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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO - UMESP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

CHEGOU A NOSSA HORA BRASIL! A INFLUÊNCIA


POLÍTICO/RELIGIOSA DO MOVIMENTO “THE SEND” NA
JUVENTUDE EVANGÉLICA BRASILEIRA

ELI COUTO FERREIRA

APOIO

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2022
ELI COUTO FERREIRA

CHEGOU A NOSSA HORA BRASIL! A INFLUÊNCIA


POLÍTICO/RELIGIOSA DO MOVIMENTO “THE SEND” NA
JUVENTUDE EVANGÉLICA BRASILEIRA

Dissertação de mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação da Universidade
Metodista de São Paulo, Diretoria de Pós-
Graduação e Pesquisa, para obtenção do grau
de mestre.
Área de Concentração: Religião, Sociedade e
Cultura
Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas
Socioculturais

Orientadora: Profa. Dra. Sandra Duarte de


Souza

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2022
FICHA CATALOGRÁFICA

F413c Ferreira, Eli Couto


Chegou a nossa hora Brasil! A influência político/religiosa do
movimento “The Send” na juventude evangélica brasileira / Eli Couto
Ferreira -- São Bernardo do Campo, 2022.
183 p.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Diretoria de Pós-


Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2022.
Bibliografia
Orientação de: Sandra Duarte de Souza.

1. The Send (Movimento) - Análise do discurso 2. Juventude -


Aspectos religiosos 3. Fundamentalismo 4. Política e religião I. Título

CDD 248.83
A dissertação de mestrado intitulada: CHEGOU A NOSSA HORA BRASIL! A
INFLUÊNCIA POLÍTICO/RELIGIOSA DO MOVIMENTO “THE SEND” NA
JUVENTUDE EVANGÉLICA BRASILEIRA, elaborada por ELI COUTO FERREIRA,
apresentada e aprovada em 17 de março de 2022, perante banca examinadora composta por
Prof. Dr. (Dario Paulo Barrera Rivera); Prof. Dra. (Karina Kosicki Bellotti); Prof. Dra. Sandra
Duarte de Souza (Orientadora Titular/UMESP).

_____________________________________________
Prof. Dra. Sandra Duarte de Souza
Orientadora e Presidenta da Banca Examinadora

_____________________________________________
Prof. Dr. Coord. Marcelo da Silva Carneiro

Programa: Ciências da Religião

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura

Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais


AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, o Pai de Jesus Cristo de Nazaré, pois em minha fé creio que me
possibilitou o privilégio que poucos possuem em um país tão miserável quanto o Brasil de
obter conhecimento e a possibilidade de discernimento do tempo em que vivo. Ao Deus a
quem presto culto, sou grato, pois ele colocou mestres e professores na minha caminhada.
Dedico um agradecimento especial a estes que me provocaram tanto em minha fé, quanto
academicamente.

Cito alguns nomes. Agradeço ao pastor Joabe Santos que se tornou um amigo nessa
dura e muitas vezes solitária caminhada que o conhecimento me proporciona. Agradeço ao
Professor Dr. Paulo Barrera, que acolheu com total entusiasmo a presente pesquisa e agradeço
à Professora Dra. Sandra Duarte de Souza que, em um momento de extrema vulnerabilidade,
me aceitou como seu orientando.

A caminhada do conhecimento é muito árdua para alguém que veio de onde eu vim,
uma vez que as pessoas que amo e convivo diariamente não entendem a importância e o
significado de um homem negro periférico que se torna mestre. É por esta razão que a
caminhada de conhecimento é infindável e solitária e, por isso, dedico estas linhas aos meus
mestres, ao PPG de Ciências da Religião da Universidade Metodista, que é um ambiente
resistente e imprescindível de conhecimento nestes dias sombrios em que vivemos.

Dedico um agradecimento final especial ao meu psicólogo, o Dr. João Marcos


Varella, que me ajuda a manter a sanidade mental em meio a tantos desafios e pressões que o
mundo ao meu redor coloca sobre mim. Faço desta dissertação um ato de resistência: “A casa
grande surta quando a senzala adquire conhecimento e se torna mestre”.

E por fim, agradeço a Capes pela bolsa de estudos que serviu de incentivo para que a
presente jornada fosse cumprida.
O que me preocupa não é o barulho dos maus, mas sim o siêncio dos bons.
Dr. Martin Luther King Jr
RESUMO

Esta dissertação propõe analisar o movimento denominado The Send, que busca influenciar a
juventude evangélica brasileira através de uma temática de despertamento missionário e
transformação social. O movimento nasceu nos EUA e milita na seara da religião, porém não
se limitando à mesma, convoca a juventude a “dominar” todos os espaços da sociedade civil.
O grupo de jovens evangélicos brasileiros que se vincula ao movimento possui um perfil
diversificado, o que reproduz a heterogeneidade que caracteriza este grupo no Brasil. Sendo
assim, propomos neste trabalho uma análise da influência político/religiosa que o movimento
The Send exerce sobre uma parcela da juventude evangélica brasileira que aqui identificamos
como fundamentalista. O problema a ser discutido refere-se ao uso político do discurso
religioso presente no movimento The Send, que busca mobilizar uma parcela da juventude
evangélica brasileira em torno de um projeto político fundamentalista neoliberal. Por meio de
pesquisa/ levantamento bibliográfico buscamos entender o movimento desde sua formação até
a construção do discurso presente nos eventos, assim como o desejo de seus componentes
exercerem influência política sobre jovens. Nosso trabalho indica que o modus operandi do
The Send é o mesmo presente em parcela significativa dos evangélicos brasileiros, que
consomem boa parte do contéudo “teológico” produzido pelos estadunidenses, a pesquisa
indica que o The Send é uma adaptação do fundamentalismo aos jovens.

Palavras-chave: The Send; Juventude Evangélica Brasileira; Fundamentalismo; Direita


Cristã.
ABSTRACT

This dissertation proposes to analyze the movement named The Send, which seeks to
influence Brazilian evangelical youth through a theme of missionary awakening and social
transformation. The movement was born in the USA and militates in the field of religion, but
not limited to it, they call on the youth to “dominate” all spaces on civil society. The group of
young Brazilian evangelicals linked to the movement has a diverse profile, which reproduces
the heterogeneity that characterizes this group. Therefore, we propose in this dissertation an
analysis of the political/religious influence that The Send movement have on a portion of
Brazilian evangelical youth that we identify here as fundamentalist. The problem to be
discussed refers to the political use of the religious discourse present in The Send movement,
which seeks to mobilize a portion of Brazilian evangelical youth around a neoliberal
fundamentalist political project. Through research/bibliographic research, we seek to
understand the movement from its formation to the construction of the discourse present in
the events, as well as the desire of its components to exert political influence over young
people. Our work indicates that the modus operandi of The Send is the same present in a
significant portion of Brazilian evangelicals, who consume much of the "theological" content
produced by the Americans, our research indicates that The Send is an adaptation of
fundamentalism to young people.

Keywords: The Send. Brazilian Evangelical Youth. Fundamentalism. Christian right.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Silas Malafaia durante a sua intervenção no The Send Brasil 2020. ...................... 13
Figura 2 – Apelo final realizado na intervenção de Malafaia no The Send Brasil. ................ 132
Figura 3 – Primeira composição de ministros ........................................................................ 138
Figura 4 – Todd White, com a bíblia na mão, após anunciar a conversão de Bolsonaro. ...... 145
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Crescimento da bancada evangélica ...................................................................... 52


LISTA DE SIGLAS

NAR – New Apostolic Reformation


INC – Independent Network Carismatic
GOP – Grand Old Party
FPE – Frente Parlamentar Evangélica
TD – Teologia do domínio
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1 CAPÍTULO 1 – AS ORIGENS DO FUNDAMENTALISMO E O
NASCIMENTO DA DIREITA CRISTÃ NOS EUA ........................................................... 25
Linha do tempo: o nascimento e a consolidação do movimento fundamentalista ................... 25
Movimento fundamentalista: Discurso, religião e política ....................................................... 35
A influência política da direita cristã dos EUA ........................................................................ 43
A influência do fundamentalismo estadunidense no Brasil...................................................... 48
Os fundamentalistas e os governos Trump e Bolsonaro .......................................................... 56
2 CAPÍTULO 2 – THE SEND: FUNDAMENTALISMO E TEOLOGIA DO
DOMÍNIO ............................................................................................................................... 66
The Send: O New Shape do Fundamentalismo evangélico ...................................................... 66
O movimento The Send ............................................................................................................ 69
De onde vem o The Send? ........................................................................................................ 73
A teologia do domínio como norteadora do movimento .......................................................... 84
Foco em transformação social .................................................................................................. 92
Os sete montes e a transformação da cultura ............................................................................ 94
3 CAPÍTULO 3 – A INFLUÊNCIA POLÍTICO-RELIGIOSA DO
MOVIMENTO THE SEND NA JUVENTUDE EVANGÉLICA BRASILEIRA .......... 100
A influência político-religiosa dos “colaboradores” do The Send .......................................... 100
Lou Engle ............................................................................................................................... 101
Andy Byrd .............................................................................................................................. 106
Todd White ............................................................................................................................. 108
Michael Koulianos .................................................................................................................. 111
Daniel Kolenda ....................................................................................................................... 113
Brian Brennt ........................................................................................................................... 115
Teo Hayashi e a candidatura Krigner ..................................................................................... 118
Silas, Damares e a conversão de Bolsonaro ........................................................................... 128
Os objetivos do movimento The Send .................................................................................... 146
Quem é o jovem que participa do The Send? ......................................................................... 148
Foco nos estudantes de ensino médio e ensino superior ........................................................ 156
A mobilização através das mídias sociais .............................................................................. 161
A principal ênfase em missões ............................................................................................... 173
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 177
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 180
13

INTRODUÇÃO

Figura 1 – Silas Malafaia durante a sua intervenção no The Send Brasil 2020.

A presente dissertação nasce como fruto da inquietação gerada pela observação


das estreitas relações entre religião e política no Brasil, ilustradas pela proximidade do
mandatário atual do poder executivo junto às lideranças evangélicas. Essa aproximação
ganha notoriedade midiática no processo eleitoral de 2018, que resultou na vitória de
Bolsonaro e revelou o amplo apoio evangélico que sua campanha recebeu.
O The Send nasce dentro deste contexto. Este movimento está umbilicalmente
ligado a esse momento histórico e às figuras que a extrema direita mundial elegeu como
seus representantes. Donald Trump e Jair Bolsonaro são personagens – oculto e ativo,
respectivamente – dentro da mobilização feita por líderes evangélicos de massa, tanto
americanos quanto brasileiros. No evento The Send, que aconteceu durante a pandemia
de Covid-19, em janeiro de 2021,Trump é indiretamente citado por Lou Engle em uma
profecia, através da qual o pregador anuncia que sonhou que aquele ano seria de
provações, e a saída injusta do presidente Trump era um desses sinais. Diretamente do
palco on-line do movimento The Send, Engle reforçou a narrativa de fraude nas
eleições, entoada por Trump naquele ínterim. Já Bolsonaro participa presencialmente do
evento realizado no Brasil, onde faz um discurso de alguns minutos.
14

É dentro desse contexto que o movimento nasce no ano de 2019 e tem o seu
auge no ano seguinte, em 2020, pouco antes da pandemia de Covid-19 ser decretada
pela Organização Mundial da Saúde. “Chegou a nossa hora Brasil” é a frase escolhida
no evento inaugural do movimento The Send pelo líder brasileiro Teo Hayashi, para
mobilizar o público presente no estádio. Essa frase se tornou o slogan do evento sobre o
qual iremos discorrer com maiores detalhes na presente dissertação. A frase implica em
dizer que é chegado o momento dos evangélicos brasileiros; é chegada a hora dos
evangélicos “dominarem” os espaços de poder; é chegada a hora dos evangélicos
ditarem os rumos da nação. Esses são os sentidos que a frase dita dentro do contexto do
The Send possui.
Os objetivos da presente pesquisa implicam analisar o movimento The Send
como um instrumento político religioso de uma direita evangélica que tenta engajar
politicamente uma camada populacional jovem e de classe média. Procuramos
demonstrar a existência de um projeto de domínio social e político promovido por
lideranças evangélicas umbilicalmente ligadas ao movimento fundamentalista
estadunidense, que mostra sua influência dentro do evangelicalismo brasileiro. Ao que
tudo indica, mobilizar jovens é fidelizar um grupo, inclusive eleitoralmente, que por
muitos anos defenderá uma cosmovisão impositiva e pouco questionadora. Esses são os
principais objetivos da presente pesquisa.
Diante da problemática enunciada acima, faz-se necessário introduzirmos o
leitor ao The Send. Sendo assim, separamos as próximas linhas desta introdução para
trazermos uma breve explicação sobre este movimento evangélico: o que é o The Send e
como se originou.

O que é o “movimento” The Send?

No site oficial, os organizadores do The send o identificam não como um


evento em si, mas como um movimento:

O THE SEND É SOBRE IR1


Não é sobre um evento, sim sobre um movimento. Uma onda poderosa e
imparável que vai varrer a terra, crendo que veremos a maior colheita de
almas da história nos próximos anos. Não porque somos capazes, mas porque

1 Disponível em: https://thesend.org.br/. Acesso em: 13 jul.2020


15

Ele nos chamou e nós dissemos SIM. O The Send não é um treinamento ou
ajuntamento que vai apenas acender uma chama no seu coração, mas que vai
te inspirar e realmente questionar: VOCÊ VAI?
Essa pergunta é a chave para o momento em que estamos vivendo. Como IR,
se nesse momento onde tudo aponta para PARAR?
Existe um momento que Deus nos chama para mais perto, em que Ele passa
as direções necessárias, e esse é o momento atual. Este é o momento perfeito
para ouvir Deus e decidir como você vai se preparar para o cumprimento do
seu chamado.
Um envio é uma decisão, um empurrão. Você tem boas razões para ir?
Razões que estão acima de uma crise global e debaixo de um tempo de
secreto?
Nós queremos saber: VOCÊ VAI?

O movimento possui alguns enfoques e, dentre eles, destacamos os principais:


transformar universidades, escolas e nações, a realidade de crianças órfãs e em situação
de vulnerabilidade. No Brasil, as 12 horas de programação do evento nos três estádios
foram pautadas nos enfoques destacados acima, conforme o tópico “Ações”, do site do
The Send:

Os outcomes são o plano de ação principal do The Send. O pós-evento é a


chave. Não pode parar nos estádios! Estamos crendo e nos preparando para
fazer o maior envio missionário da história: milhares de cristãos incendiados
pelo amor de Deus, comprometidos a transformar universidades, escolas,
nações e a realidade de crianças órfãs e em vulnerabilidade no nosso país. 2

No aplicativo oficial do movimento, que foi usado durante o evento nos


estádios (Allianz Parque, Morumbi (SP) e Mané Garrincha (Brasília) e que está aberto
para download nas principais plataformas, temos os seguintes tópicos destacados:
Universidades, Escolas, Nações, Salvação, Jejum de Jesus, Imersão Bíblica. Cada
tópico tem um significado. Universidades e Escolas tem o objetivo de direcionar os
jovens que participam do movimento, aos grupos religiosos que se reúnem nestes
espaços, com o objetivo de ser um grupo de apoio ao jovem evangélico que ingressa
nestes ambientes de ensino, que segundo o ideário fundamentalista, é um campo
missionário pois é um espaço de suposta crítica a religião. O tópico nações diz respeito
a possibilidade que os jovens têm de se conectar a um movimento paraeclesiastico que
proporciona a estes jovens, experiências missionárias nos mais diversos países. O tópico
salvação diz respeito ao jovem que ainda não é evangélico, ali ele encontra toda a
sistematização que lhe pode trazer a “salvação em Jesus”. O tópico jejum de Jesus
contém um plano de 40 dias de jejum, enbasado texto bíblico de Mateus 4:1-11 que

2 Disponível em: https://thesend.org.br/. Acesso em: 13 jul.2020


16

narra a tentação sofrida por Jesus após realizar um jejum de 40 dias. E por fim o tópico
imersão bíblica possui um plano de leitura do texto bíblico no período de um ano.
A concepção do movimento se deu no ano de 2016, no estádio Los Angeles
Memorial Coliseum, durante o encontro Azusa Now. Este evento ficou marcado pela
presença de 70 mil jovens que levantaram seus sapatos aos céus dizendo que estavam
dispostos a irem como missionários para qualquer lugar. Contudo, o primeiro evento do
The Send aconteceu em Orlando, no Estado da Flórida, em 2019, onde milhares de
jovens lotaram o Camping World Stadium. A principal liderança do The Send é o
estadunidense Lou Engle há cerca de 18 anos, liderava o The call, um movimento
bastante similar.
O The Send é uma junção de forças de Engle com outros movimentos
representados nas figuras de seus líderes. São eles: Teo Hayashi (Dunamis), Andy Byrd
(Lou Engle Ministries), Todd White (Life Style Christianity), Daniel Kolenda (CFAN),
Michael Koulianos (Jesus Image) e Brian Brennt (CR – Circuit Riders). Após o start em
Orlando, FL, o destino foi o Brasil que, para fins delimitadores, é o evento que
focaremos nesta dissertação.
No evento de Orlando, em 20193, Teo Hayashi assume o microfone e grita
“Chegou a nossa hora Brasil”. Naquele momento, nasceu a ideia de realizar uma
mobilização da juventude evangélica brasileira. Em fevereiro de 2020, foi realizado o
The Send Brasil, que aconteceu simultaneamente em 3 estádios, além de ter transmissão
em tempo real via Facebook e Youtube. Os estádios que receberam milhares de jovens
evangélicos foram: Mané Garrincha, em Brasília, Morumbi e o Allianz Parque, em São
Paulo. A edição brasileira contou com a presença de diversas lideranças de massas
evangélicas brasileiras, nomes como Silas Malafaia, Apóstolo Rina, Ana Paula Valadão
e o grupo de louvor Diante do Trono, entre outros nomes de pregadores e cantores do
gospel brasileiros e estadunidenses, compartilhando no palco curtas mensagens de no
máximo 15 minutos, seguidas de louvor Worship.
O principal articulador do movimento no Brasil é Teo Hayashi 4, uma das
lideranças do movimento Dunamis que atua nas universidades do país, ligado a Zion
Church, uma igreja de classe média (média alta) que tem sua sede localizada na região
do Morumbi, na cidade de São Paulo.

3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mIOjxdQ7q_k. Acesso realizado em: 16 de


novembro de 2021.
4 Disponível em: http://dunamismovement.com/teo-hayashi/. Acesso realizado em: 16 de novembro de

2021.
17

É possível perceber que as pretensões do movimento foram afetadas com a


chegada da pandemia da COVID-19, visto que os eventos de lotação de estádios são,
talvez, o seu principal objetivo de mobilização, arrecadação de fundos e demonstração
de poder. A derrocada de Trump nos EUA, e a queda considerável da popularidade de
Jair Bolsonaro durante a pandemia também são fatores que nos ajudam a entender a
perda de adesão do movimento na juventude evangélica brasileira. Na aba de
contribuição do site thesend.org.br está destacado que:

Estamos vivendo a maior onda de envio da história do mundo. Estamos


apenas começando e queremos te convidar para fazer parte de tudo o que
Deus está fazendo. Estamos sonhando com muitos outros eventos como esse
acontecendo em diversas nações do mundo e para isso precisamos da sua
contribuição.
O The Send não pode parar em nós.
Ore para que o Espírito Santo lhe mostre um valor e faça sua doação pontual
ou se torne um parceiro do The Send, com alegria, sabendo que você está
contribuindo para a expansão do Reino de Deus na Terra.5

Podemos perceber que o otimismo característico do movimento é evidente,


porém ele se limita à esfera do sonho, visto que existe uma impossibilidade sanitária
mundial que não permite aglomerações de pessoas. Porém, é relevante destacarmos que
o The Send não se limita a isso, tanto que o movimento procura se adaptar à nova
realidade midiática das lives, por exemplo. No dia 25 de abril de 2020, já em meio as
proibições sanitárias, o The Send organizou uma live com os mesmos moldes: 12 horas
de live que foi transmitida pelos canais na internet do movimento Dunamis6. O vídeo
possui mais de três milhões de visualizações, um número extremamente elevado. Um
vídeo com mais de três milhões de visualizações é considerado pelo algoritmo do
Youtube como relevante, o que gera a indicação do conteúdo para diversas outras
contas, contribuindo para dar projeção ao vídeo na plataforma.7
Além do The Send Brasil Online mencionado acima, o movimento organizou
um segundo evento online devido a pandemia da Covid-19, nos EUA, o qual foi
transmitido pelo canal do The Send no Youtube8 e pelo canal do Dunamis Movement,

5 Disponível em: https://www.siclospag.com.br/s-thesendbrasilparceiro. Acesso realizado em: 11 de abril


de 2021.
6 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yYH4DrABjCw. Acesso realizado em: 11 de abril

de 2021.
7Disponível em: https://www.techtudo.com.br/listas/2020/02/como-funcionam-as-visualizacoes-do-

youtube-sete-perguntas-e-respostas.ghtml. Acesso realizado em: 11 de abril de 2021.


8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8yPcW-6ZqrU. Acesso realizado em: 11 de abril de

2021.
18

também pelo Youtube9. O evento contou com um número de visualizações muito menor
quando comparado aos ocorridos no Brasil, nos formatos presencial e online, no ano
anterior 2020.
O vídeo do segundo evento online realizado durante a pandemia em 2021
hospedado no canal do The Send possui pouco mais de 69 mil visualizações, já o vídeo
hospedado no canal Dunamis Movement possui cerca de 116 mil visualizações (mesmo
vídeo em canais distintos). Comparando o número de visualizações destes vídeos,
apenas com os números destacados do The Send Brasil Online, que ocorreu no ano de
2020, que atualmente tem mais de três milhões de visualizações, somando os dois
vídeos dos canais The Send e Dunamis, no Youtube, não chegam a ter nem a metade das
visualizações do evento realizado online no ano de 2020.
Isso vem exemplificar que o movimento perdeu força de um ano para o outro.
Porém, os canais do The Send no Instagram10, Facebook11 e Youtube12 seguem
alimentados com conteúdos, com “tbt’s”13 dos eventos já realizados, com curtas
mensagens dos organizadores e, no caso específico do Youtube, com vídeos de bandas
de louvor worship. O movimento planeja realizar um próximo evento presencial na
Noruega, no dia 21 de junho de 202214.
Respondendo, então, a pergunta que intitula o presente tópico, podemos
afirmar que o The Send é um movimento cristão evangélico carismático com um
enfoque missionário, originado nos EUA, e que chega ao Brasil no ano de 2020 com o
objetivo de mobilizar os jovens brasileiros para o que eles (colaboradores do The Send)
chamam de “maior avivamento da história”.
Ainda em nossa tarefa de qualificação do movimento em questão, é relevante
destacarmos as origens dele.

9 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dPT-iMlZDXM&t=7337s. Acesso realizado em: 11


de abril de 2021.
10 Disponível em: https://www.instagram.com/thesend/. Acesso realizado em: 11 de abril de 2021.
11 Disponível em: https://www.facebook.com/thesend. Acesso realizado em: 11 de abril de 2021.
12 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCJwq7XiwTq5VLmAtIsX2IYw/videos. Acesso

realizado em: 11 de abril de 2021.


13 Disponível em: https://maisclicks.com/blog/o-que-significa-tbt-nas-redes-sociais/. Acesso realizado em:

11 de abril de 2021.
14 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CM5wSHGlhOT/. Acesso realizado em: 11 de abril de

2021.
19

Como se originou o movimento?

O movimento nasceu em terras estadunidenses conforme destacamos acima,


com o objetivo de alcançar a nação dos EUA. Teo Hayashi, o principal colaborador
brasileiro, ao ser questionado em entrevista ao site pleno.news “o que significa o the
send para você? ”, responde: “É uma mobilização global que começou nos Estados
Unidos e encoraja o jovem a viver de uma maneira missional, cumprindo a Grande
Comissão e o IDE do Evangelho. Inicialmente, a visão era só para os Estados Unidos,
mas ao longo do processo entendemos que era para as nações. O Brasil é o segundo país
a receber esse movimento e, na sequência, irá para a Argentina”.15
O movimento The Send nasce dessa junção de esforços dos mais diversos
ministérios de mobilização de jovens evangélicos dentro dos EUA, e chega ao Brasil
graças ao articulador Teo Hayashi. É relevante destacarmos o material oficial do
movimento The Send, pois conta a história do ponto de vista deles, para que assim
entendamos melhor suas origens.
Neste material, temos um vídeo que apresenta quatro colaboradores (Lou
Engle, Daniel Kolenda, Michael Koulianos e Andy Byrd), sendo que a maior fala é de
Lou Engle, o líder carismático com a maior experiência dentre os quatro.

Figura 2 – Vídeo com os 4 principais colaboradores (Lou Engle destacado acima).

O vídeo indicado tem cerca de três minutos e quinze16 e foi preparado para o
primeiro evento do movimento The Send, que aconteceu no dia 23/02/2019 no Camping

15 Disponível em: https://pleno.news/fe/missoes/teo-hayashi-o-the-send-nao-e-entretenimento-


gospel.html. Acesso realizado em: 15 de abril de 2021.
16 Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=1983046471707010. Acesso realizado em: 18 de

abril de 2021.
20

World Stadium, em Orlando, FL. As falas abaixo correspondem à transcrição da legenda


do vídeo original em inglês, postado na página oficial no Facebook do Dunamis
Movement. Elas partem de Lou Engle:

Em 2011, uma grande mudança revelatória ocorreu. Em minha sala de estar,


entraram estes homens selvagens da Jocum. Eles começaram a profetizar: Está
vindo uma mudança no The Call. E não será apenas jejum e oração, mas
também a proclamação do Evangelho. Sinais e maravilhas e estádios serão
lotados e o manto de Billy Graham virá sobre a nação. Então eles disseram:
The Call levará ao The Send. E eu percebi. Talvez o The Call seja um
precursor para um novo Jesus Movement que virá. Fiquei em choque e eu
sabia que isso tinha um período de tempo. Olhe para o lugar e o para o tempo
onde Billy Graham morreria. Naquele momento, uma mudança enorme virá e
não será apenas João Batista mas será Jesus, o Evangelista, que lotará estádios.
Daquele momento em diante, um sonho explodiu em meu espírito. Se eu visse
estádios cheios de jovens jejuando e orando, porque eu não acreditaria que eu
veria estádios lotados com evangelismo em massa, sinais e maravilhas e
milagres e centenas de milhares de pessoas salvas. Se eu vi o primeiro
cumprimento, porque eu não acreditaria no segundo cumprimento? 17

A fala de Engle exemplifica bem como o movimento The Send se origina


através dessa experiência mística em que os organizadores decidem transformar o The
Call, de Engle, o qual juntou jovens estadunidenses em estádios por mais de 20 anos
para jejuarem e orarem pela nação, no The Send que possui um enfoque evangelistico,
também usando a dinâmica de ajuntamento em estádios, o modus operandi acaba sendo
o mesmo usado por Billy Graham nas “cruzadas evangelísticas”. Ainda em nossa
análise do vídeo em questão, destacamos as palavras de Daniel Kolenda, que afirma o
seguinte:

Nós vemos estes momentos na história onde o poder de Deus está presente
para fazer algo extraordinário. Há uma oportunidade. Há uma porta aberta. E
o que acontece é que se aquela geração entrar pela porta aberta, pela fé e
entrar em ação, eles poderão literalmente ver a história mudar.18

O vídeo segue com as palavras de Andy Byrd, um jovem missionário da


JOCUM19, que arremata dizendo: “Estamos convocando 60 mil cristãos para se juntarem
da nação e das nações do mundo e crerem que o The Send será um ajuntamento

17 Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=1983046471707010. Acesso realizado em: 18 de


abril de 2021.
18 Idem
19 Organização paraeclesiástica de origem estadunidense que capacita e envia jovens missionários para

diversos países do mundo.


21

catalítico para uma nova era de missões globais e Evangelismo ao redor da América”.20
O vídeo é finalizado com as palavras finais de Lou Engle, que afirma: “Nós cremos que
neste dia algo será transferido e nos levará no que eu acredito ser uma transição mundial
no maior Jesus Movement que já vimos”.21
O vídeo analisado é uma produção hollywoodiana, uma bela peça de marketing
feita objetivamente para mobilizar os jovens. No caso do primeiro evento, o objetivo era
mobilizar os jovens dos EUA, mas já em 2019 o vídeo foi publicado nas principais
páginas do movimento Dunamis, entre elas, aos brasileiros, por exemplo. Sendo assim,
é possível concluirmos que o movimento se origina com esse suposto clamor por um
“avivamento catalítico”, rememorando os avivamentos históricos acontecidos na
história dos protestantes evangélicos.
O que mais chama a atenção no movimento é a presença de políticos. No
Brasil, isso ficou fortemente evidenciado com autoridades estatais, destaque para
Damares Alves (Ministra da Mulher Família e Direitos Humanos) e Jair Bolsonaro
(Presidente da República Federativa do Brasil). Já no The Send online do ano de 202122,
Engle, que profetizou a vitória de Trump, fez o mesmo ao profetizar tempos difíceis
para a igreja diante da derrota do republicano e a vitória de Biden. O destacado vídeo
exemplifica bem como o movimento se origina, e será a ele que dedicaremos este
trabalho bibliográfico documental.

Técnicas aplicadas na pesquisa e hipóteses levantadas

A presente pesquisa possui um caráter bibliográfico documental, e foi produzida


com base nas fontes documentais geradas pelo próprio movimento The Send. A nossa
análise levanta a hipótese de que o movimento em questão possui uma matriz
fundamentalista. Baseamos nosso estudo sobre o fundamentalismo na produção teórica
de Marsden (2006), que nos traz um apanhado histórico bastante relevante sobre a
capilaridade do movimento fundamentalista dentro da cultura estadunidense. Também
levantamos a hipótese do movimento The Send ser uma tentativa de doutrinação
fundamentalista da juventude evangélica. Além destas, outra hipótese levantada na

20 Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=1983046471707010. Acesso realizado em: 18 de


abril de 2021.
21 Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=1983046471707010. Acesso realizado em: 18 de

abril de 2021.
22 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dPT-iMlZDXM&t=7383s. Acesso realizado em: 5

de dezembro 2021.
22

presente pesquisa é a de que o movimento The Send fere a laicidade do estado


brasileiro. Acerca desta questão, as análises de Burity (2016) nos trazem uma
contribuição significativa. Ademais, apresentamos um debate sobre a teoria dos
movimentos sociais (GOHN, 2011), sobre a AD (ORLANDI, 2001) e jovens na política
(BONINI, MEZZOMO E PÁTARO, 2016), que são temáticas que nos ajudaram a
construir o nosso marco teórico.
Em relação a metodologia de pesquisa, cabe indicar que fizemos um estudo
comparativo das fontes disponíveis na internet e da bibliografia consolidada sobre
fundamentalismo, movimentos sociais, conservadorismo e juventude. Com isso,
propusemos um trabalho que analisa as relações entre política e religião, com enfoque
nos movimentos ligados ao conservadorismo político. Não realizamos pesquisa de
campo devido às condições sanitárias, o que lamentamos fortemente. Sendo assim,
realizamos nossa pesquisa a partir das fontes disponíveis na internet, o que
consideramos ser um procedimento metodológico adequado, não ideal para a dimensão
do objeto em relevo, mas extremamente pertinente, considerando o fato de que ganhar o
espaço das mídias sociais é uma estratégia de sucesso das direitas, em especial da direita
evangélica. Inclusive, apreciando este procedimento metodológico e o conteúdo
analisado, dedicamos espaço nesta dissertação para discutir a importância das mídias e
das redes sociais como espaços de movimentação política, com motivação religiosa.
Sendo assim, além da produção acadêmica consolidada, a internet foi a nossa principal
fonte de dados.

Divisão de capítulos

No presente trabalho, vamos destacar as raízes fundamentalistas do movimento


The Send que procura mobilizar jovens para um posicionamento essencialmente
político. Procuraremos com a presente pesquisa compreender o uso político do discurso
religioso deste movimento, que é evangélico, de natureza fundamentalista e alinhado ao
espectro da direita política.
No primeiro capítulo, decidimos realizar um levantamento sobre as origens, as
bases e a consolidação do movimento fundamentalista, primeiramente nos EUA.
Destacaremos o quanto o fundamentalismo influenciou o protestantismo de missão
23

estadunidense, principalmente nas expansões missionárias que empreendeu para os mais


diversos países. Entretanto, daremos atenção especial para esse processo no contexto
brasileiro. Já no segundo capítulo, pretendemos abordar o tema da teologia do domínio,
que norteia o movimento The Send. Procuraremos demonstrar que a cosmovisão
teológica presente neste movimento possui influência fundamentalista e pretende
moldar todos os aspectos da sociedade através do ideário impositivo característico dos
fundamentalismos. Por fim, no terceiro e último capítulo faremos a ligação entre o
movimento The Send e a teologia do domínio, destacando o quanto a TD serve de
suporte ideológico para o movimento, que busca formar quadros para a promoção da
ocupação de cargos de liderança na sociedade, com destaque para a política, que nossa
pesquisa indica ser a principal esfera de domínio dos componentes do The Send.
Como as classes dominantes “dialogam” com a extensa maioria das classes
populares? De que maneira uma minoria de privilegiados se mantém no poder? Como o
reacionarismo político/religioso dá cartas nas instituições de uma república?
Essas são algumas perguntas que nos inquietam ao observar o fenômeno
religioso na atualidade, e como o olhar do pesquisador de Ciências da Religião precisa
ser atento aos movimentos que ocorrem dentro dela, propomos no presente trabalho
analisar o autointulado The Send, um movimento religioso cristão evangélico que
nasceu no ano de 2019, no Estado da Flórida, nos EUA. Observadores evangélicos
atentos, como o Pastor Hermes C. Fernandes23, chegam a dizer que o evento do
movimento The Send, realizado no Brasil, é o marco de uma “nova onda” de
evangelistas estadunidenses no Brasil, pautados em fundamentalismos religiosos.
Com frases de efeito do tipo: “Estamos entrando na maior colheita da história
da humanidade e essa colheita tocará cada nação da terra”; “Agora é a hora da colheita,
essa é a temporada do avivamento. E toda nação da terra será tocada”; “Cada crente da
terra faça da grande comissão a grande missão das suas vidas, para que o mundo todo
fale da grande comissão e para que cada nação obedeça a grande comissão como nunca
antes”; “O dia de hoje marcou uma mudança onde o Brasil se ergueu para um lugar de
liderança diante do mundo todo, como uma grande nação de comissionados”; “Deus
tem escolhido pessoas para serem colocadas em lugares de liderança nas nações”; e o
principal, “Chegou a nossa hora Brasil”, que sem sombra de dúvidas foi a frase mais
repetida durante todo o evento. Eles embalam as 12 horas do evento realizado no

23 Disponível em: http://hermesfernandes.blogspot.com/. Acesso realizado em 15 de novembro de 2021.


24

Morumbi, no dia 12 de fevereiro de 2020, antes da pandemia de Covid-19 com curtas


falas, de no máximo 15 minutos, seguidas de músicas no estilo Worship24 e declarando
que Jesus é o Senhor das nações.
Todo esse evento midiático foi marcado por uma forte presença nas mídias sociais com
transmissão simultânea via Youtube e Facebook, assim como é possível perceber um
alto investimento em ferramentas tecnológicas, como o desenvolvimento de um
aplicativo que é citado durante o evento realizado no Brasil como forma de conexão dos
jovens com a comunidade que lidera o movimento. Sem contar que o evento nos
estádios (Mané Garrincha (DF), Allianz Parque e Morumbi (SP)), como eles próprios
enfatizam, é apenas um marco. O movimento quer ir muito além dos eventos
produzidos nos estádios, o que justifica a forte presença nas novas mídias sociais e na
Internet como um todo. Para que o leitor entenda o movimento e seus objetivos, como
tentaremos exemplificar na presente dissertação, é necessário primeiramente que o leitor
entenda o que é o movimento The Send.

24
Disponível em: https://www.maisqueadoradores.com/page/2017/10/09/o-que-e-worship-ou-estilo-
musical-worship/. Acesso realizado em: 11 de abril de 2021.
25

1 CAPÍTULO 1 – AS ORIGENS DO FUNDAMENTALISMO E O


NASCIMENTO DA DIREITA CRISTÃ NOS EUA

Linha do tempo: o nascimento e a consolidação do movimento fundamentalista

O termo que nomeia o movimento fundamentalista é concebido através da


publicação da obra The Fundamentals, entre os anos 1910 e 1915. Apesar de outros
gatilhos que formaram o movimento fundamentalista organizado que desemboca na
direita cristã, hoje ligada ao partido republicano, o grande marco foi esta obra. Marsden
(2006) salienta que:

The Fundamentals was conceived by a Southern California oil millionaire


and edited by Bible teachers and evangelists. Published in twelve paperback
volumes from 1910 to 1915, it was meant to be a great "Testimony to the
Truth" and even something of a scholarly tour deforce. Lyman Stewart, the
chief promoter and financial backer, described the prospective authors as "the
best and most loyal Bible teachers in the world." He had a businessman's
confidence that the product would "doubtless be the masterpieces of the
writers.”Stewart hired as his first editor A. C. Dixon, a well-known
evangelist and author, then pastor of Moody Church in Chicago. He had
greatly impressed Stewart with a sermon attacking "one of those infidel
professors in Chicago." (MARSDEN, p.118, 2006)

Ainda nos primórdios do século XX, podemos perceber que o que viria a ser
nomeado de movimento fundamentalista ainda recebia forte influência de intelectuais e
patrocínio financeiro de milionários do norte dos EUA. Com o passar dos anos, essa
estrutura é mudada radicalmente, fazendo com que o movimento fundamentalista se
tornasse quase que essencialmente um fenômeno do Sul, à posteriori, bastante marginal
à cultura americana.
O movimento fundamentalista, após as publicações pela American Bible
League da série de doze volumes que foi denominada “The Fundamentals: A Testimony
to the Truth”, era até 1902, ligado ao movimento conservador, junto com a fundação da
Liga. Depois de 1915, quando as publicações dos doze volumes cessam, é que o
movimento passa a ser conhecido como fundamentalista. O conteúdo da obra era
composto por pontos fundamentais da fé cristã que precisavam ser mantidos diante das
ameaças do modernismo25, são eles: a inspiração verbal da escritura e sua inerrância;

25
Termo usado para designar a teologia liberal, questões de costumes e moral que fogem do modelo de
sociedade patriarcal, heterossexual, tradicional.
26

verdades doutrinárias como a concepção virginal, a expiação vicária de Jesus Cristo, sua
ressurreição (e consequentemente a dos fiéis), além de sua volta gloriosa para o
julgamento (LIMA, 2009, p. 4).
As publicações foram essenciais para a organização de um movimento que
seria amplo e de grande capilaridade. Apesar deste importante marco no início do século
XX, os fundamentalistas, mesmo organizados, procuraram se isolar em um terreno que
lhes fora conhecido: o da moralidade. Porém, ainda não estavam preocupados com a
moralidade pública, o que no futuro viria a ser a principal forma de atuação do grupo.
Os evangélicos/fundamentalistas/brancos ingressam na política dos EUA já na
década de 1970. Eles haviam ficado cerca de 40 anos em isolamento político, devido a
uma crise de influência destes grupos nos anos 1920 e 1930 em decorrência da perda em
algumas batalhas jurídicas. Os casos que os estudiosos costumam citar como os mais
emblemáticos são: Scopes, em 1925 e a Revogação da Lei Seca, em 193326. Tais
derrotas, segundo Souza (2018), fizeram com que estes grupos entendessem que “a
política representava uma arena degenerada e, consequentemente, que o papel de um
homem religioso era evitar a participação política e optar pelo isolamento em sua
comunidade” (SOUZA, 2018, p.18). Somando-se a essas derrotas temos um processo
grande de urbanização do território estadunidense que contribuirá para a consequente
decisão de isolamentos dos grupos fundamentalistas até então.
É importante destacarmos que no contexto estadunidense, o termo
fundamentalista não possui a conotação pejorativa que empregamos em nossa cultura (a
depender da perspectiva do uso do termo). Pelo contrário, as pessoas que aderem ao
movimento em muito se orgulham dele, destacando que ser fundamentalista é uma
espécie de retorno ao que eles entendem ser os “fundamentos da fé cristã”, presentes na
escritura sagrada. Apesar deste entendimento, ser fundamentalista, mesmo no contexto
estadunidense, é sim sinônimo de radicalismo. Reforçando os anos de isolamento
político do movimento, Marsden (2006) reforça nossa argumentação. Em suas palavras:

Between 1920 and 1925 fundamentalism took shape as a movement distinct


from its antecedents and representing more than just the sum of the
submovements that supported it. It flourished on two fronts. In the major

26O caso Scopes, em 1925, ficou marcado por um jovem professor de biologia no Tennessee chamado
John Scopes, que desafiou a lei antievolucionista do Estado, ensinando a teoria da evolução (darwinismo)
em uma escola pública. O jovem foi processado e condenado, porém a decisão foi posteriormente
revertida por questões técnicas. Contudo, o caso contribuiu para o afastamento fundamentalista do campo
político por alguns anos.
27

denominations fundamentalists battled against those who denied, or would


tolerate denials of, the fundamentals of the traditional faith. In American
culture as a whole they fought to stop the teaching of evolution in the public
schools. By the early summer of 1925 fundamentalists appeared to be on the
verge of winning major victories that would legislate reversals of long
developing trends away from evangelical orthodoxy in both churches and
culture. Yet as the movement came closer to effecting such a revolution, the
main body of its adherents hesitated to follow those radicals who would
tolerate no compromise. During the following year the mood of the country
swung sharply away from the uncompromising radicals, and their movement
was left in a shambles. From 1920 to 1925 fundamentalism was a broad and
nationally influential coalition of conservatives, but after 1925 it was
composed of less flexible and more isolated minorities often retreating into
separatism, where they could regroup their considerable forces (MARSDEN,
2006, p. 164).

Como o autor destaca, entre 1920 e 1925 o fundamentalismo foi uma coalizão
ampla e nacionalmente influente de conservadores, mas depois de 1925 foi composta
por minorias menos flexíveis e mais isoladas, frequentemente recuando para o
separatismo, se isolando em suas comunidades. Todavia, é importante destacarmos que
mesmo após todo o tempo de enclausuramento, o movimento se consolida mesmo com
a decisão de se isolar da sociedade estadunidense.
Os fundamentalistas antes e depois de 1925 foram vistos como vozes
anticientíficas, em certa medida até mesmo reacionárias, tanto que a principal pauta que
leva o grupo a se isolar no pós 1925, é o ensino da teoria da evolução nas escolas
públicas. É neste contexto que escolas segregadas, exclusivas para brancos, crescem no
contexto estadunidense. Nas palavras de Marsden (2006), o movimento desde sempre
foi visto com desconfiança pela população. Em suas palavras, destacamos:

The new conservative coalition against liberalism was part of this


establishment. It belonged to the mainstream and, as The Fundamentals
project shows, aspired to bring about a consensus of religious thought in
America. At the same time it was becoming more and more a voice of
dissent, sometimes sounding a sectarian or anti-intellectual note
(MARSDEN, 2006, p. 124).

O “The Fundamentals”, como o autor também destaca acima, procurou criar


um consenso no pensamento religioso na América. Na prática, essa uniformidade de
pensamento não se consolidou com o decorrer dos anos, apesar de ter conseguido o seu
espaço no protestantismo estadunidense. Até a Primeira Guerra Mundial, ainda por
várias razões, os fundamentalistas tinham resistência a um envolvimento político
profundo. Logo após a Primeira Guerra Mundial isso mudou consideravelmente. O
próprio Marsden (2006), nos ajuda a entender o porquê dessa virada.
28

Two factors help to explain this remarkable shift from moderation to


militancy. One is that more aggressive and radical forms of theological
liberalism had developed. Fundamentalists themselves occasionally
explained the phenomenon thus, and their claim had some basis. Clearly,
however, fundamentalism was more than a reaction to theological change.
After 1920 fundamentalism became conspicuously associated with a major
component of social and political alarm—most evident in the effort to save
American civilization from the dangers of evolutionism. This perception of
cultural crisis, in turn, appears to have created a greater sense of theological
urgency. Thus, fundamentalist theological militancy appears intimately
related to a second factor, the American social experience connected with
World War I. (MARSDEN, p.141, 2006)

Diante disso, mesmo com o alarde sobre a crise cultural após 1925, mais
precisamente, o movimento que ensaiava ir para fora, se volta para dentro e permanece
assim por um longo tempo. Apesar de uma decisão quase que unitária dos principais
líderes fundamentalistas de passarem a se preocupar com suas questões internas, se
tornando comparativamente algo muito perto de comunidades Amishes, típicas de parte
da cultura da América do Norte,27 o movimento conhecido como fundamentalista não
passa a ter uma visão uniforme de mundo.
No pós Primeira Guerra Mundial, o que vemos na prática é uma reorganização
e fundação de novos grupos dentro do movimento, onde podemos ver um grupo mais
radical e outro mais moderado. Lima (2009) reforça que, apesar dos grupos serem
herdeiros do mesmo movimento, se posicionam perante a sociedade de forma
radicalmente distinta. Um dos grupos, de fato, se posicionava contra o intelectualismo;
um segundo grupo buscou o diálogo com as ciências, ao menos uma parte das ciências.
Em suas palavras:

As posições fundamentalistas apareceram aos observadores sempre mais


como anti-intelectualistas, avessas à ciência e à cultura. No entanto, no final
da década de trinta, os principais grupos fundamentalistas distinguiam-se dos
radicais por se alinharem, em parte, com a investigação acadêmica e as
tendências científicas e culturais, diferindo assim dos separatistas. Formaram
então o movimento “neo-evangelical”, que criou um centro de estudos na
Califórnia (Pasadena), o Fuller Theological Seminary. Em 1942, formou-se
no âmbito deste tipo de fundamentalismo uma organização ecumênica, a
National Association of Evangelicals. Líder deste grupo moderado foi Billy
Graham, que se destacou por sua pregação e pela utilização dos meios de
comunicação de massa (LIMA, 2009, p. 337).

27Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,AA1295123-5602,00-


AMISH+VIVEM+EM+COMUNIDADES+NOS+ESTADOS+UNIDOS+E+CANADA.html#:~:text=Os
%20amish%20s%C3%A3o%20um%20grupo,eletr%C3%B4nicos%2C%20inclusive%20telefones%20e%
20autom%C3%B3veis. Acesso realizado em: 1 de setembro de 2021.
29

Ainda após a Primeira Guerra Mundial, a retórica fundamentalista se


intensifica, o tema da crise cultural ganha suas primeiras articulações em sua postura
perante a sociedade. Pautas como anticomunismo e patriotismo foram atrelados a
cosmovisão fundamentalista. William B. Riley é um dos principais líderes do
movimento no pós-guerra que ajudou na formação deste ideário. Nas palavras de
Marsden, destacamos:

World War I saw the rise of William B. Riley to leadership in the


fundamentalist movement—a fact doubtless related to his ability to articulate
the urgency of the cultural crisis. In 1919 he was the chief organizer of the
World's Christian Fundamentals Association, the principal organization of
the premillennial wing of the fundamentalist movement. Unlike any of the
premillennialist organizations immediately preceding it, this new
fundamentalist body expressed strong concern for the condition of American
society. As in conservative-evangelical anti-German war-time rhetoric,
evolution and modernism were tied together and seen as a cultural as well as
a specifically religious threat. Out of these concerns, to which anti-
communism was soon added, fundamentalist super-patriotism began to grow.
Thus a movement that had characteristically claimed that loyalty was not
owed to kings and nations, and had been sufficiently apolitical in 1917 to be
suspected of disloyalty, became sufficiently patriotic to make the defense of
Christian civilization in America one of its major goals (MARSDEN, 2006,
p. 152).

Esse entendimento passa a ser majoritário dentro do movimento religioso, tanto


pela ala mais inclusiva como pela ala radical. Parte significativa da sociedade americana
passa a criticar o movimento afirmando que este se torna essencialmente anti-
intelectualista; críticas afirmando que se os fundamentalistas ocupassem lugar na
sociedade os avanços que a sociedade havia conseguido até então ficariam para trás,
como um grande retrocesso à idade das pedras28.

28 The furious activities of fundamentalists themselves, especially in the two years following 1925, as they
scrambled to raise the banner dropped by the fallen Bryan, lent credibility to such assertions.
Fundamentalists across the country had been organizing vociferous anti-evolution lobbies under the
leadership of such organizations as the World's Christian Fundamentals Association and the related Anti-
evolution League. George F. Washburn, a friend of Bryan's, although not previously an active
fundamentalist, proclaimed himself "the successor of William Jennings Bryan.” He founded the Bible
Crusaders of America, inducing a number of fundamentalist leaders to join the fight "Back to Christ, the
Bible, and the Constitution." Other friends of Bryan undertook massive money-raising drives, with the
intention of creating a William Jennings Bryan University. Meanwhile, in California, evangelist Paul W.
Rood reported a vision from God calling him to be Bryan's successor, which led to the formation of the
Bryan Bible League. Next, Gerald Winrod of Kansas founded the Defenders of the Christian Faith,
another organization using the methods of sensationalism to fight evolution and modernism. Winrod sent
a squadron of "flying fundamentalists" through the Midwest and elsewhere to promote the anti-evolution
cause. Edgar Young Clarke, a former national organizer for the Ku Klux Klan, attempted to cash in on
this trend with the foundation of the Supreme Kingdom, which was structured like the Klan but had
fundamentalist anti-modernist and anti-evolutionary goals (MARSDEN, 2006, p. 189).
30

O discurso alarmista tomou conta desse novo movimento fundamentalista. Eles


entendiam que uma grande onda de crimes, profanação dominical, aumento alarmante
de divórcios e uma queda significativa nos padrões morais e ideais estava em curso nos
EUA.
Esse tipo de literatura passa a ser impressa e distribuída ao redor do país. Os
oponentes do fundamentalismo dificilmente precisaram recorrer à caricatura.
Escândalos causados por lideranças fundamentalistas fizeram com que o movimento
caísse em total descrédito. Os desenvolvimentos bizarros nas atividades
fundamentalistas significaram que, depois de 1925, tornava-se cada vez mais difícil
levar o fundamentalismo a sério.
Antes de 1925, o movimento tinha obtido aderência nas igrejas, mas após o
verão de 1925, o movimento já tinha se tornado caricato e muitos conservadores
protestantes moderados, silenciosamente, abandonaram o apoio à causa. De 1922 a
1925, os fundamentalistas estiveram perto de ganhar o controle dos grupos
Presbiterianos do Norte e Batistas do Norte. Repentinamente, em 1926 eram minorias
muito enfraquecidas. Com uma nova identidade sulista, o pensamento fundamentalista
passa a influenciar todos os aspectos da vida de seus adeptos.
É evidente que o movimento ganhara notoriedade e suas alas, tanto a mais
radical como a mais moderada, possuem características que marcariam o estilo de vida
de milhares de brancos sulistas com o passar dos anos. Ainda no pós Primeira Guerra, já
se tinha uma desconfiança de que o fundamentalismo era controlado por negócios
conservadores e interesses políticos, isso se materializou anos depois com a
consolidação da direita cristã, braço político do movimento fundamentalista, que
almejava arquitetar os EUA com características cristãs muito peculiares a cultura sulista
do país. Mesmo com poderio econômico, organização de bases e militância, o
movimento não consegue se livrar por completo da imagem de anticientífico,
antimoderno, que se consolida na contramão dos avanços da sociedade moderna.
Esse grupo que se reorganiza após a Primeira Guerra Mundial e ganha
notoriedade na sociedade estadunidense não consegue unidade suficiente para se
consolidar como um movimento relevante. Os dois grupos que crescem dentro do
movimento neste período histórico tentam se unir, porém sem sucesso. Lima afirma
que:
31

Ainda em 1942 houve uma tentativa de união dos dois grupos, mas que não
deu resultado. A ruptura final se deu em 1957, quando os neo-evangelicais
foram considerados traidores pelo grupo extremado. Os radicais ficaram
sempre mais à margem, mas continuaram a desenvolver-se a partir de alguns
de seus líderes. Fundaram centros de estudo com esta orientação, dentre os
quais destacam-se: a Bob Jones University, fundada em 1927 na Flórida e
que, após um período funcionando no Tennessee, estabeleceu-se na Carolina
do Sul (1947); a Liberty University (Virgínia), fundada em 1971; a Regent
University, fundada em 1978. O grupo radical difundiu-se também através de
programas televisivos, chegando a dominar o cenário nos anos setenta
(LIMA, 2009, p. 337).

O que vemos é que de 1950 até meados de 1970 dois grupos formam os “novos
evangélicos” (eventualmente apenas evangélicos). A maioria deles têm uma herança
fundamentalista que forma o núcleo de uma ampla coalizão que atrai conservadores
teológicos, desde pentecostais a menonitas, enfatizando o evangelismo positivo,
exemplificado pela figura de Billy Graham. O segundo grupo mais extremado que ficou
denominado de “fundamentalista”, pois o termo é usado para exemplificar eclesiásticos
separatistas que quebram a comunhão com Graham. Quase todos são dispensacionistas
pré-milenistas29, assim como alguns evangélicos que não se separaram dele.
O final da década de 1970 até o começo do século XXI é definido por Marsden
(2006) como a era do “evangelicalismo fundamentalista”. Estes se organizam na direita
religiosa (ou direita cristã), que também inclui católicos e mórmons, representada por
militantes que não são apenas de grupos fundamentalistas separatistas, mas também
inclui quase todo o espectro de evangélicos, apesar de que nem todos os evangélicos
que se autodenominam fundamentalistas são politizados.
Com o passar dos anos, como exemplifica Lima (2009), o grupo radical
também se difunde através de programas de televisão, dominando o conteúdo religioso
dos EUA na década de setenta, após o isolamento (que chamamos de “estratégico”) do
grupo, pois foi ele que possibilitou a ação política na sociedade dos radicais anos
depois. Isolamento que, inclusive, no final da década de setenta, com a formação da
Moral Majority, possibilitou a união da direita religiosa novamente, que uniu os
fundamentalistas “radicais e os moderados” exemplificados nas figuras de Falwell e
Graham respectivamente. Lima argumenta que:

Em 1979, Jerry Falwell, da ala do fundamentalismo radical, fundou uma


organização civil, a Moral Majority, com a finalidade de lutar contra a
legalização do aborto, os movimentos feministas e homossexuais, e em favor

29A linha escatológica dispensacionalista aponta que há uma série de dispensações a serem cumpridas na
humanidade antes da segunda vinda de Cristo.
32

da oração nas escolas. Assumiram posições políticas em vista de combater o


comunismo, aumentar as defesas militares e fortalecer o estado de Israel. Estas
posturas, aceitas também pelos evangélicos em geral, aproximou, no campo
prático, as duas visões (LIMA, 2009, p. 337).

A década de 1960 foi crucial para a construção dessas posturas por parte dos
evangélicos. Para Marsden (2006, p. 240), assim como na Califórnia de Reagan, que
anos depois viria a ser o presidente adotado pelos fundamentalistas, “a revolução
contracultural acelerou enormemente uma sensação de alarme cultural não apenas para
sulistas brancos transplantados, mas também para muitos outros tipos de americanos”.
O patriotismo e a guerra do Vietnã foram os principais fatores que levaram Richard
Nixon a constatar que havia nos EUA uma “maioria silenciosa”, formada
essencialmente por evangélicos anticomunistas, que na guerra fria expressavam todo o
seu patriotismo, unindo-o a ideais religiosos. Foi nessa década que se consolidou o
pensamento maniqueísta que formava o ideário do lado “bom”, o qual era o “The
American Way of Life”, este frequentemente ligado a valores familiares e a uma herança
cristã; do outro lado os “comunistas ateus”, consequentemente inimigos de Deus e dos
valores familiares e da herança cristã. Esse ideário, que se constrói na década crucial de
1960, é o que irá nortear o movimento fundamentalista no decorrer dos anos vindouros.
As duas próximas décadas marcariam a reconstrução do fundamentalismo com
a fundação de novas congregações independentes que são as igrejas que formam o
INC30, termo consolidado no trabalho de Christerson e Flory (2017), que são igrejas
pentecostais, lideradas por figuras carismáticas que possuem uma capacidade grande de
mobilização de pessoas. O movimento The Send nasce dessa reconstrução do
fundamentalismo estadunidense.
Nessa linha do tempo fundamentalista que temos elaborado, não poderíamos
passar ao largo de alguns fatos importantes das décadas de setenta e oitenta. Iniciando
pela década de 1970, é muito importante destacarmos a campanha eleitoral de Jimmy
Carter. É nessa década que o movimento emerge com intensidade. No pós década de
1970, esse movimento ganha forma de lobby político e toma para si a expressão “Born
Again Christian”. Curiosamente, esta expressão ganha popularidade ao ser expressada
pelo democrata Jimmy Carter.

30 Independent Network Christianity


33

Para entendermos melhor o impacto que as palavras de Carter tiveram no auge


da corrida presidencial em 1976, ao se declarar um cristão nascido de novo, recorremos
a Silva que destaca:

Em 1976, no auge da campanha pelas primárias do partido democrata na


Carolina do Norte, Jimmy Carter atraiu em muito a atenção dos meios de
comunicação com a declaração de que era um cristão nascido de novo, “um
evangélico batista do Sul, cuja fé influenciava cada área de sua vida,
incluindo suas posições políticas e estilo de governo” (SMITH, 2007, p. 293).
Esta atenção se deu devido ao fato que a exposição da religiosidade pessoal
era algo incomum segundo alguns observadores da cena política e cultural
americana. Normalmente, os americanos tinham a expectativa de que os
políticos tratassem de temas que relacionassem moralidade, espiritualidade e
sua importância no governo e na vida pública. Porém, a declaração de Carter
foi além do esperado, criando uma comoção que reverberou por todo o país.
Há estimativas de que mais de cem artigos foram escritos até maio daquele
mesmo ano explorando o tema da religiosidade de Carter, como resultado da
explosão da cobertura nacional de sua inesperada afirmação de fé (SILVA,
2016, p. 78).

A crença que se tinha no protestantismo estadunidense era de que pessoas


nascidas de novo, ao menos era o que os crentes criam, escolheriam líderes justos que
iriam honrar as leis de Deus. Devido a isso, a afirmação de Carter causa entusiasmo e
destaque. Todavia, nos seus anos de governo, os fundamentalistas que foram entusiastas
de Carter, o qual possuía as mesmas origens religiosas que eles, não obtiveram
prerrogativas nas agendas do presidente eleito. Como bem sabemos, romperiam com ele
e com o partido democrata, formando nos anos Reagan (1981 – 1989) o lobby de
pressão direita cristã, influente até os dias atuais no partido Republicano.
Os anos Reagan foram, até então, o auge do movimento fundamentalista. São
os anos áureos da Moral Majority de Jerry Falwell, anos que ficaram marcados por unir
moralidade cristã e liberdade econômica. É o início da consolidação de uma nova direita
estadunidense, que ganha de fato ascensão e consolidação nos anos Reagan. Alves
(2013) constata que:

Podemos definir esta Nova Direita como um conjunto de correntes políticas,


religiosas e intelectuais conservadoras que foram sendo construídas e
articuladas na sociedade norteamericana ainda no início dos anos 1960, em
torno de uma agenda comum, antagônica ao movimento pelos Direitos Civis e
o welfare state, ganhando corpo enquanto movimento político no final dos
anos 1970 (ALVES, 2013, p. 69).

Dentro dessa nova direita, os evangélicos fundamentalistas são essenciais com


destaque para os anos Reagan. É importante realizarmos uma pequena paráfrase a
34

respeito do termo fundamentalista empregado aos radicais evangélicos, bem


exemplificados na militância de Jerry Falwell e Pat Robertson. Para Marsden (2006), o
nome fundamentalismo é uma nomenclatura genérica para uma ampla coalizão de
conservadores de grandes denominações e avivalistas que se opõem militantemente ao
modernismo nas igrejas e a certos costumes culturais modernos. Grupos revivalistas
relacionados, como igrejas pentecostais ou de santidade, também são frequentemente
chamados de fundamentalistas, embora alguns permaneçam separados das principais
batalhas culturais e teológicas, essa seria a melhor descrição de quem eram os
evangélicos fundamentalistas.Esse movimento, que se consolidou a partir da década de
1970, deve muito ao sul dos EUA, o qual é responsável pela alavancada pública feita
pelo movimento. Logo após a recuada dos movimentos pelos direitos civis dos negros,
esses líderes que até então se viam enclausurados em suas igrejas no Sul após o recuo
dos movimentos pelos direitos civis, ganham notoriedade nacional. Esse processo de
ascensão acontece na era Reagan, mais precisamente, até o ano de 1989.
Na administração seguinte, do vice-presidente de Reagan (1981-1989), George
H. W. Bush (1989-1993) , vemos a presença dos fundamentalistas já organizados em
lobby de pressão política, a direita cristã também é presente, mas um fator anterior que é
singular destacarmos: as prévias do partido republicano, o qual nomeou George H. W.
Bush como candidato do partido, onde vimos a candidatura do televangelista Pat
Robertson que, influenciado por Ralph Reed, proeminente ativista da Assembleia de
Deus, cria a Coalizão Cristã a fim de trazer novos eleitores para sua campanha pela
indicação do GOP (Partido Republicano) à presidência, em 1988. A Coalizão Cristã
seguiu bastante articulada com grupos da direita estadunidense, nos níveis local e
nacional. Com 1,7 milhão de membros e 1.700 escritórios por todo o país, a organização
de Robertson dispôs de um dos maiores lobbies do Senado Federal.
Nas administrações seguintes, a direita cristã sempre esteve presente no cenário
político do país, elegendo parlamentares em todas as camadas de poder tanto nos
estados como na federação. Com as eleições de republicanos, os fundamentalistas
intervieram na composição das cortes de justiça do país, formando uma maioria
conservadora em diversos estados e na composição da suprema corte de justiça. Os anos
de George W. Bush foram anos de forte presença dos fundamentalistas, assim como os
quatro anos Trump. Esta presença se escancara de uma maneira nunca antes vista.
Analisaremos no decorrer do presente trabalho o avanço do fundamentalismo nos
mandatos de Bush e Trump.
35

Movimento fundamentalista: Discurso, religião e política

Em consonância com Marsden (2006) e Burity (2016), existem similaridades


tanto no processo de ascensão do fundamentalismo a partir da era Reagan, como no
processo de ascensão do pentecostalismo no Brasil a partir do período de
redemocratização. Ambos os movimentos eram vistos com preconceito pela população,
mais precisamente, as elites, que percebiam em ambos os movimentos um vigor
anticientífico. Todavia, à medida que a modernidade democrática levanta suas
bandeiras, tanto o fundamentalismo sulista estadunidense quanto o pentecostalismo
brasileiro, majoritariamente negro, reagem às mudanças culturais da sociedade.
Apesar das diferenças culturais e sociais ontológicas entre pentecostais negros
brasileiros e fundamentalistas brancos, é evidente que o fundamentalismo estadunidense
influenciou o pentecostalismo brasileiro, e o discurso alarmista e reacionário adotado
pelos pentecostais brasileiros se torna muito parecido com o discurso dos
fundamentalistas estadunidenses, apesar de toda a distinção que encontramos ao
comparar os grupos. Esse discurso usado pela direita religiosa emplaca, tanto com
sulistas brancos estadunidenses quanto com urbanos periféricos brasileiros; é um
discurso que tem a capacidade de romper a barreira da classe econômica, unindo-as
através de um posicionamento político uniforme.
Com a influência do sul dos EUA, o movimento fundamentalista se consolida
tendo três pastores midiáticos como seus principais porta-vozes. São eles: Jerry Falwell,
Pat Robertson e James Robison, que são lideranças que fazem com que seus discursos
ganhem visibilidade nacional e internacional.
O discurso fundamentalista, apesar de ter tomado as características sulistas,
bebe da fonte de tradições como evangelicalismo31, reavivamento32, pietismo33,

31 É a tradição que bebe diretamente da fonte da reforma protestante do século XVII. Dentro da
diversidade de seitas protestantes, o evangelicalismo se tornou a versão mais popular e inclui todas as
matizes do protestantismo.
32 O reavivamento remonta suas origens a movimentos de santidade que causaram algum impacto social.

Os célebres pregadores de Chicago, como o já aqui destacado Dwight L. Moody, representam o


avivamento vivido no final do século XVIII nos EUA.
33 O pietismo foi um movimento de renovação da fé cristã que surgiu na Igreja luterana alemã em fins do

século XVII, defendendo a primazia do sentimento e do misticismo na experiência religiosa, em


detrimento da teologia racionalista.
36

movimentos de santidade34, milenarismo35, confessionalismo reformado36,


tradicionalismo batista37 e outras ortodoxias denominacionais que compuseram as
origens do movimento de oposição ao modernismo. É significativa tal capacidade de
ajuntamento que as crenças fundamentalistas possuíam na história como uma reação ao
modernismo, bem como o fato de que a crença fundamentalista que se consolida nos
EUA, vinda de diferentes tradições religiosas, se espalha pelo mundo no formato de
expansão missionária. Do presbiteriano reformado ao pentecostal mais avivado, o
ideário fundamentalista se capilarizou e se consolidou na atuação organizada dos
indivíduos que partilham de tais crenças.
Dentre isso, é importante ressaltarmos como a tradição fundamentalista era
vista como sinônimo de atraso pela sociedade americana, que pensava que com o
avanço da modernidade o movimento iria desaparecer. Porém, como destaca Marsden,
não foi bem isso o que ocorreu. Em suas palavras:

Two types of interpretation of fundamentalism have prevailed to date. The


most common has been to look on fundamentalism as essentially the extreme
and agonized defense of a dying way of life. Opponents of fundamentalists
proposed such a sociological explanation in the 1920’s, and through the next
generation fundamentalism was commonly regarded as a manifestation of
cultural lag that time and education eventually would eliminate. But as it
became apparent in recent decades that fundamentalism and its new
evangelical offspring were by no means disappearing from American life,
some later interpreters began to take more seriously the internal history of
fundamentalism and its relation to other traditions (MARSDEN, 2006, p. 4).

Para Marsden (2006), o fundamentalismo não desaparece, pelo contrário, ele se


fortalece e os pensadores são levados a estudar a força do movimento em distintas
tradições de fé. Uma característica que chama a atenção dos estudiosos é a ênfase na
evangelização. O The Send, por exemplo, prega uma urgência em evangelizar o mundo
para abreviar a vinda de Jesus, assim como o fundamentalismo possuía ainda em seus
primórdios. A partir da década de 1920, a necessidade de evangelizar o mundo passou a
influenciar todo o protestantismo, assim como a posição militante dos fundamentalistas
afetou significativamente a sociedade estadunidense e a evangelização mundial foi
essencial para que seus ideais fossem disseminados pelo mundo.

34 Os movimentos de santidade são as representações cristãs oriundas também de experiências místicas


que propunham um estilo de vida afastado das coisas “mundanas”.
35 É a crença de que a segunda vinda de Cristo à terra se daria no ano 1000, e então se iniciaria o milênio.
36 São as respectivas confissões das igrejas reformadas.
37 É a crença na tradição batista, que advém do movimento anabatista.
37

Esse modelo de evangelização militante foi essencial para as seitas que


reconheciam suas raízes no movimento protestante do século XVI. Marsden (2006)
reforça a crença fundamentalista baseada em uma religião superior, a qual seria o
cristianismo. Em suas palavras destacamos esse aspecto social do fundamentalismo
estadunidense:

Yet social reform was not really a secondary consideration; at least it might
not be dispensed with or substantially ignored. The assumption that
Christianity was the only basis for a healthy civilization was basic to
evangelical thinking—as essential as the belief that souls must be saved for
the life to come. Virtue among the citizenry, as almost all political
economists said, was the foundation of successful civilization, especially a
republican civilization. Religion was the basis for true virtue; the purer the
religion, the higher the morality. Christianity was the purest religion. The
supposedly self-evident superiority of Western civilization and especially
northern Europe was clearly due to the influence of Christianity and
Protestantism in particular (MARSDEN, 2006, p. 12).

Este entendimento de superioridade moral das civilizações cristãs é o


entendimento de muitos entes religiosos que atuam no poder público brasileiro
atualmente. Os exemplos estão evidenciados no parlamento brasileiro, com os diversos
parlamentares pastores, no judiciário – com a ANAJURE (Associação Nacional de
Juristas Evangélicos)38 e o mais recente IJCB (Instituto dos Juristas Cristãos do Brasil)
– e, no executivo, com a presença de ministros de estado evangélicos – podemos citar
dois exemplos significativos Damares Alves e Milton Ribeiro, uma pastora pentecostal
e um pastor presbiteriano –, que reforçam com sua forma de atuação e representação o
que temos destacado aqui. O discurso embutido no ideário fundamentalista perpassa
todo o cristianismo advindo da reforma.
O pensamento fundamentalista para Marsden (2006) se resume a uma forte
militância, que normalmente surge quando os proponentes de uma religião outrora
dominante na cultura se sentem ameaçados pelas tendências da cultura circundante.
Esse é o mecanismo, e pode ser adaptado a qualquer contexto que possua uma religião
dominante. Sendo assim, a organização do fundamentalismo não tem relação
unicamente com uma comunidade religiosa conservadora. Ela necessita estar atrelada a
uma cultura secular liberal, que precisa ser forte o suficiente para interferir na cultura
religiosa outrora dominante, sinalizando que ela possui poder de substituir a cultura
religiosa vigente.

38 Disponível em https://anajure.org.br/. Acesso realizado em: 20 de agosto de 2021.


38

Dentro do contexto estadunidense, o pensamento fundamentalista se evidencia


no conhecido cinturão da ferrugem, no Centro-Oeste e Califórnia que, não por acaso, foi
a parcela eleitoral que, em 2016, deu a vitória a Trump, o qual prometia devolver seus
empregos. Os white trash39, como são conhecidos, são fervorosamente religiosos
protestantes, e junto com o sul segregacionista possuem origens religiosas protestantes.
Toda essa reação ao modernismo inerente ao fundamentalismo possui um
discurso de retorno às origens, aos fundamentos que tendem a soar para a grande
maioria do público médio das igrejas como algo positivo. O discurso é um fator
essencial, inerente à vida humana e pode ser explicitado de diferentes formas, mas a
maneira que ele tem maior possibilidade de mobilizar pessoas é através da oralidade. A
oratória é uma virtude de líderes carismáticos, como é o caso do The Send e figuras
como Dwight L. Moody, Billy Sunday, considerados os primeiros fundamentalistas,
assim como os televangelistas fundamentalistas do século passado, que possuem as
características weberianas (WEBER, 1999) de líderes carismáticos. O uso da linguagem
para mobilizar massas serve muito as ideologias, partidos e a religião. Sobre o discurso
e o uso da linguagem, Fernandes ressalta que:

Assim, observamos, em diferentes situações de nosso cotidiano, sujeitos em


debate e/ou divergência, sujeitos em oposição acerca de um mesmo tema. As
posições em contrastes revelam lugares socioideológicos assumidos pelos
sujeitos envolvidos, e a linguagem é a forma material de expressão desses
lugares. Vemos, portanto, que o discurso não é a língua (gem) em si, mas
precisa dela para ter existência material e/ou real (FERNANDES, 2008, p.
13).

Ou seja, o discurso popular com a linguagem correta, para determinados


grupos pode muito em seus efeitos. Sobre o uso político do discurso, Silva argumenta
que na religião “há uma diversidade de formas discursivas para definir o lugar que se
fala, quem discursa e suas respectivas ideologias” (SILVA, 2016, p. 25). Diante disso,
podemos afirmar que o discurso religioso responde às mais diversas demandas das
pessoas, assim como o discurso político. Nas palavras de Silva, destacamos:

Normalmente, associa-se à classe política um discurso falacioso; ou um


discurso de esquerda ou de direita. Na perspectiva política, o discurso em
geral é facilmente associado à mentira que é, segundo algumas pessoas,
usada para o convencimento do voto. Nas vivências religiosas mais diversas
podemos encontrar os discursos conservador, liberal e libertário a depender

39É um termo depreciativo originário dos Estados Unidos para pessoas brancas de baixo estatuto social
como operário, camponês, lavrador dentre outros.
39

do segmento que a pessoa devota contemple como resposta para as suas


indagações pessoais referentes à fé que deseja seguir e professar. Ainda
considerando as Tradições dos Livros Sagrados, a quem faça uso de uma
interpretação literal do texto para fortalecer o discurso de dominação. Assim,
a partir dessa referência pode ser feita leituras conservadoras da fé. Ou seja,
há uma diversidade de formas discursivas para definir o lugar que se fala,
quem discursa e suas respectivas ideologias (SILVA, 2016, p. 25).

É relevante o registro de Silva “considerando as Tradições dos Livros


Sagrados, a quem faça uso de uma interpretação literal do texto para fortalecer o
discurso de dominação”, a principal característica do fundamentalismo religioso é a
crença literal no texto. Ou seja, a crença fundamentalista que defendemos ser usada no
movimento The Send fortalece o discurso de dominação.
O discurso é um recurso linguístico que compõe toda a dinâmica de
comunicação. Ele pode ser considerado vazio se o receptor não aderir a mensagem
pronunciada pelo emissor do discurso. Nas palavras de Silva (2016), o discurso é uma
troca entre emissor e receptor, não é apenas transmissão estanque de informações, ele é
um processo de intercâmbio entre as partes envolvidas. Sendo assim, é relevante
levarmos em consideração que um grupo que adere ao discurso de indivíduos é
responsável pela mensagem que está sendo passada pelo emissor. Não podemos definir
essa relação única e exclusivamente como uma relação entre manipuladores (emissores)
e vítimas (receptores). O discurso implica esse intercâmbio, que é uma construção
coletiva. Nas palavras de Orlandi destacamos:

Para a Análise do Discurso, não se trata apenas de transmissão de


informação, nem há essa linearidade na disposição dos elementos da
comunicação, como se a mensagem resultasse de um processo assim
serializado: alguém fala, refere alguma coisa, baseando-se em código, e o
receptor capta a mensagem, decodificando-a. Na realidade, a língua não é só
um código entre outros, não há essa separação entre emissor e receptor, nem
tampouco eles atuam numa sequência em que primeiro um fala e depois o
outro decodifica etc. Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de
significação e não estão separados de forma estanque. “Desse modo, diremos
que não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no
funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados
pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição
desses sujeitos e procuração de sentidos e não meramente transmissão de
informação. São processos de identificação do sujeito, de argumentação, de
subjetivação, de construção de realidades etc (ORLANDI, 2001, p. 21).

Constatando que o discurso é esse processo complexo e essencialmente de


troca entre sujeitos, é relevante apontar como o discurso fundamentalista – que se
constrói em território estadunidense e se espalha pelo mundo com o investimento
40

missionário – ganha força com a junção de diferentes tradições e linhas dentro do que
conhecemos como protestantismo, como uma resposta ao modernismo.
Podemos dizer que o que juntou os grupos evangélicos aos fundamentalistas
radicais foi sua combinação de antimodernismo militante com participação em um
movimento maior que, apesar de sua mistura de elementos separáveis, possuíam algum
grau de unidade consciente. A ativa cooperação de tradicionalistas denominacionais
com os teologicamente inovadores dispensacionistas e defensores da santidade na
batalha contra o modernismo foi particularmente importante na formação de um
fundamentalismo distinto.
Esses tradicionalistas eram encontrados principalmente entre batistas e
presbiterianos. B. B. Warfield é um exemplo notável. Para Marsden (2006), a conexão
direta entre os dois movimentos era que vários importantes líderes fundamentalistas
vieram do sul dos EUA. Realizando uma ligação lógica, é relevante destacarmos que as
principais denominações protestantes chegam ao Brasil através de imigrantes do Sul dos
EUA, e após se instalarem no Estado Brasileiro – mais precisamente, no interior de São
Paulo, na grande região de Campinas, primeiramente, onde formam as primeiras Igrejas
Batistas, Metodistas e Presbiterianas, ainda compostas exclusivamente por
estadunidenses – demandam missionários às juntas de missões do Sul dos EUA. Para
citarmos o exemplo mais marcante, indicamos a demanda de missionários na junta de
Richmond, na Virginia, Estado do Sul, anteriormente derrotado na guerra de secessão
(1861-1865).
Marsden (2006) também reforça que o fundamentalismo era um mosaico de
tradições e tendências que se unem, porém de tempos em tempos defendem pautas
intensas, e esse modelo adaptativo do fundamentalismo estadunidense é exemplar.
Christerson e Flory (2017) retratam essa adaptabilidade dos líderes do INC, que de
tempos em tempos se juntam e se separam, trabalhando de forma bastante independente,
demonstrando certa semelhança com o movimento clássico fundamentalista. Nas
palavras de Marsden destacamos:

Fundamentalism was a mosaic of divergent and sometimes contradictory


traditions and tendencies that could never be totally integrated. Sometimes its
advocates were backward looking and reactionary, at other times they were
imaginative innovators. On some occasions they appeared militant and
divisive; on others they were warm and irenic. At times they seemed ready to
forsake the whole world over a point of doctrine; at other times they appeared
heedless of tradition in their zeal to win converts. Sometimes they were
41

optimistic patriots; sometimes they were prophets shaking from their feet the
dust of a doomed civilization (MARSDEN, 2006, p. 43).

Conforme podemos ver, para Marsden (2006), o fundamentalismo era um


mosaico de tradições e tendências divergentes e às vezes contraditórias que nunca
poderiam ser totalmente integradas, essa não uniformidade do pensamento
fundamentalista nos leva a pensar em como o movimento alcança a capilaridade que
ganhou, deixando marcas em todo o movimento protestante que emerge dos EUA para
as nações, no formato de expansão missionária.
E é justamente esse o ponto que mais nos interessa em nossa análise: o modelo
de expansão missionária e a capilaridade influenciadora do movimento fundamentalista
nos trabalhos missionários do final do século XIX e início do século XX. Marsden
(2006) reforça a influência que o movimento fundamentalista teve em um dos principais
nomes dos áureos tempos de expansão missionária: J. Hudson Taylor (1832-1905),
fundador do China Inland Mission, em 1865.
Até hoje nas conferências missionárias, principalmente das instituições mais
antigas, Taylor é contado como um dos maiores, senão o maior herói dos tempos de
expansão missionária, justamente pelo seu pioneirismo de se comprometer a expandir o
evangelho em terras “remotas”, com pouca informação. A narrativa sobre Taylor é
contada com a retórica do colonizador, que destaca a coragem e o pioneirismo de um
jovem missionário cristão, que deixa a sua grande terra de conforto para “evangelizar os
pagãos”. Marsden (2006) reforça o quanto Taylor foi influenciado pelo movimento
fundamentalista. Em suas palavras destacamos:

The early decades of the twentieth century were perhaps the years of greatest
enthusiasm for foreign missions and in this area Keswick's record was indeed
strong. J. Hudson Taylor (1832-1905), a Britisher who founded the China
Inland Mission in 1865, had become deeply committed to Keswick views.
The China Inland Mission became a model for independent and self-
sacrificing missionary work as well as a source for much of the later
fundamentalist agitation against liberalism in the mission fields. The Student
Volunteer Movement, originating out of Moody's Northfield conference, also
had close Keswick ties. Many impressive young men of the era responded to
these teachings by consecrating their lives to missionary service
(MARSDEN, 2006, p. 97).

A partir de Taylor, o discurso missionário é justamente o que unirá o


heterogêneo grupo de protestantes estadunidenses, no ideário conhecido como
fundamentalista. As distintas visões a respeito de mundo se uniam quando o assunto era
42

evangelização; de calvinistas a adeptos dos movimentos de santidade, ela servia como


um sinal eminente da volta de Cristo e um ponto de encontro para diferentes
perspectivas denominacionais.
O pensamento que melhor caracteriza o movimento fundamentalista é a
doutrina da inerrância bíblica. Adotada por todo o espectro evangélico conservador, a
doutrina é um dos principais nortes argumentativos de todo “crente” evangélico que
afirma veementemente a doutrina da inerrância do texto bíblico. Marsden exemplifica
como surge a doutrina. Em suas palavras destacamos:

This view of Scripture, which had been taught by Archibald Alexander at the
seminary’s inception, received its classic expression in 1881 when Archibald
Alexander Hodge and the young B. B.- Warfield published their famous
defense of the “inerrancy” of Scripture. This they took to be “the great
Catholic doctrine of Biblical Inspiration, i.e., that the Scriptures not only
contain, but ARE THE WORD OF GOD, and hence that all their elements
and all their affirmations are absolutely errorless, and binding the faith and
obedience of men.” Following the elder Hodge closely, they insisted that the
inspiration must extend to the words. “Infallible thought must be definite
thought, and definite thought implies words.” The result was “the truth to fact
of every statement in the Scripture.” (MARSDEN, 2006, p. 113).

A crença de que toda palavra contida na bíblia é ditada pelo próprio Deus e
ausente de erros devido a inspiração divina em cada letra da Escritura Sagrada, provoca
reações contra o suposto “modernismo” até os dias atuais, e faz com que temas como a
discussão de gênero, por exemplo, sejam taxados como construções humanistas que vão
contra a palavra ditada por Deus, revelada em um texto bíblico e inerrante. Isso tem
provocado anomalias potenciais, como os discursos emitidos por líderes evangélicos
participantes do movimento The Send, que estudaremos mais adiante.
Esse discurso não se limita ao terreno religioso; ele faz alianças políticas.
Vemos isso claramente nos EUA, com a conhecida e influente direita cristã, que possui
seu principal modo de luta que compõe sua ação política no terreno da moralidade.
Baseado na doutrina da verdade absoluta contida no texto bíblico, vemos crentes
patrocinando figuras políticas como o presidente Jair Bolsonaro e a ministra Damares
Alves, que discursaram no evento realizado pelo movimento The Send, no Brasil. Sendo
assim, reservamos um tópico específico para falar da organização político-religiosa
direita cristã, pois é um exemplo significativo dessa junção político-religiosa
impulsionada por um discurso não delimitado ao campo religioso.
43

A influência política da direita cristã dos EUA

Falar sobre discurso político-religioso nos leva a pensar no lobby político da


direita cristã, que usa o discurso fundamentalista como uma forma de pressão política e
social. A organização que se formou nos anos 1970 com uma ampla aliança
fundamentalista, contou com nomes como Jerry Falwell e Tim e Beverly LaHaye, que
são considerados – pela literatura do fundamentalismo – separatistas ou a ala mais
radical do movimento em sua liderança.
Funcionando como uma coalizão política, logo atraiu “evangélicos
conservadores que eram militantes ou fundamentalistas em questões culturais, mesmo
que fossem menos em questões teológicas ou eclesiásticas” (MARSDEN, 2006, p. 235).
O lobby também inclui conservadores culturais de outras heranças, como católicos
romanos e mórmons. A parte protestante desta coalizão conservadora é frequentemente
referida especialmente por aqueles que não apoiam divisões internas dentro do
cristianismo de missão como “evangélica” ou, às vezes, simplesmente
“fundamentalista”.
Marsden (2006) entende que seria mais apropriado dizer que a direita religiosa
como movimento político atraiu muitos fundamentalistas separatistas e evangélicos
“fundamentalistas”. O autor prefere usar o termo como ele era originalmente entendido
na década de 1920, referindo-se a uma coalizão mais ampla de cristãos evangélicos
militantes vindos de todos os tipos de denominações. O autor destaca que sua própria
definição de fundamentalista é “um evangélico que está zangado com alguma coisa”
(MARSDEN, 2006, p. 235), é esse amplo grupo que inaugurou a direita cristã, em 1970.
Essa coalizão organizada foi a forma mais evidente na sociedade estadunidense
de se construir uma reação contra as minorias, foi uma resposta conservadora aos
movimentos pelos direitos civis dos negros na década anterior. A direita cristã
conseguiu, assim como em meados dos anos 1920, formar uma ampla aliança atraindo
evangélicos de diversas denominações, sendo liderados por fundamentalistas
separatistas que eram mais agressivos em seu discurso.
Todavia, é relevante realizarmos uma oportuna digressão para rememoramos
que a visão maniqueísta de mundo, muito característica dos fundamentalistas
separatistas que compunham a liderança do lobby político direita cristã, em meados de
1970, existe desde os tempos da revolução que culminou na migração dos colonos
ingleses aos territórios estadunidenses e canadenses. Essa visão é baseada numa luta
44

permanente entre o mal e bem, de onde advém o conceito tão amplamente difundido nos
últimos tempos de guerra cultural. Para a autora Ruth H. Bloch, em seu capítulo no
compêndio organizado por Noll (2007), essa visão foi difundida pelos calvinistas que
migraram para o território da Nova Inglaterra como uma espécie de guerra contra Roma
e o catolicismo. O objetivo era forjar a conexão entre a Grã-Bretanha e o Anticristo.
Destacamos abaixo as palavras da autora:

Often combined with appeals to the covenant, and likewise involving the
Calvinist effort to define the perimeters of God’s people, was a Manichaean
tendency to polarize the world between the forces of God and the forces of
the Antichrist. A dualistic understanding of history as a struggle between
good and evil had as long a history in the colonies as covenant theology. By
the 1760s, both the conflicts of the Great Awakening and the anti-Catholic
crusade of the French and Indian War had reinforced the inclination of
American Calvinists to see themselves engaged in a cosmic battle with Satan.
Whereas references to the covenant typically appeared in sermons by New
England ministers, the Manichaean tendency to conceptualize the imperial
conflict in terms of good and evil appeared first within lay political argument
and popular patriot ritual as early as the mid-1760s. The symbolic link
forging the connection between Great Britain and the Antichrist was typically
the pollution of Roman Catholicism. In Boston and elsewhere, traditional
anti-Catholic Pope Day celebrations became occasions for dramatizing the
patriot cause. Orations, cartoons, and public hangings of effigies depicted the
royal ministers as in league alternately with the pope and the devil. Just as
these symbols and rituals characterized the royal government as the agent of
the Antichrist, other purifying rituals of fasting and abstinence from imported
British goods, along with appeals to the covenant, reinforced the connection
between American resistance and the legions of God (NOLL, 2007, p. 52).

Ou seja, é evidente que o radicalismo fundamentalista possui origens históricas


na formação da cultura estadunidense. Como bem sabemos, o fundamentalismo é
anterior ao movimento organizado da direita cristã. Todavia, antes de nos
aprofundarmos um pouco mais sobre a temática da direita cristã, que conforme temos já
trabalhado no presente capítulo rememora o movimento fundamentalista estadunidense,
é importante que façamos um alerta em relação aos retrocessos que os
fundamentalismos causam nas sociedades plurais modernas. Nas palavras de Burity,
destacamos o seguinte:

É certo que há experiências em certos lugares que produzem efeitos sobre


outros, mesmo que não se trate nestes últimos das mesmas situações. É o
caso da emergência da Nova Direita Cristã nos Estados Unidos, nos anos de
1970, e sua reaparição na era Bush. É o caso do crescimento do islamismo
nos países europeus, e da sua conexão ao tema do terrorismo, após os ataques
de 11 de setembro de 2001 nos EUA. Em ambos os casos, o espectro que
ronda o debate público é o do “fundamentalismo”! Tal marca da política
religiosa no período, a despeito da heterogeneidade de atores que a têm
reivindicado, sem falar dos que sequer a têm como referência ideológica
45

própria, mas se articulam com ela, vem tornando os discursos multicultural e


comunitarista no mínimo contestáveis, por ensejarem o “reconhecimento” de
diferenças religiosas e certas formas de “autogoverno” de comunidades
regidas por lógicas culturais de matiz religioso tradicional. Se as políticas da
religião são vistas como evidência inequívoca de “fundamentalismo”, críticos
do discurso do reconhecimento e do autogoverno ou defensores de modelos
de laicidade radical só podem ver em tais concessões um risco às
democracias contemporâneas. Nisso se inscreve, por exemplo, a reação à
performance dos pentecostais na política brasileira (BURITY, 2016, p. 28).

O autor da presente dissertação, como um defensor de um modelo de laicidade


radical, vê com muito receio, crítica e contestação a ação política das direitas religiosas.
Falando especificamente do Brasil e EUA, o debate público tem sido interditado por
essas forças políticas reacionárias que se apegam em um modelo de religião cristã
completamente desfocado da realidade de suas massas, quando falamos especificamente
de Brasil essas preocupações se evidenciam ainda mais.
Enfim, essa organização da direita cristã de origem fundamentalista passa a ter
um certo protagonismo na política estadunidense, se tornando um braço do partido
republicano também conhecido como Grand Old Party. O partido republicano é
composto por diversas alas, dentre elas: “Direita Cristã, Conservadores Sociais,
Conservadores Fiscais, Neoconservadores, Moderados, Libertários e Liberais”
(CALDEIRA, 2015, p. 47). A direita cristã é a menor subdivisão em quantidade de
adeptos dentro do GOP, porém é a corrente que consegue melhor mobilizar seus
eleitores, sendo ela composta por protestantes, judeus ortodoxos e católicos
conservadores. Caldeira resume de forma bem objetiva as principais características dos
grupos que compõem o partido republicano.

Os Conservadores Sociais defendem valores morais, agindo independente de


sua religião. Já os Conservadores Fiscais, defendem a menor intervenção do
governo e também os valores morais. Os Neoconservadores, por sua vez,
encontram no liberalismo um dos principais problemas a ser enfrentado, além
de pensarem nos Estados Unidos como importante parte integrante do
sistema internacional. Os Moderados, compostos por indivíduos que não se
aderem às questões religiosas, defendem alguns programas sociais. Já os
Libertários, defendem as liberdades individuais, apoiando, portanto, o menor
intervencionismo do governo. E por último, os Liberais, mais
condescendentes às causas sociais e apoiam intervenção do governo,
principalmente na economia (CALDEIRA, 2015, p. 47).

Essa é a composição do partido republicano e o nosso principal destaque é a


direita cristã, que se consolida na era Reagan, mas que ganhará de fato os holofotes nas
administrações George W. Bush (2001–2009) e Donald Trump (2017-2021), tornando-
46

se base destes governos e influenciando principalmente na indicação de magistrados por


parte do executivo ao judiciário. Segundo Finguerut:

Em 1998, os candidatos da Coalizão Cristã dentro do partido Republicano


obtiveram a vitória em 18 Estados, sendo seus votos também muito decisivos
em outros 13 Estados. Toda essa influência no âmbito do poder decisório no
executivo que vemos hoje é fruto de uma mobilização de quarenta anos cujos
alvos centrais de ataque foram: o avanço das mulheres em seus direitos e no
mercado de trabalho; o avanço nos direitos dos homossexuais; a AIDS como
um problema de saúde pública; o avanço da educação sexual nas escolas
públicas; as conquistas em relação ao aborto em termos legais; a separação
entre religião e escola pública e o aumento da violência na grande mídia
(FINGUERUT, 2007, p. 2).

Essa temática que mobiliza a ação da direita cristã é uma reação bastante
estruturada. Sendo assim, o foco de nossa análise é a compreensão deste lobby
religioso. Para Finguerut (2007, p.2), “sua formação provém dos anos do
anticomunismo, propondo então um foco na família e na hegemonia militar
estadunidense”. Apesar de uma forte influência, não são a maioria da população, não
passando de cerca de 25% do eleitorado hábil a votar. Na prática, o que vemos é que
essa “minoria estatística” de perfil branco, evangélico e rico, que clama por uma
“maioria moral”, assim como bem rotulou o pastor Jerry Falwell consegue, na hora do
voto, se articular. Bem sabemos que essa capilaridade é fruto do sistema de votação
estadunidense que não contempla uma pessoa, um voto, possibilitando que essa minoria
se articule e se torne um grupo de pressão, principalmente devido a seu poderio
econômico.
Sem contar que o grupo possui uma estrutura de mais de 70 mil igrejas,
centenas de canais de televisão e 1500 estações de rádio. Programas como os de Pat
Robertson (Clube 700) e de James Dobron (Focus on the Family), na televisão e no
rádio, respectivamente, atingem mais de um milhão de telespectadores em noventa
países com mais de 40 línguas diferentes e cinco milhões de ouvintes por semana
(FINGUERUT, 2007, p. 2), fazendo com que a propagação das ideias dessa ala
fundamentalista religiosa do partido seja extremamente ampla.
Um indicador que reforça esse poder da direita cristã é o que mede o quanto
ideais religiosos influenciam o eleitorado hábil a votar nos EUA. Mateo destaca que
“para 38% da população norte-americana, a religião influenciará diretamente na hora de
votar, indicador este que é mais proeminente entre republicanos (31%) que entre
democratas (20%)” (MATEO, 2011, p. 77). Sendo assim, para um percentual
47

significativo da população hábil a votar, a religião é muito importante. É devido a esse


eco na sociedade estadunidense também que a direita cristã se estabelece. Lembremos
que esse vínculo estadunidense com a religião é histórico, desde os tempos dos pais
peregrinos e o seu “destino manifesto”. A religião deve “ser vista como recurso de
poder e legitimidade, como norma de moralidade, tradição social, cultura, identidade,
discurso, entre tantos outros” (MATEO, 2011, p. 77).
Como temos destacado, nos anos Bush a direita cristã ganha os holofotes. E,
para complementar nossa argumentação de como a religião propicia o protagonismo
dessa ala do partido, ao olharmos para o primeiro ano de Bush, segundo Finguerut
(2008), 91% do eleitorado considerava a fé religiosa de Bush sua principal qualidade
como candidato, mesmo que ao final de seu primeiro mandato questões morais tenham
ficado mais a margem do debate público, para a sua principal bandeira no mandato a
“Guerra ao terror” ou “Doutrina Bush”.
O fato é que os três principais pilares dos anos Bush consistiam, na seguinte
ordem de importância: na direita cristã, nas grandes corporações e empresários, e nos
militares. Isto reforça nossa argumentação de que são os anos Bush, mesmo sem as
contradições da guerra fria dos anos Reagan e o anticomunismo, que trazem a direita
cristã para o centro de um governo forte e sinceramente influenciado por ideais
religiosos fundamentalistas. Destacamos o “forte e sinceramente”, pois na próxima
administração republicana de Donald Trump, o que vimos foi um novo protagonismo da
direita cristã e uma ação pública ao que nos parece diferenciada dos anos anteriores;
vemos uma instrumentalização da religião por parte da direita cristã muito menos
convicta e muito mais oportunista. Vimos Trump instrumentalizar a religião através da
direita cristã, e vimos a religião instrumentalizar Trump. Algo similar acontece no
Brasil com Bolsonaro, temática que nos surge no decorrer desta dissertação, que
necessitaria de uma observação mais detalhada, o que infelizmente não temos tempo
para desenvolver.
O uso do marketing religioso foi muito mais evidente nos governos Trump do
que nos governos de George W. Bush, sem contar que Trump é uma figura muito mais
caricata que Bush. Assim como as profecias em relação à figura de Trump como uma
espécie de rei Nabucodonosor são construções muito menos elegantes, digamos assim,
em comparação aos anos Bush filho. Já a histórica imagem de Trump posando com uma
bíblia na mão em frente ao ST. John´s Church Parish House, no meio dos protestos
48

feitos pelo Black Lives Matter40 é pedagógica quanto a presença da direita cristã em seu
governo, extremamente caricata e sem pudores, permeada por uma obsessão contínua
por permanecer no poder.
Sobre a presença da direita cristã nas administrações Trump, podemos concluir
que os fundamentalistas se reinventaram e sua sede de poder os fizeram dar passos mais
radicais durante a administração Trump, adotando o discurso mitológico/messianíco que
encontrou em Donald Trump a sua mais completa tradução. Movidos pelo entendimento
do quanto a religião civil que permite aos estadunidenses associar secularismo político e
religiosidade social, a ala fundamentalista do partido republicano se “Trumprizou”,
provocando rachas inclusive dentro da direita religiosa e o maior exemplo disso é o
próprio presidente George W. Bush, que não apoiou a administração Trump e já na
administração Biden marcou presença em sua posse validando o novo governo como
legitimamente eleito. Lembremos que Trump não reconheceu a sua derrota, trazendo à
tona notícias falsas sobre o processo eleitoral.
O que vemos na trajetória da direita cristã é que ela foi a forma encontrada
pelos fundamentalistas de moderarem o seu extremismo político, e serem mais bem
aceitos pelo establishment. Quando viram em Trump a possibilidade de uma via
extremamente radical, eles abraçaram a ideia mesmo que perdendo quase todo o apoio
dos conservadores políticos e religiosos dentro do partido republicano. O movimento
The Send é uma expressão evidente dessa nova fase extremamente radical do
fundamentalismo estadunidense, refletido não mais em uma direita, mas em uma
extrema-direita antidemocrática que atrelam suas expressões de fé em figuras que pouco
representam o discurso contracultural de conservadores.

A influência do fundamentalismo estadunidense no Brasil

Para produzirmos um estudo sobre os evangélicos brasileiros e a cosmovisão


da direita cristã, precisamos, antes de tudo, levar em consideração que os
estadunidenses encontraram no território brasileiro um terreno pronto para a
implantação de sua cosmovisão. Podemos discutir diversas questões a respeito da
influência que o imperialismo estadunidense exerce sobre a cultura brasileira como um

40 Movimento nascido em reação às brutalidades policiais cometidas contra jovens negros nos EUA.
49

todo. Porém, ao que nos parece, essa influência é evidente e exposta ao olhar de
qualquer observador médio.
Tal influência é vista na mídia de forma geral, na música, e no modo de se
vestir da juventude, e talvez a religião seja o espaço onde ela mais se consolide. O fato é
que os estadunidenses encontram acolhida nas expressões religiosas desenvolvidas no
território brasileiro.
Sendo assim, o nosso trabalho nos leva a constatação de que o discurso
fundamentalista evangélico estadunidense influenciou o evangelicalismo de tal forma
que necessitamos analisar os componentes que influenciaram os evangélicos brasileiros,
do mais fervoroso pentecostal ao calvinista mais racional. Essa influência perpassa o
ideário da teologia política da direita cristã estadunidense: o ideário fundamentalista.
Para Yamabuchi (2009), esta influência já vem desde os primeiros imigrantes
que se instalaram em território brasileiro. Eles, segundo o autor, trouxeram consigo uma
grande influência de sua cultura, dando origem a igrejas batistas e presbiterianas no
território brasileiro. Falando especificamente dos batistas, o autor ressalta:

Quando vieram ao Brasil, os batistas norte-americanos trouxeram a pregação


de um Evangelho supranacional e essa bagagem ideológica que influenciou
profundamente a formação do pensamento batista brasileiro. A visão
salvacionista se revelou claramente quando os missionários americanos
classificaram o catolicismo distorcido e que, por isso, havia mantido o Brasil
no paganismo. Assim, tanto o catolicismo como o paganismo precisavam ser
combatidos. E criam que só os batistas tinham a mensagem salvadora, porque
julgam ser o povo “chamado”. O pensamento batista brasileiro, portanto,
“nasce sob a pretensão da diferença”, signo que acompanhará durante toda a
sua trajetória histórica até os anos 1960-1980. A partir da concepção que
tinham do seu Destino Manifesto, os batistas e outros protestantes norte-
americanos entenderam, também, que possuíram o estilo de vida ideal para
todos os povos e que precisavam ensinar esse american way of life. Nesse
sentido, desde a implantação do trabalho batista norte-americano, os valores e
costumes brasileiros foram desprezados por conta dessa visão nacionalista.
Por exemplo, os principais postos de liderança da denominação batista
brasileira foram, durante muito tempo, ocupados por missionários americanos
(isso iria provocar, nos anos 1920, a chamada “Questão Radical”, ou seja, o
levante dos nacionais contra o domínio norte-americano na hierarquia
denominacional). Não obstante, “o pensamento batista no Brasil é o
pensamento batista norte-americano reproduzido nas linhas gerais”, com
ênfase no anticatolicismo, no laicismo do Estado e, como já foi visto, no
landmarquismo em sua eclesiologia. Mais tarde, no período pós-Segunda
Guerra Mundial, outro eixo fará parte do pensamento batista brasileiro: o
anticomunismo (YAMABUCHI, 2009, p. 105).

É relevante, porém, destacarmos que as tensões relacionadas aos EUA como


uma nação cristã existiam desde seus primórdios na formação do que hoje conhecemos
como território estadunidense, conforme destaca Harry S. Stout. No compêndio
50

organizado por ele, fica demonstrado que essas tensões eram evidentes no início da
república estadunidense, onde claramente existia uma diferença entre aqueles que viam
nos EUA religioso um novo Israel, e aqueles que optaram por não misturar religião e
república.
Feita essa digressão, destacamos que a primeira reunião denominada de
fundamentalista nasceu em 1919, mais precisamente no mês de maio. Dessa reunião,
nasceu, conforme Marsden (2006), um genuíno sentimento de um reavivamento, como
os acontecidos no século anterior em Chicago, liderados por aquele que, nas palavras de
Marsden, foi um dos primeiros líderes de um movimento fundamentalista organizado
por Dwight L. Moody.
É importante destacarmos que os primeiros colonos do Sul dos Estados Unidos
já haviam se estabelecido há algum tempo no território brasileiro, porém a ligação dos
colonos com as igrejas americanas que já começavam a sofrer as primeiras influências
fundamentalistas e Moody é o principal evangelista considerado por Marsden (2006) a
liderar o que viria a se tornar em um movimento organizado, foram ligações que nunca
deixaram de existir, a junta batista de Richmond no estado da Virgínia, é o ele mais
longevo desta ligação dos colonos americanos com seu país, foi através da junta de
Richmond por exemplo que os primeiros missionários estadunidenses chegam ao Brasil
a pedido dos primeiros colonos.
Após o estabelecimento dos primeiros colonos sulistas no Brasil, diversos
missionários americanos vêm ao Brasil, a pedido dos próprios colonos, ainda no século
XIX. Ademais, um olhar atento à forma de expansão missionária promovida pelos
norte-americanos nos leva a constatação de que, geralmente, ela está marcada pelo
processo de expansão colonialista. Ao analisar os teóricos dos estudos Pós-Coloniais,
Nascimento destaca que “a maioria desses autores vincula o trabalho missionário com
os movimentos de expansão colonialista, assegurando serem interdependentes. Para
eles, as ‘missões’ foram parceiras nestes projetos etnocêntricos que conduziram à
aniquilação de culturas locais” (NASCIMENTO, 2010, p. 14).
O “espírito”, no sentido Weberiano (2004), que movia grande parte do trabalho
missionário era, de fato, o colonialista, que olha para o evangelizado de cima para
baixo, impondo-lhe o modo correto de exercer sua fé. Não é possível fazermos uma
ligação direta com a forma que o movimento fundamentalista se torna um movimento
político, porém é evidente a maneira com que o processo de evangelização se deu ainda
no século XIX. A pedido dos colonos estadunidenses, o Brasil recebe missionários
51

metodistas, batistas e presbiterianos. Nas palavras de Nascimento, nós destacamos essa


forma de se fazer missões:

Uma crença norte-americana sedimentada e enriquecida pela cosmovisão


iluminista foi a do “Destino Manifesto”, fruto também de um forte
nacionalismo, enraizada na superioridade ocidental e com forte tendência a
tratar os povos de outras culturas como inferiores. Alcançou sua expressão
máxima na expansão colonial do Ocidente, e foi uma época considerada o
apogeu do colonialismo. Os norte-americanos acreditavam que Deus os
escolheu, por causa de suas qualidades, para serem seus representantes
perante outros povos. Os “civilizados”, não apenas se sentiam superiores aos
“não civilizados”, mas também responsáveis por eles (NASCIMENTO, 2010,
p. 35).

É fato que a crença fundamentalista estadunidense se instaurou no ideário


evangélico em território nacional. Esse ideário demonstra o quanto a influência
estadunidense se fez presente através do modelo de expansão missionária, que é o
mesmo ressaltado pelo movimento The Send, que nasce no contexto evangélico. É
também evidente que os movimentos de uma direita religiosa no Brasil se dão com
contornos muito peculiares a nossa cultura, e bem sabemos que, como nos EUA, não
temos uma corrente de um partido denominada de direita cristã, como temos em terras
estadunidenses.
O que vemos na composição parlamentar é uma organização chamada frente
parlamentar evangélica, popularmente conhecida como bancada evangélica. Na última
legislatura foi ela que se evidenciou como uma direita religiosa. Apesar da
multiplicidade de partidos que compõem a frente parlamentar, ela acaba se passando por
uma direita religiosa nos moldes da estadunidense.
Ao analisar um levantamento do DIAP (Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar) sobre as eleições de 2018, Valle (2018) indica que em 2019 a
bancada evangélica passou a contar com 84 deputados e 7 senadores41, maior número
em sua história. O autor reforça que, caso a FPE fosse um partido político, ele teria a
maior bancada da Câmara dos Deputados. Os dados a seguir reforçam esse crescimento:

41 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Eleições 2018: bancada


evangélica cresce na Câmara e no Senado. 17 de outubro de 2018. Disponível em:
https://www.diap.org.br/index.php. Acesso realizado em: 29 de novembro de 2021.
52

Gráfico 1 – Crescimento da bancada evangélica


Extraído do artigo apresentado por Valle (2018)

Podemos ver que desde a primeira legislatura as eleições de 2018 foram as que
mais elegeram parlamentares evangélicos, sempre lembrando que ser parlamentar
evangélico não implica necessariamente em fazer parte da bancada evangélica. Porém, o
crescimento da bancada é evidente, e a multiplicidade de partidos que a compõe é um
reflexo à fragmentação das próprias igrejas evangélicas.
No Brasil atual, identificamos que a maior similaridade com a direita cristã do
Partido Republicano no parlamento é a atuação da frente parlamentar evangélica, com
um destaque para um partido. Segundo Valle (2018), o PSC (Partido Social Cristão),
ligado a denominação evangélica Assembleia de Deus, se posiciona ideologicamente à
direita, com a junção de liberalismo econômico e conservadorismo político, com
destaque para a atuação do deputado federal Marco Feliciano e a candidatura à
presidência da república de Pastor Everaldo, em 2014. O partido é o que melhor
representa a atuaçã o da direita cristã estadunidense no Brasil, atuando principalmente
no terreno da “defesa da família”.
No mandato de Bolsonaro, é claro, a presença de uma direita cristã Trumpista
se evidenciou no Poder Executivo. Desde a presença do Capitol Ministries vindo ao
Brasil e contatando diretamente ministros de estado42, até mesmo a própria atuação de
ministros como Damares Alves e Milton Ribeiro, que propõem políticas de estado como

42Disponível em: https://apublica.org/2020/11/sem-trump-capitol-ministries-vira-o-trunfo-dos-


evangelicos-conservadores-dos-eua-na-america-latina/. Acesso realizado em: 30 de novembro de 2021.
53

a abstinência sexual e homeschooling43, sem contar a presença de igrejas e Ong’s


ligadas a igrejas recebendo diretamente benefícios de seus ministérios. Exploraremos
melhor essa temática no decorrer de nossa análise do movimento The Send, porém, é
destacável nos anos Bolsonaro a presença de entes ligados a direita cristã, e temos de
qualificar ainda mais essa corrente que se tornou uma direita cristã “trompista” como
temos levantado no presente trabalho.
As denominações evangélicas são o braço mais forte dessa influência do
fundamentalismo estadunidense no Brasil. O movimento possui várias facetas, tanto que
atinge as mais diversas denominações do espectro protestante brasileiro. Nos últimos
anos adotou a política para a entrada dos fiéis no espaço público com a tentativa de
conversão, mesmo que à força, da sociedade à moralidade fundamentalista.
Campos destaca que existem ao menos três consequências teológicas e sociais
do fundamentalismo religioso que atingem a mente e as ações individuais e coletivas
dos grupos. São elas: “a intolerância, o fanatismo e, na base de tudo, a absolutização da
verdade” (CAMPOS, 2017, p. 4).
Esse campo religioso de natureza fundamentalista, que no Brasil se destaca
dentro do protestantismo, possui características que o evidenciam como um grupo que
apela para o fanatismo religioso para exemplificar a defesa da “verdade”, e a leitura
literalista do texto bíblico é o que impulsiona tal comportamento. Campos diz que:

Em face de certas condições sociais vigentes durante todo o século XX – e


que ainda perduram –, há aqueles que cultivam a esperança do surgimento de
uma saída imediata que faça diminuir o sofrimento. Abrem-se ao fanatismo,
para o qual a leitura literalista da Bíblia serve de alicerce em meio às ameaças
do tempo presente, notadamente a perda ou enfraquecimento de valores
tradicionais. Trata-se de um modelo em que o estudo do texto sagrado em
contexto religioso se dá mais por memorização de conteúdo do que
propriamente pela necessária mediação hermenêutica; o cânon passa a ser um
depósito de certezas num mundo de inseguranças. Essa proposta de leitura
fundamentalista da Bíblia é a de captar evidências (exigidas pelas doutrinas)
e que supostamente se sustentam por si mesmas (CAMPOS, 2017, p. 5).

Vemos esse comportamento fortemente presente nas mais diversas


denominações evangélicas atualmente, desde as denominações mais antigas até os
vários movimentos que surgem por meio de divisões, os famosos rachas dentro de
igrejas (denominações) protestantes. Campos localiza historicamente o desembarque do

43 Disponívelem: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2020/01/30/proposta-de-damares-de-
abstinencia-sexual-de-jovens-vira-como-complementar-mas-especialistas-veem-riscos.htm. Acesso
realizado em: 30 de novembro de 2021.
54

movimento fundamentalista estadunidense no Brasil na década de 1940. Destacamos em


suas palavras o marco:

Anos depois, na década de 1940, o pastor Carl McIntire reforçou o


movimento ao visitar o Brasil para divulgar os princípios do
fundamentalismo em sua cruzada contra o Conselho Mundial de Igrejas
(CMI); causou alvoroço, dividiu igrejas, abriu e pavimentou caminhos pelos
quais o fundamentalismo ingressou em várias denominações nacionais.
Como resultado de quase meio século de circulação formal e informal da
teologia e do ethos fundamentalista no Brasil, foi a partir de 1950 que o
movimento assumiu novas estratégias: criaram-se institutos bíblicos,
seminários, acampamentos para jovens e organizações missionárias
interdenominacionais – instituições que não tinham interesse direto na
formação de novas igrejas, mas na proliferação do fundamentalismo com
feição antiecumênica nas igrejas nacionais já consolidadas (CAMPOS, 2017,
p. 7).

Após isso, já na segunda metade do século XX, o que Campos (2017, p.7)
destaca ser uma espécie de “complemento ao movimento missionário iniciado no século
anterior”, fez se estabelecer no Brasil diversos projetos de igrejas, denominações e
grupos evangélicos independentes dos EUA, que vêm ao Brasil e a todo o continente
americano com o objetivo de salvar o continente, como bem exemplifica em sua obra
“Os demônios descem do Norte”, de 1987, escrito por Delcio Monteiro Lima. Esses
pregadores ligados a movimentos independentes passam a influenciar opiniões e
comportamentos fazendo apelos à conversão religiosa e moral, promovendo eventos de
massa (como o The Send) com ênfase em orações, curas e exorcismos. Estes grupos
possuíam apoio econômico de milionários conservadores44 estadunidenses, e passaram a
utilizar programas de rádio, televisão, as ruas e praças para divulgar a sua mensagem de
conversão.
Sobre a intersecção possível entre fundamentalismo e pentecostalismo, que é o
movimento mais significativo e presente no Brasil de espectro protestante, Baptista
polemiza e constata que:

O fundamentalismo e o pentecostalismo são movimentos contemporâneos e


simultâneos. Ambos nasceram na passagem do século XIX para o século XX,
nos Estados Unidos da América. A partir daí cresceram, foram disseminados
pelo mundo, consolidaram-se e continuam a se alimentar reciprocamente.
Defenderemos a seguinte tese: o pentecostalismo, que hoje se desdobra em
centenas de igrejas institucionalizadas, é um tipo de fundamentalismo
(BAPTISTA, 2002, p. 12).

44Foram empresários do petróleo, os irmãos Stewart, que financiaram a publicação da série The
Fundamentals, no início do século XX – marco decisivo do movimento fundamentalista originário,
conforme destaca Marsden (2006).
55

Campos (2017) reforça que primeiramente existia uma certa resistência dos
fundamentalistas em reconhecerem o pentecostalismo como um movimento válido
devido aos seus apelos emocionais. Porém, é evidente que o pentecostalismo adere a
doutrina da inerrância como uma saída para o pentecostalismo agregar doutrina a sua
forma religiosa.
Essa aderência dos pentecostais aos fundamentalistas, ou
neofundamentalistas45, gera uma ação militante, mas não só em uma cruzada pela moral
cristã com o objetivo de salvar a pátria. Nas palavras de Souza (2013), destacamos:

No Brasil, o neofundamentalismo também se observa, dentre outros espaços,


no âmbito da atuação política. O discurso de parlamentares evangélicos e
católicos em defesa da família traz em seu bojo críticas à luta pelos direitos
reprodutivos das mulheres, pelos direitos da população LGBT e pelos direitos
das profissionais do sexo. Apresentando-se como críticos da decadência
moral da sociedade, os neofundamentalistas interferem em políticas públicas
direcionadas para as mulheres, como a descriminalização do aborto, o direito
ao aborto nos casos previstos por lei, a educação sexual nas escolas públicas,
que é um importante mecanismo para evitar a gravidez na adolescência etc
(SOUZA, 2013, p. 215).

No entendimento dos fundamentalistas, mais bem exemplificados no


pentecostalismo brasileiro, os direitos humanos devem se submeter a crença literal
descrita no texto bíblico. É a partir deste princípio que os evangélicos invadem a cena
política brasileira para dominar aquilo que eles entendem ser o “nosso terreno”, como
Cowan (2016) bem destaca que é o terreno da moralidade cristã.
Com o processo constituinte, a participação evangélica na política do país se
evidencia, tendo os pentecostais como principais grupos agindo politicamente. Já em
meados da década de 1980, eles tinham uma visão fundamentalista de mundo bastante
consolidada, devido a chegada dos estadunidenses ao Brasil, conforme já destacamos no
presente tópico.
A partir de então, vemos no cenário evangélico brasileiro um novo grupo
bastante complexo de se compreender: os neopentecostais. Junto com os pentecostais
fundamentalistas, eles irão se colocar na trincheira política do país. Nas palavras de
Mendonça:

45Termo que também tem sido usado pelos pesquisadores para se referir a segunda onda fundamentalista,
representada no contexto protestante estadunidense principalmente por Jerry Falwell e Pat Robertson, a
partir da década de 1970 com a inserção e atuação política, em uma reaparição no cenário estadunidense.
No presente trabalho adotamos o termo “fundamentalista” devido a sua maior amplitude.
56

Outra questão que deve ser colocada em pauta para a revisão é o conceito de
fundamentalismo aplicado ao neopentecostalismo. Isso tem sido feito talvez
por falta de observação e equívoco quanto ao sentido de fundamentalismo.
Os neopentecostais não usam o texto bíblico primordialmente como
repositório da verdade, mas como motivação para a prédica e a prática. A
Bíblia, para eles, parece ser um repositório de "contos exemplares". Não se
nota entre eles, nessa prática, o dogmatismo típico do fundamentalismo e
nem mesmo tentativa de imposição de verdades literais. Fazem, sem dúvida,
leituras literais da Bíblia, mas com sentido ilustrativo. Reconhecemos a
necessidade, entretanto, de observar melhor a prática bíblica neopentecostal,
mas pode ser equivocado incluí-los simplesmente entre os fundamentalistas
(MENDONÇA, 2004, p. 75).

Esse novo grupo que, conforme veremos ao analisar especificamente o The


Send, também possui influências do fundamentalismo estadunidense. Com uma
característica distinta dos pentecostais que aderem ao fundamentalismo e à crença na
inerrância da palavra de Deus, os neopentecostais estão muito mais preocupados em
obedecer à palavra de seu líder – apóstolo, bispo, missionário, pastor etc., do que se
firmar no literalismo do texto sagrado. Não que os pentecostais não sejam fiéis aos seus
líderes, mas no neopentecostalismo, que também exerce influência sobre o
pentecostalismo, isso é evidente, causando assim uma forma de atuação política distinta
devido a sua significação teológica. Iremos adentrar na teologia por detrás de grupos
neopentecostais quando analisarmos o movimento The Send e sua teologia.
Sendo assim, conseguimos exemplificar com detalhes a influência do
fundamentalismo no Brasil, intrinsecamente ligado a denominação evangélica. O
movimento que vem dos EUA deixa suas marcas tanto na crença religiosa quanto na
atuação dos entes religiosos no espaço público.

Os fundamentalistas e os governos Trump e Bolsonaro

Ao falarmos sobre o fundamentalismo nos governos Trump e Bolsonaro, é


relevante realizarmos uma breve digressão na história dos EUA, mais precisamente, na
formação de sua república liberal. Para tanto, destacamos o papel da religião no
compêndio organizado por Noll (2007), no capítulo de John F. Wilson.

Where does this leave us? I suggest that interpretation of the genesis of the
religion clauses of the Constitution, including Article VI, section 3, and the
two provisions in the Bill of Rights, must start from recognition of the major
objective of which they were a secondary expression. This was the overriding
preoccupation of the founders with designing and achieving an adequate
57

national government. Their meaning derived from that context. They


possessed no independent significance to which, in recent times, both
separationist and accommodationist objectives might be related. At root, the
outcome the founding generation intended, and sought, was neither pro- nor
antireligion in the abstract. The founding fathers’ overriding concern was to
neutralize religion as a factor that might jeopardize the achievement of a
federal government. Here, Jefferson is less helpful than Madison, who
suggested strategic or theoretical grounds, beyond the practical ones, for
making the government of the United States independent of churches. He
recognized that religion provided one basis for a factionalism that could
destroy a regime. He did not seek to eliminate the causes of faction (religion
being one), because in his view the polity stood the best chance of survival if
factions (including those based on religion) counterbalanced each other. We
may also view the churches’ separation from government as in certain formal
respects similar to the deliberate separation of the executive, legislative, and
judicial branches of government so as to use to advantage the checks and
balances thus constructed among different centers of power. Religion, as one
locus of power in the new United States, was to be respected as such and
allowed an appropriate role; it was one among many social institutions and
cultural activities out of which the new nation would be formed (WILSON,
2007, p. 86).

Os pais fundadores entendiam que a religião era parte da nova sociedade que se
formava, porém, a preocupação primordial dos fundadores era neutralizar a religião
como um fator que poderia prejudicar as conquistas de um governo federal. É diante
desses princípios que as novas colônias se colocam, todavia, o fato é que a religião
protestante não deixou de ter um espaço de destaque na nova federação, apesar do
desejo dos fundadores de que a religião fosse uma entre muitas instituições sociais e
atividades culturais, a partir das quais a nova nação seria formada.
Isso posto, é significativo destacarmos que para estudiosos como Marsden
(2006), fundamentalismo é sinônimo de extremismo. É sinônimo de presença religiosa
no Estado, que legisla conforme os interesses de um grupo extremista radical que impõe
sua agenda sobre os demais, o que na prática é uma grande contradição em termos, visto
que o maior pilar defendido pelo modelo de democracia liberal estadunidense é a
liberdade. A partir do momento em que entes religiosos legislam sobre todos impondo
sua cosmovisão, outras expressões são cerceadas, perseguidas e não têm o direito de se
consolidar em um espaço de liberdade de crença.
É necessário destacarmos que, assim como nos EUA, o componente religioso
se faz presente e constitui um aspecto essencial da população brasileira. No Brasil, a
religião sempre ocupou o espaço público, mesmo após o processo de redemocratização
que fincou bases laicas, em especial, na constituição de 1988. Nas palavras de Oro:

O postulado teórico que pavimenta o presente texto repousa na ideia segundo


a qual, no Brasil, “o religioso constitui um aspecto não negligenciável do
58

espaço público [...] com destaque para o cristianismo, com suas doutrinas,
valores, imagens e símbolos. Ou seja, o religioso, em suas várias formas e
expressões, se impõe como um ator, ao lado de outros, que constituem, não
sem tensões, a complexidade do espaço público” (ORO; STEIL; CIPRIANI;
GIUMBELLI, 2012, p. 13). (ORO, 2016, p. 51)

Conforme Oro destaca, o cristianismo se impõe como maior expressão de


religiosidade do povo brasileiro, o que se assemelha ao contexto estadunidense. Uma
das perspectivas que compreende o processo de secularização como irreversível, é a
concepção Weberiana, que norteou em certa medida boa parte das democracias
modernas. Nas palavras de Oro:

A primeira, derivada da perspectiva weberiana e que se impôs como marco


conceitual e institucional liberal, concebe a secularização como um processo
contínuo e irreversível de recuo da religião do espaço público e sua
concentração no mundo da vida privada. Nessa perspectiva, o Estado se
tornaria autônomo e independente dos processos de moralização religiosa e
neutro diante das disputas religiosas e demandas de grupos religiosos. Três
sociólogos, entre outros, despontam nesta perspectiva. São eles: Bryan
Wilson (1998), Peter Berger (1985) 46e Sabino Acquaviva (1961) (ORO,
2016, p. 52).

O curioso é que nem o processo democrático brasileiro, muito menos a


democracia liberal estadunidense experienciaram esse processo irreversível de recuo da
religião do espaço público que Oro salienta. Muito pelo contrário, o que vemos em
ambos os países é um avanço da religião no espaço público. Destacamos que esse
processo talvez tenha alcançado o seu ápice com as eleições de Donald Trump e Jair
Bolsonaro, e a forte presença de fundamentalistas religiosos sempre em evidência, o que
nos parece um alinhamento entre as elites econômicas e os fundamentalistas religiosos.
Outra abordagem distinta a respeito da secularização é aquela que defende que
este fenômeno não necessariamente implica em recuo dos valores religiosos na
sociedade e de esvaziamento religioso do espaço público. Essa abordagem autoral
salienta o retorno do sagrado. Novamente, nas palavras de Oro:

Uma abordagem diferente da secularização é assumida por um outro grupo


de autores, que se posicionam contrariamente à percepção da secularização
enquanto recuo dos valores religiosos na sociedade e de esvaziamento
religioso do espaço público. Tais autores constatam que, a partir dos anos 70
do século XX, novos ventos contrários sopraram na mesma sociedade
ocidental tida como secularizada e moderna. Para eles, ao invés da anunciada
“morte de Deus”, “fim da religião”, “declínio da religião”, “eclipse do
sagrado”, “secularização linear e irreversível”, preconizada pela perspectiva

46 Berger repensou essa postura anos depois.


59

anterior, constata-se o “retorno do sagrado”, a “revanche de Deus”, o “eclipse


da secularização”, a “crise da secularização”, o “fim do paradigma da
secularização”, o “reencantamento do mundo” etc. (CIPRIANI, 1981;
DOBBELAERE, 1981; KEPEL, 1991; MARTIN, 1978; HERVIEU-LÉGER,
1986). Para esses autores, a atual visibilidade midiática da religião, a irrupção
de novos movimentos religiosos, o sucesso da literatura esotérica, etc.,
revelariam um fortalecimento da legitimidade do religioso no espaço público,
no contexto de uma modernidade que se mostra incapaz de resolver os
problemas mais profundos do ser humano e não consegue superar as suas
próprias contradições e ambiguidades internas. Uma frase que sintetiza bem
essa percepção da secularização Religião, cultura e espaço público é dita por
Rubem Alves: “Bem no meio dos funerais de Deus e do réquiem à religião,
uma chuva de novos deuses começou a cair e um novo aroma religioso
encheu os nossos espaços e o nosso tempo” (ALVES, 1993, p. 167). (ORO,
2016, p. 53)

Ao que nos parece, essa abordagem exemplifica melhor os processos ocorridos


nos EUA e no Brasil. Ademais, a fim de problematizamos, não nos parece que o
sagrado tenha retornado na sociedade brasileira. Parece-nos que, na prática, ele nunca se
foi. Como destaca Oro (2016), algo similar aconteceu nos EUA, apesar de uma maior
presença de um movimento de afastamento do sagrado.
Todavia, ele também propõe um caminho que considera as duas linhas de
análise, e salienta que o fator religião não pode ser deixado de lado em nosso estudo
sobre religião e espaço público. Destacamos a síntese do autor, que observa que:

Se, por um lado, não nos compete julgar nem os autores nem as posições
teóricas anunciadas, sendo epistemologicamente mais prudente considerá-las
como perspectivas complementares, mesmo que antagônicas, uma vez que,
nas ciências sociais, mais do que verdades ou leis, avançamos sempre
posicionamentos analíticos incompletos e inacabados, por outro lado, atendo-
nos mais especificamente ao vivo do sujeito que nos ocupa, sugerimos, com
outros autores, que, relativamente ao nosso país, a religião, e tudo o que ela
representa, tem sido, histórica e presentemente, um componente não
negligenciável da constituição da esfera pública nacional, ao lado de outras
instâncias sociais. (ORO, 2016, p. 55)

Essa presença da religião, ao lado de outras instâncias sociais que se fazem


notar no espaço público, é relevante e real. O que vemos, todavia, com o movimento
fundamentalista tanto nos EUA como no Brasil é que a religião não é mais um player a
se colocar no debate público. Muito pelo contrário, o movimento fundamentalista
impõe, como temos salientado, sua cosmovisão, e exige que outros players que possuem
representação no espaço público se curvem diante daquilo que, para os
fundamentalistas, é sagrado. Oro constata que a presença do religioso no espaço público
é uma presença significativa, e usando a argumentação proposta por Paula Montero, ele
salienta que:
60

a pervasividade assumida pela igreja católica na cultura brasileira foi de tal


monta que “o direito a ter ‘igrejas’ sobre as vias públicas ainda é
prioritariamente católico”. Em outras palavras, a presença física religiosa
preferencialmente aceitável nas áreas públicas brasileiras é aquela implantada
historicamente pela Igreja Católica. Reconhece, no entanto, essa autora que,
nos últimos anos, algumas denominações protestantes disputam esse
privilégio e também comparecem no espaço público com os seus “templos”,
enquanto outras formações religiosas, associadas ao campo mediúnico,
possuem uma representação do espaço menos pública do que as cristãs e se
abrigam em casas, terreiros, tendas, associações, centros (ORO, 2016, p. 58).

Diante desta ocupação dos espaços pelos entes religiosos ligados ao


cristianismo, não é de se estranhar que políticos oportunistas, como foi Trump e como é
Bolsonaro, se apoderem desse capital político cristão. Esse processo aconteceu com
similaridades tanto nos EUA como no Brasil, sendo que os fundamentalistas exerceram
papel fundamental nessa articulação que os propiciou assumir os respectivos postos de
presidência da república. O fundamentalismo, que era marginal nos EUA, assume o
protagonismo político, assim como foi o processo do
pentecostalismo/neopentecostalismo fundamentalista brasileiro.
Essa marginalização usada de forma estratégica fez com que o movimento se
fortalecesse nas igrejas e, quando ele sai das quatro paredes para o debate público, já
vem de forma orgânica e organizada, com bases fincadas e de amplo uso dos veículos
de comunicação. Foi assim nos pós 1925 com os fundamentalistas e com o uso das
rádios pelos EUA, assim como foi também com o pentecostalismo no Brasil e a
ocupação das mídias televisivas.

Among the denominations, fundamentalism had a perceptible impact on


many groups that had never been at the center of American religious life. The
Southern Baptist Convention, which in the 1920s had manifested substantial
affinities to fundamentalism, gained almost one and a half million members
during the next fifteen years. At the same time, some explicitly
fundamentalist separatist groups flourished in opposition to the more
moderately evangelical revivalism of the Southern Baptist Convention.
Fundamentalism began to take on more of a Southern accent as such leading
figures as Bob Jones and John R. Rice established headquarters in the South.
Other groups outside the traditional centers of influence in American cultural
life were attracted by the fundamentalist emphases. Holiness and Pentecostal
groups, in spite of their different dynamics, shared common background with
fundamentalists and were influenced by anti-modernist tendencies. In many
places the two traditions began to merge and become part of a discernable
new subculture (MARSDEN, 2006, p. 194).

É relevante destacarmos como o movimento fundamentalista cresceu nas


igrejas. Essa mentalidade antimodernista reflete uma presença constante nas
61

denominações evangélicas brasileiras, que foram influenciadas por uma visão idealizada
de mundo. Construída no sul dos EUA, o modelo de igrejas foi replicado no Brasil e o
ideário difundido através de mídias, tanto impressa, como televisão e rádio.
Também destacamos que o movimento fundamentalista se consolida entre os
imigrantes nos EUA, essencialmente vindos da Europa. Já no Brasil, essa influência
fundamentalista irrompe as etnias e as classes sociais, tornando-se uma influência
presente em todas as principais denominações do protestantismo, assim como do
pentecostalismo/neopentecostalismo dominante no território brasileiro.
Nos EUA, todavia, o movimento fundamentalista pós 1925, irá assumir três
formas nas grandes denominações que se assumem fundamentalistas mesmo não
conseguindo impor-se contra as ondas modernistas, grupos fundamentalistas crescem
em denominações que não eram fundamentalistas e os mais radicais passam a fundar
suas próprias igrejas de cunho fundamentalista.
Sendo assim, nos EUA, por volta dos anos 1960, essa ala mais radical que se
fechou no seu núcleo, foi a ala que tomou para si o termo fundamentalista e passou a ser
conhecida pela sociedade estadunidense. A partir desse momento, se associa de vez a
expressão “fundamentalismo” a um radicalismo, anticientífico e negacionista. É
interessante a contribuição de Marsden (2006), o qual destaca que mesmo os grupos
mais moderados, que eram identificados com o fundamentalismo dos anos 1920,
escolheram ser classificados por um novo termo, “evangélico”. Alguns traços desses
grupos ainda possuem tendências controversas, iguais às do grupo radical que toma para
si o termo.
O fato é que se vê uma relação ganha-ganha entre os religiosos e os políticos
seculares nos EUA, pois essa união também se deu no Brasil, e o movimento The Send,
em seu evento no Brasil, demonstrou isso de forma explícita. O que vemos é um uso de
ambos os lados: o político usa o religioso e o religioso usa o político. É claro que isso
não é uma especificidade do governo Bolsonaro. Ano após ano os púlpitos das igrejas,
principalmente pentecostais/neopentecostais, viram palanques políticos47.

47Vide o exemplo da inauguração do templo de Salomão em São Paulo, no dia 31 de julho de 2014. Tal
inauguração é um exemplo dessa relação de “ganha-ganha”, quando contou com a presença, na época, da
Presidente Dilma Rousseff (PT) e seu vice, Michel Temer (PMDB), o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB) – os três, candidatos à reeleição em outubro do mesmo ano –, além do então prefeito de
São Paulo, Fernando Haddad (PT). Disponível em:
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/inauguracao-de-templo-vira-culto-com-politicos-e-
ofertas,1c28de4663f87410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html. Acesso realizado em: 1 de outubro de
2021.
62

Essa relação ganha-ganha possui semelhanças com os EUA quando, em certo


sentido, os políticos profissionais “usaram” a direita religiosa e os líderes evangélicos
“usaram” o GOP e a percepção nacional de seu próprio poder político para construir
seus movimentos religiosos e divulgar suas ideologias culturais. Essa difusão de
ideologias culturais religiosas só é possível porque o político se rende ao religioso e
vice-versa. Sendo assim, enquanto essa relação for restrita a ponto de trocas de
benefícios serem feitas a todo instante, não poderemos nunca chamar EUA e Brasil de
democracias consolidadas, essa relação, pouco republicana, de uso do religioso pelo
político e vice-versa, não nos permite um avanço republicano e laico.
Diante deste cenário, já no presente século, marcados por uma revolução
digital, surgem duas figuras caricatas e reacionárias: a primeira nos EUA e a segunda no
Brasil. Donald Trump e Jair Bolsonaro, duas grandes criações de uma direita ressentida
e reacionária. O que ambos possuem em comum? Muitas coisas, entretanto, a mais
relevante delas, para a presente dissertação, é o alinhamento com a religião cristã e mais
precisamente com os evangélicos. E quem são os players religiosos que mais
apareceram e aparecem junto dos presidentes? Pastores fundamentalistas. Dois
exemplos nos EUA: Franklin Graham, filho do considerado maior evangelista do século
XX, Billy Graham, o qual Marsden (2006) considerou com claras tendências
fundamentalistas, porém mais moderado; juntamente com o filho de Jerry Falwell, Jerry
Falwell Jr, que, apesar de fundamentalista, não é pastor. Estes dois foram os principais
entusiastas do segmento religioso a candidatura de Trump. Graham segue apoiando
Trump, mesmo após a sua derrocada, anunciando inclusive sua volta à presidência 48. Já
no Brasil: Silas Malafaia, Edir Macedo, Estevam Hernandes, R.R Soares e Valdemiro
Santiago são os principais apoiadores, com um destaque significativo a Silas, que é um
efusivo defensor de Bolsonaro e um extremista militante do que ele chama de “pautas
da família”. Recentemente, Malafaia colhe os frutos de sua chancela à aprovação de
André Mendonça (o terrivelmente evangélico) para o STF. Mendonça, inclusive, não
cansa de mostrar sua gratidão ao pastor, que possui uma relação de grande proximidade
com Jair Bolsonaro.
Não podemos ser parciais e mencionar o fundamentalismo brasileiro apenas na
representação dos denominados pentecostais ou neopentecostais. Se olharmos para
alguns dos ministros de Bolsonaro, perceberemos representantes pentecostais e

48Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mwPRJ-C9W4o. Acesso realizado em: 1 de


outubro de 2021.
63

tradicionais que representam o reacionarismo fundamentalista evangélico. Por exemplo,


na primeira formação, Cunha destaca as denominações dos ministros evangélicos:

A pastora pentecostal Damares Alves ganhou a direção do Ministério da


Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O Ministério da Casa Civil foi
ocupado pelo luterano Onyx Lorenzoni e o Ministério do Turismo é
conduzido pelo membro da Igreja Maranata Marcelo Álvaro Antônio. O
Ministro da Advocacia Geral da União é o pastor presbiteriano André Luiz
Mendonça e o ministro-chefe da Secretaria de governo, general Luiz Eduardo
Ramos é um batista (CUNHA, 2019b)49

Dentre estes, da primeira formação, permanecem, no período em que escrevo


essa dissertação, Damares, Onyx, Marcelo e Ramos. Soma-se a eles mais um nome
evangélico, o atual ministro da educação, Milton Ribeiro. Desta composição de
ministros podemos destacar como fundamentalistas: Damares Alves, Milton Ribeiro e
André Mendonça (O terrivelmente evangélico, novo ministro do STF). Percebam o que
temos aqui argumentado: na composição de ministros fundamentalistas, dos três que
destacamos, dois deles são presbiterianos e Damares Alves é pastora pentecostal. Milton
Ribeiro, inclusive, é ligado ao Mackenzie, já foi vice-reitor da instituição, teve falas
deploráveis já no período como ministro. O “portal G1” fez um levantamento de ao
menos 6 frases ditas por ele, que destacamos na sequência: Universidades “para
poucos”; algumas crianças com deficiência são de “impossível convivência”; Gays
“vêm de famílias desajustadas”; Professores trans não podem incentivar alunos a
“andarem por esse caminho”; Crítica a “questões de cunho ideológico” do Enem e
desejo de intervenção e Defesa de remédios ineficazes contra a Covid-1950. Por outro
lado, Mendonça foi indicado, dentre outras coisas, por fazer orações semanais com
Michele e Jair Bolsonaro que, inclusive, sugeriu que a cada sessão do supremo ele
abrisse as reuniões com uma oração51. É importante destacar que os dois presbiterianos,
assim como Damares Alves, são consagrados ao ministério pastoral.
Já a relação dos fundamentalistas com o governo Trump, foi muito mais
estratégica do que as relações de Bolsonaro parecem ser. No corpo de ministros não
tivemos nenhum nome declaradamente fundamentalista, apesar de alguns nomes

49 Disponível em: CUNHA, Magali. Lobos devoradores. 2018. Acesso realizado em: 2 de outubro de
2021.
50 Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/08/23/milton-ribeiro-veja-frases-do-

ministro-da-educacao-e-entenda-por-que-elas-foram-questionadas.ghtml. Acesso realizado em: 2 de


outubro de 2021
51 Disponível em: https://www.otempo.com.br/politica/bolsonaro-sugeriu-que-andre-mendonca-faca-

oracoes-semanais-em-sessoes-do-stf-1.2516856. Acesso realizado em: 2 de outubro de 2021.


64

declaradamente religiosos, como Ben Carson, que foi secretário de Habitação e


Desenvolvimento Urbano, e o nome mais significativo Mike Pence52, que foi o elo de
ligação do magnata nova iorquino com a direita cristã do partido republicano. É
interessante analisarmos essa diferença, pois as relações da direita cristã com o partido
republicano são institucionais; ela é uma ala do partido. Nenhum dos ministros de
Trump, declaradamente conservadores cristãos, por exemplo, eram pastores ou pastoras.
Já no governo de Jair Bolsonaro, conforme destacamos, tivemos três ministros
declaradamente fundamentalistas.53
Apesar das similaridades, a presença dos fundamentalistas na política se dá de
forma diferente nos dois países. Pence, por exemplo, é um advogado declaradamente
cristão que foi governador do estado de Indiana. Ele é casado há mais de 30 anos, e
nunca se viu exposto em nenhum escândalo sexual, por exemplo, diferentemente de
Trump. Não estamos aqui elogiando sua figura, mas precisamos destacar os fatos, assim
como é relevante dizermos que Pence foi o responsável por realizar a transição para o
governo Biden. Na reta final, ele assumiu o papel de presidente na prática e não
permitiu que mais arroubos de Trump contra a democracia acontecessem. Ele assumiu o
papel institucional e agiu como um político que realizou a transição que Trump se
negou a fazer.
Diante disso, constatamos que a presença dos fundamentalistas nos governos
Trump e Bolsonaro foi e é real, além de intensa. Todavia, o modo de fazer política da
direita cristã estadunidense é diferente do modo de fazer política da bancada evangélica
(direita cristã brasileira?). Nos Estados Unidos, os discursos efusivos na defesa de
pautas fundamentalistas quase que se reservam de forma unânime aos pastores
midiáticos, e a consolidação das pautas fundamentalistas se dá na forma de lobbies de
pressão, mas quase nunca lançando pastores a concorrerem a cargos na política. Já no
Brasil, esse processo se dá de forma distinta, apesar de organizações como a Anajure54
representar um lobby no judiciário. Por exemplo, as denominações evangélicas elegem
seus pastores para representação parlamentar, assim como pastores no governo de
Bolsonaro foram alçados ao cargo de ministros de Estado, sem contar os pastores
midiáticos que propagam fortemente o discurso fundamentalista pelas mídias.

52 Disponível em: G1 - Mike Pence, o conservador vice de Donald Trump - notícias em Eleições nos EUA
2016 (globo.com). Acesso realizado em: 2 de outubro de 2021.
53 Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/veja-os-principais-nomes-da-equipe-de-governo-

de-donald-trump.ghtml. Acesso realizado em: 2 de outubro de 2021.


54 Disponível em: https://anajure.org.br/. Acesso realizado em: 2 de outubro de 2021.
65

O movimento The Send, apesar ter sido trazido para o Brasil e de ter feito suas
adaptações ao modelo brasileiro de pressão política, como é evidente no evento de
fevereiro de 2020, possui maiores similaridades com a maneira fundamentalista de agir
dos estadunidenses, pois eles propõem a formação de lideranças cristãs no pós-evento,
inclusive lideranças políticas, o que sai um pouco do formato de pressão usual no Brasil
ainda atualmente: eleger pastores a cargos legislativos e executivos. Sendo assim, no
próximo capítulo buscaremos realizar intersecções entre o movimento fundamentalista e
o The Send.
66

2 CAPÍTULO 2 – THE SEND: FUNDAMENTALISMO E TEOLOGIA DO


DOMÍNIO

The Send: O New Shape do Fundamentalismo evangélico

Como temos destacado, o fundamentalismo evangélico estadunidense se


consolida como uma oposição militante ao modernismo. As bases do movimento estão
fincadas desde os tempos da migração inglesa para a América do Norte, acentuando-se
nos anos da grande guerra civil, do Norte contra o Sul, conhecida como guerra de
secessão. Ou seja, não estamos falando de um movimento juvenil, é um movimento que
esteve presente desde os primórdios da história moderna dos EUA.
Para Marsden (2006), o fundamentalismo é uma junção de tradições cristãs
distintas, que se unem por um ideal anti moderno, é relevante ressaltarmos que a ideia
de modernismo, principalmente no final do século XIX e início do século XX, está
intimamente ligada aos avanços da ciência que colocavam em xeque as resoluções da
religião, é devido a isso que o movimento fundamentalista estadunidense é marcado
pela doutrina da inerrância do texto bíblico. Em um contexto de crítica literária ativa,
era necessário ter “fundamentos” que justificassem as crenças religiosas como já
destacamos.
Fazendo um comparativo com os dias atuais, essa crença na inerrância do texto
bíblico, que em muitos momentos trava uma guerra contra a ciência, é ainda um dos
principais pilares de crença fundamentalista cristã que ecoam sobre as sociedades civis.
Esse componente de fé, mais especificamente evangélica, se evidenciou com afinco na
pandemia que vivemos, em que os entes religiosos evangélicos travaram cruzadas
significativas, tanto no Brasil como nos EUA, em defesa de uma fé fundamentada em
preceitos literais do texto bíblico.
Marsden (2006), define os fundamentalistas como os “verdadeiros crentes”,
que tentam impulsionar o debate religioso, tentando tomar para si a identidade da
religião, se colocando sempre como os detentores da verdade. Eles não se limitam ao
espaço religioso, muito pelo contrário, tentam obter o protagonismo de sua cosmovisão
religiosa também sobre a população.
Sendo assim, é relevante destacarmos nossa análise, que tem partido da linha
de largada de que o fundamentalismo evangélico toma as suas formas de adaptação na
67

sociedade civil e temos usado a sociedade estadunidense como parâmetro, visto que
podemos afirmar que o evangelicalismo estadunidense evangelizou os brasileiros e em
muitos aspectos os doutrinou a sua imagem e semelhança.
Abaixo destacamos as palavras de Silva (2016) que reforçam como o
fundamentalismo consegue se adaptar ao mundo das mídias e como fazem uso delas
para se comunicar com as populações. Em suas palavras:

Como seu discurso não conseguia prevalecer nas denominações majoritárias


do norte do país e nem influenciar diretamente a cultura política, os
fundamentalistas, no afã de difundir sua mensagem, utilizaram-se de meios
diversos, tais como, por exemplo, movimentos de juventude (como
entretenimento alternativo e instrução espiritual), evangelização e abertura de
novas igrejas e, talvez mais significativamente, apropriaram-se dos
dispositivos da florescente indústria dos meios de comunicação de massa
para difundir sua mensagem, especialmente através da poderosa nova mídia
radiofônica, sobretudo, inicialmente, em sua dimensão local. Marsden (1991,
p. 47,61) assinala que os fundamentalistas foram “mestre dos meios de
comunicação de massa, e rapidamente se adaptaram ao rádio” com vistas á
evangelização. De fato, principiando nas emissoras locais, os pregadores
conservadores expandiram-se paulatinamente também para aquelas de
alcance regional, e até mesmo nacional. Desta forma, tiveram acesso a
milhões de radio-ouvintes, de forma comparável ao que os televangelistas
fazem hoje (SILVA, 2016, p. 41)

Muitos enxergavam no célebre evangelista William Franklin Graham,


mundialmente conhecido como Billy Graham, uma grande possibilidade de ascensão do
fundamentalismo norte-americano entre os jovens devido a sua popularidade e carisma.
Silva afirma que:

O pastor que realmente trouxe o evangelicalismo ao destaque nacional foi


Billy Graham, da Carolina do Norte, que desenvolveu um movimento
reavivalista conhecido como Juventude Para Cristo. Com slogans como
‘Engrenado com o tempo, mas ancorado à Rocha’, as reuniões de Graham
pautaram-se pelo uso da linguagem da cultura popular – música, a presença
de celebridades, jogos de perguntas e respostas, e até mesmo mágicas – mas
tudo conduzindo para a pregação do próprio Graham. ‘Nós usamos todos os
meios modernos para captar a atenção do não convertido’, ele disse, ‘e, então,
os acertamos entre os olhos com o evangelho’. Graham conquistou o apoio
do magnata da imprensa escrita William Randolph Hearst, que gostou da
mistura de patriotismo e moralidade. Hearst disse laconicamente aos
jornalistas para ‘colarem no Graham’, e eles o fizeram. Graham tornou-se de
fato uma figura nacionalmente conhecida em 1952, em consequência de uma
cruzada [evangelística] de cinco semanas, em Washington, D.C., que teve seu
encerramento nas escadarias do Capitólio – o primeiro culto religioso formal
realizado naquele local (REYNOLDS, 2009 apud SILVA, 2016, p. 44).

Porém, Silva diz que, apesar do destaque nacional de Graham e da sua


habilidade oratória de fácil comunicação com as massas, não foi possível engatá-lo
68

como um símbolo do fundamentalismo evangélico norte-americano. Nas palavras de


Silva:

Surgindo como “herdeiro da coalizão fundamentalista original da década de


1920”, Graham poderia ter sido, certamente, o catalizador da unidade
evangelical, sonhada por Carl Henry. No entanto, as expectativas de Henry
frustraram-se, pois Graham, que desde a década de 1950 até este início do
séc. XXI tem sido a figura-símbolo da corrente neo-evangélica do
protestantismo, não conseguiu atrair e representar a ala protestante mais
fundamentalista, mais sectária. Para Hankins, Billy Graham, apesar de ser
biblicista, conversionista, crucicentrista e ativista como os demais
evangélicos fundamentalistas, tinha algo de muito diferente. Segundo este
historiador, este pastor evangélico era um homem envolvido com a cultura
religiosa dominante nos EUA, isto é, cultura ecumênica e pluralista, sendo
ele mesmo um agente desta vertente cultural-religiosa (SILVA, 2016, p. 45).

Porém, diversos nomes surgem no contexto dos EUA como um forte apelo
fundamentalista, principalmente a partir da eleição de Jimmy Carter, em 1976. O
principal nome é Jerry Falwell e a sua maioria moral. Realizando um uso massivo das
mídias sociais, Falwell e outros nomes como o candidato à presidência, Pat Robertson,
se lançaram e ocuparam esse espaço de influência e trânsito principalmente com o
Partido Republicano estadunidense.
O The Send, conforme temos destacado, é um movimento que nasce neste
contexto nos EUA, aparecendo muito depois desses nomes que ficaram conhecidos
como os principais expoentes do fundamentalismo. Após o governo George W. Bush,
onde ele próprio foi uma figura que representava esse movimento, é que nascem outros
movimentos como o The Call, de Lou Engle, que há cerca de 20 anos mobilizou jovens
em estádios, como ocorre no The Send.
O alcance que o movimento demonstra só foi possível pois é a junção com
agências como a JOCUM, uma expoente do pensamento fundamentalista para os
cristãos que possui capilaridade, espaços físicos de treinamento de jovens para fazer
“missões”, onde eles passam por esses ambientes recebendo uma doutrinação
fundamentalista, pois conforme temos destacado tal cosmovisão se faz presente na
maior parte das denominações evangélicas.
É devido a esse histórico que definimos o The Send como o New Shape do
movimento fundamentalista. Ele é a forma que líderes extremistas cristãos conseguem
propagar suas crenças de superioridade com um formato jovial e descolado, cheio de
música, tatuagens, roupas da moda, porém com observâncias e crenças que não são nada
69

libertadoras, pelo contrário, são escravizantes e excludentes. Sendo assim, é relevante


nos aprofundarmos mais no histórico do movimento.

O movimento The Send

Os próprios organizadores do movimento The Send partilham em seu site uma


descrição de como o movimento se originou, em suas palavras:

Nos últimos 18 anos, o ministério do The Call encheu estádios com a


mensagem de jejum e oração acreditando que a América se voltaria para
Jesus. Em 2011 o Senhor falou com os líderes do The Call através de um
grupo de missionários do YWAM (Youth With A Mission/JOCUM) que uma
virada estava por vir e iria nascer um movimento de envio como um começo
do resultado dos anos de jejum e oração.
Em 2016, o estádio Gathering no LA Coliseum, o evento começou com 70
mil pessoas levantando seus sapatos em sinal de rendição para levar o
evangelho a todos os lugares. Este encontro, chamado Azusa Now, catalisou
um movimento de base que começou a ativar os cristãos para evangelizar e
mobilizar missionários em todo o mundo.
Em resposta ao Azusa Now, uma colaboração de ministérios nacionais se
reuniu em Orlando, Flórida, para buscar a Deus. Acreditando que o impulso
de base deve se tornar um movimento nacional, cada líder assumiu o
compromisso de fazer o que fosse necessário para ver a reevangelização da
América e a conclusão da Grande Comissão. O The Send nasceu.55

Ainda sobre a fundação do movimento, o site do The Send destaca os seus


fundadores que são chamados de “colaboradores”. São eles: Teo Hayashi (Dunamis),
Andy Byrd (Lou Engle Ministries), Lou Engle (YWAM), Todd White (Life Style
Christianity), Daniel Kolenda (CFAN), Michael Koulianos (Jesus Image) e Brian
Brennt (CR – Circuit Riders).
O site também define estes fundadores/colaboradores da seguinte maneira:

A MELHOR DEFINIÇÃO PARA COLABORAÇÃO É “DIFERENTES


DONS, MESMO SACRIFÍCIO” NÓS ACREDITAMOS QUE O ÚNICO
CAMINHO PARA VER UM IMPACTO EM TODA NAÇÃO É ATRAVÉS
DA COLABORAÇÃO INCOMUM. É POR ISSO QUE CIRCUIT RIDERS,
THE CALL, YOUTH WITH A MISSION, LIFESTYLE CHRISTIANITY,
CHRIST FOR ALL NATIONS, JESUS IMAGE, DUNAMIS MOVEMENT, E
MUITOS OUTROS SE UNIRAM PARA FORMAR O THE SEND.56

55Disponível em: http://thesend.org.br/historia-pt/ . Acesso realizado em: 2 outubro de 2020


56Disponível em: http://thesend.org.br/historia-pt/. Acesso em: 02 outubro de 2020.
A formatação do texto mantém exatamente a formatação disponível na página do site com o intuito de
ressaltar o sentido exclamatório, por isso a caixa alta.
70

Essa colaboração de ministérios nos remete a pensar no conceito de


movimentos sociais, pois é evidente que estamos diante de uma organização de massas.
Nesta tarefa que temos de demonstrar o que é o The Send, se faz relevante embasar
teoricamente o que é um movimento social. Goss (2004) nos traz um breve histórico a
respeito desta importante teorização. Em suas palavras:

Até o início do século XX, o conceito de movimentos sociais contemplava


apenas a organização e a ação dos trabalhadores em sindicatos. Com a
progressiva delimitação desse campo de estudo pelas Ciências Sociais,
principalmente a partir da década de 60, as definições, embora ainda
permanecessem imprecisas, assumiram uma consistência teórica,
principalmente na obra de Alain Touraine, para quem os movimentos sociais
seriam o próprio objeto da Sociologia. Apesar do desenvolvimento que o
conceito teve nos últimos anos, não há consenso ainda hoje entre os
pesquisadores sobre seu significado. Outros estudiosos do tema, como
Alberto Melucci, por exemplo, questionam o conceito de movimentos sociais
por considerá-lo reducionista, e empregam preferencialmente o de ações
coletivas. Isso sinaliza para a necessidade de uma maior discussão acerca da
validade conceitual do termo, mesmo porque ele vem sendo utilizado
indiscriminadamente para classificar qualquer tipo de associação civil
(GOSS, 2004, p. 75).

A despeito dessa falta de consenso a respeito da correta teorização do que é um


movimento social, é relevante destacar que o The Send é uma ação coletiva de grupos
evangélicos, grupos organizados por uma matriz religiosa, mais precisamente o que
temos são, líderes carismáticos evangélicos de diversos grupos independentes que se
reuniram com um objetivo claro de mostrar força e unidade evangélica pautada por
valores fundamentalistas. Diante dessa busca dos fundamentalistas brasileiros de
demonstrarem força, é importante fazermos uma relação com os movimentos que
demonstraram força no processo constituinte brasileiro, para termos em mente quais
eram aqueles grupos. Ao destacar os movimentos sociais que participaram da
constituinte, Kalil (2020) destaca alguns destes, em suas palavras:

En Brasil, la Constitución Federal (CF), promulgada en 1988, representa el


hito de la transición a un Estado democrático, después de 21 años de
gobierno autoritario. La CF es un gran avance para garantizar los derechos
humanos y sociales, y la “dignidad humana” es uno de sus fundamentos
(Brasil,1988). En el proceso de elaboración más amplio (Coelho, 2009), entre
1986 y 1988, participaron varios sectores de la sociedad (Louback, 2016). Se
contó con la participación popular mediante cartas de ciudadanos comunes
(Versiani, 2013), e incluso reclamos de grupos organizados, como
movimientos urbanos (Nunes, 1987), ambientales (Neto, 2012), indígenas
(Cunha, 2018), negros (Neris, 2015), y de los nacientes movimientos de
mujeres y de “liberación homosexual” (De la Dehesa, 2010). (KALIL, 2020,
p. 37)
71

É interessante destacarmos os movimentos citados pela autora que integraram o


processo constituinte. Longe de nós sermos parciais em relação à rica análise que o
trabalho de Kalil (2020) nos traz, mas não podemos passar ao largo que os movimentos
que a autora reconhece como movimentos relevantes no processo constituinte são
movimentos progressistas, e não queremos em hipótese alguma dizer que o trabalho da
autora é excessivamente ideológico, privilegiando analisar os movimentos progressistas
como movimentos sociais em detrimento dos movimentos conservadores. Muito pelo
contrário, Kalil é uma pesquisadora que tem se dedicado a estudar os movimentos
conservadores.
Todavia, em meio a essa dificuldade de conceituação dos movimentos sociais
destacada por Goss (2004) e, a menção feita por Kalil (2020) aos movimentos
progressistas no processo constituinte, temos tido dificuldade em encontrar trabalhos
acadêmicos que se dedicam a conceituar movimentos reacionários como “movimentos
sociais”. O trabalho de Gohn (2011) reforça essa nossa aparente percepção, o que não
nos impede de conceituar o The Send como um movimento social religioso de cunho
fundamentalista como temos feito. Para além da dificuldade que encontramos, de ir
além das literaturas que conceituam movimentos sociais ligados a pautas de libertação,
não poderíamos passar ao largo da contribuição de Burity (2016), que nos auxilia no
diálogo aqui levantado, destacamos suas palavras:

a) os novos atores não são apenas minoritários, mas minoritizaram todas as


maiorias, puxando-as para o terreno de suas práticas de articulação de
demandas e de mobilização; por isso não deveríamos nos admirar de que de
repente a direita mobiliza massas, põe milhares na rua, lançando mão do
repertório do protesto social construído ao longo de décadas contra ela e
resistido por ela, mas transformado – enquanto pudermos falar de instituições
democráticas vigentes – em condição de legitimidade para a expressão do
protesto; assim, não é o fim do mundo se a luta hegemônica no interior do
próprio pentecostalismo o empurra para os braços da reação; esta é também
minoritária, num mundo de minorias – não porque todos se tornaram
pequenos ou excluídos, mas porque as prerrogativas das maiorias pré-
democráticas foram reivindicadas, legal e politicamente, pelas minorias
emergentes (BURITY, 2016, p. 41).

Podemos comparar essa capacidade de mobilização de massas da “direita”,


com a capacidade de mobilização de massas das “igrejas”. O The Send exemplifica
muito bem essa união. As igrejas cristãs sempre foram um espaço privilegiado para
mobilizações sociais, muito antes de termos as definições de espectro político como
direita e esquerda. Para usarmos um exemplo recente, destacamos as Comunidades
72

Eclesiais de Base (CEBs)57, que incentivadas pela Teologia da Libertação58,


organizavam política e militantemente os pobres da América Latina. Diferentemente do
The Send que, conforme teremos ocasião de trabalhar na presente dissertação, organiza
e mobiliza evangélicos a partir da cosmovisão de direita cristã estadunidense. Ou seja, o
The Send não é uma inovação, no sentido de organizar e mobilizar pessoas em
movimentos que alinham o religioso ao político, e quando olhamos atentamente para o
movimento The Send, percebemos que estamos diante de uma resposta religiosa das
direitas, que conforme Burity (2016) destaca, mobiliza massas a partir do
pentecostalismo, que no Brasil possui matizes distintas, sendo uma dessas matizes o
movimento carismático de classe média (média alta), bem exemplificado no movimento
The Send.
Destacamos que estamos diante de uma ação coletiva de indivíduos dotados de
uma ideologia religiosa que não se limitam ao espaço religioso, muito pelo contrário,
expandem sua área de atuação para todos os espaços sociais como fruto de sua crença.
Apesar de ressaltarmos o fato de que a teorização acadêmica relacionada aos
movimentos sociais prioriza os movimentos progressistas, é necessário realizarmos um
importante adendo em nossa teorização. Nas palavras de Goss (2004), destacamos:

Ao final do percurso pelas teorias sobre os movimentos sociais, Gohn (1997)


estabelece sua conceituação que caracteriza os movimentos sociais como
ações sociopolíticas construídas por atores coletivos de diferentes classes
sociais, numa conjuntura específica de relações de força na sociedade civil.
Segundo a autora, as ações desenvolvem um processo de criação de
identidades em espaços coletivos não institucionalizados, gerando
transformações na sociedade, seja de caráter conservador ou progressista.
(GOHN, 1997 apud GOSS, 2004, p. 78)

Essa conceituação atende ao nosso objetivo no presente tópico onde podemos


localizar o movimento The Send como uma ação sociopolítica construída por atores
coletivos evangélicos fundamentalistas que buscam influenciar a visão de mundo de
uma juventude brasileira de classe média que, de forma organizada, procura ocupar os
espaços de poder da sociedade brasileira, seja no âmbito religioso ou não.

57 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/freibetto/livro_betto_o_que_e_cebs.pdf.


Acesso realizado em: 30 de julho de 2021.
58 Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/595462-teologia-da-libertacao-o-que-significa-

no-contexto-atual. Acesso realizado em: 30 de julho de 2021.


73

De onde vem o The Send?

O The Send é um movimento idealizado e executado pelos líderes e ministérios


que compõem a Independent Network Charismatic Christianity. Os ideais e as ênfases
dos ministérios que compõem o The Send são todos ligados a esse movimento de
avivamento que nasce nos EUA entre os pentecostais carismáticos. Antes de
prosseguirmos, é necessário que não uniformizemos o carismatismo/pentecostalismo, o
grupo que aqui temos destacado tem características que os distinguem dentro do grande
espectro pentecostal. Nas palavras de Christerson e Flory, destacamos:

If one were combine all Pentecostal/Charismatic believers, the resulting


group would arguably be largest Protestant Christian movement in the world,
with an estimated half-a-billion followers worldwide (Miller et al. 2007
Paloma 2003). An emphasis on the “gifts of the Holy Spirit,” including
glossolalia (speaking in tongues), healing, prophecy, and other supernatural
miracles, distinguishes Pentecostal/Charismatic from traditions. There are
further distinctions among the various Pentecostal/Charismatic branches that
are important to the arguments that we make in this book. (CHRISTERSON
E FLORY, 2017, p. 7).

O termo “carismático”, empregado no entendimento dos autores Christerson e


Flory, se relaciona a alguns movimentos independentes pentecostais que nascem após a
Segunda Guerra Mundial. Em suas palavras:

The term Charismatic emerged to describe believers who remained within


mainline (including Catholic) and independent churches but embraced the
Pentecostal emphasis on the gifts of the Spirit but who were not part of
Pentecostal denominations. This movement grew rapidly in the postwar
period and eventually encompassed significant minorities of evangelical
Protestants (23 percent), mainline Protestants (9 percent) (Paloma 2003;
Green at al. 1997). Some scholars refer to these Charismatics as “second
Wave” Pentecostals because they emerged after World War II, long after the
first wave denominations were established (Paloma 2003). (CHRISTERSON
E FLORY, 2017, p. 7)

O grupo que organizou o movimento The Send todavia tem características


distintas dos grupos carismáticos da segunda onda, características que fizeram com que
Christerson e Flory (2017) os destacassem como a “terceira onda” carismática ou “neo-
carismático”. As igrejas que compõem esse novo paradigma são: Vineyard, Calvary
Chapel e Hope Chapel. Esses grupos e líderes são retratados pelos autores como “neo-
carismáticos”. Abaixo destacamos as características que figuram essa terceira onda
“neo-carismática”:
74

1) They do not seek to build a “movement” or to create affiliated franchise


congregations using a particular name.
2) They are not primarily focused on building congregations in the traditional
sense, but rather seek to influence the beliefs and practices of believers
regardless of congregation or affiliation, including those who are not
affiliated with congregation or religious group.
3) They seek to transform society as a whole rather than saving individual
souls and building the church.
4) Instead of being formally organized into a “movement” or “denomination”
the various leaders and ministries in this category are highly connected by
networks of cooperation.59

Foi C. Peter Wagner quem cunhou o termo “Nova Reforma Apostólica”60 para
descrever esses líderes que compõem essa “rede carismática independente”
(Independent Network Charismatic), conforme destacam Christerson e Flory (2017).
Para Wagner, esse movimento, de fato, representa uma grande mudança no modo como
os cristãos estão organizados, por isso ele criou o nome “Nova Reforma Apostólica”,
rememorando o movimento da reforma protestante, apesar de muitos desses grupos não
se identificarem com a nova reforma, a dinâmica seguida por todos eles, é basicamente
a mesma.
Wagner, com a Nova Reforma Apostólica, propõe um novo modo de
organização dos movimentos independentes. Destacamos suas palavras:

In traditional denominations the locus of authority is ordinary found in


groups, not in individuals. That is why we are accustomed to hearing about
deacon boards, board of trustees, presbyteries, however, trust has shifted
from groups to individuals. On the local church level, the pastor now
functions as the leader of the church instead of as an employee of the church.
On the translocal level, the apostle is the one who has earned the trust of
pastors and other leaders; and trust inevitably imparts authority (WAGNER,
2006 apud CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 9).

Christerson e Flory (2017), destacam em seu livro que os líderes que compõem
a INC, aqui estudados e ligados ao movimento The Send, não necessariamente se
identificam com a Nova Reforma Apostólica, apesar de que os líderes identificados com
a NAR também compõem a INC. Para os autores, essa rede de pregadores
independentes é a que mais cresce nos EUA. Em suas palavras:

We think that INC Christianity is important, not only because of its numbers
and growth rate, but because it represents a new form of Christianity that could

59 CHRISTERSON E FLORY, p.8, 2017


60 Metodologia de organização eclesiástica criada por Peter Wagner.
75

reshape the global religious landscape for years to come. It has unique features
that, although not entirely new, have not been seen on the such a large scale
before. Organizationally, it is composed of networks of dynamic individual
leaders rather than of congregations and denominations. These leaders are
adamant that their goal is not build a “movement” or “organization” but rather
to exert their influence through media, conferences, and their relationships
with other individual leaders in religious and secular professions. Thus it is not
a “church,” “movement,” “sect,” or “denomination.” These suggest a level of
formal organization that simply does not exist in INC Christianity. Rather,
INC Christianity is at its core simply does not exist in INC Christianity.
Rather, INC Christianity is at core simply a collection of strong leaders who
know each other and combine and recombine for specific projects, but who are
functionally independent of one another. (CHRISTERSON E FLORY, 2017,
p. 10).

Ao que nos parece, o The Send é exatamente uma combinação desta rede de
pregadores independentes que “combinam e recombinam” projetos específicos. A
respeito da legitimidade destes grupos, os autores afirmam que “esses líderes ganham
sua legitimidade e influência por suas habilidades de acessar o poder sobrenatural para
produzir “sinais e maravilhas”, ao invés de terem habilidade oratória, credenciais
acadêmicas, ou posição hierárquica (tradução livre do autor) ”61. Os autores ressaltam
que é um tipo de legitimidade conquistada através do carisma, no sentido Weberiano, o
que não é uma regra, pois podem existir líderes que também possuem essas
características.
Para os autores aqui destacados, os seguidores dos grupos que estamos
estudando não são necessariamente membros de congregações no sentido tradicional.
Os autores destacam que eles geralmente vivem pulando de conferência em conferência,
escolas de ministério à escolas de ministério, e definem sua fé mais pelas práticas e sua
fidelidade a líderes individuais do que por sua conexão com uma congregação, grupo ou
tradição.
A análise de Christerson e Flory (2017) nos é rica porque ela olha para esses
grupos a partir do seu diferencial em relação ao cristianismo. Os autores destacam que
os grupos aqui destacados possuem um produto que nenhum outro grupo conseguiu
produzir em uma sociedade de mercado. Em suas palavras:

Our analysis suggests that INC leaders have expanded their “market share”
because of their innovative structures, unique “product” offerings, and
inventive methods of marketing and financing their activities, all of which

61“These leaders gain their legitimacy and influence form their perceived ability to access supernatural
power to produce “signs and wonders” rather through speaking ability, educational credentials, or
position in a hierarchy.” (CHRISTERSON E FLORY, p.11, 2017)
76

leverage the power of digital communications technologies (CHRISTERSON


E FLORY, 2017, p. 11).

Os autores também destacam que essa rápida expansão de mercado dos líderes
INC se dá devido a uma conjuntura social única que emerge nos EUA e nos países em
desenvolvimento pós década de 1970. Eles mostram três mudanças sociais que
colaboraram para o sucesso desses grupos:

Globalization. It become accepted in academia that advances in


transportation and communications technologies have accelerated the
integration of social processes and systems (economic, political, cultural)
across national boundaries. The digital revolution. Advances in digital
technology, most notably the microcomputer and the Internet, have
transformed the dissemination and communication of information, which has
expanded and democratized access to knowledge and information. The rise of
networks and the decline of bureaucracies. Related to the previously
mentioned changes, organizational theorists have documented a shift from
large-scale hierarchical organizations toward informal social systems
organized by networks of small-scale actors. In a number of industries, the
coordination of complex production processes is moving away from large
vertically integrated hierarchical firms toward a more flexible form of
governance consisting of networks of small firms and individuals that can
combine and recombine for short-term tasks in response to changing market
conditions. Advances in information technology make this form of
organization possible on a global scale (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p.
15).

Em outras palavras, os líderes INC se adaptaram a uma sociedade ocidental em


constantes mudanças e consequentemente essas mudanças sociais, segundo os autores,
ocasionaram alterações no mercado religioso, particularmente para jovens adultos. O
crescimento do pluralismo cultural e religioso, a mídia interativa e o declínio da
lealdade às instituições são apontados pelos autores como mudanças que ocorreram no
mercado religioso atingindo significativamente os jovens adultos, os quais são o público
que essencialmente compõe o movimento The Send.
O grande influenciador do movimento carismático INC é John Wimber. Ele
inicia o seu ministério filiando sua igreja a Calvary Chapel de Chuck Smith. A Calvary
já possuía algumas características dos movimentos INC, “adoração inspirada em música
popular, estilo informal, pregação literal da Bíblia e abertura às manifestações
milagrosas do Espírito Santo”, isso tudo ainda na década de 1960.
Wimber começa a ter algumas experiências espirituais um tanto quanto
histriônicas, e a Calvary Chapel sugere que Wimber se adapte a um culto padronizado.
Devido a isto, Wimber rompe com a Calvary Chapel e se junta a Ken Gullickson´s no
Vineyard Movement.
77

Wimber, por outro lado, livre da necessidade de controle imposta pela Calvary,
continuou com sua abordagem muito mais experimental do Espírito Santo, e o número
de pessoas que se achegam ao movimento liderado por ele aumentava
consideravelmente. Além disso, Wimber começou a lecionar uma matéria em conjunto
com C. Peter Wagner, no seminário Fuller. Christerson e Flory destacam o conteúdo
dos ensinos de Wimber:

In this course, Wimber would lead students in the practices of prophecy and
healing. Typically, he would ask the class to be quiet and listen for God to
speak to them. Often a student would report that God revealed something
specific about somebody whom He wanted to heal. Wimber would ask if
anyone in the class fit that description. They would then ask that God heal the
person. According to reports, many students themselves were healed from
physical ailments during this class (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 21).

No final dos anos 1980 e começo de 1990, Wimber e a Vineyard se


envolveram em uma polêmica com duas entidades diferentes: os profetas de Kansas
City e os líderes da bênção de Toronto. Essas ações são cruciais para a compreensão dos
líderes e dos ministérios INC. Wimber começa a andar com esses profetas de Kansas
City que afirmavam que os crentes precisam ouvi-los para receber instruções diretas de
Deus para estarem prontos para o retorno de Jesus. Essa atitude de Wimber causava
preocupação entre outros líderes da Vineyard e outros líderes denominacionais
pentecostais que pediram para Wimber se dissociar dos profetas de Kansas City. Já a
TAVC (Toronto Airport Vineyard Church) começou a ter algumas experiências
excêntricas como risadas no espírito, rosnar como leão, dentre outras excentricidades
que fizeram com que a liderança da Vineyard solicitasse a Wimber que desligasse a
igreja da associação Vineyard.
Wimber então desassociou a igreja TAVC, porém muitos membros da
Vineyard seguiram indo até a igreja com suas excêntricas experiências no Espírito Santo
e seguiram acompanhando o movimento dos profetas de Kansas City. Antes de morrer,
Wimber ligou para os líderes de Toronto e os Profetas de Kansas City e solicitou que
eles seguissem seus caminhos e criassem seus próprios movimentos, porém eles não
quiseram criar suas próprias organizações. Entretanto, formaram uma rede de afinidade
em que eles puderam construir seu próprio ministério pessoal sem precisar construir
uma organização de várias igrejas. Wimber é o principal pilar do INC.
Outro nome de extrema importância é C. Peter Wagner, missionário na Bolívia
por 16 anos, professor de crescimento de igreja no Fuller Seminary. Ele, no princípio,
78

era um cessacionista62. Após passar um tempo na América do Sul como professor de


crescimento da igreja, ele percebe que o pentecostalismo é a fé que mais cresce no
Hemisfério Sul.
Wagner conhece Wimber no Fuller; ele admirava muito o seu ministério
pentecostal pela capacidade de crescimento, porém segue apenas admirando o
pentecostalismo até 1978. Em 1982, Wagner convida Wimber para ser professor da
classe de dons e profecias. Enquanto Wagner atendia como professor e aluno, durante
uma das orações de Wimber, ele sentiu fortemente o toque do Espírito Santo, sendo
curado de uma pressão sanguínea. Desde então, ele começa a orar pelos doentes e crer
em curas pentecostais.
Wagner e o antropólogo do Seminário Fuller, Chuck Kraft, se tornaram
discípulos de Wimber e continuaram a promover manifestações miraculosas do Espírito
Santo em suas classes no Fuller. A classe de sinais, maravilhas e crescimento da igreja
se manteve até 1985, sendo cancelada pelo seminário. O foco de suas classes estava nos
sinais e maravilhas. Eles ensinavam a orar pelo doente e pela libertação das forças
demoníacas. Wagner começou a escrever livros sobre as manifestações do Espírito
Santo, assim como montar conferências sobre como as manifestações do Espírito Santo
podem resultar em sucesso evangelístico e crescimento da igreja. O termo criado por ele
foi “power evangelism” (CHRISTERSON E FLORY, 2017). Os autores ressaltam que:

Jacobs introduced Wagner to the idea of praying not only for healing and
deliverance of individuals from demoniac forces but for cities and nations as
well. This led Wagner to explore the possibility that certain nations and
populations that are resistant to Christianity may be under the influence of
national or “territorial” demoniac forces (CHRISTERSON E FLORY, 2017,
p. 28).

No congresso mundial de evangelização em Manilla, em 1989, Wagner


apresentou um seminário nomeado de Spiritual Warfare Track. Foi ali que se criou o
Spiritual Warfare Network composto por Wagner, Cindy Jacobs, John Dawson,
presidente da JOCUM; Jack Hayford presidente aposentado da igreja Quadrangular, o
argentino Ed Silvoso e George Otis Jr.
Em 1991, Wagner inicia sua trajetória mundial de guerra espiritual (batalha
espiritual com demônios espirituais). Em 1993, Wagner conhece Ted Haggard, pastor
neo-carismático de uma mega igreja local em Colorado Springs. Em 1996, os Wagners

62 Os cessacionistas acreditam que os dons do Espírito Santo foram interrompidos na época dos apóstolos.
79

se mudam para Colorado e junto com Haggard, constroem o World Prayer Center no
campus da New Life Church. A parceria com Haggard durou até 1998, quando o pastor
foi pego em um escândalo com prostitutas e drogas.

During this period, beginning in the late 1990s, Wagner began to explore the
idea that the growth of Pentecostal/Charismatic churches globally was due
not only to accessing the power of the Holy Spirit, but also because of the
way they were governed. Wagner notes that the leaders of these churches and
organizations were strong, independent, de entrepreneurial people who were
not governed by boards or denominational structures. He began to theorize
about “apostolic” leadership, which meant that those with charismatic
authority (in the Weberian sense) were being given the freedom to innovate
and lead without organizational constraint in many neo-Charismatic
churches. Wagner then coined the term “New Apostolic Reformation” (NAR)
to describe this shift from denominational to apostolic leadership in the neo-
Charismatic movement worldwide, which he saw as a religio-cultural shift as
dramatic as that of the Protestant reformation (CHRISTERSON E FLORY,
2017, p. 30).

Wagner criou duas instituições apostólicas: Eagles Vision Apostolic Team


(EVAT) e International Coalition of Apostles (ICA). Wagner passou a liderança do
WLI (Wagner Leadership Institute) a Ché Ahn, que possui sua visão global de
apóstolos. Wagner e seus apóstolos também são os autores do que a maior parte dos
colaboradores do The Send segue: a teologia denominada de “Seven Mountains of
Culture”.

Wagner and his apostles teach that the kingdom of God can and will be
founded on earth through the rise of apostles who will establish themselves as
leaders in the “Seven Mountains of Culture”: religion, education, family,
media, arts and entertainment, business. They also assert that Christian
believers will soon be the recipients of “the largest transfer of wealth in the
history of mankind,” which they will use to bring about transformation of the
world. (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 31)

A contribuição de Wagner é significativa para o movimento INC Christianity,


essencialmente porque foi ele que desenvolveu teorias de transformação social que
foram adotadas por muitos líderes INC.
Ché Ahn é um outro nome significativo no INC, nos anos em que estudou no
Fuller Seminary, ele se inscreveu no programa Signs, Wonders and Church Growth
Class. Wimber convidou Ahn para fazer parte da visão apostólica e se filiar a Vineyard.

During that year, 1994, the Toronto Blessing was in full swing at the Airport
Vineyard in Toronto, which Ahn and others in his circle had visited.
Beginning in April 1995, Ahn´s church began to experience a similar
80

“visitation” of the Holy Spirit, including the same visible manifestations such
as laughing, crying, shaking, and falling in the Spirit. Like the Toronto
Blessing, Ahn´s group began to hold nightly meetings (CHRISTERSON E
FLORY, 2017, p. 32).

Em 1995, Wimber pediu para que Che Ahn parasse com a benção de Toronto
ou se desfiliar da Vineyard. Ele escolheu se desfiliar, nove meses depois de sua filiação.

Soon after, Cindy Jacobs approached Che with a word from God that he
should start a network of churches. Che believed this was God speaking to
him, and ten months later he launched Harvest International Ministries
(HIM), in October of 1996 (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 32).

A organização de Ahn possui 8.000 igrejas filiadas ao redor do mundo. Com


sua visão apostólica, ele nunca quis se envolver com as igrejas afiliadas, por isso não
criou uma organização, apenas passa a visão apostólica para as igrejas que querem se
filiar a visão deles e lhes oferece ajuda financeira.
Bill Johnson, da Bethel, é um pastor de quinta geração, outro nome importante
no movimento INC com origem na assembleia de Deus; pastoreou uma pequena igreja
que começou com 50 membros e, com sua chegada, logo cresceu para 300 membros.
Ele permaneceu nessa igreja por 17 anos. Durante esse tempo, ele destinou um ano
ensinando sobre os “presentes do Espírito Santo”; ensinava pela manhã e à noite fazia
um culto que era destinado ao sobrenatural.
Johnson participou de uma conferência Vineyard que mudou o panorama de
sua igreja, apesar de entender que Wimber ensinava o que ele já lecionava, após aquele
congresso, o “patamar espiritual” de sua igreja mudou.
Outra marca de mudança de sua igreja foi quando ele visitou a Vineyard
Airport em Toronto, os milagres aconteceram como nunca. Sua esposa que, segundo
ele, era uma pessoa tradicional, começou a sentir a unção de Toronto e cair no chão, rir
sem parar. Em 1996, Johnson foi convidado para pastorear a Bethel e se desfiliou da
Igreja das Assembleias de Deus, pois não acreditava que as profecias e maravilhas
pudessem estar ligadas às amarras de uma instituição. Dois anos depois, Johnson criou a
Bethel School of Supernatural Ministry (BSSM) que colocou a igreja no cenário
internacional.

Classes include practical courses on how to pray for healing, how to deliver
someone from demoniac presence, and how to receive prophetic words
directly from God. BSSM students regularly go out into the Redding
community and practice these techniques in shopping centers, parks, and
81

other public places. Students enroll initially for a one-year program. If they
show promise and maturity, they are asked to complete a second year. Only a
small number are asked to complete a third year, which is a yearlong ministry
internship for those are being groomed for leadership (CHRISTERSON E
FLORY, 2017, p. 36).

O BSSM fez da Bethel uma mega igreja. Assim como Che Ahn, Johnson não
tem interesse em construir uma denominação ou um movimento. Ele não é mais o “head
pastor”; o seu filho é o pastor e ele passa a maior parte do seu tempo fazendo trabalho
apostólico, disseminando sua visão e influência ao falar em conferências e se
encontrando com outros apóstolos e pastores. Ele viaja 125 dias por ano com membros
da Revival Alliance.
Outro nome importante do INC é Mike Bickle, líder da International House Of
Prayer. Ele afirma ter recebido profecias de um dos profetas de Kansas City: Bon
Jones. Em Anaheim Vineyard, Bickle é ativado para buscar os dons do Espírito Santo. A
relação entre Bickle e Wimber se intensifica e os dois passam a realizar conferências
juntos, inclusive com os profetas de Kansas City.

After the break with the Vineyard, Bickle started a 24/7 prayer movement, as
predicted by Bob Jones, “in the spirit of the tabernacle of David, with singers
and musicians,” which was to become IHOP. He also left the Metro Christian
Fellowship in order to start Forerunner Christian Fellowship, the church of
which he currently is the head pastor and that currently has 5,000 attendees
each Sunday. After Wimber´s death in 1997, the new Vineyard leadership
dissociated themselves completely from Bickle and the Kansas City Prophets
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 40).

A IHOP está localizada em Kansas City com uma megaestrutura de preparação


de pessoas para servirem suas comunidades locais sem o interesse de ter filiação com
estes líderes. Eles apenas os treinam e não exigem filiação com ninguém, dizem apenas
que querem inspirar e não governar. Existem muitas similaridades entre os líderes da
Bethel, HIM e IHOP ́s:

There are a number of similarities that tie these four INC leaders and their
ministries together. Using the conceptual categories of the “religious
economy” paradigm, they have 1) organizational structures, 2) products, and
2) marketing and funding techniques that are quite different from the “new
paradigm” neo-Charismatic groups that Miller (1997) described, as well as
from other traditionally organized religious groups (CHRISTERSON E
FLORY, 2017, p. 41).
82

Estes nomes foram os principais nomes do INC. Todos eles tiveram vínculos
com Wimber, que morreu em 1997. Podemos concluir que Wimber e Wagner são os
idealizadores do INC. Em relação ao trabalho em equipe e a cooperação que existe entre
os líderes carismáticos, os autores Christerson e Flory, destacam:

The headline speakers of the conference – Lou Engle, Bill Johnson, Heidi
Baker, Cindy Jacobs, Che Ahn, Georgian Banov, Dutch Sheets, Todd White,
and Daniel Kolenda regularly appear together at conferences all over the
world. They each not only lead their own churches and ministries but also
provide “apostolic covering” for network of other churches and ministries
that they do not supervise. They all have reputations of producing miraculous
“signs and wonders” (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 50).

Lou Engle, Todd White e Daniel Kolenda são, inclusive, 3 dos 7 colaboradores
principais do The Send. Essa forma de ligar as redes de contato é feita de forma
espontânea, muitas vezes, inclusive, sem a necessidade de se assumir compromissos
com doutrinas como é o caso das denominações tradicionais. Nas palavras dos autores,
novamente destacamos:

Leaders of the fastest-growing INC groups are consciously trying to opt out
of the cycle of routinization of charisma through a networked form of
governance that they call apostolic leadership. Under a networked structure,
charismatic leaders are free to do what they do best: inspire people through
their heroic acts, innovative thinking, and ability to access supernatural forces
to produce the miraculous. Networks of charismatic leaders also, according to
proponents, solve the problem of sustaining a large movement over time.
Instead of a single charismatic leader´s creating a bureaucratic-legal
organization to live on beyond his or her lifetime, groups of charismatic
leaders can form a decentralized network that is not dependent on any one
leader. Thus when one leader dies or loses his or her following for some
reason, his or her followers can simply migrate to another leader in the
network – moving from one charismatic apostle to another. New apostles are
constantly incorporated into the network, bringing new energy and followers
of their own, so that, over time, one generation of apostles in the network is
replaced by younger apostles (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 71).

O que vemos na prática é exatamente esse conceito de instituições não


burocráticas baseadas em uma figura carismática, e o The Send é um exemplo dessa
colaboração que passa facilmente de um apóstolo mais velho para um apóstolo mais
novo. Os autores destacam paralelos entre essa dinâmica presente no INC Christianity e
a sociedade capitalista que requer rápidas mudanças e praticidade, e não instituições
burocráticas. As redes são mais flexíveis, reduzem custos e encorajam respostas rápidas
para um mercado religioso que está em constante mudança.
83

O modelo de rede permite que líderes com carisma possam se juntar para
projetos particulares, com a capacidade de mobilização de pessoas de cada um, ao
mesmo tempo que mantém a sua autonomia para experimentar e inovar com novas
crenças e práticas.
Para muitos jovens, esse modelo dinâmico em conformidade com as
sociedades capitalistas substitui o modelo tradicional de igreja. Os autores destacam
isso ao analisar uma das entrevistas feitas com jovens, em suas palavras: “Para muitos
dos amigos de Kaitlyn, oração, eventos de adoração, conferências, viagens missionárias,
escolas de ministérios (como JOCUM, Betel e IHOP), e conteúdo de internet
substituíram o envolvimento em congregações físicas. ”63
As INC produzem uma “experiência” aos jovens que as igrejas e denominações
tradicionais não propiciam. Nos eventos dos INC, os jovens são treinados para orar,
expulsar demônios de pessoas nas ruas, realizam atividades voltadas aos carismas
espirituais. A falta de estruturas formais de liderança em grupos INC e o fato de que
eles não são organizados principalmente em torno de congregações ou serviços
dominicais, abre possibilidades para mais participação do que seria o caso em um grupo
religioso denominacional tradicionalmente organizado.
Este é o contexto que emerge o movimento The Send, destas organizações
evangélicas flexíveis que possuem uma alta capacidade de adaptação às mudanças do
capitalismo. Com ênfase nas expressões do Espírito Santo, esses grupos possuem uma
cosmovisão fundamentalista de mundo e o que vemos é uma proximidade destes líderes
com políticos de direita nos EUA, o mesmo comportamento que vemos em seus
representantes brasileiros. É essa expressão carismática ousada que possibilita a esses
líderes autoritários formarem verdadeiros impérios onde sua palavra não é questionada,
pois ele as chancela manipulando o sobrenatural. Vemos nesses grupos que compõem o
The Send uma contradição muito grande, pois ao mesmo tempo que a fala do líder não
pode ser questionada e deve ser obedecida, vemos uma baixa fidelização das pessoas a
um líder específico, pois a rotatividade dentro destes grupos é bastante elevada também.
O fato é que a crença fundamentalista permeia em grande parte esses grupos,
assim como a manipulação do sobrenatural são fatores que distinguem os ajuntamentos

63 For many of Kaitlyn´s friends, prayer and worship events, conferences, mission trips, ministry schools
(like YWAM, Bethel, and IHOP), and web-based content have replaced involvement in brick-and-mortar
congregations. (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 41, tradução nossa no corpo do texto).
84

que compõem essa complexa rede de líderes carismáticos independentes, os quais são
responsáveis pelo movimento The Send aqui estudado.
Atrás destes grupos existe um motor que possui algumas denominações
diferentes. O movimento The Send, opta por chamá-lo de Seven Mountains Culture.
Nós, todavia, encontramos e enxergamos sua origem na Teologia do Domínio, e é sobre
ela que reservamos o próximo tópico do vigente capítulo.

A teologia do domínio como norteadora do movimento

A vertente teológica que melhor enquadra o movimento The Send é o


neopentecostalismo, com crenças destacadas de batalha espiritual, prosperidade
financeira e um certo tipo de utopismo milenarista, onde eles creem em um milênio de
prosperidade da igreja antes da volta triunfal de Cristo. Para Christerson e Flory, as
crenças do que eles denominam de INC Christianity são:

INC leaders are also distinctive in their beliefs and practices. They emphasize
practice over belief, and those practices they deem most important are largely
absent from traditional Protestantism. Specially, prophecy (receiving direct
words from God), physical healing, and deliverance from evil spirits are the
practices that define most INC practitioners. Many (though not all) INC
leaders are also postmillennial in their theological orientation, meaning that
they believe that the power of God is available now to usher in the “new
kingdom of God,” creating a heaven on earth in the here and now. This
postmillennial utopianism is a break from classical Pentecostal theology,
which is focused on building up the church and savings souls for next life
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 11).

Ou seja, eles possuem interesses de expandir esse chamado “reino de Deus” na


terra, dominando outras esferas da sociedade a partir de sua religiosidade, por isso esse
tal enfoque em se ocupar lugares de poder e mudar a mentalidade da cultura.

INC64 beliefs, however, are different. Most INC Christian groups we studied
seek to bring heaven or God’s intended perfect society to Earth by placing
“kingdom-minded people” in powerful positions at the top of all sectors of
society. These “seven mountains of culture” include business, government,
media, arts and entertainment, education, family and religion. In this form of
“trickle-down Christianity,” they believe if Christians rise to the top of all
seven “mountains,” society will be completely transformed.65

64 Independent Network Charismatic.


65 Disponível em https://dornsife.usc.edu/news/stories/3126/rick-perry-and-christian-movement-believes-
trump-chosen-by-god/. Acesso realizado em 24 de abril de 2021.
85

A teologia do domínio não é muito conhecida do público evangélico brasileiro,


apesar dos evangélicos brasileiros serem em sua maioria fundamentalistas no sentido de
acreditarem na literalidade do texto bíblico em detrimento do conhecimento científico.
A crença da norte-americana teologia do domínio ensina se baseando principalmente em
alguns textos do Antigo Testamento, em que as crenças cristãs são as mais avançadas e
que toda a sociedade deve ser pautada por elas. A corrente teológica da teologia do
domínio é um braço do movimento fundamentalista estadunidense.
Os estadunidenses precursores do movimento fundamentalista, que
desembocará na direita cristã, possuíam uma crença diferenciada. A teologia que
norteava o movimento a partir de 1950 com sua principal figura sendo, talvez, o maior
evangelista do século XX, Billy Graham, assim como ele é considerado, possuíam uma
teologia salvacionista exclusivamente que, conforme Marsden (2006) ressalta em seu
trabalho, se tornou uma corrente menos radical do movimento fundamentalista.
Os fundamentalistas estritos (ou radicais) da década de 1950, se separaram de
Graham e dos novos evangélicos, insistindo que a separação completa de qualquer
aliança com impureza doutrinária deve ser um teste de verdadeira fé. O movimento mais
radical se torna minoritário dentro do protestantismo estadunidense, porém marca um
território bastante significativo no sul dos EUA. Antes de debruçarmos nossa análise
sobre as bases da teologia do domínio, é importante realizarmos um importante
parêntese para destacarmos que, na prática, o que a teologia do domínio almeja é se
consolidar como religião pública, visto que nas democracias modernas não há mais
espaços para estados estritamente confessionais, haja vista a pluralidade religiosa que
domina as democracias. Sendo esse um caminho sem volta, a religião pública é uma
opção relevante para as religiões dominantes continuarem a exercer o seu poder de
religião oficial. Nas palavras de Cunha, destacamos o que na prática é a religião pública:

Importa registrar que neste trabalho o olhar é voltado para a relação entre
evangélicos, política e mídias interpretando-a como um fenômeno cultural.
Joanildo Burity (2016) chama a atenção para isto, quando reconhece que como
a cultura é mais do que o modo de vida de um grupo, sendo campo de disputas
pelo horizonte de uma ordem alternativa, a religião não veio apenas ocupar um
lugar no espaço público, mas construir o que denomina religião pública. Nesta
compreensão, não apenas a religião se projeta para além da fronteira do
privado, por meio da vivência pessoal e coletiva, das práticas religiosas
informais e institucionalizadas, mas se torna uma ação coletiva, no espaço
público, como cultura e como discurso sobre valores. Daí ter se tornado uma
religião pública (CUNHA, 2019, p. 5).
86

Isso posto, destacamos que o termo religião pública é o que melhor define o
interesse de parte significativa dos evangélicos tanto nos EUA como no Brasil. Dado
este importante parêntese, amarramos novamente com o entendimento de como nasce a
teologia norteadora do fundamentalismo evangélico, a qual é a teologia do domínio que
tem suas origens pouco debatidas e pouco exploradas, tanto pelos teólogos como pelos
cientistas da religião, pois é um tipo de teologia que não é sistematizada. Porém, que se
faz presente entre os evangélicos. Marsden narra o ponto de inflexão entre os
evangélicos e os fundamentalistas. Em suas palavras:

After World War II, the strength of conversionist Protestantism became


evident once again with the immense popularity of Billy Graham. The young
evangelist was a purebred fundamentalist, but once he became a national
celebrity in the 1950s he and his closest supporters began to reclaim the term
"evangelical" to describe their movement. While these "new evangelicals"
did not abandon their militancy, they tempered it in the interests of
evangelism and in the hope to regain influence in the cultural and
ecclesiastical mainstream. Usually the new evangelicals, like their
fundamentalist predecessors, maintained the so-called "pietist" position that
churches and religious leaders should stay out of politics and confine
themselves to more strictly "spiritual matters," especially preaching the
salvation of souls, which they believed was in any case the most effective
solution to social problems. They did not, however, always maintain that
stance consistently. Some of the largest financial contributors to the
movements in the 1950s were ardent political conservatives who saw revivals
as an antidote to liberal trends in church and society. The new evangelicals
also included some voices, of whom the most prominent was Carl F. H.
Henry, founding editor of Christianity Today, challenging the pietist majority
among them to reclaim their Reformed heritage of fostering a larger social,
political, and intellectual agenda (MARSDEN, 2006, p. 233).

O caminho do salvacionismo foi o principal caminho tomado pelos evangélicos


após 1950, e Billy Graham foi o principal expoente dessa tendência. Porém, suas
origens fundamentalistas de um bom Batista do Sul sempre estiveram presentes nas
pregações do maior evangelista do século XX. A frase que o consagrou e talvez seja a
sua frase mais conhecida é “The Bible Says”66, em uma frase Graham definia toda a
tendência fundamentalista de embate com o modernismo, chamando sempre a
autoridade do texto bíblico como sagrado e inegociável. Graham marcou gerações com
sua frase clássica; ela está no inconsciente coletivo de todo cristão evangélico no Brasil
e nos EUA. Não é incomum no diálogo com pastores a frase vir à tona, e nos seminários
de teologia nos deparamos com essa constante busca pela autoridade do texto bíblico

66Disponível em https://baptistmessage.com/greatest-legacy-billy-graham-bible-says/. Acesso realizado


em 23 de outubro de 2021.
87

sempre no sentido de defender um ponto de vista com uma suposta autoridade, na


maioria das vezes circunstancial, do texto bíblico.
Graham foi o principal nome do movimento evangélico no século XX, e apesar
do seu foco principal ter sido o salvacionista, ele nunca deixou de ser um estadunidense
do sul. A partir de Graham, diversos movimentos, inclusive teológicos, se formam nos
EUA e no Brasil, explorando a temática da evangelização. É interessante constatarmos
que, apesar do foco salvacionista, o envolvimento político de Graham sempre foi algo
que se evidenciou em sua trajetória. O filme que retrata a sua biografia Billy Graham -
O Embaixador de Deus67, explora muito bem o seu constante envolvimento político,
principalmente como conselheiro de presidentes. O filme conta com um longo
depoimento de seu amigo e, recentemente, falecido ex-presidente dos EUA George H.
W. Bush. Graham foi um dos inspiradores da teologia do domínio, apesar de não ser um
nome ligado à corrente, a crença inspirou as igrejas ligadas ao movimento INC
Christianity. Nas palavras de Christerson e Flory:

So the idea behind it theologically is that they believe that they need to retake
the dominion that Satan stole from Adam in the Garden of Eden. Now, since
Jesus came, now they believe that they can retake that dominion and advance
the kingdom of God socially, not just making individual converts. They are
advancing the idea of what they call the “seven mountais mandate.” The
seven mountains are seven sectors of society-family, government, arts and
entertainment, media, business, education, and religion, and Christians are
supposed to permeate each mountain and rise to the top of each mountain.
They believe if Christians permeate each mountain and rise to the top of all
seven mountains, then society will be completely transformed. Society would
have biblical morality, people would live in harmony, there would be peace
and not war, there would be no poverty. It´s really almost a utopian vision
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 91).

O mandato dos sete montes ou a teologia dos sete montes é essencialmente


uma atualização da antiga teologia do domínio, norteadora dos fundamentalistas
estadunidenses de linha mais radical, sempre realizando essa separação do que instala a
partir dos anos 1950, a partir da chave hermenêutica essencial para nossa análise que é
Billy Graham, que direciona o protestantismo mundial para uma teologia
essencialmente salvacionista, a despeito de todo o seu envolvimento político conforme
temos aqui destacado. Sendo assim, a teologia do domínio é a teologia que norteia o
movimento The Send, todavia com essa atualização chamada de teologia dos sete

67Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uSOHA41E-4k. Acesso realizado em: 23 de


outubro de 2021.
88

montes, entraremos no detalhe da atualização no tópico a seguir, onde dedicaremos


nossa análise a teologia dos sete montes. Marsden indica o histórico de formação e a
influência dos dominionistas, como eram chamados os autores intelectuais da teologia
do domínio, da seguinte forma:

The most striking contrast to such apolitical premillennialism was the


militantly political postmillennialism of the Christian Reconstructionist
movements. Christian Reconstructionism in its pure form is a radical
movement that has never had a wide following. Founded by Rousas J.
Rushdoony, an ultra-conservative Presbyterian, Reconstructionism,
Theonomy, or Dominion Theology, as it is variously called, advocates ultra-
conservative economic theory and calls for a theocracy that would include a
reinstitution of Old Testament civil law. The positive proposals of
Reconstructionists are so far out of line with American evangelical
commitments to American republican ideals such as religious freedom that
the number of true believers in the movement is small. Nonetheless
Reconstructionists helped formulate the early critiques of secular humanism
and their call for a biblically based alternative had considerable influence on
the rhetoric of the Christian Right. What might be tagged "Soft
Reconstructionism," calling for a Bible based civilization but not in a literal
or thoroughgoing way, thus became a common motif within the Christian
Right, so that avowed premillennialists often spoke as though they were
postmillennialists. The best-known case was Pat Robertson, who emerged as
the leading political figure in the Christian Right with his run for the
Republican presidential nomination in 1988 and formation of the Christian
Coalition in 1989. Robertson's books, such as The Secret Kingdom (1983)
and The New Millennium (1990), included seemingly postmillennial themes
involving restoration of explicitly Christian influences in American
government. The paradox itself is not new. Already in the 1920’s mixes of
premillennial doctrine and postmillennial rhetoric reflected a longstanding
cultural ambivalence in the American evangelical heritage. (MARSDEN,
2006, p. 249)

Rousas J. Rushdoony é, digamos assim, o pai da teologia do domínio que é


destacada como uma linha radical dentro do pensamento da direita cristã, como indica
Marsden (2006). Entretanto, isso nos parece uma contradição, pois a direita cristã em si,
no entendimento do presente autor, é um movimento radical fundamentalista. Separar
alas mais radicais e menos radicais dentro de um movimento que procura impor ideais
cristãos, seja de forma branda ou mais extremada, a partir de um arcabouço legal que
influência a todos é, em nossa visão, uma agressividade laica sem precedentes, porém é
assim que nosso referencial teórico Marsden (2006) procura compartimentar o
fundamentalismo estadunidense que se organiza em lobby de pressão político na direita
cristã. De toda forma, o fato é que as ideias “mais radicais” de Rousas J. Rushdoony
influenciaram e influenciam o pensamento “mais moderado” dentro da direita cristã
estadunidense. Sendo assim, de forma mais ou menos radical, o arcabouço de
pensamento intelectual da teologia do domínio se impõe sobre o fundamentalismo
89

evangélico estadunidense e sobre o salvacionismo, liderado mundialmente na figura de


Billy Graham.
Podemos definir o modo de vida da maior parte dos evangélicos
estadunidenses e brasileiros hoje a partir de algumas características que compõem a
organização do movimento fundamentalista estadunidense em direita cristã da seguinte
forma:

a) por uma predominante leitura fundamentalista (literalista) do texto sagrado


cristão, a Bíblia; b) pela ênfase na piedade pessoal na busca da salvação da
alma (influência do puritanismo e do pietismo dos pioneiros missionários que
vieram do sul dos EUA do século XIX ao Brasil); c) por frequentes posturas
de rejeição das manifestações culturais não cristãs do País (fruto da mesma
ação de missionários); d) por um isolamento das demandas sociais (resultante
da espiritualização das questões da existência individual social), entre elas a
participação política (CUNHA, 2019, p. 12).

A citação acima nos permite identificar algumas características dos movimentos


que compõem o evangelicalismo no Brasil e nos EUA. Característica a) destaca uma
leitura literal do texto bíblico e é, essencialmente, a contribuição de Rousas John
Rushdoony, a teologia do domínio; b) influência de Billy Graham e do movimento que
conhecemos como “evangelicalismo”, que poderia também ser chamado de
fundamentalismo brando; c) também remonta o movimento fundamentalista e sua
guerra contra o modernismo; d) remontam a esse primeiro movimento de isolamento
feito pelos fundamentalistas estadunidenses, porém, especificamente, essa característica
não define mais os evangélicos nem no Brasil, tampouco nos EUA. Porém, essas são
características que nos ajudam a identificar as demandas desse amplo grupo
heterogêneo, hoje popularmente conhecido como evangélicos.
Outra característica que nos ajuda a definir os evangélicos em sua maioria é a
exposição midiática, que já tivemos ocasião de tratar no tópico acima. Todavia,
retornaremos brevemente ao tema para amarrarmos nossa análise sobre a teologia do
domínio, novamente recorrendo ao texto de Cunha (2019), que destaca:

i) as mídias religiosas passam a dar visibilidade e a alimentar as ênfases


temáticas e as dinâmicas em torno de pautas da moralidade sexual, veiculadas
na grande mídia, em especial em torno da “guerra” entre políticos
evangélicos e militantes de movimentos feministas e LGBTI. Com isso, essas
mídias proporcionaram a recriação do “imaginário do inimigo” entre os
evangélicos com abordagens como “salvar a família” dos militantes LGBTI,
das feministas e da esquerda, cujo projeto maior é implantar o comunismo no
País. Esses temas passaram a aparecer como conteúdo de campanha de
90

candidatos a cargos públicos e estão presentes em discursos de lideranças das


igrejas. Nesse contexto, as mídias religiosas contribuíram na recriação do
imaginário da perseguição dos evangélicos em terras brasileiras, presente
desde a implantação do protestantismo no século XIX, e do estímulo a uma
“guerra espiritual” como resposta (CUNHA, 2019, p. 12).

A temática da guerra espiritual é muito importante para nossa análise do


presente tópico, pois ela perpassa o ideário da teologia do domínio, a qual reforça que as
posições de poder estão dominadas por “ímpios” devendo serem ocupadas por “justos”
cristãos que irão legislar através de causas justas baseadas na literalidade do texto
bíblico, mais especificamente, o texto bíblico do antigo testamento. É aí onde
encaixamos a temática da batalha espiritual que leva os evangélicos a acreditarem que
existe uma dualidade no mundo, uma batalha em curso entre Deus e o diabo, sendo que
o diabo está levando vantagem, pois ele ocupa lugares estratégicos de liderança que
devem ser ocupados por cristãos justos. Essa batalha é vencida com oração, pois ela não
é contra humanos (Efésios 6:12-17)68, mas também com a ação de se ocupar lugares de
poder influenciando e legislando a partir do ideário bíblico.
Sendo assim, nós destacamos que o movimento evangélico como um todo a
partir de Billy Graham possui características fundamentalistas, porém moderadas no
entendimento de Marsden (2006). A influência “mais radical” norteada pela teologia do
domínio, cujo pai é Rousas J. Rushdoony, sempre esteve presente no ideário mais
amplo do evangelicalismo salvacionista. Marsden (2006) identifica esses grupos sempre
destacando que todos tiveram influência do que ele chama de “fundamentalismo mais
estrito” ou, em outras palavras, os mais radicais. Destacamos suas palavras:

Even though "evangelicalism" represented a broad and diverse coalition,


most of those who used "evangelical" as their primary self-identification
were from groups that had some direct fundamentalist heritage. Such "card-
carrying" evangelicals, as we may call them, included a more militant or
"fundamentalistic" wing, which typically emphasized the inerrancy of
Scripture, and perhaps premillennialism, as among the tests of the faith, but
were not strict ecclesiastical separatists as were those who actually called
themselves "fundamentalists." (MARSDEN, 2006, p. 234).

68 “porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos
lugares celestiais. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e,
havendo feito tudo, ficar firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e
vestida a couraça da justiça, e calçados os pés na preparação do evangelho da paz; tomando sobretudo o
escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno. Tomai também o
capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus. ” (ARC: Almeida Revista e
Corrigida)
91

De fato, Marsden (2006) nos ajuda a constatar o quanto o movimento primário


fundamentalista influenciou o grupo mais amplo de evangélicos que hoje possuem todas
essas características que temos aqui destacado, não apenas com maior especificidade no
Brasil, mas em todo o mundo, com atenção especial para América Latina. Esse ideário
se expande por todo o mundo através do envio de missionários dos EUA.
É importante destacarmos que, no Brasil, o grupo que melhor incorpora o
radicalismo destacado por Marsden (2006), do dominionismo ou teologia do domínio de
Rousas Rushdoony, são os pentecostais em sua busca constante de impor para a
população brasileira uma nova religião supremacista pública. Nas palavras de Burity,
nós destacamos o seguinte:

Minha hipótese é que o pentecostalismo brasileiro vivencia intensamente


essas dinâmicas hoje e o faz como religião pública e não como religião no
espaço público que ainda conseguiria reter um domínio de vivência ao abrigo
de atores e situações que interferem continuamente sobre a experiência e a
performance pentecostais (BURITY, 2016, p. 40).

Estamos diante de um movimento grande chamado The Send, porém diante da


complexidade do campo do evangelicalismo no Brasil, ele é uma pequena formiga
diante de um elefante. O que podemos ver de positivo em todo esse movimento é que
não nos faltam bases históricas, fatos, saberes criados no decorrer dos anos para
aprofundarmos o entendimento de nosso objeto. Diante do pessimismo que uma análise
como a presente neste trabalho pode gerar, Burity (2016) afirma que:

Não há que esconder nada do momento pouco edificante de uma política


religiosa que se propõe a libertar a nação dos males que a votam ao domínio
do demônio aliando-se a vários representantes “do mal”. Mas não é preciso,
analiticamente, sucumbir ao derrotismo que gostaria de passar do
reconhecimento de inflexões, derrotas e surpresas desagradáveis para a
decretação da impotência do saber. Ainda não nos faltam peças para
continuarmos no jogo da compreensão do que está a ocorrer nesse processo
de longo fôlego pelo qual religião, cultura e espaço público se articulam e
rearticulam num cenário em que esses termos não meramente se justapõem
ao sabor da facilidade com que nomeamos uma mesa de debates (BURITY,
2016, p. 42).

Constatamos que a dicotomia entre mal e bem trazida pela teologia do


domínio, que ganha suas atualizações, como veremos no tópico a seguir, são usadas
pelos entes evangélicos e mais especificamente estamos falando das lideranças
midiáticas evangélicas apenas quando lhes convém. Se necessário for converter seres
92

abjetos, como Trump e Bolsonaro, em seres “superiores moralmente”, assim o farão


com o objetivo de um bem maior. Os fins realmente justificam os meios, apropriam-se
de justificativas bíblicas para defender o indefensável, como ocorreu tanto na eleição de
Trump como na eleição de Bolsonaro, com as comparações de ambos a Ciro, rei da
Pérsia. É desta maneira que a teologia do domínio se faz presente dentro desse ideário
evangélico mais amplo salvacionista. Diante da presente exposição, é relevante
gastarmos tempo de nossa análise no próximo tópico, aprofundando nosso entendimento
sobre a atualização histórica da teologia do domínio, o mandato dos sete montes.

Foco em transformação social

Para os autores Christerson e Flory (2017), o fator que mais atrai jovens para
os grupos INC é a promessa de não simplesmente ver indivíduos serem salvos ou
curados, mas a possibilidade de participar de uma transformação social. Os jovens
evangélicos, segundo os autores, possuem o interesse de participar da possibilidade de
promover justiça social. Diferentemente dos grupos tradicionais evangélicos, que
possuem ministérios de auxílio e serviço social, os grupos INC oferecem aos jovens a
possibilidade de “trazer o céu a terra”. Nas palavras dos autores:

So the idea behind it theologically is that they believe that they need to retake
the dominion that Satan stole from Adam in the Garden of Eden. Now, since
Jesus came, now they believe that they can retake that dominion and advance
the kingdom of God socially, not just making individual converts. They are
advancing the idea of what they call the “seven mountais mandate.” The
seven mountains are seven sectors of society-family, government, arts and
entertainment, media, business, education, and religion, and Christians are
supposed to permeate each mountain and rise to the top of each mountain.
They believe if Christians permeate each mountain and rise to the top of all
seven mountains, then society will be completely transformed. Society would
have biblical morality, people would live in harmony, there would be peace
and not war, there would be no poverty. It´s really almost a utopian vision
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 91).

A visão desses grupos INC é a de “discipular nações” e não apenas ganhar


almas com o objetivo de “trazer a cultura do céu para a terra”. Na visão dos grupos INC,
“trazer o céu a terra” é ocupar lugares estratégicos na sociedade para provocar essa
mudança. Essa proposta teológica dos grupos INC´s é conhecida como teologia do
domínio, ou seja, colocar cristãos, ou pessoas identificadas com o cristianismo em
posições de liderança, trazendo assim, esse “céu a terra”. Nós bem sabemos que, no
93

entendimento destes grupos, “trazer o céu a terra” significa alterar legislações e moldar
toda uma sociedade plural através de sua cosmovisão, que geralmente é fundamentalista
cristã. Destacamos as palavras dos autores referentes à teologia:

The theology of many (though not all) INC groups tends to be postmillennial
– meaning that God has empowered believers through the Holy Spirit to
literally create heaven on earth through their gaining power in the various
sectors of society. This “dominionist” theology has caused alarm among
many secular observers of new INC groups (CHRISTERSON E FLORY,
2017, p. 92).

Essa crença teológica “dominionista” ressalta que todas as áreas da sociedade


devem estar sob o controle da “mentalidade do reino”. Os grupos INC acreditam que a
transformação social passa pela “batalha espiritual”; tirar da mão de satanás o controle
das instituições da sociedade. Sendo assim, crentes empoderados podem derrotar essas
forças demoníacas chegando até posições de autoridade, trazendo o reino de Deus para a
terra.
Os autores destacam duas principais montanhas que os grupos INC querem
conquistar das sete, a indústria do entretenimento (cultura) e o governo. Em relação a
montanha dos governos políticos, destacamos as palavras dos autores:

Another one of the mountains targeted by INC groups is the sector of


government. It is this aspect of INC “social transformation” that has received
the most attention and criticism in the news media. Interestingly, again, the
tactics for influencing government are almost wholly supernatural. Instead of
creating a policy agenda and mobilizing resources and people to promote that
platform, INC leaders instead host prayer rallies that are connected to
influential conservative politicians and support individual kingdom-minded
politicians in their quest for office through prayer networks and words
prophecy (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 98).

Os grupos INC´s realizam eventos com uma temática religiosa em apoio a


políticos do partido republicano dos EUA. Christerson e Flory (2017) destacam um
evento que aconteceu no ano de 2011 com a presença de mais de 30.000 pessoas,
hospedado por Rick Perry, um político republicano. O título do evento era “The
Response: A Call to prayer for a Nation in Crisis”, o evento contou com INC líderes
como Lou Engle, por exemplo, o principal nome do The Send, aqui já destacado. Dentre
outros nomes de líderes INC que declaram apoio aberto a políticos republicanos, temos
Donald Trump, na época. Mike Bicke, por exemplo, é citado pelos autores por ter
endossado a candidatura de Ted Cruz à presidência.
94

De fato, a teologia seguida pelos grupos os convoca a dominar as sete


montanhas aqui já destacadas, ao que nos parece com um especial destaque para os
governos. Essas são as origens do movimento The Send, que é um exemplo dessa
junção de forças de líderes carismáticos independentes. Ao que temos constatado, o The
Send possui uma união, inclusive, maior do que a que os líderes INC geralmente já
possuem.

Os sete montes e a transformação da cultura

O discurso dos palestrantes é altamente influenciado pela Teologia-Política


norte-americana, que nas palavras do pesquisador Silva (2016) é:

aqui entendida como um discurso sobre a autoridade política fundada em um


nexo divino, que contém uma “perspectiva de análise e crítica das estruturas
políticas (incluídos aqui os aspectos culturais-psicológicos, sociais e
econômicos) a partir de diferentes interpretações dos modos como deus se
relaciona com o mundo (CAVANAUGH & SCOTT, 2007, p. 2-3).

Assim sendo, pode-se afirmar que a teologia política possui dois níveis
discursivos: um é constituído pelas indagações sobre transcendência divina; o outro
pelas interpretações que os homens fazem da palavra de “deus” e de sua ação no mundo.
Ela se constitui, portanto, como um discurso daqueles que acreditam que suas crenças
religiosas devem conformar o poder político, já que para eles há uma
consubstancialidade entre o transcendente (deus, o divino) e o político. Todavia, uma
vez que esta teologia se desenvolve no âmbito de ou a partir de tradições, ela mesma se
articula recorrendo a imagens simples deste nexo que cada tradição apresenta a seus
crentes (SILVA, 2016, p. 9).
Para falarmos sobre o mandato dos sete montes e a transformação da cultura,
era necessário darmos o panorama acima sobre a teologia do domínio, pois, conforme
temos destacado até aqui, o mandato dos sete montes nada mais é do que uma
atualização da teologia do domínio.
Como temos destacado, a teologia que impulsiona um movimento como o The
Send se evidencia não apenas por sua construção intelectual, mas principalmente pela
forma com que ela está intrinsecamente ligada à religião, ocupando um lugar essencial
na vida das pessoas comuns através também da política. Burity exemplifica esse
encontro da religião com a cultura da seguinte maneira:
95

Uma segunda característica deste reencontro funcional da religião com a


cultura ou como cultura, como já indiquei acima, é a percepção de uma
configuração global de publicização religiosa, uma espécie de cenário de
“retorno da religião”. Tal leitura procura suas evidências na ascensão do Islã
e remete aos temas do fundamentalismo e da violência religiosa (inclusive do
terrorismo), bem como na forte manifestação da direita religiosa norte-
americana (BRUCE, 1990; CONNOLLY, 2008; HUNTER, 2010, p. 111-
131). (BURITY, 2016, p. 34).

Esse “retorno da religião”, se é que um dia ela tenha ido embora, é o que
propicia que evangélicos ocupem um lugar de destaque na população, principalmente
nas populações dos países que temos aqui estudado, mais diretamente, o Brasil e EUA.
A teologia do domínio nasce devido a uma quebra de paradigma dos protestantes
estadunidenses em meados do século XX, é a passagem de uma crença essencialmente
cósmica para a crença de que os cristãos deveriam buscar implementar o reino de Deus
no aqui e agora. Isso era parte do chamado de Deus para seu povo. Marsden (2006)
exemplifica esse processo e afirma que:

After the Civil War the more liberal evangelicals, whose basic
epistemological categories were profoundly altered by the new naturalism
and historicism, began gradually to abandon the dramatically supernatural
aspects of the postmillennial view of history. In particular they ceased to take
seriously the idea that history was determined by a cosmic struggle between
the armed forces of God and Satan and that these supernatural powers might
directly intervene at any moment. William Newton Clarke found New
Testament predictions of the early physical return of Christ to be the anomaly
that decisively destroyed his belief in the total infallibility of the Bible. In
place of spectacularly supernatural concepts of the kingdom, Clarke saw it as
"natural and normal." The kingdom was not future or otherworldly, but "here
and now." It was not external, but an internal ethical and religious force
based on the ideals of Jesus. (MARSDEN, 2006, p. 50)

Foi esse processo de racionalização e humanização da fé que influenciou,


inclusive, os fundamentalistas que proporcionaram interpretações teológicas como a
teologia do domínio, a Kingdom Now e a teologia dos sete montes que, na prática,
significam essencialmente as mesmas coisas. Em resumo, os cristãos devem se apossar
de lugares de poder para trazerem à terra o reino vindouro de Jesus. Os métodos para
chegar a isto mudam em cada uma das teologias, mas o objetivo é essencialmente o
mesmo. Ainda no início, com os primeiros membros do movimento fundamentalista, no
século XIX, já se consolidava essa crença de que o reino de Deus deveria ser visto aqui
e agora dentro dos primeiros movimentos dos fundamentalistas. Marsden destaca:
96

Clarke's controversial contemporary, Arthur Cushman McGiffert of Union


Theological Seminary in New York, similarly described the kingdom that
Jesus preached."The kingdom of God," said McGiffert, "was the burden of
his preaching, not a kingdom lying in another world beyond the skies but
established here and now." This kingdom meant "the control of the lives of
men and of all their relationships one with another and of all the institutions
in which those relationships find expression by the spirit of Jesus Christ who
has " shown us what God is and what he would have this world be. "Such
sentiments were reiterated countless times in the half-century from 1880 to
1930 (MARSDEN, 2006, p. 50).

Esse sentimento de transformação da cultura através do reino de Deus ou do


cristianismo protestante de então, permeia as crenças dos primeiros fundamentalistas
que defendiam que o reino de Deus deveria influenciar todas as áreas da cultura.
Essencialmente, essa é a crença da teologia do domínio, que a sua atualização na
teologia dos sete montes coloca de forma mais didática com um certo ar de inovação e
sistematizada para que a geração atual possa compreender, o que na prática precisamos
concordar em nossa crítica, pois de fato os novos fundamentalistas conseguem realizar
uma excelente tarefa hermenêutica, traduzindo ideais antigos para a geração atual.
Marsden, destaca esse processo de transformação da cultura através do reino de Deus, já
bem presente no início do século XX. Em suas palavras:

Machen's solution was the consecration of culture. "Instead of destroying the


arts and sciences and being indifferent to them," he said, "let us cultivate
them with all the enthusiasm of the veriest humanist, but at the same time
consecrate them to the service of our God." Christianity, he declared, in
reference to the great missionary impulse of the day, "must pervade not
merely all nations, but also all human thought." Hence, "instead of
obliterating the distinction between the Kingdom and the world, or on the
other hand, withdrawing from the world into a sort of modernized intellectual
monasticism, let us go forth joyfully, enthusiastically to make the world
subject to God." (MARSDEN, 2006, p. 138).

O fato é que essas crenças mais modernas, de inserção no mundo eram


presentes sim no ideário dos primeiros fundamentalistas no final do século XIX e início
do século XX, porém não impediram que o movimento crescesse também com um
ideário intelectual e cultural segregacionista. Essa corrente que hoje vemos retratada na
teologia dos sete montes de inserção social não era crença absoluta entre os primeiros
intelectuais fundamentalistas. Destacamos novamente as palavras de Marsden, que
ressalta o quanto o sentimento de alienação do mundo era presente no grupo:

The "immigrant" analogy should not be pushed too far. Immigrants normally
come to a new land voluntarily. Fundamentalists, by contrast, experienced
97

the transition from the old world of the nineteenth century to the new world
of the twentieth century wholly involuntarily. Thus they not only experienced
a sense of alienation, but felt called to a militant defense of the old order;
they had a fondness for military imagery and did not hesitate to describe their
cause as a holy war. So the metaphor may be extended to picture
fundamentalists sheltered behind their ideological ghetto wall, with the wall
itself as heavily fortified as the very wall of Zion. Behind this barrier, the
possibility of intellectual isolation, extremism, and paranoia was greatly
increased. (MARSDEN, 2006, p. 205).

Na prática, essa paranoia extremista nunca deixou de estar presente no ideário


fundamentalista, e a crença na teologia do domínio ou dos sete montes está munida de
toda essa paranoia extremista também. Tal paranoia, está presente na crença de que os
lugares de poder estão ocupados por ímpios e devem ser ocupados por pessoas que
levam o reino de Deus. Essa crença, mesmo que branda, de que os lugares de poder são
ocupados por ímpios, já traz em si um certo tipo de extremismo paranoico, geralmente
presente em todo o movimento evangélico que é fortemente influenciado por esse tipo
de crença.
Sendo assim, voltamos nossa análise para a teologia dos sete montes, na
descrição fornecida no site da Zion Church, igreja pastoreada por Téo Hayashi. Temos
destacada a crença que diz:

Cristão nos Sete Montes


Cremos que cada cristão é um ministro de Jesus Cristo e preparamos líderes
que representem o Reino Celestial, tanto dentro como fora das igrejas locais,
em todas as áreas da sociedade, em outras palavras, em todos os “Sete
Montes”: Família, Saúde, Educação, Mídia, Artes e Entretenimento, Governo
e Negócios. (Sl 125:1,2; Is 2:2-3; Ez 36:1-769

A sistematização das crenças dos sete montes foi feita por Loren
Cunningham70, fundador da JOCUM (Jovens com uma missão), missão paraeclesiástica
estadunidense muito conhecida no meio evangélico, e a organização missionária mais
conhecida que compõe o denominado movimento The Send. No site da JOCUM, em um
artigo de Cunningham datado de 2012, ele descreve:

Às vezes Deus faz coisas dramáticas para nos chamar atenção. Em 1975, eu
estava orando e considerando como os cristãos – não somente os da missão a
qual eu faço parte, mas todos nós, poderiam mudar o mundo para Jesus. Uma

69 Disponível em: Zion Church - São Paulo - No que cremos. Acesso realizado em: 25 de outubro de
2021.
70 Disponível em: https://jocum.org.br/quem-somos/os-fundadores/. Acesso realizado em: 25 de outubro

de 2021.
98

lista veio a minha mente: categorias da sociedade nas quais eu cria que
deveríamos nos concentrar para mudar para Deus.
No dia seguinte, encontrei o Dr. Bill Brihgt, fundador do campus Crusade for
Christ. Ele me disse que Deus havia dado-lhe algo: diversas áreas onde
podemos atuar para trazer as nações de volta a Deus! Elas eram as mesmas
áreas, apesar das palavras serem um pouco diferente.71

Cunningham, então, fornece a seguinte lista: Família – lar; Religião – a igreja;


Educação – escolas; Governo -política; Mídia – comunicação; Artes – entretenimento e
esporte; Economia – negócios, comércio, ciência e tecnologia. Para ele, os cristãos
devem influenciar todas essas áreas, mas antes de qualquer outra coisa o cristão deve
“tomar território de satanás em oração”, a batalha espiritual é presente em toda a
sistematização da teologia, e o cristão deve orar especificamente por uma destas sete
áreas, na qual ele pretende servir.
O artigo de Cunningham é muito interessante e elucidativo, pois ele demonstra
um receio em sua sistematização teológica ser confundida com a teologia do domínio.
Ele afirma que

Seja qual for a área de influência que Deus nos der, família ou palácio
presidencial, devemos vivenciar sua vontade em nossas vidas. Não devemos
fazê-lo de forma a dominar outros, mas sendo servos da mesma forma como
Jesus foi. Jesus deseja administrar o mundo através de nós. À medida que
seguimos o exemplo de Jesus em nossas esferas de influência, trazemos o seu
reino a terra72

Em outras palavras, o que Cunningham pretende é um certo tipo de imposição


branda dos cristãos em cada uma dessas áreas.
O líder segue em seu artigo fornecendo uma explicação do que significa a
atuação dos cristãos em cada uma das áreas de influência. Ele destaca a família como
um lugar de discipulado das próximas gerações; a religião é onde se preparam os
discípulos de Jesus para irem as nações; a educação deve ser uma área de envolvimento
dos cristãos escrevendo currículos, ensinando, administrando e participando em
associações de pais e mestres e como membros de conselhos escolares, as artes não
podem ser abandonadas pois qualquer território que os cristãos abandonam satanás
preenche, a mídia é vista como servidora de causa própria para ele sendo assim é

71 Disponível em: https://jocum.org.br/as-7-areas-de-influencia/. Acesso realizado em: 25 de outubro de


2021.
72 Disponível em: https://jocum.org.br/as-7-areas-de-influencia/. Acesso realizado em: 25 de outubro de

2021.
99

necessário cristãos na mídia para trazer a verdade para esta esfera. O governo é um
lugar aonde o povo de Deus deve se envolver, ele usa o exemplo de Daniel para
destacar que aquele cristão que decidir ir para o governo se verá em uma cova de leões.
E, por fim, a economia, onde ele afirma que Deus quer que seu povo seja bem-sucedido
materialmente e se torne um missionário no mundo dos negócios. Cunningham também
afirma que os cristãos também são chamados para as ciências e tecnologia, e reforça a
dicotomia de dois reinos, das trevas e da luz, além disso, eles estão em guerra um contra
o outro, os cristãos precisam vencer as trevas para o reino da luz.73
Como podemos destacar, realmente o mandato dos sete montes é uma espécie
de teologia do domínio branda que evita mencionar os textos da lei mosaica, trazendo
uma contextualização muito usada em textos bíblicos do Antigo Testamento, porém
mesclando com passagens dos evangelhos, usando textos de mandamentos do próprio
Jesus. Porém, essa influência, digamos assim, requerida pela teologia dos sete montes, é
o que norteia o modo de agir destes cristãos que em sua maioria são cristãos
fundamentalistas, essa é a teologia que norteia o The Send e que deseja transformar a
cultura, discipulando as nações, como eles gostam de afirmar.

73Disponível em: https://jocum.org.br/as-7-areas-de-influencia/. Acesso realizado em: 25 de outubro de


2021.
100

3 CAPÍTULO 3 – A INFLUÊNCIA POLÍTICO-RELIGIOSA DO


MOVIMENTO THE SEND NA JUVENTUDE EVANGÉLICA BRASILEIRA

A influência político-religiosa dos “colaboradores” do The Send

Para completar nossa análise do movimento The Send, é importante que se seja
feita a correlação entre as lideranças do movimento, as lideranças evangélicas
brasileiras que participaram do evento no Brasil em 2020 e a teologia do domínio que,
na prática, serve de suporte ideológico para o movimento. Para tanto, iniciaremos o
presente capítulo com o desenvolvimento de uma breve biografia das lideranças que
organizam o movimento.
Ao olharmos atentamente para o evento realizado em fevereiro de 2020, fica
evidente a presença política durante as 12 horas de evento. As falas dos entes religiosos
são políticas, a mensagem principal do evento é de dominação de espaços públicos por
cristãos, e o público jovem é o centro destes discursos realizados e difundidos pelo
movimento The Send.
É interessante destacarmos que a presença política é uma característica do
movimento, o discurso político-religioso é o centro do movimento como um todo. Um
exemplo claro deste contéudo político explícito, que se mistura com a sacralização dada
pelo discurso religioso, está no evento The Send online de 202174, onde os
caloboradores Lou Engle e Brian Brennt declaram que “é chegado o tempo da colheita
para os EUA”. Brian Brennt relata uma profecia que lhe foi dada no ano de 2004, “em
que chegaria um uma onda de pandemia mundial, de agitação social, falta de moradia,
dificuldades econômicas, de perda, de tempestade em Washington DC, onde a bandeira
americana seria recusada, e o presidente dos EUA teria a sua voz cortada”75. O evento
online realizado pelo movimento The Send, em 2021, aconteceu no dia 9 de janeiro.
Essa fala é feita por volta do 16° minuto do vídeo hospedado no canal do movimento
Dunamis. Coincidentemente ou não, neste ínterim, Trump havia sido banido do Twitter,
perdido as eleições e insuflado seus adeptos a invadirem o capitólio três dias antes do
evento online realizado pelo The Send.

74 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dPT-iMlZDXM&t=7429s. Acesso realizado em:


06 de fevereiro de 2022.
75 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dPT-iMlZDXM&t=7429s. Acesso realizado em:

06 de fevereiro de 2022.
101

A ligação política do movimento que já era explicita, não poderia ser mais
evidente e, conforme veremos, os seus líderes possuem ligações com os políticos de
extrema direita tanto no Brasil quanto nos EUA, o que nos leva a constatar que a
atenção recebida pelo The Send ao chegar ao Brasil só ganhou a proporção percebida
devido a ascensão da extrema-direita, que também é religiosa evangélica aos executivos
federais. Ao analisarmos cada um dos colaboradores do movimento The Send, como
faremos abaixo, a nossa hipótese de que eles agem politicamente se confirma.

Lou Engle

Lou Engle76 é o mais longevo dos colaboradores do The Send e o mais


importante, conforme temos aqui exposto, ele também é um líder carismático e
fundador do The Call, movimento similar ao The Send, que possuía o objetivo de lotar
estádios com jovens evangélicos ao redor dos EUA, com o propósito de jejuarem e
orarem pela nação. Este movimento não apresentava o enfoque missionário que o The
Send possui.
Na biografia fornecida pelo seu site, temos a seguinte descrição a seu respeito:
“Lou Engle é um intercessor pelo avivamento, e o co-fundador visionário do The Call,
um movimento de jejum e oração responsável por reunir centenas de milhares ao redor
do mundo”.77 Nas palavras de Weaver (2016), destacamos como o The Call se origina:

Meanwhile the apostolic networks that had begun organizing out of Toronto
also were making some of their first significant dents in public consciousness.
On September 2, 2000, Ché Ahn and Lou Engle, two important members of
what would become the Revival Alliance apostolic network, organized the
Call D.C., a movement aimed at mobilizing young people “to maintain a 40-
day fast with prayer for our nation that would lead up to the elections” (Ahn
and Engle 18-19). Ahn credited this effort with ultimately assuring the “final
victory for President Bush” after the “bizarre circumstances” of this election
(Ahn and Engle 19). The call soon became an international youth campaign
(“Profiles and the Right”). Its most noted and controversial activity would be
Lou Engle´s very public alliance of the Call with conservative Ugandan
Christians in 2010, when Uganda was considering enacting a death penalty for
homosexuals (Kron, God Loves Uganda) (WEAVER, 2016, p. 95).

76 Disponível em: https://www.instagram.com/lou.engle/?hl=pt-br. Acesso realizado em: 20 de abril de


2021.
77 Disponível em: https://louengle.com/about/. Acesso realizado em 20 de abril de 2021.

Texto original em inglês: “Lou Engle is an intercessor for revival, and the visionary co-founder of The
Call, a prayer and fasting movement responsible for gathering hundreds of thousands around the globe
(tradução livre no corpo do texto)”
102

Como podemos ver, o movimento nasce em meados dos anos 2000, mais
precisamente nas eleições presidenciais, uma das mais polêmicas até então, onde Bush
filho (Republicano) venceu as eleições no colégio eleitoral o ex-vice-presidente Al Gore
(democrata), nos votos dos delegados no colégio eleitoral. As eleições ficaram
conhecidas por “circunstâncias bizarras”, como Weaver (2016) cita, pois, o vice-
presidente pediu a contagem de votos no Estado da Flórida, o que não lhe foi permitido
por completo pelas autoridades responsáveis pelas regras eleitorais daquele estado.
Engle é conhecido por ser um opositor aos direitos dos homossexuais, afirmando que a
homossexualidade é a espécie de um “espírito de ilegalidade”. Em um evento The Call
em Uganda, apoiou junto com outros oradores um projeto de lei de 2010, que autorizava
a morte de gays e lésbicas em algumas circunstâncias.78
O The Call fazia parte de uma outra organização carismática de reforma
apostólica. Engle está debaixo da unção apostólica de Ché Ahn, líder do movimento
independente Harvest International Ministry e herdeiro de Peter Wagner, da Wagner
University. Ele é o presidente da instituição escolhido pelo próprio Wagner. Nas
palavras de Weaver (2016), ao retratar a nova reforma apostólica e sua influência, que
pode ser vista em todos os lugares no mainstream dos EUA (Engle é identificado como
um dos pregadores carismáticos que surgem da nova reforma apostólica dentro dos
EUA).

Lou Engle – famous for his appearance in the documentary Jesus Camp (2006)
– was part of the leadership team of IHOP in the late 2000s (“Lou Engle”).
Engle´s chief apostle is Ché Ahn (see Engle, Digging the Wells, Backcover),
who views Engle with sufficient favor to call him a “covenant brother” (Ahn,
When Heaven Comes Down 121). James Goll, a Kansas City prophet (Paloma
180), provided several crucial prophecies for Ahn during the 1990s (Paloma
180), and later co-wrote the book The Call of Elijah Revolution (2008) with
Lou Engle. Thus, through the Revival Alliance, some of the most radical
Latter Rain teachings would make their way into the NAR. And for millions of
Charismatics worldwide, their lives would never be the same again
(WEAVER, 2016, p. 69).

Destacamos também as palavras de Christerson e Flory (2017), que reforçam o vínculo


de Engle com a rede de Che Ahn. Nas palavras dos autores:

What is remarkable is Ahn´s large apostolic network, called HIM, which


“oversees” about 8,000 churches and ministries in 42 countries. Notable
members of this network are Lou Engle – whose ministry, The Call, was a

78Disponível em: https://www.splcenter.org/fighting-hate/extremist-files/individual/lou-engle. Acesso


realizado em 5 de novembro de 2021.
103

key organizer of Governor Rick Perry´s “The Response” prayer rally and the
Azusa Now event (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 54).

A influência política é inegável no ministério de Ahn, e Engle, como podemos


notar, é um expoente político. É notório o uso da religião, no caso a organização de
oração para a campanha do republicano Ricky Perry. Engle, especificamente, é um dos
apóstolos da nova reforma apostólica que possui uma visão cheia de sobrenaturalidades,
assim como também é permeada da visão de guerra cultural presente no ideário da
direita cristã estadunidense. Engle é autor de diversos livros, dentre eles “The Call of
the Elijah Revolution: The Passion for Radical Change”, publicado no ano de 2008,
onde Engle em parceria com James Goll toma posse da narrativa de batalha espiritual
para declarar guerra contra certos elementos da cultura dos EUA, que para os autores
está dominada pelo Espírito de Baal. Nas palavras de Weaver, destacamos a visão que
os profetas da NAR79 possuem na nação dos EUA:

The NAR´s view of history is paradoxical, at once both restorationist and


optimistic, yet also nostalgic. This tension can be seen by briefly comparing
two important, more recent NAR works: James W. Goll and Lou Engle´s The
call of Elijah Revolution (2008) and Bill Hamon´s Prophetic Scriptures Yet to
Be Fullfilled (2010). Goll and Engle´s text, though like Hamon´s quite
optimistic, is ultimately tinged with a degree of melancholy. Duth Sheets,
writing in the book´s forward, warns that “America today is in the grip of the
spirit of Baal. This spirit permeates our culture and is the dominant worldview
the drives virtually every segment of our society, especially moral issues,
social issues, politics, the news media, public education and the entertainment
industry” (Sheets in Goll and Engle 15). Goll and Engle, too, warn that
America is suffering from a “spiritual pollution” caused by the “shedding of
innocent blood” namely “44 million innocent unborns” throught abortion (Goll
and Engle 31). For all three men, each a major leader in the NAR, God is
certainly capable of judging America (Goll and Engle 33) (WEAVER, 2016, p.
69).

O documentário “Jesus Camp 80”, citado acima, que Engle participou no ano de
2006, causou muita polêmica nos Estados Unidos, resultando em vários comentários
entre os fundamentalistas estadunidenses. Tudo isso graças às imagens fortes de
pregações realizadas com crianças, realidade de várias igrejas no país. Apesar de toda a
polêmica, o documentário conquistou a admiração da crítica, inclusive teve uma
indicação ao Oscar81.

79 New Apostolic Reformation


80 Disponível em: https://vimeo.com/38531263. Acesso realizado em: 23 de abril de 2021.
81 Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/jesus-camp-mostra-fanatismo-na-educacao-das-

criancas-4236346. Acesso realizado em: 23 de abril de 2021.


104

Jesus Camp é um polêmico acampamento para crianças cristãs que busca


incentivá-las a seguir a Bíblia e os dogmas cristãos acima de qualquer coisa, fazendo
com que se tornem futuros pregadores e assim formem, no futuro, um exército cristão.
A personagem principal do documentário é a pastora Becky Fisher, que é apresentada
pregando para crianças. Ela diz frases fortes, provocando nas crianças uma forte
indução, enquanto elas desmaiam e choram compulsivamente. As cenas são, de fato,
chocantes e ganharam a atenção da mídia à época devido a demonstração “raiz” de
como aquelas crianças são privadas de todo convívio social, visto que os
fundamentalistas veem a cultura americana como depravada.
O documentário tem um claro viés político, tanto que o documentário inicia
com o radialista Mike Papantonio dissertando sobre a influência que os evangélicos têm
tido na política estadunidense, onde ele destaca toda a intolerância e autoritarismo
daquele grupo. O documentário retrata temas como guerra cultural, homeschooling,
batalha espiritual, oração pelo presidente Bush, o grande pecado da nação – o “aborto” –
, depravação da cultura, oração pela nomeação de juízes justos nas cortes do país, as
crianças como o novo exército de Deus e uma crítica a democracia que, segundo Becky
Fisher: “will destroy us”82 (Irá nos destruir).
Engle ficou conhecido nos EUA após esse polêmico documentário. Ele tem
uma participação voltada para uma das principais temáticas de sua trajetória, a temática
pró-vida, sendo fundador de um ministério chamado “Bound4life83”. O ministério é
nacionalmente conhecido por convocar jovens a orar silenciosamente em frente as
cortes de justiça e nos centros de aborto legal com uma etiqueta vermelha sobre a boca
escrita “life”. No site oficial do movimento, temos os seguintes objetivos fixados:

Bound4LIFE is a grassroots prayer mobilization movement targeting the


ending of abortion, the increase of adoptions, and the sending of revival to
reform government and culture. Our mission is to mobilize a massive surge of
prayer and pro-life justice through:
SILENT SIEGES
Public stands of silent prayer wearing Life Tape in front of courthouses and
abortion centers around the nation.
LIFE BANDS
Millions of Christians wearing a red wristband engraved with the word LIFE.
Those that
wear the Life Band make a three-part commitment to pray, vote and obey. 84

82 Disponível em: https://vimeo.com/38531263. Acesso realizado em: 18 de fevereiro de 2022.


83 Disponível em: https://www.bound4life.com/our-story. Acesso realizado em: 23 de abril de 2021.
84 Disponível em: https://www.bound4life.com/our-story. Acesso realizado em: 24 de abril de 2021.
105

No documentário Jesus Camp (2006), podemos ver o movimento criado por


Engle em ação, realizando o que destacamos acima com as crianças que participam do
documentário. Engle leva as crianças até Washington-DC, para orarem em frente a
suprema corte com a etiqueta escrita “life” cobrindo a boca. Engle também faz uma
pregação, que nas palavras de Weaver:

The documentary included a dramatic sermon by Lou Engle in which he gets


dozens of children to shout in unison, “Righteous judges, righteous judges!” as
they waved around miniature fetuses and prayed for the life of the “unborn”
and the reclamation of the courts of America by evangelical Christians.
However, Jesus Camp did little to raise awareness about NAR, for several
reasons. First, though current and former NAR leaders were included in the
documentary, such as Lou Engle and Ted Haggard, they were not identified as
part of the NAR´s leadership, but evangelicalism more generally (WEAVER,
2016, p. 95).

Apesar do movimento realizar uma convocação para “oração silenciosa” em


frente às cortes de justiça, isso não é muito bem o que vemos na prática: eles fazem
muito barulho. Recentemente, já em meio a pandemia da Covid-19, Engle mobilizou
jovens do movimento no dia 25 de outubro de 2020 para orarem em frente à suprema
corte85, semanas antes das eleições presidenciais históricas que elegeram Joe Biden
presidente.
É relevante destacarmos que a rede de pregadores INC Christianity, cuja qual
Engle faz parte, é conhecida por seu apoio e por suas profecias em prol de Donald
Trump. Os pregadores independentes, incluindo Engle, tomaram as mídias dos EUA no
pleito presidencial de 2016, afirmando que Trump era o escolhido de Deus para preparar
o caminho para a segunda vinda de Jesus Cristo.86
Já no ano passado, Engle profetizou a virada de Trump nas eleições 87 quando
Biden já tinha a maioria dos delegados a seu favor. Engle seguiu a narrativa de fraude
criada por Donald Trump e teve o seu post marcado como “fake news” pelo Facebook88.
Já no dia 1 de janeiro de 2021, ele clamou aos seus seguidores que orassem para que a

85 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CGxm-T8HQ9L/. Acesso realizado em: 24 de abril de


2021.
86 Disponível em: https://rewirenewsgroup.com/article/2017/07/24/meet-group-right-wing-christians-

believe-president-trump-chosen-god/. Acesso realizado em: 24 de abril de 2021.


87 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CHBHpwyHTbd/. Acesso realizado em: 24 de abril de

2021.
88 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CHLr_A4JSiy/. Acesso realizado em: 24 de abril de

2021.
106

fraude das eleições fosse exposta89 e, após todas as confirmações, já no dia 17 de


janeiro, ele postou um vídeo em suas mídias sociais afirmando que os EUA viviam a
maior rebelião de sua história, porém ele realiza uma profecia de avivamento para a
nação dos EUA90.
Conforme já destacamos no início deste tópico, Engle é o nome mais longevo
dos participantes do The Send no cenário evangélico estadunidense. Os próximos que
destacamos são jovens (a maioria) líderes evangélicos que compõem o seleto grupo de
“colaboradores”, demonstrando a capacidade que estas lideranças conseguem passar o
seu “legado” para outros pregadores carismáticos mais jovens.
Podemos perceber, ao estudar o histórico de Engle, que o pregador possui um
engajamento político significativo, o que é uma característica dos componentes do INC
Christianity que, motivados por uma cosmovisão marcada pela Teologia do Domínio,
veem na política uma forma de transformar a cultura. Segundo o seu modo de pensar, a
proximidade de Engle com políticos republicanos e, mais recentemente, o seu apoio
incondicional a Donald Trump, reforçam o quão importante é para o pregador e para o
grupo de lideranças que compõem o The Send estar próximo de políticos que defendam
os seus ideais de moralidade civil. Além dos benefícios pessoais que a política pode
trazer, todos esses pregadores demonstram sempre as “bençãos de Deus” que, na
prática, são bens materiais, assim como encontram em políticos como Trump a
possibilidade de se tornarem ainda mais conhecidos. É característico em todos os
pregadores INC esta necessidade de mobilizar massas e de ganhar notoriedade sobre
elas, o que em uma análise mais profunda nos leva a constatar que estamos falando
sempre de seres narcisistas, os quais tentam impor as sociedades ideias que não refletem
a realidade da vida do povo. Sendo assim, a Teologia do Domínio que os move e o seu
mandato dos sete montes, nada mais são do que formas de manter o poder na mão de
lideranças brancas, heterossexuais e ricas, as quais são tidos como os exemplos de
“homens de sucesso”.

Andy Byrd

89 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CJgvHX4DiXB/. Acesso realizado em: 24 de abril de


2021.
90 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CKKbfs3jrSZ/. Acesso realizado em: 24 de abril de

2021.
107

Em biografia fornecida no site da Cornestone Community Church, temos a


seguinte descrição a respeito de Byrd:

Andy Byrd, and his wife Holly, have dedicated their lives to spiritual
awakening in a generation. They work with a group of covenant friends
committed to consecrated community, Christ-centered living, revival, and
cultural reformation. Andy is part of the leadership of University of the
Nations, YWAM Kona and has been with YWAM for 15 years traveling to
many different nations with a heart to raise up a revival generation to live in
the confluence of a zealous love for God and a sincere love for others.
Together, they’ve helped birth “Fire and Fragrance Ministries” and the
“School of the Circuit Rider”. The couple have five children – Asher,
Hadassah, Rhema, Valor and Chanel.91

Byrd é o principal apresentador dos eventos The Send, membro do YWAM


(em português, JOCUM) há mais de 20 anos. O jovem avivalista, além de atuar na
liderança da JOCUM na base de Kona, no Havaí, que possui um programa chamado
University of the nations, o qual recebe jovens para preparação missionária por três
meses, também é um dos organizadores do Fire & Fragrance, ambos os programas
estão ligados a JOCUM.
A JOCUM é uma organização missionária apoiada por Damares Alves, e sua
atuação em terras indígenas tem causado muita polêmica. A ONG foi acusada pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) nos últimos anos como uma ameaça à
preservação cultural, à integridade do território e à própria vida dos indígenas
Suruwahá, que vivem no sul do Amazonas, na região do Médio Purus, próximo da
divisa com Rondônia92. Apesar de toda a polêmica envolvendo as atividades da ONG
em terras indígenas, o governo, ainda assim, incluiu a ONG missionária próxima a
Damares, em uma viagem até os indígenas recém-contatados na Amazônia no ano
passado.
Nas palavras de Meneses, a JOCUM é uma organização de jovens missionários
que buscam pregar o evangelho por todo o globo.

Jocum Brasil é um dos desdobramentos dessa ONG que hoje conta com mais
de 13.000 obreiros em mais de 650 centros de atividade distribuidos por
quase 170 países. Conta ainda com uma conceituada Universidade –
University of the Nations – voltada á sua área, com sede no Havaí e com 185
locais de treinamento nos EUA, Europa, América do Sul e Central, Ásia e
África, onde se pode cursar um dos 190 cursos oferecidos por suas

91 Disponível em: https://www.cscc.org.sg/speaker/andy-byrd-2/. Acesso realizado em: 26 de abril de


2021.
92 Disponível em: https://deolhonosruralistas.com.br/2019/01/15/ong-ligada-a-ministra-damares-levou-

malaria-a-indigenas-isolados-e-foi-acusada-de-extrair-mogno/. Acesso realizado em: 26 de abril de 2021.


108

Faculdades em todas as áreas de conhecimento. São 7 grandes áreas:


Faculdade de Ministérios Cristãos, Ciências Humanas e Estudos
Internacionais, Saúde e Aconselhamento, Comunicação, Ciência e
Tecnologia, Artes e Educação (GOULART, 2010, p. 47 apud MENESES,
2016, p. 31).

Byrd é a liderança mais ativa do ministério no mundo, apesar do fundador


Loren Cunningham ainda estar vivo, mas já idoso. O campus de Kona, no Havaí, é o
principal da organização e foi neste espaço que nasceu uma outra organização
independente de mobilização de jovens missionários: o Circuit Riders93, o qual Byrd
também é um dos colaboradores. Byrd é autor de dois livros, Fire and Fragrance
(2010) e Culture of Revival: A Revivalist Field Manual - Volume 1 (2012), que
escreveu em parceria com outros líderes.
A biografia disponível a respeito do jovem avivalista não é tão extensa quanto
a dos demais colaboradores, sendo assim nos limitamos a escrever a respeito de sua
trajetória na JOCUM, a qual é considerada por Christerson e Flory (2017) uma
organização ligada ao Independent Network Charismatic Christianity.
A ênfase teológica da JOCUM está também intrinsecamente ligada ao Seven
Mountains Culture, que tem o objetivo de remover todas as áreas da sociedade das mãos
do inimigo dos cristãos: o diabo. Byrd é um dos jovens colaboradores engajados com a
INC e é parte relevante de uma de suas principais organizações, a JOCUM.
Byrd possui uma forma mais discreta de aparecer em público, tanto que ele é o
apresentador dos eventos The Send. Ele demonstra uma personalidade mais tímida e
aparenta colocar mais ser o menos midiático dos colaboradores, diferentemente de todos
os outros principais nomes citados como colaboradores do movimento The Send.

Todd White

Todd é líder do movimento carismático evangélico denominado Lifestyle


Christianity. O site da instituição fornece a seguinte descrição a respeito de seu líder:

Todd White foi viciado em drogas e ateu por 22 anos. Ele estava a ponto de
cometer suicídio quando Deus entrou em sua vida e o libertou. Como um
novo convertido, Todd começou a compartilhar a simplicidade do Evangelho
do Reino e o que Jesus Cristo realizou na cruz. Era comum Todd presenciar
dezenas de pessoas curadas quando compartilhava sobre o amor de Cristo por
elas em sua vida cotidiana. Desde essa época, Todd tem perseguido

93 Disponível em: https://circuitriders.com/about/. Acesso realizado em: 26 de abril de 2021.


109

apaixonadamente seu chamado para ver as pessoas caminhando totalmente


em sua identidade, tanto na pureza quanto no poder que estão disponíveis em
Cristo. Quase dez anos após a poderosa experiência de salvação Todd White
seguiu a diretriz de Deus de lançar o Lifestyle Christianity – um ministério
centrado em ver as pessoas seguindo sua identidade dada por Deus e
compartilhando o amor de Jesus em todos os lugares.94

Todd, assim como os outros colaboradores até aqui destacados, também é um


pregador carismático pentecostal bastante polêmico, foi ele quem anunciou a conversão
de Jair Bolsonaro no evento The Send Brasil95. White é pastor da Lifestyle Christianity
Church, a qual fica localizada na cidade de Watauga no Estado do Texas, EUA. O site
da igreja nos fornece o seguinte descritivo a respeito da igreja e da trajetória de seu
líder:

Lifestyle Christianity began in 2014 as the evangelistic ministry of Todd


White. Todd — the Founder and President of Lifestyle Christianity— became a
Christian in 2004 when he had a powerful salvation experience. Todd was a
drug addict and atheist for 22 years. He was at the point of suicide when God
came into his life and set him free.96

O pastor carismático é dono de um estilo bastante descolado, com dreads nos


cabelos, tatuagens; possui uma forma de se vestir bastante jovial, usa uma linguagem
contextualizada para se comunicar com seu público. Apesar de seu estilo moderno, o
pastor é conhecido por suas posições moralistas. No site da Lifestyle Christianity, por
exemplo, vemos a seguinte observação, na aba das crenças do grupo em relação a dois
temas: 1) O casamento entre homossexuais 2) Sacralidade da vida humana (argumento
usado para o posicionamento contra o aborto).

We believe God’s plan for human sexuality is to be expressed only within the
context of marriage, that God created man and woman as unique biological
persons made to complete each other. God instituted monogamous marriage
between male and female as the foundation of the family and the basic
structure of human society. For this reason, we believe that marriage is
exclusively the union of one genetic male and one genetic female. Genesis
2:24; Matthew 19:5-6; Mark 10:6-9; Romans 1:26-27; 1 Corinthians 6:9.
We believe that human life is sacred from conception to its natural end; and
that we must have concern for the physical and spiritual needs of our

94 Disponível em: https://lifestylechristianity.commercesuite.com.br/ministerio. Acesso realizado em: 26


de abril de 2021.
95 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TUIucgL4V7w. Acesso realizado em: 27 de abril

de 2021.
96 Disponível em: https://lifestylechristianity.com/our-history/. Acesso realizado em: 27 de abril de 2021.
110

fellowmen. Psalm 139:13; Isaiah 49:1; Jeremiah 1:5; Matthew 22:37-39;


Romans 12:20-21; Galatians 6:10.97

Tal observação acima é vista como uma clara posição do movimento e,


consequentemente, de Todd. O pregador também segue a mesma linha teológica de
trazer o “reino” à terra, consequentemente, seguindo o conceito de Seven Mountains of
Culture ou “Mandato das sete montanhas” que, temos defendido ser uma atualização da
TD, está diretamente ligado ao movimento New Apostolic Reformation, este dependente
do movimento cujo já citamos no presente trabalho: Christerson e Flory (2017) o
chamam em seu trabalho de “neo-charismatic believers”.
É interessante destacar que o resumo a respeito de Todd White o descreve
como viciado em drogas e ateu por 22 anos antes de ser libertado, atrelando o uso de
drogas ao ateísmo. A guerra contra o ateísmo é característica também de movimentos
fundamentalistas com origem no protestantismo estadunidense. De acordo com a CBN
(Christian Broadcast Network), ele recebeu a unção de Bill Johnson, Benny Hinn, Heidi
Baker e Randy Clark. Ele está muito próximo do movimento da Reforma Nova
Apostólica, nome criado por C. Peter Wagner. Ele regularmente dá palestras ao lado de
Bill Johnson98.
É relevante destacar que White já homenageou Benny Hinn99, e já ressaltou
como ele influenciou sua vida. Todd até mesmo já recebeu a famosa “unção” de Benny
Hinn. Ou seja, podemos afirmar que Todd White está, portanto, claramente envolvido
nos movimentos “Palavra de Fé” e “Sinais e maravilhas”, que são característicos destes
grupos carismáticos que fazem parte do The Send.
White, conforme postagem disponível na página do Instagram de sua igreja,
criou um ministério chamado Lifestyle Christianity. A missão deste ministério é: “Ser
amor para que por onde formos as pessoas queiram ter o que temos”. Todd White
também faz parte de um ministério chamado “Power & Love”, onde ele coloca isso em
prática como um curandeiro de rua, “curando” pessoas e falando com elas sobre o amor
de Deus.100

97 Disponível em: https://lifestylechristianity.com/our-beliefs/. Acesso realizado em: 27 de abril de 2021.


98 Disponível em: https://ocwwpfli.preview.infomaniak.website/new-apostolic-reformation/todd-white/.
Acesso realizado em: 27 de abril de 2021.
99 Principal nome do neopentecostalismo mundial.
100 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CM0Ng5DHHth/. Acesso realizado em: 29 de abril de

2021.
111

Todd White também é palestrante em muitos eventos ao redor do mundo,


incluindo o The Send. Os ensinamentos de Todd White estão em linha com a Igreja
Bethel e a Nova Reforma Apostólica. É possível encontrar muitos sermões de White no
Youtube da Igreja Bethel, muito famosa no mundo por seu ministério de louvor, que
canta canções no estilo Worship. Suas músicas são cantadas na maior parte das igrejas
evangélicas nos EUA e no Brasil, incluindo fãs famosos como Justin Bieber, o qual já
se declarou fã dos louvores da Bethel. Além disso, a Bethel é uma das principais igrejas
que Christerson e Flory (2017) destacam como exemplo do INC, talvez a principal
igreja.101
Para concluir, podemos dizer que White é um dos expoentes do movimento dos
“Dominionistas”, adeptos da Teologia do Domínio, que temos entendido ser ponto
pacífico entre todos os colaboradores do movimento The Send102. O pregador segue a
mesma forma teológica dos demais colaboradores; todas são parte desse movimento
que, na prática, se torna político, o qual faz uso da religião para moldar toda uma
sociedade segundo o seu modo de pensar.

Michael Koulianos

Koulianos também é um pregador estadunidense, fundador do movimento


carismático Jesus Image103. No site Healing Ministries, temos a descrição dos feitos
realizados por Koulianos. O movimento Jesus Image se tornou de alcance mundial, com
representação no Brasil também. O pregador tem rodado o mundo pregando uma
mensagem de cura física e espiritual em nome de Jesus, ele é autor do livro The Jesus
Book.104
Koulianos segue o mesmo estilo de liderança dos demais líderes aqui
identificados, caracterizado por ser jovial carismático, com foco nas “experiências
espirituais”, ele também é um dos colaboradores da New Apostolic Reformation

101 No ano de 2019, o casal de líderes de louvor da Bethel, Kalley e Andrew Heiligenthal, se recusaram a
enterrar sua filha de 2 anos de idade que havia morrido. Eles realizaram uma campanha de oração online
para que a criança ressuscitasse. Entretanto, a criança não ressuscitou mesmo com toda a mobilização de
oração. Disponível em: “Pais se recusam a enterrar filha, morta aos 2 anos, acreditando que ela possa
ressuscitar” (globo.com). Acesso realizado em: 6 de novembro de 2021.
102 Disponível em: Dominionism – Dominion Theology | bewatchful.org. Acesso realizado em: 29 de

abril de 2021.
103 Disponível em: https://jesusimage.tv/. Acesso realizado em: 29 de abril de 2021.
104 Disponível em: https://healing-ministries.org/people/michael-koulianos/. Acesso realizado em: 27 de

abril de 2021.
112

(NAR)105. Seguindo o foco no sobrenatural como os demais colaboradores, Koulianos é


parte da nova geração de pregadores carismáticos ligados aos movimentos
independentes que temos levantado na presente pesquisa.
Michael também é bastante ligado a Bethel Church. No Youtube, facilmente
encontramos diversas pregações dele nas “big churches” Bethel, com performances
catárticas sempre apelando para o carismatismo, para expressões de liberdade no
“Espírito”.
Outro fator importante sobre a vida do pregador é o seu casamento. Notamos
que na descrição do ministério de Koulianos, que citamos acima do site Healing
Ministries, o sobrenome de sua esposa é omitido, porém não é difícil encontrarmos suas
raízes em buscas simples via internet. Michael e Jessica se casaram no dia 25 de
setembro de 2004, e o vídeo do casamento está disponível no Youtube.106 O nome de
solteira de sua esposa é Jessica Hinn e ao se casar com Koulianos, adotou o nome do
esposo e passou a chamar-se Jessica Koulianos. Porém, o seu parentesco é significativo.
Jessica é filha de Benny Hinn, controversa figura do movimento pentecostal carismático
estadunidense.
Benny Hinn é um dos televangelistas mais famosos do mundo, principalmente
por conta de seus livros dentre eles, “Bom dia, Espírito Santo” e “Bem-vindo, Espírito
Santo”, além de realizar suas cruzadas de cura, através das quais sua famosa cena de
passar o paletó sobre as pessoas e elas caírem no “espírito” se popularizou.
Dentre as diversas polêmicas que o pastor já se envolveu, estão suas cruzadas,
devido às alegações de unção de cura que foram alvos de algumas reportagens
investigativas que questionavam tais milagres, algumas profecias religiosas que não se
cumpriram como a morte de Fidel Castro, a destruição da comunidade homossexual
americana e uma suposta visão de que milhares de pessoas voltariam da morte para a
vida.107
Outros meios de comunicação e organizações confrontam as alegações de
Hinn. Por exemplo, a HBO, a revista Skeptical Inquirer, o Fifth Estate do canal CBC e

105 Disponível em: https://bereanresearch.org/dominionism-nar/. Acesso realizado em: 27 de abril de


2021.
106 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mXllmIvLjs4. Acesso realizado em: 27 de abril de

2021.
107 Disponível em: http://blog.presentesevangelicos.com.br/tudo-sobre-benny-hinn-vida-e-

bibliografia/#:~:text=Benny%20Hinn%20nasceu%20como%20Toufik,Igreja%20Ortodoxa%20Grega%
de%20Jerusal%C3%A9m.&text=Benny%20Hinn%20tamb%C3%A9m%20sofreu%20diversas%20cr%C
3%ADticas%20e%20controv%C3%A9rsias. Acesso realizado em: 30 de abril de 2021.
113

o Ministry Watch, uma organização evangélica que avalia os gastos de ministérios. O


ministério de Hinn também foi investigado, em 2007, pelo Senado americano para
determinar se houve lucro pessoal com doações de fiéis, dentre outras polêmicas que
envolvem o seu nome.
Sendo assim, Koulianos possui ligação direta parental com um dos pregadores
mais controversos da história recente dos EUA. Assim como os demais pregadores
carismáticos independentes aqui destacados, ele é parte da confraria nacional de líderes,
e é adepto do conceito de Seven Mountains of Culture. São diversos os sermões de
Koulianos com esse enfoque teológico de trazer o céu à terra.108 Mais um dos
colaboradores que segue a mesma linha teológica aderente a TD.

Daniel Kolenda

Daniel também é um carismático, famoso por seu ministério na África.


Kolenda também é um televangelista; seu ministério se chama Christ for All Nations.
Ele é o presidente da organização que possui um canal hospedado no endereço
cfan.org/tv/142, que pode ser acessado via internet em qualquer lugar do mundo.
Abaixo temos um descritivo a respeito do pregador:

Daniel Kolenda é um evangelista que já alcançou mais de 22 milhões de


pessoas para Cristo através de suas campanhas evangelísticas em massa,
realizadas ao ar livre, em alguns dos locais mais perigosos, difíceis e remotos
da face da terra. Sucessor do renomado evangelista Reinhard Bonnke, Daniel
é o atual presidente e CEO da CfaN - Christ for All Nations (Cristo para
todas as Nações); um ministério que já realizou alguns dos maiores eventos
evangelísticos da história, já publicou mais de 190 milhões de livros em 104
idiomas e possui escritórios em 14 países ao redor do mundo. Ele também é
anfitrião de um programa de televisão (CfaN.tv) transmitido
internacionalmente e autor de 8 livros, incluindo os best-sellers “Viva antes
que você morra” e “Destruindo dragões”.109

Kolenda, em seu programa de televisão, segue o estilo de programas


evangelísticos com milagres, curas e maravilhas, seguindo a mesma linha dos demais
colaboradores destacados no presente trabalho. Rememorando as cruzadas
evangelísticas que Billy Graham fazia, Kolenda, assim como os demais, pede para si

108 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=slYPVd-Hc9E. Acesso realizado em: 30 de abril


de 2021.
109 Disponível em: https://www.cfan.org.br/kolenda.html. Acesso realizado em: 27 de abril de 2021.
114

próprio a unção de Billy Graham, apesar da linha teológica destes pregadores


independentes ser completamente distinta da deles. O histórico do famoso evangelista
tinha um conteúdo teológico essencialmente salvacionista, e todo o formato de milagres,
curas e maravilhas não faziam parte do seu arcabouço teológico.
Daniel é formado pela Southeastern University, de Lakeland, Flórida, e pela
Brownsville Revival School of Ministry (Escola Ministerial de Reavivamento de
Brownsville) em Pensacola, Flórida, mas o seu maior treinamento veio dos anos de
ministério lado a lado com o seu mentor e pai espiritual, o Evangelista Reinhard
Bonnke. Juntos eles têm viajado ao redor do mundo “pregando o evangelho”. Kolenda
reside em Orlando, na Flórida, mesma região onde o primeiro evento The Send foi
realizado.110
O televangelista também foi um entusiasta de Donald Trump 111. Em 2019, ele
usou o espaço do canal da Christ for All Nations para entrevistar o profeta, Jeremiah
Johnson, que escreveu o livro Trump, 2019, and Beyond. Na entrevista, o autor retrata a
visão que recebeu, onde Donald Trump seria o Nabucodonosor e a igreja deveria ser
Daniel do texto bíblico, para suportar em oração o novo líder escolhido por Deus para
liderar o mundo para um avivamento espiritual. Na entrevista, Kolenda tenta se colocar
de forma imparcial, dizendo que não é um entusiasta de Trump, mas sim um servo de
Deus, e que a profecia deve ser entendida como algo espiritual.112
Daniel também é autor de vários livros, dentre eles, Venha o Teu Reino.
Liberando Milagres por Meio da Fé e da Oração (2013), Viva Antes que Você Morra
(2013), Sobrevivendo ao Seu Deserto (2013), The Judgment Seat of Christ (2016). Os
livros que o autor escreveu remontam o ideário da teologia do domínio, batalha
espiritual e curas; reprodução da temática trabalhada pelos pregadores evangélicos do
NAR que temos destacado.
Sobre a organização “Cristo Para Todas As Nações”, presidida por Kolenda, os
missionários Reinhard e Anni Bonnke iniciaram sua trajetória como missionários em
território Africano, mais precisamente, no ano de 1969. Após 7 anos de trabalho, no ano
de 1974, Reinhard relata que teve uma visão de uma “África lavada pelo sangue”. Ele

110 Disponível em: https://www.conferenciadefogo.com.br/kolenda.html. Acesso realizado em: 1 de maio


de 2021.
111 Disponível em: https://www.facebook.com/evangelistkolenda/videos/785048441891596. Acesso

realizado em: 27 de abril de 2021.


112 Disponível em: https://www.facebook.com/watch/live/?v=785048441891596&ref=watch_permalink.

Acesso realizado em: 1 de maio de 2021.


115

continuou o seu trabalho de evangelização e o site da instituição relata que muitas


pessoas começaram a se converter e serem curadas de todos os tipos de doenças.
Reinhard, então, começa a realizar cruzadas em estádios e muitas pessoas
começam a falar que estão sendo curadas através de suas orações de cura. O ministério
começou a se expandir por toda a África com o trabalho itinerante do missionário.
Várias conferências foram realizadas pelos missionários por toda a África. Abaixo
destacamos um trecho da descrição histórica do movimento que tanto qualifica a Cristo
para todas as nações, como também qualifica esse movimento como carismático.

PERANTE CÉSAR

À medida que as notícias do que Deus estava fazendo começaram a chegar aos
ouvidos das pessoas, a recepção de nossas equipes em muitos lugares começou
a mudar. Alguns lugares fecharam suas portas diante da perspectiva de um
cristianismo tão ativo, mas muitos outros alegremente abriram as portas.
Pessoas de alto escalão começaram a notar as enormes multidões e o impacto
positivo que o Evangelho estava tendo, e Reinhard Bonnke logo começou a ser
solicitado a encontrar-se com presidentes de estado e a discursar no
Parlamento. Muitas figuras nacionais de renome abriram seus corações à
mensagem do Evangelho quando se encontravam em particular com Reinhard.
Somente na África ele se encontrou pessoalmente com catorze Presidentes de
Estado e, conta alguns deles, como amigos pessoais. 113

A ênfase nas curas do povo Africano é bastante vasta no site da organização, o


site tem a sua versão para diversos idiomas incluindo o português, sem contar o canal de
televisão que já destacamos. Kolenda sucedeu Bonnke na presidência do ministério, e as
cruzadas evangelísticas continuam a acontecer, o site relata que eles possuem uma meta
de alcançar 150 milhões de vidas para Jesus.
Os dados sobre o alcance da organização estão bem divulgados. Na data em
que escrevo este texto, o site menciona que 80.029.661 pessoas já foram salvas para
Jesus, 91 países foram alcançados com o evangelho, sendo realizadas 434 cruzadas e,
hoje, o ministério tem 45 anos de existência.114

Brian Brennt

Brennt também é um líder carismático estadunidense conhecido por seu


envolvimento com a Youth With a Mission Kona. Enquanto Brennt esteve em Kona, o

113 Disponível em: https://www.cfan.org.br/historia.html. Acesso realizado em: 4 de maio de 2021.


114 Disponível em: https://www.cfan.org.br/historia.html. Acesso realizado em: 4 de maio de 2021.
116

seu movimento missionário, o Circuit Riders, nasceu. Brennt criou o “Discipular


Nações”, que é uma coleção de conteúdo e recursos de treinamento que possui o
objetivo de “Equipar uma geração a viver um estilo de vida missionário”, segundo a
descrição do site que hospeda o treinamento.115 O box de cursos do “Discipular Nações”
possui o seguinte conteúdo:
Encontro de Salvação
A salvação é por meio de Jesus Cristo e, para ser salvo, nós devemos ter um
encontro com Jesus Cristo. O simples evangelho é um relacionamento com
Jesus. O curso Encontro de Salvação simplifica os pontos essenciais do
evangelho e te empodera para pregar o evangelho com clareza, poder e
audácia.116
Amor Corajoso
As mulheres têm um papel único em catalisar e moldar a história. Amor
Corajoso é um movimento de mulheres orientadas por soluções, motivadas
pelo amor de Jesus Cristo. Ative-se no amor estudando a vida de Débora e
torne-se uma catalisadora de mudanças. Você pode adquirir um manual do
Brave Love117
Mudança de Cultura
A Cultura de Jesus traz vida até para as atmosferas mais escuras. Capacite-se
com um estilo de vida que muda a cultura e veja seus relacionamentos mais
próximos sendo transformados.118

O conteúdo completo está disponível no livro Mudança de Cultura, escrito em


parceria com sua esposa Christy. Ambos realizaram uma parceria com o The Send. Os
participantes podem ter acesso ao conteúdo gratuito via plataformas digitais. Abaixo
temos um breve descritivo sobre os feitos do pregador:

Brian Brennt, alongside his wife Christy, leads the Circuit Riders movement
in Huntington Beach California. Together, the Brennts are committed to
catalyzing a generation into wholehearted surrender to Jesus. After pastoring
a church in Tacoma, Washington, Brian, Christy, and their four children
jumped into full time missions with Youth With a Mission Kona. Soon after,
God opened up a door in California and the Circuit Riders movement was
born. Today, the Brennts are committed to seeing a generation transformed
by the Gospel and mobilized into a life of ministry, missions, and Jesus
centered living unto global revival and reformation. 119

O ministério do Circuit Riders segue o mesmo padrão dos demais ministérios


dos colaboradores aqui destacados. Worship Music tem ênfase em curas sobrenaturais e

115 Disponível em: https://discipularnacoes.org/brianbrennt/. Acesso realizado em: 1 de maio de 2021.


116 Disponível em: https://discipularnacoes.org/curso/encontro-de-salvacao/. Acesso realizado em: 1 de
maio de 2021.
117 Disponível em: https://discipularnacoes.org/curso/amor-corajoso/. Acesso realizado em: 1 de maio de

2021.
118 Disponível em: https://discipularnacoes.org/curso/mudanca-de-cultura/. Acesso realizado em: 1 de

maio de 2021.
119 Disponível em: https://circuitriders.com/speaker/brian-brennt/. Acesso realizado em: 27 de abril de

2021.
117

uma busca por avivamento e evangelismo, os quais culminam em uma mudança


cultural.
O nome Circuit Riders é uma lembrança aos Methodist Circuit Riders120.
Segundo a descrição do próprio site do movimento, ele se inspira na história no
sacrifício dos Methodist Circuit Riders, o qual foi dedicado à sua vida à pregação do
evangelho. Sobre o que o movimento se tornou, eles afirmam:

CIRCUIT RIDERS NOW


That same original passion that the Circuit Riders exemplified is alive and
well in the heart of a modern generation. Today it looks like gospel centered
lifestyles. A people who love Jesus with all their hearts. The original Circuit
Riders rode their horses across America and today we use every tool
available to reach this generation with Jesus’ salvation.121

O movimento, assim como os outros aqui destacados, tem o objetivo de


alcançar jovens sem afrontar o seu estilo de se vestir, porém atua para que sua
cosmovisão seja transformada. E, mais do que isso, o grande objetivo é uma mudança
na cultura dos países em que a organização está inserida. Essa tendência fica evidente
nas palavras disponíveis também no site do Circuit Riders na aba sobre o movimento:

Cultures + Beliefs
We look to Jesus for our model of what it looks like to be cultured in the
ways of the kingdom. Our entire community is a community of those who
look to each other in encouragement and celebration. Encouragement and
celebration around the areas of setting and shifting culture – culture that sets
us apart as ones who truly love Jesus. Many of our cultures are used as points
in our messages found in our podcasts, and gatherings held by Circuit
Riders.122

O objetivo dos movimentos aqui destacados é ousado. Eles querem, através da


juventude, moldar a cultura das sociedades à imagem e semelhança de “Jesus”. Eles
possuem uma grande capacidade de diálogo, pois adaptam a mensagem da “Nova
Reforma Apostólica”, da teologia do domínio, aos jovens que participam de seus
eventos, igrejas, organizações e os acompanham através principalmente das mídias
sociais, que é o grande foco dos movimentos aqui estudados. Sendo assim, é relevante

120 Disponível: https://www.umc.org/en/content/the-hard-road-of-a-methodist-circuit-rider. Acesso


realizado em: 4 de maio de 2021.
121 Disponível: https://www.umc.org/en/content/the-hard-road-of-a-methodist-circuit-rider. Acesso

realizado em: 4 de maio de 2021.


122 Disponível em: https://circuitriders.com/about/. Acesso realizado em: 1 de maio de 2021.
118

nos aprofundarmos no próximo tópico a respeito do contexto em que nasce o The Send e
da teologia que impulsiona o movimento.

Teo Hayashi e a candidatura Krigner

Segundo a descrição fornecida na aba liderança do site do movimento


Dunamis:

Téo Hayashi iniciou o seu ministério como missionário da JOCUM em 2000.


Depois de ter servido no campo missionário na Ásia, passou 5 anos servindo
como um dos ministros de Kingsley Fletcher Ministries nos EUA e regressou
ao Brasil em 2008 para servir como um dos pastores da Zion Church. No
mesmo ano em que voltou, fundou o ministério para-eclesiástico chamado
Movimento Dunamis, o qual atualmente lidera. Em 2013 assumiu, como
pastor sênior, a Zion Church, em São Paulo.123

A Zion Church é a base por trás do movimento Dunamis, a igreja está


localizada em uma área privilegiada da cidade de São Paulo, na região do Morumbi.
Teo, inclusive, exerce a função de pastor sênior da Zion Church desde 2013,
substituindo sua mãe Dra. Sarah Hayashi.
Para que nós compreendamos a biografia de Teo, é necessário que entendamos
a biografia da Igreja Monte Sião ou Zion Church. Tudo se inicia com sua mãe, a Dra.
Sarah Hayashi, que era filha de missionários japoneses.124
A Dra. Sarah Hayashi é filha do Rev. Hiroyoki e Kaoru Hayashi, os quais
foram missionários que vieram do Japão para o Brasil como imigrantes japoneses. Os
pais de Sarah iniciaram uma Igreja Metodista Livre, no Bairro da Liberdade, em São
Paulo. A Dra. Sarah Hayashi relata que o seu chamado se inicia entre 11 e 12 anos a
partir de uma experiência mística de batismo com o Espírito Santo. Na tarefa de
entender essa experiência com Deus, ela vai para a Pensilvânia, nos EUA, e conhece
uma senhora chamada Elvina E. Miller que, em um dos cultos de jovens da Igreja
Metodista Livre, a pedido da Dra. Sarah a seu pai, prega para estes jovens da Igreja

123Disponível em: https://dunamismovement.com/lideranca/. Acesso realizado em: 25 de abril de 2021.


124Usaremos um vídeo produzido pela própria Zion Church em comemoração aos 40 anos da igreja, em
2018, para ilustrar a memória oral fornecida pelos próprios fundadores da Igreja Monte Sião.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S1TMwQrF38k. Acesso realizado em: 25 de abril de
2021.
119

Metodista Livre que, conforme o relato de Dra. Sarah, presenciaram um avivamento


muito grande.
A Dra. Sarah relata que eles ficaram na Igreja Metodista Livre por três anos até
que o número de jovens foi crescendo, e já não era mais um grupo de jovens apenas,
mas igreja que se formou. Ela afirma que aquele crescimento começou a incomodar os
outros sete pastores das outras igrejas que seu pai liderava, e então pediram para que ela
fosse mandada embora. Sarah então sai da Igreja Metodista Livre e forma com aquele
grupo de jovens, ainda apenas imigrantes japoneses, a Igreja Monte Sião.
A Dra. Sarah Hayashi125 foi a pastora sênior e é a fundadora da Zion Church
(ou Igreja Monte Sião); ela é mãe de Teo Hayashi, hoje o pastor sênior da igreja. Não
encontramos biografia a respeito do pai de Teo, não sabemos ao certo se suas memórias
foram apagadas propositalmente ou não, porém é fato que não há menção pública ao pai
de Teo e Zoe Lilly, filhos de Dra. Sarah. Inclusive, na transcrição da sessão solene da
ALESP que concedeu, no dia 18 de junho de 2018, o colar de honra ao mérito
legislativo do Estado de São Paulo foi dado à Dra. Sarah Hayashi.126
Teófilo é o principal articulador do movimento The Send para o Brasil.
Formado em psicologia e teologia pela Liberty University (EUA)127, ele é o fundador do
movimento Dunamis, atuando como palestrante motivacional em universidades e
empresas. Em 2000, Téo iniciou o seu ministério como missionário da JOCUM. Depois
de ter servido no campo missionário na Ásia, passou cinco anos trabalhando com
Kingsley Fletcher Ministries, nos EUA, e regressou ao Brasil, em 2008, para servir
como um dos pastores da Comunidade Monte Sião, na cidade de São Paulo. Em abril do
mesmo ano, fundou o Movimento Dunamis, o qual lidera atualmente. Além de seu
envolvimento com o Dunamis e com seu ministério pastoral, também possui um
ministério itinerante, e tem viajado pelo Brasil e por mais de vinte nações como preletor
e avivalista em congressos, conferências e eventos.128
Conforme descrição disponível no site oficial do movimento, o Dunamis é um
“movimento cristão, paraeclesiástico cujo foco é um avivamento sustentável que busca

125 Disponível em: http://www.escolazao.com.br/professores/. Acesso realizado em: 25 de abril de 2021.


126 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/ementario/anexos/20180702-165505-
ID_SESSAO=13328.htm#:~:text=Seus%20pais%2C%20Hiroyuki%20Hayashi%20e,planos%20de%20ret
ornar%20ao%20Jap%C3%A3o. Acesso realizado em: 25 de abril de 2021.
127 Universidade fundada por Jerry Falwell, com o objetivo de difundir o fundamentalismo. A

universidade é atualmente liderada por Jerry Falwell Jr, filho do já falecido televangelista.
128 Disponível em: https://revistarenascer.com/entrevista-com-teofilo-
hayashi/#:~:text=Te%C3%B3filo%20Hayashi%20%C3%A9%20formado%20em,minist%C3%A9rio%20
como%20mission%C3%A1rio%20da%20JOCUM. Acesso realizado em: 25 de abril de 2021.
120

despertar uma geração para que ela venha estabelecer a Cultura do Reino de Deus na
Terra e assim transformar a sociedade a sua volta”129.
Sendo assim, as ações do movimento Dunamis se organizam em diversas
frentes da seguinte maneira: Conferência Dunamis (principal evento e que acontece
todos os anos), Dunamis WKND (um final de semana de imersão, no que eles chamam
de “experiência dunamis”), Dunamis Pockets (frente de missões universitárias, grupos
que se encontram semanalmente nas universidades), 21project (escola de missões que
acontece durante as férias por 21 dias, onde jovens são treinados e na sequência
enviados para diversas nações), Fire & Fragrance (parceria com a JOCUM com foco na
presença do profético e do mover do sobrenatural em missões), EDM – Escola Dunamis
de Ministério (plataforma de treinamento online de jovens universitários para aplicação
de verdades bíblicas e ativação de dons), Pink Punch (iniciativa Dunamis de
empoderamento feminino para espelhamento do que a bíblia diz a respeito do valor da
mulher), Dunamis Music (plataforma de louvor e adoração do Dunamis que busca
produzir canções com o selo Dunamis), Dunamis Social Groups (plataforma de
organizações de justiça social que visa libertar o opresso e dar voz aquele que não tem
voz), parceria com a 21 million ONG internacional (combate à exploração sexual e o
tráfico humano de crianças e adolescentes) e Instituto Akachi (Dunamis dentro das
comunidades em SP Capital e no Vale do Ribeira, propiciando a crianças e adolescentes
a opção de se exporem as artes, esportes e diferentes idiomas).130
Teo é um líder carismático pentecostal, assim como Engle, identificado com as
crenças dos pregadores carismáticos independentes estadunidenses (Independent
Network Charismatic Christianity). No site da Zion Church, na aba “o que cremos”,
temos ali destacada a crença dos sete montes. Aqui citamos:

Cristão nos Sete Montes


Cremos que cada cristão é um ministro de Jesus Cristo e preparamos líderes
que representem o Reino Celestial, tanto dentro como fora das igrejas locais,
em todas as áreas da sociedade, em outras palavras, em todos os “Sete
Montes”: Família, Saúde, Educação, Mídia, Artes e Entretenimento, Governo
e Negócios. (Sl 125:1,2; Is 2:2-3; Ez 36:1-7).131

129 Disponível em: https://dunamismovement.com/quem-somos/. Acesso realizado em: 25 de abril de


2021.
130 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hflMlO2kn1E. Acesso realizado em: 26 de abril

de 2021.
131 Disponível em: https://zionchurch.org.br/no-que-cremos. Acesso realizado em: 26 de abril de 2021.
121

Teo também é um entusiasta do governo de Jair Bolsonaro, principalmente da


pasta da Mulher, família e direitos humanos, de Damares Alves132. Teo declarou
publicamente o seu voto em Jair Bolsonaro, e já em meio a pandemia do novo
coronavírus, enquanto Jair Bolsonaro minimizava os impactos da pandemia no Brasil,
Teo fez um vídeo fazendo mea culpa em relação a Jair e seu comportamento. Porém,
chamava os jovens a acordarem, pois se Haddad tivesse sido eleito, o Brasil estaria em
uma situação muito pior, visto que, além da pandemia, o PT “estaria roubando o país”
no momento da pandemia.133
Teo também participou da “Páscoa do Bolsonaro”134, evento que se
popularizou com esse nome no ano de 2020. Ano em que o presidente fez uma live no
canal público da TV Brasil com pastores e líderes evangélicos para celebrar a Páscoa.
Já vemos alguns trabalhos acadêmicos que têm procurado consolidar o
alinhamento de ministérios carismáticos com políticos de direita e extrema direita,
conforme tivemos ocasião de mencionar o exemplo de Engle acima. Um trabalho que
buscou realizar essa relação de proximidade entre Teo Hayashi e o atual governo de Jair
Bolsonaro foi o de Aguiar (2020). Em suas palavras:

Elementos tais como “nação”, “povo” e “Reino” são frequentemente


fundidos à imagem do Brasil, que é visto como uma terra a ser conquistada
para o Reino de Deus. Em outro momento do culto, Teo Hasyashi fez
menção à surpresa positiva que ele vinha tendo com um avivamento operado
por Deus “em Brasília, no Palácio do Planalto”, indicando que a cultura
também estaria sendo transformada a partir de um de seus sete pilares
fundamentais: o governo. Quando da realização do culto, ainda não fazia um
mês que o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, apoiado por uma
aliança de amplos setores evangélicos, havia vencido as eleições
presidenciais em segundo turno. A inserção política dos evangélicos no
Brasil contemporâneo, acentuada sobremaneira na última década, tem sido
motivo de intensos debates no escopo de diversas ciências que se ocupam em
estudar as temáticas da religião e da política e suas interfaces (AGUIAR,
2020, p. 94).

Ao analisarmos as redes sociais de Teo, é evidente a influência do mandato dos


sete montes, que conforme temos defendido, é uma repaginação da Teologia do
Domínio. O monte da política, mais especificamente, está presente por toda a sua página
do Instagram, que é sua principal plataforma social. A organização do movimento The

132 Disponível em: https://www.instagram.com/p/B4fL4F1lu6N/c/17845147450842174/. Acesso realizado


em: 26 de abril de 2021.
133 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3QqtDNFJIlg. Acesso realizado em: 26 de abril de

2021.
134 Disponível em: https://www.facebook.com/teofilo.marcelino/videos/231148714662770. Acesso

realizado em 26 de abril de 2021.


122

Send, no Brasil, em 2020, é fruto principalmente de seu trabalho, pois, de fato, ele é o
seu principal mobilizador. Podemos afirmar que Teófilo Hayashi é um mobilizador
político de direita, entusiasta de Jair Bolsonaro e seu governo. Ele foi também a pessoa
que mais chancelou a candidatura de Henrique Krigner, no mesmo ano em que o
movimento The Send realizou o evento presencial no Brasil, colocando em prática o
mecanismo da Teologia do Domínio, através do mandato da “Sete montanhas”, onde
claramente se tentou emplacar a candidatura do jovem, o qual é um dos líderes do
movimento Dunamis, e que possui Teo como sua principal liderança.
Krigner foi um dos principais apresentadores do evento que aconteceu no
estádio do Morumbi, disponível para acesso via Youtube135. Ele se lançou como
candidato a vereador na cidade de São Paulo, seguindo assim, um dos principais pilares
do movimento The Send (Sobre ir), rompendo as esferas do ambiente religioso do
movimento, acessando a esfera pública e colocando em prática a TD.
Em seu currículo, exposto em seu site de campanha, ele faz questão de
mencionar um de seus feitos em sua atuação no The Send Brasil. Em suas palavras:
“atuei na mobilização pré e durante o maior ajuntamento para envio missionário de toda
a história do Brasil”136.
Além de destacar os seus feitos profissionais, o candidato faz questão de
mencionar sua atuação no que ele chama de “maior ajuntamento para envio missionário
de toda a história do Brasil”. É importante destacar o quanto o movimento não se limita
ao ambiente religioso proselitista, parte do enfoque não é puramente o envio de
missionários, mas sim o envio de missionários para atuarem em cargos de liderança
pelo mundo (entenda-se na sociedade civil), e a candidatura de Krigner é a consumação
do chamado do evento, à medida que o mesmo lança a sua candidatura no mesmo ano
do que ele chama de maior ajuntamento missionário da história do Brasil.
Em outras palavras, Krigner137, evidentemente usou a exposição obtida pelo
movimento The Send para lançar-se candidato a vereador em São Paulo capital. A
participação de jovens na política é fruto de muitos estudos e, o que vimos a partir dos
movimentos de 2013, foi uma grande ascensão de jovens que se identificavam como
liberais ou de direita. A candidatura de Krigner é um reflexo desse processo, ele é parte
do movimento RenovaBR, que usou as estruturas dos partidos políticos para eleger seus

135 Disponível em: https://krigner.com.br/. Acesso realizado em: 8 de novembro de 2020


136 Disponível em: https://krigner.com.br/. Acesso realizado em: 8 de novembro de 2020
137 Disponível em: https://www.linkedin.com/in/henrique-krigner-0113a540/?originalSubdomain=br.

Acesso realizado em: 26 de outubro de 2021.


123

próprios candidatos, em sua maioria jovens. O maior exemplo desse processo de


candidaturas do RenovaBR é a deputada federal Tabata Amaral138, apadrinhada no
PDT, por Ciro Gomes. A talentosa jovem causou polêmica por manter uma posição de
independência partidária, o caso mais conhecido foi seu desentendimento público com
seu padrinho na política, devido ao seu voto a favor da reforma da previdência. Tabata,
mesmo dentro da estrutura de um partido trabalhista, de esquerda ou centro-esquerda,
votou a favor das pautas econômicas do governo, o que lhe custou um convite para se
retirar do partido. Hoje, Tabata é filiada ao PSB, partido comandado por seu noivo, o
também jovem prefeito de Recife João Campos. É importante, porém, constatarmos que
o comportamento de Tabata em relação ao seu partido não era o único. O PDT é uma
das bancadas mais divididas da esquerda no congresso, e muitos deputados votam com
o governo, inclusive em pautas distintas da econômica, o que por coerência não se
deveria gerar perseguições e críticas públicas a Tabata, visto que o mesmo
comportamento não é observado em relação aos outros parlamentares da legenda. Isso
posto, é fato que Tabata é uma parlamentar que não tem compromisso partidário e atua
de forma independente.
Os jovens parlamentares, eleitos pelo movimento RenovaBR, são apadrinhados
pelo apresentador de televisão Luciano Huck139, que é membro do conselho consultivo
do movimento de renovação política. A “legenda RenovaBR” elegeu dezesseis políticos
na legislatura de 2018, dentre eles o senador Alessandro Vieira, que fora eleito pela
REDE. Marina Helou também pela REDE e Paulo Ganime (NOVO)140, que demonstra
ser um “bolsonarista de raiz”, dentre outros nomes. Todos os jovens são considerados
“renovação política”, mas o que destaca da atuação dos parlamentares do movimento é a
falta de coerência partidária. Na prática, o que temos são legislações independentes,
muito mais compromissadas com o RenovaBr do que ideologicamente com seus
partidos. Sobre a atuação de jovens na política, usamos a conceituação de Castro:

A segunda pergunta que perspectiva minha contribuição aqui é: De qual


política se trata, quando os jovens estão fazendo política? O exercício da
política da forma convencional, por meio de organizações como partidos e
sindicatos, não tem sido a forma que muitos jovens têm preferido atuar na
sociedade mobilizados por projetos de transformação social. Parece existir,

138 Disponível em: https://renovabr.org/eleito/tabata-amaral/. Acesso realizado em: 26 de outubro de


2021.
139 Disponível em: https://renovabr.org/membro-do-conselho-consultivo/luciano-huck/. Acesso realizado

em 26 de outubro de 2021.
140 Disponível em: https://renovabr.org/renovabr-tem-16-liderancas-eleitas-para-o-legislativo/. Acesso

realizado em: 26 de outubro de 2021.


124

entre muitos jovens, uma descrença em relação a organizações hierarquizadas


e burocratizadas como os partidos políticos, descrença que lhes deixa pouca
margem de ação criativa e autonomia (EVERS, 1983; BAQUERO, 2001;
AUGUSTO, 2008). A crise de representatividade passa por um generalizado
“... não me representa” (BEASKOETXEA, 2008) que é propositivo ao
afirmar que o modelo de democracia representativa, tal como o conhecemos,
não contempla os anseios de participação dos jovens e tampouco dos demais
cidadãos. Na Espanha, o partido PODEMOS, criado em 2014 a partir do
movimento dos “Indignados”, parte para inventar novas formas de fazer a
política de modo que ela possa ser exercida de baixo para cima,
horizontalmente, sem os fundos milionários privados ou públicos para
campanha, e possibilitando discussão e tomada de decisão por todos e todas.
Essa nova esquerda europeia está trazendo um alento a todos e a todas os/as
desesperançados/as com a política representativa instituída, convocando-
os/as a agirem para mudar a sociedade (CASTRO, 2016, p. 100).

Diferentemente da constatação de Castro (2016), que destaca a esperança que


essa nova esquerda jovem europeia traz ao campo progressista alguns movimentos que,
como o exemplo do RenovaBr, se propõem a formar jovens para cargos públicos
independente da sigla partidária, como temos destacado. O coletivo tem elegido quadros
jovens para a política institucional e, o que temos visto na prática, é um declínio das
instituições democráticas, apesar da renovação política proposta pelo coletivo. Krigner é
fruto dessa escola ideológica que escolheu se filiar aos Progressistas, nas últimas
eleições municipais o jovem líder da escola de líderes do Dunamis obteve um total de
16.670 votos, não sendo eleito para a cadeira de vereador.141
Em geral, o que vemos nos jovens é um tom bastante crítico à política. De fato,
a frase “não me representa” é o som que sai da boca da maior parte dos jovens
brasileiros, e o intuito de movimentos religiosos como o The Send é mudar esse senso
comum. Normalmente, a forma de organização política da juventude se dá por outras
vias. Destacamos as palavras de Castro novamente:

Na fala de alguns jovens, parece que suas ações se encaminham no sentido de


tentar promover uma reconciliação entre as várias cisões efetuadas pelo
ordenamento da vida moderna e, nesse sentido, tentam aproximar discurso e
ação prática; vida cotidiana e política; homens/mulheres e políticos; espaços
da cidade e espaços políticos. O modo convencional de fazer política, do qual
somos tributários, é o que parece estar sendo questionado pelos jovens,
quando eles disputam sentidos e significado diferenciados para a política, que
vão contra uma conotação meramente prescritiva desta forma de agir
(CASTRO, 2016, p. 110).

141Disponível em: https://politica.estadao.com.br/eleicoes/2020/candidatos/sp/sao-


paulo/vereador/henrique-krigner,11011. Acesso realizado em: 27 de outubro de 2021.
125

É também devido a esse tom crítico que os jovens encaram a política que
movimentos fundamentalistas como o The Send, se voltam a unir a experiência
transcendente com o sagrado a posicionamentos políticos, a antiga estratégia de se usar
o sagrado para santificar o profano, é o que descreve melhor o movimento The Send,
sua teologia é a melhor representação desse movimento. Sendo assim, os jovens
encontram no movimento legitimidade e perdem o tom essencialmente crítico à política,
visto que a mesma fora sacralizada pela religião.
Outro fenômeno que vemos com o movimento The Send, lançando quadros
para disputas legislativas, como vemos no exemplo de Krigner, é a tentativa de se usar o
capital evangélico para se eleger candidaturas a política institucional. O que nós vemos
é que nem sempre isso se concretiza, ademais, essa ascensão evangélica e o alinhamento
quase que incondicional a Jair Bolsonaro pode realmente ter gerado uma reação contra
as candidaturas evangélicas. Krigner também é um exemplo disso, vide sua votação
extremamente baixa, apesar de ter sido a sua primeira candidatura, o candidato a
vereador de São Paulo pelo PP fez uso do alcance que o movimento The Send teve, que
não foi pouco, conforme temos destacado. Nas palavras de Cunha, ressaltamos esse
processo:

Uma delas é identificada no apagamento da máxima “crente não é deste


mundo, por isso não se mete em política”. Esta mudança ocorre
especialmente a partir do Congresso Constituinte de 1986, quando foi
formada a primeira bancada evangélica. A partir dali, pode-se dizer que a
postura de isolamento desse segmento com relação à participação política –
até então interpretada como algo “do mundo”, identificado a paixões terrenas
– passou a conviver com outros ideais, referentes à participação e visibilidade
na vida pública, que podem ser resumidos na formulação “irmão vota em
irmão”. (CUNHA, 2019, p. 9)

Krigner tentou fazer uso dessa máxima, irmão vota em irmão, principalmente
usando a influência de Téo Hayashi, seu padrinho no movimento Dunamis, assim como
usou as mesmas redes sociais que ele usou para divulgar o movimento The Send ao
fazer a sua campanha política. Porém, não podemos perder de vista que o movimento
The Send e a candidatura de Krigner é fruto de um processo de tomada evangélica dos
espaços de poder, principalmente da política institucional, isso fica bem evidenciado ao
olharmos para a bancada evangélica. Destacamos novamente a contribuição de Cunha:

Depois de altos e baixos numéricos, decorrentes de casos de corrupção e


fisiologismo, a bancada evangélica se consolidou como força, o que resultou
na criação da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) em 2003. Até 2010, esses
126

parlamentares não eram identificados como conservadores do ponto de vista


sociopolítico e econômico. Suas vitórias consistiam em barrar o avanço de
projetos considerados ofensivos à moralidade sexual religiosa:
descriminalização do aborto e casamento gay, especialmente. Seus projetos
raramente interferiam na ordem social: se revertiam em “praças da Bíblia”,
criação de feriados para concorrer com os católicos, benefícios para templos.
O perfil dos partidos aos quais a maioria desses políticos estava afiliada
refletia isso, bem como recorrentes casos de fisiologismo. (CUNHA, 2019, p.
10)

O Progressistas, partido cujo Krigner se filiou, é talvez o maior exemplo desse


fisiologismo oportunista, e a candidatura do jovem apesar de usar uma linguagem que
se comunique principalmente com a juventude, defendendo pautas como a educação, o
esporte e o empreendedorismo142, traz à nossa análise uma certa desconfiança com a
suposta renovação vinda de um candidato que dentre tantos partidos escolhe se filiar ao
Progressistas. Vindo de um movimento como o RenovaBR, que se mostrou no decorrer
dos últimos quatro anos mais do mesmo fisiologismo e compromisso com pautas de
austeridade e desmonte de um estado mínimo de proteção social, que haviam sido
construídos no Brasil.
O fato é que a candidatura de Krigner se deu de uma forma um pouco diferente
da usual, em que igrejas colocam os seus candidatos para serem eleitos, como já temos
no modus operandi da Universal e da Assembléia de Deus. Cunha destaca a forma com
que essas igrejas costumam aumentar suas bases:

b) duas igrejas evangélicas tornam visíveis seus projetos de ocupação da


política institucional do País: as Assembleias de Deus (AD) e a Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD). Ambas passaram a ocupar, depois de
2003, espaços plenos de poder em partidos (respectivamente o Partido Social
Cristão/PSC e o Partido Republicano Brasileiro/PRB) e em cargos públicos,
como as nomeações dos ministros de Estado de Dilma Rousseff, Marcelo
Crivella (PRB, Pesca, IURD), George Hilton (PRB, Esportes, IURD), e de
Michel Temer, Marcos Pereira (PRB, Indústria, Comércio Exterior e
Serviços, IURD), Ronaldo Nogueira (PTB, Trabalho, AD). A Convenção
Geral das Assembleias de Deus no Brasil tem trabalhado para o registro do
seu próprio partido, o Partido Republicano Cristão (PRC). Nos últimos dois
pleitos eleitorais, as ADs foram capazes de lançar dois candidatos à
Presidência da República, Marina Silva (2010 e 2014) e o pastor Everaldo
(2014), e a IURD conseguiu eleger o bispo e senador Marcelo Crivella como
prefeito do Rio de Janeiro, o que dá o tom da força política alcançada por
essas duas denominações evangélicas; (CUNHA, 2019, p. 10).

A candidatura de Krigner se deu de uma maneira mais “discreta”, digamos


assim, talvez porque a Zion Church, da qual Krigner faz parte da liderança de sua

142Disponível em: https://www.iheart.com/podcast/256-a-voz-do-krigner-43053987/episode/11011-para-


vereador-em-sao-paulo-73554789/. Acesso realizado em: 27 de outubro de 2021.
127

paraeclesiástica, não tem a mesma capilaridade política da Assembléia de Deus e da


IURD. Muito pelo contrário, a Zion Church, como um movimento jovem e sem
capilaridade na sociedade brasileira, jamais teria uma visibilidade nacional, mesmo com
sua paraeclesiástica trabalhando em diversas universidades do país há 10 anos, e o uso
das mídias sociais, não fora o governo Bolsonaro, que tem dado visibilidade para
Teófilo, e consequentemente os ministérios ligados a ele. O The Send é um exemplo
disso. Ele só ganhou a visibilidade midiática que teve principalmente devido a presença
de um Presidente da República e uma ministra de Estado.
Ao analisarmos a candidatura de Krigner, se torna evidente que ela teve
alguma capilaridade devido ao The Send e o fato de o movimento ser fundamentalista, o
que na prática faz com o que acabe ganhando mais os espaços midiáticos. Destacamos
as palavras de Cunha:

Pesquisa publicada sobre a relação mídia, religião e política indicou um


predomínio da corrente conservadora evangélica no Brasil nos espaços
midiáticos religiosos tradicionais e digitais (CUNHA, 2017a). É o reflexo do
predomínio que alcançam no espaço político partidário. Nesse contexto, a
ação midiática promove a invisibilidade de outros grupos religiosos e mesmo
de evangélicos de vertente progressista. (CUNHA, 2019, p. 16).

O The Send e a candidatura de Krigner no mesmo ano da realização do evento


no Brasil (2020), é mais um capítulo da novela evangélicos fundamentalistas e política.
O que identificamos no presente trabalho são formas distintas que os evangélicos têm de
agir politicamente, são estratégias diferentes como identificamos no caso da Assembléia
de Deus e IURD x Movimento The Send. Porém, na prática, o que todos têm em comum
é a exposição midiática para formar seguidores e capital político. Entretanto, o que a
candidatura de Krigner, impulsionada pelo movimento The Send, nos traz, é que
movimentos evangélicos sem capilaridade política histórica, como vemos nos exemplos
da IURD e da Assembléia de Deus, nem sempre conseguem sucesso em sua tentativa de
conseguir notoriedade política.
Teo foi parte atuante na candidatura de seu pupilo a vereador da cidade de São
Paulo e é bastante evidente que o mandato das “Sete montanhas” escolhe uma montanha
como alvo principal. A montanha da política é a principal, em que os líderes INC
almejam alcançar, não necessariamente se elegendo para cargos na política institucional,
mas elegendo pessoas que possam ter algum tipo de influência. A relação Teo/Krigner
evidencia isso, pois é evidente que, quando se alcança a montanha da política, as outras
128

serão naturalmente conquistadas e influênciadas pelos fundamentalistas. É essa relação


que vemos nos principais colaboradores do The Send, e Teo é o mais significativo para
nossa análise pelo fato de estarmos estudando uma fígura brasileira.
Diante de tais evidências, concluímos a breve biografia de Teófilo Hayashi
afirmando ser relevante destacarmos estas relações estreitas dele com o atual governo
do Brasil, pois é basicamente a mesma dinâmica dos evangelistas midiáticos
estadunidenses com o partido republicano. Através da direita cristã e seu projeto de
moralização da nação estadunidense, é marcante o quanto Teófilo aprendeu com as
lideranças INC dos EUA, e reproduziu de forma muito similar a dinâmica adotada por
seus pares estadunidenses, apesar de que na “hierarquia” do movimento, Hayashi é
naturalmente subalternizado pelo fato de ser latino.

Silas, Damares e a conversão de Bolsonaro

Separamos o presente tópico para tratar da presença de três colaborares que não
fazem parte do grupo de missionários principais, porém são figuras públicas muito
conhecidas no Brasil. São eles: Silas Malafaia, Damares Alves e o prório Jair
Bolsonaro.
Silas foi um dos convidados do The Send, e ao longo da dissertação temos
trazido fatos sobre a polêmica biografia do pastor evangélico da Assembléia de Deus. O
pastor proferiu um dos discursos de maior repercussão do evento The Send realizado no
Brasil. Destacamos abaixo a transcrição de seu discurso.

Transcrição do discurso de Silas Malafaia no The Send Brasil

Abaixo destacamos uma transcrição literal do discurso de Silas Malafaia, no


evento organizado pelo movimento The Send, no estádio do Allianz Parque, no dia 20
fevereiro de 2020:
“Paz de Cristo! Eu queria que vocês prestassem atenção a três textos da
bíblia, e eu vou dar um alerta dos mais importantes a vocês. Romanos 12.2. O
apóstolo Paulo diz: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-
vos pela renovação do do vosso entendimento”. O apóstolo Paulo está
dizendo que para você transformar o mundo, você tem que ser transformado
pelo poder do evangelho. Não vamos transformar essa geração se primeiro
não fomos transformados pelo evangelho. Segundo lugar, a transformação
vem pela renovação do entendimento. Escuta isso, moçada: O único agente
da mudança é a nossa mentalidade, se você não mudar a sua mentalidade
você não muda suas crenças e valores. Tirar o Egito, o povo do Egito, para
129

Deus foi moleza mas tirar o Egito do povo, nem Deus porque era questão de
livre-arbítrio e de mentalidade. Agora, o segundo texto é Jesus. Mateus 5:16
diz: “Assim, resplandeça a vossa luz diante dos homens para que vejam as
vossas boas obras e glorifiquem o vosso pai que está nos céus”. Agora eu vou
chamar um texto de Paulo, que ele vai dar uma outra conotação a isso, que é
Filipenses 2:15: “Para que sejais irrepreensíveis, filhos de Deus, inculpáveis,
no meio de uma geração corrompida e perversa, na qual, resplandeceis como
luz entre eles”. Escute! Luz não brilha onde tem luz, luz só brilha onde tem
trevas. Jesus falou que a nossa luz tem que resplandecer, diante dos homens,
isto é, as pessoas que cruzam com vocês, mas Paulo diz, que nós temos que
brilhar no meio de uma geração corrompida e perversa, é onde você trabalha,
é onde você estuda, é onde você mora, é no meio da sua família, se vida
cristã é duas horas de culto na igreja, o nosso cristianismo está falido. Agora
eu quero dar um alerta, e eu queria que vocês aguçassem o ouvido; aguce o
ouvido porque eu vou tentar falar, cuidadosamente, devagar, não pela
profundidade, mas pelo alerta. Escutem com atenção, por favor, absoluta!
Jovens muçulmanos vão para as universidades na Europa, passam lá, entre 5
a 10 anos, e quando voltam para as suas nações, voltam muçulmanos, nada
muda a crença deles. Agora, escute: “Jovens evangélicos brasileiros estão
indo para as universidades, três meses depois, três, depois de ouvir professor
humanista, ateísta e “esquerdopata”, voltam contaminados, duvidando de
crenças, valores, de Deus, chamando pastor de fascista e homofóbico’. A
pergunta que eu faço a vocês, a pergunta que eu faço a vocês, vocês não são a
igreja de amanhã, é a igreja de agora! E eu pergunto a vocês: Como é que um
jovem evangélico vai para uma universidade e três meses depois estão
negando a eficácia do evangelho? Agora, eu vou dar um outro dado para
vocês e não se assustem, aguce o seu ouvido, o movimento muçulmano vai
do radical para o mais radical, o muçulmano não abre mão uma vírgula de
seus princípios, sabe o que está acontecendo, agora, com a igreja? Com os
evangélicos? Nós estamos indo da verdade do evangelho para o leviano! Um
evangelho que é adaptável a esse mundo, não! Mil vezes, não! Quando você
chega na escola e na universidade e que você é luz, o primeiro impacto,
guarde isso que eu estou falando para você, deboche, vão debochar de você,
vão ridicularizar você, vão zombar de você e vão isolar você, só um dado
você é luz! E você não está sozinho! À medida que o seu testemunho começa
a contagiar, os que zombam, debocham, vão ver que você tem alguma coisa
diferente, não é você que tem que ser atraído por esse mundo, é você que
atrai o mundo pelo poder do evangelho! Quando eu pego a bíblia e vejo um
garoto chamado Daniel, que entre 15 e 17 anos, a mais de dois mil
quilômetros da sua cultura, língua e nação. E no meio do império fenomenal,
chamado Babilônia, ele decide: Eu não vou me contaminar! Eu não vou me
contaminar! Marca sua história e no meio do império pagão, ele é primeiro-
ministro de três imperadores! Eu gostaria que você repetisse comigo, após a
minha fala, primeiro uma palavra solta, e depois eu vou compor, eu vou citar
o primeiro, Eu decido, agora vocês: Eu decido! Não! Mais uma vez, eu vou
falar e vocês vão replicar imediatamente, eu vou dizer primeiro: Eu decido!
Eu decido! Ok? Então, vamos lá: E agora, eu vou dar a corda, eu vou falar
frase por frase, pedaço por pedaço pra você repetir, então, já aprendeu? Todo
mundo aí, com força? Nós estamos movendo o mundo espiritual. Há um
movimento no mundo espiritual nessa hora com o que está acontecendo, aqui
no Allianz, e lá em Brasília. Então, comigo: Eu Decido, eu decido, assentar,
no meu coração, no meu coração, eu não vou me contaminar, eu sou um
agente de transformação no mundo, a minha vida é um testemunho de que o
evangelho é poder de Deus, eu não abro mão da palavra de Deus, Eu não
abro mão do meu testemunho! Maior é o que está comigo do que o que está
no mundo! Eu! Decido! Que vou servir a Deus! Com inteireza de coração!
Em Nome de Jesus, Amém! Eu tenho 40 segundos! O estádio todo! Eu tenho
40 segundos eu vou fazer uma ola onde minha mão passar, você vai levantar
e ficar de pé quem está sentado e dar um glória! Na minha mão, eu começo
aqui e termino aqui! Onde minha mão for, à medida que for passando, vai
130

levantando a mão, vamos lá? Tá, vou começar aqui, hein? Olha, eu vou dizer
um já!, um, dois, três, já! Ei! Meu tempo acabou! Mais uma, de lá pra cá, ei
pessoal da arquibancada, onde minha mão passar, eu sei que a visão é longa,
ai, você espera a minha mão para levantar! Eu vou contar:1,2,3 e já! Onde
minha mão passar: 1,2,3 Já! Deus te abençoe. 143

Análise do discurso

Como podemos perceber de imediato no discurso de Malafaia no The Send


Brasil 2020, há uma peça que está pronta para uma análise do que o fundamentalismo
evangélico produz. Vemos intolerância, vitimização, preconceito, autoritarismo e
mentira do início ao fim do discurso, o que acaba sendo uma contradição, em termos,
pelo fato dos evangélicos outorgarem-se a ética protestante, que no conceito Weberiano
(Weber, 2004) está ligada a um estilo puritano de vida que possuía radicalidade, mas era
uma radicalidade construída com honestidade, com método e uma ética do trabalho
justo, executado de forma honesta.
Os estudos de análise do discurso produzidos pela AD (ORLANDI, 2001) nos
sugerem que o discurso é formado não apenas pelo emissor das palavras, mas também
pelos receptores e está intrinsecamente ligado à formação ideológica dos indivíduos.
Sendo assim, é relevante dizermos que existe uma cumplicidade ideológica
entre Silas e a multidão de jovens evangélicos que o escutam. Diante disso, inferimos
que o discurso é uma construção coletiva, pois à medida que o locutor emite sua
mensagem através de palavras, a multidão reage positivamente a ela.
Silas inicia sua fala usando uma figura de linguagem bastante usual em seu
meio pentecostal, mais precisamente o da Assembléia de Deus, que é a expressão “Paz
de Cristo”. Curiosamente, o que virá a seguir é um discurso estridente, que muito mais
agita a multidão do que traz paz. Ele segue em sua linha de raciocínio convocando os
jovens a “transformar o mundo, após serem transformados pelo evangelho”, segue
dizendo que os jovens devem mudar sua mentalidade e que essa mudança é questão de
livre arbítrio; ele segue incentivando os jovens a deixarem a sua luz brilhar no meio das
trevas. Após fixar as bases bíblicas, Silas realiza um comparativo entre os jovens
muçulmanos e os jovens cristãos que, no seu entendimento, não possuem a mesma
firmeza que os muçulmanos, visto que estes últimos vão estudar na Europa e não
deixam de ser praticantes de sua religião. Diferentemente dos jovens evangélicos

143
Discurso disponível em https://www.youtube.com/watch?v=XkU2j2vtGoc&t=64s. Acesso realizado
em 26 de setembro de 2021.
131

brasileiros que, em suas palavras, “estão indo para as universidades, três meses depois,
“três”, depois de ouvir professor humanista, ateísta e esquerdopata, voltam
contaminados, duvidando de crenças, valores, de Deus, chamando pastor de fascista e
homofóbico”.
E aqui chegamos no auge dessa breve fala de Malafaia, de cerca de onze
minutos. Conforme podemos ver em suas próprias palavras, as universidades são
espaços de abandono da fé, pois os jovens ouvem professores “humanistas, ateístas e
esquerdopatas”. Silas ultrapassa a linha do discurso religioso e, sem ponderar palavras,
usa a retórica religiosa para fazer um discurso político de direita. A fala de Malafaia é a
evidência mais contundente do título que temos dado ao presente capítulo, que
demonstra o The Send como uma forma “moderninha” de propagar o fundamentalismo
religioso aos jovens e adolescentes.
A pregação de Malafaia é gravíssima. Ele continua fazendo comparações entre
o jovem muçulmano e o jovem evangélico. Para ele, o jovem muçulmano é aquele que
preserva a sua fé, e ele mesmo diz que “o movimento muçulmano vai do radical para o
mais radical, o muçulmano não abre mão uma vírgula de seus princípios”. Malafaia
inventa, no mínimo, dois dados que ele cita: 1). De que muçulmanos não deixam de ser
muçulmanos e 2). Jovens evangélicos perdem a fé em três meses. O primeiro dado é
uma comparação que não possui paralelos, comparar a religião muçulmana com a
religião cristã evangélica é, no mínimo, uma desonestidade intelectual sem precedentes,
pois a cultura muçulmana é completamente diferente das culturas ocidentais pluralistas.
Além disso, o segundo dado é uma grande mentira proferida por Silas. Ele faz uma
afirmação sem citar qualquer fonte.
Mas, para Malafaia, o jovem evangélico precisa, conforme o “radical
islâmico”, de um chamado ao radicalismo, ao extremismo, ao não diálogo.
Categoricamente, é um discurso fundamentalista cristão, sob a melhor definição nos
fornecida por Marsden (2006), que define o fundamentalista como um conservador que
está com raiva. O fato é que essa fala de Malafaia nos faz rememorar a contribuição de
Santos (2016), que propõe algumas similaridades entre os fundamentalismos cristãos e
islâmicos. Até a presente análise do discurso de Malafaia, o autor que vos escreve
preferia evitar o termo “fundamentalista” para o contexto do islamismo, visto que o
termo nasce nos EUA, com um significado intrinsecamente ligado ao protestantismo,
porém após analisar o discurso de Malafaia, corroboro com o pensamento de Santos
(2016) em empregar o termo fundamentalismo também aos radicalismos muçulmanos.
132

Silas segue afirmando que quando o jovem evangélico decide ser luz na
universidade, ele deve se preparar para ser perseguido. Essa retórica vitimista é
frequentemente usada por essa direita política reacionária fundamentalista. É uma figura
de linguagem muito presente nos púlpitos das igrejas evangélicas também. Ele segue
usando o exemplo de Daniel, para incentivar os jovens a não se contaminarem com o
“mundo”, e após isso faz uma série de induções do público com o objetivo de mexer
com o emocional dos jovens que ali estavam.

Figura 2 – Apelo final realizado na intervenção de Malafaia no The Send Brasil.

A imagem 2 retrata bem a capacidade de mobilização da massa


ideologicamente conectada ao seu discurso. O discurso fundamentalista é, por vezes,
anticientífico, contra os direitos humanos, radicalista e negacionista. E tem, todavia, a
capacidade de mobilizar massas, devido ao seu forte apelo emocional atrelado às
melhores práticas midiáticas e de disseminação de pânico moral. O discurso de Malafaia
retrata muito bem as intenções do movimento e o seu uso político, direcionado a falar
com um público jovem em fase de formação acadêmica. Ao realizarmos o recorte para a
presente dissertação, não nos será possível realizarmos um aprofundamento de todos os
discursos detalhadamente, porém é necessário ao menos passarmos pelos discursos de
Todd White e da Ministra de Estado Damares Alves.
Silas Malafaia é a figura mais polêmica e intensa do fundamentalismo cristão
brasileiro. Ele exemplifica muito bem a definição dada por Marsden (2006) de que o
133

“fundamentalista é um conservador que está com raiva”. Sempre estridente e sempre


gritando, Malafaia acumula brigas e contradições durante a sua vida, ele é o que mais
temos de parecido com Jerry Falwell. É possível denominarmos Malafaia de “o Jerry
Falwell" brasileiro.
Conhecido como um militante contra os direitos da população LBTQIA+ (não
é exagero dizermos que Malafaia é homofóbico), ele acumula discussões com aqueles
que ele chama de “ativistas gays”. Mas nos últimos anos ele se superou, mais
precisamente, a partir da corrida eleitoral para as eleições de 2018. O seu discurso
tornou- se mais bélico e histriônico do que já fora um dia, demonstrando sua total falta
de compromisso ideológico e o seu oportunismo. Malafaia se tornou a liderança
evangélica que mais efusivamente apoia Jair Bolsonaro, por consequência com o
advento da pandemia da Covid-19, também o genocídio que vivemos no Brasil.
Malafaia chegou ao ponto de realizar uma live com Roberto Jefferson,
condenado pelo mensalão a poucos anos atrás, réu confesso, uma das figuras menos
apegadas a valores de moralidade da história da república sobre "família cristã nas
eleições". Dando assim, mostras da capacidade que ele possui de adaptar o seu discurso
conforme lhe convém, visto que Malafaia já fora também um mirante anticorrupção e
um crítico histórico do mensalão.144
Silas também se tornou o inimigo número um do Supremo Tribunal Federal,
em suas postagens recentes 145ele tomou para si toda a retórica bolsonarista de
perseguição de ditadura da toga por parte da corte, e até mesmo patrocinou a indicação
do “terrivelmente evangélico” André Mendonça, que se tornou ministro do STF.
Ele também foi um dos grandes impulsionadores dos atos antidemocráticos que
ocorreram no último dia 7 de setembro de 2021, em que manifestantes pelo Brasil foram
às ruas para pedir dentre outras coisas: o fechamento do congresso e do STF, assim
como a cassação e a prisão dos 11 ministros da corte, ditadura com Bolsonaro no poder
e outras pautas, que afrontam a democracia. Silas foi o grande entusiasta evangélico,
juntamente com Estevam Hernandes, bispo da Igreja Renascer em Cristo.
Silas é o típico religioso que faz uso do discurso religioso com o objetivo de
conseguir uma legitimidade pública, procurando legitimar um tipo de religião pública,

144 Disponível em: https://www.oparalelo13.com.br/component/k2/critico-historico-do-mensalao-


malafaia-se-prepara-para-fazer-live-com-roberto-jefferson-sobre-familia-crista. Acesso realizado em: 21
de setembro de 2021.
145 Disponível em: https://twitter.com/pastormalafaia/status/1273808001204473858. Acesso realizado em

07 de fevereiro 2022.
134

curiosamente em um Estado democrático de direito laico. Essa presença de entes


religiosos no debate público, se faz peculiar diante da democracia brasileira que
reconhece o valor da diferença e da liberdade de culto de todos. Malafaia é parte desse
processo de legitimação, porém ele faz uso do sistema para fazer uma defesa de um
certo tipo de religião pública excludente que não respeita o espaço de outras expressões
religiosas. Burity nos detalha esse processo, em suas palavras:

Ambos os procedimentos, mas particularmente o segundo, foram


demandando um crescente reconhecimento do valor da diferença, bem como
da necessidade de reconstruir uma nova espécie de discurso da tolerância.
Aqui chegamos às portas do tema da legitimação da religião pública, pois o
deslocamento teórico e prático introduzido pelo tema da articulação se
revelou crucial para a admissibilidade, por parte de atores não-religiosos,
institucionais e não-institucionais, da presença e legitimidade de atores
religiosos como parte das articulações que se foram construindo (BURITY,
2016, p. 25).

Malafaia é a expressão desse processo de admissão de atores religiosos como


parte das articulações políticas. Como destacamos acima, sua presença foi vista em
diversos governos, das matizes políticas mais distintas, porém, sempre pautado por
interesses pessoais, ostensivos a seu grupo única e exclusivamente. O fato é que esse
processo de legitimidade de atores religiosos de nosso estado democrático brasileiro se
voltou fortemente contra nós que somos parte da sociedade civil e contra as instituições
democráticas no governo Bolsonaro, que produz juntamente com atores religiosos como
Malafaia um desmonte da colaboração que poderia ser produzida por um diálogo inter-
religioso. Burity contribui para essa reflexão, destacando o movimento pentecostal, cujo
qual Malafaia é um dos seus representantes, novamente destacamos suas palavras:

A politização do discurso religioso não era, nunca fora, inaudita. Disso são
testemunhas, apenas para tomar o contexto republicano latino-americano, a
romanização do catolicismo, o integrismo, a teologia do desenvolvimento, a
teologia da libertação e o ecumenismo. O incômodo maior disso é que tal
politização assumiu novas dimensões como parte de uma mudança na
demografia das religiões, que mudou o nome e o número dos atores, tanto na
América Latina (pela intensificação do trânsito religioso e crescimento do
protestantismo, particularmente o pentecostal) como nos países do
capitalismo avançado (pelo efeito de ondas de imigração não ocidentais, que
trouxeram o cristianismo “do sul”, o islamismo e as religiões asiáticas para o
centro de várias disputas culturais e políticas). Dos anos de 1990 em diante,
tal politização representou ainda uma inflexão na tendência progressista dos
anos anteriores, trazendo para o primeiro plano o discurso político
pentecostal. (BURITY, 2016, p. 27)
135

É nesse contexto dos anos de inflexão na tendência progressista que trouxe


para o primeiro plano o discurso político pentecostal, o qual a figura de Silas Malafaia
emerge no cenário político nacional. O discurso pentecostal passa a tomar conta da
mídia através de programas em canais aberto de televisão, os exemplos da Universal do
Reino de Deus e da Internacional da Graça são elucidativos, porém não foram os únicos.
A televisão aberta chegou ao ponto atual, de haver quase um pastor pentecostal por
canal, pregando e falando de forma agressiva contra pautas de gênero e relacionadas a
sexualidade. Nas palavras de Burity:

Também os debates sobre gênero e sexualidade mobilizam diretamente vozes


religiosas ou contrapõem-nas a vozes laicas. O incômodo e a incerteza
causados por essa “reaparição” da religião foi, aos poucos, sendo articulado à
redefinição do conceito e abrangência da democracia, como forma política da
inclusão social e da justiça, por meio da cidadania e do reconhecimento.
(BURITY, 2016, p. 27)

Vozes como as de Malafaia ganharam espaço no cenário nacional falando


diretamente às pessoas sobre o processo de “evangelização”. É uma realidade que
ganhou notoriedade através do discurso de inclusão social, onde nossa democracia
permitiu, de forma correta, vozes como Malafaia, que usam o discurso de liberdade de
expressão que a democracia lhes permite para discursar muitas vezes contra a
democracia e, para tal, fazem uso do discurso político religioso. Burity descreve esse
processo:

Enfim, o discurso da inclusão social tornou-se um recurso de mobilização e


asserção coletiva de atores religiosos oriundos seja da periferia do próprio
campo religioso (caso dos pentecostais na América Latina, e dos
muçulmanos, no mundo anglo-saxão), seja de fora dos espaços de
representação institucionalizados e do acesso ao judiciário e à mídia (cf.
BURITY, 2006a, 2008a) (BURITY, 2016, p. 29).

Essas vozes majoritariamente pentecostais, que vieram da periferia do próprio


campo religioso, deixam de ser vozes periféricas e passam a ocupar um lugar de
centralidade no campo. O pentecostalismo que no Brasil se expande com o crescimento
das periferias urbanas, passa a ocupar e a ganhar seu espaço entre as “elites do atraso”,
como bem exemplificou Jessé Souza (2019). O entendimento de elites do atraso de
Jessé, abrange tanto a “elite real” quanto a “classe média”. O pentecostalismo ganha sua
legitimidade e passa ser uma expressão de fé também nos espaços onde o dinheiro
136

domina e o movimento The Send é a maior expressão dessa ocupação de espaços e dos
deslocamentos do pentecostalismo da periferia para o centro.
Essa ascensão pentecostal e esse domínio dos espaços sociais da expressão
religiosa presente no pentecostalismo faz com que Burity (2016) veja no
pentecostalismo um caso de religião pública. Sendo assim, não é se estranhar que uma
figura vinda do pentecostalismo clássico, como Silas Malafaia, passe a ter uma parcela
significativa de seguidores e sendo ouvido por milhões de outros que não
necessariamente o seguem. Burity (2016) destaca como o pentecostalismo se torna um
caso de religião pública no Brasil. Em suas palavras, destacamos:

O que permite caracterizar o perfil pentecostal pós-anos 1980 no Brasil como


um caso de religião pública é um conjunto de indicadores, tais como: a) o
dado empiricamente comprovável da desprivatização do pentecostalismo,
associada a uma demanda por participação nas instituições representativas,
mediada pela construção de uma autorrepresentação e acompanhada de uma
pretensão de possuir, se não um projeto, ao menos caminhos, para o
enfrentamento da crise e a normalização da democratização; b) esse processo
gerou uma publicização ampliada do pentecostalismo, que foi além da
mobilização política, passando a incidir cotidianamente no registro da cultura
(da cultura de massas – via sua “indústria cultural”: editoras, jornais,
gravadoras, programas de rádio e tevê, etc.) e da participação no debate
público em sentido amplo, por exemplo, nas áreas de segurança pública,
direitos humanos, engenharia genética, liberdade de expressão, provisão
social (qualquer que seja o desempenho ou a aceitabilidade dos
posicionamentos dos pentecostais e das igrejas pentecostais); c) a crescente
iniciativa de implementação de projetos sociais de vários escopos e de
parcerias com governos nessas áreas; d) a mediação em situações de conflito
ou de tensão social, por exemplo, em vários casos envolvendo pastores e
lideranças do crime organizado em comunidades das metrópoles brasileiras;
e) no caso específico da política, a profissionalização da atuação (via
conselhos, treinamentos de candidatos, acompanhamento de mandatos e
estratégias de negociação no nível da grande política) e a utilização
deliberada de sua própria linguagem teológica como registro legítimo de
argumentação política, traduzindo-a em termos “laicos” em determinados
momentos ou reiterando-a explicitamente, sem mediações, trouxeram a
própria vida intraeclesial do pentecostalismo para a ribalta, para o proscênio
da vida pública nacional (BURITY, 2016, p. 38).

Sendo assim, é necessário reconhecermos o pentecostalismo não mais como


uma expressão periférica da religião, ou única e exclusivamente uma expressão das
bases. O pentecostalismo está desde o processo constituinte no centro das decisões
políticas do Brasil, organizado no parlamento com a Frente Parlamentar Evangélica que
não é exclusivamente pentecostal, porém é majoritariamente pentecostal. Isso faz com
que a vida intraeclesial do pentecostalismo, como bem destaca Burity, vire pauta para a
nação como um todo, ferindo agressivamente o estado democrático de direito. Silas é o
137

maior exemplo desse processo no Brasil atualmente. Burity arremata sua análise sobre
esse processo de ascensão do pentecostalismo da seguinte forma:

Como resultado disso, o pentecostalismo deixou definitivamente a penumbra


do autoisolamento ou a periferia da sociedade e expôs-se, de modo até aqui
irreversível, aos grandes vetores da vida social, do cotidiano às instituições
políticas, mas também o inseriu na conflitividade social, politizando
praticamente tudo o que diz respeito à fé pentecostal perante atores não-
religiosos e mesmo outros atores religiosos. Isso o define, não como religião
no espaço público, mas como religião pública. É essa qualidade de exposição,
ação estratégica e visão multidimensional da sua incidência na vida social,
que caracteriza o pentecostalismo brasileiro hoje, para além de toda a
contestabilidade suscitada em torno dele ou contra si (cf. Machado e Burity,
2014) (BURITY, 2016, p. 38).

Conforme já argumentamos, e Burity reforça na citação acima, esse processo


de politização pentecostal abarca “praticamente tudo o que diz respeito à fé pentecostal
perante atores não-religiosos e mesmo outros atores religiosos” (BURITY, 2016, p. 38).
Esse processo de politização total e irreversível do pentecostalismo, levou consigo
praticamente todas as denominações protestantes evangélicas do Brasil. Ao conversar
com qualquer religioso médio de denominações históricas ou pentecostais no país, é
muito provável que temas como ideologia de gênero, “homossexualismo”146,
comunismo e ataque as famílias surgirão espontaneamente. Esse processo é fruto do
“fundamentalismo pentecostal”, raivoso e militante. Obviamente não é um fenômeno
uniformemente pentecostal, porém é inegável que são os pentecostais que puxam as
massas para essa cosmovisão que atinge todo o protestantismo evangélico brasileiro.
Considerando que todo esse processo é diretamente influenciado pelos
fundamentalistas estadunidenses, e o movimento The Send é uma expressão clara desse
processo. O modelo de protestantismo desenvolvido no Brasil, como já debatemos no
presente trabalho, é fortemente influenciado pela cultura dos EUA, mais precisamente,
pela cultura do sul dos EUA, que é o berço do fundamentalismo protestante para dentro
dos EUA e para o mundo, visto que o modelo de expansão missionária foi seguido pelos
sulistas. Como temos defendido, Silas Malafaia é uma espécie de Jerry Falwell
tupiniquim, piorado, bem menos ideológico e muito mais atento a seus interesses
pessoais de enriquecimento.
A relação entre Malafaia e The Send é, ao que nos parece, fruto dos tempos que
vivemos, pois, esses grupos evangélicos encontraram em Bolsonaro acolhimento que

146Pedimos a permissão do leitor para usar o termo incorreto apenas para refletir a argumentação média
que o emprega, apesar de já amplamente debatido e corretamente revisto pela medicina.
138

outrora não tinham. Se não fosse o atual governo, dificilmente veríamos um movimento
ligado aos evangélicos tendo um espaço tão significativo nas mídias tradicionais como o
The Send teve, e o discurso de Bolsonaro é bastante sintomático a essa guinada à direita
dada em 2018.
Outro personagem marcante do evento The Send realizado no Brasil é Damares
Alves, ela é uma das figuras mais polêmicas do quadro de ministros e ministras de
Estado brasileiro atualmente. A então assessora parlamentar do ex-senador pelo Estado
do Espírito Santo, Magno Malta, conseguiu na primeira composição de ministros de
Estado o cargo de ministra da mulher, da família e dos direitos humanos, o que causou
no senador um pequeno mal-estar, pois ele não fora reeleito.147

Figura 3 - Primeira composição de ministros (Damares Alves está no canto superior esquerdo, ao lado
do General Santos Cruz)

Sendo que, desde o primeiro momento, a indicação de Damares Alves gerou


reações das mais diversas, desde a base aliada até mesmo entidades que atuam na
militância pelos direitos humanos, principalmente naquelas organizações que militam
nas causas LGBTQIA+. Silva nos ajuda a entender melhor esse processo. Em suas
palavras:

A atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humano, Damares


Alves, assumiu a pasta no dia 02 de janeiro de 2019, um dia após a posse de
Jair Messias Bolsonaro na Presidência da República do Brasil. Antes mesmo
de iniciar suas atividades como ministra, quando de sua indicação, anunciada
pelo, à época, ministro extraordinário e coordenador da equipe de transição
do governo, Onyx Lorenzoni, em 06 de dezembro de 2018, ocorreram
reações negativas à referida indicação. Por parte da bancada evangélica por

147Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/12/06/assessora-de-magno-malta-e-


anunciada-ministra-de-mulher-familia-e-direitos-humanos.ghtml. Acesso realizado em: 28 de setembro de
2021.
139

exemplo, que esperava pela indicação de Magno Malta, de quem Damares


havia sido assessora no senado federal, foram feitas críticas. Além de críticas
internas ao futurou governo, como as da bancada evangélica, cuja maior parte
dos membros apoiou Bolsonaro durante a campanha eleitoral que culminou
com sua vitória, ocorreram reações, também negativas, por parte de
associações civis que militam pela causa da mulher e de organizações de
direitos humanos, as quais, segundo divulgado na/pela mídia, temiam um
retrocesso em relação às conquistas já alcançadas por alguns grupos sociais,
como, por exemplo, o movimento LGBTI+ (Lésbicas; Gays; Bissexuais;
Transexuais, Travestis e Transgênicos; Intersexuais; e Mais), dentre outros
(SILVA, 2020, p. 155).

A relação de Damares com o movimento The Send não está muito bem
evidenciada. Os líderes do movimento, como Henrique Krigner, afirmam que Damares
Alves foi convidada a participar do movimento, única e exclusivamente, pois o The
Send trouxe pautas como adoção que, no caso, estariam ligadas a sua pasta. Em
entrevista ao site de checagem Bereia, ele afirmou que

a ministra foi convidada não só por ser ministra, mas também pelo fato de o
evento ter tratado de temas ligados à sua pasta, como adoção e tráfico
humano. Antes da fala da ministra, Todd White deu um relato pessoal de sua
experiência como pai adotivo e Mike Gallagher discorreu sobre adoção,
convivência familiar e projetos que estimulam a prática. Em sequência a
Damares, Heidi Baker relatou uma experiência pessoal vivida na infância
para demonstrar a ligação entre amor familiar e amor divino. 148

Krigner é um dos líderes do movimento Dunamis, ligado a Zion Church, que


nasceu da JOCUM. Já tivemos ocasião de aprofundar nossa análise a respeito de
Krigner, devido a sua candidatura partidária para vereador na cidade de São Paulo, nas
eleições municipais de 2020, pelo Partido Progressista.
Porém, neste tópico, cabe-nos destacar que as relações de Damares com o
movimento Dunamis já existiam antes do evento acontecer. No ano de 2019, ou seja, já
no cargo de ministra de Estado, Damares foi palestrante em um evento da igreja monte
Sião, que realizou o seguinte post na ocasião:

OS CÉUS ESTÃO ABERTOS SOBRE O BRASIL!


Encerramos um painel e uma sessão muito impactantes com a Ministra
Damares Alves (@damaresalvesoficial1), Dr. Guilherme Schelb
(@guilhermeschelb) e Pr. Lucas Hayashi (@lucas.hayashi).
Cremos em uma revolução cultural no Brasil, é tempo de quebrarmos o
silêncio e nos posicionarmos em ação para a mudança acontecer.
Nossas crianças vão transformar o Brasil do futuro e temos certeza que o dia
de hoje foi um despertar profético para a próxima geração.

148Disponível em https://coletivobereia.com.br/etiquetas/damares-alves/. Acesso realizado em 28 de


setembro de 2021.
140

Quantos ai estão se sentido chamados para agir? ✋🏻


#CGR19 #IgrejaMonteSiao #FamiliaMonteSiao149

A própria Damares divulgou a palestra dada na Igreja Monte Sião em seu


Twitter oficial150. Temos registros de eventos oficiais que incluem Teófilo Hayashi e
Damares Alves em cerimônia da frente parlamentar evangélica, ainda no ano de 2019.
Destacamos abaixo:

Temas abordado e debatidos pelos palestrantes e painelistas: Pastor Teófilo


Hayashi, líder da Igreja Monte Sião, Ministra Damares Alves, Ministra da
mulher da família e dos direitos humanos, Deputado Federal Rodrigo Maia,
Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Silas Câmara, Presidente da
Frente Parlamentar Evangélica, Deputada Federal, Liziane Bayer, Ministro
Sérgio Moro, Ministro da Justiça e Segurança Pública e o Presidente do
Brasil, Jair Messias Bolsonaro.151

Ou seja, as relações de Damares Alves com o movimento Dunamis, que é o


principal movimento organizador do The Send para o Brasil, são estreitíssimas. Teófilo
teve boa parte de sua formação como missionário da JOCUM, conforme citamos acima.
O movimento Dunamis nasce por influência da JOCUM, sendo que Damares Alves é
ligada ao grupo norte-americano YWAM/Jocum e esteve envolvido em diversas
polêmicas envolvendo a evangelização de indígenas no Brasil. A entidade, por exemplo,
já foi expulsa do território suruwahá por praticar atividades “proselitistas e
discriminatórias”, como escravizar indígenas e contrabandear sementes, segundo o
Ministério Público Federal (MPF).
Apesar das represálias da procuradoria em fevereiro deste ano, a ministra
tentou levar duas missionárias do grupo para uma expedição na aldeia do povo
suruwahá, na Amazônia. O objetivo da viagem, segundo a pasta, seria sanar uma “crise
de saúde mental” entre os indígenas, que vivem em território isolado no bioma. A
Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, no entanto, cancelou a
expedição.
A ministra também participou da fundação da organização evangélica Atini –
Voz Pela Vida, um dos braços da JOCUM, e que já acusou indígenas de serem

149 Disponível em
https://www.facebook.com/mtsiao/posts/2583946248300115?comment_tracking=%7B%22tn%22%3A%
22O%22%7D. Acesso realizado em 28 de setembro de 2021.
150 Disponível em https://twitter.com/damaresalves/status/1200946937459023873. Acesso realizado em

28 de setembro de 2021.
151 Disponível em https://www.camaracruzalta.rs.gov.br/noticia/conferencia-nacional-da-frente-

parlamentar-evangelica-do-congresso-nacional-130218. Acesso realizado em 28 de setembro de 2021.


141

praticantes de infanticídio. Assim como a entidade estadunidense, a Atini também foi


denunciada pelo MPF pelo fato de terem sequestrado e traficado crianças das aldeias,
dizendo que iria salvá-las. A própria Damares tem uma filha indígena, que diz ter sido
salva pela ministra aos 6 anos de idade.152
Damares é um grande exemplo de uma religiosa que atua em uma pasta laica a
partir de premissas religiosas, ferindo assim a laicidade do Estado. Burity mais uma vez
reforça esse processo da religião pública e, em suas palavras:

o cenário da religião pública é inseparável de uma abertura da identidade


religiosa, de uma confrontação ou formação de alianças que não deixa mais
intocado o caráter especificamente religioso do que tal identidade afirma de
si e requer para si. Em outras palavras, a religião pública ao mesmo tempo
impele “a religião” para o que já não se contém ou regula pela jurisdição
organizacional ou simbólica do mundo religioso, e posiciona relacionalmente
a identidade religiosa de tal forma que o “não-religioso” tanto quanto o
“outro religioso” passam a interferir permanentemente na vivência e no estar-
em-casa da identidade religiosa. Esse problema de definição da fronteira ou,
antes, da crescente porosidade da fronteira entre o religioso e o secular atinge
a religião pública de duas formas: porque ela ultrapassa fronteiras, levando o
religioso para dentro do secular, por assim dizer; e porque ela não pode erigir
fronteiras impenetráveis à lógica secular no seu próprio interior (BURITY,
2016, p. 39).

Damares é o exemplo de que não existem fronteiras para os fundamentalistas


entre religioso e secular: o religioso é presente em todos os espaços, a vida é um eterno
culto fundamentalista. Damares retrata muito bem o espírito de majoritização do
pentecostalismo, que destacamos novamente nas palavras de Burity:

Essa desenvoltura inflige derrotas pequenas e grandes à agenda


democratizante de grande parte dos demais atores minoritizados no mesmo
período da emergência pública dos pentecostais. É como se a minoritização
pentecostal tivesse se exaurido numa majoritização, na sua cooptação por
parte das velhas elites, dando-lhes a sobrevida de que necessitavam para
recomporem-se dos reveses políticos dos últimos doze anos (os quais, se
pensarmos bem, não foram tão grandes assim, mas o alarido da reação parece
pintar um cenário apocalíptico como se se tratasse de um trauma social geral)
(BURITY, 2016, p. 41).

O alinhamento pentecostal com a política se dá também com a indicação de um


ministro de Estado com as características de Damares Alves, que apesar de ter tido
alguma resistência da bancada evangélica, é uma das ministras mais resistentes do atual
governo. Firme como uma rocha, ela segue sua agenda fundamentalista, gerando

152 Disponível em https://revistaforum.com.br/politica/saiba-o-que-e-o-the-send-movimento-


ultraconservador-dos-eua-que-damares-trouxe-ao-brasil/. Acesso realizado em 28 de setembro de 2021.
142

polêmicas e desarticulando todas as bases de direitos humanos que havíamos


construído, principalmente nas pautas das minorias (população LGBTQI, pautas raciais,
pautas de gênero, diversidade religiosa etc.), o que na prática tem um nos causado
significativo retrocesso democrático.
É incrível como encontramos paralelos entre o extremismo fundamentalista
estadunidense e o presente no Brasil hoje. Claramente, nada disso é por acaso, visto que
até hoje Steve Banon assessora Bolsonaro com suas pautas extremistas, mas isso vai
além. Essa relação de cópia de pautas defendidas pelos sulistas fundamentalistas
aparece frequentemente no governo Bolsonaro, e Damares Alves é uma das principais
defensoras dessas “novidades”. Recentemente, Damares levou a defesa do
homeschooling153, pauta defendida pelas populações sulistas dos EUA que possuem
vínculos antigos nos primórdios do fundamentalismo. Nas palavras de Marsden,
destacamos:

The separatism of these school movements usually involved a subtle shift in


emphasis from that which prevailed among fundamentalists from the 1920s
through the 1950s. During that earlier era some fundamentalists founded their
own schools, from lower schools to colleges and Bible institutes, as part of
their attempt to live the "separated life," teaching people how to stay pure
from behavioral and ideological corruptions of the society and how to relate
to society primarily through evangelism and missions. While these traditions
continued to shape the rapidly expanding Christian school and home school
movements, by the 1980s these movements included more explicitly political
dimensions dealing with civic and legal issues designed to prepare the next
generation not only to resist secular humanism intellectually, but to take back
America or at least resist politically (MARSDEN, 2006, p. 246).

É interessante constatarmos o quanto realidades que quase nada dialogam com


a brasileira são importadas e colocadas como pautas que ganham a mídia. O Ministério
de Damares é pródigo nisso. Além de ser um grande “puxadinho” de evangélicos com
um claro favorecimento a ONGS evangélicas154. Por isso que a presença de Damares
Alves no movimento The Send não é coincidência, dadas suas relações com os grupos,
principalmente o movimento Dunamis. Há denúncias, inclusive, de que alguns dos
pastores possuem filiação ao Capitol Ministries, entidade religiosa que ganhou grande
capilaridade no governo Trump. Sendo assim, não é de estranhar a presença de

153 Disponível em: https://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2021/07/07/damares-alves-nega-vies-


ideologico-em-projeto-de-lei-e-defende-ensino-domiciliar-autonomia-da-familia.ghtml. Acesso realizado
em: 28 de setembro de 2021.
154 Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/programa-liderado-por-michelle-repassa-verba-

a-ongs-aliadas-de-damares-diz-jornal/. Acesso realizado em: 28 de setembro de 2021.


143

Damares, que não é apenas uma mera palestrante, é de extrema relevância para a
articulação política do movimento.
E, por fim, não podemos passar alheios ao ponto mais alto do evento The Send
realizado no Brasil: a conversão de Bolsonaro, narrada no evento principal no estádio do
Morumbi pelo Pastor Todd White. Os detalhes sobre quem é Todd White estão no
terceiro capítulo. Cabe-nos, porém, analisar White e sua intervenção que ficou marcada
pela declaração de conversão de Jair Bolsonaro.
No início da oitava hora de evento, Todd White inicia a sua “ministração”,
como dizem os crentes. Logo em sua primeira frase, ele anuncia o ponto máximo do
evento, afirmando: “Tenho boas notícias. Acabei de receber a palavra do Brian Brennt
que está lá em Brasília de que o seu presidente acabou de nascer de novo”155. O termo
“nascer de novo”, coincidentemente ou não, foi o termo usado por Carter na corrida
eleitoral de 1976, gerando grande euforia nos fundamentalistas, os quais esperavam um
certo tipo de governo por parte de Carter. É curioso Todd White ter usado o termo para
se referir a Jair Bolsonaro, apesar de a expressão ser comum nos processos de
conversão, porém o que nos toca é o uso político que de tempos em tempos o termo
ganha nas eleições democráticas. Dado o histórico, Silva faz uma comparação oportuna
da nossa análise, ao narrar o processo de apoio a Reagan em detrimento a Jimmy Carter.
Em suas palavras:

Em seu artigo “A New Crusade: a right-wing Christian gird for election


race”, publicado no jornal Chicago Tribune em 15 de agosto de 1980, no
ápice da disputa pela Casa Branca daquele ano, Bruce Buursma (1980, p.1)
avalia que o movimento da Direita Religiosa tinha amplitude suficiente para
alterar o resultado do processo eleitoral presidencial, e que Reagan, “o
candidato que no momento é a escolha clara dos conservadores” era
considerado “como um Moisés que irá liderá-los à saída do deserto da
injustiça”, enquanto Jimmy Carter, que havia tornado público o termo
“nascido de novo” nas eleições de 1976, era então “rejeitado por alguns da
Direita Religiosa como um Judas Iscariotes e um charlatão” (SILVA, 2016,
p. 182).

É possível encontrarmos paralelos entre o termo usado e Bolsonaro, que assim


como Reagan não era um cristão “nascido de novo”. Até aquele momento da oitava
hora do The Send, Bolsonaro, assim como Reagan, era considerado um Moisés que iria
liderar um estado corrupto. Ele iria ser levado à conversão a Deus e, mais do que

155Termos que, dentro do evangelicalismo, é usado para descrever uma pessoa que, em um culto público,
toma a decisão de “mudar de vida”, deixando o estilo de vida vivido até então, se convertendo a fé
evangélica.
144

Moisés, ele era o Messias, porém ainda não havia passado por um ritual de passagem,
diferentemente de Reagan, que não nasceu de novo durante seu mandato. Bolsonaro
passa por essa experiência, que é o ponto alto do The Send Brasil.
Ao colocarmos a frase “Bolsonaro convertido no Brasil 2020” no Google, o
site de buscas traz ao menos uma página com menções diretas ao evento The Send e a
consequente conversão de Jair Bolsonaro. Conforme temos destacado na presente
dissertação, esse intercâmbio entre o religioso e o político, onde o religioso legitima o
político e vice e versa, faz com que a religião não apenas ocupe um lugar como
expressão de uma sociedade democrática e plural, pelo contrário, ela se faz religião
pública. De acordo com Burity:

Como índice da presença de novos atores no espaço público no processo de


democratização ou de um ator que representa metonimicamente o campo da
cultura ao mesmo tempo em que exemplifica como a cultura é, mais do que
modo de vida de um grupo, um campo de disputas pelo horizonte de uma
ordem alternativa, a religião não apenas veio a ocupar um lugar nesse espaço
público. Sua expressão contemporânea, atravessada por múltiplos e
contraditórios processos de minoritização, se dá como religião pública. Não
apenas a vivência pessoal e coletiva, informal e institucionalizada das
práticas religiosas não mais se detém na fronteira do privado, como também
ela se projeta, ora espraiando-se ora focalizando, pelo espaço público, como
ação coletiva, como cultura e como discurso sobre valores. (BURITY, 2016,
p. 36).

O episódio de conversão de Bolsonaro é um exemplo claro dessa religião que


se coloca como legitimadora do poder político que, se preciso for, o converte para que
sua cosmovisão seja imposta “como cultura e como discurso sobre valores”, como bem
destaca Burity. Todo esse processo de anunciação de sua conversão é feito por um
pastor pentecostal, Todd White. Apesar de suas características distintas do movimento
pentecostal brasileiro, ele é um pastor carismático pentecostal independente, mas não
apenas White, a grande parte dos coletivos de evangélicos que ministram no The Send,
são líderes pentecostais. Burity destaca com clareza esse anseio pentecostal por alcançar
o papel de religião pública. Em suas palavras, destacamos:

b) os pentecostais hegemônicos não podem tudo, porque enquanto religião


pública não atuam num terreno vazio de outras pretensões de poder e não
podem conter o potencial de contestação que sua “violação” da fronteira entre
o religioso (tradicionalmente compreendido) e o secular suscita dentro e fora
de seus domínios eclesiais. Também não podem tudo porque a revelação de
sucessivos escândalos e a movimentação capilar e paralela de suas
dissidências internas põem em perspectiva a pretensão dos atuais líderes de
falarem “pelos evangélicos” ou de se alçarem sobre o mar de lama que
145

desacredita e desqualifica praticamente toda a chamada classe política


juntamente com a fina flor do grande empresariado (BURITY, 2016, p. 42).

É interessante que o fato de os pentecostais brasileiros “não poderem tudo”,


como bem salienta Burity, não os impedem de buscar esse poder hegemônico. O
governo Bolsonaro, com seu “novo nascimento”, é uma clara evidência dessa busca
pelo poder dos pentecostais hegemônicos, mesmo que para tanto seja necessário fazer
uma ampla aliança evangélica, e é exatamente isso o que o The Send representa. O The
Send Brasil foi responsável por unir os evangélicos em três estádios, assim como há
dois anos já havia acontecido no processo eleitoral em 2018, o The Send Brasil uniu do
calvinista ao pentecostal e proporcionou a conversão do presidente da República.

Figura 4 –Todd White, com a bíblia na mão, após anunciar a conversão de Bolsonaro.

O palestrante segue sua intervenção pedindo ao público para que eles orem “para
que o seu Presidente seja batizado no Espírito Santo e com fogo agora”. Ele afirma que
“Isso (conversão de Bolsonaro) é uma decisão que muda toda uma nação, quando o seu
líder, ele diz sim para Jesus sendo o seu líder é o fim para os tormentos, para o
demoníaco, para a bruxaria, todo o stress que tem tentado destruir a sua nação”. Após
noticiar a conversão do presidente da república, ele segue com uma pregação e traz a
seguinte afirmação: “Se você não se posicionar pelo evangelho, pelo aborto, pelo
casamento gay, você não crê no verdadeiro evangelho”, ele continua dizendo “não
existe casamento gay no cristianismo, não existe aborto no cristianismo, é assassinato”,
ele conclui o seu argumento dizendo: “Deus quer te usar como um conduite, ele quer
falar através de você”, ele reforça que “Toda essa palavra é soprada por Deus”, “Minhas
ovelhas ouvirão e obedecerão por minha voz”, “obedecer não é uma opção é uma
146

ordenança”, o palestrante então finaliza sua intervenção dando “ordens de saídas de


vozes demoníacas em nome de Jesus”156.

Os objetivos do movimento The Send

Com o intuito de entendermos o mecanismo que rege o movimento The Send, é


necessário que entendamos as composições do movimento. Para Burity, a religião é
responsável por cumprir uma função social integradora, esse é um detalhe que não pode
passar despercebido em nossa análise. Para Rubem Alves (2010), a religião é geradora
de sentido, tanto no sentido da vida quanto da morte. Devido a isso, não podemos passar
despercebidos aos movimentos históricos das religiões. O movimento The Send é
expressão desse mundo religioso, que se achega a realidade profana. Sendo assim, é fato
que a religião é parte significativa da vida em sociedade. Nas palavras de Burity,
ressaltamos:

Um traço marcante do (novo) discurso culturalista da religião é, como disse,


a produção de uma (re)legitimação de sua função pública em termos de um
entendimento predominantemente neofuncionalista. Quase como sinônimo de
comunidade ou identidade local, por vezes uma mera extensão da etnicidade,
religião é uma marca identitária de contornos “não-negociáveis” e cumpre
uma função social integradora, produtora de comunidade e inculcadora de
valores, quer se trate do in-group (conceito de sectarismo) que do vínculo
social em geral (culturalismo). (BURITY, 2016, p. 33).

Diante disso, é importante nós voltarmos nossos olhos para os movimentos


produzidos por essa significante produtora de sentido. É relevante destacarmos que os
objetivos dos colaboradores do movimento The Send são ousados. Eles afirmam que
“Deus está fazendo o maior avivamento da história”, “Que está em curso a maior
colheita desde a grande comissão”157, dentre outras afirmações triunfalistas, nada muito
diferente do triunfalismo típico dos carismáticos.
Para entendermos os objetivos não explicitos do movimento, é necessário
anteriormente explorarmos os objetivos explícitos do movimento. Que planeja uma

156 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Hm8ukj747A0. Acesso realizado em 27 de


setembro de 2021.
157 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0c6wBmHrVRM&t=40988s. Acesso realizado em

17 de fevereiro de 2022.
147

mobilização histórica em seu site em inglês, afirmando que Deus fará um mover jamais
antes visto na história da evangelização.158
É evidente, nas palavras do site, que a tentativa dos organizadores é passar a
visão de que o The Send nasce como um movimento orgânico dentro dos EUA. Como já
tivemos oportunidade de destacar, o movimento ganha uma dimensão para além das
terras estadunidenses, alcançando o Brasil. Ao que nos parece, na prática, o The Send
funciona como um grupo de pressão fundamentalista evangélico. O objetivo de formar
jovens lideranças para as mais diversas áreas, colocando esses jovens como
“missionários”, nos lugares de poder, nos parece o grande e principal objetivo,
influenciando toda a sociedade a partir destes lugares chave, nos negócios, na política,
na cultura e na religião, conforme temos destacado no presente trabalho.
Os organizadores se propõem a continuar realizando grandes mobilizações em
diversos lugares do mundo: dos EUA para o mundo, esse é o caminho proposto por esse
movimento ousado de lideranças carismáticas que quer trazer o “reino à terra”. Aliás,
essa é a mensagem de um dos principais “hinos” do The Send e de todo o movimento
INC Christianity, “Our Father”. A música difundida pela Bethel Music159 é a oração do
pai nosso de Mateus 6:9-13, e a frase mais repetida na música é “let heaven come”. Esse
é supostamente o grande objetivo do movimento, porém como teremos ocasião de
estudar na presente dissertação, esse ideário de vinda dos céus a terra é ideológico,
fortemente difundido pelos fundamentalistas estadunidenses.

158 “For 18 years, the ministry of The Call filled stadiums with a message of prayer and fasting believing
that America would turn back to Jesus. In 2011 the Lord spoke to the leaders of The Call through a group
of YWAM (Youth With A Mission) missionaries that a shift was coming that would give birth to a new
sending movement, as a beginning fulfillment to their years of prayer and fasting.
In 2016, at a stadium gathering in the LA Coliseum, the shift began as 70,000 people raised their shoes in
response to a call to go anywhere for the gospel. This gathering, called Azusa Now, catalyzed a grassroots
movement that began activating believers to evangelism and mobilizing missionaries all over the world.
In response to the momentum of Azusa Now, a collaboration of national ministries gathered together in
Orlando, FL to seek the Lord. Believing that the grassroots momentum must become a national
movement, each leader grabbed hands making a commitment to do whatever it would take to see the re-
evangelization of America and the finishing of the Great Commission. THE SEND was born.
What started as a dream in our hearts became a reality on February 23, 2019. Where nearly 60,000 people
joined together with 250,000 people online to unite around Jesus and declare one thing – A WAR ON
INACTION. First, with our voice and then with our lives. Each attendee was asked to adopt one of five
mission fields and take immediate steps to begin to reach their “mission field.” They were then guided
into a follow-up process to help bring clarity and encouragement as they took their first step.” Disponível
em https://thesend.org/story/. Acesso realizado em 1 de agosto de 2021.
159 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=HzoNKuymO0U. Acesso realizado em 1 de agosto

de 2021.
148

Para entendermos melhor os objetivos não explicados pelos organizadores, é


relevante entendermos quem é o público que participa do movimento, como esse grupo
se engaja, suas principais características e seus anseios de vida.

Quem é o jovem que participa do The Send?

As definições sobre juventude são bastante trabalhadas na literatura


antropológica. Já se entende que juventude não é um fenômeno estanque e não podemos
lançar sobre a nossa análise um olhar romantizado. Quando iniciamos o presente
trabalho, a pouca literatura consumida sobre a temática nos levava a enxergar nos
jovens sempre uma atitude de rebeldia, questionadora do status quo estabelecido,
inconformada com tendências conservadoras. À medida que nossa pesquisa avançou, tal
percepção se dissolveu e o movimento The Send é a prova empírica disso.
Essa complexidade que define juventude, conforme Ribeiro (2016) “uma
categoria escorregadia”, pode tensionar nossa análise para algum tipo de viés que mais
encontramos similaridade. A definição de Ribeiro sobre o termo juventude nos ajuda a
aprofundar nossa investigação. Em suas palavras, destacamos:

Uma segunda polissemia é a própria juventude, uma categoria escorregadia.


Daí a provocação: “A juventude é apenas uma palavra” (BOURDIEU, 1983).
Um enigma a ser decifrado, pois. Atualmente, a juventude não é definida
apenas a partir de rígidas referências biológicas ou etárias, mas é entendida
como uma fase resultante do entrecruzamento de determinações culturais,
sociais e econômicas, e de trajetórias singulares. Assim, não se fala mais em “a
juventude”, e sim em “juventudes”, no plural, dotadas de histórias, potencial e
desafios próprios. Forças gigantescas regem a globalização econômica e
cultural, e se abatem sobre os vários tipos de jovens moldando diversamente
suas experiências, inclusive religiosas. Em geral, jovens são apontados como
entes liminares, experimentadores embora inexperientes, que oscilam entre o
excesso e a incerteza, que passam por rupturas e por um “segundo
nascimento”. (RIBEIRO, 2016, p. 129).

Diante dessa pluralidade e da melhor colocação do termo “juventudes” para


analisarmos os diversos grupos que compõem essa gama de pessoas, com suas
potencialidades, não nos causa nenhum espanto que um número significativo de jovens
se sintam identificados com pautas conservadoras ou de direita. Cunha (2019) ressalta
que até meados de 2015, quando se inicia o processo de impeachment de Dilma
Rousseff, as direitas no Brasil tinham receio de se identificar. Pessoas que são
149

identificadas com pautas de direitas costumavam dizer que eram de centro-direita,


devido ao horror que fora a Ditadura Militar no Brasil. Todavia, com a iminência do
processo de impechment e o desgaste que o Partido dos Trabalhadores vivia com parcela
significativa da população, as direitas saíram do anonimato e jovens que não viveram os
anos de Ditadura Militar passam a se organizar em movimentos de direita, se
identificando como de direita ou “liberais”. O MBL160 é o maior exemplo desse
fenômeno que ganha capilaridade de movimento social nas históricas manifestações de
2013; históricas, pois começam em São Paulo contra o aumento na passagem dos
transportes públicos e ganham capilaridade no Brasil inteiro. É necessário se investigar
as fontes de financiamentos daqueles movimentos, mas o fato é que se tornaram
históricos.
O MBL é o maior exemplo desses jovens saídos da puberdade que se
identificam como de direita ou liberais, e ganham a capilaridade por terem conseguido
emplacar a imagem de “contra sistema”, pois tinham uma representatividade popular
como os dois principais nomes do movimento que alguns anos depois conseguiriam
cargos legislativos, como foram os casos de Kim Kataguiri e Fernando Holiday. Hoje
deputado federal, descendente de vietnamitas e Fernando Holiday, negro e
declaradamente homossexual, eleito o vereador mais jovem da história do município de
São Paulo, foi o 13º mais votado com 48.055 votos, tudo isso com apenas 20 anos de
idade, sendo reeleito na última legislatura para seu segundo mandato.161
O movimento que, por ser feito de jovens, ganhou um canal de diálogo com
muitos outros pelas redes sociais, contou também com intelectuais midiáticos como
Luiz Felipe Pondé162, filósofo e professor da PUC-SP, que atualmente é Diretor do
Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, professor titular da Fundação Armando Álvares Penteado, que por diversas
vezes entrevistava em suas mídias os componentes do movimento. Pondé se autodeclara

160Movimento Brasil Livre


161Disponível em https://www.saopaulo.sp.leg.br/vereador/fernando-holiday/. Acesso realizado em 7 de
outubro de 2021.
162Disponível em:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4728105J6&tokenCaptchar=03AGdBq26c9
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pjkjUavlHJAnOiFVJORN74Wdj0qZ3VNRMASJUiqwpgDW8hDhCGyE2MXhp8JlwHuPw. Acesso
realizado em: 7 de outubro de 2021.
150

um liberal no sentido inglês e discute intelectualmente o viés ideológico da direita


liberal. Além de sua presença significativa na mídia tradicional, Pondé também possui
um alcance significativo nas mídias sociais e fez parte desse processo de conhecimento
do movimento MBL pela sociedade, e em muitos momentos validando o discurso dos
jovens, consequentemente o movimento.
O MBL é um grande exemplo dessa pluralidade de pensamento da juventude.
Outro exemplo que temos de juventude militando por ideais políticos atualmente é a
juventude “Cirista” ou a “turma boa”163, como são conhecidos os jovens entusiastas das
ideias de Ciro Ferreira Gomes164. Este movimento se organizou precisamente em 2018,
quando da última candidatura de Ciro para Presidência da República, que mobiliza
jovens universitários principalmente pelas mídias sociais, e reproduz um engajamento
significativo.
O movimento The Send, que é o nosso foco de estudos, é um exemplo de
movimento social que nasce a partir do ambiente religioso cristão evangélico, de ampla
maioria ligada ao espectro do pentecostalismo e que mobiliza muitos jovens evangélicos
apoiadores de Jair Bolsonaro e seu governo. Assim como fora o MBL, que rompe com
Bolsonaro por conta da pandemia, mais precisamente, os jovens componentes do
movimento The Send devido a sua pertença religiosa, tendem a ser mais fiéis ao “mito”
de que movimentos de direita sem ligação direta com instituições religiosas evangélicas.
No estudo interdisciplinar produzido por Bonini, Mezzomo e Pátaro (2016),
podemos reforçar nossa argumentação que busca encontrar no termo juventude a
complexidade que lhe é inerente. Nas palavras dos autores nós destacamos:

A categoria juventude suscita diferentes definições, está atrelada ao contexto


social vivenciado, aos espaços de formação, à maneira com que a sociedade
compreende os modos de ser jovem, além, por certo, das representações dos
jovens sobre si mesmos. Ressaltamos os aspectos culturais, históricos e
subjetivos intrínsecos ao se refletir sobre a heterogeneidade dos sujeitos
jovens na atualidade. Assim, a juventude deve ser entendida como definição
simbólica e cultural, não mais enquanto condição biológica e estritamente
temporal (BONINI, MEZZOMO E PÁTARO, 2016, p. 150).

Sendo assim, reforçamos no termo juventude o seu caráter simbólico, muito


além de uma definição estanque no termo. O termo juventude traz em si implicações

163 Disponível em: https://todoscomciro.com/news/ciro-militancia-turma-boa/. Acesso realizado em: 7 de


outubro de 2021.
164 Disponível em: https://www.facebook.com/cirogomesoficial/. Acesso realizado em: 7 de outubro de

2021.
151

que transcendem tipificações fechadas, pois carrega em si um grupo que está em


constante mudança, em todos os sentidos, desde a busca por sentido de vida em sua
vocação, nas suas emoções, assim como em sua própria biologia em construção.
Dentre as relações que os jovens constroem entre si, temos uma relação cheia
de significado que nos faz refletir sobre seu poder de trazer sentido para essa categoria
em formação chamada juventude que é a religião. A religião, como outorgadora de
sentido, produz nos jovens uma relação de proximidade que transcende as
compreensões racionais, tendendo a produzir uma pertença bastante significativa. Nas
palavras de Bonini, Mezzomo e Pátaro novamente nós destacamos essa relação:

Ao refletir sobre a relação entre as religiões e as juventudes, é possível


verificar as múltiplas mediações realizadas, levando em consideração que as
manifestações religiosas estão presentes e tornam-se aspectos influentes na
sociabilidade e identidade juvenis. De acordo com Scott e Cantarelli (2004),
a religião interage com outras dimensões da existência humana, criando
propensões para ações por ela dirigidas. Para tais pesquisadores, o
pertencimento a uma determinada religião vai muito além da integração com
o segmento religioso diferenciado do restante da sociedade, pois ele se reflete
em muitas outras instâncias da vida social, trazendo consequências para a
aquisição de conhecimentos e habilidades, bem como na obtenção de valores
que servem para referenciar sua vida, quando o jovem opta por pertencer a
uma comunidade moral. (BONINI, MEZZOMO E PÁTARO, 2016, p. 152).

O movimento fundamentalista, cujo The Send é um herdeiro direto, assim


como as principais denominações protestantes evangélicas, receberam grande influência
por serem comunidades morais ou moralistas em sua ampla maioria, tanto que o seu
engajamento político geralmente está atrelado a causas do “nosso terreno”, como bem
destaca Cowan (2014), o que na prática possui grande similaridade com os movimentos
das diretas religiosas. Sendo assim, a religião possui um grande vínculo com os sujeitos
jovens e o cristianismo em especial no Brasil, por questões de presença de massas.
Novamente, destacamos Bonini, Mezzomo e Pátaro:

É possível considerar que a religião tem sido valorizada pelos sujeitos jovens,
ainda que haja indícios de novos modelos de pertencimento e vínculo
religioso, de modo que não se deve assinalar para um indiferentismo religioso
por parte da juventude – mesmo para aqueles que se denominam sem religião
(FERNANDES, 2011). Nesse sentido, ainda que com a constituição de uma
religiosidade mais fluida em detrimento de uma prática institucionalizada, as
crenças são constitutivas da identidade de diversos jovens (BONINI,
MEZZOMO E PÁTARO, 2016, p. 152).

É interessante constatarmos que esse modelo de religiosidade mais fluida em


detrimento de uma prática institucionalizada reflete muito bem o movimento The Send,
152

o qual estamos debruçados. A pertença aos movimentos (“igrejas”) evangélicos, em sua


maioria de origem carismática pentecostal, traz em si algumas ambiguidades de
pertencimento, rigidez em alguns temas e adaptabilidade a uma certa modernidade em
outros. O The Send exemplifica bem a capacidade de adaptação do amplo movimento
fundamentalista que influencia as denominações advindas do protestantismo. Bonini,
Mezzomo e Pátaro reforçam nossa argumentação afirmando que:

As manifestações religiosas dos jovens encontram-se atreladas, também, aos


seus modos de inserção, com a participação em marchas, encontros e retiros
desenvolvidos a partir de práticas religiosas institucionalizadas ou em torno
da espiritualidade não confessional e da busca de um bem comum, incitando
reflexões particulares e também iniciativas político-sociais (NOVAES,
2012). Assim, portanto, podemos considerar que as dimensões da religião e
da política estão presentes na produção de significações da vivência juvenil
(BONINI, MEZZOMO E PÁTARO, 2016, p. 152).

Os (as) autores (as) destacam essa busca de pertencimento de maneira bastante


concreta; é uma mistura entre uma pertença institucionalizada e buscas mais autônomas
de pertencimento que bem define os jovens. Isso produz essa dimensão que elabora uma
sensação de autonomia ao pensamento juvenil em relação a religião institucionalizada.
Em relação a participação dos jovens na política, temática que nos é relevante
ao nos debruçarmos sobre o movimento The Send, Bonini, Mezzomo e Pátaro destacam
que as dinâmicas de envolvimento político dos jovens são complexas e heterogêneas.

Acerca da relação entre juventude e política, torna-se relevante indagar as


corriqueiras lógicas de naturalização e concepções dicotômicas. Ora as
experiências juvenis são analisadas como distantes e indiferentes, que
demonstram certa apatia relacionada às questões da vida comum, ora como
experiências marcadas por originalidade, por ressignificação da esfera
política e das formas de engajamento dos jovens nas questões públicas
(MAYORGA, 2013). As dinâmicas que envolvem a participação juvenil em
espaços políticos e públicos são complexas e heterogêneas, nem sempre
aparentes ao que se compreende tradicionalmente como ação política
(BONINI, MEZZOMO E PÁTARO, 2016, p. 152).

Sendo assim, podemos destacar que as ações políticas por parte dos jovens se
dão de forma não tradicional, o que pode parecer uma contradição em termos quando
falamos por exemplo da articulação política do movimento The Send, que se utiliza de
jovens evangélicos para tal, articulação enquadrada no espectro conhecido como
“conservador”. Porém, as articulações iminentes ao movimento não são conservadoras.
Muito pelo contrário, são articulações modernas, algo que a esquerda, por exemplo,
ainda não conseguiu fazer com a precisão que entes e movimentos fundamentalistas
153

conservadores como o The Send fizeram e ainda estão fazendo a despeito do iminente
desgaste.
O movimento The Send propõe várias frentes de atuação política em suas
atividades, dentre elas o incentivo a ação política tradicional, o engajamento na adoção
de crianças em vulnerabilidade e a promoção de ações humanitárias através das ong’s
que compõem o coletivo de missionários que compõem o The Send. Reforçamos nossa
argumentação mais uma vez recorrendo a Bonini, Mezzomo e Pátaro (2016), que
elucidam sobre as formas de organização e atuação políticas dos jovens:

Diversos aspectos tornam-se significativos para avaliar a situação dos jovens


frente à participação política, mesmo aqueles relativos ao entendimento do
que seria participar. Para os jovens, as formas de participação e de
engajamento social enveredam por caminhos diversos, sejam os da política
institucional, sejam os da ação militante no trabalho social voluntário,
embora, em muitos casos, o sentido político das ações nem sempre seja
explicitamente admitido (CASTRO, 2008). (BONINI, MEZZOMO E
PÁTARO, 2016, p. 153).

Diante disso, podemos constatar que o movimento The Send reflete essa
dinâmica de atuação destacada pelos autores. Não obstante, para falarmos de ação
política dos jovens do movimento The Send, destacamos um tópico no presente capítulo
para falarmos exclusivamente da candidatura de Henrique Krigner, membro da
liderança do movimento The Send e do movimento Dunamis a vereador na câmara
municipal de São Paulo, candidatura fracassada, porém, significativa para pensarmos os
braços e as influências do movimento fundamentalista em questão. Engajamento
político institucional é incentivado pelos líderes religiosos do movimento The Send,
porém incomum para o segmento juvenil da sociedade. Novamente destacamos Bonini,
Mezzomo e Pátaro (2016), que reforçam que:

O engajamento de jovens em partidos políticos no Brasil é um fenômeno


pouco frequente, sendo possível considerar que a escassa filiação juvenil
retrata a crise da representação política e a rejeição e desconfiança do
engajamento atrelado à institucionalidade do Estado (BRENNER, 2014;
MÜXEL, 1997). Entretanto, a aproximação entre juventude e política
também pode ser realizada a partir de iniciativas que envolvem a escola ou a
universidade, sindicatos, conselhos e associações. Podem, ainda, efetivar-se
em espaços não institucionais como letra de música, marcha em prol da
liberdade sexual, passeata para o fim da corrupção, entre outras, que são
formas de participação utilizadas pelo segmento juvenil que indicam a
heterogeneidade das tendências e as diversificadas maneiras de engajamento
político (BONINI, MEZZOMO E PÁTARO, 2016, p. 153).
154

Maneiras diversificadas presentes na ação política juvenil que, de certa forma,


o The Send procura englobar a maior parte dessas formas de expressão no seu
movimento, desde a evangelização em escolas e universidades. Aliás, a presente
dissertação nos abre uma chave interpretativa significativa para entendermos a ação
“missionária” ou de “evangelização” dos evangélicos no Brasil e nos EUA, como uma
forma de manifestação política, pois na prática é o que acontece. A ação de
evangelização e conversão de um indivíduo a seitas evangélicas se transforma em um
instrumento de catequisação política de direita em sua maioria. Porém, o movimento
também engloba a temática da música, do estilo worship que diz pouco em suas letras
em si, mas uma análise mais aprofundada pode levar a uma constatação de que é usado
de forma política pelos itens religiosos. As marchas destacadas pelos autores em prol da
liberdade sexual, no discurso fundamentalista evangélico se transformam em discurso
em prol da abstinência sexual. Assim como as marchas em prol do fim da corrupção no
movimento The Send se transformam em oração pelo país e no alinhamento com
políticos de direita, como Jair Bolsonaro, por exemplo, que se consolidou em torno de
uma imagem de alguém que combate a corrupção. Sendo assim, essas formas de
atuação dos jovens nos seus mais diversos espectros políticos são formas complexas e
distintas. Novamente destacamos a contribuição de Bonini, Mezzomo e Pátaro (2016)
que afirmam que:

Podemos dizer, assim, que as ações e representações dos jovens estão


imbricadas com a dinamicidade do contexto atual. Concordamos com a
compreensão de que há uma nítida configuração religiosa na identidade
juvenil, assim como o afastamento de instâncias políticas formais, resultando
em uma criativa forma de participação social através de símbolos políticos e
do imaginário religioso imbricado com estilos e percepções da cultura juvenil
contemporânea (CAMURÇA, 2013). Nesse sentido, o modo como o jovem
se relaciona com a religião e a política torna-se complexo e em constante
reformulação particular no que tange às doutrinas e pertencimento religioso e
às formas de participação política (BONINI, MEZZOMO E PÁTARO, 2016,
p. 153).

É essa complexidade que nos faz pesquisar um tema tão abrangente e de


constante mudança, visto que acontece nos nossos dias, que são movidos por um
tsunami de informações disponibilizadas em tempo real através das mídias sociais, o
que por si só não torna nossa tarefa fácil. Ademais, precisamos levar em consideração
em nossa análise que o público juvenil que compõe o movimento The Send é um
público médio; não são jovens periféricos em sua maioria; são jovens que tiveram
acesso a universidade, o que na prática representa apenas 18,1% por jovens brasileiros
155

de 18 a 24 anos apenas165. Sendo assim, podemos constatar que os jovens que


participam do movimento The Send são aqueles com melhores condições econômicas
em comparação com a ampla maioria de jovens brasileiros, os quais vivem realidades
distintas. Mais uma vez, destacamos as palavras dos autores Bonini, Mezzomo e Pátaro,
que reforçam que:

Um dos fatores mais importantes de diferenciação entre as juventudes é a


classe social, a qual molda diversamente a experiência juvenil dos indivíduos.
Assim, as ditas camadas superiores da sociedade assimilam com naturalidade
a cultura globalizada; já a maioria empobrecida se aproxima dela com desejo
e frustração. Nas classes ricas, a família atua como rede de proteção e
formação de identidade, a escola é um eixo central e o trabalho envolve
vocação e projeto de vida. Já as famílias de baixa renda necessitam do
trabalho de seus membros mais jovens na luta pela sobrevivência e a escola é
uma presença periférica ou mesmo ausente em suas vidas. Enquanto a
maioria pobre sofre uma adultização precoce provocada pela inserção
precária no mercado de trabalho, os jovens de famílias de maior poder
aquisitivo adiam o fim da fase juvenil com o objetivo de se qualificarem para
atividades de melhor remuneração e prestígio (FRIGOTTO apud NOVAES;
VANUCCHI, 2004, p. 181). (RIBEIRO, 2016, p. 129).

Diante de todo o exposto, cabe indicar que estamos falando de uma minoria
abastada de jovens e adolescentes que se organizam através das mídias sociais para uma
mobilização fundamentalista junto ao movimento The Send. São jovens que possuem
proteção social e, mais do que isso, que não são expostos a uma adultização precoce
como os jovens periféricos são. Ainda sobre as agências formadoras de identidade
juvenil, nossos autores destacam:

Outras agências formadoras da identidade juvenil são o consumo e a religião.


Consumir é um ato econômico no qual todos são diferentes. Uma vez que os objetos
não estão igualmente disponíveis, a compra define a posição que cada qual na escala
social. Na sociedade de mercado, as pessoas não são fantoches e, portanto, a eficácia
da publicidade depende de disposições preexistentes, como anseios de felicidade e
necessidades psicossociais (FREIRE COSTA apud NOVAES; VANUCCHI, 2004,
p. 77). Quanto à religião, as crenças salvacionistas brotam da opressão social ou
econômica; já as camadas privilegiadas não sentem tanta necessidade de salvação e,
para elas, a religião tem o papel de legitimação social (HERVIEU-LÉGER;
WILLAIME, 1999, p. 84). Nesse sentido, os jovens pobres encaram as religiões
como um fato social total – que lhes oferece emprego, sociabilidade, segurança,
sentido de vida – e tendem a se entregar totalmente a elas; os mais ricos retiram seu
poder de fontes diversas, dentre as quais, eventualmente, a religião (RIBEIRO,
2016, p. 119).

165Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/apenas-18-1-dos-jovens-de-18-a-24-anos-


estao-matriculados-no-ensino-superior/. Acesso realizado em: 14 de outubro de 2021.
156

É certo que a argumentação dos autores é consistente, mas ousamos discordar


da análise feita sobre os mais ricos, e o movimento The Send é uma evidência de que no
Brasil e nos EUA a religião é uma poderosa formadora de identidade, inclusive entre os
mais ricos, talvez entre a camada acima das classes médias, essa análise possa se
confirmar com maior exatidão, entretanto, entre as classes médias emergentes que são
os participantes do movimento The Send a visão dos autores não se confirma. Tal
análise nos parece certamente um tanto desfocada. Diante disso, após qualificarmos o
jovem que participa do The Send, é relevante estudarmos o foco do movimento The
Send nos jovens de ensino médio e superior.

Foco nos estudantes de ensino médio e ensino superior

Os dados recolhidos via aplicativo criado para o evento do Brasil não foram
disponibilizados pelo movimento para todo o público, porém alguns sites “chapa
branca” que fizeram a divulgação do evento do Brasil como o radiohora.com.br166,
estimam que no evento “foi pregado a Salvação e 4.817 aceitaram a Jesus como Senhor
e Salvador”, além de “4.900 universitários aceitaram o desafio de espalhar a mensagem
da Salvação em suas faculdades e 3.000 adolescentes farão o mesmo em suas
escolas”.167
Sendo assim, estamos falando de 7.900 jovens e adolescentes que sinalizaram,
via aplicativo, o compromisso de “pregar o evangelho da salvação” em suas
universidades e escolas. Como já tivemos ocasião de destacar, principalmente a partir
do discurso de Silas Malafaia, as escolas e universidades são locais dominados por
forças inimigas a cosmovisão fundamentalista que norteia o movimento, fazendo com
que os jovens e adolescentes tenham a missão de “levar salvação aos perdidos”, aos
“inimigos” da causa de Cristo Jesus no entendimento das lideranças do movimento.
Por conta disso é que identificamos os estudantes universitários e aqueles em
fase escolar como uma das principais temáticas do movimento The Send. Os jovens
evangélicos são vistos como peças fundamentais nessa engrenagem dicotômica, de uma
guerra entre o bem e o mal, fortemente presente no ideário evangélico como um todo
que, como temos tido ocasião de constatar, é presente em todo o evangelicalismo.

166
Disponível em https://radiohora.com.br/. Acesso realizado em 16 de outubro de 2021.
167
Disponível em https://radiohora.com.br/the-send-brasil-10-400-jovens-estao-dispostos-a-sairem-em-
missoes/. Acesso realizado em 16 de outubro de 2021.
157

Um dos componentes que incentiva jovens e adolescentes a se comprometerem


com essa temática de evangelização principalmente em escolas e universidades, é o
modelo pelo qual os ajuntamentos promovidos pelo The Send são estruturados. Com
muito barulho, assim como músicas no estilo musical worship que tendem a ser mantras
que elevam a atmosfera do lugar. Para Cruz, “O termo Worship significa: Culto,
Adoração, no entanto se tornou a nomenclatura para mais um subgênero da música
Gospel, o Worship Music, ou simplesmente Worship” (CRUZ, 2018, p. 3). Esse gênero
musical possui em si a capacidade de elevar pessoas a transes coletivos. Muito usado
nas igrejas evangélicas no conhecido “momento do apelo”, ele colabora
significativamente para que jovens em um momento de transe coletivo façam
compromissos de evangelizar escolas e universidades. Ribeiro destaca o papel da arte
como expressão de espiritualidade, citamos suas palavras para aprofundarmos nossa
argumentação:

A afirmação “A arte é uma expressão de espiritualidade” obteve boa média,


confirmando a percepção dos sujeitos de que há uma afinidade entre a
dimensão religiosa e a estética, apontada por Simmel e por Weber (apud
HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2001, p. 81), entre muitos outros. De fato,
é comum que as vivências artísticas e, sobretudo, musicais, se revistam de
significado sagrado. Hervieu-Léger observa que a música e os cantos dão
suporte a uma sociabilidade fluida e validam um crer típico da religiosidade
peregrina (HERVIEU-LÉGER, 1999, p. 98). Essa é a mesma percepção de
Campiche: “A música, enquanto prática privilegiada de experimentação de
sentido para os jovens, constitui um suporte possível de religiosidade,
distante das formas reguladas da expressão religiosa oferecida pelas grandes
religiões” (CAMPICHE, 1997, p. 254-260). Durkheim fez clássica descrição
do corrobbori, festival em que, no canto e na dança, os warramunga da
Austrália experimentam efervescência coletiva, delírio e emoção religiosa;
Weber anota que a música pode ser instrumento de exorcismo e de indução
ao êxtase; Radcliffe-Brown destaca que a dança produz uma harmonia
litúrgica entre a mente, a alma, o corpo e a sociedade; Alfred Schutz
considera a música a base comunicativa de um nós, mediante a partilha de
um fluxo de consciência em relação aos outros (DURKHEIM, 1989, p. 270).
Edgar Morin qualifica a cultura de massa como “embrião de religião da
salvação terrestre”, pois, nela, o fã se relaciona com seu ídolo – um mediador
entre o cotidiano real e um universo imaginário edenizado (MORIN, 1972, p.
68) (RIBEIRO, 2016, p. 142).

É nesse cenário permeado por uma cultura de massa, fortemente influenciada


pelo estilo musical que jovens e adolescentes em fase de formação se comprometem a
serem “missionários” em escolas e universidades, imbuídos por uma suposta “vocação
sagrada” de converter os perdidos a um “suposto evangelho”, que conforme temos aqui
defendido, é muito mais uma forma conservadora de engajamento político do que
expressão de uma religiosidade. Esse engajamento missionário, conforme temos
158

defendido, é regado pelo estilo musical worship, que é um estilo musical moderno, com
diversas influências da música secular, sendo o Worship o grande mobilizador da
juventude do movimento The Send. Ribeiro reforça o quanto a música é formadora de
sentido nos jovens historicamente. Destacamos as palavras do autor:

A sensibilidade musical movimenta imenso mercado consumidor juvenil e se


materializa em avalanches de produtos, comunidades, shows, festas e de
artistas que são alvo de verdadeiras peregrinações. Apropriada pela cultura de
massa, a música jovem (sobretudo o rock’n roll) tornou-se linguagem
globalizada, um fator de identificação de seguidas gerações e modo de vida
pelo qual o indivíduo organiza sua posição no mundo (BRANDINI, 2004, p.
41). Além do mais, constata-se a existência de traços utópicos nessa cultura,
por exemplo, no culto da memória de ídolos como Elvis Presley (“Elvis
vive”), Jim Morrison, Michael Jackson e, entre brasileiros, do cantor
romântico Paulo Sérgio (RIBEIRO, 2016, p. 142).

O movimento The Send incorpora muito bem essa veia musical característica
do evangelicalismo, e a música é de fato usada como um integrante essencial da
atmosfera que leva jovens a se comprometerem em eventos de massas como o The
Send, a pregar o evangelho dentre outras formas de coerção, por exemplo o apelo para
entrega de ofertas financeiras, o que também aconteceu no evento realizado pelo The
Send no Brasil. Por volta da décima primeira hora, a música é elemento essencial para
mexer com a emoções e fazer com que ofertas sejam dadas, esse movimento de
fragilidade emocional tem a capacidade de gerar compromissos no povo evangélico.
O fato é que o foco do The Send em jovens em idade escolar não é uma
novidade dentro do fundamentalismo evangélico. O exemplo está nas próprias
paraeclesiásticas que compõem o movimento The Send, como o Dunamis que já há mais
de dez anos atua em Universidades dentro e fora do Brasil. Mais do que isso, ainda em
1912, nos EUA, os primeiros fundamentalistas já olhavam para as universidades com
atenção, vendo ali um espaço a ser ganho pela “cultura do cristianismo”. Nas palavras
de Marsden:

In 1912, speaking at the opening session of Princeton Seminary, Machen


addressed himself to the question of "culture and Christianity." Viewing the
situation as "desperate" although not hopeless, he affirmed with "little
hesitation" that the tremendous crisis of the church "lies chiefly in the
intellectual sphere." Those who emphasize practical work such as
evangelism, missions, and "relieving the misery of man" were engaged in
activities of great importance, he conceded, but their gains would be
temporary, if not founded on a solid intellectual base. What they failed to
realize was the extent to which indifference or hostility to the Gospel was
"due to the intellectual atmosphere in which men are living." In the long run,
then, the key to the battle to win men to Christ was in the universities. “What
159

is to-day matter of academic speculation”. Machen proclaimed, “begins


tomorrow to move armies and pull down empires.” (MARSDEN, 2006, p.
137).

A chave para a batalha que possuia o objetivo de ganhar homens para Cristo
estava nas universidades é relevante para entendermos como as universidades se tornam
um campo de batalha para o pensamento fundamentalista na América, tanto que muitas
universidades no Sul reagiram ao modernismo e, até meados dos anos 1960,
mantiveram-se fechadas para negros, por exemplo. Com a inclusão, os fundamentalistas
criam suas próprias universidades como a Liberty University, criada por Jerry Falwell,
primeiramente como um colégio e, em 1985, é reconhecida como uma universidade168.
Hoje presidida por Jerry Falwell, a universidade é conhecida por sua forte influência
fundamentalista. Em seu site, ela destaca: “Liberty’s journey has been one of facing
giants, making the impossible possible, watching fervent prayer move mountains, and
Training Champions for Christ.”169 Isso resume bem o escopo de ensino da
Universidade que completou recentemente 50 anos. Aliás, não é demasiado lembrar que
Téo Hayashi estudou na Liberty nos anos em que passou nos EUA antes de assumir a
titularidade do pastorado na Igreja Monte Sião e implementar o movimento Dunamis no
Brasil, conforme tivemos ocasião de destacar em sua biografia aqui fornecida.
O anti-intelectualismo é uma característica histórica do movimento
fundamentalista estadunidense. O que em certa medida o movimento The Send traz
consigo neste foco é a necessidade de evangelizar os jovens universitários, conforme já
temos destacado. Para os fundamentalistas, as universidades são campos de batalha,
pois são espaços de saber que questionam as bases doutrinárias do cristianismo, mais
precisamente, do evangelicalismo. Sendo assim, os jovens devem ser salvos nas
universidades, pois as universidades são lugares em que os valores e a moral cristã são
colocados de lado. Marsden destaca como se deu dentro do movimento fundamentalista
estadunidense esse anti-intelectualismo:

After World War II many people were eager to discover the roots of the anti-
intellectualism and extreme anti-liberalism prevalent in the McCarthy era.
The fundamentalism of the 1920s seemed to provide an obvious precedent.
Norman F. Furniss's The Fundamentalist Controversy, published in 1954,
emphasized the anti-evolution aspect of fundamentalism and its predilection

168 Disponível em https://www.liberty.edu/aboutliberty/index.cfm?PID=33803. Acesso realizado em 16


de outubro de 2021.
169 Disponível em: https://www.liberty.edu/aboutliberty/index.cfm?PID=33803. Acesso realizado em: 16

de outubro de 2021.
160

for ignorance in the face of new ideas. Two more popular works of the 50s,
Inherit the Wind, a play by Jerome Lawrence and Robert E. Lee (1955), and
Ray Ginger's popular history, Six Days or Forever? (1958), dramatized
Bryan's last stand at Dayton. Both stressed the tension between rural and
urban as a source of fundamentalist intolerance. The most subtle analysis of
fundamentalist intolerance came from Richard Hofstadter in his Anti-
Intellectualism in American Life and The Paranoid Style in American
Politics, published in the early 60s. Hofstadter perceived status anxieties
among fundamentalists. "By the end of the century," he wrote, "it was
painfully clear to fundamentalists that they were losing much of their
influence and respectability." Their anti-intellectualism and paranoid style
were "shaped by a desire to strike back at everything modern—the higher
criticism, evolutionism, the social gospel, rational criticism of any kind."
(MARSDEN, 2006, p. 199, 2006)

Essa dinâmica de críticas que se caracterizou por atacar tudo o que é moderno,
é aquela presente dentro das igrejas evangélicas. A maior parte delas é contra o debate
de gênero, o debate em torno dos direitos das populações LGBTQI+. Nos EUA, ainda é
comum as cruzadas evangélicas contra o ensino da evolução, o filme contemporâneo
“God's not dead”, com sua tetralogia, é um exemplo de como os fundamentalistas ainda
atualmente patrocinam esse embate. Mais recentemente, esses ataques fundamentalistas
são direcionados ao tamanho do estado e a uma suposta perseguição religiosa. Essas são
temáticas defendidas pelos fundamentalistas atualmente.
Diferentemente da forma com que a população via o movimento
fundamentalista em meados de 1920, hoje suas pautas antimodernistas se tornaram
políticas de estado, sendo que a juventude é um dos braços de alcance dessa cosmovisão
nesse ressurgir da religião influenciando todos os espaços possíveis nas sociedades
civis. Destacamos esse fenômeno a partir da visão de Cunha:

a) inúmeros programas sociais em parceria com o poder público, com ONGs


e movimentos sociais e a presença de religiosos em conselhos de direitos, de
políticas e de gestão de políticas sociais específicas; b) atuações de grupos
religiosos em redes e articulações da sociedade civil; participação das
religiões na economia não só com o comércio interno de produtos das
religiões, mas com o crescimento das ofertas de entretenimento religioso
(turismo e lazer em torno da religião); c) intensa presença nas mídias
(CUNHA, 2019, p. 7).

Tal presença evangélica é cheia de vontade de mudar esses espaços conforme


suas cosmovisões religiosas, o que não é diferente nas universidades. O que temos
assistido com a destruição do MEC é sintomático e nos mostra que o incentivo a
evangelização de jovens em processo universitário é uma maneira de se atacar o
pensamento produzido pelas universidades, que no entendimento dos fundamentalistas,
inclusive no entendimento do fundamentalista presbiteriano Milton Ribeiro que,
161

atualmente comanda o MEC, está cheio de esquerdistas e deve ser limpo dessas
influências.
A voz mais representativa desse movimento fundamentalista no Brasil,
conforme já destacamos em um tópico que falamos exclusivamente de sua figura, é
Silas Malafaia, que é o grande perseguidor do pensamento intelectual dentro do espectro
evangélico. O pastor possui o status de “voz dos evangélicos”, infelizmente. Cunha
destaca:

h) as mídias noticiosas consolidam a figura do pastor da Assembleia de Deus


Vitória em Cristo Silas Malafaia como porta-voz dos evangélicos. Ele foi
credenciado nos espaços midiáticos como “a voz” apta a emitir opiniões e
avaliações sobre a relação evangélicos-política. Ele tornou-se porta-voz do
discurso conservador de defesa da “família tradicional”, de reação contrária a
avanços sociais, em especial no tocante aos direitos das mulheres e aos
direitos sexuais. É possível afirmar que o discurso conservador de Malafaia
alcança amplo espaço na grande mídia, pois responde a expectativas com a
religião (imaginário e ideologia) da parte dos produtores do noticiário. A
acreditação de Silas Malafaia como grande líder evangélico, atuando como
porta-voz do grupo, foi também consolidada em mídias religiosas de grande
alcance (CUNHA, 2019, p.12).

A figura de Silas Malafaia representa bem o tipo de evangélico que os jovens


do movimento The Send são incentivados a se tornar. E, mais do que isso, são
incentivados a fazer proselitismo nos campos universitários. Esse chamado à
evangelização e esse compromisso assumido pelos jovens e adolescentes que
participaram do movimento The Send devem ser vistos com bastante atenção,
considerando que o movimento busca colocar o seu principal foco nestes indivíduos que
estão em fase de formação acadêmica. Não que o compromisso expresso através do
aplicativo por aqueles jovens tenha mudado o cenário das universidades do país, porém
é um sintoma do momento de volta da religião, mais precisamente, a religião
evangélica, à esfera pública.

A mobilização através das mídias sociais

Historicamente, as mídias são veículos de essencial uso dos evangélicos


brasileiros para o seu trabalho evangelístico, para a consolidação de suas ações
proselitistas. As mídias servem de grande valia para um grupo cristão que pretende se
tornar o mais influente do Brasil. Sendo assim, o movimento The Send faz uso das
mídias, principalmente as mídias sociais, para se comunicar com o seu público. Aliás, é
162

importante reconhecermos que as direitas souberam fazer uso dessa ferramenta como as
esquerdas não souberam, e dentro desse espectro da direita, os fundamentalistas
evangélicos fazem uso das mídias sociais com uma efetividade significativa.
É inevitável não destacarmos dentro do espectro fundamentalista evangélico o
grupo de pentecostais, e analisando esse recorte, é também inevitável falarmos da figura
de Silas Malafaia, que há anos possui um programa em rede nacional de televisão e é
uma grande celebridade das mídias sociais também. O personagem que, fisicamente,
rememora os clássicos mafiosos da Cosa Nostra Italiana, é o que os estudos de
comunicação denominam de “digital influencer”170. Apenas na plataforma monopolista
de vídeos Youtube, Malafaia tem em seu perfil, Silas Malafaia Oficial171, 1,47 milhões
de inscritos na data em que escrevo o presente texto, que basicamente serve de
plataforma de pressão e proselitismo religioso e político.
O movimento The Send juntou lideranças evangélicas muito influentes nas
mídias sociais para organizar o evento do Brasil. Alguns desses nomes, inclusive, se
dedicam a produzir conteúdo exclusivo para essas mídias sociais, sem ao menos terem
vinculação com qualquer denominação evangélica como Deive Leonardo172, por
exemplo, que se tornou conhecido por ser o “pastor” (apesar de oficialmente ele não
possuir essa vinculação) de celebridades como jogador de futebol Neymar, o surfista
Gabriel Medina e o youtuber de comédia Whindersson Nunes. Apenas no Youtube,
Deive tem cerca de 6,64 milhões de inscritos em seu canal de pregações. Nomes como
Nelson Junior (Movimento Eu escolhi esperar)173, que possui mais de 1 milhão de
inscritos em seu canal do Youtube; Douglas Gonçalves (Jesuscopy)174, que possui mais
de 1,6 milhões de inscritos no Youtube; Lucinho Barreto175, que é ligado à Igreja
Batista da Lagoinha e possui 1,21 milhões de inscritos no Youtube, dentre outros nomes

170 Figura pública das redes sociais capaz de influenciar a opnião de milhares de usuários das principais
mídias sociais (Twitter, Facebook, Youtube e Instagram).
171 Disponível em https://www.youtube.com/c/SilasMalafaiaOficial. Acesso realizado em 19 de outubro

de 2021.
172 Disponível em: https://www.youtube.com/c/DeiveLeonardoo/about. Acesso realizado em: 19 de

outubro de 2021.
173 Disponível em: https://www.youtube.com/user/euescolhiesperar. Acesso realizado em: 19 de outubro

de 2021.
174 Disponível em: https://www.youtube.com/user/thejesuscopy/videos. Acesso realizado em: 19 de

outubro de 2021.
175 Disponível em: https://www.youtube.com/user/prlucinho. Acesso realizado em: 19 de outubro de

2021.
163

mais conhecidos do mundo evangélico que possuem uma capacidade de mobilização


impressionante através das mídias sociais. 176
Para termos uma ideia da capilaridade e da influência que figuras midiáticas
religiosas como as aqui citadas, que participaram do The Send Brasil, possuem,
proponho uma comparação equiparada na plataforma de mídias sociais, e aqui
escolhemos a plataforma do Youtube. Para fins comparativos, iremos usar o exemplo
dos canais no Youtube que contam com a participação protagonista do craque Neto, o
ex-atleta de futebol imortalizado com a camisa do Sport Clube Corinthians Paulista.
Neto é é um ex-atleta, uma figura popular no país do futebol, considerado um esporte
paixão nacional. Ele possui mídia no horário nobre da tv durante o almoço há cerca de
20 anos, na rede bandeirantes de televisão. José Ferreira Neto ou craque Neto, como ele
gosta de ser chamado, possui dois canais em que ele atua frequentemente: 1 - Os Donos
da Bola177, 2 - Rádio Craque Neto178. O canal “Os Donos da Bola”, programa da rede
bandeirantes de televisão possui 1,71 milhões de seguidores, e o canal no Youtube
Rádio Craque Neto possui 1,36 milhões inscritos, somando o número de inscritos nos
dois canais, que falam diretamente com a massa da população brasileira, não chegam
nem perto dos 6,64 milhões inscritos no canal do Youtube de Deive Leonardo, que é um
completo desconhecido da massa popular.
É diante deste cenário que se faz evidente que as mídias e, mais
especificamente as mídias sociais, são canais de vital importância para os evangélicos
brasileiros. O que é também um fato nos EUA, no presente trabalho, estamos
investigando essas ligações entre a cultura fundamentalista estadunidense e a brasileira,
porém o uso das mídias sociais no Brasil é maior do que nos EUA. Nosso país é o
terceiro que mais usa redes sociais no mundo179. Sendo assim, o alcance dos
evangélicos fundamentalistas no Brasil se torna maior do que nos EUA, apesar do

176 Todavia, se faz relevante a relativização da capacidade de alcance das mídias jovens evangélicas com
outros comunicadores jovens como Felipe Neto e Lucas Neto, que estão se conectando ao público juvenil.
Felipe Neto, por exemplo, possui mais de 43 milhões de seguidores apenas em seu canal do youtube.
Quando comparado com outros, o alcance dos midiáticos evangélicos ainda é pequeno perto de
celebridades do youtube que não objetivam produzir conteúdo proselitista.
177 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v6UnuAu6q-M. Acesso realizado em: 19 de

outubro de 2021.
178 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCZShhGzxHVd1xgiBhDDpYYA. Acesso
realizado em: 19 de outubro de 2021.
179 Disponível em: https://monitormercantil.com.br/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-usa-redes-sociais-

no-mundo/. Acesso realizado em: 20 de outubro de 2021.


164

consumo interno dos fundamentalistas brasileiros ser importado dos fundamentalistas


estadunidenses.
Dentre as divulgações de “influencers” fundamentalistas, predomina a
literatura de autoajuda, a teologia da prosperidade e da batalha espiritual, a
disseminação de um único modo de estabelecer família, a difusão da abstinência sexual
para jovens e adolescentes, como é o caso do “Eu escolhi esperar”, dentre outras pautas
“conservadoras”, todas elas fortemente influenciadas pela histórica crença
fundamentalista na inerrância do texto bíblico. Esta crença nasce ainda nos primórdios
do século passado e se faz presente até hoje em quase todas as denominações
protestantes. Nas palavras de Marsden destacamos como se consolida esse ideário:

One line along which the dispensationalists at least were already well
entrenched by 1910 was Biblical inerrancy. Departing from their usual
practice, on this issue the editors chose only authors from their own camp.
They did not have to turn to the Princeton theologians to find a strong
defense of the complete inerrancy of Scripture. In fact their own emphasis on
the supernatural character of the Bible was so strong that, despite their
frequent protestations to the contrary, they tended to drift toward the dictation
theory. Even James M. Gray, while mentioning the element of human
personality in writing Scripture, immediately gives an illustration of a
stenographer who changed a "now" into a "not" to show how every detail
must be controlled by the original author. So by "miraculous control" the
Bible was an "absolute transcript" of God's mind. The Reverend George S.
Bishop similarly spoke with no qualification of the "dictated inspiration" of
the entire Bible and even referred to it as "a Book dropped out of
heaven."(MARSDEN, 2006, p. 122).

Essa sacralização do livro não é uma peculiaridade do fundamentalismo


evangélico, crenças similares podem ser vistas nas outras duas religiões do livro, o
islamismo e o judaísmo. No caso do judaísmo, podemos ver, inclusive, nas narrativas
presentes nos evangelhos cristãos críticas de Jesus aos fariseus devido a sacralização da
lei dada por Moisés cravada na pedra, recebida no Monte Sinai. Sendo assim, essa
sacralização do texto, uma crença de que o “livro caiu do céu”, no caso a bíblia, para os
fundamentalistas não é uma novidade histórica, mas é interessante o modo usado pelas
lideranças fundamentalistas. Eles próprios fazem adaptações do texto bíblico mesmo
pregando sua inerrância. É interessante vermos esse uso seletivo do texto em muitos
casos, e o movimento The Send é um exemplo desse uso seletivo. Alguns costumes
como o uso de tatuagens e o modo de se vestir, foram tabus quebrados pelos entes
fundamentalistas, porém outras questões como a sexualidade e a discussão de gênero
165

por exemplo, são criticados com textos bíblicos, voltando-se para a doutrina da
inerrância do texto sagrado.
O fato é que as mídias sociais são os espaços que os evangélicos mais usam
para propagar suas ideias. Os evangélicos que, até meados da década de 1980,
procuravam ser discretos, em muitos momentos decidindo viver um estilo de vida
privado, com o passar dos anos se tornam os maiores usuários das mídias no Brasil.
Esse processo possui alguma similaridade com os anos áureos da Moral Majority e da
Christian Coalition, nos anos Reagan nos EUA com a grande ascensão pública de
Falwell e Robertson, em sequência.
Aproveitando a sua exposição midiática, Robertson disputa as prévias das
eleições de 1988 pelo partido republicano, e acaba perdendo para o que viria a ser o 41º
presidente dos EUA George H. W. Bush (Bush pai). Esse processo de exposição no
Brasil rememora o modus operandi estadunidense a partir dos anos Reagan. No Brasil,
tivemos uma versão de Pat Robertson, que foi a candidatura de Pastor Everaldo, atual
presidente do PSC (Partido Social Cristão), que está preso por ser acusado de desviar
recursos da saúde pública. Pastor Everaldo que, não nos custa lembrar, foi quem batizou
Jair Bolsonaro em 2016, no rio Jordão, em Jerusalém. A candidatura de Pastor Everaldo
à presidência da república em 2014, assim como a candidatura de Pat Robertson às
prévias do partido republicano em 1987, fracassaram. Em 2014, no Brasil, veríamos a
reeleição da presidenta Dilma Rousseff, porém foi um movimento evangélico em
direção ao cargo mais importante do executivo.
Conforme temos procurado fazer na presente dissertação, temos elencado
similaridades entre alguns processos que envolveram os fundamentalistas evangélicos
nos EUA e no Brasil. Porém nossa análise se propõe a estabelecer similaridades,
conscientes das diferenças que, em muitos casos, são maiores do que as similaridades e,
ao realizarmos esse exercício comparativo entre as candidaturas de Robertson e
Everaldo, as candidaturas dos EUA e Brasil respectivamente, nos trazem mais
diferenças do que similaridades. Por exemplo, Pat Robertson ainda é uma figura
midiática conhecida nos EUA; criador do programa de televisão Clube 700, é um
evangelista conhecido quase que no mundo todo. Já Pastor Everaldo foi uma produção
regional aqui do Brasil, não era e não é conhecido mundialmente como Pat Robertson.
A similaridade que encontramos está na organização de parte relevante dos evangélicos
e, coincidentemente, a parte fundamentalista dos EUA, se unindo em torno de uma
candidatura executiva, em momentos históricos completamente distintos, mas com
166

processos similares. Nos EUA, há a organização de um lobby legalizado que é a direita


cristã; já no Brasil, não há um lobby organizado, mas a participação de líderes
evangélicos fundamentalistas pentecostais, como o “influencer” Silas Malafaia, que em
2014 apoiou o Pastor Everaldo em um primeiro momento, trocando-o tempos depois
por Marina Silva. Sobre a corrida presidencial de Pastor Everaldo, Gonçalves destaca:

Com relação ao envolvimento dos evangélicos na política institucional


brasileira, as eleições de 2014 apresentaram um novo quadro. O nome de
Pastor Everaldo para Presidente da República demonstrou que os evangélicos
estão garantindo força na esfera política, e não estão mais concentrados
apenas nos espaços legislativos de atuação. Trata-se de um candidato que
explorou desde o início da campanha a sua identidade religiosa, sua origem
familiar vinculada a uma das maiores igrejas pentecostais do Brasil, a
Assembleia de Deus e a defesa de temas conservadores (GONÇALVES,
2015, p. 344).

Dentre outros fatores, a exposição midiática dos evangélicos que começa a se


estabelecer com mais força no processo constituinte, havia tido o seu auge na
candidatura de um Pastor que fez uso de sua identidade religiosa para disputar as
eleições presidenciais de 2014. Apesar de a figura de Everaldo não ser uma figura
carismática como Silas Malafaia por exemplo, neste ponto da possibilidade da
exposição midiática dos pentecostais encontramos similaridades com a candidatura
também midiática a época de Pat Robertson em 1987, que diferentemente de Everaldo
usou a sua exposição pessoal como um gatilho para concorrer à presidência dos EUA.
Cunha nos ajuda a exemplificar melhor esse processo de exposição midiática e
consequente poderio político conseguido pelos fundamentalistas evangélicos brasileiros:

No Brasil da segunda década dos anos 2000, os evangélicos se apresentam


“desprivatizados”, tendo saído da condição de minoria invisível para uma
visibilidade publicizada por meio de estreita relação com as mídias e de
participação política com a realização de projetos sociais em parceria com o
poder público, com voz nos debates de temas amplos e na mediação de
conflitos sociais, com a profissionalização da atuação política e o
estabelecimento de estratégias. Esta nova postura e imagem se localiza no
contexto da cultura gospel (CUNHA, 2007), com a recriação da identidade
religiosa evangélica e o alargamento das fronteiras delineadas no passado
entre o sagrado e o profano, baseadas em uma relação em torno da tríade
música-consumo-entretenimento. E a participação política em interação no
espaço público é elemento fundamental nesse processo (CUNHA, 2019, p.
5).

Essa tríade música-consumo-entretenimento, é o que move o movimento The


Send e sua publicização através das mídias sociais é essencial para o engajamento dos
167

jovens evangélicos no movimento. Ainda sobre o engajamento dos evangélicos nas


mídias, usamos as palavras de Cunha, que destaca como esse processo nasce e se
consolida. Nas palavras da autora destacamos:

Esta pauta anteriormente descrita, passa pela compreensão dos processos


comunicacionais que envolvem a ampla ocupação dos espaços da mídia
tradicional por evangélicos, nos últimos 30 anos, por meio de concessões
públicas, fenômeno denominado “coronelismo eletrônico evangélico”
(FIGUEIREDO FILH O, 2010). Passa também pelo entendimento dos
significados em torno da popularização da presença dos evangélicos na
grande mídia em espaços noticiosos e de entretenimento, como parte do
fenômeno “cultura gospel” (CUNHA, 2007). Inclui ainda a avaliação da
relação do (novo) ativismo político evangélico com a forte presença de
indivíduos, instituições e vinculados a este segmento religioso nas mídias
digitais com inúmeros sites, blogs e perfis em mídias sociais (CUNHA,
2017a). (CUNHA, 2019 p. 13).

A transformação digital mais significativa nas últimas décadas aumentou a


possibilidade de difusão de sua mensagem para as igrejas evangélicas. O processo de
globalização através da internet permitiu esse sucesso impressionante. Destacamos
novamente as palavras de Cunha, que ressalta que:

É fato que a dimensão da participação e da transformação dos receptores em


emissores, por meio de processos de interação possibilitados pelas mídias
digitais, especialmente, pela internet, mudou o quadro da relação igrejas-
mídias, de forma expressiva. Quando se dedica à reflexão sobre as mídias
sociais, uma infinidade de articulações e espaços é nítida. Igrejas e grupos
cristãos passam de usuários das mídias, com o objetivo de apresentar o
Evangelho e lhe dar visibilidade, a participantes de um espaço para além das
fronteiras do sagrado e do profano – a pólis midiática, espaço de aparição
midiatizado (SILV ERSTONE, 2010), uma realidade que não substitui as
experiências vivida, mas as atravessa e as representa, espaço no qual
indivíduos e grupos aparecem aos outros e os outros a eles. Nesse sentido
igrejas e grupos cristãos podem firmar comunidade, articular, promover
socialidade, expor posições diante de demandas sociais e discuti-las
(CUNHA, 2019, p. 13).

E é exatamente o que acontece; igrejas e grupos cristãos exercem um papel de


destaque nesse espaço midiatizado da internet, mais precisamente o espaço das redes
sociais. Nesse espaço, os entes religiosos ganham significativa relevância, porém o
monopólio do sagrado que as igrejas sempre tiveram acaba sendo quebrado. Segundo
Cunha:

Por outro lado, as igrejas passam a não ter mais o controle do sagrado e da
doutrina como tinham antes (HOOVER, 2014). As mídias digitais tornam
possível que qualquer pessoa que manifeste uma fé, tenha ela vínculo formal
com uma instituição cristã ou não, expresse suas ideias, reflexões e opiniões
168

de forma livre. Nesse sentido, tirou o controle dos conteúdos da fé (doutrinas,


símbolos, rituais, dogmas) das mãos das lideranças. Uma pessoa que tenha
um simples espaço digital, seja um blog ou uma conta em mídias sociais, o
que envolve baixíssimo custo acesso e de produção, tem abertura ampla para
a livre manifestação, o que nem sempre foi possível nos espaços presenciais
religiosos. Este processo de presença da religião no universo digital faz surgir
novas autoridades religiosas: as celebridades evangélicas (pastores midiáticos
e cantores gospel) e os blogueiros e youtubers gospel. Essas novas
autoridades tornam-se referência para muitos evangélicos, quanto ao que
pensar e como agir (KARHAWI, 2017). (CUNHA, 2009, p. 13)

Essa nova geração de lideranças evangélicas, que são celebridades (pastores


midiáticos e cantores gospel) e os blogueiros e youtubers gospel, são aqueles que
conseguem se comunicar com o público evangélico, com um destaque especial para o
público jovem que vive em constante busca de pertencimento. Essas lideranças
midiáticas constroem o entendimento político das massas evangélicas que consomem os
conteúdos por eles. Nas palavras de Cunha nós destacamos:

Venício Lima instiga a uma compreensão deste fenômeno, quando chama a


atenção para o importante papel que as mídias desempenham nas dinâmicas
sociopolíticas: o poder de longo prazo que elas têm na construção da
realidade por meio da representação que faz dos diferentes aspectos da vida
humana e, particularmente, dos políticos e da política. “É através da mídia –
em sua centralidade – que a política é construída simbolicamente, adquire um
significado” (LIMA, 2009, p. 21). Desta forma, pode-se afirmar que a relação
entre evangélicos e política no tempo presente, no Brasil, é marcada pelo
processo de midiatização social (CUNHA, 2019, p. 13).

Diante desse processo de midiatização social, os evangélicos aumentaram o seu


capital político significativamente. Como consequência, o crescimento de pessoas que
se identificam como evangélicas também cresceu de forma considerável. No evento The
Send do Morumbi, por volta da segunda hora de evento, o bispo da Igreja Pentecostal
Sara Nossa Terra, Robson Rodovalho, chega a afirmar que os evangélicos representam
34% da população graças ao trabalho dele, e de outros líderes evangélicos de sua
geração que tem por volta 60 anos. Diante desse crescimento evidente, Cunha destaca o
lado positivo dessa exposição midiática evangélica que deu visibilidade para um grupo
que fora marginalizado. Em suas palavras, destacamos:

Não deixando de se tomar em conta os argumentos positivos e negativos


referentes ao lugar da internet na promoção da participação política em
sociedades democráticas (GOMES, 2005), é preciso reconhecer que a
ocupação desse espaço possibilitou algum avanço na limitada visibilidade
política destes grupos evangélicos minoritários, com efeitos nas mídias
tradicionais, o que instiga à análise. É uma “arena de visibilidade” que forma
169

a “esfera de visibilidade pública” (GOMES, 2014) dos evangélicos no Brasil


(CUNHA, 2019, p. 14).

Infelizmente, mesmo destacando os aspectos positivos que instigam a análise


da autora, o que vemos de resultado desse processo de saída do anonimato dos
evangélicos utilizando as mídias como veículo de comunicação essencial é: oprimidos
que passam a ter o poder, se tornando os opressores. Esse processo é muito mais
maléfico para a nossa jovem democracia do que benéfico. Porém, a autora segue
contribuindo com nossa análise, afirmando que os fundamentalistas evangélicos tidos
anteriormente como “chatos” por tentarem se isolar do mundo, passam a normatizar a
vida no mundo, influenciando através das mídias a população. A autora constata que:

Nesse sentido, como indicado em todos os elementos descritivos nos itens


anteriores deste estudo, os evangélicos se colocam na arena como um bloco
organicamente articulado. Não são mais “os crentes” ou os grupos fechados
de outrora. A separação social, “do mundo”, deixa de ser um valor
evangélico da tradição fundamentalista-puritana: são hoje um grupo que
desenvolve a cultura “da vida normal” combinada com a religião com
presença nas mídias, moda própria, artistas e celebridades, com inserção no
mundo do mercado e do entretenimento. Além disso, esse segmento religioso
se vê fortalecido como parcela social que tem suas próprias reivindicações e
pode eleger seus próprios representantes para os espaços de poder público.
(CUNHA, 2019, p. 14).

Essa ocupação de espaços nos parece essencial para o estilo de vida evangélico
no Brasil. Mais do que isso, essa adaptação foi essencial para o estilo de vida
fundamentalista evangélico no Brasil que se adaptou a cultura e passou a disseminar sua
ideologia político-religiosa de uma forma muito mais “leve” para o público em geral. O
maior exemplo dessa transformação pode ser visto na figura do pastor Claudio
Duarte180, convertido na Igreja Batista, da convenção nacional, que é uma vertente
batista pentecostal. O pastor carioca é conhecido por seus sermões “engraçados”, com
muitas piadas, sendo que a sua principal temática é a família. O pastor possui grande
circulação no meio evangélico brasileiro, possui cerca de 6 milhões de seguidores no
Instagram181, e cerca de 6 milhões no Facebook182. No seu canal do Youtube, ele possui

180 Disponível em: https://www.linkedin.com/in/pastor-claudio-duarte-


33b598198/?originalSubdomain=br. Acesso realizado em: 21 de outubro de 2021.
181 Disponível em: https://www.instagram.com/claudioduarte/?hl=pt-br. Acesso realizado em: 21 de

outubro de 2021.
182 Disponível em: https://www.facebook.com/ClaudioDuartePastor. Acesso realizado em: 21 de outubro

de 2021.
170

pouco mais de um milhão de inscritos183. O pastor, que é bolsonarista, usa a sua


influência no meio evangélico; possui uma forma leve de falar, o que lhe outorga uma
certa credibilidade no meio evangélico, muitas vezes para desinformar e até mesmo
mentir descaradamente para os seus fieis. Adepto também da teologia da prosperidade e
de formas de indução do público, o pastor usa sua legitimidade para propagar pautas
fundamentalistas em quase todos os seus sermões. Na descrição de seu perfil no
Linkedin, o autor possui mais de 23.000.000 de views no YouTube, sem sombra de
dúvidas esse número já é muito maior.
Claudio Duarte usou uma de suas pregações para convocar os fiéis para irem às
ruas nos atos golpistas do último dia de 7 de setembro de 2021184. O pregador da igreja
Projeto Recomeçar, em Xerém (RJ), é muito próximo da família Bolsonaro e do pastor
Malafaia. Com publicações e pregações em favor do governo, ele não chega a ser tão
ativo e histriônico quanto Silas Malafaia, porém é um colaborador ativo nas redes do
bolsonarismo.185 O pastor, recentemente, passou, inclusive, por uma adaptação visual,
deixou a barba crescer um pouco e passou a usar óculos moderno, um símbolo de
adaptação visual aos conteúdos produzidos nas redes sociais; uma forma mais jovial
com o objetivo de se conectar a um público. Sobre a exposição midiática e o ativismo
político nas mídias feitos por líderes com grande alcance midiático como Claudio
Duarte, Cunha reforça:

A essas situações, paradigmáticas para a relação evangélicos-política, soma-


se um elemento novo e expressivo: o ativismo político evangélico, que deixa
de ser restrito a épocas de eleições, com a atividade voltada à ação de cabos
eleitorais dos candidatos em suas respectivas igrejas. Este ativismo ganha
corpo a partir de 2010, com o envolvimento de lideranças religiosas e fiéis,
tanto em períodos eleitorais, predominantemente (e curiosamente) em
campanhas de oposição (para que não se vote em candidatos,
fundamentalmente da esquerda), quanto na defesa ou na oposição a temas,
como o apoio ao pastor Marco Feliciano, em 2013, quando presidente da
CDHM, o projeto de redução da maioridade penal liderado pelo senador
evangélico Magno Malta, em 2015, ou o impeachment da presidente Dilma
Rousseff, em 2016 (CUNHA, 2017a) (CUNHA, 2019, p. 14).

Esse componente se consolida com as eleições de 2018 e a escolha de Jair


Bolsonaro como um representante dos evangélicos brasileiros. A eleição de Bolsonaro

183 Disponível em: https://www.youtube.com/user/pastorclaudioduarte/videos. Acesso realizado em: 21 de


outubro de 2021.
184 Disponível em: https://twitter.com/carlazambelli38/status/1427758478781681664. Acesso realizado

em: 21 de outubro de 2021.


185 Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2021/08/30/evangelicos-mostram-

fidelidade-a-bolsonaro.html. Acesso realizado em: 21 de outubro de 2021.


171

apenas trouxe à luz o fundamentalismo latente das instituições denominacionais


evangélicas. O fundamentalismo é a cosmovisão mais destacada dentro do movimento,
apesar de toda a heterogeneidade do movimento. Falando um pouco do ativismo
evangélico através das mídias que são usadas como canais de mobilização das massas
evangélicas, Cunha destaca que:

Esse ativismo tem se dado presencialmente nas ruas, como na anual Marcha
para Jesus, evento de massa realizado pela Igreja Renascer em Cristo, no
feriado católico de Corpus Christi, na cidade de São Paulo, com a presença
de políticos evangélicos ou apoiados por igrejas evangélicas; ou em
manifestações especificamente convocadas por lideranças evangélicas, como
a Marcha pela Família Tradicional, realizada em Brasília, em 2013,
convocada pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil, à época presidido
pelo pastor Silas Malafaia; ou ainda em atos públicos em locais estratégicos,
como os que são realizados pela Frente Evangélica pelo Estado de Direito,
criada em 2016, para fazer oposição ao processo de impeachment de Dilma
Rousseff. Os ativistas também são mobilizados a distância, por meio de
manifestações múltiplas na internet, em especial postagens escritas, em
áudios e em vídeos em mídias digitais (websites, blogs, e mídias sociais),
especialmente o Twitter e o Facebook, como demonstrado no mapeamento
realizado pela autora em 2016 (CUNHA, 2017a). (CUNHA, 2019, p. 15).

O movimento The Send é mais um capítulo dessa exposição evangélica. Ele se


enquadra no perfil do ativismo político presente na marcha para Jesus, a Frente de
Evangélicos pelo Estado de Direito, que milita por causas humanitárias, muito mais
ligada a defesa do estado democrático de direito como o próprio nome sugere.
Encontramos similaridades entre a marcha para Jesus e a mobilização feita pelo The
Send, desde músicas do gênero gospel a presença de ativistas e políticos
fundamentalistas evangélicos de direita. Sobre esse ativismo político evangélico de
direita, Cunha ressalta:

Este processo de dilatação do ativismo político evangélico coincide com o


período do fortalecimento da bancada evangélica entre 2002 a 2004, e com a
intensa campanha de grupos conservadores, em 2010, contra a eleição de
Dilma Rousseff à Presidência da República. De forma surpreendente, a partir
daí, e mais ainda depois de 2014, evangélicos de diferentes denominações,
identificados com o discurso assumido por lideranças da bancada evangélica
e por celebridades do cenário religioso, passam a se identificar publicamente
como “conservadores” e “de direita” (CUNHA, 2017a). Os protestos de
junho de 2013 e os movimentos conservadores dele derivados, a eleição do
Congresso Nacional mais conservador desde 1964 no pleito de 2014 (DIAP,
2014) e a posse de Eduardo Cunha como Presidente da Câmara Federal,
forneceram o ambiente propício para que os grupos identificados com o
conservadorismo religioso, teológico e político, se revitalizassem e
passassem a se expor mais publicamente (CUNHA, 2019, p. 15).
172

A partir de então, esse orgulho de ser conservador se evidencia com o


crescimento das direitas no Brasil, após dez anos de executivo federal liderado pelo PT.
Diversos movimentos levaram à ascensão das direitas no Brasil, e as igrejas evangélicas
são parte desse processo. A pesquisa de Cunha destaca quais são os grupos evangélicos
que mais possuem evidência midiática, e a autora conclui que são pentecostais, o que se
enquadra quando analisamos o movimento The Send majoritariamente pertencente
também à pentecostais ou carismáticos. Nas palavras de Cunha:

O mapeamento realizado na pesquisa mostrou que os grupos evangélicos em


evidência nas mídias tradicionais no Brasil são pentecostais na totalidade e
dispõem de recursos financeiros, alcançados pelas práticas religiosas
baseadas na Teologia da Prosperidade, aquela que reafirma as lógicas do
mercado (bênção de Deus manifesta-se em elementos materiais – saúde,
felicidade na família e bens). Isso tornou possível a profissionalização de sua
presença nas mídias e o estabelecimento de um padrão de visibilidade
midiática. Nesse rastro, criou-se uma cultura midiática evangélica que
possibilitou que estes grupos e os indivíduos e segmentos evangélicos que
neles se inspiram se pusessem inteiramente à vontade no mundo das mídias
digitais. Como exemplo, temos a figura do pastor Silas Malafaia, que por
conta desta visibilidade foi alçado à condição de “porta-voz” dos evangélicos
também pelas mídias tradicionais não religiosas, sendo personagem alvo da
coleta de depoimentos, opiniões e pronunciamentos na quase totalidade da
grande mídia (CUNHA, 2015). (CUNHA, 2019, p. 16).

Mais uma vez somos levados à figura de Silas Malafaia, o qual é um


personagem essencial nessa cenografia fundamentalista evangélica brasileira. Cunha
destaca também o quanto esses grupos evangélicos midiáticos são organizados e
conseguem se comunicar de forma efetiva com as pessoas. Sobre os ativistas
evangélicos nas mídias, Cunha destaca:

Portanto, o mapeamento indica que os ativistas evangélicos conservadores


têm noção do lugar das mídias na conquista de espaço e de visibilidade no
espaço público e dominam as técnicas e métodos de alcance das mídias
sociais. Esses grupos também têm discursos com teologia e linguagem que
respondem ao imaginário fortemente fundamentalista dos evangélicos
brasileiros. Recorrem à Bíblia como regra literal de fé e como respaldo às
ideias que propagam. (CUNHA, 2019, p. 16).

Cunha corrobora com nossa análise principalmente na temática que temos


defendido, afirmando que o movimento The Send é um movimento fundamentalista,
pois representa este “imaginário fortemente fundamentalista dos evangélicos
brasileiros” destacado pela autora. Portanto, é nesse cenário de desprivatização dos
evangélicos brasileiros que o movimento The Send chega ao Brasil. Cunha corrobora
com nossa reflexão, afirmando que:
173

O ativismo político digital evangélico é componente novo na forma como os


evangélicos brasileiros se inscrevem culturalmente na pólis, como um grupo
religioso “desprivatizado”, construtor de uma religião pública. Esse ativismo
torna-se elemento destacado no processo de participação política desse grupo
religioso. (CUNHA, 2019, p. 17)

É nesse espaço de mobilização, através das mídias, que o The Send mostra a
sua força de mobilização. As redes sociais viabilizaram a lotação simultânea de 3
estádios de futebol com jovens evangélicos brasileiros. É diante do ativismo evangélico
nas mídias sociais que são fortemente usadas por brasileiros, que o The Send teve até
aqui o seu ápice. Após os eventos do Brasil, o movimento perde força principalmente
com a chegada da pandemia. Mas não poderíamos esquecer dessa importante ferramenta
de mobilização dos evangélicos que são as mídias e, mais especificamente, as mídias
sociais, em que o ideário fundamentalista evangélico se sobressai sobre outras
possibilidades de ser evangélico.

A principal ênfase em missões

A história do movimento fundamentalista estadunidense é marcada pela ênfase


missionária, que é presente em todo o evangelicalismo, não apenas nas origens do
fundamentalismo. O salvacionismo foi a grande bandeira do grupo “brando”
fundamentalista exemplificado na figura de Billy Graham. Nas palavras de Marsden,
destacamos a importância da expansão missionária para o movimento em seus
primórdios:

In order to appreciate the significance of this point—that for most


evangelicals and fundamentalist there are things more important than
politics—we need to be reminded of interrelationships of the movements we
are considering. Fundamentalism here defined primarily by its degree of
militancy, is part of a larger American evangelical or conversionist Protestant
movement that goes back to the trans-Atlantic revivalism of the eighteenth
century. Since then it has generated countless variations on the fertile
American soil and cross-bred with many other traditions. In that light we can
appreciate that fundamentalism was part of "an authentic conservative
tradition"—conversionist evangelicalism—and not just a reactive militancy
against theological and cultural change. It is true that the controversies of the
1920s and their sequels reshaped many types of conversionist evangelicalism.
Similarly, political militancy since the 1970s has helped revive
"fundamentalistic" attitudes even among many evangelicals who would not
call themselves "fundamentalists." Nevertheless, the larger conversionist
evangelical movement is shaped by longstanding greater concerns—such as
the urgent need for positive evangelism, missions, and spirituality. Since the
nineteenth century it has generated a host of parachurch agencies for
174

promoting these goals. So even while theological or political controversies


may do the most to make the news and shape later historical analyses, such
contests are rarely the largest factors in shaping the everyday character of
evangelicalism for its ordinary constituents. (MARSDEN, 2006, p. 168).

O caráter evangelístico do movimento protestante é evidente, diante de tal


constatação, é relevante nos perguntarmos dos movimentos que compõem o The Send:
“O que todos os colaboradores e seus respectivos ministérios possuem em comum?”
Conforme já destacamos acima, todos os colaboradores aqui destacados possuem muito
em comum. São todos líderes carismáticos ligados através de uma rede de cobertura
apostólica, todos eles ganham legitimidade devido às curas e profecias operadas através
deles mesmos e todos eles mobilizam quase que exclusivamente jovens; sem contar que
são todos homens brancos também, o que pode ser entendido também através de uma
perspectiva de dominação, em certo sentido uma dominação imperialista, não no sentido
clássico de Império, mas no sentido de que o que vemos exemplificado no movimento é
o retrato de líderes que exemplificam o American Way of Life (brancos, ricos,
evangélicos, heterossexuais, caridosos). Esse é o estigma patriarcal de uma cultura
imperialista que impõe o seu estilo de vida sobre outras que são consideradas
subordinadas. Porém, para o The Send, especificamente, o que mais nos chama a
atenção é que supostamente eles se juntam com o objetivo de mobilizar jovens
missionários ou, no jargão religioso, “enviar” jovens missionários para as nações.
Conforme já destacamos, não estamos falando de envio missionário para
pregar para a “salvação de almas”. O foco em missões leva consigo o combo das curas e
das mudanças em todas as áreas da sociedade.
Marsden, um de nossos referenciais teóricos, ressalta como o movimento
fundamentalista enxergou, desde os primórdios, a grande importância das missões. Nas
palavras do autor, destacamos:

Mission work was a crucial factor in the emergence of fundamentalism as an


organized movement, and long remained one of the most hotly debated issues
in both the Baptist and Presbyterian denominations. Conservatism was strong
in the mission field and so was dispensational premillennialism. As we have
seen, missions had been a positive force for creating a sense of unity among
revivalists and other conservative evangelicals. American Southerners were
also well represented in foreign missions and so these Southern conservatives
were drawn into fundamentalist militancy. The formation of the Bible Union
of China in 1920 was especially significant. Dispensationalists and Southern
Presbyterians (who as a rule were not dispensationalists) were particularly
active in this organization. On the mission field the implications of liberalism
were obvious, practical and urgent. Here the suggestion of the more extreme
liberals that God revealed himself in non-Christian cultures had profound
175

implications for missionary programs. In Africa or Asia these implications


were naturally far more obvious than in nominally Christian middle-class
America. The conservatives believed the issue at stake was nothing less than
the salvation of souls—and this was unquestionably foremost of all
evangelical concerns. On this question feelings were deep and often
unalterable. Conservative missionaries, such as those of the Bible Union,
were quick to impress on any who would listen (as A. H. Strong already had)
the dangers of the liberal teachings which were dampening evangelical zeal
and thus allowing precious souls to go to perdition. (MARSDEN, 2006, p.
168).

Como podemos destacar, o trabalho missionário desde os primórdios foi


essencial para a consolidação do movimento fundamentalista. É o trabalho missionário
que viabiliza o fundamentalismo estadunidense como um movimento organizado. O
trabalho missionário se tornou essencial para a união de vertentes conservadoras e pré-
milenistas dispensacionalistas. As missões foram uma força positiva para criar um senso
de unidade entre os avivalistas e outros evangélicos conservadores, no entendimento do
autor.
O modelo de expansão estadunidense, fortemente influenciado pela
cosmovisão fundamentalista, mantém o paradigma da evangelização como um braço
colonizador. Quando tratamos da expansão missionária estadunidense, não é um
exagero usarmos o termo imperialismo para retratá-la, e o movimento The Send
reproduz em seu ajuntamento missionário esse modelo de expansão imperialista através
da evangelização, inclusive aliando-se a políticos como Jair Bolsonaro, fazendo uso da
religião como locus de luta política. Tal maneira de atuação, como podemos destacar,
não é exclusividade do movimento fundamentalista, cujo qual o movimento The Send é
parte, porém, historicamente evidenciou-se de forma significativa, quase de forma
umbilical no alinhamento entre fundamentalistas estadunidenses e o partido
republicano, mais especificamente.
Como podemos exemplificar no presente capítulo, os componentes do
movimento The Send são diversificados, temos a TD, através do mandato das “Sete
montanhas”, que compõe o arcabouço intelectual do movimento; temos os principais
colabores que fazem parte do corpo diretivo e que possuem muitas similaridades: todos
fazem parte do INC Christianity, são brancos, ostentam riquezas, se vestem de uma
maneira “descolada” e são do sexo masculino e heterossexuais; temos a juventude que
participa do movimento, que é de um recorte bastante específico da população, pois é
uma juventude com acesso as escolas e universidades, temos o componente político que
define a relação estreita entre os líderes e a política institucional; temos mistura de
176

espaços, pois o profano é sacralizado pelo sagrado com a presença de políticos que são
santificados pelos líderes religiosos; temos as mídias sociais que se tornaram a principal
forma de comunicação de lideranças evangélicas e, por fim, temos o foco em formar
jovens missionários, o qual é o principal componente deste mecanismo, pois são esses
jovens missionários que irão “mudar a sociedade”.
Sendo assim podemos concluir que o mecanismo do The Send é composto por
diversos componentes que permitem com que o movimento ganhe alguma capilaridade
na população evangélica. Tal mecanismo, como temos chamado, é complexo como é
característico da análise sociológica, a qual busca analisar as sociedades humanas e suas
complexidades. Não estamos diante de um mecanismo que possui explicações prontas e
evidentes, mas ao chegarmos no final de nossa análise é evidente que estamos diante de
um fenômeno que está presente na periferia da sociedade e, mais precisamente, do
movimento evangélico já há algum tempo. Porém como temos tido ocasião de defender
na presente dissertação é um retrato das crenças que permeiam significativa parte do
ideário evangélico estadunidense e brasileiro como um todo.
177

CONCLUSÃO

Concluímos a presente dissertação destacando o quanto o movimento The Send


não faz distinção entre política e religião. Desde sua origem fundamentalista até a sua
formação atual, com atualizações que perpassam a TD, com seu mandato dos sete
montes, o movimento The Send demonstra que seu objetivo é dominar áreas chave da
sociedade para assim legislar sobre a vida das sociedades.
A presença de Jair Bolsonaro, Silas Malafaia e Damares Alves, assim como as
profecias realizadas por Lou Engle e Brian Brennt, a respeito de Donald Trump são
provas do que procuramos defender na presente dissertação. O movimento The Send usa
a religião para fazer política. É evidente que essas relações se intensificaram nos últimos
anos, mais precisamente, de 2018 até aqui. Durante este período, o que vimos foi um
processo de instrumentalização da política através da religião evangélica, processo esse,
que trouxe danos irreparáveis para as democracias tanto dos EUA como do Brasil.
Ao olharmos para as supremas cortes nos EUA o governo de Donald Trump
chancelado por fundamentalistas da direita cristã, formou uma maioria de 6 votos a 3 de
ministros declaradamente “conservadores” que estão corrompendo a democracia de tal
maneira diminuindo ainda mais a representatividade do voto do povo. O fantasma
Donald Trump, mesmo derrotado, assombra todo o país, pois hoje o partido republicano
é o partido “trumpista”. Já no Brasil, olhamos também para a suprema corte que ainda
não possui uma maioria esmagadora conservadora, mas já possui um ministro
terrivelmente evangélico, chancelado por Silas Malafaia e comemorado com a fala da
língua dos anjos por Michele Bolsonaro186, sem contar os atrasos que o governo
Bolsonaro nos causa em sua suposta “guerra ideológica”, Damares Alves e seu
ministério são os maiores exemplos desses atrasos.
Vimos nos últimos dois anos, exatamente o tempo em que produzimos a
presente dissertação, cenas lamentáveis de evangélicos, que deram apoio incondicional
e acrítico aos governos Trump e Bolsonaro, e as lideranças do movimento The Send
como Teo Hayashy, não esconderam que estavam ao lado deste governo. O maior
exemplo disso foi a postagem de Teo Hayashi no dia 7 de setembro de 2021, durante a

186Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/12/o-que-sao-as-linguas-usadas-por-


michelle-bolsonaro-e-por-que-evangelicos-falam-em-intolerancia.shtml. Acesso realizado em: 9 de
janeiro de 2022.
178

última manifestação chamada pelo governo Bolsonaro, que reunião uma centena de
pessoas na Paulista e na esplanada dos ministérios em Brasilia, demonstrando mais uma
vez sua ligação com o atual governo.
O movimento The Send representa: o atraso, o mal-uso político da religião a
serviço das elites econômicas que oprimem o povo. O movimento The Send com sua
teologia do domínio fundamentalista é uma ameaça as democracias, pois se alia a
déspotas, ditadores que, como destacado, estão derrubando todas as bases democráticas
dos países, e essa relação despótica não é novidade para os membros de movimentos
independentes carismáticos como o The Send, pois eles estão acostumados com um tipo
de relação antidemocrática presente nas estruturas destas igrejas. Sendo assim, nossa
pesquisa nos leva a fazer um alerta e nos abre diversas linhas de aprofundamento desta
pesquisa pioneira e introdutória. Estamos diante de uma ameaça à democracia, que já se
consolidou dentro do campo evangélico e precisa ser combatida com conhecimento e
uma argumentação que fale diretamente com as pessoas que viabilizam estes
movimentos que, na prática, as oprimem em vez de as libertarem.
Nossa pesquisa se deparou com suspeitas que não puderam ser aprofundadas,
como a possibilidade de interlocuções de financiamento estatal a esses grupos, visto a
ligação direta do executivo federal com o movimento, a continuidade do The Send nos
pós eventos. Não conseguimos realizar pesquisas de campo no presente trabalho, devido
ao momento em que vivemos de desconfiança a pesquisadores que se aprofundam nesta
temática político-religiosa. Nossa pesquisa coloca diante da academia a necessidade de
realizar uma pesquisa de campo para qualificar o real entendimento dos jovens que
recebem toda a doutrinação e indução presentes nas doze horas de evento, e nas igrejas
INC´s.
O trabalho também abre portas de pesquisas para se analisar as ligações da
direita cristã do Partido Republicano ao movimento The Send, visto que vemos um
apoio declarado dos principais nomes do movimento ao atual “partido trumpista”, nossa
pesquisa também abre possibilidades de se aprofundar o movimento Dunamis,
especificamente a figura de Teo Hayashi, que se coloca como um intectual, como um
orquestrador de um movimento, que se alia ao bolsonarismo e doutrina jovens dentro de
universidades públicas e privadas. Já tivemos alguns ensaios acadêmicos que
mencionam Teo e o Dunamis, porém é importante o aprofundamente sobre sua figura,
seu movimento e a sua pregação, baseada no mandato dos sete montes, o seu estilo
“coach pastor”, deve ser fruto de aprofundamento acadêmico.
179

É importante também se aprofundar as relações Brasil-EUA, feitas através da


religião, algo que não tivemos ocasião de ir além devido a delimitação o presente
trabalho. Já temos pesquisas que analisam essa relação, que é histórica. Desde o
pioneiro trabalho de Lima (1987), muito já foi produzido desenvolvendo a presente
temática, porém um aprofundamendamento das teologias que são criadas nos EUA,
importadas para o Brasil e difundidas através das igrejas evangélicas, é um desafio
necessário para a academia, e eu iria além, é um desafio necessário para as esquerdas no
Brasil, pois as teologias como a TD e o mandato dos sete montes são criações que
mobilizam uma porcentagem significativa da população brasileira.
Nossa pesquisa também abre portas para para que se construa um observatório
acadêmico digital, para monitorar os grupos evangélicos que compõe o The Send.
Durante nossa trajetória, nos deparamos com posts que são excluídos ou editados, que
acabam se perdendo no lixo eletrônico da internet; percebemos que esses líderes
possuem uma capacidade camaleônica de se adaptar a novas realidades sociais. Seria
muito interessante poder acompanhar rotineiramente o comportamento dos líderes que
compõe o The Send pós governo Bolsonaro no caso do Brasil.
Por fim, nosso trabalho traz em si uma contribuição social visto que com nossa
pesquisa aprofundado procuramos expor academicamente uma forma de dominação
através da religião, que é demonstrada através destas páginas com o objetivo de
contribuir também para a difusão popular do conhecimento, trazendo o pensar
acadêmico para mais perto da luta dos movimentos de resistência a toda forma de
autoritarismo, principalmente um autoritarismo articulado, e que busca impor sua
cosmovisão sobre aqueles que estão construindo o seu pensamento, como é o caso dos
jovens participantes do The Send e das igrejas INC em geral.
180

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