba

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UUzR0odnujU>. Acesso


em: 07 jul 2018.
143
Ibid,2014.
143

gospel... ré menor profano, mi maior divino... isso


é uma bobagem! Né! [...] mas a gente vai cantar
aqui um samba, aproveitando este terreiro de
macumba que está aqui do meu lado[...]144
João, com muito humor, fala que o samba é somente samba, que
não existe samba gospel. Ou seja, ele apresenta o samba como espaço
“neutro”. Nem sagrado, nem profano. Nem divinizado, nem
demonizado. Isso complementa a sua posição como “cristão artista”. Ele
se afirma como um cristão que faz samba, apenas isso. E estas divisões
de música religiosa e não religiosa para ele são “bobagens”.
Quando diz “aproveitando este terreiro de macumba que está aqui
do meu lado”, João refere-se aos instrumentos de percussão do
percussionista que o acompanha. É interessante percebemos que João
não rejeita ou ignora as origens do samba, ligado às religiões afro-
brasileiras. Contudo, João não demoniza o samba por ter tido origem
relacionada a outra religião. Justamente porque parece não acreditar na
música como “adoração” e “louvor” em si mesma, a frase soa como uma
chacota em relação ao pensamento que demoniza instrumentos e
gêneros musicais, o que despertou muitos risos no público.
A seguir, João conta a respeito de experiências de que teve na
época que pertencia ao grupo Milad:
Pra quem não sabe, eu fiz parte do Milad. Teve
igreja onde o Milad chegava e o cara mandava
guardar aquela tumbadora, aquele atabaque...
porque aquilo ali era uma coisa de candomblé,
né...e tal. Tem gente que acha mesmo que existe
pele divina, né... Você compra alguma pele gospel
ou não? [pergunta ao percussionista, que rindo
responde com a cabeça que não]. Esses dias eu vi
numa loja assim “curso de contrabaixo gospel”.
Aí eu falei “cara...será que tem um fá que é
divino e um mi que é profano?” Então a gente
tem tanta loucura, né...Já dizia o falecido Robson
Cavalcanti “tem horas que o desafio do cristão é
ser normal” Tem hora que o desafio do cristão é
ser normal. Sejamos normais! 145

144
JOÃO ALEXANDRE. João Alexandre - República do Amor | I
Conferência Exposição Bíblica. Águas Claras, Brasília-DF. Set 2014. YouTube.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UUzR0odnujU>. Acesso
em: 07 jul 2018.
145
Ibid, 2014.
144

João conta de momentos em que os instrumentos de percussão,


ligados ao samba, foram censurados em igrejas onde o Milad tinha sido
convidado para se apresentar. As proibições eram justamente devido às
origens ligadas a outras religiões. É provável que as proibições tenham
ocorrido em igrejas que compreendem a música como sinônimo de
adoração, de invocação. Neste sentido acontece algo interessante,
aqueles que proíbem o tambor, demonizando-o porque no contexto das
religiões afro ele é o meio de atrair e invocar os deuses afro, na verdade,
proíbem justamente por compartilhar da mesma crença a respeito da
música que os adeptos das religiões afro-brasileiras – que a música
invoca, atrai espíritos. A censura exemplifica o sincretismo e a
antropofagia das religiões contrárias que ocorrem em setores
pentecostais brasileiros, por exemplo.
João continua em tom de ironia e pergunta ao percussionista
“você compra alguma pele gospel?”. referindo-se ao material que faz
parte dos tambores. Ironiza o conceito de “música de Deus” com a
expressão “pele divina” e com o questionamento “será que tem um fá
que é divino e um mi que é profano?” Todas estas divisões são sem
sentido para João, coisa de “louco”, que faz o cantor arrematar a fala
convocando os evangélicos “sejamos normais!” O “normal” aqui talvez
seja uma referência a ser, apenas, humano. Nem divinizado, nem
demonizado. Somente humano.
Antes de cantar a música, João apresenta a origem da canção:
Vamo lá... isso aqui é um samba, feito por um
baiano querido chamado Aristeu Pires, um dos
maiores compositores que o Brasil conheceu e
conhece. Aristeu é profícuo. É... alguns
compositores como o Aristeu, o Sérgio
Pimenta...ah...sei lá... Paulo César... Nelson
Bomílcar... Eu já sou discípulo do Paulão aí, eu
sou uma geração depois. É... são pessoas que a
gente tem que cantar e a gente tem que trazer pra
dentro da nossa hinologia. Além dos nossos hinos,
que as vezes parece mais uma bula de remédio,
né. Você falar pro cara “se da vida as vagas
procelosas são” ele vai perguntar se é alguma
coisa para disenteria...sei lá. [...] Mas, vamos lá...
vamos fazer um samba aqui que é pra Jesus. 146

JOÃO ALEXANDRE. João Alexandre - República do Amor | I


146

Conferência Exposição Bíblica. Águas Claras, Brasília-DF. Set 2014. YouTube.


145

Esta fala final de João é uma defesa e um convite para a


construção de uma “hinologia” evangélica que seja mais brasileira, mais
coerente com nossa cultura. A frase final representa bem o conceito de
João acerca da música brasileira. Apesar de o samba não ser em si, nem
do Diabo, nem de Deus, mas “apenas um samba”, o samba de João é um
samba para Jesus.

6.3.6. João e o Mercado Gospel

Vemos então que o cantor, instrumentista e compositor João


Alexandre tem uma forma peculiar de desenvolver sua carreira musical
no meio religioso. Ao mesmo tempo que encara a música como
profissão, opondo-se a alguns conceitos vigentes no meio evangélico de
música como sinônimo de “missão”, “ministério”, “vocação”,
“adoração” e “louvor”, ele também se opõe àqueles que fazem carreira
musical no meio gospel cobrando altos caches para a realização de
shows. Após ter tido a experiência de gravar os primeiros dois álbuns –
Simplesmente João (1991, Gospel Records) e Todos são iguais (1994,
Aliança Produção e Distribuição), por gravadoras de maior nome no
meio gospel, João retornou à VPC produções, que surgiu para a
produção de forma independente dos álbuns do Grupo e Missão
Vencedores por Cristo. Em uma entrevista ao programa de rádio Onde
os Fracos Tem Vez, ao ser questionado acerca das participações de
outros cantores em seu primeiro álbum, João disse:
Na realidade quando eu gravei este CD eu fazia
parte de uma gravadora, eu já fiz parte de duas
gravadoras e já saí delas porque, né, não deu
certo. Eu acho que gravadora é bom, ao mesmo
tempo é complicado. Eu comparo um cantor de
gravadora com um passarinho preso na gaiola, né.
E o cantor independente com o passarinho que
vive na floresta. O passarinho que tá na gaiola, o
dono vai lá, põe comida...o dia que o dono não
põe mais comida coitado, né. Ele vem cantar e ele
tem que cantar na gaiola, ele não pode mais sair
dali. O que está na floresta não, canta à vontade

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UUzR0odnujU>. Acesso


em: 07 jul 2018.
146

em qualquer galho, ele voa, né... então, eu resolvi


sair. 147
A realidade mostra outra perspectiva acerca da metáfora do
“pássaro livre”. Porque o passarinho que voa livre – sem gravadora,
muitas vezes pode não ter um galho onde pousar – uma agenda
preenchida por apresentações. Ao vermos a agenda de João Alexandre
de 2018, que se considera como o passarinho livre, vemos um número
consideravelmente pequeno de apresentações marcadas até o fim do
ano, apenas vinte e cinco. Destas, dezoito são no estado de São Paulo,
três em Minas Gerais, duas no estado do Rio de Janeiro, uma em Goiás
e uma no Distrito Federal. Quer dizer, as vinte e cinco apresentações se
concentram nas regiões sudeste e centro-oeste do país, o que nos
permite continuar o raciocínio da metáfora considerando que o “pássaro
livre” das gravadoras talvez tenha maiores dificuldades em realizar voos
mais longos e mais altos, ou seja, dificuldades de ter um maior número
de apresentações em diversas regiões do Brasil. Nas redes sociais,
inclusive, é possível ver diversos comentários de apreciadores da música
de João pedindo ao mesmo que viesse à sua cidade realizar
apresentações. Na sequencia da resposta, João aponta alguns benefícios
que viu do tempo em que pertencia a uma gravadora gospel:
Mas, na época que eu estava nessa gravadora, a
gravadora me deu um apoio sim. Todas estas
pessoas que você mencionou a gravadora investiu
para trazê-los, para participar e tudo mais, né. Era
a Gospel Records na época, eu fazia parte da
Gospel Records, olha só que absurdo! A Gospel
Records naquela época tinha uma outra proposta,
também tinha música brasileira, não era só música
“gringa”. Então foi muito legal. Todos estes
irmãos queridos, Quarteto Vida também
participou...Pedrinho Braconnot foi quem fez o
arranjo junto comigo. E foi muito legal, eu que
arregimentei na verdade, eu que escolhi e a
gravadora me apoiou trazendo estes caras, né. Foi
muito bom, eu gostei demais de tê-los comigo lá.
Porque toda vez que a gente junta talento assim é
sempre muito gostoso148

147
JOÃO ALEXANDRE. Entrevista com João Alexandre - Especial 1 Ano
do OFTV. Entrevista. Publicada em 11 fev 2017. Disponível em:
<http://www.efratamusic.com.br/ondeosfracostemvez54.php>. Acesso em: 07
jul 2018.
148
Ibid, 2017.
147

João assume que o vínculo com uma gravadora gospel pode


trazer benefícios, entre eles, a possibilidade de participação de outros
músicos do meio, assim como sabemos, também proporciona um melhor
aparato para produção musical, para a produção de videoclipes, uma
assessoria de imprensa, agenda de apresentações por todo o país, além
de uma equipe de marketing. João parece ter renunciado todos estes
benefícios em nome de uma maior “liberdade”, expressa na metáfora do
passarinho que “voa livre”.
João ainda defende que como músico e profissional deve viver da
música, mas o faz sem curvar-se aos ditames do mercado gospel, e sem
querer sua imagem vinculada a este mercado. Em uma “live” feita em
uma das suas redes sociais o cantor disse “não sou missionário, mas
também não sou mercenário” ao referir-se ao valor em dinheiro que
deve ser acertado para a realização das suas apresentações.
Quando João declara “, eu fazia parte da Gospel Records, olha só
que absurdo!”, o “absurdo” parece ter relação com a origem da
gravadora, que foi fundada por Estevam Hernandes e Antônio Carlos
Abbud – líderes da Igreja Renascer em Cristo, ambos envolvidos em
escândalos de lavagem de dinheiro envolvendo a Igreja Renascer. Para
além dos escândalos, ainda há a questão da gravadora depois ter se
afastado da produção musical em gêneros musicais brasileiros,
voltando-se para a produção de muitas bandas de rock gospel.
A sua postura em relação à produção da música gospel recente
também se dá através de críticas por causa de divergências quanto ao
conteúdo destas produções musicais. Em uma entrevista à portal
Ultimato, o entrevistador disse: “Você sempre foi crítico à música
evangélica brasileira. Qual sua visão hoje?”, pelo que João respondeu:
Acho que duplicamos em qualidade vocal,
instrumental e técnica e quintuplicamos em
superficialidade e impertinência, com raríssimas
exceções. A internet reproduz, de forma quase
instantânea e viral, muita coisa boa e muita coisa
ruim. É um mercado potencial para quem quer se
aperfeiçoar e crescer, a despeito e acima da
preocupação com a “popularidade”, mas que pode
acabar servindo de isca para quem se contenta em
viver na mediocridade e não na excelência,
mesmo com toda popularidade que consiga.149

149
JOÃO ALEXANDRE. Artista cristão ou cristão artista? Faz diferença?.
Entrevista. Publicada em: 14 de fevereiro de 2018. Disponível em:
148

O seu “rompimento” com o mercado Gospel faz com que João


não tenha uma grande popularidade em meio ao grande público
evangélico. Porém, este não é o único motivo. A música de João
Alexandre também não segue os moldes do mercado Gospel. As letras
de João mostram críticas às injustiças sociais, à “Igreja Evangélica
brasileira”, além de requerer do ouvinte um certo conhecimento
teológico, histórico e cultural. A sua musicalidade é de um alto grau
técnico – fazendo que o músico seja popular entre músicos evangélicos
e não-evangélicos, além de o músico trabalhar com gêneros musicais
que geram certas resistências no meio evangélico, como o samba, o
baião, a bossa nova, a Música popular brasileira.
A relação de João com o Mercado pode ser representada em uma
frase que ele costuma dizer ““não sou missionário, mas não sou
mercenário”. Ou seja, João como músico não é missionário, para
trabalhar de graça, mas sim profissional. Contudo, não é mercenário, o
que entendemos que deva significar a reprovação do cantor pela
cobrança de quantias altas para fazer música. Em uma entrevista ao
Portal Ultimato, João Alexandre é questionado se “A música evangélica
se rendeu ao mercado?”, pelo que ele responde:
Não acho que se rendeu, mas sempre foi um
mercado em potencial. O problema está em fazer
do dinheiro um objetivo, ao invés de ser uma
consequência desse mercado. Daí, por amor ao
dinheiro nascem todos os males procedentes do
mercado. Até aqueles que não são evangélicos se
interessam pelo segmento e pelo lucro que ele
pode proporcionar. Nesse meio, se distinguem os
que vivem honestamente do mercado e os que se
utilizam da música e da imagem para lucrar com
ele.150
João reconhece o meio evangélico como um mercado, e aponta
que o que ele considera como problemático é o dinheiro tornar-se o
objetivo (ser mercenário). O amor ao dinheiro, inclusive, corromperia o
mercado atraindo pessoas que se utilizam da música apenas para
alcançar maior lucro.
João afirma que o mercado gospel se torna atrativo até para
aqueles que não são evangélicos. Quase sempre que um artista secular
inicia a carreira gospel, paira certa dúvida no público evangélico a

<http://www.ultimato.com.br/conteudo/artista-cristao-ou-cristao-artista-faz-
diferenca>. Acesso em: 07 jul 2018.
150
Ibid, 2018.
149

respeito da autenticidade da adesão deste artista pela fé cristã. Isso pode


ser um dos motivos de haver, no meio evangélico, certa resistência
àqueles músicos que vieram da música secular.
150
151

7. WAGUINHO:

Wagner Dias Bastos, conhecido como Waguinho, nasceu em


1965 e cresceu na Vila Cruzeiro, periferia do Rio de Janeiro. Fez
sucesso na música secular como cantor no grupo de pagode Os Morenos
e também como compositor de canções que viraram hits na voz de
outros cantores. Apresenta-se sempre como filho de uma faxineira e um
gari151, demonstrando sua origem pobre, e como neto de uma sambista
importante no cenário do Rio de Janeiro, apontando sua relação com o
gênero musical. Waguinho, após sua conversão ao pentecostalismo,
passou a dedicar-se somente à música gospel e é um dos nomes mais
importantes na categoria de “pagodeiro gospel”, pois sua carreira
musical no meio religioso também se fundamentou nos gêneros de
pagode e no samba.
No ano de 2010 Waguinho iniciou suas investidas na política,
quando se candidatou ao Senado pelo Estado do Rio de Janeiro pelo PT
do B – Partido Trabalhista do Brasil, obtendo 1.296.946 votos, sem se
eleger152. No ano de 2012, pelo PC do B – Partido Comunista do Brasil,
Waguinho candidatou-se à prefeitura de Nova Iguaçu, ficando em
terceiro lugar de votação no 1º turno, com 59.402 dos votos153. Em 2014
foi candidato a Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, pelo PDT –
Partido Democrático Trabalhista, e obteve 22.778 votos, sem ser
eleito.154
Atualmente Waguinho continua com sua carreira musical, que
sofreu modificações recentemente, pela mudança de igreja, e pela sua
vinculação à Sony Music Gospel.

7.1. CARREIRA MUSICAL:

151
ESTADÃO. Ex- pagodeiro apoia Crivella. Disponível em:
<https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,crivella-apoia-ex-pagodeiro-para-
evitar-2-voto-em-lindberg-imp-,618716>. Acesso em: 07 jul 2018.
152
UOL NOTÍCIAS. Políticos do Brasil – Dados do Candidato Waguinho.
2010. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/politica/politicos-
brasil/2010/senador/21041965-waguinho-senador---707.jhtm >. Acesso em:
08/09/2018.
153
TSE ESTASTÍSTICAS. Estatísticas e Resultados da Eleição - Resultado
da Eleição. 2012. Disponível em: <
http://www.tse.jus.br/hotsites/estatistica2012/resultado-eleicao.html >. Acesso
em: 08/09/2018.
154
ELEIÇÕES 2014. Candidato Waguinho. 2014. Disponível em:
<https://www.eleicoes2014.com.br/waguinho/ >.
152

Waguinho sempre teve envolvimento com a música, e


principalmente com o samba, devido às influências da sua família. Sua
avó, Dona Concha, é co-fundadora do famoso e tradicional bloco de
carnaval Cacique de Ramos do Rio de Janeiro. O cantor iniciou sua
carreira fazendo parte do grupo secular Os Morenos, o qual fez parte
durante toda a década de 1990. O grupo afirmava a sua identidade como
grupo de samba e não de pagode. No entanto, o grupo foi reconhecido
como “pagode romântico”. O grupo fez sucesso no Brasil, um dos seus
discos, o “Tá a fim de sambar?”, vendeu 250 mil cópias.155 Em 2000,
lançou seu primeiro CD solo "É melhor cê voltar pra mim" pela
Universal Records. Em 2001, lançou o cd “Receita de Felicidade” pela
Indie Records.
Waguinho está no Dicionário Cravo Albin da Música Popular
Brasileira, apresentado como cantor e compositor que fez parcerias com
diversos outros grupos de samba. Waguinho fez parte dos álbuns “Os
melhores do ano II” e “Os melhores do ano III”, lançados pela Indie
Records, e que reuniam os melhores artistas do ano156. No Dicionário
constam apenas informações de sua carreira secular. Em 2002,
Waguinho lançou o terceiro álbum solo secular, “Cada vez mais feliz”, e
em 2004, o álbum “Meu coração é teu”.
Tornou-se evangélico pentecostal por volta dos anos 2000, 2001,
quando teve contato com a Igreja Sara Nossa Terra, mas somente em
2004, quando conheceu o Pastor Marcos Pereira é que se tornou
membro da Assembleia de Deus dos Últimos Dias – ADUD. Junto com
sua filiação à igreja, veio o abandono da carreira secular para o início da
carreira exclusivamente no meio gospel. Isso foi possível porque o
cantor iniciou sua carreira gospel em um momento no qual o mercado
gospel já estava consolidado no Brasil, já haviam diversas gravadoras
dedicadas à música religiosa e dentro da música religiosa já haviam
artistas desenvolvendo seu trabalho em gêneros musicais variados.
Seu primeiro Cd gospel foi em 2005, intitulado “O Chamado”,
pela ADUD Produções – gravadora da igreja a qual ele participava.
Neste álbum, marcado pelo pagode e pelo samba, emplacou um de seus
maiores sucessos: a música “o dono da boca”, onde faz uma brincadeira

155
MEIRELLES, Clarisse. Filhote de Leão. Matéria. Publicado em: 02/06/99.
Disponível em: < https://istoe.com.br/31474_FILHOTE+DE+LEAO/ > Acesso
em: 25/10/2017.
156
ALBIN, Cravo. Waguinho. Instituto Cravo Albin. Disponível
em:<http://dicionariompb.com.br/waguinho >.
153

em forma de trocadilho com a ideia de “boca de fumo”. O álbum


contém também a música “Entrega o teu caminho”, que tem como
mensagem central o convite “entrega o teu caminho ao Senhor”
direcionado claramente a traficantes. Nestas duas canções vemos o tipo
de público que Waguinho pretendia alcançar com suas canções. O
álbum fez sucesso, ganhando o “disco de ouro”.
O segundo Cd gospel foi o “Vida renovada”, de 2008 pela ADUD
Produções, e o destaque foi a música “Drogas, tô fora”, que ganhou uma
repercussão que o levou a cantá-la no fantástico.
Em seguida, o Cd “Bem Mais feliz” de 2010 – pela ADUD
Produções, no qual regravou em versão de pagode a canção “Para nossa
alegria”, música original da década de 1970 e da banda Êxodo, de rock
cristão. A música se popularizou no país recentemente devido a um
vídeo que virou meme da internet no qual dois irmãos cantavam a
música, quando a menina entra em um ataque de riso. Aproveitando o
sucesso do vídeo meme, a música foi gravada também pelo grupo de
pagode secular “Swing e simpatia” com a participação de Waguinho. No
Cd “Bem Mais feliz” Waguinho gravou o que ele chama de música “De
adoração”, que seriam músicas mais calmas direcionadas a um momento
de adoração a Deus. Neste álbum Waguinho gravou pela primeira vez a
música “Mulher santa”, outro destaque de sua carreira.
O álbum “Samba adorador”, de 2011 - ADUD Produções, teve
somente duas músicas inéditas: “Alvará” e “Samba adorador”. Neste Cd
o cantor regravou músicas de grande popularidade no cenário gospel,
como a canção “Restitui”, um dos maiores sucessos do Ministério de
Louvor Toque no Altar. O álbum teve também a participação do cantor
secular Thiaguinho157, ex-Exaltasamba, na música “Segura na mão de
Deus”.
Em 2014, lançou o CD “Momentos com o Senhor”, pela ADUD
Record, com a participação de seu filho Waguinho Jr, regravou a
canção “Campeão, vencedor” em pagode. Teve a participação do
músico secular Mauro Diniz, que é sambista. Também participaram os
cantores gospel Thalles Roberto e a cantora Etiene, que fez parte

157
Recentemente, Thiaguinho gravou uma canção com a cantora católica
carismática Adriana Arydes, com a participação do cantor evangélico Eli Soares
e do Padre-cantor Fábio de Melo. A música é como uma oração a Deus em
favor do Brasil. A união de músicos secular, católicos e evangélico na canção
parece querer simbolizar a união da nação em favor do Brasil. A música foi
lançada no YouTube uma semana antes do início da Copa do Mundo 2018.
154

também do trabalho da ADUD dentro dos presídios e das “cracolândias”


– regiões de venda e consumo de drogas.
Em 2014, gravou o Cd e DVD “Samba abençoado – ao Vivo” –
ADUD Record, neste álbum, somente a canção “samba abençoado” é
inédita, todas as outras são regravações. Ele foi gravado em
comemoração aos 50 anos de idade e 30 anos de carreira do cantor.
É interessante perceber que todos os álbuns do cantor foram
produzidos pela gravadora ADUD Record gravadora ligada à
Assembleia de Deus dos Últimos Dias. O líder da igreja, Pastor Marcos
Pereira, em 2013 foi preso acusado de estupro por diversas fiéis da
igreja158, foi condenado a 15 anos de reclusão, esteve 19 meses preso.
No entanto, em 2014 ele teve o habeas corpus concedido pelo Superior
Tribunal Federal159. O pastor Marcos Pereira sempre se envolveu em
polêmicas, inclusive com o líder do Grupo Cultural AfroReggae, José
Júnior, que após realizar trabalhos em parceria com o pastor acusou o
mesmo de ter envolvimento com o tráfico.160
Waguinho, que chegou a fazer campanha defendendo o pastor
Marcos Pereira, hoje não faz mais parte da igreja ADUD, nem da
ADUD Records.
Atualmente, Waguinho é membro da Assembleia de Deus Vitória
em Cristo – ADVEC e o cantor faz parte do time da Sony Music Gospel.
Recentemente em 2017 lançou o EP – Som Brasileiro, disponibilizado
nas plataformas digitais. Com 7 músicas inéditas, o EP é composto por
músicas em black music e samba.161 Em dezembro de 2017 lançou o

158
OLIVEIRA, Pamela. Vítimas do pastor Marcos Pereira afirmam que
estupros eram parte da salvação. Matéria, 2013. Disponível em: <
https://veja.abril.com.br/brasil/vitimas-do-pastor-marcos-pereira-afirmam-que-
estupros-eram-parte-da-salvacao/>. Acesso em: 12 ago 2018
159
MACEDO, Aline. Em visita ao Rio, Michel Temer recebe bênção do
pastor Marcos Pereira. Reportagem, agosto de 2017. Disponível em:
<https://extra.globo.com/noticias/extra-extra/em-visita-ao-rio-michel-temer-
recebe-bencao-do-pastor-marcos-pereira-21687686.html>. Acesso em: 12 ago
2018
160
LEITÃO, Leslie. Pastor Marcos Pereira é preso por estupro no Rio.
Reportagem, maio 2013. Disponível em: <
https://veja.abril.com.br/brasil/pastor-marcos-pereira-e-preso-por-estupro-no-
rio/>. Acesso em: 12 ago 2018
161
GUIA-ME. Waguinho lança EP “Som Brasileiro” com samba e black
music, nas plataformas digitais. Página na internet. Dez, 2017. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-lanca-ep-som-brasileiro-
com-samba-e-black-music-nas-plataformas-digitais.html>.
155

clipe de música “Força da Fé” no seu canal no Youtube –


“WaguinhoVEVO”, no qual aparece tocando com banda em estúdio. Em
março de 2018 lançou no mesmo canal o clipe da música “Som
brasileiro”, um samba rock, que evidencia a vontade de “louvar a Deus”
com um som bem brasileiro. Nos vídeos o cantor está, como sempre se
apresentou, de terno e gravata. Entre os backing vocal’s é possível ver
uma moça com a roupa característica que algumas mulheres da ADUD
usam – roupão e coque. No entanto, em apresentações mais recentes é
possível ver que o cantor está se desprendendo do terno e gravata,
usando roupas mais despojadas e casuais como jeans e camiseta.
Waguinho é um dos principais nomes quando se fala de pagode
ou samba Gospel. Em 2008, o álbum de Waguinho “Vida Renovada”
ganhou o Troféu talento na categoria Álbum Alternativo – já que nunca
houve uma categoria específica para nenhum gênero musical brasileiro.
Por ter alcançado sucesso no meio secular anteriormente,
Waguinho é uma das referências de um cantor secular que se tornou
evangélico e tornou-se cantor gospel. Inclusive participou em 2011 do
programa “Esquenta” da tv globo como representante do pagode gospel,
cantou três músicas. O programa tinha também representantes das
religiões afro-brasileiras, como a mãe de santo Bidú e o cantor Arlindo
Cruz, e o objetivo do programa era demonstrar que as diferentes
religiões conseguem conviver em paz e com tolerância, pois Waguinho
afirma ser amigo pessoal de Arlindo e de Bidú. A amizade surgiu por
causa do samba, e a construção da narrativa ao longo da participação de
Waguinho parece querer salientar que é o samba um meio de unir
pessoas de diferentes religiões, de promover um ecumenismo.
É difícil medir a popularidade de Waguinho em relação ao
posicionamento em rankings da música gospel, por ter tido boa parte da
carreira vinculado a uma pequena gravadora, a divulgação de seu
trabalho se deu muito mais de forma informal, através de suas
apresentações e da venda de seus Cds nestes eventos.
Contudo, ao procurar no YouTube o nome do cantor, só o
primeiro vídeo – que é álbum completo do Samba Adorador, apresenta
mais de 2 milhões162 de acessos. Os clipes de Waguinho postados no
recente canal WaguinhoVevo somam 355 mil visualizações, fora os
vídeos postados somente com os áudios das suas canções.

7.2. MÚSICAS ANALISADAS:

162
O álbum é de 2011, mas o vídeo foi postado em 2015.
156

- MULHER SANTA

Gravada pela primeira vez no álbum “Bem Mais feliz”, de 2010.


Há diversos vídeos no YouTube163 com esta música, ultrapassando o
número de 150 mil visualizações.
A Minha não é melancia, não é moranguinho e
também não é melão
A minha mulher é de monte, é mulher de jejum, é
mulher de oração
Ela dobra o joelho e ora, quando vai dormir,
quando se levanta
A mulher de um homem de Deus meu irmão, é a
mulher Santa
A mulher de um homem de Deus meu irmão, é a
mulher Santa

Pode falar quem quiser


Pode fazer o que for
Mulher Santa é a minha mulher
Que é uma serva do Senhor
O cantor começa a canção fazendo referência as “mulheres fruta”,
o modelo de mulher que se popularizou pelo funk carioca – de seios e
glúteos grandes, com o corpo definido pelo trabalho de hipertrofia
muscular e sempre em exposição por causa do uso de shorts e top. O
cantor começa dizendo que a mulher dele não é uma mulher fruta, isso
evidencia o tipo de público a quem Waguinho dirige sua música,
provavelmente o mesmo que produz e consome as músicas das
“mulheres fruta”, majoritariamente o público pobre, de comunidades
periféricas da região do Rio de Janeiro.
Após falar quem a mulher dele não é, o cantor começa a elencar
as características de sua mulher. Mulher de “monte”, de “jejum” e de
“oração”, que “dobra o joelho e ora” são características que direcionam
a imaginação do ouvinte ao perfil da “mulher pentecostal”, dado que
estas características descritas são comuns no meio pentecostal. A
referência a “monte” se refere à prática das igrejas pentecostais em subir
montes ou montanhas, normalmente durante a madrugada, para realizar
a prática de oração. A busca por Deus no monte se baseia nas passagens

163
WAGUINHO. Waguinho - Mulher Santa (Ao Vivo). YouTube. Publicado
em 1 de set de 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Jq56QqMKsaM>. Acesso em: 09 jul
2018.
157

em que personagens bíblicos subiam montes para orar164 e, geralmente,


é considerada pelos pentecostais um indicativo de que a pessoa é mais
santa e que mantém um melhor relacionamento com Deus. Isso porque a
crença a respeito da prática, no meio pentecostal, é envolta em
misticismo, dado que é comum o relato por parte dos frequentadores de
“monte” sobre o suposto acontecimento de experiências incríveis e
sobrenaturais que teriam ocorrido no “monte”.
As práticas de jejum e oração são comuns no cristianismo, e
também podem ser indicativos de mais ou menos santidade. De modo
que, um evangélico que ora e jejua muito pode ser considerado muito
santo, enquanto outro que ora e jejua pouco pode ser considerado menos
santo. A ligação com o pentecostalismo pode ser vista na fala “ela dobra
o joelho e ora”, sendo que em alguns segmentos evangélicos a oração
deve ser obrigatoriamente de joelhos. Em outros, há espaço para oração
de outras formas, mas há uma crença de que a oração de joelhos tem
“mais poder” do que as orações realizadas de outras formas, contudo
esta crença não é geral. Há também a crença de que o orar de joelhos
demonstra uma maior devoção a Deus, assim como, uma maior
santidade em quem ora desta forma.
Assim, podemos começar a compreender os motivos do cantor
afirmar que a mulher do “homem de Deus” é a “mulher santa”, no meio
pentecostal a pessoa que “sobe o monte”, que faz prática regular de
jejum e oração de joelhos é considerada uma pessoa mais “santa”, mais
devota a Deus do que a que não faz uso destas práticas. Por isso, mulher
“santa” é a mulher “serva do Senhor”.
A letra da música se desenvolve fazendo uso do contraste entre a
“mulher santa” – a mulher pentecostal, e a mulher que não é evangélica.
A letra segue:
Uma joia de ouro em focinho de porco165
É a mulher formosa que não tem juízo

164
Segundo a crença, Moisés recebeu a Lei de Deus no Monte Sião. Jesus, em
alguns momentos, subiu montes para orar. A prática de subir o monte é popular
no meio pentecostal, embora nem todos os pentecostais a exerçam
regularmente. A prática também é recriminada por muitos cristãos evangélicos,
por ser considerada uma apropriação equivocada do texto bíblico, pois, segundo
estes, o ato de subir um monte para orar está relacionado à busca por
privacidade para se fazer orações.
165
Referência ao texto Bíblico de Provérbios 11:22, “como joia de ouro no
focinho de uma porca, assim é a mulher formosa que não tem discrição”
158

Vive de roupa apertada, toda decotada


De piercing no umbigo
Mas a minha não tem vaidade de usar de maldade
Um brinco um batom, a minha tem coração puro
E anda no seguro de coque e roupão

Pode falar quem quiser


Pode fazer o que for
Mulher Santa é a minha mulher
Que é uma serva do Senhor
A mulher formosa que não tem juízo do livro bíblico de
provérbios, aqui é descrita como a mulher de roupa apertada, decotada e
de piercing no umbigo – outra referência às mulheres do funk carioca,
apontadas na música como com comportamento inadequado. A
utilização de brinco e batom é entendida como maldade.
Ao afirmar que a sua mulher “não tem vaidade de usar na
maldade um brinco e um batom” o cantor fala de algo muito comum no
meio pentecostal: a proibição do uso de acessórios e maquiagem por
mulheres. A justificativa da proibição é que a prática é pecado, pois
seria vaidade das mulheres e, ainda, teria o potencial de despertar
desejos pecaminosos nos homens. Como a “mulher santa” deve se vestir
então? A resposta vem no verso seguinte, a “mulher santa” tem coração
puro, e por isso, utiliza “coque e roupão”, o que traria uma segurança à
mesma e ao marido. O “coque e roupão” é uma referência à vestimenta
tradicional das mulheres da igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias
– a qual Waguinho e sua família faziam parte. Nesta igreja muitas
mulheres utilizam um “roupão” parecido com uma toga, que cobre todo
o corpo e sempre está combinando com o “laço” que envolve o coque no
cabelo, pois também não se deve usar cabelo solto. O uso de “coque” se
popularizou nas igrejas pentecostais, inclusive, há a ideia de que o seu
uso também demonstre uma maior santidade. A expressão “a irmã do
coque” se popularizou, refere-se normalmente a senhoras que funcionam
como profetizas no meio pentecostal.
Nesta canção vemos como é a “mulher santa” apresentada pelo
cantor Waguinho: a mulher que sobe monte, ora de joelhos, jejua, não
utiliza brincos nem maquiagem, veste-se com “roupão” e usa coque.
Este é, basicamente, o estereótipo construído ao longo dos anos no meio
pentecostal do que seria uma mulher “santa” e “serva de Deus”.
A música “mulher santa” é um samba parecido com o samba do
Zeca Pagodinho e Dudu Nobre, por exemplo

- SOU PAGODEIRO
159

Música do álbum “Samba abençoado”166 de 2015. Muitos vídeos


no YouTube, só o primeiro da pesquisa já tem 161 mil visualizações.
Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê Lê
Sou pagodeiro,
Não bebo, não fumo e nem cheiro
Sou pagodeiro,
Não roubo e nem amo o dinheiro
Esta canção funciona como uma afirmação e ao mesmo tempo
desconstrução de estereótipos entorno da figura do músico que faz uma
das vertentes do samba: o pagode. A ideia do pagodeiro como alguém
que consome bebidas alcoólicas, drogas, que tem apego pelo dinheiro e
se relaciona com muitas mulheres é algo presente no senso comum. Esta
ideia, inclusive, é sustentada pelo próprio Waguinho, pois, sempre que
conta seu testemunho de conversão ao meio pentecostal, o cantor afirma
que era um “Bêbado”, um “drogado”, “mulherengo” e que “viciado167”
e que estas características se associavam à sua carreira secular. Faz
sentido o cantor querer desvincular o pagode destas características
negativas, afinal, dentro dos parâmetros pentecostais, se fora no pagode
que chegou a viver uma vida pecaminosa, como poderia agora o cantor
continuar cantando pagode e viver uma vida considerada santa? Vemos
aqui nesta canção um esforço por parte do cantor de “sacralizar” o
pagode.
Me diz onde está o pecado adorar a Jesus com
cavaco e pandeiro
Eu não vejo nada de errado louvar ao Senhor com
um sambão brasileiro
Se eu honro a minha varoa,
E obedeço o Senhor numa boa
E ainda sou dizimista fiel
Eu vou pagodeando a caminho do céu
Waguinho afirma não ser pecado a produção do samba em si,
nem utilizar instrumentos vinculados ao samba, como o cavaco e o

166
WAGUINHO. Waguinho – Sou Pagodeiro (Ao Vivo). YouTube. Publicado
em 1 de set de 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=qAtslavAL3k >. Acesso em: 09 jul 2018.
167
GUIA-ME. Waguinho: o dono da boca que prega a palavra de Deus.
Entrevista, 2011. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-o-dono-da-boca-que-prega-
a-palavra-de-deus.html>.
160

pandeiro. Nestes trechos são apresentados possíveis condicionantes para


fazer um “pagode santo”, sendo eles: honrar o matrimônio, “se eu honro
a minha varoa”; a obediência a Deus “e obedeço ao Senhor numa boa”,
e a entrega dos dízimos “e ainda sou dizimista fiel”, neste caso não há
problema em fazer pagode. Seria possível “ir pagodeando a caminho do
céu”, ou seja, se o músico tem estas práticas o pagode não seria
empecilho para a “salvação”. Aqui há a desconstrução do gênero como
sendo um mau em si mesmo.
Vemos que o pagodeiro “gospel” deve demonstrar um padrão de
fidelidade sob três formas: a fidelidade no casamento, que se opõe à
imagem do pagodeiro secular e mulherengo que Waguinho afirmava ser;
a fidelidade a Deus, que podemos supor como sendo a obediência a
princípios bíblicos; e a fidelidade à igreja local, que se evidenciaria no
pagamento de dízimos.
Na versão que analisamos da música, o cantor lança algumas
frases ao longo da mesma. Entre elas: “Todos os pagodeiros que são
caretas igual ao Waguinho, vem comigo”, ser careta tem relação a ideia
de alguém que não faz uso de bebidas alcoólicas ou drogas, e muitas
vezes esse termo é usado de forma pejorativa para evangélicos.
O cantor também lança a afirmação: “Sou trabalhador”, e ao final
da música há uma dedicação, “ a todos os pagodeiros que sustentam
suas famílias com dinheiro limpo, honesto. Que são como eu: não bebe,
não fuma e não cheira, mas tiram do samba o sustento da sua casa. Deus
abençoe!”. Estas duas afirmações são interessantes, passam a ideia da
música não como adoração, mas como profissão. Waguinho afirma fazer
do samba seu sustento, o que vai de encontro ao tabu evangélico entorno
da música que, por ser considerada como adoração a Deus e missão, é
também considerada por muitos evangélicos como algo a ser feito sem a
cobrança de dinheiro.

- SAMBA ADORADOR

Esta canção faz parte do álbum de 2011 que tem por nome o
mesmo título da música. Há vários vídeos no YouTube com o Cd
completo. A canção parece ser toda inspirada na ideia contida no texto
bíblico do Salmo de 150, e que é citada pelo cantor no início da música
na versão168 que analisamos. O cantor anuncia: “Salmo 150 diz ‘todo ser

168
Analisamos a versão do álbum “Samba Adorador”, gravado ao vivo.
WAGUINHO. Waguinho – Samba Adorador. YouTube. Publicado em 1 de set
161

que respira louve ao Senhor”, e esta ideia parece ser trabalhada ao longo
do texto da canção.
Todo ser que respira louve ao senhor
Eu vou pegar o meu cavaco e o meu pandeiro
E o meu tantã e vou fazer um samba adorador
A música inicia com a citação do texto bíblico do Salmo 150,
para depois partir para a afirmação de que o cantor pegaria instrumentos
ligados ao samba para fazer o “samba adorador”. A lógica parece ser,
“se todo o ser que respira deve adorar ao Senhor, vou fazê-lo com os
instrumentos e a música brasileira”. No entanto, o Salmo 150 tem em
seu texto elementos que são utilizados como legitimadores para a
produção do samba no contexto evangélico. O Salmo 150 diz:
Louvai ao SENHOR. Louvai a Deus no seu
santuário; louvai-o no firmamento do seu poder.
Louvai-o pelos seus atos poderosos; louvai-o
conforme a excelência da sua grandeza.
Louvai-o com o som de trombeta; louvai-o com o
saltério e a harpa.
Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o
com instrumentos de cordas e com órgãos.
Louvai-o com os címbalos sonoros; louvai-o com
címbalos altissonantes.
Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor. Louvai
ao Senhor.
Salmos 150 (BÍBLIA)
A citação dos diferentes instrumentos é significativa, e é tomada
como justificativa para o uso dos instrumentos ligados ao samba. A
partir deste texto, o cantor pode citar e utilizar o Tantã, instrumento de
percussão – tambor utilizado no samba para fazer a marcação. Os
tambores durante muito tempo foram demonizados, e ainda assim
acontece em determinados contextos evangélicos, devido ao vínculo do
instrumento às religiões afro-brasileiras. Ao “pegar o tantã” para “fazer
um samba adorador” o músico quebra com preconceitos do meio
evangélico em relação ao instrumento, dando novo sentido e nova
utilização para o mesmo.
Seja rock, seja pop, seja valsa ou forró
Você tem que dar pra Deus o que você faz melhor
Eu cresci dentro do samba
Jesus foi me resgatar e se ele me salvou
É bem assim que eu vou louvar

de 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ErJyw_Ppvh0>.


Acesso em: 09 jul 2018.
162

A ideia contida no salmo 150, “todo ser que respira louvo ao


Senhor”, se desdobra na lógica “todo ritmo louve ao Senhor”. Seja em
Rock, pop, valsa ou forró, o dever é direcionar o que faz de melhor a
Deus. E Waguinho se justifica, por ter nascido “dentro do samba” é isto
que ele sabe fazer de melhor e “entregar” a Deus, é “assim”, através do
samba, que ele sabe louvar.
Durante a canção, Waguinho declara a frase: “é o som do Brasil
louvando e adorando ao Senhor”. Há a consciência de se estar fazendo
música brasileira, o reconhecimento da cultura brasileira, e isso é
significativo, já que muitas vezes no meio pentecostal o uso de gêneros
musicais brasileiros é feito de forma velada, há um silêncio acerca da
origem de determinados gêneros musicais por parte de alguns
evangélicos. Por exemplo, o gênero gospel “reteté” engloba diversos
gêneros musicais brasileiros, mas “abafa” a utilização e influência dos
mesmos.
A concepção evangélica de direcionar o “som do Brasil” ao
louvor e adoração ao Senhor se opõe àquela que demoniza o samba.

- PÃO COM JESUS

Esta música integra o álbum “Samba abençoado”169 de 2015, e


fala sobre a transição de Waguinho como cantor, do secular para o meio
gospel. Normalmente, ele apresenta esta música como o seu testemunho
de conversão.
É, tá difícil de andar
No bolso não tem um trocado
Mas, é melhor comer pão com Jesus
Do que caviar com o Diabo (falei)
Waguinho aponta para a dificuldade financeira, que haveria
iniciado na sua vida após a sua saída do meio musical secular. Em tom
de sarcasmo, o cantor afirma que “é melhor comer pão com Jesus”, ou
seja, ser pobre e “crente”, do que comer “caviar com o Diabo”, ser rico e
sem Jesus – na visão dicotômica, quem não está com Jesus, está com o
Diabo. A citação do caviar como sinônimo de riqueza remete à música
“Caviar”, de Zeca Pagodinho. Na música, Zeca Pagodinho afirma nunca
ter comido Caviar por ser comida de rico. A ligação entre caviar e

169
Analisamos a versão deste álbum. WAGUINHO. Waguinho – Pão com
Jesus. YouTube. Publicado em 1 de set de 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=nvACJnKsXro >. Acesso em: 09 jul
2018.
163

riqueza acontece nas duas músicas, mas no caso de Waguinho a iguaria


também faz referência à música secular, porque Waguinho está falando
de sua história e do sucesso que alcançou na música secular. E a música
secular é retratada como música do diabo, o que revela que Waguinho,
ao menos em parte, compartilha com o conceito dicotômico de “música
de Deus x música do Diabo”, que parte do princípio de que toda música
é adoração e, portanto, quem não canta para Deus, canta para o Diabo.
Além disso, na referência à música de Zeca Pagodinho, vemos
que Waguinho direciona a sua música para o mesmo público que
consome a música de Zeca Pagodinho.
O uso da combinação “pobre – de Deus” e “rico – sem Deus” é
coerente com o panorama do campo religioso brasileiro que mostra que
os evangélicos em sua maioria são pessoas mais pobres.
Quando eu andava no mundo
Eu só pensava em dinheiro
Se eu não tinha um din din pra gastar
Era o maior desespero
Hoje eu conheço a palavra
E vivo muito feliz
Você que quer a paz do Senhor
Ouça o que o bom pastor diz
“Quando eu andava no mundo eu só pensava em dinheiro”,
vemos que Waguinho sustenta nesta canção a ideia de pagodeiro secular
como alguém apegado ao dinheiro. Por afirmar isto sobre o pagodeiro
secular que era, surge a necessidade de se afirmar, como pagodeiro
gospel, como alguém sem apego ao dinheiro e isto é feito na música
“Sou pagodeiro”. Waguinho demonstra que antes de se tornar
evangélico, a busca por dinheiro lhe causava angústia. Contrasta ao dia
de hoje, afirmando que por conhecer a “palavra” – a Bíblia, isso lhe
trouxe alegria e paz.
Dinheiro, fama e sucesso
Era o que eu dava valor
Como eu sofri antes de conhecer
A paz que há no Senhor
Hoje é só alegria
Cristo secou o meu pranto
A minha carteira é vazia
Mas eu estou cheio do Espírito Santo
Mais uma vez Waguinho afirma que, antes de ser evangélico, se
importava com o dinheiro, no entanto aquela vida lhe trazia sofrimento.
Segundo a música, hoje ele é alegre e tem paz e é “cheio do Espírito
Santo”, apesar de não ter dinheiro. Há na música a construção da figura
164

do pagodeiro secular como algo negativo, ao mesmo tempo em que se


defende a vida cristã como algo positivo. Estes argumentos colaboram
para conservação da concepção dicotômica de música, colocada em
lados opostos a música secular – considerada do Diabo; música gospel –
entendida como de Deus.

7.3. FALAS DE WAGUINHO: “Eu decidi pegar no microfone só pra


louvar e adorar o nome do Senhor Jesus!”

Waguinho já tinha fama antes de se tornar evangélico, a após sua


conversão, muitos se interessaram por saber da sua mudança de carreira
e público. Por isso, o cantor em muitas entrevistas e apresentações falou
sobre estas mudanças e as motivações por trás das mesmas.
Em suas falas, é possível perceber suas novas concepções sobre
música, sobre o gênero do samba em particular, assim como, as reações
que sua mudança de carreira despertou, tanto no meio secular, como no
gospel. Por isso, selecionamos em falas do cantor, em entrevistas e
apresentações, que se relacionam com os temas “música”, “brasilidade”
e “cristianismo/religiosidade”. Entre as fontes analisadas estão três
entrevistas ao portal “Guia-me”, um portal gospel com diversos
colunistas que abordam notícias do meio gospel, as entrevistas do portal
encontramos uma “Entrevista - Waguinho:” de 2008170, “Waguinho: o
dono da boca que prega a palavra de Deus” de 2011171 e a entrevista
intitulada “Waguinho – oportunidades de Deus” de 2017172 realizada
para o portal durante a Expo Cristã 2017. Deste mesmo evento, a
entrevista do cantor ao programa “Super Feliz”173, que faz parte da
emissora de televisão “TV Feliz” relacionada à igreja Comunidade
Cristã Paz e Vida. Outra entrevista utilizada foi a realizada para o “Perfil

170
GUIA-ME. Entrevista – Waguinho. Entrevista. Out, 2008. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/entrevista-waguinho.html>.
171
GUIA-ME. Waguinho: o dono da boca que prega a palavra de Deus.
Entrevista, 2011. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-o-dono-da-boca-que-prega-
a-palavra-de-deus.html>.
172
GUIA-ME. Waguinho - Oportunidades de Deus. Entrevista. 2017.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=I52rBsu03dY>.
173
SUPERFELIZ. Programa Super Feliz Especial Expo Cristã 2017 –
Waguinho. Entrevista. (2017) Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=J5qSMsYykEg>. Acesso em: 12 ago 2018
165

Cristão”174, intitulada como “Waguinho - Testemunho oficial” é um


vídeo de 43 minutos de entrevista. Também colhemos informações de
um vídeo promocional de Waguinho para o canal do YouTube da Sony
Music Gospel no qual ele faz uma retrospectiva de sua carreira gospel.
A finalidade deste vídeo é anunciar a disponibilidade de todos os seus
álbuns gospel nas plataformas digitais, após seu vínculo com a Sony
Music Gospel.

7.3.1. Relação institucional com a igreja evangélica

Waguinho sempre teve sua imagem muito ligada à Assembleia de


Deus dos Últimos Dias – ADUD175, igreja neopentecostal conhecida por
ser muito rígida em relação aos usos e costumes, de forma que os
homens somente utilizam terno e algumas mulheres utilizam uma
espécie de toga por cima das roupas, chamada de “roupão” e que sempre
combina com o laço entorno do coque. Tudo isso no calor do Rio de
Janeiro.
No site oficial da Adud176 está disponível um documento, em
formato de revista, que foi publicado em 2014 e explica a “doutrina” da
igreja, que é um estatuto que estabelece como todo membro da igreja
deve se comportar. Os requisitos expressos na “doutrina” são: “ser
participante ativo da igreja”; “ser dizimista e ofertante”; “viver
ataviado” – este é o tópico específico a respeito das vestimentas, neste
tópico há a seguinte explicação:
Devemos guardar nosso corpo, pois somos templo
de Deus, usando roupas que não exponham nosso
corpo. Roupas que estejam de acordo com o sexo,
varoas não devem usar roupas masculinas, e
varões não devem usar roupas femininas. Viver
ataviado como noiva pronta para o céu. Estar
assim em qualquer lugar, hora ou ocasião. Ex:
escola, trabalho, casa, igreja, festa, reuniões,

174
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018
175
Igreja neopentecostal que surgiu no Rio de Janeiro. Segundo o site, a igreja
tem templos em 4 locais do estado do Rio de Janeiro, 1 templo no Maranhão e 1
templo no Paraná.
176
No site oficial da igreja não há a história do surgimento da igreja, apenas a
história do pastor Marcos Pereira, que não parece ter sido o fundador da mesma.
166

shopping e etc. Aplica-se a qualquer faixa etária,


desde o nascimento até o fim de seus dias.177
Nas páginas seguintes ao tópico tem a exemplificação do tipo de
vestimenta que as mulheres e os homens devem usar. Na página
destinada a mostrar para as mulheres, as “varoas”, como se vestir está a
cantora Elaine Martins – que já não faz mais parte da Adud, nem utiliza
mais esta “doutrina” de vestimentas. Na foto, Elaine está com uma
espécie de toga que eles chamam de “roupão” – “vestido longo que não
delineia o corpo feminino”178 Embora o roupão seja roxo, as cores
“extravagantes demais”, o preto e o vermelho são proibidos. Os tecidos
brilhantes, “maleáveis demais”, assim como os acessórios como brincos,
pulseiras e colares são todos proibidos. Há um tópico específico sobre
os cabelos e pelos do corpo, onde se fala da proibição de cortar os
cabelos, aparar ou pintar, porque cabelos compridos são sinal de
“poderio e honra”, assim como, a proibição de depilar qualquer região
do corpo feminino. Há ainda a orientação de que os cabelos sempre
devem estar presos em coque.179 Ainda há orientações sobre as roupas
íntimas, devem ser decentes e sem estampas de imagens, e as camisolas
de dormir devem ser iguais ao roupão usado na rua: mangas compridas,
sem decote e comprimento até os pés.
Nas páginas seguintes, para demonstrar como o homem deve se
vestir está o cantor Waguinho – que também não faz mais parte da
Adud. Na foto, o cantor está de terno, calça comprida, blusa social de
manga longa e gravata – vestimenta muito comum entre os pastores
pentecostais. Os tênis e calçados esportivos são proibidos, permitido
apenas sapatos sociais e chinelos ou sandálias masculinas. Para dormir,
apenas pijamas de calça e mangas compridas, com camisetas por baixo
– que também devem ser usadas por debaixo das camisas sociais no dia
a dia. Os cabelos masculinos devem ser sempre aparados, “sem modelos
mundanos”. E barbas, cavanhaques ou bigodes são proibidos.180 As
cores preto e vermelho são proibidas também, embora os sapatos e cinto
do cantor na foto pareçam ser pretos.

177
REVISTA ADUD. Doutrina. Disponível em:
<https://issuu.com/j2digital/docs/revista>. Acesso em: 07 jul 2018.
178
REVISTA ADUD. Doutrina. Disponível em:
<https://issuu.com/j2digital/docs/revista>. Acesso em: 07 jul 2018.
179
Para justificar estas regras são citados os textos bíblicos de 1 Tm 2:9-10; 1
Co 11:10 e 15; Mq 1:16; Nm 5:18 e 1 Co 11:6.
180
Os textos bíblicos de 1 Co 11:14; 2 Co 3:18.
167

Ainda como “doutrina” da Adud tem: “não beber refrigerante


sabor cola”; “não ter imagens de seres criados por Deus”; “não ter e não
assistir televisão”; “computador e internet”; “não ter o hábito de ler
jornais e revistas”; “não comer gordura ou sangue animal”; “não comer
carne de porco e outros animais que Deus proibiu”; “não usar cores
pretas e vermelhas”; “não criar animais e cultivar plantas fora de seu
habitat naturais”; “não usar anticoncepcionais artificiais”; “ser exemplo
e não dever nada a ninguém”; “não usar perfumes e cosméticos”; “não
usar pendentes”, “confessar sempre que pecar”. Ainda há orientações de
“higiene”, “a respeito do namoro”, do uso de “computador e internet”.
Além da ligação com a igreja como membro e com a gravadora
da igreja como músico, Waguinho e sua mulher fizeram parte do
trabalho em um centro de recuperação “Vida Renovada”, homônimo a
um dos Cds do cantor. O centro de recuperação é ligado à ADUD que
atende a dependentes químicos. Este trabalho influenciou de forma
intensa a sua produção musical, pois a música se direcionava a este
público. As apresentações de Waguinho eram feitas em parceria com as
pregações do Pastor Marcos Pereira, e os eventos aconteciam em
presídios, em comunidades, “cracolândias”, entre outros. O que
significava que as apresentações musicais, junto com a pregação, tinham
por objetivo alcançar dependentes químicos que poderiam tornar-se
novos internos do centro de reabilitação e novos membros de igrejas
evangélicas.
O fato de Waguinho ter sido por muito tempo membro da ADUD
é surpreendente, pois, mesmo estando em meios mais tradicionais, desde
que se tornou evangélico continuou cantando e compondo sambas e
pagodes – gêneros musicais que nestes setores evangélicos correm
maior chances de serem demonizados. Por isso, a carreira musical de
Waguinho neste meio foi algo inovador.
A Adud, como outras igrejas neopentecostais, é uma igreja que
tem sua identidade fortemente ligada à imagem do líder – pastor Marcos
Pereira. Nestas igrejas as decisões, ideias e leis estabelecidas pelo líder
são consideradas tanto ou mais sagradas que o texto bíblico181, o que faz
com que os membros muitas vezes tenham uma espécie de “veneração”
à figura do líder religioso.

181
Na revista da doutrina, algumas regras da igreja foram estabelecidas não por
base em textos bíblicos, mas com base nas “revelações diretas” que Deus
haveria dado ao líder. Uma destas revelações diretas é que gerou a proibição dos
fiéis de consumirem de refrigerantes de cola.
168

Enquanto fazia parte da Adud, ao ser questionado acerca da sua


relação com o pastor Marcos Pereira, Waguinho disse:
Ah a relação de muito amor, de muito carinho.
Porque, verdadeiramente, o pastor Marcos é um
grande homem de Deus, é um exemplo. Eu tenho
duas pessoas, assim, que são os maiores exemplos
que eu tenho na vida. Um é meu pai, seu Osmar,
um gari aposentado que com muita luta trabalhou
pra me sustentar e o caráter que ele tem...um
trabalhador [...] E o outro é o pastor Marcos
Pereira, meu grande amigo, líder espiritual, a
pessoa que é um exemplo de vida pra mim
também e não só como pastor, mas como amigo,
como homem de Deus, como pai de família, assim
como meu pai. Pastor Marcos Pereira e meu pai
são os dois homens, assim, que eu tenho um amor
e um carinho muito grande. São meus dois amigos
e as pessoas que eu me espelho, né.182
Waguinho também demonstrou um vínculo muito forte com a
igreja Adud.
A Assembleia de Deus dos Ultimos Dias pra mim
é a minha casa, a minha família...muitas vezes a
gente pelos compromissos de ter que viajar...e, se
eu ficar uma semana fora eu sinto uma falta
tremenda. E, assim, parece que você ficou um
mês, um ano... e assim, eu não consigo ficar fora
da igreja. Eu...eu...se eu to em casa assim, dia que
não tem culto, não tem nenhum compromisso, de
noite eu tô na igreja. A gente vai pra igreja, e janta
com o pastor, com a Elaine, com a Nívia, com o
Carlinhos... a Nívia agora também esta com a
neném, né, a Ana Clara. E... eu, Júnior, Fabíola, o
Kainan, Deivisson, meu cunhado...né, a gente não
consegue ficar dois dias longe da igreja.183
O pastor Marcos Pereira foi protagonista de diversas polêmicas,
inclusive de reportagens ou programas especiais dedicados a investigar
o trabalho do pastor. Dentre as polêmicas, estão as suspeitas acerca do

182
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018
183
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
169

relacionamento do pastor com os traficantes dos morros cariocas. Ao ser


questionado sobre como conseguem realizar seu trabalho em áreas
dominadas pelos traficantes, Waguinho argumenta a favor do trabalho
realizado pela Adud:
É o respeito que foi adquirido ao longo de mais 20
anos de trabalho do pastor Marcos Pereira. Por
termos um cuidado especial e acreditarmos
realmente na recuperação dessas pessoas, o
trabalho dá certo. O meu assessor, por exemplo, é
um ex-traficante da Favela da Rocinha. Hoje, seis
anos depois, ele trabalha como representante de
vendas e é um homem restaurado e transformado
pelo Evangelho da salvação. Esse é o resultado do
nosso trabalho e as pessoas veem isso. Quem
conhece o Evangelho, sabe que o poder de Deus é
soberano, não tem arma de fogo nem nada que
possa parar o amor de Deus. Mas se até de Jesus
as pessoas tinham desconfiança, por que isso não
aconteceria conosco? O mais importante é dar
seguimento ao trabalho em que acreditamos, que é
o da transformação do homem pelo Evangelho de
Cristo.184
Waguinho deixou a ADUD, em setembro de 2017 anunciou que
estava se tornando185 membro da igreja Assembleia de Deus Vitória em
Cristo – ADVEC, do também polêmico pastor Silas Malafaia.186 Hoje,
seu vínculo musical é com a gravadora Sony Music Gospel. Estas
mudanças já manifestam uma diferente postura do cantor, e é possível
ver Waguinho em apresentações trajando calças jeans e camiseta, algo

184
GUIA-ME. Waguinho: o dono da boca que prega a palavra de Deus.
Entrevista, 2011. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-o-dono-da-boca-que-prega-
a-palavra-de-deus.html>.
185
No site oficial da Adud há o testemunho de conversão do Pastor Marcos
Pereira, e é citado que uma pregação do pastor Silas Malafaia exerceu
influencia nesse processo de conversão de Marcos Pereira. Isso indica que, pelo
menos por parte de Marcos Pereira, há uma certa simpatia por Silas Malafaia,
dado que o pastor é citado de forma positiva em seu testemunho oficial.
186
CHAGAS, Tiago. Waguinho anuncia que saiu da ADUD e agora é
membro da ADVEC, de Silas Malafaia. Set, 2017. Disponível em:
<https://noticias.gospelmais.com.br/waguinho-saiu-adud-membro-advec-
92481.html >.
170

que era proibido na igreja que antes fazia parte. Sua mulher e filhos
também não fazem mais o uso da doutrina da Adud.

7.3.2. Origem familiar e relação com o samba

Waguinho não esconde a origem do seu interesse pela música,


que aconteceu desde muito cedo. Devido à relação de sua avó com o
bloco de carnaval Cacique de Ramos toda a sua família tem uma relação
forte com o samba. Na entrevista intitulada como “Testemunho Oficial”,
a entrevistadora perguntou ao cantor quando começou o interesse dele
pela música, pelo que ele responde:
Já bem novinho, pelo fato da minha família ter
sido toda ligada ao Cacique de Ramos, a minha vó
– falecida mãe do meu pai, foi a fundadora
daquele bloco. Então, desde um ano de idade
convivia ali no meio dos instrumentos, já aos 9
anos de idade eu já cantava no Cacique de
Ramos...e partiu daí. Aos 14 anos comecei a
escrever as primeiras músicas, poesias, aquela
coisa já na adolescência, né. E foi fluindo, já aos
19 anos já tinha bastante músicas feitas, as
pessoas elogiando...sempre voltadas [as músicas]
pro samba. E ali eu comecei a gravar como
compositor, primeiramente, até que surgiu a
oportunidade de fazer o grupo “Os Morenos”. [...]
Eu gravei com grandes nomes da música, do
samba: Arlindo Cruz, Grupo Raça, é o Tchan, O
Molejo... quase todos os grupos de samba do
Brasil tem músicas de sucesso do velho
Waguinho, né? Mas, graças a Deus, hoje a minha
vida só, de 6 anos pra cá, é só de fazer hinos de
adoração ao Senhor, só abrir minha boca pra
louvar e adorar o nome do Senhor. Então,
começou muito cedo o meu relacionamento com a
música.187
Ao longo da fala de Waguinho vamos perceber algo frequente em
seu discurso, os exageros. Dizer que “quase todos os grupos de samba
do Brasil têm músicas de sucesso do velho Waguinho” é o primeiro
deles. Os exageros que acontecem no testemunho em relação ao passado

187
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018
171

de “pecado” são bem comuns no cenário pentecostal. No caso de


Waguinho, quão maior fora seu sucesso, seu vício, sua conduta
“pecaminosa”, maior fora também a “libertação” e “vitória”188 que
alcançou através da conversão. Veremos exemplos disso durante toda a
fala do cantor.
Ao contar das diferenças na sua vida antes e depois de se tornar
evangélico, Waguinho demonstra que a “vitória” de Jesus sobre o
“inimigo” se manifesta não somente na vida do cantor, mas em toda a
sua família:
Faltava paz. Quando o homem que não tem paz
não adianta fama, dinheiro, sucesso. Só quem
pode dar paz é Jesus de Nazaré. Hoje eu tenho
paz, saúde, alegria, família. Minha esposa
desenvolve um trabalho em presídio feminino, os
meus filhos compõem louvores. Minha família era
conhecida como uma família de sambistas e
macumbeiros e hoje 99% dos meus familiares
servem a Jesus, incluindo minha mãe e o meu pai.
Deus mudou a nossa história. 189
Logicamente, devido às disputas no campo religioso, o fato de
seus familiares terem sido adeptos de religiões afro-brasileiras é visto
com algo ruim, enquanto o envolvimento de sua mulher, seus filhos e
seus pais com o cristianismo são vistos como mudanças que exaltam a
“vitória” do bem sobre o mal.
Em uma entrevista ao portal Guia-me, mas em 2008, Waguinho
falou que os amigos que tinha antes de se tornar evangélico não
acreditaram na sua mudança, que foi somente depois de ter largado

188
Os termos “libertação” e “vitória” são muito usados em contextos
pentecostais onde há a adesão à Teologia da Batalha Espiritual. Segundo a
crença, há um contexto espiritual de constante disputa, guerra, batalha entre os
seres espirituais do bem – Deus e os seus anjos, e os seres espirituais do mal –
Diabo e os seus demônios. A “libertação” refere-se à quando o crente é liberto
das forças malignas – demônios e espíritos maus, pela ação de Deus e do
Espírito Santo. A “vitória” assinala sobre as conquistas vitoriosas de Deus sob o
Diabo, na vida do crente. Considera-se vitória quando o crente vence vícios,
pecados, ou quando conquista bênçãos, como curas, milagres e quando se
realizam planos como: casar, conseguir emprego, comprar uma casa, entre
outros.
189
GUIA-ME. Entrevista – Waguinho. Entrevista. Out, 2008. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/entrevista-waguinho.html>.
172

completamente a carreira secular que “as pessoas viram que não era uma
fase, mas uma transformação completa e definitiva”190
Em outra entrevista ao ser questionado se ainda mantem contato
com os amigos do samba secular, Waguinho respondeu:
Tenho, eu me relaciono muito bem com todos os
artistas com os quais eu tive contato, amizade.
Mantenho as amizades até hoje, embora muitos
deles não sejam evangélicos. Mas, eu procuro
manter a amizade porque nós temos que ser luz,
temos que ser lâmpada. Eles tem que ver a
diferença que Deus fez na minha vida. Hoje, como
eu vivo hoje, com a minha esposa, com a minha
família... então, me relaciono super bem. [...]191
É interessante percebermos que Waguinho mantém o
relacionamento com velhos amigos, no entanto, a amizade é objetivando
o proselitismo, muito comum no meio pentecostal. Como o cantor disse
“eu procuro manter a amizade porque nós temos que ser luz, temos que
ser lâmpada”, ser luz e lâmpada são termos nativos que se refere àqueles
que têm a “luz de Jesus192”. Waguinho também diz: “eles tem que ver a
diferença que Deus fez na minha vida”, ou seja, há uma necessidade de
mostrar aos antigos amigos a nova vida que está vivendo a fim de que
eles sejam também alcançados pela “luz de Jesus” – se convertam ao
cristianismo pentecostal.
O proselitismo fica claro quando ao cantor é perguntado se “Tem
alguém que conheceu Jesus através de você?”
Muitos, olha tem o Rodriguinho que era do “Os
Travessos”, hoje é carreira solo. O Rodriguinho,
eu me lembro quando ele, no “Os Travessos”
ainda, ele veio pro Rio e a gente foi sair pra jogar
um futebol e ele “Waguinho, tu tá diferente, tu tá
muito diferente!” e eu falei pra ele “Rodriguinho,
agora eu sou crente, eu sou evangélico, não bebo
mais...não fico mais de fire”. “Cara tu tá muito
legal, muito diferente mesmo, um dia eu quero

190
GUIA-ME. Entrevista – Waguinho. Entrevista. Out, 2008. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/entrevista-waguinho.html>.
191
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
192
Ter a luz de Jesus pode ser entendido como ter a presença de Jesus em sua
vida, considerado algo bom e que tem o poder de “iluminar”, afastando as
trevas – espíritos e situações ruins da vida do crente.
173

ficar assim também” e passaram assim uns 6 a 8


meses e ele me ligou e, chorando no telefone, me
falou “poxa, Waguinho, eu aceitei Jesus também,
agora eu tô na igreja. Vou casar com a Taís.
Estamos na igreja, frequentando a igreja. Tô
muito feliz, gostaria de te dar esta notícia.” O
Próprio Netinho de Paula, também, tá
caminhando... o Belo, eu tive muita oportunidade.
Muitas vezes, eu e o Belo a gente senta, começa a
louvar o Senhor, a adorar o Senhor...ele tem um
coração muito quebrantado. Tá caminhando ainda
né, mas a mãe dele é uma serva de Deus, é
evangélica, Dona Terezinha, uma pessoa que eu
tenho um carinho muito grande. E muitos... O
Xandy do grupo Revelação, é um irmãozão meu
que a gente ta sempre se ligando, sempre se
falando. Eu vou para o estúdio, as vezes, gravar os
hinos de adoração né, de louvor. E ele vai comigo
pro estúdio, fica lá comigo até de madrugada. A
vó dele, a mãe é evangélica...a vó é evangélica.
Ele falou que ele tem um propósito de um dia vir
a gravar um Cd evangélico, e também adorar ao
Senhor. [...] Tem muitos, Salgadinho, Xande do
Harmonia do Samba, a Carla Perez, esposa dele.
É... mais quem? ... Tem um montão, um monte de
gente aí. A gente não perdeu este relacionamento
de amizade...[corte] E, principalmente, aqueles
que já confessam o Senhor Jesus...a gente tá
sempre se falando, sempre trocando uma ideia um
com o outro.193
Aqui temos sinais do tipo de relacionamento que Waguinho
mantém com seus amigos do secular, vê em todos estes relacionamentos
a possibilidade de conversão. Quando ele diz que determinada pessoa
“tá caminhando ainda” significa que este indivíduo ainda não se aderiu
ao pentecostalismo, mas que Waguinho está falando de suas crenças na
tentativa de que isso venha a acontecer.
É possível observar uma longa e exagerada fala em relação aos
que “se converteram” graças à mensagem de Waguinho, e isto pode ter
duas possíveis justificativas: primeiro porque, no meio pentecostal,
devido ao proselitismo forte, há uma espécie de “competição” interna

193
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
174

entre os fiéis pentecostais em mostrar quem conseguiu trazer mais


pessoas para a igreja e a para a fé evangélica, quem “ganhou mais almas
para Jesus”, nos temos nativos. Uma outra possível justificativa para o
exagero pode ser uma necessidade de Waguinho demonstrar que sua
música, o seu samba, tem sido eficiente na missão de “evangelizar”
pessoas. Mostrar a eficiência do samba como um meio para “ganhar
almas para Jesus” é uma das formas de tornar o samba aceitável no meio
evangélico, permitindo a incorporação deste gênero musical neste
contexto.
Recentemente194, em uma de suas redes sociais, na página do
Instagram de Waguinho, o cantor respondeu a perguntas feitas pelos
seguidores. Ao ser questionado sobre suas referências no samba secular,
Waguinho respondeu apontou os seguintes músicos: Arlindo Cruz,
Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho. Na MPB, apontou Djavan, Chico
Buarque Jorge Benjor e Carlos Dafé.

7.3.3. Conversão ao Pentecostalismo

Os testemunhos contados no contexto pentecostal sobre a adesão


à fé, quase sempre, contam com a descrição de um dia em especial
chamado de “o dia da conversão” ou o dia que a pessoa “aceitou” a
Jesus. Ao contar o processo da sua conversão ao pentecostalismo,
Waguinho sempre cita um dia em especial, o dia em que “entregou seu
coração a Jesus”. Abaixo, nas palavras de Waguinho, a sua conversão:
[...] a Fabíola foi e me apresentou o Senhor Jesus,
eu drogado há 3 noites dentro de um quarto de
motel, ali eu falei pra ela que eu não aguentava
mais [...] e ela falou pra mim “ se você quer
mudar mesmo, só tem um que pode te ajudar, o
nome dele é Jesus cristo de Nazaré. Naquele
mesmo momento, aquele homem que estava
drogado ali naquela noite, eu fechei os meus olhos
e falei “Jesus, entra agora na minha vida, eu quero
mudar, eu quero ser um novo homem”. E, naquele
momento, eu senti uma luz muito branca, vi
aquela luz, claramente. Eu com os olhos fechados,
eu vi aquela luz me tocando do alto da cabeça à
planta dos pés. Quando eu abri os olhos, eu vi que
eu já não estava mais com o olho arregalado, com

194
Estas perguntas foram disponibilizadas na página do cantor no Instagram em
agosto de 2018.
175

a boca torta... eu não estava mais com aquela


sensação de droga. E eu estava exatamente como
eu estou aqui agora, transformado. Porque,
quando você abre o seu coração pra Jesus e você
pede pra ele entrar, ele entra, ele transforma, ele
cura, ele liberta, e foi exatamente assim que
aconteceu comigo. Há 10 anos, eu não precisei
tomar remédio, me internar, fazer tratamento
psicológico... porque eu acreditei na minha
libertação. E acredito que Jesus, Ele realmente
transforma a vida da pessoa.195
Quase sempre, no contexto pentecostal, quando se relata “o dia da
conversão” se fala também do que é conhecido como a “oração de
entrega”,“ oração do pecador”, que representa a primeira oração em que
a pessoa “convida” Jesus para entrar em sua vida. Muitas vezes a
descrição do momento da oração acompanha a descrição de eventos
“sobrenaturais”, como êxtase, milagres, curas, exorcismos, entre outros,
que teriam acontecido antes, durante ou após a oração.
Waguinho descreve que após sua oração, feita ainda sob efeito
das drogas, ele teria sido tocado por uma luz e invadido por uma
sobriedade que teria anulado instantaneamente o efeito das substâncias
que havia consumido. Este seria o momento da sua “libertação” das
drogas, que no seu caso, se deu de forma “espiritual” quando foi tocado
pela “luz de Deus”.
Quando fala da sua vida antes deste momento “milagroso”,
Waguinho evidencia o conceito que tem de um pagodeiro ou sambista
secular:
[...] Eu era um pagodeiro drogado, bêbado,
macumbeiro, mentiroso, mulherengo, viciado, que
vivia aí cantando músicas que levavam as pessoas
a se embebedar, se drogar e se prostituir. Agora eu
pego no microfone para trazer uma palavra de
vida, de transformação. É fundamental que nos
mantenhamos firmes nisto, para que as pessoas
que não conhecem o Evangelho vejam a diferença
que é uma pessoa servir a Deus. 196

195
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
196
GUIA-ME. Waguinho: o dono da boca que prega a palavra de Deus.
Entrevista, 2011. Disponível em:
176

Vemos aqui a imagem do pagodeiro secular que Waguinho


sustenta em seu discurso e em suas músicas: o homem mulherengo,
apegado ao dinheiro, viciado em drogas. Aqui vemos também, o
reconhecimento da relação entre samba e religiões afro-brasileiras, mas
colocado pelo cantor como mais uma das características ruins da sua
antiga vida. Há também um conceito negativo sobre a música secular,
sob a ótica do cantor gospel, ela só produzia malefícios como o uso de
bebidas, drogas e o “se prostituir”, que provavelmente deve significar
para o cantor a prática do sexo fora do casamento – considerada como
pecado pelo cristianismo.
A antiga vida e a antiga música, ambas vistas de forma negativa,
são contrastadas à nova vida do cantor e à decisão de dedicar-se
somente à música gospel, o que seria fundamental para mostrar a
“diferença” de quem “serve a Deus”. A vida atual mostra a “vitória” de
Cristo sob o “inimigo”.
Waguinho frequentemente, quando conta de sua vida antes de se
tornar evangélico, conta também sobre seu vício em drogas. Entre as
notícias que mais circularam no país sobre Waguinho quando ainda era
cantor secular, esteve o anúncio de um suposto sequestro do cantor, que
mais tarde o mesmo desmentiu:
[...] Eu procurava de todas as formas me esconder,
me trancava, muitas vezes, nos quartos de motéis
pra ficar ali 2, 3 dias cheirando. Numa dessas
ocasião eu fui dado até como sequestrado, né...
fiquei ali sumido 3 dias, as pessoas achando que
eu tinha sido sequestrado, quando eu fui
encontrado, eu alimentei aquilo, porque eu não
queria que as pessoas soubessem que eu era um
viciado. Mas, hoje eu não tenho a menor vergonha
de falar sobre isso, porque hoje eu sei que tudo
aquilo foi um propósito de Deus e que pro nome
do Senhor ser glorificado. Porque, o que o Senhor
fez na minha vida, me libertando dos vícios, me
libertando da prostituição...eu era um homem
muito mulherengo. Era um homem soberbo, muito
vaidoso. Mas hoje a gente vê realmente o que o

<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-o-dono-da-boca-que-prega-
a-palavra-de-deus.html>.
177

Senhor Jesus pode fazer na vida de uma pessoa,


em transformação é maravilhoso.197
Waguinho não tem vergonha de falar do seu passado de vícios
porque este passado “exalta”, dá poder à sua conversão. Segundo a
crença, quanto maior o pecado, maior a “vitória”, pois acredita-se que
nos casos onde há mais pecado, vícios e erros Deus teria que intervir
com mais intensidade, mais “poder”. Neste sentido a vitória seria maior
porque a batalha seria mais intensa.
Contar o “testemunho” acerca do seu passado também tem a
intenção de encorajar pessoas que se encontram na mesma situação em
relação às drogas, para que trilhem o mesmo caminho de “libertação” ao
aderirem à fé pentecostal.
E hoje eu uso esta transformação que o Senhor fez
na minha vida dando testemunho, transformando
outras vidas de pessoas que também são
viciadas...você sabe que hoje eu trabalho com
centro de recuperação, nós temos um centro de
recuperação na nossa igreja, junto com o pastor
Marcos Pereira, que é o meu pastor. Onde
cuidamos de pessoas que tem este mesmo
problema que eu tive, hoje eu estou há 10 anos
liberto das drogas. Há 6 anos com o pastor Marcos
Pereira, e é uma alegria muito grande quando a
gente consegue, através do nosso testemunho,
através do nosso trabalho, da obra que a gente faz,
libertar pessoas, crianças, jovens, pais de família
[...]. E nós temos trabalhado com muito empenho
nessa área. 198
O vínculo do trabalho no Centro de Recuperação com a igreja,
envolvendo também o evangelismo através da música, encontra sentido
pelo uso do termo “libertar”, pois, no contexto da Teologia da Batalha
Espiritual, vícios são resultados de uma vida influenciada por demônios.
Por este motivo o trabalho de recuperação, segundo esse olhar, não pode
ser só físico, mas precisa ser espiritual por acreditarem que a origem
destes problemas se dão no plano espiritual.

197
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
198
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
178

E graças a Deus através destes Cds é que nós


temos conseguido sustentar o centro de
recuperação [...] é o instituto Vida Nova, que
inclusive é o nome do meu segundo CD. Quando
eu cheguei lá, o pastor tinha uma média de 40 a 50
pessoas no centro de recuperação, e nós
começamos a trabalhar juntos, me empenhei
completamente...me empenho... entreguei minha
vida completamente nesta obra com o Pr. Marcos,
com a Elaine Martins, Nívia Silva e Quelen
Rodrigues... que são as outras levitas da nossa
igreja. E através das vendas do meu Cd, da Elaine
e da Nívia, e dos DVD’s do Pastor, hoje nós
temos 280 pessoas no centro de recuperação, isso
há 5 anos atrás seria impossível, né.199
Vemos que enquanto fez parte de Adud, a carreira musical, o
trabalho no centro de recuperação e o pertencimento à igreja
caminhavam lado a lado como uma coisa só. Waguinho trabalhou como
missionário no centro de recuperação Instituto Vida Nova. Ao que
parece, as apresentações musicais de Waguinho e de outros cantores da
Adud eram feitas em parceria com o pastor Marcos Pereira, para
alcançar um público de pessoas envolvidas com o tráfico de drogas200 ou
com dependência química, a fim de levá-las ao centro de recuperação e
também para a igreja – como novos membros. Metade do dinheiro da
venda dos Cd’s e Dvd’s seriam destinadas para sustentar o trabalho no
centro de recuperação, que seria mantido integralmente pelo trabalho da
igreja. O trabalho de Waguinho com o Centro de Recuperação está
diretamente ligado à sua história de conversão, pois foi por causa dos
problemas enfrentados por causa do vício em drogas que Waguinho
tornou-se evangélico.
Nas entrevistas, é comum questionarem Waguinho acerca da
mudança de sua carreira, do secular para o gospel, e como ficou o
relacionamento com os músicos do secular, qual foi a reação das
pessoas e dos fãs daquela época. Em uma entrevista ao portal gospel

199
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
200
O trabalho de Marcos Pereira sempre teve uma relação confusa e polêmica
com o tráfico de drogas. Marcos sempre mostrou-se como resgatador de pessoas
juradas de morte por grupos de traficantes, inclusive há vídeos no YouTube
com imagens do pastor “intervindo” em momentos de torturas que
possivelmente terminariam em execuções.
179

“Guia-me”, Waguinho foi questionado acerca da reação dos fãs do


secular quando ele se converteu e quando deixou de lado a música
secular para entrar no Gospel:
Não podemos ficar preocupados com o que as
pessoas pensam sobre nós. Você precisa acreditar
na sua própria libertação. Se não acreditar na sua
mudança, que está liberto e que Jesus Cristo está
na sua vida, vai ser difícil convencer os outros.
Esse convencimento só pode ser feito pelo seu
testemunho. São 10 anos tirando as pessoas das
drogas, 10 anos recuperando pessoas do tráfico,
10 anos louvando ao Senhor, quatro CDs,
dirigindo um centro de recuperação com 300
pessoas. Nas eleições de 2008, em que concorri a
uma vaga no Senado, tive 1,3 milhão de votos.
Isso é a prova da credibilidade que temos entre as
pessoas que conhecem o nosso trabalho. Sempre
haverá os olhares de desconfiança, mas temos de
olhar para aquele que nos chamou: Jesus Cristo.201
A fala de Waguinho sugere que possa ter surgido uma reação
negativa dos fãs de sua música secular quanto à sua opção pelo gospel,
pois o mesmo não responde diretamente à questão. Ao usar expressões
como “olhares de desconfiança” e sugerir uma necessidade que teve de
“convencer os outros”, Waguinho demonstra algo muito comum no
meio gospel, quando algum cantor do secular se torna um cantor gospel,
há uma certa desconfiança quanto a escolha da pessoa, tanto por parte
dos evangélicos quanto por parte dos não-evangélicos. Para demonstrar
sua credibilidade como alguém que verdadeiramente se converteu à fé
cristã evangélica, Waguinho cita seus dez anos fazendo apenas música
gospel, que também foram dez anos trabalhando junto ao centro de
recuperação para dependentes químicos e o número de votos que teve ao
se candidatar, sem ser eleito, à vaga de Senador pelo Rio de Janeiro.
Nesta fala de Waguinho vemos muito forte os conceitos da
Teologia da Batalha Espiritual sustentando seu discurso, quando ele usa
termos como “libertação”, “liberto”. Pois, na Teologia da Batalha
Espiritual a adesão à fé cristã pentecostal é sempre uma “libertação” do

201
GUIA-ME. Waguinho: o dono da boca que prega a palavra de Deus.
Entrevista, 2011. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-o-dono-da-boca-que-prega-
a-palavra-de-deus.html>.
180

poder dos seres espirituais do mal – Diabo e seus demônios; assim


como, uma “vitória” por parte dos seres espirituais do bem – Deus e
seus anjos. A saída da carreira secular é tomada como um exemplo da
“libertação” e “vitória” que Waguinho teve em sua vida.

7.3.4. Despedida do Secular

Após o “dia da conversão” e de ter feito a “oração de entrega”


Waguinho ainda prosseguiu na carreira secular por mais alguns anos. A
decisão por dedicar-se somente à carreira gospel veio após conhecer o
pastor Marcos Pereira e começar a fazer parte da Adud.
Na verdade, eu havia entregue o meu coração ao
Senhor Jesus, no ano de 2000, onde o Senhor
Jesus entrou na minha vida, me libertou das
drogas. Eu tinha entregue o meu coração, mas a
minha vida não estava entregue nas mãos de
Jesus. Eu entreguei a minha vida a Jesus
realmente em 2004, quando eu conheci o Pastor
Marcos Pereira, foi quando eu parei de cantar
música secular e passei realmente a fazer somente
a obra de Deus. E gravei o Cd evangélico e abri
mão totalmente das coisas que o mundo me
oferecia. O que eu achava que era tudo, mas hoje
eu sei que não é nada. Tudo é o que eu tenho hoje:
a presença do Pai, do Filho e do Espírito Santo.202
Waguinho aqui pontua sua concepção acerca da conversão,
demonstrando que no dia em que fez a “oração de entrega”, entregou o
coração, mas não a vida a Jesus. Quer dizer, o relato anterior da
conversão ainda não era, na opinião dele, a total conversão, pois, ele
ainda continuou na música secular. Na fala seguinte, ele se opõe àqueles
músicos que são evangélicos, mas continuam na carreira secular.
Então, entreguei meu coração a Jesus em 2000 e
entreguei a minha vida pra Deus realmente como
servo, como obreiro na casa do Senhor. Porque
muitas vezes a pessoa aceita Jesus, “ah Jesus tá no
meu coração, aceitei Jesus”, mas não entrega a
vida totalmente pra Jesus. Entregar a vida é
quando você passa somente a fazer a obra de
Deus, quando você cumpre aquilo que esta na

202
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
181

Bíblia, porque a Bíblia diz que de uma fonte não


pode sair duas águas, uma doce e uma amargosa.
Eu sou totalmente contra pessoas que se dizem
evangélicos, se dizem ser cristãos e querem andar
em linha paralela com a carreira evangélica, com
a carreira secular...realmente não tem como, de
uma fonte não pode sair duas águas. Ou você
canta pra Jesus, ou você canta pro diabo. E eu,
graças a Deus, optei por cantar pra Jesus e to
muito feliz. Ou melhor, como diz aqui o meu
novo Cd, eu to “bem mais feliz” desse jeito.
[corte] 203
Não é possível afirmarmos que Waguinho ainda tem este mesmo
pensamento, devido a entrevista ser do início de sua carreira no gospel e
também por que sabemos da sua mudança de igreja, pois a ADVEC que
ele congrega hoje é em muitos sentidos diferente da ADUD, sua
primeira igreja. Apesar das duas igrejas serem neopentecostais possuem
muitas diferenças entre si, sendo possível que hoje o cantor tenha outra
concepção acerca da música.
No entanto, vemos nesta fala de Waguinho a concepção
polarizada a respeito da música, e a justificativa para o pensamento fica
por base no texto bíblico de Tiago 3:11, que questiona “acaso pode sair
água doce e água amarga da mesma fonte?” Esse questionamento é
aplicado no contexto da música, a música para Jesus como as águas
doces, enquanto a música secular – claramente colocada por Waguinho
como sendo música do Diabo, considerada como as águas amargas.
Vemos aqui uma demonização de tudo o que não é produção religiosa e
evangélica, o que não é gospel, não é de Deus. E se não é de Deus, no
mundo polarizado da Teologia da Batalha Espiritual, é do Diabo.
Por isso, para o cantor é inaceitável um músico evangélico fazer
música secular, pois a fonte da música –o homem, no caso, só pode fluir
um tipo de água. Seguindo a lógica, se o cantor evangélico continua a
carreira no secular, isso é sinal de que ele é ainda uma fonte de água
amarga, ou seja, ainda faz música do diabo, e a própria conversão e
adesão à fé evangélica é colocada em dúvida.
Por outro lado, o cantor verdadeiramente “convertido” não seria
mais fonte de águas amargas, mas somente águas doces, pois, só
cantaria música de Deus e para Deus. Essa metáfora da fonte –

203
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
182

simbolizando o homem, e as águas amargas ou doces – simbolizando a


música do Diabo ou de Deus, pode ser um exemplo da Teologia da
Batalha Espiritual aplicada à música. A disputa de Deus e do Diabo pelo
corpo do homem, pode ser entendida como a disputa pela “fonte de
água”, e a música seria uma evidência de quem está no domínio da
“fonte”.
É interessante percebermos que, apesar do cantor considerar que
exista música de Deus e música do Diabo, essa divisão não se aplica
diretamente aos gêneros musicais, mas muito mais em relação a música
religiosa (cristã) e música secular. O samba não é considerado pelo
cantor como as “águas amargas”, nem como “proibido” ou
“amaldiçoado” em si mesmo. Para Waguinho, apesar de ter quem faça
samba para o Diabo, é possível fazer samba para Deus.
Mas em relação à música secular, sua posição é claramente
polarizada. Ao contar sobre sua conversão em uma entrevista,
Waguinho contou sobre a reação de alguns amigos do meio secular,
quanto à sua decisão pelo gospel:
“Foi uma mudança radical que eu tive... muitos
me chamam e me chamaram de fanático, de
exagerado... aquele papo de que não precisa
tanto...não tem nada a ver... não precisa estar do
jeito que eu estou...Mas eu estou há 17 anos me
mantendo desta forma. Vi muitos aceitarem Jesus,
voltar de onde vieram, voltar pras drogas, voltar
pro mundo, voltar a cantar pro mundo, pro
inimigo. E eu estou há 17 anos, sei que é pela
graça e pela misericórdia dEle. Mas eu continuo
vivendo desta forma, desde a primeira vez que eu
entendi o evangelho, de que o homem tem de se
portar de uma forma... e é desta forma que eu
venho me portando. Eu acredito que de uma fonte
não pode sair duas águas, só pego no microfone
pra louvar, pra adorar a Jesus...204
Chama a atenção como Waguinho se refere ao retorno de alguns
cantores que vieram para a música gospel e depois retornaram para o
secular, segundo Waguinho, eles voltaram a cantar para o “inimigo”.
Mais uma vez é possível perceber conceitos norteadores da Teologia da
Batalha Espiritual na fala do cantor e no seu entendimento acerca da

204
SUPERFELIZ. Programa Super Feliz Especial Expo Cristã 2017 –
Waguinho. Entrevista. (2017). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=J5qSMsYykEg>. Acesso em: 12 ago 2018
183

música. Assim como o corpo, ou está habitado pelo Espírito Santo, ou


está habitado por algum espírito mau; assim também a música ou é
“inspirada” pelo Espírito Santo e dedicada a Deus, ou é inspirada e
dedicada ao Diabo. O termo “inimigo” mostra que há a ideia de disputa
entre as forças do bem contra as forças do mal, e parece que para o
cantor, esta disputa ocorre também na música, mais especificamente no
samba.
Ainda sobre a reação das pessoas frente à sua conversão
Waguinho disse que:
No começo, as pessoas sempre acham que é fogo
de palha. Quando você aceita a Jesus e declara
que agora você é evangélico, as pessoas falam:
“ah...isso é fogo de palha, não vai dar em
nada...[...]. Então, passou um ano, dois...três...no
quarto ano eu conheci o Pastor Marcos Pereira, aí
que o negócio ficou mais quente mesmo, começou
a pegar fogo mesmo. E hoje estamos ai. Estamos
fazendo 10 anos na presença do Senhor, e hoje
graças a Deus as pessoas me veem como uma
referência de um cara que realmente era artista, do
meio artístico e se converteu verdadeiramente.
[...]as pessoas até falam que eu sou fanático [...]
não tem como você ser crente ‘meia-boca’, em
cima do muro. A Bíblia diz que você não deve ser
morno, nem frio, mas você tem que tá quente,
você tem que tá cheio da unção. E eu gosto de ser
lembrado dessa forma: como um crente fanático.
205

De fato, Waguinho se tornou um exemplo de artista que


abandonou a carreira secular e dedicou-se somente à gospel, já faz
quatorze anos que tomou esta decisão. O cantor afirma que muitas
pessoas duvidaram de sua postura no início, suspeitando que o cantor
poderia retornar à carreira secular e à sua velha vida. Essa suspeita
acontece tanto por parte dos evangélicos quanto pelos não-evangélicos,
é possível que isso aconteça porque existe a possibilidade de um músico
entrar no Gospel e por não se adaptar às doutrinas evangélicas ou ter
insucesso no meio gospel, o que levaria o músico a retornar ao secular.
Vemos na fala de Waguinho elementos da “teologia” pentecostal,
expressões como “fogo”, estar “cheio da unção”, ser “quente” são

205
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
184

relacionadas à crença pentecostal de um segundo batismo – o batismo


no espírito ou o batismo no fogo, no qual a principal marca é a
ocorrência da glossolalia.

7.3.5. Carreira Gospel

Em algumas entrevistas Waguinho falou sobre as dificuldades


que enfrentou no meio evangélico como cantor de samba.
[...] eu tive muita dificuldade, quando iria sair o
disco, antes de sair... as pessoas vinham falar
comigo “olha, não grava em ritmo de samba, você
não vai tocar em igreja nenhuma, não vai tocar em
rádio evangélica nenhuma...esse negócio de
samba nas igrejas o pessoal não gosta, tem gente
que fala que samba é do diabo”.206
Waguinho foi “aconselhado” por pessoas do meio evangélico de
que o samba não daria certo, justamente porque muitos consideram o
gênero musical como “música do diabo”. É interessante percebermos
que o conceito “música do diabo” pode se compreender a música secular
ou até mesmo a determinados gêneros musicais, e que esta demonização
de gêneros musicais brasileiros não é uma questão de opinião individual
ou ligado a apenas uma igreja específica, mas um pensamento que tem
uma certa ocorrência no público evangélico, ao ponto de amigos
alertarem o cantor acerca de um possível fracasso da tentativa de cantar
samba no meio evangélico.
Apesar dos avisos, para Waguinho a opinião decisiva sobre o
assunto foi a de seu pastor Marcos Pereira, que viu no samba uma
possibilidade ímpar de evangelismo:
E conversando com o meu pastor, eu falei pro
pastor que eu já tinha duas musicas que o Senhor
tinha me dado, que eu falei pra ele...uma foi “o
dono da boca” [...] e a outra foi “Entregue o teu
caminho”, [...] que era uma mensagem direta, né,
pro pessoal do tráfico “Ei! Você aí, seu moço,
você que está com esse cordaozão de ouro no
pescoço. ...Deus tem um plano pra você...” E
quando eu mostrei pro pastor, o pastor disse “cara,
é isso aí que Deus tava precisando pra fazer um

206
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
185

barulho nas favelas e nos presídios...você vai


cantar isso dentro das comunidades e dentro das
delegacias e dos presídios comigo...isso aí vai
fazer um movimento”. “é mesmo pastor? Posso
gravar?” ele falou: “pode gravar!” e isso aí ei fiz
um período de jejum, de oração...tudo lá o pastor
bota pra orar, pra jejuar [risos]... e fizemos, e
graças a Deus...entramos no estúdio, fizemos o
Cd, por incrível que pareça. 207
Na fala de Waguinho vemos o fator humano suprimido, quando
ele diz “tinha duas músicas que o Senhor tinha me dado” ele está
dizendo que as músicas que ele compôs foram de inspiração divina. É
mais um elemento para nos ajudar a tentar compreender como ocorre a
demonização de determinadas músicas. Na Teologia da Batalha
Espiritual, tudo o que o homem faz é por inspiração ou influência – seja
de Deus, seja do Diabo. O elemento humano é quase sempre suprimido,
não há espaço para humanidade, já que seríamos “fracos” diante das
forças espirituais. Neste sentido, a música é composta ou por influência
de Deus, ou por influência do Diabo – não há música que seja só
humana.
Vemos que, no início de sua carreira gospel houve um vínculo
com o trabalho de evangelismo do pastor Marcos Pereira nas
comunidades, entre a população carcerária, entre os traficantes e
usuários de drogas. E que o pastor viu no samba a possibilidade de
alcançar novos adeptos, que provavelmente não seriam atraídos por
outros gêneros musicais. A autorização para gravar não é só porque
Marcos Pereira era o pastor de Waguinho, mas também porque
Waguinho teve seus Cds pela gravadora ADUD Record, que também é
liderada pelo pastor.
A primeira música é “entrega o teu caminho ao
Senhor” e, segundo me falaram, nunca tinha
tocado uma música em ritmo de samba nas rádios
evangélicas.... e a música começou a tocar nas
principais rádios, sem eu pedir, sem eu pagar, sem
nada disso....daqui a pouco, a música tava tocando
em todo o Brasil. Logo depois foi “o dono da
boca”. Hoje, o meu primeiro cd “o chamado” que
é o que tem estas duas músicas, ele tem quase 100
mil copias vendidas. Logo depois eu gravei o

207
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
186

segundo Cd, o “vida renovada”. E também


ganhou o Troféu Talento, o principal troféu aí da
música gospel da América Latina. 208
O álbum de Waguinho “Vida Renovada” ganhou o Troféu talento
em 2008 na categoria Álbum Alternativo, pois nunca houve uma
categoria específica de samba ou música brasileira na premiação. Em
entrevista ao portal Guia-me209, Waguinho afirmou que não sabia se
algum Cd de samba já havia ganhado o Troféu Talento anteriormente e
que o prêmio é o reconhecimento do seu trabalho. Segundo o cantor
“Quando se faz um compromisso com Deus, não importa o ritmo”,
mostrando que o gênero musical não é fator decisivo para considerar
uma música como “do Diabo”; muito pelo contrário, através de qualquer
gênero musical seria possível estabelecer um “compromisso com Deus”.
No entanto, no início da carreira gospel, Waguinho enfrentou
algumas resistências devido ao gênero do samba:
No início, houve muitas críticas devido ao ritmo,
tão famoso no meio mundano. Mas hoje eu
entendo que todos os ritmos louvam ao Senhor,
para que todos possam ver a Glória de Deus e
sentir o fluir do Espírito Santo. Mas, para isso, é
necessário estarmos em comunhão com Cristo,
porque a Palavra nos dá o respaldo. Quem é
espiritual, discerne o que é espiritual. Quem é
carnal, nada discerne. Durante um tempo, houve
uma certa dúvida no coração dos evangélicos em
relação ao meu ministério musical. Porém, no
decorrer da minha caminhada, Deus tem feito uma
grande obra na minha vida, ensinando-me o
verdadeiro Evangelho e como mostrar isso às
pessoas. 210
A “dúvida” dos evangélicos quanto à música de Waguinho
repousava justamente sobre o fato de ele cantar samba, considerando
que iniciou no gospel em 2004, vemos que ainda nos anos 2000

208
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018.
209
GUIA-ME. Entrevista – Waguinho. Entrevista. Out, 2008. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/entrevista-waguinho.html>.
210
GUIA-ME. Waguinho: o dono da boca que prega a palavra de Deus.
Entrevista, 2011. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-o-dono-da-boca-que-prega-
a-palavra-de-deus.html>.
187

houveram resistências no meio evangélico, possivelmente por causa da


demonização de determinados gêneros musicais brasileiros.
Apesar das críticas que sofreu, Waguinho defende que todos os
“ritmos podem louvar ao Senhor”, inclusive citando esta frase em meio
as suas canções. Este posicionamento de Waguinho parece ser
importante no sentido de afirmar a brasilidade e de descontruir,
principalmente no meio pentecostal, os (pré)conceitos que demonizam
gêneros musicais brasileiros.
Ao ser questionado sobre ter sofrido algum tipo de preconceito no
meio evangélico por fazer pagode, Waguinho respondeu que:
Olha, no começo tinha aquela ‘ será que esse cara
se converteu mesmo? Tá cantando pagode
ainda...’, ‘ como é que é isso? Se se converteu
mesmo... tudo!’ mas eu acredito que em tudo
Deus tem um proposito. Você que já viajou para
alguns países e eu também, e qualquer pessoa,
principalmente que é do meio musical, do meio
artístico, né... que trabalha com o
entretenimento... sabe que quando você chega fora
do Brasil, chega na Europa, chega na América,
quando as pessoas sabem que você é brasileiro... a
primeira referência é ‘ah o Brasil, terra do samba,
do futebol” né? E se a música brasileira lá fora é
reconhecida como o samba, porque nós não
podemos utilizar o samba que é uma música que
está na veia de todo brasileiro, né? Uma música
genuinamente brasileira... pra evangelizar, pra
ganhar almas... então eu acredito, eu vejo que
Deus agiu na minha vida desta forma.211
Vemos alguns elementos importantes nesta fala, Waguinho
demonstra que houve uma certa dificuldade dos evangélicos de
compreenderem como poderia alguém que é evangélico ainda tocar
samba e pagode. Isso demonstra que a visão polarizada da música que
muitos evangélicos têm, na qual há a divisão da música em sagrada e
profana, pode significar que esta divisão inclua também gêneros
musicais, havendo gêneros musicais sagrados e gêneros musicais
profanos. É aí que muitos definem o samba como profano, e por isso,
quando surge alguém como Waguinho, defendendo que o samba pode

211
SUPERFELIZ. Programa Super Feliz Especial Expo Cristã 2017 –
Waguinho. Entrevista. (2017) Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=J5qSMsYykEg>. Acesso em: 12 ago
2018.
188

ser para Jesus, isso suscita desconfianças em relação à produção musical


do cantor e até em relação à autenticidade de sua adesão ao
pentecostalismo.
Outro elemento na fala de Waguinho é que ele reconhece a
importância do samba na formação da identidade cultural brasileira. O
seu questionamento é neste sentido, se o samba é reconhecido como
música genuinamente brasileira, porque os evangélicos brasileiros não
poderiam utilizá-lo? Mas esta última palavra “utilizar” sinaliza o lugar
do samba para Waguinho. Não se trata apenas de produzir samba,
produzir cultura, reafirmar a brasilidade e a identidade brasileira no
meio evangélico, mas também, utilizar o samba como um meio para
atingir um objetivo – “ganhar almas”, novos adeptos à fé evangélica.
Portanto, a justificativa para o uso do samba seria o proselitismo,
seguindo a lógica de: “se o samba é a cultura musical do brasileiro,
vamos usar o samba como meio de atrair os brasileiros para Jesus”.
Na fala a seguir, Waguinho demonstra o sucesso de sua carreira
com o samba gospel, e que apesar de ser membro da ADUD e de ter seu
trabalho ligado ao do Pastor Marcos Pereira, ele já se apresentou em
diversas igrejas evangélicas e até em programa seculares na TV. Isso
evidencia que a música gospel tem o potencial de circular em diversos
locais, conquistando o público de forma independente das diferenças
teológicas, de crença e pertença religiosa:
Cantei uma música, “Drogas, tô fora!”, no
Fantástico, que é uma coisa, assim... que foi
inédita. Então, Deus foi abrindo as portas, hoje a
gente já tá com o terceiro Cd “Bem mais feliz”...e,
graças a Deus, as pessoas tem aceitado, assim,
com muito carinho. E eu já cantei em todas as
igrejas, em todas as denominações...Assembleia,
Batista, Prebiteriana, Metodista, Quadrangular,
Independente... todas as igrejas me convidam...
Universal... eu canto em tudo quanto é igreja, sou
convidado pra cantar, pra adorar ao Senhor.
Porque, quando as pessoas veem que
verdadeiramente a minha vida é entregue nas
mãos do Senhor. E o mais importante, não é o
ritmo da música, não é a balada, mas é exatamente
aquilo que o levita que tá cantando vive. E eu vivo
pra adorar a Deus, eu vivo pra fazer a vontade de
Deus e as pessoas percebem isso, seja eu cantando
um samba, seja eu cantando uma música de
adoração... hino de adoração, as pessoas sabem
189

que a minha vida é entregue totalmente nas mãos


do Senhor.212
Waguinho defende que o gênero musical não é sagrado ou
profano em si mesmo e que o gênero não é o mais importante, mas a
vida do músico, se realmente “entregue a Deus” é que torna a música
“santa”, portanto lícita, aceitável para um evangélico ouvir. Aqui,
Waguinho coloca o samba e as músicas no estilo “adoração” no mesmo
“nível”. Contudo, não são todos que pensam assim, e, apesar de ser
conhecido como um cantor de samba e pagode, vez ou outra, Waguinho
intenta afirmar-se como cantor de “adoração”. Este é um conceito
complexo para os evangélicos, adoração podem ser palavras de
engrandecimento ditas a Deus, há também aqueles que dizem que
música é sinônimo de adoração e que quem não canta para Deus, canta
para o Diabo. Mas quando um cantor pagodeiro afirma cantar também
“adoração”, ele está se referindo a músicas mais lentas cujo tema central
são o culto, a honra, a veneração a Deus. Em uma entrevista Waguinho
disse:
Canto também ‘adoração’, tenho muitas
composições gravadas pela Nívia Silvia, pela
Elaine Martins...[...] Mas eu vejo que Deus me
chamou para este propósito. Através disto nós
temos entrado em comunidades, favelas,
cracolândias, presídios... você sabe que eu gosto
muito de ‘fazer’ [apresentações] presídios e
cruzadas nas comunidades... e através do samba
muitas almas tem se convertido.213
Dizer que também compõe e canta adoração pode ser uma
tentativa de afirmar-se como um cristão “sério”. Quer dizer, o cantor
sim faz samba, para o churrasquinho, para o evangelismo, como música
para eventos especiais, e isso pode acabar gerando no meio evangélico
uma imagem de alguém que faz música para momentos festivos.
Contudo, ao afirmar que também faz “adoração”, Waguinho quer dizer
que também faz música para o culto, para os momentos mais “sérios”,
onde parece que o samba ainda não é muito bem-vindo.

212
PERFIL CRISTÃO. Waguinho - Testemunho Oficial. Entrevista.
Publicado em: jan, 2013.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=07U1q69jGNg>. Acesso em: 12 ago 2018
213
SUPERFELIZ. Programa Super Feliz Especial Expo Cristã 2017 –
Waguinho. Entrevista. (2017) Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=J5qSMsYykEg>. Acesso em: 12 ago 2018
190

Em sua produção musical, podemos encontrar no seu repertório


músicas que se aproximam do estilo dos “corinhos de fogo”, que são
músicas do contexto pentecostal e consideradas por alguns como mais
eficazes para atrair a presença do Espírito Santo. Entre as músicas de
Waguinho que se aproximam a este estilo, destacamos as músicas “É
servo do Senhor” e “Atire a primeira pedra”.
Ao contar de sua trajetória religiosa, Waguinho afirma o quanto
as músicas de “adoração” foram importantes para o início da sua
caminhada como evangélico. Inclusive, gerando nele dúvidas acerca do
fazer samba no meio evangélico.
[...] eu por muitas vezes, ficava me perguntando,
perguntava a Deus ‘ será que é isso mesmo?’
porque eu me converti ouvindo muitos hinos de
‘adoração’ ali pelo ano 2000...é... “Toque no
Altar”...”Diante do Trono”...”André Valadão”. E
aí me converti, 3 a 4 anos depois eu tomei a
decisão de louvar a Deus, de largar o mundo,
largar a carreira secular. Uma carreira que me
dava uma estabilidade financeira muito grande,
mas eu tomei a decisão de só pegar no microfone
para adorar a Deus. E aí comecei a fazer um
propósito para Deus me dar músicas [...] Aí eu
falava com Deus ‘eu quero fazer adoração, quero
fazer músicas que toquem no coração das pessoas
assim como eu fui tocado’. Fiz propósito, fiz
jejum, oração, fui pro monte...e quando vinha as
músicas era só samba! (risos) 214
As dúvidas do cantor em relação a fazer samba para Deus
parecem demonstrar que no começo, até ele, tinha dúvidas acerca do
samba como música religiosa. O cantor pretendia fazer músicas que
tocassem “o coração das pessoas”, o que parecia ser possível somente
através das músicas mais lentas do estilo “adoração”. Esta é outra tensão
existente no meio evangélico, quando se pretende fazer músicas para
conduzir as pessoas a “momentos de adoração”, normalmente nos cultos
e reuniões são utilizadas músicas mais lentas e melódicas. Como poderia
uma música tão rítmica e festiva como o samba cumprir este objetivo?
Por este motivo também, músicas de gêneros como o samba são

214
GUIA-ME. Waguinho lança EP “Som Brasileiro” com samba e black
music, nas plataformas digitais. Página na internet. Dez, 2017. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-lanca-ep-som-brasileiro-
com-samba-e-black-music-nas-plataformas-digitais.html>.
191

colocadas em um lugar de menor importância ou menor seriedade do


que as músicas de “adoração”.
No entanto, em uma entrevista ao portal Guia-me em 2008, ao ser
questionado sobre a diferença de ser um cantor secular e ser um
adorador – um cantor gospel, Waguinho fala sobre o que é adoração
para ele:
A maior adoração é amar a Deus e ao semelhante.
Adorar não é somente pegar um instrumento,
fechar os olhos e dizer te amo, Deus. Mas cuidar
do necessitado, amar o semelhante, orar pelos
enfermos. Adorar vai além da música. É fazer a
vontade de Deus. Amar o que Deus fez à sua
imagem e semelhança.215
É muito interessante percebermos que, apesar de chamar um tipo
de música de “adoração”, de considerar que há música de Deus e música
do Diabo, Waguinho não considera a música como sinônimo de
adoração. Adoração é mais que música para o cantor. É possível adorar
através da música, mas não somente.
Os conceitos diferentes envolvendo música, adoração e louvor no
meio evangélico fazer, com que muitas vezes, gêneros como o samba
sejam considerados como impróprios para a adoração. Por isso, vemos
muitas vezes a necessidade de, em sua fala, Waguinho demonstrar a
“eficiência” do samba nos propósitos proselitistas. Ao falar de suas
composições, Waguinho demonstra querer atingir o mesmo público que
consome o samba secular:
[...] Então... tudo músicas evangelísticas, pra
pegar aquelas pessoas, despertar a atenção delas
nas letras...aquelas mesmas pessoas que ouviam o
Waguinho cantando “Marrom bombom”, “a mina
de fé”, “todo mundo de olho, de olho, de olho...”,
“tá afim de sambar? ” Então... Deus me deu as
músicas pra, no mesmo ritmo de samba, pra estas
pessoas que idolatravam o Waguinho sambista,
pudessem ouvir as músicas e hoje olhasse o
Waguinho não como ídolo, mas como missionário
da Palavra de Deus. E, graças a Deus, , são
milhares e milhares de testemunhos que eu já ouvi

215
GUIA-ME. Entrevista – Waguinho. Entrevista. Out, 2008. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/entrevista-waguinho.html>.
192

de pessoas que se converteram através destes


sambas que o Senhor tem me dado.216
Atualmente, Waguinho está na Sony Music Gospel, em entrevista
em 2017 o cantor falou sobre essa nova fase em sua carreira musical
depois de anos na Adud Record.
Hoje a gente está com a Sony Music Gospel,
aonde temos aí o nosso chefe Maurício...sou do
escritório da Fonte Produções, onde tem a Cláudia
Fontes que é uma benção, né... e a gente tá
lançando agora o nosso primeiro trabalho pela
Sony Music Gospel, com o direcionamento da
Cláudia Fontes e da Fonte Produções...então é um
novo caminho, uma nova jornada. Migrando todo
o trabalho de 30 anos do Waguinho em cd,
naquele cara a cara, aquele Cdzinho físico,
procurando migrar tudo isso hoje para as
plataformas digitais...que é a tendência, não a
tendência do que vai acontecer, mas já a atual. E
lançando um novo trabalho, acabei de lançar um
novo clipe. O clipe é “o senso e a razão”, onde
essa música é a música que está puxando o nosso
novo álbum pela Sony Music, já está no ar o clipe
no meu canal, o canal está novinho, tem um mês o
meu canal... WaguinhoVevo no YouTube, e
tentando aí buscar esta galera jovem, esta
juventude que está muito ligada e focada nas
plataformas digitais e nas redes sociais.217
Vemos que o novo trabalho de Waguinho se diferencia do que
antes fazia, que era através da venda do Cd físico pessoalmente,
provavelmente durante os eventos que o cantor participava. Agora, com
a venda de seu material nas plataformas digitais, a presença do cantor
em diversas redes sociais, o cantor visa alcançar um maior público e um
novo público jovem. O que seriam estratégias difíceis de serem tomadas
pelo cantor enquanto estivesse na Adud, já que, como vimos, a igreja
proíbe os seus membros de terem acesso à internet.

216
GUIA-ME. Waguinho lança EP “Som Brasileiro” com samba e black
music, nas plataformas digitais. Página na internet. Dez, 2017. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-lanca-ep-som-brasileiro-
com-samba-e-black-music-nas-plataformas-digitais.html>.
217
GUIA-ME. Waguinho lança EP “Som Brasileiro” com samba e black
music, nas plataformas digitais. Página na internet. Dez, 2017. Disponível em:
<https://guiame.com.br/musica/nacional/waguinho-lanca-ep-som-brasileiro-
com-samba-e-black-music-nas-plataformas-digitais.html>.
193

Em um vídeo no Canal do YouTube da Sony Music Gospel,


Waguinho relembra todos os seus Cds gospel, e ao falar do álbum
“Samba Adorador” comenta:
Tudo no ritmo do samba abençoado, no samba
adorador. É um cd que todo mundo gosta de ouvir
pra fazer aquele churrasquinho abençoado, aquele
churrasquinho de crente. Aquela picanha macia,
aquela costelinha macia, aquele churrasquinho de
crente com muito guaraná, muito suquinho. Você
bota lá e curte este cd, que é um cd que abençoa e
muitas pessoas são alcançadas por estes louvores
do samba adorador.218
Aqui vemos de que forma o samba pode se aliar à moralidade
pentecostal, tornando-se em samba abençoado. O tradicional churrasco
que muitos brasileiros fazem, com samba, pagode e cerveja, se tornaria
no “churrasquinho de crente” no qual a cerveja seria substituída pelo
guaraná e por sucos, assim como o samba secular pelo samba
abençoado/adorador. Vemos, nesta fala, dois argumentos que
justificariam e dariam legitimidade para o samba no contexto
evangélico. O primeiro é de que o samba gospel seria um tipo de música
para momentos de “lazer”, como uma festa em família, um churrasco. O
samba abençoado é produzido para que os evangélicos, em momentos
de comunhão com familiares e amigos, tenham uma música para ouvir
que não lhes fosse prejudicial – já que a música secular é considerada
por alguns como música do diabo, portanto prejudicial, promovendo
“maldições” sobre aqueles que a escutam. O samba gospel existe para
entretenimento dos evangélicos.
Outro argumento é o do proselitismo, ao colocar durante um
churrasco o samba abençoado, aqueles convidados ou até mesmo os
vizinhos que não são evangélicos ouviriam as músicas e seriam,
portanto, “evangelizados”. O samba gospel existe para alcançar mais
adeptos da fé cristã “evangélica”.
Respondendo a uma pergunta de seus seguidores feita em sua
página do Instagram, o cantor apontou que suas referências no samba
cristão são: Felipe Silva, Flavinho Silva e Tempero do Mundo – grupo
de Magno Malta. Na mesma série de perguntas de seguidores, teve a
pergunta para Waguinho: “você não sente saudades do samba? Foi o

218
WAGUINHO. Retrospectiva - Waguinho. YouTube. Publicado em 6 de set
de 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=HSm1KdzVTfs>. Acesso em: 09 jul
2018.
194

samba que projetou você nacionalmente”. Pelo que o cantor respondeu:


“Continuo cantando samba, as letras é que tem outra mensagem”
195

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisar a incorporação de gêneros musicais brasileiros no


contexto musical evangélico foi um desafio, devido à originalidade do
tema. Há na literatura acadêmica muitos trabalhos abordando o campo
religioso brasileiro, os evangélicos e o pentecostalismo, mas a relação
entre a cultura brasileira e a música evangélica, e o estudo sobre a
postura evangélica diante da música brasileira, ainda configuram temas
pouco explorados nas pesquisas.
A opção pelas entrevistas disponíveis na internet, letras de
músicas, falas e apresentações, entre outros, foi um caminho para
tentarmos entender como são os processos de incorporação dos gêneros
musicais brasileiros na música evangélica.
A partir do material analisado foi possível perceber dois modos
diferentes de legitimação dos gêneros musicais brasileiros no contexto
evangélico, pautados por duas teologias distintas.
Vimos que no caso do músico João Alexandre, a legitimação da
incorporação dos gêneros musicais brasileiros no contexto evangélico se
dá pela adesão aos conceitos de Vocação e Graça Comum da teologia
reformada. O cantor, ligado à tradição reformada e influenciado pela
revolução musical jovem evangélica das décadas de 70 e 80, considera a
música como expressão artística, como profissão; que em si mesmo não
é santa, nem profana. A música não é considerada como sinônimo de
louvor e adoração a Deus, mas pode ser direcionada para este fim. O
músico deve capacitar-se tecnicamente e a produção da música deve ser
feita com excelência. João rejeita a separação entre música secular e
música gospel, e seu critério para consumo musical seria a “qualidade”
técnica da música – o que pode ser algo muito subjetivo. O consumo da
música secular é livre, pois a religiosidade do músico é considerada
como algo posterior à produção musical do mesmo. Todos estes
conceitos contidos nas falas de João relacionam-se com os conceitos de
Vocação e de Graça Comum da teologia reformada. Por considerar que
ser músico é um dom distribuído por Deus aos homens,
independentemente da religiosidade dos mesmos, João defende que toda
a produção musical pode ser “aproveitada” para o consumo do músico
cristão. Neste sentido, nenhum gênero é considerado profano, não há a
demonização das expressões musicais brasileiras e, a partir disso, João
defende a produção de música brasileira que confesse a fé cristã.
As músicas de João que foram analisadas apresentam elementos
da cultura brasileira, culinária e música brasileira, e, aspectos da
realidade brasileira, como a pobreza, fome, corrupção, violência. A
196

crença defendida é de que o cristão brasileiro, por ter em si a justiça,


bondade, amor de Deus, deve se posicionar em compaixão e altruísmo
diante destas realidades. Da parte do cantor, há a crítica a uma música e
hinologia evangélica muito mais moldada às culturas estrangeiras, e a
defesa de uma música cristã mais brasileira e contextualizada à realidade
nacional.
No caso do músico Waguinho, cantor secular que se converteu ao
neopentecostalismo, a música pode ser entendida como sinônimo de
adoração e louvor. O material analisado aponta para a crença de que o
músico tem sua capacitação musical pela inspiração divina, neste caso, o
elemento humano na produção musical é suprimido pela mistificação da
música. O cantor parece considerar que há a música de Deus – a Gospel,
e a música do Diabo – a secular. Por ser vista de maneira negativa –
sendo demonizada, a música secular é proibida. Estes conceitos
guardam relação com os conceitos teológicos de Batalha Espiritual, e a
música parece se apresentar como um campo de batalha: a música
secular é o campo de domínio do Inimigo (Diabo) e a música Gospel é o
campo de domínio de Deus. Neste sentido, fazer o “samba abençoado” é
entrar na disputa por almas, por isso se caracteriza como música
“evangelística”; ao mesmo tempo em que o “samba abençoado” é a
“prova” de uma vitória de Deus nesta eterna Batalha Espiritual: Deus
conquistou o samba – que antes estava apenas no domínio de Satanás.
Contudo, Waguinho parece produzir um discurso que se modifica de
acordo com o contexto no qual ele está falando. Pois, quando em um
evento secular, o cantor apresentou o samba como meio para um
ecumenismo. Quando fala para seu próprio grupo, os pentecostais, o
samba é apresentado e aderido pelo viés da Batalha Espiritual.
Desta forma, a legitimação da incorporação dos gêneros musicais
brasileiros no contexto evangélico se dá pela adesão aos conceitos de
Batalha Espiritual ligados ao pentecostalismo, e a desconstrução dos
gêneros brasileiros como um mal em si mesmo se baseiam no texto do
Salmo 150 e na defesa de que “tudo o que respira deve louvar ao
Senhor”. Assim, o samba é incorporado e sacralizado como conquista,
vitória de Deus.
As músicas analisadas apresentam elementos da doutrina
pentecostal, como rigorismo em relação aos usos e costumes, prática de
oração de joelhos e jejuns, entre outros. Nas letras foi fortalecida a
crença da música secular como promotora de práticas ruins, associando
o pagode secular ao uso de drogas, o roubo, a infidelidade conjugal. Por
outro lado, as práticas religiosas pentecostais, quando associadas ao
samba, resultariam no “samba abençoado/adorador” e no pagodeiro
197

cristão – sem drogas, sem amor pelo dinheiro, com as práticas de


fidelidade conjugal e entrega de dízimos. A religiosidade do músico é
considerada como algo definitivo na produção musical do mesmo, de
maneira que o vínculo institucional é evidenciado nas letras das músicas
através dos elementos da doutrina pentecostal.
O material analisado evidenciou que ambos os cantores passaram
por experiências de resistências, por parte de evangélicos, à sua
produção musical em gêneros brasileiros. Ao que parece, estas
resistências foram justamente por trabalharem com gêneros musicais
brasileiros, o que levou estes músicos a terem uma postura constante de
defender, legitimar e explicar sua produção musical. Os dois cantores
têm a consciência de que os gêneros musicais brasileiros,
principalmente os mais relacionados à cultura afro-brasileira – como o
samba, foram demonizados pelos evangélicos e se posicionam de forma
a sacralizar estes gêneros musicais – associando-os à identidade cristã
evangélica.
As instituições paraeclesiásticas tiveram papel elementar na
incorporação de gêneros musicais brasileiros na música evangélica e o
trabalho musical dos conjuntos jovens das décadas de 70 e 80 exerceram
influência na formação musical de João Alexandre. Já no caso de
Waguinho, sua carreira gospel como cantor de samba e pagode iniciou e
prosseguiu, durante anos, com o apoio direto de seu pastor. É necessário
ampliar o debate em torno dos posicionamentos institucionais das
igrejas evangélicas e lideranças eclesiásticas sobre o assunto, de modo a
investigar como estas posições suscitam resistências ou transigências em
relação à produção musical evangélica em gêneros musicais brasileiros.
Um caminho possível seria a realização de pesquisas envolvendo
entrevistas com lideranças eclesiásticas evangélicas acerca do tema.
Devido à importância da música na religiosidade evangélica, o
processo de inserção de gêneros musicais brasileiros na música
evangélica ainda poderia ser estudado sob outros aspectos: há a
necessidade de mais estudos sobre a história da música pentecostal
brasileira, principalmente sobre o estilo musical dos “corinhos de fogo”,
que ocupa lugar significativo no ritual pentecostal e parece guardar
relação com a incorporação de elementos da cultura brasileira –
nordestina, sertaneja e afro, no meio evangélico. Pesquisas sobre as
influências musicais estrangeiras, principalmente a norte-americana,
seriam interessantes para a melhor compreensão da construção da
identidade musical evangélica brasileira, bem como para as
transformações do mercado gospel e o lugar da música brasileira nele
198

seriam temas interessantes e que foram também identificados ao longo


do percurso da pesquisa.
Como o campo evangélico brasileiro é dinâmico, novas pesquisas
sobre as novas igrejas, e possíveis novas “ondas”, são necessárias para
não cair no anacronismo ao analisar este setor do campo religioso
brasileiro.
199

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