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CDD 248.83
A dissertação de mestrado intitulada: CHEGOU A NOSSA HORA BRASIL! A
INFLUÊNCIA POLÍTICO/RELIGIOSA DO MOVIMENTO “THE SEND” NA
JUVENTUDE EVANGÉLICA BRASILEIRA, elaborada por ELI COUTO FERREIRA,
apresentada e aprovada em 17 de março de 2022, perante banca examinadora composta por
Prof. Dr. (Dario Paulo Barrera Rivera); Prof. Dra. (Karina Kosicki Bellotti); Prof. Dra. Sandra
Duarte de Souza (Orientadora Titular/UMESP).
_____________________________________________
Prof. Dra. Sandra Duarte de Souza
Orientadora e Presidenta da Banca Examinadora
_____________________________________________
Prof. Dr. Coord. Marcelo da Silva Carneiro
Agradeço a Deus, o Pai de Jesus Cristo de Nazaré, pois em minha fé creio que me
possibilitou o privilégio que poucos possuem em um país tão miserável quanto o Brasil de
obter conhecimento e a possibilidade de discernimento do tempo em que vivo. Ao Deus a
quem presto culto, sou grato, pois ele colocou mestres e professores na minha caminhada.
Dedico um agradecimento especial a estes que me provocaram tanto em minha fé, quanto
academicamente.
Cito alguns nomes. Agradeço ao pastor Joabe Santos que se tornou um amigo nessa
dura e muitas vezes solitária caminhada que o conhecimento me proporciona. Agradeço ao
Professor Dr. Paulo Barrera, que acolheu com total entusiasmo a presente pesquisa e agradeço
à Professora Dra. Sandra Duarte de Souza que, em um momento de extrema vulnerabilidade,
me aceitou como seu orientando.
A caminhada do conhecimento é muito árdua para alguém que veio de onde eu vim,
uma vez que as pessoas que amo e convivo diariamente não entendem a importância e o
significado de um homem negro periférico que se torna mestre. É por esta razão que a
caminhada de conhecimento é infindável e solitária e, por isso, dedico estas linhas aos meus
mestres, ao PPG de Ciências da Religião da Universidade Metodista, que é um ambiente
resistente e imprescindível de conhecimento nestes dias sombrios em que vivemos.
E por fim, agradeço a Capes pela bolsa de estudos que serviu de incentivo para que a
presente jornada fosse cumprida.
O que me preocupa não é o barulho dos maus, mas sim o siêncio dos bons.
Dr. Martin Luther King Jr
RESUMO
Esta dissertação propõe analisar o movimento denominado The Send, que busca influenciar a
juventude evangélica brasileira através de uma temática de despertamento missionário e
transformação social. O movimento nasceu nos EUA e milita na seara da religião, porém não
se limitando à mesma, convoca a juventude a “dominar” todos os espaços da sociedade civil.
O grupo de jovens evangélicos brasileiros que se vincula ao movimento possui um perfil
diversificado, o que reproduz a heterogeneidade que caracteriza este grupo no Brasil. Sendo
assim, propomos neste trabalho uma análise da influência político/religiosa que o movimento
The Send exerce sobre uma parcela da juventude evangélica brasileira que aqui identificamos
como fundamentalista. O problema a ser discutido refere-se ao uso político do discurso
religioso presente no movimento The Send, que busca mobilizar uma parcela da juventude
evangélica brasileira em torno de um projeto político fundamentalista neoliberal. Por meio de
pesquisa/ levantamento bibliográfico buscamos entender o movimento desde sua formação até
a construção do discurso presente nos eventos, assim como o desejo de seus componentes
exercerem influência política sobre jovens. Nosso trabalho indica que o modus operandi do
The Send é o mesmo presente em parcela significativa dos evangélicos brasileiros, que
consomem boa parte do contéudo “teológico” produzido pelos estadunidenses, a pesquisa
indica que o The Send é uma adaptação do fundamentalismo aos jovens.
This dissertation proposes to analyze the movement named The Send, which seeks to
influence Brazilian evangelical youth through a theme of missionary awakening and social
transformation. The movement was born in the USA and militates in the field of religion, but
not limited to it, they call on the youth to “dominate” all spaces on civil society. The group of
young Brazilian evangelicals linked to the movement has a diverse profile, which reproduces
the heterogeneity that characterizes this group. Therefore, we propose in this dissertation an
analysis of the political/religious influence that The Send movement have on a portion of
Brazilian evangelical youth that we identify here as fundamentalist. The problem to be
discussed refers to the political use of the religious discourse present in The Send movement,
which seeks to mobilize a portion of Brazilian evangelical youth around a neoliberal
fundamentalist political project. Through research/bibliographic research, we seek to
understand the movement from its formation to the construction of the discourse present in
the events, as well as the desire of its components to exert political influence over young
people. Our work indicates that the modus operandi of The Send is the same present in a
significant portion of Brazilian evangelicals, who consume much of the "theological" content
produced by the Americans, our research indicates that The Send is an adaptation of
fundamentalism to young people.
Figura 1 – Silas Malafaia durante a sua intervenção no The Send Brasil 2020. ...................... 13
Figura 2 – Apelo final realizado na intervenção de Malafaia no The Send Brasil. ................ 132
Figura 3 – Primeira composição de ministros ........................................................................ 138
Figura 4 – Todd White, com a bíblia na mão, após anunciar a conversão de Bolsonaro. ...... 145
LISTA DE GRÁFICOS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
1 CAPÍTULO 1 – AS ORIGENS DO FUNDAMENTALISMO E O
NASCIMENTO DA DIREITA CRISTÃ NOS EUA ........................................................... 25
Linha do tempo: o nascimento e a consolidação do movimento fundamentalista ................... 25
Movimento fundamentalista: Discurso, religião e política ....................................................... 35
A influência política da direita cristã dos EUA ........................................................................ 43
A influência do fundamentalismo estadunidense no Brasil...................................................... 48
Os fundamentalistas e os governos Trump e Bolsonaro .......................................................... 56
2 CAPÍTULO 2 – THE SEND: FUNDAMENTALISMO E TEOLOGIA DO
DOMÍNIO ............................................................................................................................... 66
The Send: O New Shape do Fundamentalismo evangélico ...................................................... 66
O movimento The Send ............................................................................................................ 69
De onde vem o The Send? ........................................................................................................ 73
A teologia do domínio como norteadora do movimento .......................................................... 84
Foco em transformação social .................................................................................................. 92
Os sete montes e a transformação da cultura ............................................................................ 94
3 CAPÍTULO 3 – A INFLUÊNCIA POLÍTICO-RELIGIOSA DO
MOVIMENTO THE SEND NA JUVENTUDE EVANGÉLICA BRASILEIRA .......... 100
A influência político-religiosa dos “colaboradores” do The Send .......................................... 100
Lou Engle ............................................................................................................................... 101
Andy Byrd .............................................................................................................................. 106
Todd White ............................................................................................................................. 108
Michael Koulianos .................................................................................................................. 111
Daniel Kolenda ....................................................................................................................... 113
Brian Brennt ........................................................................................................................... 115
Teo Hayashi e a candidatura Krigner ..................................................................................... 118
Silas, Damares e a conversão de Bolsonaro ........................................................................... 128
Os objetivos do movimento The Send .................................................................................... 146
Quem é o jovem que participa do The Send? ......................................................................... 148
Foco nos estudantes de ensino médio e ensino superior ........................................................ 156
A mobilização através das mídias sociais .............................................................................. 161
A principal ênfase em missões ............................................................................................... 173
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 177
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 180
13
INTRODUÇÃO
Figura 1 – Silas Malafaia durante a sua intervenção no The Send Brasil 2020.
É dentro desse contexto que o movimento nasce no ano de 2019 e tem o seu
auge no ano seguinte, em 2020, pouco antes da pandemia de Covid-19 ser decretada
pela Organização Mundial da Saúde. “Chegou a nossa hora Brasil” é a frase escolhida
no evento inaugural do movimento The Send pelo líder brasileiro Teo Hayashi, para
mobilizar o público presente no estádio. Essa frase se tornou o slogan do evento sobre o
qual iremos discorrer com maiores detalhes na presente dissertação. A frase implica em
dizer que é chegado o momento dos evangélicos brasileiros; é chegada a hora dos
evangélicos “dominarem” os espaços de poder; é chegada a hora dos evangélicos
ditarem os rumos da nação. Esses são os sentidos que a frase dita dentro do contexto do
The Send possui.
Os objetivos da presente pesquisa implicam analisar o movimento The Send
como um instrumento político religioso de uma direita evangélica que tenta engajar
politicamente uma camada populacional jovem e de classe média. Procuramos
demonstrar a existência de um projeto de domínio social e político promovido por
lideranças evangélicas umbilicalmente ligadas ao movimento fundamentalista
estadunidense, que mostra sua influência dentro do evangelicalismo brasileiro. Ao que
tudo indica, mobilizar jovens é fidelizar um grupo, inclusive eleitoralmente, que por
muitos anos defenderá uma cosmovisão impositiva e pouco questionadora. Esses são os
principais objetivos da presente pesquisa.
Diante da problemática enunciada acima, faz-se necessário introduzirmos o
leitor ao The Send. Sendo assim, separamos as próximas linhas desta introdução para
trazermos uma breve explicação sobre este movimento evangélico: o que é o The Send e
como se originou.
Ele nos chamou e nós dissemos SIM. O The Send não é um treinamento ou
ajuntamento que vai apenas acender uma chama no seu coração, mas que vai
te inspirar e realmente questionar: VOCÊ VAI?
Essa pergunta é a chave para o momento em que estamos vivendo. Como IR,
se nesse momento onde tudo aponta para PARAR?
Existe um momento que Deus nos chama para mais perto, em que Ele passa
as direções necessárias, e esse é o momento atual. Este é o momento perfeito
para ouvir Deus e decidir como você vai se preparar para o cumprimento do
seu chamado.
Um envio é uma decisão, um empurrão. Você tem boas razões para ir?
Razões que estão acima de uma crise global e debaixo de um tempo de
secreto?
Nós queremos saber: VOCÊ VAI?
narra a tentação sofrida por Jesus após realizar um jejum de 40 dias. E por fim o tópico
imersão bíblica possui um plano de leitura do texto bíblico no período de um ano.
A concepção do movimento se deu no ano de 2016, no estádio Los Angeles
Memorial Coliseum, durante o encontro Azusa Now. Este evento ficou marcado pela
presença de 70 mil jovens que levantaram seus sapatos aos céus dizendo que estavam
dispostos a irem como missionários para qualquer lugar. Contudo, o primeiro evento do
The Send aconteceu em Orlando, no Estado da Flórida, em 2019, onde milhares de
jovens lotaram o Camping World Stadium. A principal liderança do The Send é o
estadunidense Lou Engle há cerca de 18 anos, liderava o The call, um movimento
bastante similar.
O The Send é uma junção de forças de Engle com outros movimentos
representados nas figuras de seus líderes. São eles: Teo Hayashi (Dunamis), Andy Byrd
(Lou Engle Ministries), Todd White (Life Style Christianity), Daniel Kolenda (CFAN),
Michael Koulianos (Jesus Image) e Brian Brennt (CR – Circuit Riders). Após o start em
Orlando, FL, o destino foi o Brasil que, para fins delimitadores, é o evento que
focaremos nesta dissertação.
No evento de Orlando, em 20193, Teo Hayashi assume o microfone e grita
“Chegou a nossa hora Brasil”. Naquele momento, nasceu a ideia de realizar uma
mobilização da juventude evangélica brasileira. Em fevereiro de 2020, foi realizado o
The Send Brasil, que aconteceu simultaneamente em 3 estádios, além de ter transmissão
em tempo real via Facebook e Youtube. Os estádios que receberam milhares de jovens
evangélicos foram: Mané Garrincha, em Brasília, Morumbi e o Allianz Parque, em São
Paulo. A edição brasileira contou com a presença de diversas lideranças de massas
evangélicas brasileiras, nomes como Silas Malafaia, Apóstolo Rina, Ana Paula Valadão
e o grupo de louvor Diante do Trono, entre outros nomes de pregadores e cantores do
gospel brasileiros e estadunidenses, compartilhando no palco curtas mensagens de no
máximo 15 minutos, seguidas de louvor Worship.
O principal articulador do movimento no Brasil é Teo Hayashi 4, uma das
lideranças do movimento Dunamis que atua nas universidades do país, ligado a Zion
Church, uma igreja de classe média (média alta) que tem sua sede localizada na região
do Morumbi, na cidade de São Paulo.
2021.
17
de 2021.
7Disponível em: https://www.techtudo.com.br/listas/2020/02/como-funcionam-as-visualizacoes-do-
2021.
18
também pelo Youtube9. O evento contou com um número de visualizações muito menor
quando comparado aos ocorridos no Brasil, nos formatos presencial e online, no ano
anterior 2020.
O vídeo do segundo evento online realizado durante a pandemia em 2021
hospedado no canal do The Send possui pouco mais de 69 mil visualizações, já o vídeo
hospedado no canal Dunamis Movement possui cerca de 116 mil visualizações (mesmo
vídeo em canais distintos). Comparando o número de visualizações destes vídeos,
apenas com os números destacados do The Send Brasil Online, que ocorreu no ano de
2020, que atualmente tem mais de três milhões de visualizações, somando os dois
vídeos dos canais The Send e Dunamis, no Youtube, não chegam a ter nem a metade das
visualizações do evento realizado online no ano de 2020.
Isso vem exemplificar que o movimento perdeu força de um ano para o outro.
Porém, os canais do The Send no Instagram10, Facebook11 e Youtube12 seguem
alimentados com conteúdos, com “tbt’s”13 dos eventos já realizados, com curtas
mensagens dos organizadores e, no caso específico do Youtube, com vídeos de bandas
de louvor worship. O movimento planeja realizar um próximo evento presencial na
Noruega, no dia 21 de junho de 202214.
Respondendo, então, a pergunta que intitula o presente tópico, podemos
afirmar que o The Send é um movimento cristão evangélico carismático com um
enfoque missionário, originado nos EUA, e que chega ao Brasil no ano de 2020 com o
objetivo de mobilizar os jovens brasileiros para o que eles (colaboradores do The Send)
chamam de “maior avivamento da história”.
Ainda em nossa tarefa de qualificação do movimento em questão, é relevante
destacarmos as origens dele.
11 de abril de 2021.
14 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CM5wSHGlhOT/. Acesso realizado em: 11 de abril de
2021.
19
O vídeo indicado tem cerca de três minutos e quinze16 e foi preparado para o
primeiro evento do movimento The Send, que aconteceu no dia 23/02/2019 no Camping
abril de 2021.
20
Nós vemos estes momentos na história onde o poder de Deus está presente
para fazer algo extraordinário. Há uma oportunidade. Há uma porta aberta. E
o que acontece é que se aquela geração entrar pela porta aberta, pela fé e
entrar em ação, eles poderão literalmente ver a história mudar.18
catalítico para uma nova era de missões globais e Evangelismo ao redor da América”.20
O vídeo é finalizado com as palavras finais de Lou Engle, que afirma: “Nós cremos que
neste dia algo será transferido e nos levará no que eu acredito ser uma transição mundial
no maior Jesus Movement que já vimos”.21
O vídeo analisado é uma produção hollywoodiana, uma bela peça de marketing
feita objetivamente para mobilizar os jovens. No caso do primeiro evento, o objetivo era
mobilizar os jovens dos EUA, mas já em 2019 o vídeo foi publicado nas principais
páginas do movimento Dunamis, entre elas, aos brasileiros, por exemplo. Sendo assim,
é possível concluirmos que o movimento se origina com esse suposto clamor por um
“avivamento catalítico”, rememorando os avivamentos históricos acontecidos na
história dos protestantes evangélicos.
O que mais chama a atenção no movimento é a presença de políticos. No
Brasil, isso ficou fortemente evidenciado com autoridades estatais, destaque para
Damares Alves (Ministra da Mulher Família e Direitos Humanos) e Jair Bolsonaro
(Presidente da República Federativa do Brasil). Já no The Send online do ano de 202122,
Engle, que profetizou a vitória de Trump, fez o mesmo ao profetizar tempos difíceis
para a igreja diante da derrota do republicano e a vitória de Biden. O destacado vídeo
exemplifica bem como o movimento se origina, e será a ele que dedicaremos este
trabalho bibliográfico documental.
abril de 2021.
22 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dPT-iMlZDXM&t=7383s. Acesso realizado em: 5
de dezembro 2021.
22
Divisão de capítulos
24
Disponível em: https://www.maisqueadoradores.com/page/2017/10/09/o-que-e-worship-ou-estilo-
musical-worship/. Acesso realizado em: 11 de abril de 2021.
25
Ainda nos primórdios do século XX, podemos perceber que o que viria a ser
nomeado de movimento fundamentalista ainda recebia forte influência de intelectuais e
patrocínio financeiro de milionários do norte dos EUA. Com o passar dos anos, essa
estrutura é mudada radicalmente, fazendo com que o movimento fundamentalista se
tornasse quase que essencialmente um fenômeno do Sul, à posteriori, bastante marginal
à cultura americana.
O movimento fundamentalista, após as publicações pela American Bible
League da série de doze volumes que foi denominada “The Fundamentals: A Testimony
to the Truth”, era até 1902, ligado ao movimento conservador, junto com a fundação da
Liga. Depois de 1915, quando as publicações dos doze volumes cessam, é que o
movimento passa a ser conhecido como fundamentalista. O conteúdo da obra era
composto por pontos fundamentais da fé cristã que precisavam ser mantidos diante das
ameaças do modernismo25, são eles: a inspiração verbal da escritura e sua inerrância;
25
Termo usado para designar a teologia liberal, questões de costumes e moral que fogem do modelo de
sociedade patriarcal, heterossexual, tradicional.
26
verdades doutrinárias como a concepção virginal, a expiação vicária de Jesus Cristo, sua
ressurreição (e consequentemente a dos fiéis), além de sua volta gloriosa para o
julgamento (LIMA, 2009, p. 4).
As publicações foram essenciais para a organização de um movimento que
seria amplo e de grande capilaridade. Apesar deste importante marco no início do século
XX, os fundamentalistas, mesmo organizados, procuraram se isolar em um terreno que
lhes fora conhecido: o da moralidade. Porém, ainda não estavam preocupados com a
moralidade pública, o que no futuro viria a ser a principal forma de atuação do grupo.
Os evangélicos/fundamentalistas/brancos ingressam na política dos EUA já na
década de 1970. Eles haviam ficado cerca de 40 anos em isolamento político, devido a
uma crise de influência destes grupos nos anos 1920 e 1930 em decorrência da perda em
algumas batalhas jurídicas. Os casos que os estudiosos costumam citar como os mais
emblemáticos são: Scopes, em 1925 e a Revogação da Lei Seca, em 193326. Tais
derrotas, segundo Souza (2018), fizeram com que estes grupos entendessem que “a
política representava uma arena degenerada e, consequentemente, que o papel de um
homem religioso era evitar a participação política e optar pelo isolamento em sua
comunidade” (SOUZA, 2018, p.18). Somando-se a essas derrotas temos um processo
grande de urbanização do território estadunidense que contribuirá para a consequente
decisão de isolamentos dos grupos fundamentalistas até então.
É importante destacarmos que no contexto estadunidense, o termo
fundamentalista não possui a conotação pejorativa que empregamos em nossa cultura (a
depender da perspectiva do uso do termo). Pelo contrário, as pessoas que aderem ao
movimento em muito se orgulham dele, destacando que ser fundamentalista é uma
espécie de retorno ao que eles entendem ser os “fundamentos da fé cristã”, presentes na
escritura sagrada. Apesar deste entendimento, ser fundamentalista, mesmo no contexto
estadunidense, é sim sinônimo de radicalismo. Reforçando os anos de isolamento
político do movimento, Marsden (2006) reforça nossa argumentação. Em suas palavras:
26O caso Scopes, em 1925, ficou marcado por um jovem professor de biologia no Tennessee chamado
John Scopes, que desafiou a lei antievolucionista do Estado, ensinando a teoria da evolução (darwinismo)
em uma escola pública. O jovem foi processado e condenado, porém a decisão foi posteriormente
revertida por questões técnicas. Contudo, o caso contribuiu para o afastamento fundamentalista do campo
político por alguns anos.
27
Como o autor destaca, entre 1920 e 1925 o fundamentalismo foi uma coalizão
ampla e nacionalmente influente de conservadores, mas depois de 1925 foi composta
por minorias menos flexíveis e mais isoladas, frequentemente recuando para o
separatismo, se isolando em suas comunidades. Todavia, é importante destacarmos que
mesmo após todo o tempo de enclausuramento, o movimento se consolida mesmo com
a decisão de se isolar da sociedade estadunidense.
Os fundamentalistas antes e depois de 1925 foram vistos como vozes
anticientíficas, em certa medida até mesmo reacionárias, tanto que a principal pauta que
leva o grupo a se isolar no pós 1925, é o ensino da teoria da evolução nas escolas
públicas. É neste contexto que escolas segregadas, exclusivas para brancos, crescem no
contexto estadunidense. Nas palavras de Marsden (2006), o movimento desde sempre
foi visto com desconfiança pela população. Em suas palavras, destacamos:
Diante disso, mesmo com o alarde sobre a crise cultural após 1925, mais
precisamente, o movimento que ensaiava ir para fora, se volta para dentro e permanece
assim por um longo tempo. Apesar de uma decisão quase que unitária dos principais
líderes fundamentalistas de passarem a se preocupar com suas questões internas, se
tornando comparativamente algo muito perto de comunidades Amishes, típicas de parte
da cultura da América do Norte,27 o movimento conhecido como fundamentalista não
passa a ter uma visão uniforme de mundo.
No pós Primeira Guerra Mundial, o que vemos na prática é uma reorganização
e fundação de novos grupos dentro do movimento, onde podemos ver um grupo mais
radical e outro mais moderado. Lima (2009) reforça que, apesar dos grupos serem
herdeiros do mesmo movimento, se posicionam perante a sociedade de forma
radicalmente distinta. Um dos grupos, de fato, se posicionava contra o intelectualismo;
um segundo grupo buscou o diálogo com as ciências, ao menos uma parte das ciências.
Em suas palavras:
28 The furious activities of fundamentalists themselves, especially in the two years following 1925, as they
scrambled to raise the banner dropped by the fallen Bryan, lent credibility to such assertions.
Fundamentalists across the country had been organizing vociferous anti-evolution lobbies under the
leadership of such organizations as the World's Christian Fundamentals Association and the related Anti-
evolution League. George F. Washburn, a friend of Bryan's, although not previously an active
fundamentalist, proclaimed himself "the successor of William Jennings Bryan.” He founded the Bible
Crusaders of America, inducing a number of fundamentalist leaders to join the fight "Back to Christ, the
Bible, and the Constitution." Other friends of Bryan undertook massive money-raising drives, with the
intention of creating a William Jennings Bryan University. Meanwhile, in California, evangelist Paul W.
Rood reported a vision from God calling him to be Bryan's successor, which led to the formation of the
Bryan Bible League. Next, Gerald Winrod of Kansas founded the Defenders of the Christian Faith,
another organization using the methods of sensationalism to fight evolution and modernism. Winrod sent
a squadron of "flying fundamentalists" through the Midwest and elsewhere to promote the anti-evolution
cause. Edgar Young Clarke, a former national organizer for the Ku Klux Klan, attempted to cash in on
this trend with the foundation of the Supreme Kingdom, which was structured like the Klan but had
fundamentalist anti-modernist and anti-evolutionary goals (MARSDEN, 2006, p. 189).
30
Ainda em 1942 houve uma tentativa de união dos dois grupos, mas que não
deu resultado. A ruptura final se deu em 1957, quando os neo-evangelicais
foram considerados traidores pelo grupo extremado. Os radicais ficaram
sempre mais à margem, mas continuaram a desenvolver-se a partir de alguns
de seus líderes. Fundaram centros de estudo com esta orientação, dentre os
quais destacam-se: a Bob Jones University, fundada em 1927 na Flórida e
que, após um período funcionando no Tennessee, estabeleceu-se na Carolina
do Sul (1947); a Liberty University (Virgínia), fundada em 1971; a Regent
University, fundada em 1978. O grupo radical difundiu-se também através de
programas televisivos, chegando a dominar o cenário nos anos setenta
(LIMA, 2009, p. 337).
O que vemos é que de 1950 até meados de 1970 dois grupos formam os “novos
evangélicos” (eventualmente apenas evangélicos). A maioria deles têm uma herança
fundamentalista que forma o núcleo de uma ampla coalizão que atrai conservadores
teológicos, desde pentecostais a menonitas, enfatizando o evangelismo positivo,
exemplificado pela figura de Billy Graham. O segundo grupo mais extremado que ficou
denominado de “fundamentalista”, pois o termo é usado para exemplificar eclesiásticos
separatistas que quebram a comunhão com Graham. Quase todos são dispensacionistas
pré-milenistas29, assim como alguns evangélicos que não se separaram dele.
O final da década de 1970 até o começo do século XXI é definido por Marsden
(2006) como a era do “evangelicalismo fundamentalista”. Estes se organizam na direita
religiosa (ou direita cristã), que também inclui católicos e mórmons, representada por
militantes que não são apenas de grupos fundamentalistas separatistas, mas também
inclui quase todo o espectro de evangélicos, apesar de que nem todos os evangélicos
que se autodenominam fundamentalistas são politizados.
Com o passar dos anos, como exemplifica Lima (2009), o grupo radical
também se difunde através de programas de televisão, dominando o conteúdo religioso
dos EUA na década de setenta, após o isolamento (que chamamos de “estratégico”) do
grupo, pois foi ele que possibilitou a ação política na sociedade dos radicais anos
depois. Isolamento que, inclusive, no final da década de setenta, com a formação da
Moral Majority, possibilitou a união da direita religiosa novamente, que uniu os
fundamentalistas “radicais e os moderados” exemplificados nas figuras de Falwell e
Graham respectivamente. Lima argumenta que:
29A linha escatológica dispensacionalista aponta que há uma série de dispensações a serem cumpridas na
humanidade antes da segunda vinda de Cristo.
32
A década de 1960 foi crucial para a construção dessas posturas por parte dos
evangélicos. Para Marsden (2006, p. 240), assim como na Califórnia de Reagan, que
anos depois viria a ser o presidente adotado pelos fundamentalistas, “a revolução
contracultural acelerou enormemente uma sensação de alarme cultural não apenas para
sulistas brancos transplantados, mas também para muitos outros tipos de americanos”.
O patriotismo e a guerra do Vietnã foram os principais fatores que levaram Richard
Nixon a constatar que havia nos EUA uma “maioria silenciosa”, formada
essencialmente por evangélicos anticomunistas, que na guerra fria expressavam todo o
seu patriotismo, unindo-o a ideais religiosos. Foi nessa década que se consolidou o
pensamento maniqueísta que formava o ideário do lado “bom”, o qual era o “The
American Way of Life”, este frequentemente ligado a valores familiares e a uma herança
cristã; do outro lado os “comunistas ateus”, consequentemente inimigos de Deus e dos
valores familiares e da herança cristã. Esse ideário, que se constrói na década crucial de
1960, é o que irá nortear o movimento fundamentalista no decorrer dos anos vindouros.
As duas próximas décadas marcariam a reconstrução do fundamentalismo com
a fundação de novas congregações independentes que são as igrejas que formam o
INC30, termo consolidado no trabalho de Christerson e Flory (2017), que são igrejas
pentecostais, lideradas por figuras carismáticas que possuem uma capacidade grande de
mobilização de pessoas. O movimento The Send nasce dessa reconstrução do
fundamentalismo estadunidense.
Nessa linha do tempo fundamentalista que temos elaborado, não poderíamos
passar ao largo de alguns fatos importantes das décadas de setenta e oitenta. Iniciando
pela década de 1970, é muito importante destacarmos a campanha eleitoral de Jimmy
Carter. É nessa década que o movimento emerge com intensidade. No pós década de
1970, esse movimento ganha forma de lobby político e toma para si a expressão “Born
Again Christian”. Curiosamente, esta expressão ganha popularidade ao ser expressada
pelo democrata Jimmy Carter.
31 É a tradição que bebe diretamente da fonte da reforma protestante do século XVII. Dentro da
diversidade de seitas protestantes, o evangelicalismo se tornou a versão mais popular e inclui todas as
matizes do protestantismo.
32 O reavivamento remonta suas origens a movimentos de santidade que causaram algum impacto social.
Yet social reform was not really a secondary consideration; at least it might
not be dispensed with or substantially ignored. The assumption that
Christianity was the only basis for a healthy civilization was basic to
evangelical thinking—as essential as the belief that souls must be saved for
the life to come. Virtue among the citizenry, as almost all political
economists said, was the foundation of successful civilization, especially a
republican civilization. Religion was the basis for true virtue; the purer the
religion, the higher the morality. Christianity was the purest religion. The
supposedly self-evident superiority of Western civilization and especially
northern Europe was clearly due to the influence of Christianity and
Protestantism in particular (MARSDEN, 2006, p. 12).
39É um termo depreciativo originário dos Estados Unidos para pessoas brancas de baixo estatuto social
como operário, camponês, lavrador dentre outros.
39
missionário – ganha força com a junção de diferentes tradições e linhas dentro do que
conhecemos como protestantismo, como uma resposta ao modernismo.
Podemos dizer que o que juntou os grupos evangélicos aos fundamentalistas
radicais foi sua combinação de antimodernismo militante com participação em um
movimento maior que, apesar de sua mistura de elementos separáveis, possuíam algum
grau de unidade consciente. A ativa cooperação de tradicionalistas denominacionais
com os teologicamente inovadores dispensacionistas e defensores da santidade na
batalha contra o modernismo foi particularmente importante na formação de um
fundamentalismo distinto.
Esses tradicionalistas eram encontrados principalmente entre batistas e
presbiterianos. B. B. Warfield é um exemplo notável. Para Marsden (2006), a conexão
direta entre os dois movimentos era que vários importantes líderes fundamentalistas
vieram do sul dos EUA. Realizando uma ligação lógica, é relevante destacarmos que as
principais denominações protestantes chegam ao Brasil através de imigrantes do Sul dos
EUA, e após se instalarem no Estado Brasileiro – mais precisamente, no interior de São
Paulo, na grande região de Campinas, primeiramente, onde formam as primeiras Igrejas
Batistas, Metodistas e Presbiterianas, ainda compostas exclusivamente por
estadunidenses – demandam missionários às juntas de missões do Sul dos EUA. Para
citarmos o exemplo mais marcante, indicamos a demanda de missionários na junta de
Richmond, na Virginia, Estado do Sul, anteriormente derrotado na guerra de secessão
(1861-1865).
Marsden (2006) também reforça que o fundamentalismo era um mosaico de
tradições e tendências que se unem, porém de tempos em tempos defendem pautas
intensas, e esse modelo adaptativo do fundamentalismo estadunidense é exemplar.
Christerson e Flory (2017) retratam essa adaptabilidade dos líderes do INC, que de
tempos em tempos se juntam e se separam, trabalhando de forma bastante independente,
demonstrando certa semelhança com o movimento clássico fundamentalista. Nas
palavras de Marsden destacamos:
optimistic patriots; sometimes they were prophets shaking from their feet the
dust of a doomed civilization (MARSDEN, 2006, p. 43).
The early decades of the twentieth century were perhaps the years of greatest
enthusiasm for foreign missions and in this area Keswick's record was indeed
strong. J. Hudson Taylor (1832-1905), a Britisher who founded the China
Inland Mission in 1865, had become deeply committed to Keswick views.
The China Inland Mission became a model for independent and self-
sacrificing missionary work as well as a source for much of the later
fundamentalist agitation against liberalism in the mission fields. The Student
Volunteer Movement, originating out of Moody's Northfield conference, also
had close Keswick ties. Many impressive young men of the era responded to
these teachings by consecrating their lives to missionary service
(MARSDEN, 2006, p. 97).
This view of Scripture, which had been taught by Archibald Alexander at the
seminary’s inception, received its classic expression in 1881 when Archibald
Alexander Hodge and the young B. B.- Warfield published their famous
defense of the “inerrancy” of Scripture. This they took to be “the great
Catholic doctrine of Biblical Inspiration, i.e., that the Scriptures not only
contain, but ARE THE WORD OF GOD, and hence that all their elements
and all their affirmations are absolutely errorless, and binding the faith and
obedience of men.” Following the elder Hodge closely, they insisted that the
inspiration must extend to the words. “Infallible thought must be definite
thought, and definite thought implies words.” The result was “the truth to fact
of every statement in the Scripture.” (MARSDEN, 2006, p. 113).
A crença de que toda palavra contida na bíblia é ditada pelo próprio Deus e
ausente de erros devido a inspiração divina em cada letra da Escritura Sagrada, provoca
reações contra o suposto “modernismo” até os dias atuais, e faz com que temas como a
discussão de gênero, por exemplo, sejam taxados como construções humanistas que vão
contra a palavra ditada por Deus, revelada em um texto bíblico e inerrante. Isso tem
provocado anomalias potenciais, como os discursos emitidos por líderes evangélicos
participantes do movimento The Send, que estudaremos mais adiante.
Esse discurso não se limita ao terreno religioso; ele faz alianças políticas.
Vemos isso claramente nos EUA, com a conhecida e influente direita cristã, que possui
seu principal modo de luta que compõe sua ação política no terreno da moralidade.
Baseado na doutrina da verdade absoluta contida no texto bíblico, vemos crentes
patrocinando figuras políticas como o presidente Jair Bolsonaro e a ministra Damares
Alves, que discursaram no evento realizado pelo movimento The Send, no Brasil. Sendo
assim, reservamos um tópico específico para falar da organização político-religiosa
direita cristã, pois é um exemplo significativo dessa junção político-religiosa
impulsionada por um discurso não delimitado ao campo religioso.
43
permanente entre o mal e bem, de onde advém o conceito tão amplamente difundido nos
últimos tempos de guerra cultural. Para a autora Ruth H. Bloch, em seu capítulo no
compêndio organizado por Noll (2007), essa visão foi difundida pelos calvinistas que
migraram para o território da Nova Inglaterra como uma espécie de guerra contra Roma
e o catolicismo. O objetivo era forjar a conexão entre a Grã-Bretanha e o Anticristo.
Destacamos abaixo as palavras da autora:
Often combined with appeals to the covenant, and likewise involving the
Calvinist effort to define the perimeters of God’s people, was a Manichaean
tendency to polarize the world between the forces of God and the forces of
the Antichrist. A dualistic understanding of history as a struggle between
good and evil had as long a history in the colonies as covenant theology. By
the 1760s, both the conflicts of the Great Awakening and the anti-Catholic
crusade of the French and Indian War had reinforced the inclination of
American Calvinists to see themselves engaged in a cosmic battle with Satan.
Whereas references to the covenant typically appeared in sermons by New
England ministers, the Manichaean tendency to conceptualize the imperial
conflict in terms of good and evil appeared first within lay political argument
and popular patriot ritual as early as the mid-1760s. The symbolic link
forging the connection between Great Britain and the Antichrist was typically
the pollution of Roman Catholicism. In Boston and elsewhere, traditional
anti-Catholic Pope Day celebrations became occasions for dramatizing the
patriot cause. Orations, cartoons, and public hangings of effigies depicted the
royal ministers as in league alternately with the pope and the devil. Just as
these symbols and rituals characterized the royal government as the agent of
the Antichrist, other purifying rituals of fasting and abstinence from imported
British goods, along with appeals to the covenant, reinforced the connection
between American resistance and the legions of God (NOLL, 2007, p. 52).
Essa temática que mobiliza a ação da direita cristã é uma reação bastante
estruturada. Sendo assim, o foco de nossa análise é a compreensão deste lobby
religioso. Para Finguerut (2007, p.2), “sua formação provém dos anos do
anticomunismo, propondo então um foco na família e na hegemonia militar
estadunidense”. Apesar de uma forte influência, não são a maioria da população, não
passando de cerca de 25% do eleitorado hábil a votar. Na prática, o que vemos é que
essa “minoria estatística” de perfil branco, evangélico e rico, que clama por uma
“maioria moral”, assim como bem rotulou o pastor Jerry Falwell consegue, na hora do
voto, se articular. Bem sabemos que essa capilaridade é fruto do sistema de votação
estadunidense que não contempla uma pessoa, um voto, possibilitando que essa minoria
se articule e se torne um grupo de pressão, principalmente devido a seu poderio
econômico.
Sem contar que o grupo possui uma estrutura de mais de 70 mil igrejas,
centenas de canais de televisão e 1500 estações de rádio. Programas como os de Pat
Robertson (Clube 700) e de James Dobron (Focus on the Family), na televisão e no
rádio, respectivamente, atingem mais de um milhão de telespectadores em noventa
países com mais de 40 línguas diferentes e cinco milhões de ouvintes por semana
(FINGUERUT, 2007, p. 2), fazendo com que a propagação das ideias dessa ala
fundamentalista religiosa do partido seja extremamente ampla.
Um indicador que reforça esse poder da direita cristã é o que mede o quanto
ideais religiosos influenciam o eleitorado hábil a votar nos EUA. Mateo destaca que
“para 38% da população norte-americana, a religião influenciará diretamente na hora de
votar, indicador este que é mais proeminente entre republicanos (31%) que entre
democratas (20%)” (MATEO, 2011, p. 77). Sendo assim, para um percentual
47
feitos pelo Black Lives Matter40 é pedagógica quanto a presença da direita cristã em seu
governo, extremamente caricata e sem pudores, permeada por uma obsessão contínua
por permanecer no poder.
Sobre a presença da direita cristã nas administrações Trump, podemos concluir
que os fundamentalistas se reinventaram e sua sede de poder os fizeram dar passos mais
radicais durante a administração Trump, adotando o discurso mitológico/messianíco que
encontrou em Donald Trump a sua mais completa tradução. Movidos pelo entendimento
do quanto a religião civil que permite aos estadunidenses associar secularismo político e
religiosidade social, a ala fundamentalista do partido republicano se “Trumprizou”,
provocando rachas inclusive dentro da direita religiosa e o maior exemplo disso é o
próprio presidente George W. Bush, que não apoiou a administração Trump e já na
administração Biden marcou presença em sua posse validando o novo governo como
legitimamente eleito. Lembremos que Trump não reconheceu a sua derrota, trazendo à
tona notícias falsas sobre o processo eleitoral.
O que vemos na trajetória da direita cristã é que ela foi a forma encontrada
pelos fundamentalistas de moderarem o seu extremismo político, e serem mais bem
aceitos pelo establishment. Quando viram em Trump a possibilidade de uma via
extremamente radical, eles abraçaram a ideia mesmo que perdendo quase todo o apoio
dos conservadores políticos e religiosos dentro do partido republicano. O movimento
The Send é uma expressão evidente dessa nova fase extremamente radical do
fundamentalismo estadunidense, refletido não mais em uma direita, mas em uma
extrema-direita antidemocrática que atrelam suas expressões de fé em figuras que pouco
representam o discurso contracultural de conservadores.
40 Movimento nascido em reação às brutalidades policiais cometidas contra jovens negros nos EUA.
49
todo. Porém, ao que nos parece, essa influência é evidente e exposta ao olhar de
qualquer observador médio.
Tal influência é vista na mídia de forma geral, na música, e no modo de se
vestir da juventude, e talvez a religião seja o espaço onde ela mais se consolide. O fato é
que os estadunidenses encontram acolhida nas expressões religiosas desenvolvidas no
território brasileiro.
Sendo assim, o nosso trabalho nos leva a constatação de que o discurso
fundamentalista evangélico estadunidense influenciou o evangelicalismo de tal forma
que necessitamos analisar os componentes que influenciaram os evangélicos brasileiros,
do mais fervoroso pentecostal ao calvinista mais racional. Essa influência perpassa o
ideário da teologia política da direita cristã estadunidense: o ideário fundamentalista.
Para Yamabuchi (2009), esta influência já vem desde os primeiros imigrantes
que se instalaram em território brasileiro. Eles, segundo o autor, trouxeram consigo uma
grande influência de sua cultura, dando origem a igrejas batistas e presbiterianas no
território brasileiro. Falando especificamente dos batistas, o autor ressalta:
organizado por ele, fica demonstrado que essas tensões eram evidentes no início da
república estadunidense, onde claramente existia uma diferença entre aqueles que viam
nos EUA religioso um novo Israel, e aqueles que optaram por não misturar religião e
república.
Feita essa digressão, destacamos que a primeira reunião denominada de
fundamentalista nasceu em 1919, mais precisamente no mês de maio. Dessa reunião,
nasceu, conforme Marsden (2006), um genuíno sentimento de um reavivamento, como
os acontecidos no século anterior em Chicago, liderados por aquele que, nas palavras de
Marsden, foi um dos primeiros líderes de um movimento fundamentalista organizado
por Dwight L. Moody.
É importante destacarmos que os primeiros colonos do Sul dos Estados Unidos
já haviam se estabelecido há algum tempo no território brasileiro, porém a ligação dos
colonos com as igrejas americanas que já começavam a sofrer as primeiras influências
fundamentalistas e Moody é o principal evangelista considerado por Marsden (2006) a
liderar o que viria a se tornar em um movimento organizado, foram ligações que nunca
deixaram de existir, a junta batista de Richmond no estado da Virgínia, é o ele mais
longevo desta ligação dos colonos americanos com seu país, foi através da junta de
Richmond por exemplo que os primeiros missionários estadunidenses chegam ao Brasil
a pedido dos primeiros colonos.
Após o estabelecimento dos primeiros colonos sulistas no Brasil, diversos
missionários americanos vêm ao Brasil, a pedido dos próprios colonos, ainda no século
XIX. Ademais, um olhar atento à forma de expansão missionária promovida pelos
norte-americanos nos leva a constatação de que, geralmente, ela está marcada pelo
processo de expansão colonialista. Ao analisar os teóricos dos estudos Pós-Coloniais,
Nascimento destaca que “a maioria desses autores vincula o trabalho missionário com
os movimentos de expansão colonialista, assegurando serem interdependentes. Para
eles, as ‘missões’ foram parceiras nestes projetos etnocêntricos que conduziram à
aniquilação de culturas locais” (NASCIMENTO, 2010, p. 14).
O “espírito”, no sentido Weberiano (2004), que movia grande parte do trabalho
missionário era, de fato, o colonialista, que olha para o evangelizado de cima para
baixo, impondo-lhe o modo correto de exercer sua fé. Não é possível fazermos uma
ligação direta com a forma que o movimento fundamentalista se torna um movimento
político, porém é evidente a maneira com que o processo de evangelização se deu ainda
no século XIX. A pedido dos colonos estadunidenses, o Brasil recebe missionários
51
Podemos ver que desde a primeira legislatura as eleições de 2018 foram as que
mais elegeram parlamentares evangélicos, sempre lembrando que ser parlamentar
evangélico não implica necessariamente em fazer parte da bancada evangélica. Porém, o
crescimento da bancada é evidente, e a multiplicidade de partidos que a compõe é um
reflexo à fragmentação das próprias igrejas evangélicas.
No Brasil atual, identificamos que a maior similaridade com a direita cristã do
Partido Republicano no parlamento é a atuação da frente parlamentar evangélica, com
um destaque para um partido. Segundo Valle (2018), o PSC (Partido Social Cristão),
ligado a denominação evangélica Assembleia de Deus, se posiciona ideologicamente à
direita, com a junção de liberalismo econômico e conservadorismo político, com
destaque para a atuação do deputado federal Marco Feliciano e a candidatura à
presidência da república de Pastor Everaldo, em 2014. O partido é o que melhor
representa a atuaçã o da direita cristã estadunidense no Brasil, atuando principalmente
no terreno da “defesa da família”.
No mandato de Bolsonaro, é claro, a presença de uma direita cristã Trumpista
se evidenciou no Poder Executivo. Desde a presença do Capitol Ministries vindo ao
Brasil e contatando diretamente ministros de estado42, até mesmo a própria atuação de
ministros como Damares Alves e Milton Ribeiro, que propõem políticas de estado como
43 Disponívelem: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2020/01/30/proposta-de-damares-de-
abstinencia-sexual-de-jovens-vira-como-complementar-mas-especialistas-veem-riscos.htm. Acesso
realizado em: 30 de novembro de 2021.
54
Após isso, já na segunda metade do século XX, o que Campos (2017, p.7)
destaca ser uma espécie de “complemento ao movimento missionário iniciado no século
anterior”, fez se estabelecer no Brasil diversos projetos de igrejas, denominações e
grupos evangélicos independentes dos EUA, que vêm ao Brasil e a todo o continente
americano com o objetivo de salvar o continente, como bem exemplifica em sua obra
“Os demônios descem do Norte”, de 1987, escrito por Delcio Monteiro Lima. Esses
pregadores ligados a movimentos independentes passam a influenciar opiniões e
comportamentos fazendo apelos à conversão religiosa e moral, promovendo eventos de
massa (como o The Send) com ênfase em orações, curas e exorcismos. Estes grupos
possuíam apoio econômico de milionários conservadores44 estadunidenses, e passaram a
utilizar programas de rádio, televisão, as ruas e praças para divulgar a sua mensagem de
conversão.
Sobre a intersecção possível entre fundamentalismo e pentecostalismo, que é o
movimento mais significativo e presente no Brasil de espectro protestante, Baptista
polemiza e constata que:
44Foram empresários do petróleo, os irmãos Stewart, que financiaram a publicação da série The
Fundamentals, no início do século XX – marco decisivo do movimento fundamentalista originário,
conforme destaca Marsden (2006).
55
Campos (2017) reforça que primeiramente existia uma certa resistência dos
fundamentalistas em reconhecerem o pentecostalismo como um movimento válido
devido aos seus apelos emocionais. Porém, é evidente que o pentecostalismo adere a
doutrina da inerrância como uma saída para o pentecostalismo agregar doutrina a sua
forma religiosa.
Essa aderência dos pentecostais aos fundamentalistas, ou
neofundamentalistas45, gera uma ação militante, mas não só em uma cruzada pela moral
cristã com o objetivo de salvar a pátria. Nas palavras de Souza (2013), destacamos:
45Termo que também tem sido usado pelos pesquisadores para se referir a segunda onda fundamentalista,
representada no contexto protestante estadunidense principalmente por Jerry Falwell e Pat Robertson, a
partir da década de 1970 com a inserção e atuação política, em uma reaparição no cenário estadunidense.
No presente trabalho adotamos o termo “fundamentalista” devido a sua maior amplitude.
56
Outra questão que deve ser colocada em pauta para a revisão é o conceito de
fundamentalismo aplicado ao neopentecostalismo. Isso tem sido feito talvez
por falta de observação e equívoco quanto ao sentido de fundamentalismo.
Os neopentecostais não usam o texto bíblico primordialmente como
repositório da verdade, mas como motivação para a prédica e a prática. A
Bíblia, para eles, parece ser um repositório de "contos exemplares". Não se
nota entre eles, nessa prática, o dogmatismo típico do fundamentalismo e
nem mesmo tentativa de imposição de verdades literais. Fazem, sem dúvida,
leituras literais da Bíblia, mas com sentido ilustrativo. Reconhecemos a
necessidade, entretanto, de observar melhor a prática bíblica neopentecostal,
mas pode ser equivocado incluí-los simplesmente entre os fundamentalistas
(MENDONÇA, 2004, p. 75).
Where does this leave us? I suggest that interpretation of the genesis of the
religion clauses of the Constitution, including Article VI, section 3, and the
two provisions in the Bill of Rights, must start from recognition of the major
objective of which they were a secondary expression. This was the overriding
preoccupation of the founders with designing and achieving an adequate
57
Os pais fundadores entendiam que a religião era parte da nova sociedade que se
formava, porém, a preocupação primordial dos fundadores era neutralizar a religião
como um fator que poderia prejudicar as conquistas de um governo federal. É diante
desses princípios que as novas colônias se colocam, todavia, o fato é que a religião
protestante não deixou de ter um espaço de destaque na nova federação, apesar do
desejo dos fundadores de que a religião fosse uma entre muitas instituições sociais e
atividades culturais, a partir das quais a nova nação seria formada.
Isso posto, é significativo destacarmos que para estudiosos como Marsden
(2006), fundamentalismo é sinônimo de extremismo. É sinônimo de presença religiosa
no Estado, que legisla conforme os interesses de um grupo extremista radical que impõe
sua agenda sobre os demais, o que na prática é uma grande contradição em termos, visto
que o maior pilar defendido pelo modelo de democracia liberal estadunidense é a
liberdade. A partir do momento em que entes religiosos legislam sobre todos impondo
sua cosmovisão, outras expressões são cerceadas, perseguidas e não têm o direito de se
consolidar em um espaço de liberdade de crença.
É necessário destacarmos que, assim como nos EUA, o componente religioso
se faz presente e constitui um aspecto essencial da população brasileira. No Brasil, a
religião sempre ocupou o espaço público, mesmo após o processo de redemocratização
que fincou bases laicas, em especial, na constituição de 1988. Nas palavras de Oro:
espaço público [...] com destaque para o cristianismo, com suas doutrinas,
valores, imagens e símbolos. Ou seja, o religioso, em suas várias formas e
expressões, se impõe como um ator, ao lado de outros, que constituem, não
sem tensões, a complexidade do espaço público” (ORO; STEIL; CIPRIANI;
GIUMBELLI, 2012, p. 13). (ORO, 2016, p. 51)
Se, por um lado, não nos compete julgar nem os autores nem as posições
teóricas anunciadas, sendo epistemologicamente mais prudente considerá-las
como perspectivas complementares, mesmo que antagônicas, uma vez que,
nas ciências sociais, mais do que verdades ou leis, avançamos sempre
posicionamentos analíticos incompletos e inacabados, por outro lado, atendo-
nos mais especificamente ao vivo do sujeito que nos ocupa, sugerimos, com
outros autores, que, relativamente ao nosso país, a religião, e tudo o que ela
representa, tem sido, histórica e presentemente, um componente não
negligenciável da constituição da esfera pública nacional, ao lado de outras
instâncias sociais. (ORO, 2016, p. 55)
denominações evangélicas brasileiras, que foram influenciadas por uma visão idealizada
de mundo. Construída no sul dos EUA, o modelo de igrejas foi replicado no Brasil e o
ideário difundido através de mídias, tanto impressa, como televisão e rádio.
Também destacamos que o movimento fundamentalista se consolida entre os
imigrantes nos EUA, essencialmente vindos da Europa. Já no Brasil, essa influência
fundamentalista irrompe as etnias e as classes sociais, tornando-se uma influência
presente em todas as principais denominações do protestantismo, assim como do
pentecostalismo/neopentecostalismo dominante no território brasileiro.
Nos EUA, todavia, o movimento fundamentalista pós 1925, irá assumir três
formas nas grandes denominações que se assumem fundamentalistas mesmo não
conseguindo impor-se contra as ondas modernistas, grupos fundamentalistas crescem
em denominações que não eram fundamentalistas e os mais radicais passam a fundar
suas próprias igrejas de cunho fundamentalista.
Sendo assim, nos EUA, por volta dos anos 1960, essa ala mais radical que se
fechou no seu núcleo, foi a ala que tomou para si o termo fundamentalista e passou a ser
conhecida pela sociedade estadunidense. A partir desse momento, se associa de vez a
expressão “fundamentalismo” a um radicalismo, anticientífico e negacionista. É
interessante a contribuição de Marsden (2006), o qual destaca que mesmo os grupos
mais moderados, que eram identificados com o fundamentalismo dos anos 1920,
escolheram ser classificados por um novo termo, “evangélico”. Alguns traços desses
grupos ainda possuem tendências controversas, iguais às do grupo radical que toma para
si o termo.
O fato é que se vê uma relação ganha-ganha entre os religiosos e os políticos
seculares nos EUA, pois essa união também se deu no Brasil, e o movimento The Send,
em seu evento no Brasil, demonstrou isso de forma explícita. O que vemos é um uso de
ambos os lados: o político usa o religioso e o religioso usa o político. É claro que isso
não é uma especificidade do governo Bolsonaro. Ano após ano os púlpitos das igrejas,
principalmente pentecostais/neopentecostais, viram palanques políticos47.
47Vide o exemplo da inauguração do templo de Salomão em São Paulo, no dia 31 de julho de 2014. Tal
inauguração é um exemplo dessa relação de “ganha-ganha”, quando contou com a presença, na época, da
Presidente Dilma Rousseff (PT) e seu vice, Michel Temer (PMDB), o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB) – os três, candidatos à reeleição em outubro do mesmo ano –, além do então prefeito de
São Paulo, Fernando Haddad (PT). Disponível em:
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/inauguracao-de-templo-vira-culto-com-politicos-e-
ofertas,1c28de4663f87410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html. Acesso realizado em: 1 de outubro de
2021.
62
49 Disponível em: CUNHA, Magali. Lobos devoradores. 2018. Acesso realizado em: 2 de outubro de
2021.
50 Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/08/23/milton-ribeiro-veja-frases-do-
52 Disponível em: G1 - Mike Pence, o conservador vice de Donald Trump - notícias em Eleições nos EUA
2016 (globo.com). Acesso realizado em: 2 de outubro de 2021.
53 Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/veja-os-principais-nomes-da-equipe-de-governo-
O movimento The Send, apesar ter sido trazido para o Brasil e de ter feito suas
adaptações ao modelo brasileiro de pressão política, como é evidente no evento de
fevereiro de 2020, possui maiores similaridades com a maneira fundamentalista de agir
dos estadunidenses, pois eles propõem a formação de lideranças cristãs no pós-evento,
inclusive lideranças políticas, o que sai um pouco do formato de pressão usual no Brasil
ainda atualmente: eleger pastores a cargos legislativos e executivos. Sendo assim, no
próximo capítulo buscaremos realizar intersecções entre o movimento fundamentalista e
o The Send.
66
sociedade civil e temos usado a sociedade estadunidense como parâmetro, visto que
podemos afirmar que o evangelicalismo estadunidense evangelizou os brasileiros e em
muitos aspectos os doutrinou a sua imagem e semelhança.
Abaixo destacamos as palavras de Silva (2016) que reforçam como o
fundamentalismo consegue se adaptar ao mundo das mídias e como fazem uso delas
para se comunicar com as populações. Em suas palavras:
Porém, diversos nomes surgem no contexto dos EUA como um forte apelo
fundamentalista, principalmente a partir da eleição de Jimmy Carter, em 1976. O
principal nome é Jerry Falwell e a sua maioria moral. Realizando um uso massivo das
mídias sociais, Falwell e outros nomes como o candidato à presidência, Pat Robertson,
se lançaram e ocuparam esse espaço de influência e trânsito principalmente com o
Partido Republicano estadunidense.
O The Send, conforme temos destacado, é um movimento que nasce neste
contexto nos EUA, aparecendo muito depois desses nomes que ficaram conhecidos
como os principais expoentes do fundamentalismo. Após o governo George W. Bush,
onde ele próprio foi uma figura que representava esse movimento, é que nascem outros
movimentos como o The Call, de Lou Engle, que há cerca de 20 anos mobilizou jovens
em estádios, como ocorre no The Send.
O alcance que o movimento demonstra só foi possível pois é a junção com
agências como a JOCUM, uma expoente do pensamento fundamentalista para os
cristãos que possui capilaridade, espaços físicos de treinamento de jovens para fazer
“missões”, onde eles passam por esses ambientes recebendo uma doutrinação
fundamentalista, pois conforme temos destacado tal cosmovisão se faz presente na
maior parte das denominações evangélicas.
É devido a esse histórico que definimos o The Send como o New Shape do
movimento fundamentalista. Ele é a forma que líderes extremistas cristãos conseguem
propagar suas crenças de superioridade com um formato jovial e descolado, cheio de
música, tatuagens, roupas da moda, porém com observâncias e crenças que não são nada
69
Foi C. Peter Wagner quem cunhou o termo “Nova Reforma Apostólica”60 para
descrever esses líderes que compõem essa “rede carismática independente”
(Independent Network Charismatic), conforme destacam Christerson e Flory (2017).
Para Wagner, esse movimento, de fato, representa uma grande mudança no modo como
os cristãos estão organizados, por isso ele criou o nome “Nova Reforma Apostólica”,
rememorando o movimento da reforma protestante, apesar de muitos desses grupos não
se identificarem com a nova reforma, a dinâmica seguida por todos eles, é basicamente
a mesma.
Wagner, com a Nova Reforma Apostólica, propõe um novo modo de
organização dos movimentos independentes. Destacamos suas palavras:
Christerson e Flory (2017), destacam em seu livro que os líderes que compõem
a INC, aqui estudados e ligados ao movimento The Send, não necessariamente se
identificam com a Nova Reforma Apostólica, apesar de que os líderes identificados com
a NAR também compõem a INC. Para os autores, essa rede de pregadores
independentes é a que mais cresce nos EUA. Em suas palavras:
We think that INC Christianity is important, not only because of its numbers
and growth rate, but because it represents a new form of Christianity that could
reshape the global religious landscape for years to come. It has unique features
that, although not entirely new, have not been seen on the such a large scale
before. Organizationally, it is composed of networks of dynamic individual
leaders rather than of congregations and denominations. These leaders are
adamant that their goal is not build a “movement” or “organization” but rather
to exert their influence through media, conferences, and their relationships
with other individual leaders in religious and secular professions. Thus it is not
a “church,” “movement,” “sect,” or “denomination.” These suggest a level of
formal organization that simply does not exist in INC Christianity. Rather,
INC Christianity is at its core simply does not exist in INC Christianity.
Rather, INC Christianity is at core simply a collection of strong leaders who
know each other and combine and recombine for specific projects, but who are
functionally independent of one another. (CHRISTERSON E FLORY, 2017,
p. 10).
Ao que nos parece, o The Send é exatamente uma combinação desta rede de
pregadores independentes que “combinam e recombinam” projetos específicos. A
respeito da legitimidade destes grupos, os autores afirmam que “esses líderes ganham
sua legitimidade e influência por suas habilidades de acessar o poder sobrenatural para
produzir “sinais e maravilhas”, ao invés de terem habilidade oratória, credenciais
acadêmicas, ou posição hierárquica (tradução livre do autor) ”61. Os autores ressaltam
que é um tipo de legitimidade conquistada através do carisma, no sentido Weberiano, o
que não é uma regra, pois podem existir líderes que também possuem essas
características.
Para os autores aqui destacados, os seguidores dos grupos que estamos
estudando não são necessariamente membros de congregações no sentido tradicional.
Os autores destacam que eles geralmente vivem pulando de conferência em conferência,
escolas de ministério à escolas de ministério, e definem sua fé mais pelas práticas e sua
fidelidade a líderes individuais do que por sua conexão com uma congregação, grupo ou
tradição.
A análise de Christerson e Flory (2017) nos é rica porque ela olha para esses
grupos a partir do seu diferencial em relação ao cristianismo. Os autores destacam que
os grupos aqui destacados possuem um produto que nenhum outro grupo conseguiu
produzir em uma sociedade de mercado. Em suas palavras:
Our analysis suggests that INC leaders have expanded their “market share”
because of their innovative structures, unique “product” offerings, and
inventive methods of marketing and financing their activities, all of which
61“These leaders gain their legitimacy and influence form their perceived ability to access supernatural
power to produce “signs and wonders” rather through speaking ability, educational credentials, or
position in a hierarchy.” (CHRISTERSON E FLORY, p.11, 2017)
76
Os autores também destacam que essa rápida expansão de mercado dos líderes
INC se dá devido a uma conjuntura social única que emerge nos EUA e nos países em
desenvolvimento pós década de 1970. Eles mostram três mudanças sociais que
colaboraram para o sucesso desses grupos:
Wimber, por outro lado, livre da necessidade de controle imposta pela Calvary,
continuou com sua abordagem muito mais experimental do Espírito Santo, e o número
de pessoas que se achegam ao movimento liderado por ele aumentava
consideravelmente. Além disso, Wimber começou a lecionar uma matéria em conjunto
com C. Peter Wagner, no seminário Fuller. Christerson e Flory destacam o conteúdo
dos ensinos de Wimber:
In this course, Wimber would lead students in the practices of prophecy and
healing. Typically, he would ask the class to be quiet and listen for God to
speak to them. Often a student would report that God revealed something
specific about somebody whom He wanted to heal. Wimber would ask if
anyone in the class fit that description. They would then ask that God heal the
person. According to reports, many students themselves were healed from
physical ailments during this class (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 21).
Jacobs introduced Wagner to the idea of praying not only for healing and
deliverance of individuals from demoniac forces but for cities and nations as
well. This led Wagner to explore the possibility that certain nations and
populations that are resistant to Christianity may be under the influence of
national or “territorial” demoniac forces (CHRISTERSON E FLORY, 2017,
p. 28).
62 Os cessacionistas acreditam que os dons do Espírito Santo foram interrompidos na época dos apóstolos.
79
se mudam para Colorado e junto com Haggard, constroem o World Prayer Center no
campus da New Life Church. A parceria com Haggard durou até 1998, quando o pastor
foi pego em um escândalo com prostitutas e drogas.
During this period, beginning in the late 1990s, Wagner began to explore the
idea that the growth of Pentecostal/Charismatic churches globally was due
not only to accessing the power of the Holy Spirit, but also because of the
way they were governed. Wagner notes that the leaders of these churches and
organizations were strong, independent, de entrepreneurial people who were
not governed by boards or denominational structures. He began to theorize
about “apostolic” leadership, which meant that those with charismatic
authority (in the Weberian sense) were being given the freedom to innovate
and lead without organizational constraint in many neo-Charismatic
churches. Wagner then coined the term “New Apostolic Reformation” (NAR)
to describe this shift from denominational to apostolic leadership in the neo-
Charismatic movement worldwide, which he saw as a religio-cultural shift as
dramatic as that of the Protestant reformation (CHRISTERSON E FLORY,
2017, p. 30).
Wagner and his apostles teach that the kingdom of God can and will be
founded on earth through the rise of apostles who will establish themselves as
leaders in the “Seven Mountains of Culture”: religion, education, family,
media, arts and entertainment, business. They also assert that Christian
believers will soon be the recipients of “the largest transfer of wealth in the
history of mankind,” which they will use to bring about transformation of the
world. (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 31)
During that year, 1994, the Toronto Blessing was in full swing at the Airport
Vineyard in Toronto, which Ahn and others in his circle had visited.
Beginning in April 1995, Ahn´s church began to experience a similar
80
“visitation” of the Holy Spirit, including the same visible manifestations such
as laughing, crying, shaking, and falling in the Spirit. Like the Toronto
Blessing, Ahn´s group began to hold nightly meetings (CHRISTERSON E
FLORY, 2017, p. 32).
Em 1995, Wimber pediu para que Che Ahn parasse com a benção de Toronto
ou se desfiliar da Vineyard. Ele escolheu se desfiliar, nove meses depois de sua filiação.
Soon after, Cindy Jacobs approached Che with a word from God that he
should start a network of churches. Che believed this was God speaking to
him, and ten months later he launched Harvest International Ministries
(HIM), in October of 1996 (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 32).
Classes include practical courses on how to pray for healing, how to deliver
someone from demoniac presence, and how to receive prophetic words
directly from God. BSSM students regularly go out into the Redding
community and practice these techniques in shopping centers, parks, and
81
other public places. Students enroll initially for a one-year program. If they
show promise and maturity, they are asked to complete a second year. Only a
small number are asked to complete a third year, which is a yearlong ministry
internship for those are being groomed for leadership (CHRISTERSON E
FLORY, 2017, p. 36).
O BSSM fez da Bethel uma mega igreja. Assim como Che Ahn, Johnson não
tem interesse em construir uma denominação ou um movimento. Ele não é mais o “head
pastor”; o seu filho é o pastor e ele passa a maior parte do seu tempo fazendo trabalho
apostólico, disseminando sua visão e influência ao falar em conferências e se
encontrando com outros apóstolos e pastores. Ele viaja 125 dias por ano com membros
da Revival Alliance.
Outro nome importante do INC é Mike Bickle, líder da International House Of
Prayer. Ele afirma ter recebido profecias de um dos profetas de Kansas City: Bon
Jones. Em Anaheim Vineyard, Bickle é ativado para buscar os dons do Espírito Santo. A
relação entre Bickle e Wimber se intensifica e os dois passam a realizar conferências
juntos, inclusive com os profetas de Kansas City.
After the break with the Vineyard, Bickle started a 24/7 prayer movement, as
predicted by Bob Jones, “in the spirit of the tabernacle of David, with singers
and musicians,” which was to become IHOP. He also left the Metro Christian
Fellowship in order to start Forerunner Christian Fellowship, the church of
which he currently is the head pastor and that currently has 5,000 attendees
each Sunday. After Wimber´s death in 1997, the new Vineyard leadership
dissociated themselves completely from Bickle and the Kansas City Prophets
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 40).
There are a number of similarities that tie these four INC leaders and their
ministries together. Using the conceptual categories of the “religious
economy” paradigm, they have 1) organizational structures, 2) products, and
2) marketing and funding techniques that are quite different from the “new
paradigm” neo-Charismatic groups that Miller (1997) described, as well as
from other traditionally organized religious groups (CHRISTERSON E
FLORY, 2017, p. 41).
82
Estes nomes foram os principais nomes do INC. Todos eles tiveram vínculos
com Wimber, que morreu em 1997. Podemos concluir que Wimber e Wagner são os
idealizadores do INC. Em relação ao trabalho em equipe e a cooperação que existe entre
os líderes carismáticos, os autores Christerson e Flory, destacam:
The headline speakers of the conference – Lou Engle, Bill Johnson, Heidi
Baker, Cindy Jacobs, Che Ahn, Georgian Banov, Dutch Sheets, Todd White,
and Daniel Kolenda regularly appear together at conferences all over the
world. They each not only lead their own churches and ministries but also
provide “apostolic covering” for network of other churches and ministries
that they do not supervise. They all have reputations of producing miraculous
“signs and wonders” (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 50).
Lou Engle, Todd White e Daniel Kolenda são, inclusive, 3 dos 7 colaboradores
principais do The Send. Essa forma de ligar as redes de contato é feita de forma
espontânea, muitas vezes, inclusive, sem a necessidade de se assumir compromissos
com doutrinas como é o caso das denominações tradicionais. Nas palavras dos autores,
novamente destacamos:
Leaders of the fastest-growing INC groups are consciously trying to opt out
of the cycle of routinization of charisma through a networked form of
governance that they call apostolic leadership. Under a networked structure,
charismatic leaders are free to do what they do best: inspire people through
their heroic acts, innovative thinking, and ability to access supernatural forces
to produce the miraculous. Networks of charismatic leaders also, according to
proponents, solve the problem of sustaining a large movement over time.
Instead of a single charismatic leader´s creating a bureaucratic-legal
organization to live on beyond his or her lifetime, groups of charismatic
leaders can form a decentralized network that is not dependent on any one
leader. Thus when one leader dies or loses his or her following for some
reason, his or her followers can simply migrate to another leader in the
network – moving from one charismatic apostle to another. New apostles are
constantly incorporated into the network, bringing new energy and followers
of their own, so that, over time, one generation of apostles in the network is
replaced by younger apostles (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 71).
O modelo de rede permite que líderes com carisma possam se juntar para
projetos particulares, com a capacidade de mobilização de pessoas de cada um, ao
mesmo tempo que mantém a sua autonomia para experimentar e inovar com novas
crenças e práticas.
Para muitos jovens, esse modelo dinâmico em conformidade com as
sociedades capitalistas substitui o modelo tradicional de igreja. Os autores destacam
isso ao analisar uma das entrevistas feitas com jovens, em suas palavras: “Para muitos
dos amigos de Kaitlyn, oração, eventos de adoração, conferências, viagens missionárias,
escolas de ministérios (como JOCUM, Betel e IHOP), e conteúdo de internet
substituíram o envolvimento em congregações físicas. ”63
As INC produzem uma “experiência” aos jovens que as igrejas e denominações
tradicionais não propiciam. Nos eventos dos INC, os jovens são treinados para orar,
expulsar demônios de pessoas nas ruas, realizam atividades voltadas aos carismas
espirituais. A falta de estruturas formais de liderança em grupos INC e o fato de que
eles não são organizados principalmente em torno de congregações ou serviços
dominicais, abre possibilidades para mais participação do que seria o caso em um grupo
religioso denominacional tradicionalmente organizado.
Este é o contexto que emerge o movimento The Send, destas organizações
evangélicas flexíveis que possuem uma alta capacidade de adaptação às mudanças do
capitalismo. Com ênfase nas expressões do Espírito Santo, esses grupos possuem uma
cosmovisão fundamentalista de mundo e o que vemos é uma proximidade destes líderes
com políticos de direita nos EUA, o mesmo comportamento que vemos em seus
representantes brasileiros. É essa expressão carismática ousada que possibilita a esses
líderes autoritários formarem verdadeiros impérios onde sua palavra não é questionada,
pois ele as chancela manipulando o sobrenatural. Vemos nesses grupos que compõem o
The Send uma contradição muito grande, pois ao mesmo tempo que a fala do líder não
pode ser questionada e deve ser obedecida, vemos uma baixa fidelização das pessoas a
um líder específico, pois a rotatividade dentro destes grupos é bastante elevada também.
O fato é que a crença fundamentalista permeia em grande parte esses grupos,
assim como a manipulação do sobrenatural são fatores que distinguem os ajuntamentos
63 For many of Kaitlyn´s friends, prayer and worship events, conferences, mission trips, ministry schools
(like YWAM, Bethel, and IHOP), and web-based content have replaced involvement in brick-and-mortar
congregations. (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 41, tradução nossa no corpo do texto).
84
que compõem essa complexa rede de líderes carismáticos independentes, os quais são
responsáveis pelo movimento The Send aqui estudado.
Atrás destes grupos existe um motor que possui algumas denominações
diferentes. O movimento The Send, opta por chamá-lo de Seven Mountains Culture.
Nós, todavia, encontramos e enxergamos sua origem na Teologia do Domínio, e é sobre
ela que reservamos o próximo tópico do vigente capítulo.
INC leaders are also distinctive in their beliefs and practices. They emphasize
practice over belief, and those practices they deem most important are largely
absent from traditional Protestantism. Specially, prophecy (receiving direct
words from God), physical healing, and deliverance from evil spirits are the
practices that define most INC practitioners. Many (though not all) INC
leaders are also postmillennial in their theological orientation, meaning that
they believe that the power of God is available now to usher in the “new
kingdom of God,” creating a heaven on earth in the here and now. This
postmillennial utopianism is a break from classical Pentecostal theology,
which is focused on building up the church and savings souls for next life
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 11).
INC64 beliefs, however, are different. Most INC Christian groups we studied
seek to bring heaven or God’s intended perfect society to Earth by placing
“kingdom-minded people” in powerful positions at the top of all sectors of
society. These “seven mountains of culture” include business, government,
media, arts and entertainment, education, family and religion. In this form of
“trickle-down Christianity,” they believe if Christians rise to the top of all
seven “mountains,” society will be completely transformed.65
Importa registrar que neste trabalho o olhar é voltado para a relação entre
evangélicos, política e mídias interpretando-a como um fenômeno cultural.
Joanildo Burity (2016) chama a atenção para isto, quando reconhece que como
a cultura é mais do que o modo de vida de um grupo, sendo campo de disputas
pelo horizonte de uma ordem alternativa, a religião não veio apenas ocupar um
lugar no espaço público, mas construir o que denomina religião pública. Nesta
compreensão, não apenas a religião se projeta para além da fronteira do
privado, por meio da vivência pessoal e coletiva, das práticas religiosas
informais e institucionalizadas, mas se torna uma ação coletiva, no espaço
público, como cultura e como discurso sobre valores. Daí ter se tornado uma
religião pública (CUNHA, 2019, p. 5).
86
Isso posto, destacamos que o termo religião pública é o que melhor define o
interesse de parte significativa dos evangélicos tanto nos EUA como no Brasil. Dado
este importante parêntese, amarramos novamente com o entendimento de como nasce a
teologia norteadora do fundamentalismo evangélico, a qual é a teologia do domínio que
tem suas origens pouco debatidas e pouco exploradas, tanto pelos teólogos como pelos
cientistas da religião, pois é um tipo de teologia que não é sistematizada. Porém, que se
faz presente entre os evangélicos. Marsden narra o ponto de inflexão entre os
evangélicos e os fundamentalistas. Em suas palavras:
So the idea behind it theologically is that they believe that they need to retake
the dominion that Satan stole from Adam in the Garden of Eden. Now, since
Jesus came, now they believe that they can retake that dominion and advance
the kingdom of God socially, not just making individual converts. They are
advancing the idea of what they call the “seven mountais mandate.” The
seven mountains are seven sectors of society-family, government, arts and
entertainment, media, business, education, and religion, and Christians are
supposed to permeate each mountain and rise to the top of each mountain.
They believe if Christians permeate each mountain and rise to the top of all
seven mountains, then society will be completely transformed. Society would
have biblical morality, people would live in harmony, there would be peace
and not war, there would be no poverty. It´s really almost a utopian vision
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 91).
68 “porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos
lugares celestiais. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e,
havendo feito tudo, ficar firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e
vestida a couraça da justiça, e calçados os pés na preparação do evangelho da paz; tomando sobretudo o
escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno. Tomai também o
capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus. ” (ARC: Almeida Revista e
Corrigida)
91
Para os autores Christerson e Flory (2017), o fator que mais atrai jovens para
os grupos INC é a promessa de não simplesmente ver indivíduos serem salvos ou
curados, mas a possibilidade de participar de uma transformação social. Os jovens
evangélicos, segundo os autores, possuem o interesse de participar da possibilidade de
promover justiça social. Diferentemente dos grupos tradicionais evangélicos, que
possuem ministérios de auxílio e serviço social, os grupos INC oferecem aos jovens a
possibilidade de “trazer o céu a terra”. Nas palavras dos autores:
So the idea behind it theologically is that they believe that they need to retake
the dominion that Satan stole from Adam in the Garden of Eden. Now, since
Jesus came, now they believe that they can retake that dominion and advance
the kingdom of God socially, not just making individual converts. They are
advancing the idea of what they call the “seven mountais mandate.” The
seven mountains are seven sectors of society-family, government, arts and
entertainment, media, business, education, and religion, and Christians are
supposed to permeate each mountain and rise to the top of each mountain.
They believe if Christians permeate each mountain and rise to the top of all
seven mountains, then society will be completely transformed. Society would
have biblical morality, people would live in harmony, there would be peace
and not war, there would be no poverty. It´s really almost a utopian vision
(CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 91).
entendimento destes grupos, “trazer o céu a terra” significa alterar legislações e moldar
toda uma sociedade plural através de sua cosmovisão, que geralmente é fundamentalista
cristã. Destacamos as palavras dos autores referentes à teologia:
The theology of many (though not all) INC groups tends to be postmillennial
– meaning that God has empowered believers through the Holy Spirit to
literally create heaven on earth through their gaining power in the various
sectors of society. This “dominionist” theology has caused alarm among
many secular observers of new INC groups (CHRISTERSON E FLORY,
2017, p. 92).
Assim sendo, pode-se afirmar que a teologia política possui dois níveis
discursivos: um é constituído pelas indagações sobre transcendência divina; o outro
pelas interpretações que os homens fazem da palavra de “deus” e de sua ação no mundo.
Ela se constitui, portanto, como um discurso daqueles que acreditam que suas crenças
religiosas devem conformar o poder político, já que para eles há uma
consubstancialidade entre o transcendente (deus, o divino) e o político. Todavia, uma
vez que esta teologia se desenvolve no âmbito de ou a partir de tradições, ela mesma se
articula recorrendo a imagens simples deste nexo que cada tradição apresenta a seus
crentes (SILVA, 2016, p. 9).
Para falarmos sobre o mandato dos sete montes e a transformação da cultura,
era necessário darmos o panorama acima sobre a teologia do domínio, pois, conforme
temos destacado até aqui, o mandato dos sete montes nada mais é do que uma
atualização da teologia do domínio.
Como temos destacado, a teologia que impulsiona um movimento como o The
Send se evidencia não apenas por sua construção intelectual, mas principalmente pela
forma com que ela está intrinsecamente ligada à religião, ocupando um lugar essencial
na vida das pessoas comuns através também da política. Burity exemplifica esse
encontro da religião com a cultura da seguinte maneira:
95
Esse “retorno da religião”, se é que um dia ela tenha ido embora, é o que
propicia que evangélicos ocupem um lugar de destaque na população, principalmente
nas populações dos países que temos aqui estudado, mais diretamente, o Brasil e EUA.
A teologia do domínio nasce devido a uma quebra de paradigma dos protestantes
estadunidenses em meados do século XX, é a passagem de uma crença essencialmente
cósmica para a crença de que os cristãos deveriam buscar implementar o reino de Deus
no aqui e agora. Isso era parte do chamado de Deus para seu povo. Marsden (2006)
exemplifica esse processo e afirma que:
After the Civil War the more liberal evangelicals, whose basic
epistemological categories were profoundly altered by the new naturalism
and historicism, began gradually to abandon the dramatically supernatural
aspects of the postmillennial view of history. In particular they ceased to take
seriously the idea that history was determined by a cosmic struggle between
the armed forces of God and Satan and that these supernatural powers might
directly intervene at any moment. William Newton Clarke found New
Testament predictions of the early physical return of Christ to be the anomaly
that decisively destroyed his belief in the total infallibility of the Bible. In
place of spectacularly supernatural concepts of the kingdom, Clarke saw it as
"natural and normal." The kingdom was not future or otherworldly, but "here
and now." It was not external, but an internal ethical and religious force
based on the ideals of Jesus. (MARSDEN, 2006, p. 50)
The "immigrant" analogy should not be pushed too far. Immigrants normally
come to a new land voluntarily. Fundamentalists, by contrast, experienced
97
the transition from the old world of the nineteenth century to the new world
of the twentieth century wholly involuntarily. Thus they not only experienced
a sense of alienation, but felt called to a militant defense of the old order;
they had a fondness for military imagery and did not hesitate to describe their
cause as a holy war. So the metaphor may be extended to picture
fundamentalists sheltered behind their ideological ghetto wall, with the wall
itself as heavily fortified as the very wall of Zion. Behind this barrier, the
possibility of intellectual isolation, extremism, and paranoia was greatly
increased. (MARSDEN, 2006, p. 205).
A sistematização das crenças dos sete montes foi feita por Loren
Cunningham70, fundador da JOCUM (Jovens com uma missão), missão paraeclesiástica
estadunidense muito conhecida no meio evangélico, e a organização missionária mais
conhecida que compõe o denominado movimento The Send. No site da JOCUM, em um
artigo de Cunningham datado de 2012, ele descreve:
Às vezes Deus faz coisas dramáticas para nos chamar atenção. Em 1975, eu
estava orando e considerando como os cristãos – não somente os da missão a
qual eu faço parte, mas todos nós, poderiam mudar o mundo para Jesus. Uma
69 Disponível em: Zion Church - São Paulo - No que cremos. Acesso realizado em: 25 de outubro de
2021.
70 Disponível em: https://jocum.org.br/quem-somos/os-fundadores/. Acesso realizado em: 25 de outubro
de 2021.
98
lista veio a minha mente: categorias da sociedade nas quais eu cria que
deveríamos nos concentrar para mudar para Deus.
No dia seguinte, encontrei o Dr. Bill Brihgt, fundador do campus Crusade for
Christ. Ele me disse que Deus havia dado-lhe algo: diversas áreas onde
podemos atuar para trazer as nações de volta a Deus! Elas eram as mesmas
áreas, apesar das palavras serem um pouco diferente.71
Seja qual for a área de influência que Deus nos der, família ou palácio
presidencial, devemos vivenciar sua vontade em nossas vidas. Não devemos
fazê-lo de forma a dominar outros, mas sendo servos da mesma forma como
Jesus foi. Jesus deseja administrar o mundo através de nós. À medida que
seguimos o exemplo de Jesus em nossas esferas de influência, trazemos o seu
reino a terra72
2021.
99
necessário cristãos na mídia para trazer a verdade para esta esfera. O governo é um
lugar aonde o povo de Deus deve se envolver, ele usa o exemplo de Daniel para
destacar que aquele cristão que decidir ir para o governo se verá em uma cova de leões.
E, por fim, a economia, onde ele afirma que Deus quer que seu povo seja bem-sucedido
materialmente e se torne um missionário no mundo dos negócios. Cunningham também
afirma que os cristãos também são chamados para as ciências e tecnologia, e reforça a
dicotomia de dois reinos, das trevas e da luz, além disso, eles estão em guerra um contra
o outro, os cristãos precisam vencer as trevas para o reino da luz.73
Como podemos destacar, realmente o mandato dos sete montes é uma espécie
de teologia do domínio branda que evita mencionar os textos da lei mosaica, trazendo
uma contextualização muito usada em textos bíblicos do Antigo Testamento, porém
mesclando com passagens dos evangelhos, usando textos de mandamentos do próprio
Jesus. Porém, essa influência, digamos assim, requerida pela teologia dos sete montes, é
o que norteia o modo de agir destes cristãos que em sua maioria são cristãos
fundamentalistas, essa é a teologia que norteia o The Send e que deseja transformar a
cultura, discipulando as nações, como eles gostam de afirmar.
Para completar nossa análise do movimento The Send, é importante que se seja
feita a correlação entre as lideranças do movimento, as lideranças evangélicas
brasileiras que participaram do evento no Brasil em 2020 e a teologia do domínio que,
na prática, serve de suporte ideológico para o movimento. Para tanto, iniciaremos o
presente capítulo com o desenvolvimento de uma breve biografia das lideranças que
organizam o movimento.
Ao olharmos atentamente para o evento realizado em fevereiro de 2020, fica
evidente a presença política durante as 12 horas de evento. As falas dos entes religiosos
são políticas, a mensagem principal do evento é de dominação de espaços públicos por
cristãos, e o público jovem é o centro destes discursos realizados e difundidos pelo
movimento The Send.
É interessante destacarmos que a presença política é uma característica do
movimento, o discurso político-religioso é o centro do movimento como um todo. Um
exemplo claro deste contéudo político explícito, que se mistura com a sacralização dada
pelo discurso religioso, está no evento The Send online de 202174, onde os
caloboradores Lou Engle e Brian Brennt declaram que “é chegado o tempo da colheita
para os EUA”. Brian Brennt relata uma profecia que lhe foi dada no ano de 2004, “em
que chegaria um uma onda de pandemia mundial, de agitação social, falta de moradia,
dificuldades econômicas, de perda, de tempestade em Washington DC, onde a bandeira
americana seria recusada, e o presidente dos EUA teria a sua voz cortada”75. O evento
online realizado pelo movimento The Send, em 2021, aconteceu no dia 9 de janeiro.
Essa fala é feita por volta do 16° minuto do vídeo hospedado no canal do movimento
Dunamis. Coincidentemente ou não, neste ínterim, Trump havia sido banido do Twitter,
perdido as eleições e insuflado seus adeptos a invadirem o capitólio três dias antes do
evento online realizado pelo The Send.
06 de fevereiro de 2022.
101
A ligação política do movimento que já era explicita, não poderia ser mais
evidente e, conforme veremos, os seus líderes possuem ligações com os políticos de
extrema direita tanto no Brasil quanto nos EUA, o que nos leva a constatar que a
atenção recebida pelo The Send ao chegar ao Brasil só ganhou a proporção percebida
devido a ascensão da extrema-direita, que também é religiosa evangélica aos executivos
federais. Ao analisarmos cada um dos colaboradores do movimento The Send, como
faremos abaixo, a nossa hipótese de que eles agem politicamente se confirma.
Lou Engle
Meanwhile the apostolic networks that had begun organizing out of Toronto
also were making some of their first significant dents in public consciousness.
On September 2, 2000, Ché Ahn and Lou Engle, two important members of
what would become the Revival Alliance apostolic network, organized the
Call D.C., a movement aimed at mobilizing young people “to maintain a 40-
day fast with prayer for our nation that would lead up to the elections” (Ahn
and Engle 18-19). Ahn credited this effort with ultimately assuring the “final
victory for President Bush” after the “bizarre circumstances” of this election
(Ahn and Engle 19). The call soon became an international youth campaign
(“Profiles and the Right”). Its most noted and controversial activity would be
Lou Engle´s very public alliance of the Call with conservative Ugandan
Christians in 2010, when Uganda was considering enacting a death penalty for
homosexuals (Kron, God Loves Uganda) (WEAVER, 2016, p. 95).
Texto original em inglês: “Lou Engle is an intercessor for revival, and the visionary co-founder of The
Call, a prayer and fasting movement responsible for gathering hundreds of thousands around the globe
(tradução livre no corpo do texto)”
102
Como podemos ver, o movimento nasce em meados dos anos 2000, mais
precisamente nas eleições presidenciais, uma das mais polêmicas até então, onde Bush
filho (Republicano) venceu as eleições no colégio eleitoral o ex-vice-presidente Al Gore
(democrata), nos votos dos delegados no colégio eleitoral. As eleições ficaram
conhecidas por “circunstâncias bizarras”, como Weaver (2016) cita, pois, o vice-
presidente pediu a contagem de votos no Estado da Flórida, o que não lhe foi permitido
por completo pelas autoridades responsáveis pelas regras eleitorais daquele estado.
Engle é conhecido por ser um opositor aos direitos dos homossexuais, afirmando que a
homossexualidade é a espécie de um “espírito de ilegalidade”. Em um evento The Call
em Uganda, apoiou junto com outros oradores um projeto de lei de 2010, que autorizava
a morte de gays e lésbicas em algumas circunstâncias.78
O The Call fazia parte de uma outra organização carismática de reforma
apostólica. Engle está debaixo da unção apostólica de Ché Ahn, líder do movimento
independente Harvest International Ministry e herdeiro de Peter Wagner, da Wagner
University. Ele é o presidente da instituição escolhido pelo próprio Wagner. Nas
palavras de Weaver (2016), ao retratar a nova reforma apostólica e sua influência, que
pode ser vista em todos os lugares no mainstream dos EUA (Engle é identificado como
um dos pregadores carismáticos que surgem da nova reforma apostólica dentro dos
EUA).
Lou Engle – famous for his appearance in the documentary Jesus Camp (2006)
– was part of the leadership team of IHOP in the late 2000s (“Lou Engle”).
Engle´s chief apostle is Ché Ahn (see Engle, Digging the Wells, Backcover),
who views Engle with sufficient favor to call him a “covenant brother” (Ahn,
When Heaven Comes Down 121). James Goll, a Kansas City prophet (Paloma
180), provided several crucial prophecies for Ahn during the 1990s (Paloma
180), and later co-wrote the book The Call of Elijah Revolution (2008) with
Lou Engle. Thus, through the Revival Alliance, some of the most radical
Latter Rain teachings would make their way into the NAR. And for millions of
Charismatics worldwide, their lives would never be the same again
(WEAVER, 2016, p. 69).
key organizer of Governor Rick Perry´s “The Response” prayer rally and the
Azusa Now event (CHRISTERSON E FLORY, 2017, p. 54).
O documentário “Jesus Camp 80”, citado acima, que Engle participou no ano de
2006, causou muita polêmica nos Estados Unidos, resultando em vários comentários
entre os fundamentalistas estadunidenses. Tudo isso graças às imagens fortes de
pregações realizadas com crianças, realidade de várias igrejas no país. Apesar de toda a
polêmica, o documentário conquistou a admiração da crítica, inclusive teve uma
indicação ao Oscar81.
2021.
88 Disponível em: https://www.instagram.com/p/CHLr_A4JSiy/. Acesso realizado em: 24 de abril de
2021.
106
Andy Byrd
2021.
107
Andy Byrd, and his wife Holly, have dedicated their lives to spiritual
awakening in a generation. They work with a group of covenant friends
committed to consecrated community, Christ-centered living, revival, and
cultural reformation. Andy is part of the leadership of University of the
Nations, YWAM Kona and has been with YWAM for 15 years traveling to
many different nations with a heart to raise up a revival generation to live in
the confluence of a zealous love for God and a sincere love for others.
Together, they’ve helped birth “Fire and Fragrance Ministries” and the
“School of the Circuit Rider”. The couple have five children – Asher,
Hadassah, Rhema, Valor and Chanel.91
Jocum Brasil é um dos desdobramentos dessa ONG que hoje conta com mais
de 13.000 obreiros em mais de 650 centros de atividade distribuidos por
quase 170 países. Conta ainda com uma conceituada Universidade –
University of the Nations – voltada á sua área, com sede no Havaí e com 185
locais de treinamento nos EUA, Europa, América do Sul e Central, Ásia e
África, onde se pode cursar um dos 190 cursos oferecidos por suas
Todd White
Todd White foi viciado em drogas e ateu por 22 anos. Ele estava a ponto de
cometer suicídio quando Deus entrou em sua vida e o libertou. Como um
novo convertido, Todd começou a compartilhar a simplicidade do Evangelho
do Reino e o que Jesus Cristo realizou na cruz. Era comum Todd presenciar
dezenas de pessoas curadas quando compartilhava sobre o amor de Cristo por
elas em sua vida cotidiana. Desde essa época, Todd tem perseguido
We believe God’s plan for human sexuality is to be expressed only within the
context of marriage, that God created man and woman as unique biological
persons made to complete each other. God instituted monogamous marriage
between male and female as the foundation of the family and the basic
structure of human society. For this reason, we believe that marriage is
exclusively the union of one genetic male and one genetic female. Genesis
2:24; Matthew 19:5-6; Mark 10:6-9; Romans 1:26-27; 1 Corinthians 6:9.
We believe that human life is sacred from conception to its natural end; and
that we must have concern for the physical and spiritual needs of our
de 2021.
96 Disponível em: https://lifestylechristianity.com/our-history/. Acesso realizado em: 27 de abril de 2021.
110
2021.
111
Michael Koulianos
101 No ano de 2019, o casal de líderes de louvor da Bethel, Kalley e Andrew Heiligenthal, se recusaram a
enterrar sua filha de 2 anos de idade que havia morrido. Eles realizaram uma campanha de oração online
para que a criança ressuscitasse. Entretanto, a criança não ressuscitou mesmo com toda a mobilização de
oração. Disponível em: “Pais se recusam a enterrar filha, morta aos 2 anos, acreditando que ela possa
ressuscitar” (globo.com). Acesso realizado em: 6 de novembro de 2021.
102 Disponível em: Dominionism – Dominion Theology | bewatchful.org. Acesso realizado em: 29 de
abril de 2021.
103 Disponível em: https://jesusimage.tv/. Acesso realizado em: 29 de abril de 2021.
104 Disponível em: https://healing-ministries.org/people/michael-koulianos/. Acesso realizado em: 27 de
abril de 2021.
112
2021.
107 Disponível em: http://blog.presentesevangelicos.com.br/tudo-sobre-benny-hinn-vida-e-
bibliografia/#:~:text=Benny%20Hinn%20nasceu%20como%20Toufik,Igreja%20Ortodoxa%20Grega%
de%20Jerusal%C3%A9m.&text=Benny%20Hinn%20tamb%C3%A9m%20sofreu%20diversas%20cr%C
3%ADticas%20e%20controv%C3%A9rsias. Acesso realizado em: 30 de abril de 2021.
113
Daniel Kolenda
PERANTE CÉSAR
À medida que as notícias do que Deus estava fazendo começaram a chegar aos
ouvidos das pessoas, a recepção de nossas equipes em muitos lugares começou
a mudar. Alguns lugares fecharam suas portas diante da perspectiva de um
cristianismo tão ativo, mas muitos outros alegremente abriram as portas.
Pessoas de alto escalão começaram a notar as enormes multidões e o impacto
positivo que o Evangelho estava tendo, e Reinhard Bonnke logo começou a ser
solicitado a encontrar-se com presidentes de estado e a discursar no
Parlamento. Muitas figuras nacionais de renome abriram seus corações à
mensagem do Evangelho quando se encontravam em particular com Reinhard.
Somente na África ele se encontrou pessoalmente com catorze Presidentes de
Estado e, conta alguns deles, como amigos pessoais. 113
Brian Brennt
Brian Brennt, alongside his wife Christy, leads the Circuit Riders movement
in Huntington Beach California. Together, the Brennts are committed to
catalyzing a generation into wholehearted surrender to Jesus. After pastoring
a church in Tacoma, Washington, Brian, Christy, and their four children
jumped into full time missions with Youth With a Mission Kona. Soon after,
God opened up a door in California and the Circuit Riders movement was
born. Today, the Brennts are committed to seeing a generation transformed
by the Gospel and mobilized into a life of ministry, missions, and Jesus
centered living unto global revival and reformation. 119
2021.
118 Disponível em: https://discipularnacoes.org/curso/mudanca-de-cultura/. Acesso realizado em: 1 de
maio de 2021.
119 Disponível em: https://circuitriders.com/speaker/brian-brennt/. Acesso realizado em: 27 de abril de
2021.
117
Cultures + Beliefs
We look to Jesus for our model of what it looks like to be cultured in the
ways of the kingdom. Our entire community is a community of those who
look to each other in encouragement and celebration. Encouragement and
celebration around the areas of setting and shifting culture – culture that sets
us apart as ones who truly love Jesus. Many of our cultures are used as points
in our messages found in our podcasts, and gatherings held by Circuit
Riders.122
nos aprofundarmos no próximo tópico a respeito do contexto em que nasce o The Send e
da teologia que impulsiona o movimento.
universidade é atualmente liderada por Jerry Falwell Jr, filho do já falecido televangelista.
128 Disponível em: https://revistarenascer.com/entrevista-com-teofilo-
hayashi/#:~:text=Te%C3%B3filo%20Hayashi%20%C3%A9%20formado%20em,minist%C3%A9rio%20
como%20mission%C3%A1rio%20da%20JOCUM. Acesso realizado em: 25 de abril de 2021.
120
despertar uma geração para que ela venha estabelecer a Cultura do Reino de Deus na
Terra e assim transformar a sociedade a sua volta”129.
Sendo assim, as ações do movimento Dunamis se organizam em diversas
frentes da seguinte maneira: Conferência Dunamis (principal evento e que acontece
todos os anos), Dunamis WKND (um final de semana de imersão, no que eles chamam
de “experiência dunamis”), Dunamis Pockets (frente de missões universitárias, grupos
que se encontram semanalmente nas universidades), 21project (escola de missões que
acontece durante as férias por 21 dias, onde jovens são treinados e na sequência
enviados para diversas nações), Fire & Fragrance (parceria com a JOCUM com foco na
presença do profético e do mover do sobrenatural em missões), EDM – Escola Dunamis
de Ministério (plataforma de treinamento online de jovens universitários para aplicação
de verdades bíblicas e ativação de dons), Pink Punch (iniciativa Dunamis de
empoderamento feminino para espelhamento do que a bíblia diz a respeito do valor da
mulher), Dunamis Music (plataforma de louvor e adoração do Dunamis que busca
produzir canções com o selo Dunamis), Dunamis Social Groups (plataforma de
organizações de justiça social que visa libertar o opresso e dar voz aquele que não tem
voz), parceria com a 21 million ONG internacional (combate à exploração sexual e o
tráfico humano de crianças e adolescentes) e Instituto Akachi (Dunamis dentro das
comunidades em SP Capital e no Vale do Ribeira, propiciando a crianças e adolescentes
a opção de se exporem as artes, esportes e diferentes idiomas).130
Teo é um líder carismático pentecostal, assim como Engle, identificado com as
crenças dos pregadores carismáticos independentes estadunidenses (Independent
Network Charismatic Christianity). No site da Zion Church, na aba “o que cremos”,
temos ali destacada a crença dos sete montes. Aqui citamos:
de 2021.
131 Disponível em: https://zionchurch.org.br/no-que-cremos. Acesso realizado em: 26 de abril de 2021.
121
2021.
134 Disponível em: https://www.facebook.com/teofilo.marcelino/videos/231148714662770. Acesso
Send, no Brasil, em 2020, é fruto principalmente de seu trabalho, pois, de fato, ele é o
seu principal mobilizador. Podemos afirmar que Teófilo Hayashi é um mobilizador
político de direita, entusiasta de Jair Bolsonaro e seu governo. Ele foi também a pessoa
que mais chancelou a candidatura de Henrique Krigner, no mesmo ano em que o
movimento The Send realizou o evento presencial no Brasil, colocando em prática o
mecanismo da Teologia do Domínio, através do mandato da “Sete montanhas”, onde
claramente se tentou emplacar a candidatura do jovem, o qual é um dos líderes do
movimento Dunamis, e que possui Teo como sua principal liderança.
Krigner foi um dos principais apresentadores do evento que aconteceu no
estádio do Morumbi, disponível para acesso via Youtube135. Ele se lançou como
candidato a vereador na cidade de São Paulo, seguindo assim, um dos principais pilares
do movimento The Send (Sobre ir), rompendo as esferas do ambiente religioso do
movimento, acessando a esfera pública e colocando em prática a TD.
Em seu currículo, exposto em seu site de campanha, ele faz questão de
mencionar um de seus feitos em sua atuação no The Send Brasil. Em suas palavras:
“atuei na mobilização pré e durante o maior ajuntamento para envio missionário de toda
a história do Brasil”136.
Além de destacar os seus feitos profissionais, o candidato faz questão de
mencionar sua atuação no que ele chama de “maior ajuntamento para envio missionário
de toda a história do Brasil”. É importante destacar o quanto o movimento não se limita
ao ambiente religioso proselitista, parte do enfoque não é puramente o envio de
missionários, mas sim o envio de missionários para atuarem em cargos de liderança
pelo mundo (entenda-se na sociedade civil), e a candidatura de Krigner é a consumação
do chamado do evento, à medida que o mesmo lança a sua candidatura no mesmo ano
do que ele chama de maior ajuntamento missionário da história do Brasil.
Em outras palavras, Krigner137, evidentemente usou a exposição obtida pelo
movimento The Send para lançar-se candidato a vereador em São Paulo capital. A
participação de jovens na política é fruto de muitos estudos e, o que vimos a partir dos
movimentos de 2013, foi uma grande ascensão de jovens que se identificavam como
liberais ou de direita. A candidatura de Krigner é um reflexo desse processo, ele é parte
do movimento RenovaBR, que usou as estruturas dos partidos políticos para eleger seus
em 26 de outubro de 2021.
140 Disponível em: https://renovabr.org/renovabr-tem-16-liderancas-eleitas-para-o-legislativo/. Acesso
É também devido a esse tom crítico que os jovens encaram a política que
movimentos fundamentalistas como o The Send, se voltam a unir a experiência
transcendente com o sagrado a posicionamentos políticos, a antiga estratégia de se usar
o sagrado para santificar o profano, é o que descreve melhor o movimento The Send,
sua teologia é a melhor representação desse movimento. Sendo assim, os jovens
encontram no movimento legitimidade e perdem o tom essencialmente crítico à política,
visto que a mesma fora sacralizada pela religião.
Outro fenômeno que vemos com o movimento The Send, lançando quadros
para disputas legislativas, como vemos no exemplo de Krigner, é a tentativa de se usar o
capital evangélico para se eleger candidaturas a política institucional. O que nós vemos
é que nem sempre isso se concretiza, ademais, essa ascensão evangélica e o alinhamento
quase que incondicional a Jair Bolsonaro pode realmente ter gerado uma reação contra
as candidaturas evangélicas. Krigner também é um exemplo disso, vide sua votação
extremamente baixa, apesar de ter sido a sua primeira candidatura, o candidato a
vereador de São Paulo pelo PP fez uso do alcance que o movimento The Send teve, que
não foi pouco, conforme temos destacado. Nas palavras de Cunha, ressaltamos esse
processo:
Krigner tentou fazer uso dessa máxima, irmão vota em irmão, principalmente
usando a influência de Téo Hayashi, seu padrinho no movimento Dunamis, assim como
usou as mesmas redes sociais que ele usou para divulgar o movimento The Send ao
fazer a sua campanha política. Porém, não podemos perder de vista que o movimento
The Send e a candidatura de Krigner é fruto de um processo de tomada evangélica dos
espaços de poder, principalmente da política institucional, isso fica bem evidenciado ao
olharmos para a bancada evangélica. Destacamos novamente a contribuição de Cunha:
Separamos o presente tópico para tratar da presença de três colaborares que não
fazem parte do grupo de missionários principais, porém são figuras públicas muito
conhecidas no Brasil. São eles: Silas Malafaia, Damares Alves e o prório Jair
Bolsonaro.
Silas foi um dos convidados do The Send, e ao longo da dissertação temos
trazido fatos sobre a polêmica biografia do pastor evangélico da Assembléia de Deus. O
pastor proferiu um dos discursos de maior repercussão do evento The Send realizado no
Brasil. Destacamos abaixo a transcrição de seu discurso.
Deus foi moleza mas tirar o Egito do povo, nem Deus porque era questão de
livre-arbítrio e de mentalidade. Agora, o segundo texto é Jesus. Mateus 5:16
diz: “Assim, resplandeça a vossa luz diante dos homens para que vejam as
vossas boas obras e glorifiquem o vosso pai que está nos céus”. Agora eu vou
chamar um texto de Paulo, que ele vai dar uma outra conotação a isso, que é
Filipenses 2:15: “Para que sejais irrepreensíveis, filhos de Deus, inculpáveis,
no meio de uma geração corrompida e perversa, na qual, resplandeceis como
luz entre eles”. Escute! Luz não brilha onde tem luz, luz só brilha onde tem
trevas. Jesus falou que a nossa luz tem que resplandecer, diante dos homens,
isto é, as pessoas que cruzam com vocês, mas Paulo diz, que nós temos que
brilhar no meio de uma geração corrompida e perversa, é onde você trabalha,
é onde você estuda, é onde você mora, é no meio da sua família, se vida
cristã é duas horas de culto na igreja, o nosso cristianismo está falido. Agora
eu quero dar um alerta, e eu queria que vocês aguçassem o ouvido; aguce o
ouvido porque eu vou tentar falar, cuidadosamente, devagar, não pela
profundidade, mas pelo alerta. Escutem com atenção, por favor, absoluta!
Jovens muçulmanos vão para as universidades na Europa, passam lá, entre 5
a 10 anos, e quando voltam para as suas nações, voltam muçulmanos, nada
muda a crença deles. Agora, escute: “Jovens evangélicos brasileiros estão
indo para as universidades, três meses depois, três, depois de ouvir professor
humanista, ateísta e “esquerdopata”, voltam contaminados, duvidando de
crenças, valores, de Deus, chamando pastor de fascista e homofóbico’. A
pergunta que eu faço a vocês, a pergunta que eu faço a vocês, vocês não são a
igreja de amanhã, é a igreja de agora! E eu pergunto a vocês: Como é que um
jovem evangélico vai para uma universidade e três meses depois estão
negando a eficácia do evangelho? Agora, eu vou dar um outro dado para
vocês e não se assustem, aguce o seu ouvido, o movimento muçulmano vai
do radical para o mais radical, o muçulmano não abre mão uma vírgula de
seus princípios, sabe o que está acontecendo, agora, com a igreja? Com os
evangélicos? Nós estamos indo da verdade do evangelho para o leviano! Um
evangelho que é adaptável a esse mundo, não! Mil vezes, não! Quando você
chega na escola e na universidade e que você é luz, o primeiro impacto,
guarde isso que eu estou falando para você, deboche, vão debochar de você,
vão ridicularizar você, vão zombar de você e vão isolar você, só um dado
você é luz! E você não está sozinho! À medida que o seu testemunho começa
a contagiar, os que zombam, debocham, vão ver que você tem alguma coisa
diferente, não é você que tem que ser atraído por esse mundo, é você que
atrai o mundo pelo poder do evangelho! Quando eu pego a bíblia e vejo um
garoto chamado Daniel, que entre 15 e 17 anos, a mais de dois mil
quilômetros da sua cultura, língua e nação. E no meio do império fenomenal,
chamado Babilônia, ele decide: Eu não vou me contaminar! Eu não vou me
contaminar! Marca sua história e no meio do império pagão, ele é primeiro-
ministro de três imperadores! Eu gostaria que você repetisse comigo, após a
minha fala, primeiro uma palavra solta, e depois eu vou compor, eu vou citar
o primeiro, Eu decido, agora vocês: Eu decido! Não! Mais uma vez, eu vou
falar e vocês vão replicar imediatamente, eu vou dizer primeiro: Eu decido!
Eu decido! Ok? Então, vamos lá: E agora, eu vou dar a corda, eu vou falar
frase por frase, pedaço por pedaço pra você repetir, então, já aprendeu? Todo
mundo aí, com força? Nós estamos movendo o mundo espiritual. Há um
movimento no mundo espiritual nessa hora com o que está acontecendo, aqui
no Allianz, e lá em Brasília. Então, comigo: Eu Decido, eu decido, assentar,
no meu coração, no meu coração, eu não vou me contaminar, eu sou um
agente de transformação no mundo, a minha vida é um testemunho de que o
evangelho é poder de Deus, eu não abro mão da palavra de Deus, Eu não
abro mão do meu testemunho! Maior é o que está comigo do que o que está
no mundo! Eu! Decido! Que vou servir a Deus! Com inteireza de coração!
Em Nome de Jesus, Amém! Eu tenho 40 segundos! O estádio todo! Eu tenho
40 segundos eu vou fazer uma ola onde minha mão passar, você vai levantar
e ficar de pé quem está sentado e dar um glória! Na minha mão, eu começo
aqui e termino aqui! Onde minha mão for, à medida que for passando, vai
130
levantando a mão, vamos lá? Tá, vou começar aqui, hein? Olha, eu vou dizer
um já!, um, dois, três, já! Ei! Meu tempo acabou! Mais uma, de lá pra cá, ei
pessoal da arquibancada, onde minha mão passar, eu sei que a visão é longa,
ai, você espera a minha mão para levantar! Eu vou contar:1,2,3 e já! Onde
minha mão passar: 1,2,3 Já! Deus te abençoe. 143
Análise do discurso
143
Discurso disponível em https://www.youtube.com/watch?v=XkU2j2vtGoc&t=64s. Acesso realizado
em 26 de setembro de 2021.
131
brasileiros que, em suas palavras, “estão indo para as universidades, três meses depois,
“três”, depois de ouvir professor humanista, ateísta e esquerdopata, voltam
contaminados, duvidando de crenças, valores, de Deus, chamando pastor de fascista e
homofóbico”.
E aqui chegamos no auge dessa breve fala de Malafaia, de cerca de onze
minutos. Conforme podemos ver em suas próprias palavras, as universidades são
espaços de abandono da fé, pois os jovens ouvem professores “humanistas, ateístas e
esquerdopatas”. Silas ultrapassa a linha do discurso religioso e, sem ponderar palavras,
usa a retórica religiosa para fazer um discurso político de direita. A fala de Malafaia é a
evidência mais contundente do título que temos dado ao presente capítulo, que
demonstra o The Send como uma forma “moderninha” de propagar o fundamentalismo
religioso aos jovens e adolescentes.
A pregação de Malafaia é gravíssima. Ele continua fazendo comparações entre
o jovem muçulmano e o jovem evangélico. Para ele, o jovem muçulmano é aquele que
preserva a sua fé, e ele mesmo diz que “o movimento muçulmano vai do radical para o
mais radical, o muçulmano não abre mão uma vírgula de seus princípios”. Malafaia
inventa, no mínimo, dois dados que ele cita: 1). De que muçulmanos não deixam de ser
muçulmanos e 2). Jovens evangélicos perdem a fé em três meses. O primeiro dado é
uma comparação que não possui paralelos, comparar a religião muçulmana com a
religião cristã evangélica é, no mínimo, uma desonestidade intelectual sem precedentes,
pois a cultura muçulmana é completamente diferente das culturas ocidentais pluralistas.
Além disso, o segundo dado é uma grande mentira proferida por Silas. Ele faz uma
afirmação sem citar qualquer fonte.
Mas, para Malafaia, o jovem evangélico precisa, conforme o “radical
islâmico”, de um chamado ao radicalismo, ao extremismo, ao não diálogo.
Categoricamente, é um discurso fundamentalista cristão, sob a melhor definição nos
fornecida por Marsden (2006), que define o fundamentalista como um conservador que
está com raiva. O fato é que essa fala de Malafaia nos faz rememorar a contribuição de
Santos (2016), que propõe algumas similaridades entre os fundamentalismos cristãos e
islâmicos. Até a presente análise do discurso de Malafaia, o autor que vos escreve
preferia evitar o termo “fundamentalista” para o contexto do islamismo, visto que o
termo nasce nos EUA, com um significado intrinsecamente ligado ao protestantismo,
porém após analisar o discurso de Malafaia, corroboro com o pensamento de Santos
(2016) em empregar o termo fundamentalismo também aos radicalismos muçulmanos.
132
Silas segue afirmando que quando o jovem evangélico decide ser luz na
universidade, ele deve se preparar para ser perseguido. Essa retórica vitimista é
frequentemente usada por essa direita política reacionária fundamentalista. É uma figura
de linguagem muito presente nos púlpitos das igrejas evangélicas também. Ele segue
usando o exemplo de Daniel, para incentivar os jovens a não se contaminarem com o
“mundo”, e após isso faz uma série de induções do público com o objetivo de mexer
com o emocional dos jovens que ali estavam.
07 de fevereiro 2022.
134
A politização do discurso religioso não era, nunca fora, inaudita. Disso são
testemunhas, apenas para tomar o contexto republicano latino-americano, a
romanização do catolicismo, o integrismo, a teologia do desenvolvimento, a
teologia da libertação e o ecumenismo. O incômodo maior disso é que tal
politização assumiu novas dimensões como parte de uma mudança na
demografia das religiões, que mudou o nome e o número dos atores, tanto na
América Latina (pela intensificação do trânsito religioso e crescimento do
protestantismo, particularmente o pentecostal) como nos países do
capitalismo avançado (pelo efeito de ondas de imigração não ocidentais, que
trouxeram o cristianismo “do sul”, o islamismo e as religiões asiáticas para o
centro de várias disputas culturais e políticas). Dos anos de 1990 em diante,
tal politização representou ainda uma inflexão na tendência progressista dos
anos anteriores, trazendo para o primeiro plano o discurso político
pentecostal. (BURITY, 2016, p. 27)
135
domina e o movimento The Send é a maior expressão dessa ocupação de espaços e dos
deslocamentos do pentecostalismo da periferia para o centro.
Essa ascensão pentecostal e esse domínio dos espaços sociais da expressão
religiosa presente no pentecostalismo faz com que Burity (2016) veja no
pentecostalismo um caso de religião pública. Sendo assim, não é se estranhar que uma
figura vinda do pentecostalismo clássico, como Silas Malafaia, passe a ter uma parcela
significativa de seguidores e sendo ouvido por milhões de outros que não
necessariamente o seguem. Burity (2016) destaca como o pentecostalismo se torna um
caso de religião pública no Brasil. Em suas palavras, destacamos:
maior exemplo desse processo no Brasil atualmente. Burity arremata sua análise sobre
esse processo de ascensão do pentecostalismo da seguinte forma:
146Pedimos a permissão do leitor para usar o termo incorreto apenas para refletir a argumentação média
que o emprega, apesar de já amplamente debatido e corretamente revisto pela medicina.
138
outrora não tinham. Se não fosse o atual governo, dificilmente veríamos um movimento
ligado aos evangélicos tendo um espaço tão significativo nas mídias tradicionais como o
The Send teve, e o discurso de Bolsonaro é bastante sintomático a essa guinada à direita
dada em 2018.
Outro personagem marcante do evento The Send realizado no Brasil é Damares
Alves, ela é uma das figuras mais polêmicas do quadro de ministros e ministras de
Estado brasileiro atualmente. A então assessora parlamentar do ex-senador pelo Estado
do Espírito Santo, Magno Malta, conseguiu na primeira composição de ministros de
Estado o cargo de ministra da mulher, da família e dos direitos humanos, o que causou
no senador um pequeno mal-estar, pois ele não fora reeleito.147
Figura 3 - Primeira composição de ministros (Damares Alves está no canto superior esquerdo, ao lado
do General Santos Cruz)
A relação de Damares com o movimento The Send não está muito bem
evidenciada. Os líderes do movimento, como Henrique Krigner, afirmam que Damares
Alves foi convidada a participar do movimento, única e exclusivamente, pois o The
Send trouxe pautas como adoção que, no caso, estariam ligadas a sua pasta. Em
entrevista ao site de checagem Bereia, ele afirmou que
a ministra foi convidada não só por ser ministra, mas também pelo fato de o
evento ter tratado de temas ligados à sua pasta, como adoção e tráfico
humano. Antes da fala da ministra, Todd White deu um relato pessoal de sua
experiência como pai adotivo e Mike Gallagher discorreu sobre adoção,
convivência familiar e projetos que estimulam a prática. Em sequência a
Damares, Heidi Baker relatou uma experiência pessoal vivida na infância
para demonstrar a ligação entre amor familiar e amor divino. 148
149 Disponível em
https://www.facebook.com/mtsiao/posts/2583946248300115?comment_tracking=%7B%22tn%22%3A%
22O%22%7D. Acesso realizado em 28 de setembro de 2021.
150 Disponível em https://twitter.com/damaresalves/status/1200946937459023873. Acesso realizado em
28 de setembro de 2021.
151 Disponível em https://www.camaracruzalta.rs.gov.br/noticia/conferencia-nacional-da-frente-
Damares, que não é apenas uma mera palestrante, é de extrema relevância para a
articulação política do movimento.
E, por fim, não podemos passar alheios ao ponto mais alto do evento The Send
realizado no Brasil: a conversão de Bolsonaro, narrada no evento principal no estádio do
Morumbi pelo Pastor Todd White. Os detalhes sobre quem é Todd White estão no
terceiro capítulo. Cabe-nos, porém, analisar White e sua intervenção que ficou marcada
pela declaração de conversão de Jair Bolsonaro.
No início da oitava hora de evento, Todd White inicia a sua “ministração”,
como dizem os crentes. Logo em sua primeira frase, ele anuncia o ponto máximo do
evento, afirmando: “Tenho boas notícias. Acabei de receber a palavra do Brian Brennt
que está lá em Brasília de que o seu presidente acabou de nascer de novo”155. O termo
“nascer de novo”, coincidentemente ou não, foi o termo usado por Carter na corrida
eleitoral de 1976, gerando grande euforia nos fundamentalistas, os quais esperavam um
certo tipo de governo por parte de Carter. É curioso Todd White ter usado o termo para
se referir a Jair Bolsonaro, apesar de a expressão ser comum nos processos de
conversão, porém o que nos toca é o uso político que de tempos em tempos o termo
ganha nas eleições democráticas. Dado o histórico, Silva faz uma comparação oportuna
da nossa análise, ao narrar o processo de apoio a Reagan em detrimento a Jimmy Carter.
Em suas palavras:
155Termos que, dentro do evangelicalismo, é usado para descrever uma pessoa que, em um culto público,
toma a decisão de “mudar de vida”, deixando o estilo de vida vivido até então, se convertendo a fé
evangélica.
144
Moisés, ele era o Messias, porém ainda não havia passado por um ritual de passagem,
diferentemente de Reagan, que não nasceu de novo durante seu mandato. Bolsonaro
passa por essa experiência, que é o ponto alto do The Send Brasil.
Ao colocarmos a frase “Bolsonaro convertido no Brasil 2020” no Google, o
site de buscas traz ao menos uma página com menções diretas ao evento The Send e a
consequente conversão de Jair Bolsonaro. Conforme temos destacado na presente
dissertação, esse intercâmbio entre o religioso e o político, onde o religioso legitima o
político e vice e versa, faz com que a religião não apenas ocupe um lugar como
expressão de uma sociedade democrática e plural, pelo contrário, ela se faz religião
pública. De acordo com Burity:
Figura 4 –Todd White, com a bíblia na mão, após anunciar a conversão de Bolsonaro.
O palestrante segue sua intervenção pedindo ao público para que eles orem “para
que o seu Presidente seja batizado no Espírito Santo e com fogo agora”. Ele afirma que
“Isso (conversão de Bolsonaro) é uma decisão que muda toda uma nação, quando o seu
líder, ele diz sim para Jesus sendo o seu líder é o fim para os tormentos, para o
demoníaco, para a bruxaria, todo o stress que tem tentado destruir a sua nação”. Após
noticiar a conversão do presidente da república, ele segue com uma pregação e traz a
seguinte afirmação: “Se você não se posicionar pelo evangelho, pelo aborto, pelo
casamento gay, você não crê no verdadeiro evangelho”, ele continua dizendo “não
existe casamento gay no cristianismo, não existe aborto no cristianismo, é assassinato”,
ele conclui o seu argumento dizendo: “Deus quer te usar como um conduite, ele quer
falar através de você”, ele reforça que “Toda essa palavra é soprada por Deus”, “Minhas
ovelhas ouvirão e obedecerão por minha voz”, “obedecer não é uma opção é uma
146
17 de fevereiro de 2022.
147
mobilização histórica em seu site em inglês, afirmando que Deus fará um mover jamais
antes visto na história da evangelização.158
É evidente, nas palavras do site, que a tentativa dos organizadores é passar a
visão de que o The Send nasce como um movimento orgânico dentro dos EUA. Como já
tivemos oportunidade de destacar, o movimento ganha uma dimensão para além das
terras estadunidenses, alcançando o Brasil. Ao que nos parece, na prática, o The Send
funciona como um grupo de pressão fundamentalista evangélico. O objetivo de formar
jovens lideranças para as mais diversas áreas, colocando esses jovens como
“missionários”, nos lugares de poder, nos parece o grande e principal objetivo,
influenciando toda a sociedade a partir destes lugares chave, nos negócios, na política,
na cultura e na religião, conforme temos destacado no presente trabalho.
Os organizadores se propõem a continuar realizando grandes mobilizações em
diversos lugares do mundo: dos EUA para o mundo, esse é o caminho proposto por esse
movimento ousado de lideranças carismáticas que quer trazer o “reino à terra”. Aliás,
essa é a mensagem de um dos principais “hinos” do The Send e de todo o movimento
INC Christianity, “Our Father”. A música difundida pela Bethel Music159 é a oração do
pai nosso de Mateus 6:9-13, e a frase mais repetida na música é “let heaven come”. Esse
é supostamente o grande objetivo do movimento, porém como teremos ocasião de
estudar na presente dissertação, esse ideário de vinda dos céus a terra é ideológico,
fortemente difundido pelos fundamentalistas estadunidenses.
158 “For 18 years, the ministry of The Call filled stadiums with a message of prayer and fasting believing
that America would turn back to Jesus. In 2011 the Lord spoke to the leaders of The Call through a group
of YWAM (Youth With A Mission) missionaries that a shift was coming that would give birth to a new
sending movement, as a beginning fulfillment to their years of prayer and fasting.
In 2016, at a stadium gathering in the LA Coliseum, the shift began as 70,000 people raised their shoes in
response to a call to go anywhere for the gospel. This gathering, called Azusa Now, catalyzed a grassroots
movement that began activating believers to evangelism and mobilizing missionaries all over the world.
In response to the momentum of Azusa Now, a collaboration of national ministries gathered together in
Orlando, FL to seek the Lord. Believing that the grassroots momentum must become a national
movement, each leader grabbed hands making a commitment to do whatever it would take to see the re-
evangelization of America and the finishing of the Great Commission. THE SEND was born.
What started as a dream in our hearts became a reality on February 23, 2019. Where nearly 60,000 people
joined together with 250,000 people online to unite around Jesus and declare one thing – A WAR ON
INACTION. First, with our voice and then with our lives. Each attendee was asked to adopt one of five
mission fields and take immediate steps to begin to reach their “mission field.” They were then guided
into a follow-up process to help bring clarity and encouragement as they took their first step.” Disponível
em https://thesend.org/story/. Acesso realizado em 1 de agosto de 2021.
159 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=HzoNKuymO0U. Acesso realizado em 1 de agosto
de 2021.
148
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4728105J6&tokenCaptchar=03AGdBq26c9
n-QRTBChTM5ipYlfpA47mJKz81_mhs3mZGaQrJ0xdY_AQfUpt6GHeMyNynqJ-
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pjkjUavlHJAnOiFVJORN74Wdj0qZ3VNRMASJUiqwpgDW8hDhCGyE2MXhp8JlwHuPw. Acesso
realizado em: 7 de outubro de 2021.
150
2021.
151
É possível considerar que a religião tem sido valorizada pelos sujeitos jovens,
ainda que haja indícios de novos modelos de pertencimento e vínculo
religioso, de modo que não se deve assinalar para um indiferentismo religioso
por parte da juventude – mesmo para aqueles que se denominam sem religião
(FERNANDES, 2011). Nesse sentido, ainda que com a constituição de uma
religiosidade mais fluida em detrimento de uma prática institucionalizada, as
crenças são constitutivas da identidade de diversos jovens (BONINI,
MEZZOMO E PÁTARO, 2016, p. 152).
Sendo assim, podemos destacar que as ações políticas por parte dos jovens se
dão de forma não tradicional, o que pode parecer uma contradição em termos quando
falamos por exemplo da articulação política do movimento The Send, que se utiliza de
jovens evangélicos para tal, articulação enquadrada no espectro conhecido como
“conservador”. Porém, as articulações iminentes ao movimento não são conservadoras.
Muito pelo contrário, são articulações modernas, algo que a esquerda, por exemplo,
ainda não conseguiu fazer com a precisão que entes e movimentos fundamentalistas
153
conservadores como o The Send fizeram e ainda estão fazendo a despeito do iminente
desgaste.
O movimento The Send propõe várias frentes de atuação política em suas
atividades, dentre elas o incentivo a ação política tradicional, o engajamento na adoção
de crianças em vulnerabilidade e a promoção de ações humanitárias através das ong’s
que compõem o coletivo de missionários que compõem o The Send. Reforçamos nossa
argumentação mais uma vez recorrendo a Bonini, Mezzomo e Pátaro (2016), que
elucidam sobre as formas de organização e atuação políticas dos jovens:
Diante disso, podemos constatar que o movimento The Send reflete essa
dinâmica de atuação destacada pelos autores. Não obstante, para falarmos de ação
política dos jovens do movimento The Send, destacamos um tópico no presente capítulo
para falarmos exclusivamente da candidatura de Henrique Krigner, membro da
liderança do movimento The Send e do movimento Dunamis a vereador na câmara
municipal de São Paulo, candidatura fracassada, porém, significativa para pensarmos os
braços e as influências do movimento fundamentalista em questão. Engajamento
político institucional é incentivado pelos líderes religiosos do movimento The Send,
porém incomum para o segmento juvenil da sociedade. Novamente destacamos Bonini,
Mezzomo e Pátaro (2016), que reforçam que:
Diante de todo o exposto, cabe indicar que estamos falando de uma minoria
abastada de jovens e adolescentes que se organizam através das mídias sociais para uma
mobilização fundamentalista junto ao movimento The Send. São jovens que possuem
proteção social e, mais do que isso, que não são expostos a uma adultização precoce
como os jovens periféricos são. Ainda sobre as agências formadoras de identidade
juvenil, nossos autores destacam:
Os dados recolhidos via aplicativo criado para o evento do Brasil não foram
disponibilizados pelo movimento para todo o público, porém alguns sites “chapa
branca” que fizeram a divulgação do evento do Brasil como o radiohora.com.br166,
estimam que no evento “foi pregado a Salvação e 4.817 aceitaram a Jesus como Senhor
e Salvador”, além de “4.900 universitários aceitaram o desafio de espalhar a mensagem
da Salvação em suas faculdades e 3.000 adolescentes farão o mesmo em suas
escolas”.167
Sendo assim, estamos falando de 7.900 jovens e adolescentes que sinalizaram,
via aplicativo, o compromisso de “pregar o evangelho da salvação” em suas
universidades e escolas. Como já tivemos ocasião de destacar, principalmente a partir
do discurso de Silas Malafaia, as escolas e universidades são locais dominados por
forças inimigas a cosmovisão fundamentalista que norteia o movimento, fazendo com
que os jovens e adolescentes tenham a missão de “levar salvação aos perdidos”, aos
“inimigos” da causa de Cristo Jesus no entendimento das lideranças do movimento.
Por conta disso é que identificamos os estudantes universitários e aqueles em
fase escolar como uma das principais temáticas do movimento The Send. Os jovens
evangélicos são vistos como peças fundamentais nessa engrenagem dicotômica, de uma
guerra entre o bem e o mal, fortemente presente no ideário evangélico como um todo
que, como temos tido ocasião de constatar, é presente em todo o evangelicalismo.
166
Disponível em https://radiohora.com.br/. Acesso realizado em 16 de outubro de 2021.
167
Disponível em https://radiohora.com.br/the-send-brasil-10-400-jovens-estao-dispostos-a-sairem-em-
missoes/. Acesso realizado em 16 de outubro de 2021.
157
defendido, é regado pelo estilo musical worship, que é um estilo musical moderno, com
diversas influências da música secular, sendo o Worship o grande mobilizador da
juventude do movimento The Send. Ribeiro reforça o quanto a música é formadora de
sentido nos jovens historicamente. Destacamos as palavras do autor:
O movimento The Send incorpora muito bem essa veia musical característica
do evangelicalismo, e a música é de fato usada como um integrante essencial da
atmosfera que leva jovens a se comprometerem em eventos de massas como o The
Send, a pregar o evangelho dentre outras formas de coerção, por exemplo o apelo para
entrega de ofertas financeiras, o que também aconteceu no evento realizado pelo The
Send no Brasil. Por volta da décima primeira hora, a música é elemento essencial para
mexer com a emoções e fazer com que ofertas sejam dadas, esse movimento de
fragilidade emocional tem a capacidade de gerar compromissos no povo evangélico.
O fato é que o foco do The Send em jovens em idade escolar não é uma
novidade dentro do fundamentalismo evangélico. O exemplo está nas próprias
paraeclesiásticas que compõem o movimento The Send, como o Dunamis que já há mais
de dez anos atua em Universidades dentro e fora do Brasil. Mais do que isso, ainda em
1912, nos EUA, os primeiros fundamentalistas já olhavam para as universidades com
atenção, vendo ali um espaço a ser ganho pela “cultura do cristianismo”. Nas palavras
de Marsden:
A chave para a batalha que possuia o objetivo de ganhar homens para Cristo
estava nas universidades é relevante para entendermos como as universidades se tornam
um campo de batalha para o pensamento fundamentalista na América, tanto que muitas
universidades no Sul reagiram ao modernismo e, até meados dos anos 1960,
mantiveram-se fechadas para negros, por exemplo. Com a inclusão, os fundamentalistas
criam suas próprias universidades como a Liberty University, criada por Jerry Falwell,
primeiramente como um colégio e, em 1985, é reconhecida como uma universidade168.
Hoje presidida por Jerry Falwell, a universidade é conhecida por sua forte influência
fundamentalista. Em seu site, ela destaca: “Liberty’s journey has been one of facing
giants, making the impossible possible, watching fervent prayer move mountains, and
Training Champions for Christ.”169 Isso resume bem o escopo de ensino da
Universidade que completou recentemente 50 anos. Aliás, não é demasiado lembrar que
Téo Hayashi estudou na Liberty nos anos em que passou nos EUA antes de assumir a
titularidade do pastorado na Igreja Monte Sião e implementar o movimento Dunamis no
Brasil, conforme tivemos ocasião de destacar em sua biografia aqui fornecida.
O anti-intelectualismo é uma característica histórica do movimento
fundamentalista estadunidense. O que em certa medida o movimento The Send traz
consigo neste foco é a necessidade de evangelizar os jovens universitários, conforme já
temos destacado. Para os fundamentalistas, as universidades são campos de batalha,
pois são espaços de saber que questionam as bases doutrinárias do cristianismo, mais
precisamente, do evangelicalismo. Sendo assim, os jovens devem ser salvos nas
universidades, pois as universidades são lugares em que os valores e a moral cristã são
colocados de lado. Marsden destaca como se deu dentro do movimento fundamentalista
estadunidense esse anti-intelectualismo:
After World War II many people were eager to discover the roots of the anti-
intellectualism and extreme anti-liberalism prevalent in the McCarthy era.
The fundamentalism of the 1920s seemed to provide an obvious precedent.
Norman F. Furniss's The Fundamentalist Controversy, published in 1954,
emphasized the anti-evolution aspect of fundamentalism and its predilection
de outubro de 2021.
160
for ignorance in the face of new ideas. Two more popular works of the 50s,
Inherit the Wind, a play by Jerome Lawrence and Robert E. Lee (1955), and
Ray Ginger's popular history, Six Days or Forever? (1958), dramatized
Bryan's last stand at Dayton. Both stressed the tension between rural and
urban as a source of fundamentalist intolerance. The most subtle analysis of
fundamentalist intolerance came from Richard Hofstadter in his Anti-
Intellectualism in American Life and The Paranoid Style in American
Politics, published in the early 60s. Hofstadter perceived status anxieties
among fundamentalists. "By the end of the century," he wrote, "it was
painfully clear to fundamentalists that they were losing much of their
influence and respectability." Their anti-intellectualism and paranoid style
were "shaped by a desire to strike back at everything modern—the higher
criticism, evolutionism, the social gospel, rational criticism of any kind."
(MARSDEN, 2006, p. 199, 2006)
Essa dinâmica de críticas que se caracterizou por atacar tudo o que é moderno,
é aquela presente dentro das igrejas evangélicas. A maior parte delas é contra o debate
de gênero, o debate em torno dos direitos das populações LGBTQI+. Nos EUA, ainda é
comum as cruzadas evangélicas contra o ensino da evolução, o filme contemporâneo
“God's not dead”, com sua tetralogia, é um exemplo de como os fundamentalistas ainda
atualmente patrocinam esse embate. Mais recentemente, esses ataques fundamentalistas
são direcionados ao tamanho do estado e a uma suposta perseguição religiosa. Essas são
temáticas defendidas pelos fundamentalistas atualmente.
Diferentemente da forma com que a população via o movimento
fundamentalista em meados de 1920, hoje suas pautas antimodernistas se tornaram
políticas de estado, sendo que a juventude é um dos braços de alcance dessa cosmovisão
nesse ressurgir da religião influenciando todos os espaços possíveis nas sociedades
civis. Destacamos esse fenômeno a partir da visão de Cunha:
atualmente comanda o MEC, está cheio de esquerdistas e deve ser limpo dessas
influências.
A voz mais representativa desse movimento fundamentalista no Brasil,
conforme já destacamos em um tópico que falamos exclusivamente de sua figura, é
Silas Malafaia, que é o grande perseguidor do pensamento intelectual dentro do espectro
evangélico. O pastor possui o status de “voz dos evangélicos”, infelizmente. Cunha
destaca:
importante reconhecermos que as direitas souberam fazer uso dessa ferramenta como as
esquerdas não souberam, e dentro desse espectro da direita, os fundamentalistas
evangélicos fazem uso das mídias sociais com uma efetividade significativa.
É inevitável não destacarmos dentro do espectro fundamentalista evangélico o
grupo de pentecostais, e analisando esse recorte, é também inevitável falarmos da figura
de Silas Malafaia, que há anos possui um programa em rede nacional de televisão e é
uma grande celebridade das mídias sociais também. O personagem que, fisicamente,
rememora os clássicos mafiosos da Cosa Nostra Italiana, é o que os estudos de
comunicação denominam de “digital influencer”170. Apenas na plataforma monopolista
de vídeos Youtube, Malafaia tem em seu perfil, Silas Malafaia Oficial171, 1,47 milhões
de inscritos na data em que escrevo o presente texto, que basicamente serve de
plataforma de pressão e proselitismo religioso e político.
O movimento The Send juntou lideranças evangélicas muito influentes nas
mídias sociais para organizar o evento do Brasil. Alguns desses nomes, inclusive, se
dedicam a produzir conteúdo exclusivo para essas mídias sociais, sem ao menos terem
vinculação com qualquer denominação evangélica como Deive Leonardo172, por
exemplo, que se tornou conhecido por ser o “pastor” (apesar de oficialmente ele não
possuir essa vinculação) de celebridades como jogador de futebol Neymar, o surfista
Gabriel Medina e o youtuber de comédia Whindersson Nunes. Apenas no Youtube,
Deive tem cerca de 6,64 milhões de inscritos em seu canal de pregações. Nomes como
Nelson Junior (Movimento Eu escolhi esperar)173, que possui mais de 1 milhão de
inscritos em seu canal do Youtube; Douglas Gonçalves (Jesuscopy)174, que possui mais
de 1,6 milhões de inscritos no Youtube; Lucinho Barreto175, que é ligado à Igreja
Batista da Lagoinha e possui 1,21 milhões de inscritos no Youtube, dentre outros nomes
170 Figura pública das redes sociais capaz de influenciar a opnião de milhares de usuários das principais
mídias sociais (Twitter, Facebook, Youtube e Instagram).
171 Disponível em https://www.youtube.com/c/SilasMalafaiaOficial. Acesso realizado em 19 de outubro
de 2021.
172 Disponível em: https://www.youtube.com/c/DeiveLeonardoo/about. Acesso realizado em: 19 de
outubro de 2021.
173 Disponível em: https://www.youtube.com/user/euescolhiesperar. Acesso realizado em: 19 de outubro
de 2021.
174 Disponível em: https://www.youtube.com/user/thejesuscopy/videos. Acesso realizado em: 19 de
outubro de 2021.
175 Disponível em: https://www.youtube.com/user/prlucinho. Acesso realizado em: 19 de outubro de
2021.
163
176 Todavia, se faz relevante a relativização da capacidade de alcance das mídias jovens evangélicas com
outros comunicadores jovens como Felipe Neto e Lucas Neto, que estão se conectando ao público juvenil.
Felipe Neto, por exemplo, possui mais de 43 milhões de seguidores apenas em seu canal do youtube.
Quando comparado com outros, o alcance dos midiáticos evangélicos ainda é pequeno perto de
celebridades do youtube que não objetivam produzir conteúdo proselitista.
177 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v6UnuAu6q-M. Acesso realizado em: 19 de
outubro de 2021.
178 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCZShhGzxHVd1xgiBhDDpYYA. Acesso
realizado em: 19 de outubro de 2021.
179 Disponível em: https://monitormercantil.com.br/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-usa-redes-sociais-
One line along which the dispensationalists at least were already well
entrenched by 1910 was Biblical inerrancy. Departing from their usual
practice, on this issue the editors chose only authors from their own camp.
They did not have to turn to the Princeton theologians to find a strong
defense of the complete inerrancy of Scripture. In fact their own emphasis on
the supernatural character of the Bible was so strong that, despite their
frequent protestations to the contrary, they tended to drift toward the dictation
theory. Even James M. Gray, while mentioning the element of human
personality in writing Scripture, immediately gives an illustration of a
stenographer who changed a "now" into a "not" to show how every detail
must be controlled by the original author. So by "miraculous control" the
Bible was an "absolute transcript" of God's mind. The Reverend George S.
Bishop similarly spoke with no qualification of the "dictated inspiration" of
the entire Bible and even referred to it as "a Book dropped out of
heaven."(MARSDEN, 2006, p. 122).
por exemplo, são criticados com textos bíblicos, voltando-se para a doutrina da
inerrância do texto sagrado.
O fato é que as mídias sociais são os espaços que os evangélicos mais usam
para propagar suas ideias. Os evangélicos que, até meados da década de 1980,
procuravam ser discretos, em muitos momentos decidindo viver um estilo de vida
privado, com o passar dos anos se tornam os maiores usuários das mídias no Brasil.
Esse processo possui alguma similaridade com os anos áureos da Moral Majority e da
Christian Coalition, nos anos Reagan nos EUA com a grande ascensão pública de
Falwell e Robertson, em sequência.
Aproveitando a sua exposição midiática, Robertson disputa as prévias das
eleições de 1988 pelo partido republicano, e acaba perdendo para o que viria a ser o 41º
presidente dos EUA George H. W. Bush (Bush pai). Esse processo de exposição no
Brasil rememora o modus operandi estadunidense a partir dos anos Reagan. No Brasil,
tivemos uma versão de Pat Robertson, que foi a candidatura de Pastor Everaldo, atual
presidente do PSC (Partido Social Cristão), que está preso por ser acusado de desviar
recursos da saúde pública. Pastor Everaldo que, não nos custa lembrar, foi quem batizou
Jair Bolsonaro em 2016, no rio Jordão, em Jerusalém. A candidatura de Pastor Everaldo
à presidência da república em 2014, assim como a candidatura de Pat Robertson às
prévias do partido republicano em 1987, fracassaram. Em 2014, no Brasil, veríamos a
reeleição da presidenta Dilma Rousseff, porém foi um movimento evangélico em
direção ao cargo mais importante do executivo.
Conforme temos procurado fazer na presente dissertação, temos elencado
similaridades entre alguns processos que envolveram os fundamentalistas evangélicos
nos EUA e no Brasil. Porém nossa análise se propõe a estabelecer similaridades,
conscientes das diferenças que, em muitos casos, são maiores do que as similaridades e,
ao realizarmos esse exercício comparativo entre as candidaturas de Robertson e
Everaldo, as candidaturas dos EUA e Brasil respectivamente, nos trazem mais
diferenças do que similaridades. Por exemplo, Pat Robertson ainda é uma figura
midiática conhecida nos EUA; criador do programa de televisão Clube 700, é um
evangelista conhecido quase que no mundo todo. Já Pastor Everaldo foi uma produção
regional aqui do Brasil, não era e não é conhecido mundialmente como Pat Robertson.
A similaridade que encontramos está na organização de parte relevante dos evangélicos
e, coincidentemente, a parte fundamentalista dos EUA, se unindo em torno de uma
candidatura executiva, em momentos históricos completamente distintos, mas com
166
Por outro lado, as igrejas passam a não ter mais o controle do sagrado e da
doutrina como tinham antes (HOOVER, 2014). As mídias digitais tornam
possível que qualquer pessoa que manifeste uma fé, tenha ela vínculo formal
com uma instituição cristã ou não, expresse suas ideias, reflexões e opiniões
168
Essa ocupação de espaços nos parece essencial para o estilo de vida evangélico
no Brasil. Mais do que isso, essa adaptação foi essencial para o estilo de vida
fundamentalista evangélico no Brasil que se adaptou a cultura e passou a disseminar sua
ideologia político-religiosa de uma forma muito mais “leve” para o público em geral. O
maior exemplo dessa transformação pode ser visto na figura do pastor Claudio
Duarte180, convertido na Igreja Batista, da convenção nacional, que é uma vertente
batista pentecostal. O pastor carioca é conhecido por seus sermões “engraçados”, com
muitas piadas, sendo que a sua principal temática é a família. O pastor possui grande
circulação no meio evangélico brasileiro, possui cerca de 6 milhões de seguidores no
Instagram181, e cerca de 6 milhões no Facebook182. No seu canal do Youtube, ele possui
outubro de 2021.
182 Disponível em: https://www.facebook.com/ClaudioDuartePastor. Acesso realizado em: 21 de outubro
de 2021.
170
Esse ativismo tem se dado presencialmente nas ruas, como na anual Marcha
para Jesus, evento de massa realizado pela Igreja Renascer em Cristo, no
feriado católico de Corpus Christi, na cidade de São Paulo, com a presença
de políticos evangélicos ou apoiados por igrejas evangélicas; ou em
manifestações especificamente convocadas por lideranças evangélicas, como
a Marcha pela Família Tradicional, realizada em Brasília, em 2013,
convocada pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil, à época presidido
pelo pastor Silas Malafaia; ou ainda em atos públicos em locais estratégicos,
como os que são realizados pela Frente Evangélica pelo Estado de Direito,
criada em 2016, para fazer oposição ao processo de impeachment de Dilma
Rousseff. Os ativistas também são mobilizados a distância, por meio de
manifestações múltiplas na internet, em especial postagens escritas, em
áudios e em vídeos em mídias digitais (websites, blogs, e mídias sociais),
especialmente o Twitter e o Facebook, como demonstrado no mapeamento
realizado pela autora em 2016 (CUNHA, 2017a). (CUNHA, 2019, p. 15).
É nesse espaço de mobilização, através das mídias, que o The Send mostra a
sua força de mobilização. As redes sociais viabilizaram a lotação simultânea de 3
estádios de futebol com jovens evangélicos brasileiros. É diante do ativismo evangélico
nas mídias sociais que são fortemente usadas por brasileiros, que o The Send teve até
aqui o seu ápice. Após os eventos do Brasil, o movimento perde força principalmente
com a chegada da pandemia. Mas não poderíamos esquecer dessa importante ferramenta
de mobilização dos evangélicos que são as mídias e, mais especificamente, as mídias
sociais, em que o ideário fundamentalista evangélico se sobressai sobre outras
possibilidades de ser evangélico.
espaços, pois o profano é sacralizado pelo sagrado com a presença de políticos que são
santificados pelos líderes religiosos; temos as mídias sociais que se tornaram a principal
forma de comunicação de lideranças evangélicas e, por fim, temos o foco em formar
jovens missionários, o qual é o principal componente deste mecanismo, pois são esses
jovens missionários que irão “mudar a sociedade”.
Sendo assim podemos concluir que o mecanismo do The Send é composto por
diversos componentes que permitem com que o movimento ganhe alguma capilaridade
na população evangélica. Tal mecanismo, como temos chamado, é complexo como é
característico da análise sociológica, a qual busca analisar as sociedades humanas e suas
complexidades. Não estamos diante de um mecanismo que possui explicações prontas e
evidentes, mas ao chegarmos no final de nossa análise é evidente que estamos diante de
um fenômeno que está presente na periferia da sociedade e, mais precisamente, do
movimento evangélico já há algum tempo. Porém como temos tido ocasião de defender
na presente dissertação é um retrato das crenças que permeiam significativa parte do
ideário evangélico estadunidense e brasileiro como um todo.
177
CONCLUSÃO
última manifestação chamada pelo governo Bolsonaro, que reunião uma centena de
pessoas na Paulista e na esplanada dos ministérios em Brasilia, demonstrando mais uma
vez sua ligação com o atual governo.
O movimento The Send representa: o atraso, o mal-uso político da religião a
serviço das elites econômicas que oprimem o povo. O movimento The Send com sua
teologia do domínio fundamentalista é uma ameaça as democracias, pois se alia a
déspotas, ditadores que, como destacado, estão derrubando todas as bases democráticas
dos países, e essa relação despótica não é novidade para os membros de movimentos
independentes carismáticos como o The Send, pois eles estão acostumados com um tipo
de relação antidemocrática presente nas estruturas destas igrejas. Sendo assim, nossa
pesquisa nos leva a fazer um alerta e nos abre diversas linhas de aprofundamento desta
pesquisa pioneira e introdutória. Estamos diante de uma ameaça à democracia, que já se
consolidou dentro do campo evangélico e precisa ser combatida com conhecimento e
uma argumentação que fale diretamente com as pessoas que viabilizam estes
movimentos que, na prática, as oprimem em vez de as libertarem.
Nossa pesquisa se deparou com suspeitas que não puderam ser aprofundadas,
como a possibilidade de interlocuções de financiamento estatal a esses grupos, visto a
ligação direta do executivo federal com o movimento, a continuidade do The Send nos
pós eventos. Não conseguimos realizar pesquisas de campo no presente trabalho, devido
ao momento em que vivemos de desconfiança a pesquisadores que se aprofundam nesta
temática político-religiosa. Nossa pesquisa coloca diante da academia a necessidade de
realizar uma pesquisa de campo para qualificar o real entendimento dos jovens que
recebem toda a doutrinação e indução presentes nas doze horas de evento, e nas igrejas
INC´s.
O trabalho também abre portas de pesquisas para se analisar as ligações da
direita cristã do Partido Republicano ao movimento The Send, visto que vemos um
apoio declarado dos principais nomes do movimento ao atual “partido trumpista”, nossa
pesquisa também abre possibilidades de se aprofundar o movimento Dunamis,
especificamente a figura de Teo Hayashi, que se coloca como um intectual, como um
orquestrador de um movimento, que se alia ao bolsonarismo e doutrina jovens dentro de
universidades públicas e privadas. Já tivemos alguns ensaios acadêmicos que
mencionam Teo e o Dunamis, porém é importante o aprofundamente sobre sua figura,
seu movimento e a sua pregação, baseada no mandato dos sete montes, o seu estilo
“coach pastor”, deve ser fruto de aprofundamento acadêmico.
179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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London, v. 36, n. 72, 2011.
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missão (JOCUM) em Juazeiro do Norte-CE. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais). Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN), Natal, 2016.
Orientação de Maria Lúcia Bastos Alves.
NOLL, Mark; HARLOW, Luke. Religion and American politics: from the Colonial
Period to the Present. New York: Oxford University Press, 2007.
SILVA, Ivan. Jerry Falwell e a maioria moral: um estudo sobre a relação entre
religião e política no espaço público americano entre 1979 e 1989. Tese (Doutorado em
Ciência da Religião). Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, 2016.
Orientação de Wilmar do Valle Barbosa.