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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MARCELO SOARES FERREIRA JUNIOR

NEOLIBERALISMO EM CONFRONTO COM A SENSIBILIDADE


SOCIAL NO METODISMO BRASILEIRO

São Bernardo do Campo


2021
MARCELO SOARES FERREIRA JUNIOR

NEOLIBERALISMO EM CONFRONTO COM A SENSIBILIDADE


SOCIAL NO METODISMO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth.

São Bernardo do Campo


2021
FICHA CATALOGRÁFICA
F413n Ferreira Junior, Marcelo Soares
Neoliberalismo em confronto com a sensibilidade social no
metodismo brasileiro / Marcelo Soares Ferreira Junior -- São Bernardo
do Campo, 2021.
108 p.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Diretoria de


Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2022.
Bibliografia
Orientação de: Lauri Emilio Wirth.

1. Neoliberalismo 2. Desigualdade social 3. Teologia wesleyana


4. Igreja Metodista - Brasil I. Título
CDD 287.0981
A dissertação de mestrado intitulada “NEOLIBERALISMO EM CONFRONTO COM A
SENSIBILIDADE SOCIAL NO METODISMO BRASILEIRO”, elaborada por
MARCELO SOARES FERREIRA JUNIOR, foi apresentada e aprovada em 28 de
novembro de 2022, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Lauri Emílio
Wirth (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Jung Mo Sung (Titular/UMESP) e Prof. Dr.
Claudio Ribeiro de Oliveira (Visitante/Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

____________________________________________________________
Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

____________________________________________________________
Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião.

Área de Concentração: Religião, sociedade e cultura.

Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais.


In Memoriam: Terezinha Moreira Bueno
Farias, Leonice Duarte de Farias e Denílson
Marcelino de Farias. Em homenagem a todas
as famílias e vítimas de Covid-19 no Brasil.
AGRADECIMENTOS

Gratidão à Jessica, minha companheira e amor da minha vida. Obrigado por


acreditar, incentivar, encorajar sempre. E a minha filha Isis Ferreira Silva, minha
alegria. Gratidão à minha família: mãe, Isabel Pereira Guedes e ao meu pai, Seneval
Teixeira Chaves e minha irmã Giovanna, por todo o incentivo durante a pandemia.
Obrigado por sempre acreditarem, investirem e respeitarem a minha jornada de vida.
Gratidão à Universidade Metodista de São Paulo. A todos os meus professores,
em especial ao Dr. Jung Mo Sung, ao Dr. Helmut Renders e à Dra. Sandra Duarte e
a todos os demais professores e professoras com suas provocações, diálogos e ricas
contribuições em sala de aula. Todos estão eternizados em minha vida acadêmica e
teológica como pastor da Igreja Metodista no Brasil.
Gratidão ao meu orientador, Dr. Lauri Emilio Wirth. Foi um privilégio e uma honra
construir este projeto sob sua orientação, conselhos e, principalmente, seu cuidado
quando pensei em desistir por problemas de saúde, acarretados pelas perdas de
familiares pela COVID19. Obrigado por caminhar ao meu lado no momento mais difícil
de minha vida. Sou grato eternamente pelo seu acolhimento, disponibilidade e
generosidade. Grato pela sua influência positiva em minha formação, pelas
inspirações teológicas e pastorais, pelas inovações e pelas inumeráveis reflexões
provocadas nesta jornada acadêmica.
Esta pesquisa foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Brasil – código de financiamento 001.
“Mãe, no céu tem pão?” Voz trêmula de febre
e fome; corpinho raquítico nos braços da
mãe, que tem o seu coração dilacerado pela
dor e pelo desespero. Uma pergunta feita no
sertão perdido de um Brasil marcado por
contrastes. Rostos de menores de rua
famintos refletidos nos vidros de luxuosos
carros importados de norte/nordeste a sul do
Brasil. Insensibilidade, que beira o cinismo,
no maior país católico do mundo, numa
sociedade de que se orgulha de sua tradição
cristã. ‘No céu tem pão?’ Pergunta pouco
ouvida nas nossas Igrejas. E, por isso, pouco
respondida. Por que será? Será que a
insensibilidade da sociedade, aos poucos,
está se estalando também nas nossas
comunidades cristãs? Não acredito. Ou,
melhor, não quero acreditar” (SUNG, 2008, p.
7).
RESUMO

A pesquisa analisa as transformações nas práticas teológicas e pastorais da Igreja


Metodista no Brasil, a partir da hipótese de que está em curso um considerável
distanciamento da sensibilidade social em setores do movimento metodista no Brasil.
A pesquisa problematiza estes deslocamentos como influência do neoliberalismo,
especialmente das propostas desta ideologia de organizar todas as esferas da
sociedade em função do mercado e dos interesses privados e empresariais. As fontes
que respaldam nossa suspeita são documentos elaborados para direcionar a
educação teológica de leigos da Igreja Metodista no Brasil, sobre a responsabilidade
social entre os anos 1990 a 2000. Esses materiais serão confrontados com a prática
teológica e pública do seu fundador histórico, John Wesley, especialmente seus textos
que tratam sobre o combate às desigualdades sociais e a opção pelos pobres,
indefesos e oprimidos de sua época. No primeiro capítulo abordaremos os temas,
acentos e ênfases da teologia wesleyana e sua influência determinante nas práxis
sociais propostas para o metodismo brasileiro. O segundo capítulo sintetiza, em traços
gerais, o neoliberalismo e sua capacidade de inversão ético-espiritual na negação da
ética e da justiça social e seu impacto no campo religioso brasileiro. No terceiro
capítulo os achados do primeiro e do segundo servirão como chaves interpretativas
para a análise dos documentos e atual realidade da Igreja Metodista no Brasil.

Palavras-chave: Neoliberalismo. Sensibilidade Social. Desigualdades Sociais.


Teologia Wesleyana. Igreja Metodista no Brasil.
RESUMEN

La investigación analiza probables transformaciones en las prácticas teológicas y


pastorales de la Iglesia Metodista en Brasil. Se sospecha que existe un considerable
distanciamiento de la sensibilidad social en sectores del movimiento metodista en
Brasil. La investigación discute estos cambios como la influencia del neoliberalismo,
especialmente las propuestas de esta ideología de organizar todas las esferas de la
sociedad en términos de mercado e intereses privados y empresariales. Las fuentes
que sustentan nuestra sospecha son documentos diseñados para orientar la
educación teológica de los laicos de la Iglesia Metodista en Brasil sobre la
responsabilidad social entre los años 1990 a 2000. Estos materiales serán
confrontados con la práctica teológica y pública de su fundador histórico, John Wesley,
especialmente sus textos que tratan sobre la lucha contra las desigualdades sociales
y la opción por los pobres, indefensos y oprimidos de su tiempo. En el primer capítulo
abordaremos los temas, acentos y énfasis de la teología wesleyana y su influencia
determinante en la praxis social propuesta por el metodismo brasileño. El segundo
capítulo resume, en general, el neoliberalismo y su capacidad de inversión ético-
espiritual en la negación de la ética y la justicia social y su impacto en el campo
religioso brasileño. En el tercer capítulo, los hallazgos del primero y segundo servirán
como claves interpretativas para analizar los documentos y la realidad actual de la
Iglesia Metodista en Brasil.

Palabras clave: Neoliberalismo. Sensibilidad social. Diferencias sociales. Teología


wesleyana. Iglesia Metodista de Brasil.
ABSTRACT

The research analyzes probable transformations in the theological and pastoral


practices of the Methodist Church in Brazil. It is suspected that there is an ongoing
considerable distancing from social sensitivity in sectors of the Methodist movement in
Brazil. The research discusses these shifts as the influence of neoliberalism, especially
the proposals of this ideology to organize all spheres of society in terms of the market
and private and business interests. The sources that support our suspicion are
documents designed to direct theological education of lay people in the Methodist
Church in Brazil on social responsibility between the years 1990 to 2000. These
materials will be confronted with the theological and public practice of its historical
founder, John Wesley, especially his texts that deal with the fight against social
inequalities and the option for the poor, defenseless and oppressed of his time. In the
first chapter we will address the themes, accents and emphases of Wesleyan theology
and its determining influence on the social praxis proposed for Brazilian Methodism.
The second chapter summarizes, in general, neoliberalism and its capacity for ethical-
spiritual inversion in the denial of ethics and social justice and its impact on the
Brazilian religious field. In the third chapter, the findings of the first and second will
serve as interpretive keys for analyzing the documents and current reality of the
Methodist Church in Brazil.

Keywords: Neoliberalism. Social Sensitivity. Social differences. Wesleyan Theology.


Methodist Church in Brazil.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12
1 “EU NÃO CONHEÇO SANTIDADE QUE NÃO SEJA SOCIAL”: ASPECTOS DA
SENSIBILIDADE SOCIAL EM JOHN WESLEY .............................................. 16
1.1 Preocupação social: Um compromisso público de John Wesley .............. 19
1.1.1 Graça Social: uma crítica wesleyana sobre as exclusões sociais .................... 21
1.1.2 Santidade social para erradicar as desigualdades sociais ............................... 24
1.1.3 O espírito da teologia wesleyana e o metodismo no Brasil? ............................ 31
1.1.4 Utilizar o pensamento teológico Wesleyano para reforçar o que? .................... 32
1.2 Espiritualidade neoliberal e a negação dos subalternos no Brasil .............. 34
1.3 Wesley, os pobres e a teologia wesleyana latino-americana ....................... 40
1.4 Crises e impactos teológicos no metodismo brasileiro ............................... 41
1.4.1 Os resquícios teológicos do metodismo estadunidense no Brasil .................... 43
1.4.2 Superação teológica e pastoral do metodismo brasileiro é possível? .............. 45
1.4.3 Divergências e conflitos do conservadorismo no metodismo brasileiro ........... 47
2 O NEOLIBERALISMO: HISTÓRIAS E IMPLICAÇÕES .................................. 50
2.1 Raízes neoliberais na sociedade .................................................................. 54
2.1.1 Principais teóricos do neoliberalismo .............................................................. 55
2.1.1 Friedrich August von Hayek ............................................................................. 56
2.1.2 Milton Friedman ............................................................................................... 57
2.1.3 Sociedade de Mont-Pèlerin ............................................................................. 58
2.2 A implantação do pensamento neoliberal na América Latina .................... 58
2.2.1 Neoliberalismo em terras brasileiras ................................................................ 60
2.2.2 Os efeitos colaterais do neoliberalismo no Brasil ............................................. 64
2.2.3 Críticas ao sistema econômico neoliberal ........................................................ 68
3 NEOLIBERALISMO EM CONFRONTO COM A SENSIBILIDADE SOCIAL
WESLEYANA NO METODISMO BRASILEIRO .............................................. 72
3.1 A cultura do consumo apoderando-se do campo religioso ....................... 73
3.1.1 O mundo e as religiões em crise na sociedade neoliberal ............................... 75
3.1.2 A sacralização do mercado e a inversão dos direitos sociais .......................... 78
3.1.3 A inversão do conceito de justiça social e suas consequências ...................... 81
3.2 Religião Social: Um caminho teológico para o metodismo brasileiro ...... 83
3.2.1 Wesley o indivíduo e a salvação social no século XVIII ................................... 85
3.2.2 Sensibilidade social: A identidade teológica Wesleyana .................................. 88
3.2.3 História e contribuição do Credo social à Igreja Metodista brasileira ............... 90
3.3 Metodismo no Brasil: negar o mercado ou a sensibilidade social? ........... 93
3.4 O social como projeto salvífíco de Deus no Brasil ...................................... 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 100
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 103
12

INTRODUÇÃO

O tema que será apresentado é de interesse e para ser mais exato é uma
obsessão do autor compreendêlo, justamente por sua complexidade que envolve este
movimento religioso chamado metodismo, integrante do “protestantismo de missão”.
Outro motivo para aprofundar esta pesquisa é que este mesmo grupo religioso faz
parte da história de vida do autor, desde os seus três anos de idade. Pois é neste solo
que estão as raízes de sua vida religiosa e sua relação com a história do metodismo
no Brasil. Desta realidade brotaram alegrias e os conflitos, satisfações, frustações que
foram aumentando ao longo do tempo.
Mas quando este caminho começou a embaraçar-me, surgiram muitas
amizades profundas e da mesma forma distanciamentos dolorosos. Devido ao clamor
e luta por justiça social na sociedade capitalista e por trabalhar para erradicar as
inúmeras desigualdades sociais existentes entre nós.
A discussão sobre este tema aborda a tensão teológica, missiológica e pastoral
no seio do metodismo brasileiro. Ao longo do tempo, foram feitas inúmeras tentativas
para a igreja metodista no Brasil se aproximar do pensamento teológico do seu
fundador histórico, John Wesley, especialmente a um dos elementos essenciais da
sua concepção teológica: a sensibilidade social.
A motivação para esta pesquisa surgiu da necessidade de se investigar o
porquê da igreja metodista no Brasil se silenciar e ter se distanciado de uma das suas
principais bases teológicas, e isso num país marcado por contrastes de exclusão e
desigualdade social. Assim, o desenvolvimento da dissertação se dá pela vivência
acadêmica e também no cotidiano do labor ministerial.
Pessoalmente o autor, que hoje é pastor da Igreja Metodista em Cornélio
Procópio – Paraná vivenciou um contato com um grupo de metodistas em 1995, ano
em que sua cidade, Jandaia do Sul – localizada no norte do PR decretou estado de
calamidade pública por uma situação anormal, provocada por um forte temporal de
chuva de granizo que causou grandes danos e prejuízos à cidade.
Essa experiência trouxe sua mãe a conhecer a Igreja Metodista, na década de
noventa. Os metodistas tinham uma ênfase nacional neste período: “comunidade
missionaria a serviço do povo”, foi por ela que o autor e sua mãe foram salvos e
resgatados. Na época eles moravam numa das periferias da cidade, que foram mais
13

afetadas pela tempestade, por conta que todos os telhados desta vila eram cobertos
de telhas de Eternit, fibrocimento ondulada que foram totalmente destruídas.
O cenário de destruição tornou-se pior, quando sua avó que estava cuidando
do autor no momento do temporal, sofreu um enfarto abraçada com o mesmo,
embaixo de uma pequena mesinha de madeira de peroba. Foi essa mesinha que os
protegeu das grandes pedras, porém infelizmente a sua avó faleceu momentos após
o temporal passar.
Esta é a história que fez o autor se interessar por um dos aspectos essenciais
da teologia wesleyana. Imagine uma criança, abraçada com a sua avó, enfartando um
grande perigo e, após a tempestade cessar, serem acolhidos por um grupo religioso
que mal conheciam. Pois bem, foi assim que conheceram a Igreja Metodista brasileira.
Em um dos momentos mais difíceis e dolorosos da vida, o grupo aplicava a sua
teologia em sua missão local, “somos sensíveis ao sofrimento humano e assumimos
um compromisso em acolher e cuidar dos moradores dos bairros mais atingidos da
cidade”. Esse foi um trecho da fala dos fiéis da Igreja Metodista na época para a mãe
do autor. Com o passar do tempo, o autor viria a entender que a atitude daquela
comunidade expressava a fidelidade bíblico-teológico-histórico-pastoral da tradição
wesleyana, um conceito chave do pensamento teológico de John Wesley, qual seja,
a salvação social de grupos subalternos na sociedade.
Assim sendo, a pesquisa suscitou o seguinte questionamento: O que está
acontecendo na sociedade que tem conduzido o movimento metodista no campo
religioso brasileiro a se distanciar, nas últimas décadas, da prática teológica,
missionária e pastoral do seu fundador histórico? Um dos aspectos centrais do
pensamento wesleyano é o de que todos somos “sociais”, em essência, e que a
religião deveria ser vista também por esse viés.
Para responder essa questão, a pesquisa se desenvolve em três capítulos,
além desta introdução. No primeiro capítulo analisamos a contribuição wesleyana no
campo teológico, se referindo ao reconhecimento de que grande parte da dinâmica e
vigor de John Wesley nasceu da coerência que está entrelaçada com as dimensões
materiais, sociais e pessoais. Nosso ponto de partida é sobre a vida e obra de John
Wesley, em textos significativos que discutem a densidade histórica do metodismo
nascente com diversos teólogos que interpretam a herança metodista no contexto
brasileiro.
14

No segundo capítulo, examina-se a profunda e ampla reorganização política,


econômica, social e ideológica que estamos vivendo. No centro dessa reorganização
está o chamado neoliberalismo e suas propostas para organizar a sociedade em
função do mercado e dos interesses privados e empresariais.
Nesse esforço de reorganização da vida social e política, velhas instituições e
antigos conceitos são redefinidos de acordo com seus interesses e novos conceitos
são introduzidos e impostos na sociedade. Uma das ferramentas de conquista é a
própria teologia que ocupam lugar privilegiado, como um dos muitos elementos
passíveis de serem utilizados como técnica de governo, regulação e controle social
nas comunidades cristãs.
Surgem razões a partir da economia que levantam abordagens sobre o
fenômeno religioso, e como o sistema capitalista se utiliza da aspiração humana para
estabelecer seus interesses. Portanto, como a teoria do mercado tornou-se
responsável por regular ou reorganizar a sociedade consumista, a religião também
não pôde escapar dessa função reguladora do mercado.
A teologia que é responsável por fornecer a linguagem e também a promotora
de identidade que organiza o modo de pensar e o sentido de vida dos fiéis no
comprometimento com a vida e a sociedade, segundo o modelo de Jesus Cristo, que
questiona sistemas de dominação e morte, à luz do Reino de Deus, pode estar sendo
modificada ou alterada conforme as exigências do campo religioso.
Uma pergunta central do segundo capítulo é se a economia de mercado se
beneficia da religião, ou se ela emprega a religião a seu serviço, assim podendo
controlar grupos religiosos cristãos para fins neoliberais. Com isso, a dimensão
econômica do neoliberalismo é salientada em sua cosmovisão, englobando os traços
abstratos do mercado, da concorrência, da produtividade e das ambições.
Esse programa de recorte neoliberal depois de acolhido, tanto nos países do
centro como em alguns da periferia, provocou uma modificação considerável, no que
se refere à maneira de viver e interpretar o mundo de muitas pessoas, o que originou
um novo sentido do que seja a condição humana. O presente capítulo também abarca
o período de implantação do neoliberalismo no Brasil, com enfoque no seu ingresso
nas gestões políticas do país e os seus efeitos causados no corpo social.
O capítulo terceiro analisa “o caso do metodismo” não como uma situação
isolada, mas como objeto de pesquisa para analisarmos as origens do movimento que
nos fizeram refletir sobre os pressupostos das práxis sociais na missão do metodismo
15

primitivo e as possíveis alterações devido à lógica mercadológica e as influências na


prática teológica e pastoral da Igreja Metodista brasileira.
Partimos de pressuposto básico de que temos que ir às raízes do metodismo
para compreender sua “natureza e função” e trazermos pistas para o modo de ser e
de agir do metodismo hoje. Não desejamos trazer uma estrutura do passado para o
presente, nem desejamos tentar repetir uma história e sim verificar os fundamentos
teológicos e a vivência wesleyana na abertura ao mover do Espírito e no compromisso
social, para servirem de base para o nosso tempo, levando em conta a atual cultura e
o contexto social e político do país. A vivência e os atuais conflitos no metodismo nos
levam a buscar impulsos e inspiração no passado, já que constantemente as diversas
tendências dentro da Igreja buscam em Wesley os fundamentos para suas práticas
bíblico-teológico-histórico-pastoral.
16

1 “EU NÃO CONHEÇO SANTIDADE QUE NÃO SEJA SOCIAL”: ASPECTOS DA


SENSIBILIDADE SOCIAL EM JOHN WESLEY

O principal objetivo deste capítulo é entender a preocupação social de John


Wesley, que entrelaça as dimensões materiais, sociais e pessoais. Deste modo, para
conhecermos a sua contribuição teológica e sua perspectiva social é essencial
lembrarmos que John Wesley, como anglicano, procurou viver um caminho teológico
diferente do clássico contraponto ente Catolicismo Romano e Reforma Protestante.
Wesley bebeu de inúmeras fontes teológicas e as reinterpretou conforme cada
momento histórico.
Portanto, para compreendermos a relação de John Wesley com as questões
sociais de sua época, é necessário irmos às raízes do movimento metodista no século
XVIII. Outra questão que procuraremos analisar é o afastamento de tendências do
movimento metodista brasileiro da sensibilidade social, já que uma das características
do movimento metodista luta contra as desigualdades sociais.
Com isso, percebemos que a teologia de John Wesley era desenvolvida através
do diálogo com a vida. Uma teologia que não interage com a vida pode esquecer seu
foco soteriológico, porém não é assegurado que soteriologias garantam o foco com a
vida. Pois podemos dialogar sobre a vida ou salvação e ainda ignorarmos questões
que prejudicam a vida. Desta forma, a soteriologia social representa o centro da
teologia metodista (RENDERS, 2010, p. 23).
John Wesley foi reconhecido pelo impacto social que o metodismo obteve no
século XVIII, em muitos aspectos e sentidos na Inglaterra. Segundo Rui Josgrilberg
(2009), o fundador histórico do movimento metodista já foi chamado de “apóstolo da
santidade social”. Apesar deste reconhecimento, as razões e os seus significados e
os resultados desse entrelaçamento social são desconhecidos ou encobertos após a
institucionalização do movimento metodista pelo mundo.
Buscaremos tornar compreensivo o que se entende por social na vida e obra
de John Wesley, para conhecermos importantes traços da teologia wesleyana e de
sua hermenêutica nas ações pastorais e públicas. Esse conceito tem vários
significados, por exemplo, Wesley falou da “religião social” e da “santificação social”.
Assim o movimento metodista na virada do século XIX para o século XX, dialogava
com outros grupos protestantes sobre a importância do “conceito social”.
17

O conceito Social já sofreu inúmeras variações ao longo do tempo, e essas


alterações causaram significativas mudanças de compreensão da sociedade de modo
geral. Segundo Helmut Renders (2010), este conceito nasce do âmbito secular, fala-
se, por exemplo, do socialismo, da democracia social ou da economia social do
mercado. Por isso, procuraremos entender o real significado do conceito social, a
partir do pensamento teológico de John Wesley.
Partimos, portanto, do pressuposto de que a referência consciente e constante
ao social descreve e aponta uma das principais características teológicas deste
movimento religioso, o que se mostra no compromisso dos metodistas com as causas
ou questões sociais na sociedade.
Apesar de saber que na contemporaneidade existe uma abrangência de
significados diferentes, no que se refere ao “conceito social”, buscaremos focar no uso
deste conceito a partir do pensamento em John Wesley, para entendermos o sentido
da palavra “social” nas suas ações teológicas, pastorais e públicas.
Feito isso, analisaremos se a Igreja metodista no Brasil tem experimentado
gradativamente em sua história uma perda de uma das principais ênfases ou
características do pensamento teológico de John Wesley, qual seja a chamada
“sensibilidade social”.
E para obtermos uma interpretação equilibrada nos debruçaremos em
resultados da pesquisa wesleyana e reforçaremos a necessidade de focar no agir
teológico de John Wesley a partir de si mesmo e de sua prática pastoral, para
compreendemos que Wesley não buscou ser um teólogo inovador, ele apenas se
diferenciava através de suas sínteses 1 de solidariedade com a práxis do movimento
metodista na sua época.
Não pretenderemos mostrar John Wesley interpretado por autores que
descrevem e insistem no dualismo que tem uma visão de sua vida dividida em dois
reinos, o terrestre e o eterno. Orientamonos segundo pesquisas wesleyanas que
consideram esse dualismo um solo de muitos equívocos.
Ressaltamos que o objetivo não é narrar ou fazer interpretações de
especialistas que procuram ver ou fazer de Wesley um reformador tardio, na mesma
linha da tradição dos reformadores do século XVI, apenas se diferenciando pela

1
“John Wesley faz sínteses, em geral, acrescentando algo na sua visão modificada pelas práxis, ou
seja, seu pensamento teológico foi transformado ao longo de sua história de vida, após conhecer outras
realidades teológicas e sociais” (JOSGRILBERG, 2009, p. 48).
18

influência dos pais da igreja, talvez essa perspectiva cumpriu apenas a função de
resgatar a teologia wesleyana colocada no século XIX e começo do século XX.
Para não romantizarmos, apontaremos que Wesley não teve os “pés na terra”
e a “cabeça nas nuvens”. Suas sínteses são elaboradas a partir de suas relações
sociais, por isso, não podemos nos iludir ou esperar uma coerência absoluta, até em
seus escritos. Encontramos margem para várias interpretações, às vezes
contraditórias. Por isso, é preciso reconhecer as incoerências e imperfeições da vida.
De forma idêntica isso acontece nas sínteses de Wesley.
Mesmo incompletas, elas foram suficientes para arquitetar seu caminho.
“Nunca passou pela cabeça de Wesley, ser um revolucionário ou reformador social,
mas o mesmo pregava sobre a importância do social para a salvação humana”,
(JOSGRILBERG, 2009, p. 49).
Para Josgrilberg (2009), o caminho teológico retratado em suas sínteses foi
buscar um novo caminho que se confirmasse na prática, assim ele estava longe do
dualismo luterano entre razão e fé. Ele se aproximou mais perto de uma perspectiva
anglicana, temperada pelo arminianismo, que buscou entender o mundo e o ser
humano, a sociedade e o indivíduo, sustentados e confrontados com a experiência e
explicados pela prática do caminhar pessoal, comunitário e social.
A fim de ultrapassar e entender algumas insuficiências em que descrevem o
social em Wesley podemos indicar como exemplo, que metodistas se utilizam do
Credo social da igreja, tratando-o com viés doutrinal apenas para fins evangelísticos.
Além das sínteses teológicas wesleyanas é necessário, mapear a gênese das ideias
do indivíduo e do social que motivaram o fundador do movimento metodista. A partir
de uma prática coerente da sua cosmovisão que conseguiremos ler suas sínteses que
contemplam as relações de um indivíduo com a sociedade.
Contudo é importante ressaltar que não se trata de revisitar uma teologia
perfeita ou acabada, muito pelo o contrário, a mesma deve estar em constante
avaliação, reconhecendo sempre suas limitações com o tempo e o contexto de sua
aplicação teológica, mas o que se destaca na trajetória de Wesley é sua preocupação
e sua presença social, mesmo que de cunho assistencial em obras como Escolas,
bibliotecas públicas, publicações, atendimento médico aos necessitados, socorro aos
pobres (famintos, viúvas, órfãos, pessoas desempregadas), manifestações públicas,
denunciando à escravidão, e muitas outras formas (JOSGRILBERG, 2009, p. 50).
19

1.1 Preocupação social: Um compromisso público de John Wesley

Como já mencionamos, John Wesley foi influenciado por inúmeras tradições


distintas, o que nos ajuda a entender a diversidade do pensamento teológico, que
tange o uso do conceito social na teologia do movimento metodista. Por isso,
precisamos tomar a visão teológica de Wesley no seu todo, para não nos contentar
em repetir os sociólogos e historiadores acerca do século XVIII, que, muitas vezes,
fundamentam suas análises em textos de Wesley, tomados de forma isolada, o que
pode levar a vários equívocos.
Os posicionamentos de Wesley diante dos problemas sociais estão conectados
com a noção de indivíduo e de social no século XVIII, desenvolvidos antes da
Sociologia e da Economia Política. Porém é comprovado que Wesley foi um leitor
voraz, bebendo de Hobbes, Locke, Rousseau, e tinha uma compreensão dos inícios
dos estudos econômicos na Inglaterra (JOSGRILBERG, 2009, p. 51).
Assim, o seu pensamento social foi se desenvolvendo na prática espiritual do
movimento metodista primitivo e influenciado por outras tradições. Por esse caminho,
Wesley chegou a uma compreensão da graça de Deus que abrangia a natureza
(criação) e a sociedade (aspecto social da salvação), o que foi reconhecido mais tarde
por inúmeros estudiosos de sua teologia (SOUZA, 2019, p. 10).
Com isso, surge a ênfase nas questões sociais na tradição metodista, o
conceito “social” é uma das marcas que caracterizam o metodismo, pois aparecem
com muita frequência e com significados variados (RENDERS, 2006, p. 26). A questão
é que, desde o início, o movimento metodista rejeitou uma “religião solitária” e buscou
viver um modelo de espiritualidade comunitário. Vejamos o comentário a respeito da
religião solitária feito por Charles Wesley e John Wesley (1739, p. 321-322):

Porque a religião, na qual estes autores pretendem nos edificar, é uma


religião solitária [...] O evangelho de Cristo está diretamente oposto a isso.
Religião solitária não se encontra aqui. “Santos solitários” é uma frase nada
mais consiste com o evangelho do que “adúlteros santos”. O evangelho de
Cristo não reconhece nenhuma religião que não seja social; nenhuma outra
santidade que não seja a “santidade social”.

É por este viés que nasce o metodismo na Inglaterra do século XVIII, período
marcado pelas questões sociais e por um cristianismo conhecido pela sua esterilidade
20

e impotência em elevar o clima da sociedade circundante. Ao invés de influenciar e


propor mudanças ao contexto caótico existente a Igreja Anglicana, Igreja oficial da
Inglaterra na época, caracterizava-se pela apatia religiosa e pela degeneração moral.
Nesse contexto, procurando caminhos para a superação dos seus impasses,
da sua desesperança e irresponsabilidade em relação aos pobres que surge o
metodismo. Segundo Tucker (1948), enquanto John Wesley ensinava a sua doutrina
de salvação individual, compreendeu que a salvação era também social.
É dentro do contexto de exploração econômica e outros fatores sociais, que
nasce o movimento metodista, que logo confronta estas realidades. John Wesley, na
vivência cotidiana, sente o sofrimento do povo diante de uma sociedade desigual e
injusta e percebe o pecado nas estruturas religiosas, políticas, econômicas e sociais.
O movimento metodista, no século XVIII, nasce ligado ao movimento operário,
o nascente proletariado industrial e como uma igreja de trabalhadores e trabalhadoras,
por conta dos impactos da revolução industrial. Este é o lugar social de nascimento
do movimento metodista que é determinante para a elaboração da teologia que
denunciou e propôs caminhos para a realidade social da Inglaterra do século XVIII.
Foi Wesley – ultraconservador em política e sacerdotal em questões de
organização – o primeiro a chegar aos “pobres de Cristo”, quebrando o tabu calvinista
que tinha como mensagem: “A única coisa a fazer é salvar almas” (THOMPSON,
1987, p. 36). O metodismo, em seu início, cresceu junto às classes pobres na
Inglaterra, especialmente a classe operária. Cresceu e amadureceu diante do mover
do Espírito Santo, o chamado revival2 metodista, que proporcionou santificação e o
impulsionou a ser “solidário” com as classes oprimidas e empobrecidas.
Portanto, a ênfase da teologia wesleyana é marcada pela “sensibilidade social”
caracterizando a identidade do povo chamado metodista. O movimento metodista
buscou, no início, não se distanciar da realidade integral da vida humana, diante do
Estado que fechou os olhos para a realidade social dos necessitados deste período.
Neste estudo apontaremos um caminho não fechado em si mesmo, mas como
uma possibilidade teológica que pode auxiliar inúmeras vertentes religiosas na
construção de uma espiritualidade comunitária, onde a dignidade humana seja
prioridade para todos e todas.

2
Max Weber fala em "poderoso revival do Metodismo", na Inglaterra.
21

Também não pretenderemos absolutizar a teologia Wesleyana, por que já


descobrimos que toda “teologia é uma má teologia”. Procuramos entender as
contribuições desta teologia para uma prática que fortaleça nossas espiritualidades
de forma integral e comunitária para compreendermos e reassumirmos as suas
contribuições e cooperação no desenvolvimento de um mundo que seja sustentável,
econômico, social e ambiental.
Contudo, não podemos cair na ilusão ou erro de acreditarmos que essa teologia
marcada pelas questões sociais foi vivida de forma plena e perfeita naquele tempo,
ilusão que nos levaria a erros para pensarmos teologicamente a atual conjuntura
social. Após refletirmos e examinarmos esta questão que é híbrida e complexa na
história do movimento metodista, partimos do pressuposto de que ocorre uma perda
da sensibilidade social no metodismo brasileiro atual.
Porém, se estiver acontecendo essa perda, quais seriam os motivos? Seria
fruto da influência neoliberal? E será que esta corrente teológica não se interessa em
ter contato com a vida da maioria das pessoas, especialmente, as mais frágeis e
menos privilegiadas na sociedade brasileira?
Acreditamos que a sensibilidade social não apenas proporciona benefícios à
sociedade e igreja, no seu sentindo comunitário, mas também o social faz parte da
matriz cultural brasileira. Para que a teologia metodista brasileira seja relevante em
seu contexto é necessário refletir sobre o assunto.

1.1.1 Graça Social: uma crítica wesleyana sobre as exclusões sociais

Numa época de crise, em vários setores da sociedade, inclusive na teologia


cristã, é necessário perguntarmos novamente pelas questões fundamentais. Uma das
questões fundamentais com a qual este trabalho dialogará é sobre a graça de Deus.
Hoje temos inúmeras tradições e interpretações divergentes a respeito da graça
divina. Mas trataremos especificamente da graça no metodismo, conhecida como
“Graça social”, que foi influenciada por inúmeras tradições distintas. Rui de Souza
Josgrilberg (2009), aponta que o movimento metodista liderado por John Wesley
deveria ter reconhecido naturalmente que todos somos “sociais”, em essência, e que
a religião deveria ser vista também por esse viés. Mas, a passagem do mesmo
pessoal para o si mesmo social não foi tão natural em Wesley e ele tomou consciência
do fato por alguns incidentes em sua vida, em relação aos pobres e em relação a uma
22

fase em que viveu a tentação de interiorização e fuga e foi advertido sobre os perigos
da negação do aspecto social da fé (SOUZA, 2019, p. 20-22).
Com isso, surge a ênfase nas questões sociais na tradição metodista, o
conceito “social” é uma das marcas que caracterizam o metodismo por conta que
aparecem com muita frequência e com significados variados. John Wesley, por
exemplo, falou sobre a “religião social” da “santificação social”, e sobre a expressão
“Graça social” (RENDERS, 2006, p. 26).

Vocês são aqueles que continuamente entristecem o Espírito Santo de Deus


e, em grande parte, impedem que a sua graciosa influência desça sobre as
nossas assembleias. Muitos dos seus [irmãos e Irmãs], amados de Deus, não
têm comida para comer; não têm roupas para vestir; não têm onde repousar
a cabeça. E por que vivem assim em aflição? Porque vocês impiedosamente,
injustamente e cruelmente retêm deles aquilo que o mestre, seu e deles,
depositou em suas mãos com o propósito de suprir-lhes as necessidades
(MEEKS, 2002, p.42).

O ano é 1789, um pouco antes da morte de John Wesley. No sermão aborda


“As causas da Ineficácia do Cristianismo” que Wesley pregou regado com lágrimas e
repleto de exasperação e dor. O sermão é uma denúncia contra certo fracasso dos
metodistas na época, onde o próprio começa a perguntar por que o movimento
metodista tem fracassado? Ele começa a investigar e fazer as seguintes perguntas:
Por que os metodistas que possuem tanto a doutrina quanto a disciplinas cristãs, não
são plenamente cristãos? Por que não temos a mesma mente que houve em Cristo?
No trecho do sermão “O perigo das riquezas” apresentado acima, John Wesley
começa a analisar que aquele movimento que começou entre, com, para e por meio
do pobre estava perdendo a única coisa indispensável. Eles não doam. Eles perderam
a dádiva da autodoação. Isto, por que em duas gerações, os metodistas buscavam
viver a disciplina do “ganhar tudo o que puder” e “guardar tudo o que puder” e “dar
tudo o que puder” (MEEKS, 2002, p. 42).
Nesta ambiguidade que o movimento vivenciava, Wesley observa que eles
estavam se tornando proprietários e já não podiam mais doar, por isso ele se dirige
com essas duras palavras aos metodistas que não estavam doando e auxiliando os
mais necessitados. Este aspecto que John Wesley estava ensinando envergonha e
condena os metodistas do mundo desenvolvido de sua época, demostrando que a
23

“soteriologia social”3 do movimento começa a se tornar mais individualista e privada,


esquecendo-se de seus aspectos comunitários, soteriológicos, educacionais,
terapêuticos e sócio-políticos.
Segundo Douglas Meeks (2002), o líder do movimento metodista buscou
incessantemente ensinar sobre o que o literato nomeia como uma “regra doméstica
da economia de Deus”, baseada no texto bíblico em Levítico 23:22, que diz: “Não
colha tudo até a extremidade de seus campos, mas deixe a respiga para o pobre”.
Wesley insistia em ensinar que aquilo que vai além de nossas “necessidades e
conveniências” já pertence ao pobre porque Deus requer a sua vida e a nossa -isto
descrito em seu sermão (MEEKS, 2002, p. 47).
A crítica que o movimento recebe ajuda-nos a repensarmos, justamente porque
os metodistas não são capazes mais de doar, se recusaram a ser dádivas pela graça
de Deus e perderam o dom da “autodoação”. Diante de uma realidade complexa e
contraditória, cercada de miséria e riqueza ao mesmo tempo, a mensagem de Wesley
revela a profunda e ampla reorganização política, econômica, social e ideológica que
estava alterando o modo de viver dos metodistas ingleses.
Por fim, a crítica de Wesley aponta que o mercado se tornou responsável por
regular ou reorganizar a sociedade, e o principal culpado em gerar tanta desigualdade
e injustiça social, que afetava diretamente a vida humana. Nisto ele alerta os
metodistas para tomarem cuidado. De certa forma entendeu que, sem esse cuidado,
a religião também não escaparia dessa função reguladora do mercado. Intuiu que o
metodismo poderia estar caminhando para um tipo de religiosidade que depositaria a
fé no mercado e negaria a ética na promoção da justiça social. Parece que Wesley
intuiu que o mercado estava assumindo um caráter sagrado, sequestrando e
invertendo os aspectos essenciais do cristianismo, para legitimar e sacralizar as
opressões sociais na sociedade de sua época.
O ato de compartilhar, para Wesley, indica para o movimento ter na vida
cotidiana uma ética cristã que deve ser marcada pela solidariedade e pela partilha.

3
“A soteriologia social é parecida com um tecido que acompanha a topografia sócio-econômica e
religiosa da época, procurando caminhos para a superação dos seus impasses, da sua desesperança
e irresponsabilidade em relação aos pobres. Wesley parte para a análise do efeito de diversas
soteriologias dos seus dias no cotidiano, as quais são marcadas pela demorada transição entre a época
medieval e a modernidade. Entendemos a soteriologia social como eixo principal da teologia de John
Wesley que se manifesta numa típica antropologia, cristologia, pneumatologia, escatologia, eclesiologia
e soteriológica, que caracterizou sua teologia nos aspectos comunitários, sinergéticos e públicos no
comprometimento com os pobres” (RENDERS, 2006, p. 24).
24

Isso se evidencia numa advertência aos metodistas que começavam a ficar ricos, para
que deixassem de crer que são melhores que as pessoas em situação de
necessidade, fazendo as seguintes críticas a respeito da forma que a economia os
estava influenciando a viverem uma religiosidade solitária e egoísta, segundo Ribeiro
(2015, p. 91):

[...] John Wesley, faz outras fortes críticas aos ricos que “deixam de dar
dinheiro aos pobres a fim de comprar veneno [coisas vãs] para si ou ainda os
que guardam dinheiro em cofres ao mesmo tempo em que alguns irmãos
pobres passam por necessidades [...] são loucos e cruéis. Wesley destaca
ainda que a grande maioria deles [dos ricos] está debaixo da maldição
especial de Deus, posto que segundo o teor geral de suas vidas não somente
estão roubando a Deus, mas também os pobres. Wesley, baseado na
referência bíblica de Mateus 25.40 (“Quando fizeres a um desses pequeninos
a mim fizestes”), enfatiza a importância de se “dar aos pobres com intenção
pura e com retidão de coração”. Inspirado em Provérbios 19.17 (“Quem dá
aos pobres empresta a Iahweh”) relativiza a posse dos bens materiais e
destaca em plano maior a solidariedade e a recompensa escatológica.

Em síntese, a ética cristã desenhada por Wesley é que a comunidade


desenvolva a ênfase na partilha dos bens aos pobres, que de fato pertencem a Deus.
Nisto os ricos sempre devem estar prontos para repartir a cada um segundo as suas
necessidades. Contribuam, distribuam com seus irmãos e irmãs, deêm pão, vistam,
hospedem, sejam mordomos bons e fiéis de Deus e dos pobres.
Inúmeras pesquisas já se debruçaram a respeito da ênfase da teologia de John
Wesley em relação à importância do ato de compartilhar vida em todos os seus
aspectos sociais aos pobres, para aqueles e aquelas que o sistema econômico
explorava e eliminava em seus dias. As contribuições de diversos autores sobre
Teologia Wesleyana (RUNYON, 2002; DUQUE, 1983; HEITZENRATER, 2002;
HEITZENRATER, 2006; MEEKS, 1995; MEEKS, 2002; JOSGRILBERG, 2003;
JOSGRILBERG, 2009; MADDOX, 2011; MADDOX, 2019; RENDERS, 2006;
RENDERS, 2010; RENDERS, 2014; RIBEIRO, 2011; RIBEIRO, 2015; SOUZA, 2011;
SOUZA, 2019), afirmam sobre a importância que Wesley dava para uma
espiritualidade totalmente comprometida com o bem-estar espiritual e social da
comunidade humana.

1.1.2 Santidade social para erradicar as desigualdades sociais


25

O líder do movimento metodista, John Wesley (1703-1791), construiu um


caminho espiritual que esteve entrelaçado com a realidade social da população
inglesa do século XVIII. Em plena Revolução Industrial, a Inglaterra recebia uma
grande transformação em sua história, ao mesmo tempo o povo, os mais pobres eram
as vítimas deste processo econômico e político no país.
É nesse contexto que surge a importante sensibilidade social que levou o
metodismo primitivo a ser um grupo religiosoensível aos problemas sociais, oriundos
de uma das maiores transformações que sua sociedade experimentou, a “Revolução
Industrial”. Ou seja, o metodismo vivenciou todas as consequências trazidas pelo
desenvolvimento econômico e sentiu os seus efeitos sobre a população inglesa.Uma
citação traduzida que indica a sensibilidade social e a aproximação de John Wesley
com pessoas ou grupos sociais que viviam abaixo da linha da pobreza, com seus
direitos sociais negados na Inglaterra de seus dias:

Eu conheci uma mulher que recolhia peixes malcheirosos no lixo e os levava


para si e seus filhos. Conheci outra mulher que recolhia ossos que os cães
haviam abandonado nas ruas e com eles fazia um caldo para a sua família,
para assim prolongar uma vida miserável. Por que milhares de pessoas estão
sem emprego em Londres, em Bristol, em Norwich, em cada condado, de
uma extremidade à outra em toda a Inglaterra? (GRESCHAT, 1980, p. 16).

Essa citação nos dá uma ideia da realidade em que viviam os subalternos que
inspiravam a sensibilidade social wesleyana. É esse o chão que determina a porta de
entrada da leitura teológica de Wesley. Neste sentido, o movimento metodista
primitivo tinha como característica se aproximar das realidades sociais, entender a
realidade, pois a vida, em sua concretude, com suas mazelas e dissabores, é o lugar
onde se articula e se entretece a prática pastoral e a teológica do movimento
metodista. Porta de entrada que toma em conta as necessidades concretas da vida
diária, dos grupos sociais mais afetados e marginalizados na sociedade.
Depreende-se que estas realidades são dinâmicas e que os irmãos Wesley
buscavam estar em sintonia e presença com o lugar social dos subalternos. Na citação
acima, é nítido que a prática pastoral procurou ouvir os silêncios, as dores, os
gemidos, os suspiros daqueles/as que estão mais vulneráveis na sociedade,
revelando que a teologia, no pensamento teológico de John Wesley, exige um
exercício de suspeita e sensibilidade para escutar e sentir as realidades sociais.
26

Na contemporaneidade, estamos presenciando uma profunda e ampla


reorganização política, econômica, social e ideológica. No centro dessa reorganização
está o chamado neoliberalismo e suas propostas para organizar a sociedade em
função do mercado e dos interesses privados e empresariais. Partimos da suspeita
de que essa filosofia de vida seja uma das chaves para se entender o afastamento do
metodismo da sensibilidade social, tema que abordaremos no segundo capítulo.
Diante deste esforço de reorganização da vida social e política, velhas
instituições e antigos conceitos são redefinidos de acordo com seus interesses e
novos conceitos são introduzidos e impostos à sociedade. Portanto, as preocupações
expressadas na teologia de Wesley estão mais vivas do que nunca em nossos dias.
Isto significa que o atual modelo econômico fez e continuará fazendo do Ato de
Compartilhar, algo teoricamente inconcebível e praticamente impossível em nossa
sociedade.
É necessário que a lógica da autodoação e da partilha inspire modelos
alternativos de organização social e configure novos estilos econômicos e culturais.
Caso contrário, não haverá como romper com o ciclo de morte e destruição social que
estamos presenciando nos dias atuais, onde o ser da sociedade de mercado é a
acumulação de riqueza como poder, e a sua lógica é a troca de mercadorias. Não
pretendemos tratar aqui sobre os detalhes e da dinâmica da atual ordem econômica,
mas sim dos pressupostos teológicos que levam a sociedade de mercado a legitimar
inúmeras formas de opressão social ao ponto de exigir sacrifícios humanos.
Portanto, lembramos que não somos contra a “economia com mercado”4, mas
pretendemos apontar as falhas da “economia de mercado”5 e neste sentido nos
opomos, justamente porque em uma sociedade em que todas as esferas, nas quais
os bens sociais devem ser distribuídos, são controladas pela própria lógica do
mercado. Assim bens sociais, como emprego, alimento, moradia, educação e saúde,

4
Diante deste conceito é necessário estabelecer aqui uma diferença entre “economia com mercado” e
“economia de mercado”. Economias pré-capitalistas são economias com mercado, onde o mercado
exerce uma função secundária na esfera econômica da sociedade. A produção de bens, em sua grande
parte, não é destinada primeiramente ao mercado, mas sim para a satisfação das necessidades da
comunidade. Isto é, o valor de uso – a utilidade – dos produtos tem prioridade sobre o valor de troca.
Nesse tipo de sociedade, membros da comunidade não são abandonados à fome em nome da
racionalidade econômica (SUNG, 2014, p. 293).
5
Uma “economia de mercado” é um sistema econômico controlado, regulado e dirigido apenas por
mercados; a ordem na produção e distribuição dos bens é confiada a esse mecanismo autor regulável.
Uma economia desse tipo se origina da expectativa de que os seres humanos se comprometem de
maneira a atingir o máximo de ganhos monetários (POLANYI, 1980, p. 81).
27

não deveriam ser distribuídos na lógica de mercado, mas a questão é que a lógica
deste sistema não foi elaborada para acolher todos e sim alguns, e para isso é
necessário o sacrifício de muitos para a acumulação de capital de poucos.
Deste modo, a cada dia que se passa aumentam as desigualdades sociais e
os necessitados são deixados do lado de fora e tornam-se vítimas do sistema. Na
sociedade de mercado, não há nada que não possa em princípio ser distribuído como
mercadoria, como objeto de comércio, tudo está à venda.
Precisamos urgentemente pensar seriamente a respeito da relação entre
teologia e economia e os pressupostos teológicos dos quais o capitalismo se utiliza
para legitimar seus interesses, para entendermos que não há vida sem comida,
bebida, roupa, casa, saúde, liberdade e afeto/acolhimento, pois aqueles que não
podem pagar ou contribuir serão submetidos à condição de exclusão social.
O modelo econômico capitalista é difundido no mundo como único caminho
para salvação, suas leis são elaboradas pelo deus-mercado, a cada dia torna-se uma
espécie de dogma da religião capitalista, tendo um caráter inquestionável. Com isso,
essa ideologia estabelece apenas uma condição para os que não têm acesso ao
mercado: a morte. Dito de outra maneira, quem não segue a lógica do mercado está
condicionado à morte. Isto porque para se ter acesso ao mercado sagrado que
proporciona vida, necessita-se de dinheiro. Logo, estar na condição de excluído do
mercado é o mesmo que não poder usufruir do desenvolvimento econômico e social
(SUNG, 2008).
Mas somente aqueles e aquelas que são impulsionados pelo amor e compaixão
para com o próximo serão capazes de compartilhar e doar-se. Falamos daqueles que
entregam suas vidas para defender a dignidade humana que está ameaçada pelos
mecanismos de morte do sistema e esses que se intrometem na discussão sobre a
economia, em nome da fé, para que ela esteja a serviço de todos os seres humanos.
Com isso, a concepção desses e dessas é gerada pelo Deus da vida que defende a
vida ameaçada (SUNG, 2010, p. 26).
Numa época de crise, como a que estamos vivenciando, percebemos que
existem possibilidades e caminhos alternativos para rompermos com está logica
desumana que tem afetado a vida de muitos. A teologia Wesleyana foi fundamental
para responder ao seu contexto, mesmo diante das ambiguidades do movimento que
existem até os dias atuais. Mas se a Graça de Deus é um dom, é gratuita para todos
e todas, algo imerecido, algo que vem de Deus ao nosso encontro, para transformar
28

todas as realidades e fazer que sejamos guiados pelo Espírito de Deus, que seja
assim, que a usemos para que não haja nenhuma vida humana em situação de
opressão social.
Foi pela Graça de Deus que John Wesley percebeu que a salvação
ultrapassava as questões individuais, espirituais e privadas e alcançava também as
questões sociais, ou seja, ele ampliou a sua visão até nas dimensões sociais e
históricas. Para Wesley, a salvação implica no reconhecimento das realidades sociais
como uma condição necessária à prática da fé (SOUZA, 2019, p. 23).
Agora podemos entender a insistência de John Wesley com o movimento
metodista primitivo na Inglaterra, a fé no Deus de Jesus Cristo e sua santidade social
pressupõe uma proposta de organização econômica para que não exista mais
nenhum necessitado na sociedade sejam elas, crianças, adolescentes, jovens,
homens, mulheres e idosos nesta condição.
O movimento liderado por John Wesley praticava um princípio da tradição
bíblica chamado Ato de Compartilhar que tinha como objetivo colocar tudo em comum,
na possibilidade de cada um em dividir, segundo as necessidades de cada um, para
que seja extinta nas relações sociais esta condição de desigualdade e exclusão na
sociedade. Assim descreve Josgrilberg (1993, p. 51-52), sobre as obras de
misericórdia como meios prudenciais da Graça de Deus:

O contato com o que sofre é uma experiência da real condição humana e de


nossa dependência da Graça. Com um simples conselho prático mostrava a
natureza social do cristianismo, a reciprocidade de vidas, para que a
santidade pessoal pudesse ser desenvolvida sem cair no erro individualista.
Recomendava a assiduidade aos meios da graça, instituídos ou prudenciais.
Os meios prudenciais, para Wesley, constituíram-se numa marca metodista.

Estas marcas prudenciais são descritas como “Social grace” “Graça social”.
Assim, o metodismo primitivo era orientado por John Wesley a incluir as “obras de
misericórdia”, compreendidas como ações que buscavam beneficiar, acolher e
compartilhar vida com o próximo. Ou seja, os meios da graça se desdobravam em
“relacionamentos de solidariedade” (RENDERS, 2006, p. 355).
Por isso, que “ações sociais”, em sua perspectiva, não tinham relações com a
visão dos reformadores nomeada de “Justiça das obras”, onde o objetivo era de
ganhar a Graça de Deus através das boas obras. Ação social, para o movimento
metodista tem outro sentido. Significa ser transformado no encontro com outras
29

pessoas, não se tratava apenas como uma via de mão única, caminhando da pessoa
cristã bem-intencionada ao outro, sob pressão e marginalizado. A forma que John
Wesley entendia era que neste encontro algo acontecia, o praticante de misericórdia
também era transformado no encontro com seus irmãos e irmãs e com o próprio Deus
que está intimamente ligado ao encontro com o outro (RIEGER, 2012, p. 40).
Sem dúvida, os desafios diante de uma sociedade entrelaçada com a economia
de mercado são imensos, “Uma vez dito que fora do mercado não há salvação”, se
faz necessário criticar essa tese que é um dos passos de confrontação para o
impedimento do estabelecimento de tal ideologia (MEEKS, 2002, p. 9).
De acordo com esta lógica, de que fora do mercado não há salvação,
conforme o dogma do neoliberalismo teríamos que conhecer o funcionamento do
sistema de mercado em sua plenitude. Como esse conhecimento pleno não é
possível, não podemos ter certeza de que o mercado gerará o bem necessário para
sociedade. O fato é que essa racionalidade econômica que surge como salvação não
solucionou os problemas sociais de uma grande parcela da comunidade humana.
Segundo os fiéis cegos do neoliberalismo, a deficiência do mercado é culpa dos
sujeitos que em nome das metas sociais impedem a liberdade total do sagrado, o
deus-mercado.
Sendo assim, falta de fé no fundamentalismo de livre-mercado desponta como
diabólico, pois impede a plena manifestação deste sagrado. Este modelo econômico
que foi imposto às sociedades, é contra o ato de compartilhar a vida em todos os seus
aspectos, sua política se revela como uma economia inclinada à vantagem individual,
ou seja, ao lucro e a sua maximização. Nesse âmbito tudo vira mercadoria a serviço
do lucro, inclusive a pessoa humana. E para isso, o lucro é o elemento mágico para
legitimar e apoiar a possibilidade de explorar, violentar, massacrar e exterminar a
humanidade.
Neste sistema econômico vigente, o bem real é individual, logo, toda forma
comunitária deve ser extirpada em prol do privado, e a instrumentalização para atingir
tal objetivo chama-se livre-mercado. Para isso, deve haver um terreno propício para o
assentamento dessa instrumentalização, o Estado não pode intervir, deve-se reduzi-
lo ao mínimo e que prevaleça a única lei da demanda e da oferta que é o coração do
comércio, e que tudo possa ser considerado mercadoria (SELLA, 2003, p. 142).
Dito isto, percebe-se que o neoliberalismo se apresenta como uma fé idolátrica,
porque atribui traços divinos a uma instituição humana, e mesmo que tal instituição
30

esteja no patamar do sagrado, devemos reafirmar em atitude de resistência que


nenhuma realidade humana é eterna e absoluta, por mais onipotente que seja.
Nós como luzes que faíscam no caos, salientamos que “o novo ainda pode e
vai nascer”, isto inclui um desafio ligado a todas as comunidades religiosas atuais, não
visando o seu crescimento institucional no campo religioso, mas sim no serviço que
acolhe, sustenta e leva a sério a atual realidade do contexto social marcado pelas
perplexidades e desafios contemporâneos urgentes que afetam os pobres.
Precisamos superar as relações sociais que produzem vítimas, desmascarando o
caráter absoluto mercado (SUNG, 2011, p. 129).
A ênfase e as contribuições teológicas e humanas de John Wesley em relação
aos pobres são transparentes em sua biografia. Porém, sua teologia foi forjada na
convivência cotidiana na realidade social de seus país, fazendo o movimento
metodista ser reconhecido mundialmente pelo seu comprometimento espiritual e
social. Infelizmente, as ênfases do metodismo primitivo com as pautas sobre
desigualdade social, política, saúde e educação e direitos humanos estão sendo
deixados de lado esse é um dos pontos praticamente esquecido por uma parcela dos
metodistas no Brasil (RIBEIRO, 2015, p. 87).
Isso ocorre por conta do processo de carismatização pela qual a maioria das
igrejas protestantes do país estão passando. Outro fator que tem feito as igrejas
tradicionais protestantes repensarem a suas teologias, e até mesmo a identidade, é a
questão do pluralismo religioso no Brasil, que se caracteriza por uma religiosidade que
se espalha em várias direções religiosas, onde o/a brasileiro/a possuí pouca ou
nenhuma sensação de pertencimento a um único modelo de espiritualidade.
Tal fenômeno tem feito a igreja repensar sobre subsídios para manter ou mudar
a identidade. Nesse deslocamento, no caso do metodismo brasileiro, o aspecto social
não tem sido prioridade. Neste contexto, agravam-se antigas e novas tensões que já
produziram divisões que provocam e estimulam as disputas pelo poder, nas quais,
muitas vezes se imiscuem questões pessoais.
Portanto, refletir sobre os limites e alcances desta proposta, especialmente
diante de um campo religioso complexo, pode nos ajudar a entendermos as disputas
eclesiológicas que tomam as Igrejas acerca de suas eclesiologias e doutrinas em
relação à sobrevivência no campo religioso, movido pela lógica da competição e
exclusão da economia capitalista.
Como podemos observar, na época atual temos inúmeros desafios para todas
31

as vertentes religiosas. Esses novos obstáculos e desafios já são marcados pela


influência neoliberal que sequestrou a própria teologia para utilizar a aspiração
humana para estabelecer seus interesses. Portanto, como a teoria do mercado pode
tornar-se responsável em regular a sociedade consumista, a religião nos dias atuais
precisará escolher escapar ou não dessa função reguladora.
Enfim, até a linguagem teológica promotora de identidade, que organiza o modo
de pensar e o sentido de vida dos fiéis, bem como seu comprometimento com a vida
e a sociedade está comprometida. Se a economia de mercado estiver se beneficiando
da religião e a empregando ao seu serviço, assim ela poderá controlar grupos
religiosos para fins neoliberais.
Percebe-se, então, que a ideologia neoliberal ainda hoje pode regular e
controlar a teologia de inúmeras formas e vertentes religiosas seermitir. Uma das
tarefas dos inúmeros grupos religiosos atuais, não é mais somente apresentar
verdades eternas, mas desmascarar e criticar a pretensão do mercado como juiz
absoluto. Se não negarmos a fé no deus-mercado, que exige sacrifícios de inocentes,
tudo será relativo, nada poderá ser usado como critério de juízo sobre o que está
acontecendo no mundo na sua agressividade contra os pobres e os programas sociais
(SUNG, 2011, p. 130).
Se a conjuntura social não pode ser criticada e modificada em nome de um
valor, pois todos os valores serão relativos, então o atual mundo globalizado
continuará inquestionável e sua lógica se apresenta como absoluta. Por isso, a crítica
teológica no pensamento de John Wesley e outras são fundamentais para uma
sociedade desenvolver uma espiritualidade comunitária e não solitária, por um outro
mundo mais justo e sustentável.
Portanto, as narrativas da vida e obra de John Wesley (1703-1791), nos
representam um enorme desafio. Assumir esse desafio é uma tarefa nada fácil,
justamente porque precisamos considerar os limites e o potencial da condição
humana, para não criarmos a ilusão de um referencial teológico perfeito, porém mal
interpretado. Ademais, não podemos nos esquecer ou cancelar uma vida que orientou
e coordenou por muitos anos um movimento religioso extremamente engajado com
as causas sociais na sociedade inglesa.

1.1.3 O espírito da teologia wesleyana e o metodismo no Brasil?


32

Não queremos entrar em equívocos ao tentarmos elaborar uma reflexão


teológica wesleyana sabendo de suas limitações e conhecendo o atual contexto social
que o Brasil infelizmente enfrenta. Esta reflexão não está isenta de equívocos, mas
buscará sugerir alguns indicativos teológicos, sobre como pensarmos a contribuição
da teologia do fundador do metodismo, após a autonomia da Igreja Metodista no
Brasil. A proposta não é buscar ou resgatar a identidade metodista, mas pensarmos
em que medida esta aplicação teológica ajudaria na missão local das comunidades
diante dos problemas sociais que vem sacrificando amplas camadas da população
brasileira. Para o teólogo e pastor metodista, Claudio de Oliveira Ribeiro (2015, p. 15),
é um equívoco resgatar a identidade wesleyana no contexto metodista no Brasil:

Uma série de estudos nos campos da filosofia, da antropologia e das ciências


da religião fornece base suficiente para afirmar que o empreendimento de
uma tradição é tarefa impossível, por um lado, e indesejada, por outro.
Impossível, porque cada tradição religiosa se estabelece a partir de contextos
sociais, econômicos, políticos e culturais específicos, respondendo a
demandas igualmente específicas, que não se repetem. Se forem vistas fora
de seu quadro fundante se tornarão compreensões artificiais da realidade
histórica. Como diz a canção popular: “nada do que foi será de novo do jeito
que já foi um dia”.

A sua reflexão nos ajuda a colocarmos os nossos pés no chão, porque quando
tentamos resgatar uma tradição religiosa devemos nos lembrar que talvez ela é há
muito tempo indesejada por alguns setores da igreja, é o caso dos grupos
conservadores que lideram e controlam grande parte das instituições protestantes no
Brasil. Portanto, quando apontamos que a teologia wesleyana tem uma contribuição
para o metodismo hoje é por causa da responsabilidade social.
No caso, o que nos importa muito mais é o espírito da teologia e da prática de
Wesley do que um conjunto fixado e descontextualizado de seu pensamento
teológico. No campo teológico, a necessidade metodológica que os interessados e
interessadas em responsabilidade social necessitam é de recriar e não resgatar o
metodismo no Brasil.

1.1.4 Utilizar o pensamento teológico Wesleyano para reforçar o que?

O movimento metodista do século XVIII deixou uma fantástica contribuição


teológica e histórica sobre o compromisso com a sensibilidade social. Mas no caso da
33

teologia wesleyana brasileira, precisamos recorrer aos escritos de Wesley, como as


suas principais fontes históricas e teológicas. Porém, a grande questão é como
faremos uma interpretação de suas contribuições considerando a realidade de seu
tempo com a atual realidade brasileira.
Por esta razão, quando nos inspiramos nas práticas pastorais e teológicas de
Wesley e procuramos traduzi-las para a realidade presente, é fundamental
analisarmos o contexto atual com as suas inumeráveis demandas. Com isso, se
trilharmos esse caminho, estabeleceremos uma reflexão teológica inculturada, que
possa ajudar ou somar para responder os atuais desafios que a sociedade brasileira
e o momento histórico expõem no momento.
Ressaltamos que esse caminho não é comum, no que se refere ao
desenvolvimento do metodismo no Brasil, como também na sua história recente. O
metodismo no Brasil é formado por diferentes ênfases teológicas. É o caso dos
chamados carismáticos que fazem uma leitura de Wesley como um avivalista
pentecostal. Da mesma maneira, outros grupos de perspectiva pastoral engajados
com a justiça e com a responsabilidade social da igreja, tornam Wesley um
revolucionário político (RIBEIRO, 2015, p. 17).
Alguns estudos retratam que John Wesley tem pouco a ver com práticas
pentecostais como conhecemos e ouvimos a seu respeito no Brasil. Apesar dos
fundadores do movimento pentecostal no século XX terem buscado subsídios e
inspirações nos movimentos de santidade que se deram nos EUA, no final do século
XX. Desta forma, precisamos analisar e considerar as limitações da prática social de
Wesley, mesmo sabendo que este foi profundamente envolvido com as questões
sociais que atingiam as pessoas mais pobres na Inglaterra. Rotulá-lo como um
revolucionário, seria também dar um salto anacrônico.
Segundo Bonino (1982), o movimento metodista teve muitas dificuldades,
justamente por atravessar as questões políticas e ideológicas do seu tempo e, assim,
favorecer as mudanças da estrutura socioeconômica inglesa. Contudo, o autor aponta
que o metodismo se adequou com o tempo e facilitou a sociedade moderna
economicamente liberal e politicamente conservadora.
Portanto, é fundamental descartar as instrumentalizações sejam elas
“conservadoras”, “carismáticas” ou “progressistas” em relação ao pensamento
teológico de Wesley e pesarmos caminhos sobre os atuais temas teológicos e
34

pastorais com uma metodologia própria. Claudio de Oliveira Ribeiro (2015, p. 17)
destaca a presença dos atuais grupos que formam a Igreja Metodista:

A presença de três grupos com perspectivas teológico-doutrinárias distintas


no interior das igrejas metodistas: conservadores, (associados historicamente
à visão burocrática e pietista norte-americana), carismáticas, (reação ao
primeiro grupo a partir de ênfases cúlticas e doutrinárias próximas do campo
pentecostal) e progressistas, (reação também ao primeiro grupo, a partir da
ênfase na responsabilidade social e política da igreja).

Com isso, percebemos como e para quê utilizaremos a teologia wesleyana,


para isso precisamos considerar o seu desenvolvimento histórico, com este objetivo
conseguiremos entender os dilemas internos da Igreja metodista, para recriar uma
perspectiva teológica e pastoral que colabore com as inquietações sociais do presente
momento. Para isto, devemos lembrar que o pensamento teológico e pastoral de John
Wesley foi e continuará um objeto de interpretações diversas ao longo do tempo,
conforme a necessidade de cada setor da igreja.
O movimento metodista do século XVIII deixou um grande legado, sendo
sensível aos grupos subalternos, pois foi nítida a sua relação com o sofrimento
humano, envolvendo-se a favor da luta pela erradicação da pobreza e pelo fim da
escravidão e exploração. A contribuição teológica e pastoral de John Wesley foi
mostrar qual seria o papel dos metodistas diante de uma sociedade extremamente
impactada pela desigualdade social e extrema pobreza, esse foi um aspecto
transparente em seus escritos e traços biográficos (RIBEIRO, 2015, p. 20).

1.2 Espiritualidade neoliberal e a negação dos subalternos no Brasil

A conjuntura em que a Igreja Metodista no Brasil está inserida como as demais


instituições religiosas é uma situação complexa. No início dos anos 90, após o
assentamento do neoliberalismo no Brasil, a sociedade foi completamente tomada
pela lógica individualista e consumista. Isto significa que ainda hoje os desafios estão
presentes e quase impossíveis de serem transformados.
A lógica capitalista e seus mecanismos de privatização e de comercialização
alargaram as fronteiras sufocando e sequestrando a religião para apenas fins
lucrativos por meio da fé. Com o tempo, ocorreu um processo de desvalorização da
fé comprometida com a solidariedade e projetos de cunho social. Nisto cresceu no
35

país uma espiritualidade que se identifica apenas com a benção de Deus com bens
materiais e um tipo de avivalismo individualista.
Agora o nosso intuito é de compreender a parte conceitual do neoliberalismo,
assim como, os seus pressupostos teológicos, justamente porque muitos acreditam
até os dias atuais que a economia é uma ciência moderna, que não tem relação com
a ética social, e muito menos com a teologia, onde a própria deveria tratar apenas de
assuntos “celestiais”. A grande questão é que a ciência econômica está diretamente
amparada em pressupostos teológicos, exatamente porque a economia aborda
questões relativas à vida humana e social. Deste modo, o estudo nomeará esses
pressupostos teológicos da atual ordem econômica como uma espécie de
espiritualidade neoliberal, analisando suas causas e intenções (SUNG, 2010, p. 26).
Portanto, a economia neoliberal inserida na sociedade de modo geral,
apresenta-se como possível solução salvífica para o desenvolvimento econômico em
diversos países do mundo, inclusive no Brasil. As consequências são perceptíveis nas
diferentes crises sociais, com seus mecanismos de negação da ética social e dos
direitos humanos. Nisto o mundo enfrenta inúmeros desafios como a crise ambiental;
a concentração de renda, que tem provocado a maior desigualdade e exclusão social
da história. Assim descreve o teólogo católico, Jung Mo Sung (2018, p. 41),
especialista em teologia e economia:

O tema da brutal concentração de renda é mais recente e não recebe a


mesma atenção da mídia, mas é considerado por muitos, um dos maiores
desafios hoje [...] como 8 pessoas mais ricas do mundo deterem riqueza
equivalente à soma de bens da metade mais pobre do mundo, 3,6 bilhões de
pessoas, ou que o 1% mais rico do mundo detém mais do que a soma da
riqueza dos outros 99%, mas a contínua tendência de concentração de
riqueza tem levado muitas instituições e organismos internacionais a se
posicionarem criticamente diante dessa realidade.

Percebe-se como mencionado acima que algumas instituições e organismos


internacionais estão se posicionando criticamente sobre esta situação, a partir da
justiça social ou direitos econômicos e do direito dos mais pobres para obterem uma
vida digna e justa neste corpo social egoísta e cruel que exige sacrifícios das classes
economicamente fracas. Com isso, discutiremos a dimensão subjetiva da lógica
sacrificial do neoliberalismo, indagando em que medida essa ideologia elabora uma
teologia que busca desenvolver uma fé no mercado para a sua eficiência ser absoluta
e inquestionável na sociedade.
36

Primeiramente, o objetivo é esclarecer os traços obscuros da lógica neoliberal


que fundamentam os poderes econômicos, ignorando todos os contextos e seus
efeitos sobre a dignidade humana indefesa, perante os interesses do mercado
divinizado. A seguir, apontaremos a questão sacrificial que essa corrente econômica
exige. Para isso, investigaremos o mercado que é tido como fundamento último,
promotor e orientador da vida humana pela estratégia neoliberal que legitima os
sacrifícios originados por essa economia; o mito do progresso como horizonte utópico,
que significa a esperança do estabelecimento de um paraíso terrestre.
Também realizamos uma crítica à idolatria do mercado, visto que este é
adornado de caráter sagrado; e apresentamos uma possibilidade de inversão da
lógica vigente, que tem o mercado como fundamento último para a vida em que a
economia é para o ser humano e não o ser humano para economia.
E, por fim, apontaremos os desafios a soteriologia social Wesleyana que é
parecida com um tecido que acompanha a topografia socioeconômica e religiosa,
procurando caminhos para a superação dos seus impasses, da sua desesperança e
irresponsabilidade em relação aos pobres e às vítimas do sistema.
Para isso, trataremos da salvação social no pensamento teológico de John
Wesley, fundador do movimento metodista que parte para uma análise do efeito de
diversas soteriologias dos seus dias no cotidiano, as quais são marcadas pela
demorada transição entre a época medieval e a modernidade. Entendemos a
soteriologia social como eixo principal da teologia de John Wesley que se manifesta
em aspectos comunitários e públicos, no compromisso com os direitos sociais dos
pobres (RENDERS, 2006, p. 24).
Com este trabalho esperamos cooperar com a área de teologia, em específico
a teologia pastoral, na reflexão sobre o modelo econômico que tem sido propagado
como o único caminho para salvação da comunidade humana e os desafios que o
mesmo lança para a reflexão teológica metodista latino-americana. Partimos da
proposta denominacional original, que desafia o metodismo no Brasil pelos indícios
atuais de que a soteriologia metodista, depois de Wesley, tornou-se mais individualista
e privada, menos educacional e terapêutica. Com isso corre o risco de perder o
equilíbrio dinamizante da soteriologia de John Wesley, principalmente a sua tese de
que a religião e a santificação são essencialmente “sociais”, que horizontes de ação
comunitários, sociopolíticos.
Na atual conjuntura social que vivemos, a religião deve ser social e não solitária,
37

deve estar a serviço do mundo para assumir suas responsabilidades no combate à


“economia da ganância” para uma “economia para vida” e o bem-estar de todos e
todas na denúncia da leitura moderna e teológica que culpa os pobres pela sua
condição marginal. A soteriologia social em Wesley nos mostrará o convite do
fundador do metodismo para combatermos e superarmos os pressupostos teológicos
criados na modernidade, em prol de uma soteriologia como soteriologia social.
O objetivo é re-compreender e re-assumir uma espiritualidade que contribua
para o direito à vida daqueles e daquelas excluídos pela lógica econômica vigente,
para se libertarem da situação de pobreza e opressão e terem uma vida entrelaçada
com a justiça e a igualdade de direitos.
Justamente, porque os seres humanos não conseguem viver em um caos, onde
a injustiça e a desigualdade anulam as possibilidades da realização plena, aspiram
por algo que transcenda a realidade opressora da vida. O capitalismo moderno
conseguiu canalizar esse aspecto religioso humano para o consumo, o qual significa
sua principal engrenagem. Como consequência, as pessoas que não conseguem se
adaptar aos padrões de consumo são excluídas e marginalizadas.
A teologia neoliberal parece ter adquirido ao longo dos anos novas dimensões
religiosas. Diante disso, a análise sobre o fenômeno religioso se mostra atual, seu
enfoque sobre a experiência religiosa favorece a análise sobre o consumismo
presente no capitalismo moderno. Nosso objetivo é entender até que ponto o sistema
capitalista, em suas várias facetas e dimensões, consegue dar conta de responder ou
dialogar com a aspiração humana pelo transcendente.
Atualmente, a economia de mercado é vista como um organismo separado do
mundo humano, livre de qualquer valor de juízo ético ou de ser até mesmo
questionada, assumindo assim um caráter “divino ou sagrado”.
Isto significa que o mercado é sagrado tornando-se um ídolo soberano e
indomável. E é justamente por ser separado que o sagrado serve de sustentáculo para
ordem social vigente. Ludwig von Mises6 faz isso com o mercado, com a intenção de
transcender o sistema capitalista alicerçado no mito do desenvolvimento7, lhe
atribuindo traços divinos, ou melhor, a qualidade de sagrado (SUNG, 2018, p. 51).

6
Ludwig von Mises foi renomado líder da Escola Austríaca de pensamento econômico.
7
O conteúdo desse mito alude à promessa de amplificar a toda comunidade humana o padrão de
consumo das elites dos países hegemônicos. Porém nas entrelinhas desse comprometimento, o padrão
de consumo da elite dos países pobres torna-se inquestionáveis, visto que esses países orientam toda
a produção industrial no modelo de substituição de importações. E ao inviabilizar o questionamento, o
38

Porém, o mito do desenvolvimento entra em crise, onde o próprio mito


necessitou de ser revisado na sua romântica proposta para a sociedade consumista.
Buscou dar mais direção e sentido à suas causas, o novo mito neoliberal rompeu com
uma das peculiaridades do mito do desenvolvimento e o mito do progresso moderno.
Se antes o ser humano tinha a principal função de construir o caminho do progresso
na sociedade e o mito do desenvolvimento a capacidade humana de criar e aplicar
conhecimentos científicos para a sua melhoria, colocando o ser humano como sujeito
de sua própria história, agora o novo mito neoliberal rompe com essa noção de que o
ser humano com seus potenciais pode fazer este caminho (SUNG, 2018, p. 74).
Nesta nova proposta o discípulo de Ludwig von Mises, o também austríaco
Friedrich August von Hayek (1990) destaca, que para a humanidade obter a salvação
é fundamental que assumamos o mercado como único caminho, porque não existe
outra possibilidade, ou seja, todos teremos que compartilhar a mesma fé no mercado
se não morreremos. Deste modo, todos devem optar pelo deus-mercado e rejeitar
todas as recomendações éticas socialistas 8 ou éticas sociais, em outras palavras,
Hayek (1990, p. 43) diz que é necessário que os seres humanos ignorem
recomendações de éticas que indicam o caminho da “solidariedade universal”, assim
é necessário que cuidemos apenas dos nossos, os [ricos] – para o bom funcionamento
do sistema de mercado.
Por isso, a proposta neoliberal é inaceitável para o bem-comum da
humanidade. Para esse modelo econômico é necessário o fim do espírito de
solidariedade. Nisso pode ocorrer uma profunda inversão de valores e princípios que
estruturavam o mito do desenvolvimento ou a cultura ocidental cristã. Isto indica que
o novo mito neoliberal pressupõe teologicamente a negação dos direitos humanos e
que toda solidariedade social deve ser extirpada em prol do individualismo (HAYVEY,
2011, p. 32).
A proposta é que não existam leis, éticas ou uma justiça divina que atribua a
todas as pessoas o direito ao acesso aos bens materiais necessários para terem uma

mito pode se absolutizar, consequentemente o paraíso terrestre almejado por uma minoria pode
resultar no estabelecimento de um inferno para uma parcela considerável, em que o mecanismo
vitimador se mantem operante e os sacrifícios de vidas humanas que emanam de suas engrenagens
permanecem justificáveis (SUNG, 2008).
8
Essa recomendação ética dos ditos socialistas, e também da socialdemocracia da primeira metade
do século XX, é que os interesses da sociedade devem estar acima dos interesses individuais, que a
solidariedade entre os membros da sociedade deve prevalecer sobre os instintos egoístas do indivíduo.
Essa é a base ética da socialdemocracia dos primeiros tempos do socialismo. Assim como a noção de
justiça social e da dívida social (SUNG, 2018, p. 76).
39

vida digna. Portanto, se aceitarmos essa condição que não exista uma justa
distribuição de bens econômicos a partir da qual se possa criticar a forma que o
mercado distribui os direitos econômicos atuais, as pessoas não terão acesso aos
seus direitos sociais para a sua sobrevivência. Logo, o sistema econômico não tem o
dever ou a obrigação com a dívida social, assim programas sociais financiados por
impostos em nome da justiça social, não passarão de roubo e serão vistos como
injustiças para com os ricos. Veja, vivemos uma inversão ético-espiritual, onde o
neoliberalismo com sua fé, culpabiliza a todos (SUNG, 2018, p. 80).
Assim, o mercado, glorificado dentro desta corrente, apresenta-se como utopia,
já que os seus patronos não tateiam o mercado real, não partindo de cogitações
empíricas – concorrência perfeita. Esta, por sua vez, não pode ser perfeita, visto que
se fosse não haveria necessidade de concorrermos uns com outros. Desta forma, é
evidente que se trata de um mercado idealizado e não de um mercado concreto. Este
devaneio chamado livre mercado não existe entre os seres humanos. Posto que é
uma elaboração teórica, e não palpável. E este poderia ter êxito somente em um
mundo supra-humano, todavia, não pode funcionar no mundo dos seres humanos
(HINKELAMMERT, 1988).
Estamos falando de uma ideologia que teve o potencial de penetrar no íntimo
do ser humano – maneira de sentir, olhar e avaliar o mundo. Ela, com sua maneira
condicionadora, aponta o que vale e o que não vale a pena, tirando nosso poder de
decisão, alterando nossa maneira de viver e capaz até de sequestrar os aspectos da
religião, nossos princípios éticos e sociais. Por isso, se não quisermos ser as suas
próximas vítimas, ou seus colaboradores, devemos desmascarar essa máquina
ceifadora de vidas, causadora de drásticas e cruéis consequências desumanizadoras,
(AMERÍNDIA, 1998, p. 48).
Por fim, se a noção de dignidade humana está sendo negada pela redução do
ser humano pelo sistema econômico, e seus instrumentos de opressão que visam
apenas atingir os seus interesses e fins neoliberais, o único caminho que temos é
defender a dignidade da grande parcela da população, daqueles e daquelas que estão
sendo oprimidos/as. A neutralidade nesta altura do jogo não pode ser aceita, se não
nos tornaremos aliados na negação dos direitos humanos, e sem dúvida da maior das
injustiças atuais: a desigualdade social, acompanhada da exclusão socioeconômica,
símbolo da globalização capitalista atual.
40

Pesquisas revelam que, em 2015, as 62 pessoas mais ricas do mundo


continham riqueza da metade mais pobre do mundo 3,6 bilhões de pessoas. No caso,
do Brasil, as 6 pessoas mais ricas possuem a soma da metade mais pobre, 100
milhões de pessoas. Os estudiosos apontam que vivemos a maior desigualdade da
história da humanidade. É por este motivo que ninguém pode ser deixado fora de
nossas reflexões, sem renda ou ser considerado culpado da exclusão. Todos que a
economia marginaliza têm direito à vida, pois têm direito de viver de forma digna, por
isso precisamos exigir justiça social para todos e todas (SUNG, 2018, p. 13).

1.3 Wesley, os pobres e a teologia wesleyana latino-americana

O pensamento teológico e pastoral de John Wesley é um objeto de muitas


interpretações ao longo do tempo. Por esta razão, a teologia metodista ou teologia
wesleyana é o conjunto das interpretações de caráter mais sistemático que foram
construídas em diferentes contextos onde o metodismo se expandiu. Nosso intuito
não é promover uma interpretação teológica que normalmente exaltaria a história do
movimento metodista e seu fundador histórico.
Entendemos que a teologia metodista está relacionada ao pensamento de
Wesley, mas não se limita a ele. Isso porque a teologia wesleyana está em sintonia
com as questões da vida, ou seja, as intuições teológicas de seu tempo buscaram
discernir questões na sociedade que afligiam a vida humana de então. É a partir desse
pressuposto que discutiremos a realidade metodista no Brasil, tendo como parâmetro
a obra e as práticas pastorais de Wesley e do movimento metodista primitivo. Segundo
Claudio de Oliveira Ribeiro (2015, p. 18):

Historicamente, que a teologia de Wesley é, sobretudo, prática e, por isso,


exige de todos/as, ainda que com intenção sistemática, uma leitura atenta de
seus escritos pastorais e relatos de experiências. Não se trata de
desvalorização da teologia wesleyana. Ao contrário. Basta registrar que
teólogos sistemáticos tem se dedicado nas últimas décadas a esforços para
ler a teologia wesleyana. A dimensão prática é, portanto, uma dimensão da
especificidade teológica que caracteriza o pensamento wesleyano.

A grande questão é que Wesley entendeu a sua missão para renovar a igreja,
como uma tarefa vinculada à prática pastoral. Por isso, a teologia wesleyana possui
uma relação entre teoria e prática. Já a teologia latino-americana é conhecida por sua
reflexão que nasceu em meados dos anos de 1960, dentro das igrejas evangélicas e
41

depois se expandiu para o catolicismo. Essa teologia buscou responder também aos
desafios sociais urgentes, como o aumento da pobreza e do sofrimento humano.
Diante de um cenário de problemas políticos e eclesiais, essa perspectiva
teológica sempre procurou contribuir para uma sociedade mais justa e o compromisso
com as pessoas mais pobres na vida das instituições eclesiásticas, tratando a
educação e reflexão teológica como inseridas na sociedade. Contudo, essa noção de
fé nunca foi algo novo no século XX. Esta compreensão está na vida de toda história
da comunidade cristã, mesmo quando tratada como uma teologia marginal.
Na história do movimento metodista do século XVIII, é visível a sensibilidade
em relação ao sofrimento humano, às realidades sociais ocasionadas pela pobreza e
pela escravidão. Nascia, assim, uma teologia para responder e defender os direitos
socioeconômicos dos pobres, uma característica que imprimiu e revelou John Wesley
em seus escritos e traços bibliográficos (RIBEIRO, 2015, p. 20).
Essa visão do evangelho influenciou vários grupos metodistas, especialmente
no Brasil, deixando experiências memoráveis, contribuições de inúmeras pessoas que
merecem ser respeitadas e estudadas com afinco. Não podemos nos esquecer das
obras como o do Instituto Central do Povo, localizado no Rio de Janeiro, e o
envolvimento de metodistas nos movimentos e organizações ecumênicas nacionais,
continentais e mundiais.
Segundo Ribeiro (2015), nomes como Hugh Clarence Tucker, Guaracy Silveira,
Sante Uberto Barbieri, Almir dos Santos e tantos outros, eram na primeira metade do
século XX e na década de 1960, metodistas relevantes de uma teologia latino-
americana. Achamos justo mencionar uma contribuição do metodismo para a teologia
latino-americana, embora sabendo que a teologia latino-americana da libertação foi
destaque em outros espaços religiosos, como nas instituições católicas.

1.4 Crises e impactos teológicos no metodismo brasileiro

No início de 1960, estudiosos chamaram a atenção para a importância e a


necessidade de se conhecer as fontes originais da teologia wesleyana. Esse contato
trouxe um impacto positivo na reflexão sobre a missão da Igreja Metodista no Brasil.
É neste período que o metodismo esteve envolvido com o movimento ecumênico
internacional e trouxe inúmeras experiências de ações pastorais que fortaleciam as
42

reflexões críticas e teológicas no Brasil.


Neste período, a realidade do país era marcada pela emergência de
movimentos em defesa dos trabalhadores rurais e urbanos, como também o
movimento dos estudantes. O Brasil era marcado pela crescente movimentação
política com ideais socialistas, onde o debate político-ideológico impactava
diretamente as igrejas e também a reflexão teológica. O tema da responsabilidade
social da Igreja e a valorização dos elementos da cultura nacional e os grupos de
despertamento de renovação eclesial com a juventude, fortaleciam a herança
metodista, que era realçada pelo momento histórico no país (RIBEIRO, 2015, p. 23).
Logo esse fervor político e teológico foi abalado nos anos seguintes. Nisto o
desenvolvimento da Igreja Metodista foi literalmente paralisado pela crise que ocorreu
nesta década. O golpe militar em 1964 levou os setores da igreja a se dividirem, diante
de um dos piores momentos da história do Brasil. Esses desdobramentos abalaram
as bases da liderança metodista. O setor conservador assumiu poder da instituição,
gerando um clima de perseguição política em 1970 (SCHMIDT, 2011, p. 145).
As comunidades cristãs, em geral mais sensíveis aos dramas humanos do que
outros setores da sociedade tiveram apoio em suas pastorais marcadas pela
sensibilidade social. Mas esse apoio, infelizmente, foi interditado pela imposição da
ditadura. Por outro lado, os grupos conservadores se organizavam para opor-se
contra os que aspiravam por uma Igreja engajada na luta pela justiça e os direitos
humanos da população brasileira. Segundo o teólogo metodista, José Carlos de
Souza (2011), que tem uma rica contribuição para a teologia wesleyana brasileira,
esses posicionamentos políticos, econômicos e teológicos sufocaram a teologia
wesleyana nas Igrejas metodistas espalhadas pelo país. O autor aponta que

Entre outros acontecimentos, fazem parte desse contexto: a constituição, às


vésperas do Concílio de 1965, de um movimento conservador e nacionalista,
do ponto de vista político e teológico, denominado “esquema”, cuja meta,
parcialmente alcançada era afastar os missionários de posições chaves e
ocupar o poder da igreja; a formação da Igreja Metodista Wesleyana, em
1967, fruto da divisão gerada pelo avanço do pentecostalismo dentro dos
círculos metodistas; o fechamento da Faculdade de Teologia, em 1968, com
a dispensa de professores e estudantes. Sem dúvida, a juventude foi o
segmento da Igreja que mais sentiu o impacto dessas ações. Em breve, seus
sonhos se transformariam em pesadelos. Há evidências que pastores
colaboraram com órgãos de repressão, denunciando jovens suspeitos de
subversão, cujo único delito, no entanto, era opor-se à ditadura. Como
resultado, a Igreja Metodista no Brasil perdeu toda uma geração e sua taxa
de crescimento entrou em sensível declínio (SOUZA, 2011, p. 159-160).
43

Esta situação agravou tanto a teologia e a ação pastoral da Igreja metodista,


que o compromisso com a sensibilidade social no país, inspirado no pensamento
teológico de John Wesley, foi sendo esquecido ao longo do tempo. A teologia
wesleyana foi deixando de ser cultivada e, na falta de um referencial para trilhar um
caminho teológico e pastoral saudável, nasce uma crise institucional de identidade,
experimentada pela igreja que facilitou a adoção de soluções personalistas, sem a
devida articulação com órgãos colegiados da Igreja.
Na busca para superar esses impasses foi tomado, em 1974, no Concílio Geral,
que aconteceu no Rio de Janeiro – uma proposta que foi aprovada (1975-1978), para
construir bases para uma nova retomada da vida e missão da Igreja Metodista no
Brasil. De acordo com Ribeiro (2015), no ano de 1978, na cidade de Piracicaba – São
Paulo, o XII Concílio Geral estabeleceu uma nova proposta quadrienal (1979-1982),
com o tema: “Unidos pelo Espírito Metodistas Evangelizam”, que revelou a
necessidade de uma nova inserção positiva da igreja na sociedade, procurando ter
como princípio o Reino de Deus e sua Justiça, mas a sensação é que foram tentativas
que ficaram apenas no papel e com o tempo esquecidas pelos/as metodistas.

1.4.1 Os resquícios teológicos do metodismo estadunidense no Brasil

Outro fator que contribuiu para o distanciamento do compromisso social e o


entrelaçamento com a perspectiva política e econômica neoliberal da Igreja metodista
no Brasil é a influência norte-americana e a herança teológica deixada pelos primeiros
missionários no século XIX. Em 1981, ano que marcou os cinquenta anos da
autonomia da instituição religiosa no país (1930-1980), chegou-se à conclusão de que
ainda existia uma lacuna grande no sentido da falta de um plano para nortear a ação
missionária da igreja, a partir de uma visão pastoral que reafirmasse a sensibilidade
social, orientada pelo credo social da Igreja (RIBEIRO, 2015, p. 26).
A teologia aplicada nas comunidades locais, segundo alguns teólogos,
precisava ser mais “wesleyana” de acordo com a realidade brasileira, menos sectária
e individual. Estudos e reflexões teóricas como as de Bonino (1983), Santa Ana
(1985), Tamez (1983), entre outros, registram que o metodismo implantado no Brasil
é pouco wesleyano, isto significa que a tendência teológica ficou solta e com isso o
metodismo no Brasil foi fortemente influenciado por teologias conservadoras, com
inclinação política e ideológicas de direita.
44

A grande questão é que a aplicação teológica que ocorre através da educação


cristã e seus espaços educacionais forjaram uma espiritualidade intimista e
individualista, fazendo desaparecer a corrente teológica do fundador histórico que é
baseada na sensibilidade social. Para se entender a história do metodismo no Brasil,
não podemos fazer o caminho histórico do metodismo britânico. É preciso recorrer e
aprofundar-se em entender a lógica que sustenta até os dias atuais a teologia do
metodismo norte-americano (SANTA ANA, 1985, p. 57). Segundo, Ribeiro (2015),
existe alguns resquícios da teologia metodista estadunidense implantada no Brasil:

O pietismo implantado pelos missionários norte-americanos no século XIX


não era o mesmo que influenciaria Wesley no século XVIII. As experiências
para cá, transplantadas pela via estadunidense quase nada enfatizam as
preocupações sociais presentes no movimento metodista primitivo. O
metodismo no Brasil foi, como tendência, reduzido às formas mais intimistas
de compreender a fé. O mesmo processo se deu com as demais igrejas
evangélicas.

Essa perspectiva teológica reproduz um modelo de espiritualidade solitária e


essa experiência teológica fundamenta ênfases individualistas e consumistas. Essa
proposta fragiliza as discussões em torno das questões sociais no Brasil e ainda
inviabiliza o compromisso social da igreja. Em virtude disso, os resultados deste
pensamento teológico intensificam posicionamentos dualistas e moralistas.
Atualmente, essa concepção se instaurou pelo interior das igrejas brasileiras.
Convém lembrar que os espaços de aprendizado das igrejas não questionam
os problemas sociais, se o que mais se ensina nas comunidades de fé é que devemos
esquecer os sofrimentos humanos na terra, com a justificativa de que “Deus já está
preparando uma morada para seu povo no céu”. É indiscutível esperar algo de uma
teologia que intencionalmente despreza os níveis extremos do sofrimento humano da
sociedade, para sustentar que salvação é individual, realçando assim, interpretações
metafísicas sobre o conceito de salvação que nesta perspectiva não levará a
comunidade a compreender que salvação não é individual, mas segundo a teologia
wesleyana é social.

Para aprofundar tais questões, consideramos que a discussão sobre os


principais temas teológicos não requer somente uma revisão da
responsabilidade e da inserção social da igreja, mas, sobretudo, precisa rever
45

os temas básicos da teologia sistemática como a salvação e a escatologia.


Os desafios, portanto, são de grandes proporções (RIBEIRO, 2015, p. 29).

1.4.2 Superação teológica e pastoral do metodismo brasileiro é possível?

No Concílio Geral (1970-1971), a igreja alterou a sua nomenclatura e retirou da


cláusula “do Brasil”, reafirmando a sua dimensão universal. Aos poucos, algumas das
dificuldades começam a ser superadas, mas os novos desafios estavam se
configurando na sociedade. É o caso da globalização, ideal criado para sustentar a
economia de mercado, e também o início do processo de redemocratização política,
além do nascimento da religiosidade anti-institucional, adaptada à linguagem de
mercado, formando alguns dos elementos que condicionaram a ação missionária dos
metodistas nos últimos anos no Brasil (SOUZA, 2011, p. 159).

Como se sabe, o final dos anos de 1970 e o início dos anos de 80 foram de
oportunidades singulares para a renovação teológica e pastoral no Brasil e
em outros países da América Latina. O ambiente metodista foi um palco
privilegiado desse processo. A compreensão da missão como preocupação
ampla com o povo, considerando as questões sociais, econômicas e políticas
que marcam a sua vida, o interesse pela participação leiga na vida eclesial,
pela renovação cúltica e teológica, e por uma face mais popular para a igreja,
voltada para o Reino de Deus, marcaram entre outros aspectos, o anseio por
um metodismo mais “wesleyano” e brasileiro e menos sectário e intimista,
como a influência norte-americana havia deixado desde os primeiros
missionários no século XIX (RIBEIRO, 2015, p. 24).

Esta década foi marcada por acontecimentos históricos, que culminaram e


alteraram, através do Conselho Central, a estrutura administrativa da igreja para
atender às exigências missionárias com mais êxito. Na tentativa de superar seus
empasses, foi grande o empenho para fortalecer e orientar o desenvolvimento
missionário, os dois planos quadrienais criados e aprovados em 1974 e 1978, tiveram
um apelo por crescimento numérico para a igreja se livrar da estagnação. Neste plano
esperava-se que a igreja metodista chegasse à cifra de 100 mil membros no final do
quadriênio, o que não aconteceu, tornando-se uma frustação geral da liderança
eclesial (SOUZA, 2011, p. 161).
Segundo pesquisas sobre a história do movimento metodista no Brasil, o final
da década de 1970 e o início da década de 1980 foram um marco significativo para o
movimento religioso. A aprovação do XVII Concílio Geral (1982), do famoso Plano
para a Vida e a Missão da Igreja Metodista, foi determinante para a elaboração do
46

documento para instruir a igreja com os elementos básicos da herança wesleyana


mesmo com os desafios e contradições da realidade nacional.

Com efeito, esse documento supõe uma reviravolta radical no paradigma


missiológico dominante. Ao invés da ênfase na salvação do indivíduo,
advoga-se uma visão mais integrada e integradora de missão; ao invés do
habitual eclesiocentrismo o reino de Deus figura como o propósito central da
ação de Deus no mundo; ao invés do sectarismo institucional, subsiste o
convite para colaborar com todas as pessoas e grupos que promovem a vida
em todos os seus aspectos. Esse compromisso, aliás, é reafirmado de forma
solene, ainda que diversificada, em vários parágrafos, como no que segue:
“Neste tempo, fazemos uma escolha clara pela vida, manifesta em Jesus
Cristo, em oposição à morte e a todas forças que a produzem” (SOUZA, 2011,
p. 160).

Porém, já se esperava que um posicionamento teológico que levasse a igreja


metodista a se aproximar da teologia original do movimento metodista, sofresse
também muita resistência, pelos setores conservadores da igreja, que buscaram
desqualificar o plano, com o argumento de que por trás deste documento estaria na
verdade a teologia da libertação latino-americana.
E no decorrer do tempo, convém lembrar que o documento direcionou a igreja
a se inspirar e viver ações missionárias que voltaram a atender prioritariamente a
missão com grupos subalternos no país. Apesar das contrariedades teológicas, o
metodismo continuava a alargar as suas fronteiras. Um exemplo, a partir de 1974, é o
projeto missionário, com escola e ambulatório médico, em Altamira, Pará, na rota da
rodovia Transamazônica. No mesmo ano, à parte de iniciativas institucionais, famílias
metodistas migravam para Rondônia, dispostas a viver a fé e a responsabilidade social
originária da teologia wesleyana (SOUZA, 2011, p. 159).
Houve, pois, tentativas para tirar o metodismo no Brasil da ênfase intimista que
o caracterizava. No ano de 2004, as taxas de crescimento da Igreja Metodista no Brasil
voltaram a crescer, em comparação com outras denominações do campo religioso:

Dados estáticos indicam que, no ano de 2004, a Igreja Metodista possuía


mais de 156 mil membros, revelando uma taxa de crescimento anual de cinco
por cento desde 1997. Curiosamente, de acordo com o Censo realizado pelo
governo brasileiro no ano de 2000, 340.963 pessoas se declararam
metodistas, portanto, mais do que o dobro do que o número indicado pela
Igreja. Na falta de dados mais recentes publicados pela Igreja Metodista,
aguardava-se que o recenseamento oficial previsto para 2010 confirme essa
tendência. Independentemente disto, entretanto, estudos recentes apontam
para o incremento do número de evangélicos na sociedade brasileira e, com
certeza, esse clima tem beneficiado os metodistas, como sugerem as
informações parciais, divulgadas pelas próprias regiões eclesiásticas. Mas
esse favorecimento possui um aspecto obscuro (SOUZA, 2011, p. 161).
47

A disputa que ocorre no campo religioso revela esses traços obscuros. Neste
período setores da Igreja metodista, obcecados pelo crescimento numérico, aplicaram
modelos eclesiais em total desconexão com a identidade confessional wesleyana e a
própria trajetória que estava sendo construída para o metodismo no Brasil.
O crescimento das Igrejas neopentecostais, com práticas e estratégias
totalmente alinhadas à sociedade de mercado, ganha facilmente espaço no contexto
metodista. Pesquisas apontam que a perspectiva teológica que aplica estudos bíblicos
e teológicos é preterida e substituída por bandas musicais, shows profissionalmente
arquitetados com testemunhos que exaltam a teologia da prosperidade. Ao longo do
tempo, a teologia wesleyana foi sendo diluída para atender à atmosfera religiosa
dominante nas igrejas locais (SOUZA, 2011, p. 162).

1.4.3 Divergências e conflitos do conservadorismo no metodismo brasileiro

Ao mesmo tempo, cresceu um grupo no seio do metodismo brasileiro que


sempre se opôs ao compromisso social em John Wesley, mas que sempre deu mais
ênfase nos aspectos doutrinais e morais. Na década de 1990, o campo religioso
brasileiro, inclusive a igreja metodista, começa a sentir os efeitos de um tipo de
espiritualidade que é marcado pela mentalidade individualista. Esse cenário em pouco
tempo tornou-se hegemônico e se mantem até os dias atuais.
Neste período, aumentam os discursos teológicos e pastorais de privatização
e comercialização da fé, revelando descaradamente as intenções das empresas
missionárias no campo religioso brasileiro, consequentemente a desvalorização da
responsabilidade social aumenta drasticamente. O intimismo devocional e a
identificação com a benção de Deus com bens materiais e fundamentados pelo
estimulo da ênfase avivalista explodiu nas comunidades.
Esta herança nasce nos EUA no século. XIX, sustentada pelo Destino
Manifesto, politicamente aliado ao Partido Republicano, esse protestantismo era um
ideal praticado como se fosse a vontade absoluta de Deus. Por causa disto, os norte-
americanos acreditavam que essa missão cabia a eles e deveria ser implantada no
restante do mundo. Como resultado, o Protestantismo foi transplantado para o Brasil
pelos missionários estadunidenses, em meados do século XIX, e no território brasileiro
passaram a definir a identidade protestante. Contudo, diante dos desafios sociais no
48

Brasil, essa identidade importada entrou em colapso e iniciou-se uma série de


questionamentos no interior da igreja brasileira.
O anseio por um protestantismo que deveria estar entrelaçado com a realidade
nacional, ou melhor, um metodismo comprometido com a realidade social, levou à
queda do dualismo Igreja-mundo. O desmanche da ética individualista e da
experiência com Jesus subjetiva e desconectada da história, trouxe a visão de que a
extrema pobreza e a dependência do país estavam ligadas não a vontade divina, mas
sim, a uma ordem econômica que deveria ser transformada.
À medida que a crise se expandiu, os conservadores entenderam que era
tempo de defender o seu Ethos, pois sua identidade estava em risco. Segundo Rubem
Alves (2005), a defesa da identidade do Protestantismo conservador acontece por
meio de dois dispositivos: através da disciplina eclesiástica e da delação. Convém
lembrar que a chamada disciplina eclesiástica tem a função de controlar a ética
individual pietista, que é vista pelo Protestantismo conservador como o testemunho
público do crente na sociedade. Esse mecanismo de repressão estabelece o
estereótipo do fiel no grupo e julga a sua submissão aos seus princípios (ALVES,
2005, p. 205).

No caso do Metodismo, os dois grandes exemplos desta disciplina foram a


crise da Faculdade de Teologia e o Concílio Geral Extraordinário. Jovens
seminaristas foram excluídos do grupo por ferirem o retrato externo do crente.
Porém, nos dois anos que se seguiram ao Concílio Geral Extraordinário o
conflito assumiu um teor político. Aqueles que defendiam uma Igreja mais
engajada na realidade social brasileira se aproximavam das esquerdas. Por
vê-los como perigosos “comunistas”, representantes do conservadorismo
optaram então pela Delação aos órgãos da repressão (SCHMIDT, 2014, p.
153).

O segundo mecanismo é exercido até os dias atuais, a delação tem como


objetivo separar os verdadeiros e os falsos, esse é o mecanismo que mantém a
identidade adquirida e ela deve ser preservada a qualquer custo. A delação tem como
fundamento a separação, não há espaço para diversidade ou pluralidade. Isto seria
uma abominação, para ser é preciso separar e entregar o outro ao sacrifício, assim é
feita a confissão e submissão à ordem operante sacerdotal conservadora. A delação
reproduz a lógica do ódio e da violência ao outro, portanto deletar não é transgredir a
ética é confessar uma lealdade à ideologia do grupo religioso (ALVES, 1987, p. 44).
O encadeamento deste processo agravou ainda mais as antigas tensões
reproduzindo novas divisões, provocando a estimulação da disputa pelo poder, onde,
49

inúmeras vezes, se imiscuem questões pessoais. Souza (2011) discorre que existem
os que defendem uma urgente necessidade de cultivar as raízes confessionais,
considerando os atuais desafios existe os que acreditam que não se deve alterar uma
estrutura eclesiástica alinhada com a lógica do mercado religioso, porque está
contribuindo para o “aumento do quadro de membros”.

Muitos pleiteiam comprometimento intensivo com órgãos e movimentos


ecumênicos enquanto outros desejam maior aproximação com grupos
evangélicos e pentecostais e, por consequência, claro distanciamento da
Igreja Católica Romana. Por trás do debate, nem sempre aberto, mas real, o
foco parece concentrar-se em opções disjuntivas: ou fidelidade ou
sobrevivência institucional (SOUZA, 2011, p. 162).

Sem dúvida, a dinâmica pelo poder continuará existindo. O que ficou nítido
foram os inúmeros motivos que levaram a Igreja Metodista a flexibilizar ou melhor a
negociar sua narrativa teológica no Brasil. A visão de constituir em Igreja: Comunidade
Missionária a serviço do povo” como previa o tema que por mais de uma década, em
1991, orientou os metodistas espalhados pelo Brasil, foi substituído para sustentar a
sobrevivência da Igreja metodista no disputado campo religioso brasileiro, ou era a
fidelidade a sensibilidade social da herança do fundador histórico ou a sua
permanência denominacional entre as igrejas evangélicas no país, o grupo religioso
liderado por grande maioria do setor conservador, escolheu a segunda opção.
50

2 O NEOLIBERALISMO: HISTÓRIAS E IMPLICAÇÕES

Procuraremos dialogar sobre a relação complexa entre economia, política e


religião, para entendermos os seus vínculos que se articulam com os atuais discursos
teológicos que justificam e negam a justiça social e os direitos humanos dos inúmeros
grupos sociais marginalizados na sociedade brasileira.
Ainda hoje, o país sofre com a reprodução dos discursos que naturalizam e
justificam as mazelas deste mundo, onde os poderes políticos, econômicos e
religiosos sustentam um deus que glorifica os poderosos e idolatra o dinheiro,
expondo uma teologia que se alegra com as violências e os sofrimentos daqueles/as
que estão sob a lógica sacrificial do mercado.
Portanto, como fica inviável abordar todas as temáticas focaremos em analisar
o pensamento neoliberal na América Latina, principalmente no Brasil, no que tange à
cultura de consumo que este sistema econômico reproduz no corpo social brasileiro,
capaz de inverter inúmeras éticas sociais, para atender suas demandas.
Nisto, focaremos em analisar o pensamento neoliberal e sua infiltração no
campo religioso brasileiro, avaliando esta realidade em sua história que é marcada
por algumas características semelhantes como a opressão e o totalitarismo que
sempre buscou legitimar suas opressões com o pensamento de que não existe
salvação fora de suas estruturas de domínio e controle social.
Portanto, se não temos outra possibilidade fora de qualquer sistema social
estruturado na sociedade seja, econômico, político ou religioso, todas as expectativas
e esperanças para possíveis transformações se tornam inúteis e irrelevantes, nisto
todas as formas de opressão podem se naturalizar e se transformarem em sacrifícios
humanos necessários para a manutenção do sistema social. Diante desta realidade,
a dor e o sofrimento das vítimas, sacrificadas nesta relação, deixam de ser sofrimentos
a serem combatidos e derrotados na sociedade para se tornarem castigos de uma
divindade infiltrada no corpo social, fazendo o sofrimento e a dor dos pobres ser algo
sem importância e sem valor na sociedade (SUNG, 2018, p. 43).
Buscaremos conhecer o neoliberalismo para analisarmos profundamente suas
pretensões e os problemas que esta corrente econômica concebe diretamente na vida
de comunidades em países latino-americanos. Desta forma, observaremos como a
racionalidade econômica sequestrou e funcionalizou os aspectos essenciais do
51

cristianismo; nisto a “religião econômica” 9 despertou um imenso processo de


idolatria10 na sociedade que se auto sustenta na regulação dos meios de mercado.
Portanto, estudar as complexas relações pelas quais o neoliberalismo na
modernidade tem configurado as mudanças sociais que adquirimos no Brasil e que
estão acompanhadas do aumento dos índices de desigualdades sociais é de suma
relevância. É necessário avaliarmos com critérios as reproduções do pensamento
neoliberal na sociedade.
Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, a religião também se
modernizou, criando novas estratégias para influir na política, na cultura e até mesmo
na economia. Por fim, é necessário indicar caminhos, métodos e levantar questões
para entendermos as complexas relações entre teologia e economia na sociedade
contemporânea. Isso se justifica justamente, pela profunda e ampla reorganização
social e ideológica, fomentada pelo neoliberalismo para aplicar e organizar a
sociedade em função do mercado e dos interesses empresariais.
Para Comblin (2000) o neoliberalismo é uma teoria que visa dar uma explicação
total do ser humano e da sua história em torno da economia, ou seja, a partir de agora
a economia será o centro do ser humano a partir do qual todo resto se explica. Nisto
todas as esferas sociais, por sua importância política estratégica, merece um papel
de destaque diante de suas propostas de reforma política e social. Partindo deste
ponto, para inteirar-se com o neoliberalismo, não basta apenas criticá-lo como força
do pensamento liberal, visto que esta ideia não nos ajudaria para entendermos as
suas singularidades, e correríamos o risco de limitarmos o abarcamento das ideias
centrais deste pensamento econômico na relação com outras linhas liberais e outros
modelos de sociedade.
Com isso, antes de aprofundarmos no objeto de estudo, realçamos que o
neoliberalismo foi inserido em períodos diferentes na história, apesar de suas
características serem similares na metade do século XX e, principalmente, após a
década de 70 do mencionado século XX. Na primeira experiência, suas peculiaridades

9
Termo designado para identificar a religião como um objeto de escolha, envolvendo bens e serviços
religiosos passíveis de serem produzidos e consumidos pelos agentes inseridos no mercado religioso
(IANNACCONE, 1992, p. 124).
10
Trataremos no texto o conceito de ídolo e idolatria justamente por sua vinculação à manipulação de
símbolos religiosos para criar sujeições, legitimar opressões e apoiar poderes dominadores na
organização do convívio humano (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 11).
52

foram formadas por uma espécie de dogma que foi implantado por alguns
economistas que tinham a intenção de aproximar os conceitos do liberalismo clássico
frente ao Estado regulador e assistencialista.
Em outro momento, se caracterizou e optou pela liberdade de mercado,
demarcando o Estado e suas fronteiras, causando sua limitação. Por isso, quando nos
referimos ao prefixo “neo” não se trata apenas de princípios novos, mas da
prestabilidade dos ideais liberais em períodos novos. E geralmente os estudiosos/as
procuram entender o sistema neoliberal como uma ideologia ou cosmovisão, ou seja,
uma forma de ver e julgar o mundo social.
Por isso, o pensamento neoliberal é um movimento intelectual extremamente
organizado e composto por políticas ratificadas por governos neoconservadores 11,
que se contrapõe ao Estado intervencionista e do bem-estar social, aplicadas
especialmente a partir da segunda metade dos anos 70, onde tinha como objetivo
retomar a proposta econômica baseada nos princípios ortodoxos do liberalismo, quer
dizer, às orientações da economia clássica como válvula de escape da crise pela qual
passavam as sociedades.
Como vimos, esse conjunto de definições está entrelaçado entre si na medida
em que sugestionam o regresso a um modelo econômico ideal. A princípio atualizam
e propagam valores do pensamento liberal e conservador dos séculos XVIII e XIX.
Para que essa ideologia seja desmistificada, é indispensável recordarmos que um dos
principais pilares do neoliberalismo é sobre a sua teoria que busca limitar a
capacidade humana de entender as realidades complexas. Com isso, os teóricos
neoliberais partem da tese de que não temos capacidade de saber ou conhecer
totalmente os tecidos do sistema econômico (SUNG, 2015, p. 43).
Essa é uma das principais razões por que defendem a não interferência do
Estado na economia. Ademais, anseiam a volta a uma forma de organização
econômica que teria sido estabelecida brevemente, na metade do século XIX. Assim,
sugere Moraes (2001), que poderíamos dizer que o liberalismo clássico foi de certo
modo a ideologia prima do capitalismo.
E, sinteticamente, poderíamos dizer que a ideia vital é que as relações
econômicas de mercado são a singular maneira de distribuição dos bens, que
conserva o equilíbrio entre a demanda crescente e uma oferta. Partindo desse

11
Em 1979, Margaret Thatcher, na Inglaterra; em 1980, Reagan, nos EUA; em 1982, Helmut Kohl, na
Alemanha.
53

pressuposto, os governos neoliberais em países centrais do capitalismo bem como os


neoliberais brasileiros, querem reorganizar todas as esferas da vida social de acordo
com os imperativos do mercado e da livre concorrência.
Nesse esforço de reorganização da vida social e política, velhas instituições e
antigos conceitos são redefinidos de acordo com essa lógica. Nessa proposta, a
política se torna serva da economia, dedicada a impor esses interesses e novos
conceitos na sociedade. Elaborado especialmente em Chicago por Friedrich Hayek e
Milton Friedman, desde então o neoliberalismo expandiu-se pelo mundo e tornou-se,
na década de 80, a conhecida base do “pensamento único” no mundo ocidental.
Para impor o pensamento neoliberal e para conquistar o controle econômico no
mundo, os agentes do neoliberalismo se utilizam de todos os espaços como
ferramenta de alienação de massas para utilizá-los como canal de transmissão da sua
doutrina. Segundo Comblin (2000, p. 15), o capitalismo adotou o neoliberalismo para
estabelecer seu projeto de dominação:

O capitalismo adotou o neoliberalismo achando nele a melhor arma para


conquistar as mentes do mundo ocidental e inclusive do mundo inteiro. No
entanto o capitalismo não está comprometido pela ideologia neoliberal. Pode
abandoná-la e escolher outra mais eficiente no dia em que o neoliberalismo
se revelar menos eficiente, menos vantajoso.

Evidentemente, a estratégia do capitalismo, como Comblin (2000) aponta, é


fazer desta ideologia a mais eficiente possível, contudo, se ela se tornar menos
vantajosa o próprio sistema se encarrega de criar outras ferramentas de conquista.
Nisto a educação ocupa um lugar privilegiado como um dos elementos passíveis de
serem utilizados como técnica de governo, regulação e controle social. Assim, temos
algumas razões a partir da economia que levantam abordagens sobre como o sistema
capitalista se utiliza da aspiração humana para estabelecer seus interesses.
Buscaremos fazer um breve mapeamento sobre as consequências desse
direcionamento, chamando a atenção para seus efeitos colaterais e as vítimas que tal
lógica produz. Os seres humanos não conseguem viver em um caos, onde a injustiça
e a desigualdade anulam as possibilidades da realização plena. E, por isso, aspiram
por algo que transcenda a realidade opressora da vida. O capitalismo moderno
conseguiu canalizar esse aspecto do ser humano para o consumo, o qual significa
sua principal engrenagem. Como consequência, as pessoas que não conseguem se
adaptar aos padrões de consumo são excluídas e marginalizadas.
54

2.1 Raízes neoliberais na sociedade

A proposta do liberalismo clássico é normalmente identificada com Adam


Smith12, devido a sua conhecida obra, “A riqueza das nações” (1983). Nela Smith
descreve que poderíamos ter um mundo mais justo, racional e eficaz em sua
produtividade, se as portas de livre iniciativa fossem enfrentadas e estivessem
escancaradas, reivindicando que as relações econômicas não fossem delimitadas
pelo Estado. Além do mais, ele busca a exigência em desregulamentar e privatizar
todas as atividades econômicas, nisto limitando o Estado e também a manutenção da
segurança interna e externa na garantia da propriedade e dos contratos e na
responsabilidade por serviços essenciais de utilidade pública. 13
Smith (1983) expõe que a doutrina liberal insiste na especificidade do sujeito
que se torna uma procura incansável pelos lucros propriamente individuais e privados.
Contudo, isso é aceito de forma positiva, que provoca e impulsiona a competitividade
e a livre concorrência na sociedade. Deste modo, as qualidades que harmonizam o
mercado, o literato sintetiza que sem intervenções da lei, os interesses individuais das
pessoas espontaneamente levarão a distribuir e dividir o capital de cada sociedade
nas várias aplicações efetuadas nelas, mas na medida do possível, na proporção mais
condizente com o interesse de toda a sociedade.
Partindo desta concepção, Smith defende que a mão invisível do mercado
organizaria livremente as relações econômicas. Isso pressupõe que, em se extirpando
os mecanismos que confrontam a suposta liberdade natural, deixando o indivíduo
seguir em busca de seu próprio interesse, de seu próprio jeito, sem transgredir as leis
da justiça, teria como resultado que tanto seu trabalho como o seu capital disputassem
com os de qualquer outra pessoa ou categoria. Para sustentar esse raciocínio, se faz
necessário um conceito abstrato de mercado, como um ideal para a liberdade
econômica, que nos proporcionaria o paraíso terrestre, visando uma inquestionável

12
Adam Smith foi filósofo e economista escocês do século XVIII.
13
Segundo o sistema da liberdade natural, ao soberano cabem apenas três deveres; três deveres, por
certo, de grande relevância, mas simples e inteligíveis ao entendimento comum: primeiro, o dever de
proteger a sociedade contra a violência e a invasão de outros países independentes; segundo, o dever
de proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade contra a injustiça e a opressão de
qualquer outro membro da mesma, ou seja, o dever de implantar uma administração judicial exata; e,
terceiro, o dever de criar e manter certas obras e instituições públicas que jamais algum indivíduo ou
um pequeno contingente de indivíduos poderia ter interesse em criar e manter, já que o lucro jamais
poderia compensar o gasto de um indivíduo ou de um pequeno contingente de indivíduos, embora
muitas vezes ele possa até compensar em maior grau o gasto de uma grande sociedade (SMITH,
1983).
55

harmonia internacional (SMITH, 1983, p. 49).


Ao longo de sua trajetória o mercado tornou-se o único caminho que promove
justiça, riqueza e produtividade, gerando liberdade econômica para proporcionar o tão
esperado paraíso. Desta forma, esse desejo poderia ser barrado ou impossibilitado o
seu assentamento, para Smith (1983), seriam as “hierarquias arcaicas”, ou seja, as
instituições medievais, fomentadoras das responsabilidades tradicionais. Ademais,
outro ponto relevante que merece ser destacado é que o mercantilismo não era visto
com bons olhos por Smith, vindo a se tornar um grande alvo de crítica.
Segundo Smith (1983), algumas práticas da economia mercantilistas, tais como
protecionismo e regulamentação, redundavam em obstáculo para o progresso da
economia. Com isso compreendemos a fascinação de Smith em reduzir o papel do
Estado ao mínimo. Assim como o liberalismo, o neoliberalismo é a ideologia que o
capitalismo acolheu, encontrando nela a melhor arma para assenhorar-se das mentes
ocidentais, aliás, do mundo inteiro.

2.1.1 Principais teóricos do neoliberalismo

O pensamento neoliberal se expandiu no pós-guerra, em algumas vertentes e


variantes. Mas para conhecermos os principais ideólogos do neoliberalismo,
apontaremos a três escolas do pensamento neoliberal que são mais elaboradas e
conhecidas. Moraes (2001) destaca que as três principais escolas são:

A primeira é a Escola austríaca, liderada por Friedrich August von Hayek, o


patrono de todo o pensamento neoliberal contemporâneo. A segunda escola
é a de Chicago, personificada em T. W. Schultz e Gari Becker (ligados à teoria
do capital humano) e principalmente Milton Friedman (1912), o grande
homem de mídia dessa escola. E a escola de Virgínia ou public choice,
capitaneada por James M. Buchanan (1919) (MORAES, 2001, p. 23).

O neoliberalismo foi introduzido e revelado por um dos seus principais


ideólogos, o austríaco Ludwig von Mises (1881-1973). Mas é seu aluno que ganha
destaque, o também austríaco Friedrich August von Hayek, que recebeu o título de
patrono da causa neoliberal. Com isso, o movimento deslancha em 1944, pela
conhecida publicação “O caminho da servidão”14, tornando-se o primeiro tratado ou

14
É um livro famoso de Hayek. Seu conteúdo é de um enfrentamento direcionado “aos socialistas de
todos os partidos”. Nele há um ataque explicito ao planejamento, à intervenção do Estado na economia,
à ação dos sindicatos e a organismos sociais. Ademais, Hayek versa que a política intervencionista do
56

manifesto do movimento neoliberal (MORAES, 2001, p. 24).


Para Comblin (2000), Friedrich Hayek e Milton Friedman são os principais ou
mais conhecidos teóricos do neoliberalismo. Mas ressaltamos que esse movimento
está para além de seus organizadores, atingindo uma dimensão histórica nas
sociedades. Mesmo assim não podemos esquecer que esses ideólogos são de suma
importância, pois viabilizam seus conteúdos que possibilitaram agrupar forças sociais
que integram todo o fenômeno econômico no mundo.

2.1.1 Friedrich August von Hayek

O economista e filósofo Friedrich August von Hayek nasceu em Viena (Áustria),


em 1899. Em seus relatos biográficos, Hayek desde cedo se destacava com uma
capacidade intelectual incrível, ele cresce sem instrução religiosa, mesmo com os pais
tendo formação católica. Existem relatos que contam que nem seus familiares e
amigos eram religiosos envolvidos com instituições religiosas, tornando-se um fator
determinante em sua visão de mundo (EBENSTEIN, 2003, p. 2).
Na metade de 1918, Hayek enfrentava algumas decisões que a vida traz
consigo. Como calouro na Universidade de Viena que buscava cursar psicologia e
economia, teve que optar pela economia. Em seguida buscou complementar sua
formação em direito e ciência política, visando trabalhar em serviço diplomático, mas
seguiu na carreira de professor universitário. A pós teve à oportunidade de trabalhar
com o conhecido líder da escola Austríaca de economia Ludwing von Mises, um
intelectual renomado do Instituto de Estudos da Conjuntura.
Com o tempo, Hayek foi se aprofundando e introduzindo à tradição liberal de
livre-mercado, perspectiva econômica pela qual o mesmo navegou por toda a sua
vida. Posteriormente, no ano de 1931 foi convidado a trabalhar na Escola de Economia
e Ciência Política de Londres, Universidade pública britânica, fundada em 1895, onde
ficou até 1950. Em seguida, migrou para os Estados Unidos para morar em Chicago.
Ali, junto a Milton Friedman, permanece como líder da Escola de Chicago 15.
Apesar de Hayek ser anti-Keynes, aproximadamente na década de 30,
vivenciou uma espécie de esquecimento. Porém nos anos 70, como a visibilidade de

estado conduz ao totalitarismo político e suscita catastróficos efeitos econômicos, dado que
impossibilita o desempenho da economia de mercado, da competição criadora (MORAES, 2001).
15
A Escola de Chicago é uma escola de pensamento econômico que salvaguarda o livre mercado.
57

Keynes começa a entrar em colapso com as investidas de desmontar o New Deal e o


Welfare State16, o austríaco ressurge e torna-se o principal ideólogo contemporâneo
do liberalismo, conquistando o sonhado título dos economistas, o “Prêmio Nobel” em
Ciências Econômicas, em 1974.
Segundo Comblin (2000) na perspectiva hayekana o mercado é sagrado e por
isso não deve ser questionado. Com isso, o mercado torna-se perfeito e absoluto.
Esso é ocasionado quando os produtos oferecidos no mercado são justamente os
procurados. Logo, a quantidade recebida usada pelos consumidores é precisamente
a quantidade percebida pelos produtores.
Sung (2005) afirma que precisamos criticar essa tese que fora do mercado não
há salvação, para confrontarmos e impedirmos o estabelecimento desta ideologia nas
esferas da vida humana. Sung (2005) ressalta a necessidade de conhecermos essa
logicidade, para derrubarmos a tese neoliberal que o ser humano não precisa ou não
tem capacidade de analisar o funcionamento do sistema de mercado, porque não
podemos ter certeza de que o mercado gerará o bem necessário para todos.

2.1.2 Milton Friedman

Apresentamos agora outro teórico que teve um papel importantíssimo para o


desenvolvimento do neoliberalismo, o estadunidense Milton Friedman, nascido em 31
de julho de 1912, no Brooklyn, Nova Iorque, EUA. Estudou na Universidade Columbia
e mais tarde tornou-se docente da Universidade de Chicago, se destacando como
líder monetarista, onde ficou e se destacou tendo reconhecimento internacional. No
ano de 1976, recebe o prêmio Nobel de Ciências Econômicas. Na década de 80,
Friedman vai parar no Herbert Hoover Institute da Universidade de Stanford – grande
templo da Economia, e local de referência dos economistas conservadores e liberais
deste período. A grande questão é a tese que Friedman desenvolve em dois caminhos
para a sistematização das atividades econômicas, o primeiro método, o Estado
totalitário ou o livre-mercado propõe que se não adotarmos o segundo, acabamos se
entrelaçando com o primeiro.

16
New Deal: programas implementados nos Estados unidos, sob o governo de Roosevelt, visando
reformar a economia estadunidense, e amparar os que foram afetados pela Grande Depressão; Welfare
State: Estado do Bem-estar – o Estado assegura padrões mínimos de educação, saúde, habitação,
renda e seguridade social.
58

Por esta razão, ele observa que o Estado de Bem-estar e os programas


econômicos de perspectiva keynesianos, levam rigidamente ao Estado totalitário,
sendo assim, opressão ao livre-mercado e sua liberdade. Azevedo (1999) salienta que
a proposta neoliberal de Friedman trata sobre a organização do mercado em que
acontece a troca que se dá pelos atos voluntários entre pessoas igualmente ligadas e
inteiradas e incapazes de modificar os preços – que virou uma ferramenta democrática
excelente no sistema.
Assim, fixado o mercado, converte-se em ganho para ambas as partes, todos
ganham. A busca desenfreada pelo próprio interesse com a milagrosa “mão invisível”
de Adam Smith operando, resulta em lucro. Em sua obra Capitalismo e liberdade, de
1962, seu texto afirma que o mecanismo do mercado é suficiente para lidar com a
maioria dos problemas econômicos e sociais. Com isso, o poder do Estado sempre
deve ser minimizado e descentralizado, sendo a liberdade da empresa o fundamento
da liberdade política.

2.1.3 Sociedade de Mont-Pèlerin

Em busca de propagar seus ideais, Hayek e Friedman começam a se organizar


para disseminar os seus pensamentos na sociedade, para isso, começam a se
envolver na política, o que foi um fundamental para o trabalho de ambos serem
alicerçados na Sociedade de Mont-Pèlerin, que foi fundada em 1947, ajuntando
inúmeros intelectuais da época que eram favoráveis à causa do liberalismo.
No início, a proposta era formar uma sociedade internacional, capaz de atrair
estudantes alemães para regressarem à tradição do pensamento liberal clássico, o
que parece que não se tratava de um projeto, mas de reflexões e debates sobre
períodos críticos. Segundo Azevedo (1999), estas reuniões partiam de uma espécie
de franco-maçonaria neoliberal, que foi muito dedicada e extremamente organizada
com suas reuniões internacionais para combater as propostas keynesianismo e o
solidarismo. Contudo, a sociedade de Mont -Pèlerin preparou as bases para um novo
tipo de capitalismo, rígido e livre de regras. Atualmente, a sociedade é composta com
mais de seiscentos membros ativos. Desde 1974 até 1993, oito membros já foram
ganhadores do “Prêmio Nobel” de economia.

2.2 A implantação do pensamento neoliberal na América Latina


59

A chegada do pensamento neoliberal nos países latino-americanos é incerta,


no que se refere ao estabelecimento de uma data precisa. Porém, foi no Chile que o
neoliberalismo encontrou solo fértil para assentar suas políticas econômicas, a partir
da década de 70. Segundo Laura Tavares (2002), que escreveu um livro com o título:
“Os Custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina”, foi nos anos 80, ou melhor,
quase no final desta década, que o neoliberalismo trouxe consigo suas propostas e
reformas para ajustar a vida financeira da américa latina, na busca de renegociar suas
dívidas. O neoliberalismo propagandeou, na América Latina, a tese esperançosa de
que o livre mercado tamparia a lacuna do atraso, ao ir não somente pela abertura de
fronteiras, bem como pela estabilização dos preços e das contas públicas.
O ideal neoliberal trouxe a ilusão que o desenvolvimento exterior com força
máxima de investimento traria para os países da América Latina uma grande redução
da pobreza crônica, presente nesta época e proporcionaria um crescimento
econômico que melhorasse os padrões de vida, que se alterariam em benefício da
orientação mercantil das políticas públicas. Por isso, Ibarra (2011), destacou que os
mercados abertos e a translucidez das negociações do governo ou dos setores
privados colocariam um fim nos gastos ou privilégios indevidos, ou seja, serviriam de
medicamento enérgico em oposição à corrupção.
José Comblin (2000) trouxe uma importante contribuição para a teologia latino-
americana quando abordou sobre os direitos humanos, em suas análises sobre a
ideologia da Segurança Nacional dos regimes militares, o teólogo oriundo da Bélgica,
discorreu que o pensamento neoliberal chegou na América Latina na ocasião em que
as terras latino-americanas estavam favoráveis para sua implantação.
Como ocorreu no Chile em 1975, na época governado por Augusto José
Ramón Pinochet17 que praticamente entregou o ministério da economia a Sergio de
Castro18 e aos ideólogos liberais da Chicago Boys19 provenientes da Universidade

17
Comandante chefe do exército chileno, encabeçou o golpe de 11 de setembro de 1973, que destituiu
o governo de Salvador Allende. Depois do bombardeio de La Moneda, o poder foi assumido por uma
Junta Militar de Governo liderada por Pinochet, sendo nomeado Chefe Supremo da Nação, em 27 de
junho de 1974. Em 17 de dezembro, chega ao cargo de Presidente da República.
18
O economista Sergio de Castro foi um dos três primeiros estudantes da Universidade Católica, que
foi contemplado com uma bolsa de estudos para cursar economia na Universidade de Chicago,
tornando-se o mais influente dos intelectuais Chicago boys.
19
Intitulação atribuída ao grupo de jovens economistas chilenos, de vertente liberal, instruídos na
Universidade de Chicago que posteriormente contribuíra para elaboração da política econômica do
ditador Pinochet.
60

Católica de Santiago do Chile. Desta forma, a implementação neoliberal foi uma


investida das elites chilenas em busca de aumentar suas possibilidades nos negócios
que teve a cooperação dos mecanismos estadunidenses, como, por exemplo, a
famosa CIA20, e pelo secretário de Estado Henry Kissinger 21, contra o governo
democraticamente eleito de Salvador Allende Gossens 22, por conta de sua inclinação
para o socialismo. Inicia-se uma espécie de inquisição, com o intuito de desmantelar
todos os movimentos sociais (HARVEY, 2011).
Assim, o Chile abriu as portas para a implantação da boa nova neoliberal na
América Latina, por um governo autoritário, ditatorial, que fez o povo chileno viver
historicamente uma das ditaduras mais sanguinárias da América Latina. Por fim, foi
neste período que a influência neoliberal conquistou uma geração de economistas
latino-americanos com muito êxito, ao ponto de gerar uma espécie de adoração aos
governos de recorte neoliberal. Com o tempo, novos países aderiram ao modelo
neoliberal de economia, exceto Cuba. O estabelecimento do paraíso terrestre foi
arquitetado e aplicado na América Latina com o apoio destes homens, Carlos Menem,
Fujimori, Fernando Collor de Melo, Luís Alberto Lacalle, Golzalo Sanchez de Lousada
e Carlos Salinas de Gortari (COMBLIN, 2000, p. 40).

2.2.1 Neoliberalismo em terras brasileiras

Em terras brasileiras, não foi diferente. O neoliberalismo inseriu sua formulação


teórica a partir de 1889/1990 no Brasil. Diante de uma crise econômica, ele encontra
espaço na fase do enfraquecimento do Estado desenvolvimentista23 brasileiro, que foi
marcado pelo fim do governo de José Sarney 24.

20
Serviço de inteligência estadunidense – Central Intelligence Agency.
21
Diplomata estadunidense que exerceu um singular papel na política externa dos Estado Unidos, entre
1968 e 1976.
22
Fundador do Partido Socialista do Chile, que tentou estabelecer o socialismo por meios democráticos.
Governou a nação chilena de 1970 a 1973, quando foi destituído do cargo por um golpe militar.
23
O Estado Desenvolvimentista é como um tipo ideal, aquele em que uma elite política, orientada por
ideais desenvolvimentistas e incentivada por um contexto internacional ameaçador, é capaz de forjar
uma aliança política de modo a sustentar um processo de construção institucional e de formação de
uma burocracia econômica que seja, ao mesmo tempo, suficientemente coesa, socialmente inserida,
com autonomia e capacidade para formular e implementar uma política de industrialização que redefina,
no longo prazo, a estrutura econômica de um país (PERISSINOTTO, 2014).
24
Em 15 de março de 1985, assumiu a presidência da república interinamente, devido a enfermidade
de Tancredo Neves e, com o falecimento do mesmo, em 21 de abril, foi efetivado no cargo.
61

Diante de um processo de transição democrática, mas sendo administrado pela


hegemonia conservadora, o país evidenciou neste período também a luta dos
movimentos sociais. A crise na gestão pública levou a uma hiperinflação na economia
que provocou inúmeros problemas econômicos e políticos criando um cenário que
aspirava por mudanças (SOARES, 2002, p. 35).
Em 1989, a eleição presidencial foi um dos fatores que facilitou a entrada do
neoliberalismo no Brasil, justamente após três décadas de autoritarismo, elegendo
democraticamente, Fernando Collor de Mello 25, um candidato que teve uma carreira
política marcada pela defesa das elites brancas brasileiras.
Naquele ano, Collor acabou convencendo vários grupos da população
brasileira, com um discurso que prometia transformar radicalmente a realidade em
que o país se encontrava. Neste cenário conturbado, o governo Collor incluiu o seu
plano de estabilização e a reforma econômica que se tornou o centro da vida política
e econômica brasileira.
Desta forma, o Brasil tornou-se mais um berço do neoliberalismo, a exemplo
do que já havia ocorrido em outros países latino-americanos. As consequências foram
políticas de liberação financeira e desregulação cambial, revelando as intenções do
governo da época, que eram trazer investimentos do exterior a qualquer custo. Deste
modo, o país se prostrou sem questionar o mercado financeiro, oferecendo o que
fosse necessário para que o pensamento neoliberal pudesse se expandir no país, não
avaliando os impactos e consequências que mais tarde trariam ao país (PORTO,
2009).
Segundo Maria Célia da Silva Porto (2009), outro momento marcante no Brasil
foi a alusão em aceitar a proposta do Consenso de Washington, criado no final da
década de 80, na capital dos Estados Unidos, elaborado pelo governo estadunidense
que tinha como finalidade financiar capital a outros países. Após os acertos no
Consenso de Washington, a proposta neoliberal se tornou sólida no Brasil, reduzindo
o Estado e provocando a abertura da economia. Consequentemente, essa tática no

25
Criou o Partido da Reconstrução Nacional, elegeu-se presidente da República em 1989, após vencer
Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, no segundo turno eleitoral. Em 2 de outubro
de 1992, foi deposto temporariamente da presidência da República. Renunciou ao cargo de presidente
em 29 de dezembro de 1992, data da sessão de julgamento do processo de impedimento no Senado,
que o tornou inelegível por oito anos.
62

governo Collor, foi uma investida político-econômica que concretizou sua campanha,
na época chamada Diretrizes de Ação do Governo Fernando Collor de Mello26.
Sua iniciativa política visou colocar o Estado à serviço da iniciativa privada,
conduzindo o país a implantar uma espécie de modernização estatal ou projeto de
reconstrução Nacional27. Com as portas abertas para as propostas neoliberais, ficou
viável o desmantelamento do Estado, para que não prejudicasse as relações
econômicas. Foi neste período que o Brasil aceitou um profundo processo de
privatização do Estado, propondo uma abrangente reforma administrativa no
programa federal de desregulamentação e o programa nacional de desestatização.
Nesta abertura aos fundamentos neoliberais foi instalado no Brasil pela gestão do
governo Collor a erradicação da inflação, sustentada pelo Plano de Estabilização 28.
Neste pacote ampliavam-se outras medidas, com pesos semelhantes, que passaram
a dar existência ao seu assentamento.
As propostas que se sobressaíram foram a de desregulação da economia, que
pretendia à supressão do Estado, e ao mesmo tempo, sobre a economia e sobre a
relação capital-trabalho, com vistas à absolutização da liberdade dos mercados; a
destituição do Estado como gestor produtivo, que resultou no esfacelamento das
empresas estatais, delegando à esfera estatal apenas a atividade de prover uma
educação básica e saúde pública, em outras palavras, conferindo-lhe a
responsabilidade por serviços essências de utilidade pública, reduzindo o Estado ao
mínimo, (PORTO, 2009, p. 55).
Laura Soares (2002) descreve que depois da iniciativa de implantar o Plano
real, em 1990, Fernando Henrique Cardoso 29 tornava-se democraticamente
presidente do Brasil, e nesta segunda fase as propostas neoliberais, em pouco tempo
mostravam seus impactos, sobretudo sociais.

26
O documento apresenta suas propostas de candidato e sua profissão de fé de presidente eleito. Os
grandes temas de seu programa são: democracia e cidadania; a inflação como inimigo maior; a reforma
do Estado e a modernização econômica; a preocupação ecológica; o desafio da dívida social; e a
posição do Brasil no mundo contemporâneo (COLLOR, 1990).
27
Documento publicado depois do primeiro ano de mandato. O projeto foi uma reprodução necessária
dos ideais escudados no decurso da campanha eleitoral. A proposta de gestão introduzia como ponto
basilar, o anelo da população brasileira por transformações profundas. Ademais, anexava uma
concepção do que seria o Brasil moderno e das condições de realizar o salto qualitativo na vida nacional
(COLLOR, 2008).
28
O Plano de Estabilização conhecido também por Plano Collor foi formado por diversas medidas
provisórias e outros documentos legais, tendo como pontos fundamentais: o ajuste fiscal, a reforma
monetária e a política de rendas.
29
Candidato à presidência da República, elegeu-se no primeiro turno eleitoral, em 3 de outubro de
1994, tendo obtido 54,3% dos votos válidos. Reelegeu-se presidente da República em 1998.
63

Com isso, segue-se firmemente a luta contra o inimigo maior, a inflação,


iniciada pelo governo anterior, por intermédio do Plano de Estabilização, cuja vitória
passou a ser o alvo para a retomada do crescimento econômico, isto segundo o
discurso governista. Logo, para o alcance dessa vitória, qualquer meio era justificável,
até mesmo uma recessão sem limites.
Contudo, aplica-se a proposta de desregulamentação da economia que
substancialmente escuda a abolição da regulação do Estado sobre os preços da
economia em geral, bem como sobre as relações capital-trabalho. Visto que a
regulação é julgada como progenitora de distorções, então, o livre mercado passa a
ser o sucessor, pois seria capaz de oferecer uma partilha de recursos mais racional.
Dado isto, consequentemente, prosseguimos para outra proposta integrante do
projeto neoliberal, a destituição do Estado como agente econômico produtivo e
empresarial, o que coopera estrategicamente para redução da esfera pública.
Contudo, nas entrelinhas dessa proposta percebe-se as silhuetas ideológicas,
caracterizando o setor público como ineficiente e projetando o setor privado como o
único capaz de conduzir ao crescimento econômico. Sendo assim, o sucesso
privatizante estaria assegurado desde que o Estado não se envolvesse em pautas
econômicas. Para mais, é de suma relevância ressaltar que a ideologia neoliberal
transcendeu os limites do setor produtivo, amplificando-se para área social, como a
Saúde e a Educação, propagandeando a competência e eficiência do setor privado
(SOARES, 2002).
Ainda sobre o pacote neoliberal, acolhido e continuado pelo governo de
Fernando Henrique Cardoso, encontra-se a ideia de que a privatização e a redução
do Estado seriam a solução salvífica para a nação brasileira, pois assim reduzir-se-ia
o gasto público, com que se extirparia o déficit público, por conseguinte a raiz de todos
os males estaria eliminada e o grande inimigo do povo brasileiro seria derrotado, a
inflação. Porém, o que foi presenciado nesse período singular da história verde e
amarela foi a denominada Reforma Administrativa 30.
Naturalmente que essas medidas e a massacrante redução do gasto social,
não impactaram positivamente o corpo social, muito menos erradicou-se o déficit

30
A intenção da reforma foi possibilitar que a administração pública se torne mais eficaz. Em
contrapartida, ela intenciona garantir estabilidade para o Plano Real, refreando o desperdício e
racionalizar o gasto público. Dessa forma, o governo evita que os gastos amplifiquem, corroendo os
recursos do Estado (CARDOSO, 1995).
64

público. No mais, o espírito fantasmagórico da inflação continuava a assolar o país.


Não por último, no discurso neoliberal brasileiro, evidenciamos a denominada
liberação do comércio exterior, ideário neoliberal mundial, que tem como intento tornar
a economia brasileira mais internacionalizada e moderna, formalizando as estruturas
produtivas internas para que sejam capazes de competir livremente no mercado
internacional. Assim colocaríamos as plantas dos pés no Primeiro Mundo, ou seja,
entraríamos no jardim do paraíso terrestre, que fora prometido no limite da exaustão
pela voz profética desde o presidente Collor (SOARES, 2002, p. 89).

2.2.2 Os efeitos colaterais do neoliberalismo no Brasil

Ao analisar o contexto brasileiro, a partir da década de 1990, nos é revelado a


inserção profunda do neoliberalismo no campo econômico, político e ideológico,
influenciando as políticas sociais, que resultaram na ruína dos direitos sociais.
Considerando as políticas sociais como ação do Estado, entende-se as mesmas como
um conjunto de intervenções para a assistência das demandas sociais daquele corpo
social. Porém, a pregação neoliberal insiste que o Estado é ineficiente, e que o seu
excesso é prejudicial à economia. Consequentemente, o projeto neoliberal assume a
característica salvacionista, indicando que toda atividade econômica estatal deve ser
transferida para o setor privado, em outras palavras, Estado mínimo e livre mercado.
Em conformidade com essa proposta, o governo Fernando Henrique Cardoso
inclinou-se aos cânones neoliberais e ao dogma da privatização, palavra esta que se
tornou a nova ordem. Todos os recursos foram utilizados para incutir na opinião
pública as supostas benesses que tal medida proporcionaria.
Ivo Lesbaupin e Adhemar Mineiro (2002) salientam que nos primeiros anos, o
governo apoiado pela mídia, persistiu em duas ideias básicas: as empresas estatais
eram algo ultrapassado, sem contar que eram tidas como o berço dos privilégios e o
Estado brasileiro estava falido, com uma dívida pública imensurável, sendo a
privatização necessária para diminuir tal déficit. Contudo, a ineficácia da privatização
para redução do saldo devedor público se certifica quando se olha para o crescimento
demasiado da dívida externa e interna.
Indubitavelmente, a esfera que mais foi impactada, decorrente das
consequências da opção neoliberal do governo em questão, foi a social. Este
resultado se dá após a privatização de uma parte considerável da riqueza nacional e
65

da constante alteração na taxa tributária. Saúde, educação, emprego, agricultura e


segurança, simbolizados pelos cinco dedos da mão espalmada 31, foram mutilados.
A saúde, a mais impactada pela política neoliberal, sofreu a ausência de
recursos suficientes para cumprir suas metas. Com isso, emerge a proposta de
criação de um imposto – CPMF32 – cuja finalidade seria unicamente o investimento na
saúde. Ainda assim, esta contribuição não se referiu ao acréscimo de recursos para
saúde, o que ocorreu foi na realidade uma permuta de fontes de receitas.
Para mais, ainda insistindo no dogma da privatização, foi sinalizada como
válvula de escape. Pois bem, no entendimento neoliberal, o mercado desponta como
possível solução salvífica, visto que ele é tido como aquele que cuida melhor de tudo.
Porém, a experiência da população quanto ao uso do serviço privado foi contraditória,
no caso da saúde, pois conforme o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor os
planos de saúde ponteavam o ranking de queixas (LESBAUPIN; MINEIRO, 2002, p.
40).
Outro ponto que merece destaque é que nesse período a população enfrenta
outro grave problema, a inflação dos preços dos remédios. E a situação fica mais
acentuada se analisarmos os preços dos medicamentos por categorias. A exemplo
tomemos os indicados para doenças cardiovasculares que atingiram 105% e para
doenças respiratórias 143%, isto no mesmo período.
Neste interim o setor farmacêutico lucrou quatro vezes a média do conjunto da
indústria brasileira. Ainda na esfera farmacêutica, a internacionalização da mesma
agravou ainda mais a situação, posto que 50% dos genéricos são importados prontos
e, com a queda da moeda nacional, o preço dos remédios subiu demasiadamente.
Como resultado, cerca de cinquenta milhões de brasileiros não tiveram acesso a tais
medicamentos. Logo, a obscuridade desse projeto demoníaco vem à tona, revelando
suas reais intenções, em que uma parcela considerável da população foi sacrificada
com intuito de manter o projeto particular de uma minoria (LESBAUPIN; MINEIRO,
2002, p. 29). No caso da educação, seguindo a lógica da saúde, em que o serviço
público é destinado para os pobres e o setor privado para os mais abastados

31
Promessas feitas em sua campanha presidencial, era da “mão direita” espalmada, mostrando as
metas de sua gestão.
32
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira foi uma arrecadação que incidiu sobre todas
as movimentações bancárias — com exceção nas negociações de ações na Bolsa, saques de
aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma
titularidade — e perdurou no Brasil por uma década.
66

economicamente, a educação deve continuar pública, no que se refere ao ensino


fundamental, mista no ensino médio e privado no superior. A falácia utilizada é que se
a universidade fosse paga, sucederia que os estudantes pobres obteriam bolsas de
estudo, ou seja, as universidades públicas tinham que se converter ao mercado.
Para que este projeto tivesse êxito, o governo utilizou algumas táticas
perversas para que todo joelho fosse dobrado, em atitude de conversão. Assim,
salários foram congelados; as verbas para sustento das universidades foram sendo
cortadas; as bolsas de mestrado e doutorado retiradas; a aposentadoria dos
funcionários e professores foi ameaçada; centros de pesquisas foram desmantelados.
Na realidade, o governo, em atitude de obediência à concepção do Banco Mundial,
tentava colocar em prática a seguinte ideia: priorizar o investimento na área de ensino
fundamental em detrimento ao superior, dado que este campo era considerado caro
e com pouco retorno.
Ademais, no que tange às pesquisas, os países desenvolvidos já executavam
tal tarefa e com excelência, portanto, percebe-se nas entrelinhas que a intenção era
manter o Brasil em um patamar de pesquisa relativamente subalterno aos países
desenvolvidos, ou seja, total subordinação à força intelectual internacional. Tudo isso
para estar em harmonia com a profissão de fé que fora feita aos organismos
internacionais que proferem a crença neoliberal (LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).
Conforme o discurso governista, o rumo era claro, operar no sentido de
desregulamentação do mercado de trabalho, ideia que estava associada à redução
de custos e ao aumento da competitividade, que acarretaria no crescimento do
emprego e na renda dos trabalhadores.
Porém, o desfecho foi outro, o mercado de trabalho converteu-se mais em
informal do que formal, indicando um refreamento no número de trabalhadores com
carteira assinada, denotando impactos nocivos à garantia de direitos trabalhistas,
como também na perspectiva do financiamento da Previdência Social, em que os
trabalhadores com carteira assinada contribuem diretamente (LESBAUPIN;
MINEIRO, 2002. p. 60).
Na metade da década de 90, a taxa de desemprego subiu de maneira
vertiginosa, dado o raso desempenho geral da economia. Só que o discurso
neoliberal, na tentativa de escudar suas investidas catastróficas, na esfera trabalhista,
apregoa que o desemprego é originado por excesso de legislação trabalhista, a
culpabilidade recai sobre: seguro-desemprego, encargos sociais, entre outros, então
67

emerge a proposta de que se houvesse uma legislação simplificada, haveria um


volume de emprego considerável.
Contudo, os efeitos da desregulamentação e a flexibilização trabalhista nos
evidenciam a real face dessa política, crucificações constantes da classe trabalhadora
legitimada pela lei, que não passa de um amontoado de palavras que favorecem a
classe dominante. A propaganda do governo insistia na fala de que a reforma agrária
no Brasil estava se concretizando, em virtude dos números de assentamentos
alcançados. Todavia, não sabemos se foi de modo proposital, ou se de fato foi feita
uma confusão, em relação à reforma agrária e aos assentamentos.
Ainda assim, a propaganda, sem sustentação, desmorona ao constatar que
em diversos assentamentos “efetivados” não havia nenhuma família residindo. Sem
contar que depois das famílias assentadas, estes necessitam produzir, por
conseguinte, carecem de condições para realização de suas atividades, porém foram
constatados em diversos assentamentos a relação de desdém do Estado em apoiá-
los (LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).
No mais, se analisarmos o mapa dos assentamentos no período em questão,
constataremos que onde houve luta pela terra, foi onde se deu mais assentamentos.
Dessa forma, percebe-se que o maior número de assentamentos no governo
Fernando Henrique se deu graças à luta dos movimentos sociais pela terra,
especialmente do MST33, mas também da CONTAG34, da CUT35, dos sindicatos de
Trabalhadores Rurais, do Movimento dos Atingidos por Barragens e eventos como os
Gritos da Terra e as Marchas pela Terra.
Findando este tópico, vale ressaltar que neste governo sucederam os maiores
massacres de camponeses sem terra: Corumbiara, em agosto de 1995, e Eldorado
de Carajás, em abril de 1996. Trata-se de um período nefasto e sangrento em que
foram assassinados 1.237 trabalhadores rurais, advogados, técnicos, lideranças
sindicais e religiosas engajadas na luta pela terra. Pará e Maranhão foram os estados
com maior índice de assassinatos, somando os dois, chegaram ao número de 579
mortes. Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a prova de impunidade consiste
em que dos 1.237 assassinatos apenas 102 foram levados a julgamento.

33
Movimento Sem Terra.
34
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
35
Central Única dos Trabalhadores.
68

Essas mortes, porque não dizer, esses sacrifícios, obedecem a lógica da


lucratividade apregoada pelo sistema neoliberal, afinal de contas eram tidos por
empecilhos que deveriam ser destruídos para que o progresso continuasse
(LESBAUPIN; MINEIRO, 2002). Pobreza, miséria e o abismo da desigualdade social
sinalizam que uma parcela considerável da população brasileira não desfrutou de uma
melhora de vida nos últimos anos. Portanto, o aumento da violência e da criminalidade
resultaram na desestabilização da segurança, uma das promessas proferidas pelo
excelentíssimo senhor presidente da república.
No Brasil, entre 1991 e 2000, o número de homicídios subiu assustadoramente
para casa dos 50,2%. Entre os jovens, de 15 a 24 anos, o percentual foi mais
acentuado, chegando à 77%. A população carcerária avolumou-se para 58%, isto de
1995 até 2002. Não é necessário ser um expert em estatísticas para notar os danos
que a política de recorte neoliberal ocasiona, no que diz respeito à segurança.
Se nos debruçarmos sobre tal política, perceberemos o futuro devastador que
ela proporcionará. A política neoliberal impulsiona a “lei da selva”, e nesta lei
sobrevivem os mais fortes economicamente. Enquanto isso, aqueles que estão em
situação dessemelhante, desfortalecidos economicamente, se consomem,
proporcionando um espetáculo de banho de sangue, para uma classe seleta
(LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).
A segurança para todos é inviável nesse sistema, pois o abismo social existente
entre uma classe minoritária privilegiada e uma massa desprovida de perspectivas,
inevitavelmente conduz ao aumento da violência. A saída para criminalidade
apresenta-se como uma porta atrativa, visto a falta de esperança de dias melhores. O
desemprego, o arrocho salarial, o aumento da jornada de trabalho, contribuem
significativamente para o fortalecimento do sentimento de desesperança. Por
consequência, o genocídio da população periférica vai se intensificando, enquanto a
classe privilegiada está segura com sua cabeça reclinada em suas camas de marfim,
(LESBAUPIN; MINEIRO, 2002).

2.2.3 Críticas ao sistema econômico neoliberal

Após nos debruçarmos sobre a ideologia neoliberal e descobrirmos o que é e


de onde vem, analisaremos os modelos teóricos e suas orientações políticas, no que
tange a seus métodos e pressupostos. Veremos que suas teorias não se sustentam,
69

e suas implicações as desmentem. Porém, mesmo com os frutos desumanizadores


desta corrente, seus ideólogos são fiéis e professam com confiança que este é o
caminho que salvará a sociedade, como um caminho eficaz para trazer o paraíso
terrestre, chegando a enunciar que se o mercado e sua espinha dorsal, criar
problemas, a saída sempre deve ser o próprio mercado.
Nisto, o pensamento neoliberal transforma-se em objeto de fé, uma fé contra
as evidências sociais. Contudo, o livre-mercado é exaltado dentro desta corrente
econômica, procurando ser uma utopia. De acordo com Franz Hinkelammert (1988)
economista marxista formado pela Universidade livre de Berlin, foi docente na
Universidade Católica do Chile, os principais ideólogos neoliberais não focam o
mercado real, não partindo de cogitações empíricas, mas acreditam numa
concorrência perfeita. Mas não é perfeita, visto se fosse não precisaríamos concorrer
uns com outros, sendo assim, vemos que se trata de um mercado idealizado e não de
um sistema econômico concreto.
Por isso, não podemos aceitar o livre mercado, ele não existe entre os seres
humanos, é apenas uma construção teórica e não palpável. Se fosse para haver êxito,
seria em mundo supra-humano, no entanto, não pode funcionar no mundo dos seres
humanos. Vemos que o ideal neoliberal pressupõe que empregadores/as e
empregados/as estão nivelados nas mesmas condições, o que não é verdade. Em
sua capacidade de criar com imaginação, os/as trabalhadores/as que irão competir
livremente no mercado dos sonhos oferecerão suas mercadorias – mão de obra –
para aqueles que ofertarem a melhor retribuição.
Mas o que ocorre no mercado concreto, na relação entre o comprador e o
vendedor é que ambos nunca serão iguais. O comprador – empresário – como sempre
será o que obterá o controle das relações, e na realidade irá impor as suas propostas
em virtude do outro não ter a liberdade para escolher, posto que este tem que
sobreviver, comer, assim tem que se submeter ao que lhe é proposto, mesmo que
desejaria rejeitar tal proposta. Traduzindo, não existe uma livre escolha para os/as
trabalhadores/as, (COMBLIN, 2000, p. 45).
Um dos teólogos da libertação mais conhecidos no Brasil, Hugo Assmann, em
1994, aponta que o fato é que o sistema neoliberal teve a oportunidade de arquitetar
um sistema de crenças que se fixou e se propagou como um verdadeiro clima de
verdades que se tornaram, ao longo do tempo, sagradas e inquestionáveis. Dessa
maneira, aqueles que não se submetem a tal fé no mercado são marginalizados por
70

não acolher a proposta neoliberal. Diante desta condição, Assmann (1994) expõe que
o sujeito que se opõe à ideologia neoliberal, sentirá as retaliações do deus-mercado,
com suas pressões, incertezas, dúvidas e debilitamento para outras possibilidades.
Por isso, a necessidade de combater o argumento desta ideologia que teve
capacidade de introduzir-se no mais íntimo do ser humano – na maneira de sentir,
avaliar e olhar o mundo. Com sua visão hegemônica, o mercado impõe o que vale e
o que não vale apena, retirando o poder de escolha e decisão, modificando totalmente
nossa forma de viver, interferindo em nossas estruturas sociais. Portanto, precisamos
nos posicionar para não sermos as próximas vítimas, ou seus apoiadores precisamos
urgente derrubar este sistema ceifador da vida humana, causadora de drásticas
consequências desumanizadoras.
Para que tal desmascaramento aconteça, é necessário ter em mente que um
dos sustentáculos desta ideologia hegemônica é a sua tese sobre a incapacidade
humana de entender a complexidade de um sistema econômico. Assim sendo, não
devemos intervir – em nome das metas sociais –, pois tal intromissão poderia resultar
em ineficiência e crises econômicas. Desta forma, o sujeito deve se manter inerte
diante dessa estrutura intrincada que conhecemos como mercado.
Porém, este pilar revela uma fissura que deve ser investigada minuciosamente,
pois se é verdade que: não podemos compreender todos os elementos que compõem
o sistema de mercado, como poderíamos seguir em fé, crendo que irá proporcionar
os melhores frutos para uma sociedade?
O fato é que essa complexidade incompreensível para racionalidade humana,
que surge como salvação, não solucionou os problemas sociais de uma grande
parcela da comunidade humana, isso segundo os fiéis cegos do neoliberalismo, por
culpa dos sujeitos que em nome das metas sociais impedem a liberdade total do
sagrado, o mercado. Sendo assim, falta de fé no fundamentalismo de livre-mercado
desponta como diabólico, pois impede a plena manifestação deste sagrado.
Criticar essa tese que fora do mercado não há salvação, é um dos passos de
confrontação para o impedimento do estabelecimento de tal ideologia. E seguindo
essa lógica, de que não podemos conhecer o funcionamento do sistema de mercado
em sua plenitude, não podemos ter certeza de que o mercado gerará o bem
necessário para sociedade (SUNG, 2005).
Este modelo econômico imposto às sociedades, mediante sua política e seu
horizonte cultural religioso, revela-se como uma economia inclinada à vantagem
71

individual, ou seja, ao lucro e a sua maximização. Nesse âmbito tudo vira mercadoria
a serviço do lucro, inclusive a pessoa humana. O lucro, por sua vez, legitima a
possibilidade de explorar, violentar, massacrar e exterminar a humanidade.
Neste sistema econômico, o bem real é individual, logo, toda forma comunitária
deve ser extirpada em prol do privado, e a instrumentalização para atingir tal objetivo
chama-se livre-mercado. Para isso, deve haver um terreno propício para o
assentamento dessa instrumentalização, o Estado não pode intervir, deve-se reduzi-
lo ao mínimo e que prevaleça a única lei da demanda e da oferta que é o coração do
comércio, e que tudo possa ser considerado mercadoria (SELLA, 2003).
Dito isto, percebe-se que o neoliberalismo se apresenta como fé idolátrica,
porque atribui traços divinos a uma instituição humana, e mesmo que tal instituição
esteja no patamar do sagrado, devemos reafirmar em atitude de resistência que
nenhuma realidade humana é eterna e absoluta, por mais onipotente que seja. Nós
como luzes que faíscam no caos, salientamos que “o novo ainda pode e vai nascer”
(SUNG, 2005).
72

3 NEOLIBERALISMO EM CONFRONTO COM A SENSIBILIDADE SOCIAL


WESLEYANA NO METODISMO BRASILEIRO

Agora investigaremos uma questão que é a nossa principal suspeita na


pesquisa em relação a ausência da sensibilidade social no ensino cristão do
metodismo brasileiro e a tensão missiológica que existe no projeto missionário da
igreja metodista até os dias atuais.
Por isso, entender a influência neoliberal na sociedade especificamente no
espaço religioso nos ajuda compreender a sua capacidade de conduzir instituições
religiosas a adequarem-se com as atuais tendências teológicas e políticas que operam
para o funcionamento da economia de mercado.
Este é o ponto central do capítulo, observar se o desaparecimento dos
aspectos essenciais da teologia wesleyana: Sensibilidade, Reponsabilidade e Justiça
Social tem a ver com a influência do sistema econômico neoliberal. Esta tensão
teológica que ocorre há décadas no interior da igreja metodista se dá porque muitas
instituições religiosas estão submetidas à uma ordem econômica, que é hegemônica
e inquestionável nas sociedades capitalistas.
Outra questão, é que as Igrejas se encontram entre duas lógicas: fidelidade
confessional/teológica ou sobrevivência da organização institucional. É nesta
ambiguidade que surgem os conflitos históricos-teológicos-pastorais. Na prática uma
das principais preocupações é o crescimento e a diminuição do número de fiéis das
suas comunidades. Em certo sentido, podemos dizer que o cristianismo está
experimentando uma crise em relação aos aspectos que vinculam o crescimento
numérico. Como afirma, Jung Mo Sung (2015, p. 21):

Esta preocupação excessiva pelo aumento ou a diminuição dos fiéis – que


aparece tanto entre bispos católicos, quanto bispos e pastores evangélicos
ou neopentecostais – mostra, em muitos casos, que o sucesso quantitativo
das suas igrejas se tornou o principal objetivo. Quando uma igreja pensa que
a sua missão é o seu próprio crescimento, quando mede e julga a realização
da sua missão pelos números de membros que aumenta ou diminui, essa
igreja está identificando a si próprio com o Reino de Deus.

Essa interpretação que muitos grupos religiosos cristãos aplicam em suas


comunidades no Brasil, é uma brecha perfeita para o neoliberalismo sequestrar e
transformar os elementos centrais do cristianismo. Se as igrejas entendem que o
crescimento numérico é a sua principal missão, a númerolatria será vista como a
73

realização plena da missão de viver e anunciar o Reino de Deus, ou seja, quanto mais
fiéis a igreja tiver mais crescerá o Reino de Deus.
Portanto, estamos diante de uma fórmula institucional capitalista que despreza
as realidades sociais seja elas quais forem, porque o que importa é o crescimento do
capital institucional, e para ela outras realidades e pautas não interessam. A noção de
sensibilidade social no pensamento teológico de John Wesley tem uma relação com
os direitos humanos. Diante de uma sociedade organizada por uma racionalidade
econômica privada, o conceito de justiça social requer que os grupos subalternos
sejam incluídos para ter acesso a recursos financeiros gerados pela sociedade para
livrarem-se da situação de exclusão social e extrema pobreza.
Por esta razão, o tema da sensibilidade social encontrado na teologia
wesleyana está entrelaçado com a justiça social, um fenômeno abordado em muitos
grupos religiosos. Portanto, foi claro para o fundador do movimento metodista inglês
que ao assumir um compromisso com a fé e o chamado de seguir Jesus de Nazaré,
seria de responsabilidade da religião cristã a busca por amar o próximo e lutar para
que todos na sociedade possam viver dignamente – sensibilidade social – é para a
teologia wesleyana um compromisso público de sinalizar o Reino de Deus na terra.
Entretanto, é nítido que a política econômica de perspectiva liberal foi
transformada de tal forma que hoje o termo – neoliberal – transformou-se em uma
prática natural nas sociedades de mercado (GALVÃO, 1997, p. 45). Começamos a
entender o sufocamento teológico ou até mesmo a exclusão de uma das identidades
do metodismo primitivo: a sensibilidade social no metodismo brasileiro. Apostamos
que este princípio segue sendo negado por conta das tendências do mercado religioso
e a luta para manter a organização institucional de pé no disputado campo religioso
brasileiro.

3.1 A cultura do consumo apoderando-se do campo religioso

Para que possamos entender como o pensamento neoliberal se apropria de


todos os espaços sociais é necessário observarmos a sua capacidade em todas as
partes do mundo, de alterar valores éticos e sociais através de sua lógica, que se
estrutura sob a lógica do consumo e pelo sucesso alcançado. Por isso, Sung (2018)
propôs apresentar um esboço sobre a dimensão que a capacidade de consumo
reproduz na sociedade neoliberal dizendo:
74

O valor e a importância da vida humana e de qualquer empreendimento são


medidos pelo sucesso alcançado. As pessoas poderosas ou bem-sucedidas
sentem-se mais valorizadas do que as que não venceram ou fracassaram, do
que as que estão de baixo na escala hierárquica. Por isso, vencer é mais do
que vencer uma competição ou concorrência na sociedade, é afirmar o seu
valor como pessoa, como ser humano. Por outro lado, tratar com reverência
os superiores é reconhecer neles um valor ou um prestígio comprovado na
sua posição de “autoridade” (SUNG, 2018, p. 7).

Portanto, é sobre esta visão de mundo que aprofundaremos neste tópico que o
autor aponta que tem modificado as relações humanas e seus valores, levando o ser
humano a negociar constantemente seus valores éticos, o que muda é a condição,
por exemplo, de ter mais poder econômico e o seu modo de expressá-lo e justificá-lo
para manter a sua reverência. No capitalismo, o critério último de valorização é o
sucesso econômico e sua capacidade de ostentação. Além disso, essa cultura tem a
capacidade de invadir todos os campos da vida social, e até mesmo o campo religioso.
Assim, procuraremos observar como essa cultura dominante na sociedade
penetra no campo religioso, que a cada dia tem mostrado a sua ostentação de
riquezas, exposta nas construções de templos e sedes religiosas.
Com isso, fica nítido que as autoridades dessas religiões ou igrejas,
inconscientemente ou não, podem estar reproduzindo essa cultura de consumo como
um estilo de vida na vida de seus fiéis, acreditando que estão sendo privilegiados ou
abençoados por Deus, mas na verdade são as mãos sangrentas da economia de
mercado.

Com a noção de cultura de consumo estamos querendo enfatizar que o


mundo das mercadorias e a sua lógica e seus princípios são centrais para a
compreensão da sociedade contemporânea. As mercadorias, materiais e
simbólicas, não são mais apenas utilidades, mas sim principalmente signos
comunicadores nas relações humanas e sociais. Não somente comunicam,
mas também são definidores da identidade das pessoas e de grupos sociais
(SUNG, 2015, p. 48).

O sistema neoliberal gerou a seguinte cultura na sociedade: “se consumo


existo”, em outras palavras “você é o que consome”. E pior se não tem condições de
consumir, logo é descartado e excluído. Essa faceta neoliberal está explicita no
cotidiano na contemporaneidade. Deste modo, as identidades e as diferenças nascem
pelo potencial e a capacidade de consumo dos sujeitos.
75

Sendo assim, a aplicabilidade dessa cultura leva as sociedades a desejarem


pertencer a uma classe social que idealiza os corpos capazes de consumir e a
imaginarem ser mais gente por terem maior capacidade de consumo. Mas se todas
as autoridades que atuam no campo político, econômico, social ou religioso estiverem
reproduzindo essa lógica, não existirá um estranhamento por parte da sociedade.
Dessa forma, se esta lógica tem sido observada como natural, ela está recebendo
uma espécie de justificação que se tornará absoluta e pior, inquestionável, assim se
não existe outra possibilidade ou alternativa, esse ideal neoliberal será visto como
natural ou vontade divina na sociedade (SUNG, 2018, p. 8).
Por fim, a entrada do neoliberalismo no campo religioso, espalhando seus
pressupostos e ideias nos grupos religiosos, especificamente a pesquisa focará em
analisar sua lógica na religião para entendermos os principais efeitos e impactos no
campo religioso e quais as consequências nas teologias dos grupos religiosos no
Brasil.
Estudaremos prováveis transformações nas práticas teológicas e pastorais da
Igreja Metodista do Brasil, grupo religioso escolhido na pesquisa por sua história na
luta social pelos direitos políticos – econômicos e sociais dos subalternos. A pesquisa
suspeita que está em curso um considerável distanciamento da ética social em setores
da teologia wesleyana no Brasil. A pesquisa problematiza esses deslocamentos como
influência do neoliberalismo, especialmente das propostas desta ideologia de
organizar todas as esferas da sociedade em função dos interesses privados e
empresariais.

3.1.1 O mundo e as religiões em crise na sociedade neoliberal

Quando houve o colapso financeiro, em 2008, surgiu a ideia de que o


neoliberalismo estava vivendo uma espécie de crise, gerando inúmeros protestos de
rua que se expandiram pelo mundo a partir de 2011. Houve diversas manifestações
pelo mundo como a Primavera Árabe nos países do Oriente Médio e do Norte as
África, na Espanha, pelo Occupy Wall Street nos Estados Unidos, pelo movimento da
praça Taksim na Turquia, pelas jornadas de junho no Brasil e pelo Nuit Debout na
França. O sociólogo Paolo Gerbaudo (2017) explica que este conjunto de
manifestações reflete uma organização tática frente à crise econômica, devido às
76

causas estruturais que refletiram a crise do neoliberalismo como doutrina econômica


e política no mundo.

A crise financeira de 2008, que teve início nos Estados Unidos e depois
atingiu a economia real, estendendo-se para a Europa e os países
emergentes, desencadeou uma onda de políticas de austeridade com graves
consequências humanas. Seus efeitos foram falências, desemprego
(atingindo dramaticamente os jovens), redução de salários, precarização do
trabalho, endividamento público e privado, desmonte de serviços públicos,
aumento da desigualdade social, dificuldades econômicas e sofrimento
social. Nessa conjuntura, a maioria da população, incluindo a classe média,
sofreu com declínio econômico e escalada da incerteza, levando a um
descontentamento generalizado e a uma insatisfação com o sistema
econômico, solapando especialmente o argumento a favor do neoliberalismo
e seu culto do mercado autorregulado (GERBAUDO, 2017, p. 47).

Em termos sociais, o mundo está vivendo um grande colapso social, isto


significa que a sociedade está mergulhada nas propostas neoliberais, e após a sua
infiltração em todas as camadas da sociedade, trazendo consigo inúmeros problemas
a humanidade, significa que precisamos reavaliar este modelo econômico que é o
grande produtor de desigualdades sociais no mundo globalizado.
Parece evidente que a capacidade de gestão política do capitalismo
democrático declinou acentuadamente nos últimos anos e os riscos parecem estar
crescendo. Acredita-se que na atual crise a democracia está tanto em risco quanto a
economia, se não mais. Consequentemente, o neoliberalismo se apresenta também
como uma crise de representatividade na sociedade (STREECK, 2012, p. 53).
Por isso, para Sung (2018), essa situação implica em discutirmos qual é a
injustiça social que predomina na sociedade hoje? Sung (2018) acredita sem dúvidas,
que as maiores injustiças sociais são as exclusões sociais e as inumeráveis formas
de desigualdades sociais que marcam os efeitos de uma economia neoliberal.
Segundo o literato, precisamos parar de sermos cínicos diante da realidade dos fatos:

Para se ter uma ideia dessa desigualdade, em 2015, as 62 pessoas mais


ricas do mundo possuíam riqueza equivalente à soma da riqueza da metade
mais pobre do mundo, 3,6 bilhões de pessoas. Em 2016, o número baixou –
apenas 8 pessoas detinham esse mesmo montante. No brasil, as 6 pessoas
mais ricas possuem o equivalente à soma da metade mais pobre, 100 milhões
de pessoas. E 1% da população mundial é mais rico que os 99% restantes.
Segundo estudiosos do assunto, essa é a maior desigualdade da história da
humanidade. Nem no tempo do Império Romano a situação chegou a esse
ponto. Diante de uma concentração de riqueza e renda dessa magnitude, que
só pode levar, no outro lado, à pobreza e à exclusão social de muitos, é
preciso resgatar a discussão sobre justiça social ou sociedade justa (SUNG,
2018, p. 13).
77

Diante deste cenário desigual, precisamos urgentemente entender que


ninguém deveria ser deixado de lado – sem as condições mínimas para se ter uma
vida digna e justa. Portanto, resgatar o conceito de sociedade justa ou justiça social é
um apelo a toda humanidade, para combatermos e transformarmos nos dias atuais, a
realidade de inúmeras pessoas.
Para procurarmos entender como essa crise tem afetado inúmeros grupos
religiosos, focaremos no recorte com o cristianismo como uma das religiões que tem
sido afetada diretamente em seus princípios éticos sociais. Mas ressaltamos que o
problema da desigualdade social não afeta apenas os grupos religiosos cristãos, que
não devem sentir-se melhores do que outras religiões ou o resto da sociedade.
Observando a atual conjuntura da Igreja brasileira, vemos que existe uma
pequena parcela de comunidades que têm refletido e atuado com pautas que
questionam a lógica da economia de mercado. Sung (2018) aponta que essas ideias
não são aceitas com facilidade pelos líderes religiosos e não são vistas como valores
importantes nas práticas teológicas e pastorais.
Portanto, se vivemos um processo, onde existe uma forte resistência sobre o
valor da justiça social em algumas igrejas brasileiras, talvez seja necessário
avaliarmos se a cultura neoliberal inverteu o conceito de justiça social do cristianismo,
para a noção de justiça de mercado, alterando e deslegitimando os valores sociais
cristãos (SUNG, 2018, p. 14).
As Igrejas estão vivendo entre a lógica do mercado e a lógica profética. Assim,
atualmente, Igrejas católicas e protestantes têm gastado tempo, preocupadas com
seu próprio crescimento ou se atentado ao risco de sua diminuição do número de fiéis
de suas comunidades, isto por conta da competividade religiosa, alimentada pela
lógica do mercado, que inclusive se vale da igreja para conquistas políticas –
econômicas e sociais.
Assim, todas igrejas inseridas na sociedade como instituições religiosas
também dependem da economia para sobreviverem nesta lógica que se vale de tudo
ou custe o que custar para o seu próprio crescimento. Para isso, Sung (2015, p. 21)
esclarece acerca desta atual situação de competição de Igrejas na América Latina:

Na América Latina muito se tem falado sobre o crescimento das igrejas


pentecostais e neopentecostais e dos movimentos carismáticos no interior da
Igreja Católica. Contudo, não devemos nos esquecer que uma boa parte da
78

expansão destas igrejas e movimentos se faz às custas de outras igrejas e


movimentos do cristianismo.

A lógica do mercado criou o marketing para descobrir o gosto e o desejo do


consumidor para criar o produto que ele almeja satisfazer. Vemos então que a partir
de agora as diversas denominações terão que criar modelos alternativos de igreja
para satisfazer o desejo de seus fiéis. Alguns líderes religiosos do cristianismo estão
preocupados com a atual crise que o cristianismo tem enfrentado em relação ao
crescimento numérico, justamente porque entre todas as religiões é o islamismo e não
o cristianismo que tem crescido nas últimas décadas.
Ademais, a preocupação excessiva pelo aumento ou com a diminuição dos fiéis
tem sido constante entre bispos católicos e também entre pastores/as evangélicos ou
neopentecostais. Assim o sucesso tornou-se nos últimos tempos o principal objetivo
da Igreja Cristã. Portanto, igrejas tem se esforçado e colocado que a sua missão é o
seu próprio crescimento, quando mede ou julga a realização da sua missão pelos
números de membros que conquista. Essa Igreja está se identificando com o próprio
Reino de Deus. Mas será que só isto seria cumprir a missão de Deus no mundo?
É o que veremos a seguir. Contudo, os conteúdos ensinados nos palcos e
shows das Igrejas que aderiram a lógica contemporânea são controlados pelo
capitalismo. Segundo Comblin (2000), os shows não questionam nada, e nem
promovem transformação alguma na vida social da sociedade. E onde o evangelho
fica nesta inversão de valores que a economia modificou?
Na verdade, o evangelho de Jesus Cristo é descartado, justamente
porque ele não responde às demandas da lógica mercadológica. Agora a prioridade
dessas comunidades será se submeter ao Deus-mercado e suas estruturas que se
auto-sustentam pelo consumo religioso. Porém, surgem vários conflitos no interior
dessas comunidades, até mesmo por conta desta adaptação em seus espaços de
ensino, onde a mensagem religiosa irá atender as demandas do mercado religioso.

3.1.2 A sacralização do mercado e a inversão dos direitos sociais

Se o mercado é o juiz absoluto na sociedade neoliberal, isto significa que ele


tem a possibilidade de inverter inúmeras noções na sociedade. Assim como vimos,
ele pode inverter noções e propostas que priorizem os direitos sociais dos subalternos
na sociedade. Por esta razão, esta ideologia deixa bem claro a sua rejeição em
79

relação às políticas públicas que defendem a justiça social. Portanto, a cada dia
percebemos que as pautas sobre justiça social e direitos humanos têm sofrido ataques
nas suas propostas para uma sociedade mais justa. A proposta Hayekiana é fazer
uma inversão no sentindo original do conceito de justiça social, apresentando-a de
uma maneira completamente diferente na sociedade (HAYEK, 2013, p. 259).
Atualmente, a economia de mercado é vista como um organismo separado do
mundo humano, livre de qualquer valor de juízo ético ou de ser até mesmo
questionada, assumindo assim um caráter “divino ou sagrado”. Isto significa que o
mercado é sagrado tornando-se um ídolo soberano e indomável. E é justamente por
ser separado que o sagrado serve de sustentáculo para ordem social vigente. Ludwig
von Mises36 faz isso com o mercado, com a intenção de transcender o sistema
capitalista alicerçado no mito do desenvolvimento 37, lhe atribuindo traços divinos, ou
melhor, a qualidade de sagrado (SUNG, 2018, p. 51).
Porém, o mito do desenvolvimento entra em crise, onde o próprio mito
necessitou de ser revisado na sua romântica proposta para a sociedade consumista
e buscou dar mais direção e sentido em suas causas. Assim, o novo mito neoliberal
rompe com uma das peculiaridades do mito do desenvolvimento e o mito do progresso
moderno. Se antes o ser humano tinha a principal função de construir o caminho do
progresso na sociedade e o mito do desenvolvimento a capacidade humana de criar
e aplicar conhecimentos científicos para a sua melhoria, colocando o ser humano
como sujeito de sua própria história, agora o novo mito neoliberal rompe com essa
noção de que o ser humano, com seus potenciais, pode fazer este caminho (SUNG,
2018, p. 74).
Nesta nova proposta, o discípulo de Ludwig von Mises, o também austríaco
Friedrich August von Hayek, destaca que para a humanidade obter a salvação é
fundamental que assumamos o mercado como único caminho, porque não existe
outra possibilidade, ou seja, todos teremos que compartilhar a mesma fé no mercado,
senão morreremos. Deste modo, todos devem optar pelo deus-mercado e rejeitar

36
Ludwig von Mises foi renomado líder da Escola Austríaca de pensamento econômico.
37
O conteúdo desse mito alude à promessa de amplificar a toda comunidade humana o padrão de
consumo das elites dos países hegemônicos. Porém nas entrelinhas desse comprometimento, o padrão
de consumo da elite dos países pobres torna-se inquestionável, visto que esses países orientam toda
a produção industrial no modelo de substituição de importações. E ao inviabilizar o questionamento, o
mito pode se absolutizar, consequentemente o paraíso terrestre almejado por uma minoria pode
resultar no estabelecimento de um inferno para uma parcela considerável, em que o mecanismo
vitimador se mantem operante e os sacrifícios de vidas humanas que emanam de suas engrenagens
permanecem justificáveis (SUNG, 2008).
80

todas as recomendações éticas socialistas 38 ou éticas sociais, em outras palavras,


Hayek (1990, p. 43) diz que é necessário que os seres humanos ignorem
recomendações de éticas que indicam o caminho da “solidariedade universal”, assim
é necessário que cuidemos apenas dos nossos, os [ricos] – para o bom funcionamento
do sistema de mercado.
Agora, o que esse ideólogo neoliberal propõe é inaceitável para o bem-comum
da humanidade, para ele é necessário o fim do espírito de solidariedade, nisso pode
ocorrer uma profunda inversão de valores e princípios que estruturavam o mito do
desenvolvimento ou a cultura ocidental cristã. Isto indica que o novo mito neoliberal
pressupõe teologicamente a negação dos direitos humanos a todos e todas na
sociedade (HARVEY, 2011).
A proposta é que não existam leis, éticas ou uma justiça divina que atribua a
todas as pessoas o direito ao acesso aos bens materiais necessários para terem uma
vida digna. Portanto, se aceitarmos essa condição que não exista uma justa
distribuição de bens econômicos a partir da qual se possa criticar a forma que o
mercado distribui os direitos econômicos atuais, as pessoas não terão acesso aos
seus direitos sociais para a sua sobrevivência.
Logo, o sistema econômico não tem o dever ou a obrigação com a dívida social.
Assim, programas sociais financiados por impostos em nome da justiça social, não
passarão de roubo e serão vistos como injustiças para com os ricos. Vivemos uma
inversão ético-espiritual onde o neoliberalismo com sua fé visa culpabilizar a todos
(SUNG, 2018, p. 80).
Assim, o mercado, glorificado dentro desta corrente, apresenta-se como utopia,
já que os seus patronos não tateiam o mercado real, não partindo de cogitações
empíricas – concorrência perfeita. Esta, por sua vez, não pode ser perfeita, visto que
se fosse não haveria necessidade de concorrermos uns com outros. Desta forma, é
evidente que se trata de um mercado idealizado e não de um mercado concreto. Este
devaneio chamado – livre mercado, não existe entre os seres humanos. Posto que é
uma elaboração teórica, e não palpável. E este poderia ter êxito somente em um

38
Essa recomendação ética dos ditos socialistas, e também da socialdemocracia da primeira metade
do século XX, é que os interesses da sociedade devem estar acima dos interesses individuais, que a
solidariedade entre os membros da sociedade deve prevalecer sobre os instintos egoístas do indivíduo.
Essa é a base ética da socialdemocracia dos primeiros tempos do socialismo. Assim como a noção de
justiça social e da dívida social (SUNG, 2018, p. 76).
81

mundo supra-humano, todavia, não pode funcionar no mundo dos seres humanos
(HINKELAMMERT, 1988).
Estamos falando de uma ideologia que teve o potencial de penetrar no íntimo
do ser humano – maneira de sentir, olhar e avaliar o mundo. Ela, com sua maneira
condicionadora, aponta o que vale e o que não vale a pena, tirando nosso poder de
decisão, alterando nossa maneira de viver.
É capaz até de sequestrar aspectos da religião, nossos princípios éticos e
sociais. Por isso, se não quisermos ser as suas próximas vítimas, ou seus
colaboradores, devemos desmascarar essa máquina ceifadora de vidas, causadora
de drásticas e cruéis consequências desumanizadoras (AMERÍNDIA, 1998).
Por fim, se a noção de dignidade humana está sendo negada pela redução do
ser humano pelo sistema econômico, e seus instrumentos de opressão que visam
apenas atingir os seus interesses e fins neoliberais, o único caminho que temos é
defender a dignidade da grande parcela da população, daqueles e daquelas que estão
sendo oprimidos/as. A neutralidade nesta altura do jogo não pode ser aceita, se não
nos tornaremos aliados na negação dos direitos humanos, e sem dúvida da maior das
injustiças atuais, qual seja, a desigualdade social, acompanhada da exclusão
socioeconômica, símbolo da globalização capitalista atual.

3.1.3 A inversão do conceito de justiça social e suas consequências

Vivemos novamente tempos que nos convocam a revisitarmos e analisarmos


os complexos caminhos que impactaram o cristianismo que herdamos na América
Latina. Segundo Wirth (2011), precisamos perguntar de onde vêm os critérios que
adotamos, consciente ou inconscientemente, para que possamos entender nossas
práticas e para reavaliarmos as espiritualidades que nos sãos familiares, como
também aquelas que estão fora de nossos horizontes de sentido. Para isso, ele propõe
uma metáfora proposta por Franz Hinkelarmmert:

Segundo a metáfora do labirinto, o mundo moderno se parece com um


labirinto no qual entramos sem perceber onde estávamos entrando. Diferente
do mito grego, cujo o herói encontra a saída do labirinto em que havia entrado,
guiando-se por um fio providenciado pelo amor de Ariadne, nós somos
desafiados a encontrar por nossa criatividade, conta e risco, o caminho da
saída. Segundo Hinkelarmmert, para encontrar a saída, o primeiro passo é
descobrir como foi que entramos na situação em que nos encontramos hoje.
Pois, “o fio se gasta e há que se voltar sempre de novo para renová-lo e
82

alargá-lo”. Somos herdeiros de memórias, tradições e espiritualidades que


pretendem indicar caminhos e apontar saídas. Mas estes fios se gastam à
medida que a vida nos interpela com novos problemas. Para sair do labirinto,
não é suficiente, pois, insistir nas velhas respostas. Mas há que se respeitar
as saudáveis inquietações que decorrem da tensão entre os caminhos que
herdamos e os desafios que a vida nos coloca. Os tópicos que seguem
querem, pois, sinalizar algumas poucas estações, dentre muitas que nos
conduziram ao cristianismo que herdamos. Revisitá-las pode instigar a
memória crítica e renovar a esperança das práticas missionárias que levem
a sério as palavras com as quais Jesus de Nazaré fundamentou sua missão:
“O Senhor me deu seu Espírito. Ele me escolheu para levar boas notícias aos
pobres e me enviou para anunciar a liberdade aos presos, dar vistas aos
cegos, libertar os que estão sendo oprimidos e anunciar que chegou o tempo
em que o Senhor salvará o seu povo” (Lucas 4.18-19) (WIRTH, 2011, p. 21).

Somos herdeiros de memórias, tradições e espiritualidades que pretendem


indicar caminhos e apontar saídas. Por isso, revisitarmos o conceito de Justiça social
presentes em inúmeras tradições religiosas, fará refletirmos o porquê a cada dia,
vemos inúmeros grupos religiosos se distanciando de seus princípios e valores
sociais. Sugerimos analisar a justiça social presente no histórico das religiões e a
justiça de mercado que tem configurado um novo sentido de justiça em comunidades
religiosas, a partir da lógica do mercado.
Nesse sentido, precisamos lembrar que, em 1948, os países desenvolvidos da
Europa e da América do Norte e os países pobres da África e da Ásia, fizeram, na I
Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), na cidade de Amsterdã a seguinte
afirmação: “A justiça exige que as atividades econômicas estejam a serviço de fins
sociais na sociedade”. O tema da Justiça social, precisa ser discutido e reavaliado,
porque as atividades econômicas deveriam estar a serviço das soluções dos
problemas sociais que enfrentamos. O conceito de justiça social está presente em
várias comunidades cristãs e nos ensinamentos de outras religiões também, mas o
tema da justiça social é alvo de críticas pelos neoliberais (SUNG, 2018, p. 88).
A grande questão que está em jogo é a relação entre meio e fim, na ética social
das religiões, a vida das pessoas é ou deveria ser a prioridade, na visão neoliberal de
justiça a preferência é a acumulação de capital. Para Mises (2010), os pobres só têm
direito aos bens econômicos, se todos cooperarem com o sistema de mercado, assim
a riqueza é resultado do trabalho. Portanto, essa riqueza não é como pensam os
sonhadores diurnos, um presente. Com isso, em suas palavras não faz sentido
acreditar no princípio divino de justiça. Enfim, o grande problema dos neoliberais não
são os direitos humanos, mas os direitos que defendem a redistribuição da riqueza ou
ações que prejudiquem o mercado em nome da justiça social (SUNG, 2018, p. 90).
83

Mas cresce na sociedade exageradamente o número de pessoas sendo


marginalizadas e excluídas pelo mercado. Em uma sociedade na qual se vende de
tudo, a vida humana está ameaçada, para muitos o que resta é morrer. Para Mises
(2010) é uma ilusão acreditarmos que todas as pessoas devem ter seus direitos
sociais garantidos só pelo fato de existirem.
Portanto, precisamos lutar para garantir que nenhum ser humano independente
de sua raça, etnia, religião, gênero ou orientação sexual seja deixado de lado ou
excluído socialmente. Enfim, as noções de justiça social e direitos humanos para que
se construa uma sociedade mais justa e solidária, é pura ilusão para teóricos
neoliberais. Se aceitarmos essa condição, o nosso futuro caminhará sob esta lógica
sacrificial da globalização capitalista.

3.2 Religião Social: Um caminho teológico para o metodismo brasileiro

Recriar o metodismo no Brasil é algo inimaginável, negar o impacto social e a


herança que o metodismo inglês deixou no século XVIII é o ponto central da discussão
para se pensar uma aproximação mais efetiva e nacional sobre o que se entende por
social na vida e obra de John Wesley. Portanto, entender o que é social e o individual
é um caminho de aproximação até o fundador do Metodismo para esclarecer a sua
teologia e sua hermenêutica bíblica. Na verdade John Wesley, desenvolveu um
equilíbrio que foi forjado pela experiência e foi resolvido na prática do caminhar
individual, comunitário e social no século XVIII.

A partir de uma prática coerente com sua visão, Wesley faz uma síntese nas
relações do indivíduo com a sociedade. Basta atentarmos para a amplitude
da preocupação wesleyana e sua presença social. O significado de indivíduo
e de social no século XVIII é anterior aos desenvolvidos pela sociologia e pela
economia política (JOSGRILBERG, 2009, p. 48).

No contato com a vida concreta dos grupos marginalizados a sua vida pessoal,
teológica/pastoral tornava-se confrontada com as realidades encontradas. Fazendo o
mesmo a se indignar face ao processo de marginalização e exclusão presente na vida
do povo inglês pobre de sua época. Pesquisas apontam, que o social foi uma marca
na sua vida pública, principalmente para romper com o processo de individuação da
sociedade. É notório que a individuação neste período era desenvolvida com o
84

surgimento da burguesia citadina da Renascença, mais tarde na modernidade, a ideia


de indivíduo e de individualidade toma novos rumos na vida da sociedade.

O tipo burguês aparece como a gênese e a força formadora revolucionária.


Ao mesmo tempo em que se conquistava seu espaço no mundo, constitui-se
a ideia de um indivíduo de direitos, metafisicamente idealizados, mas que
deve lutar para alcança-los. Sustentada pela economia financeira, essa luta
se desenrola ora por reformas ora pela luta revolucionária armada e violenta.
Brota progressivamente um novo espírito democrático e urbano que culmina
na Declaração dos Direitos Universais do Homem cidadão, da Revolução
Francesa. Serão direitos declarados, mas a serem conquistados. O que
determina o indivíduo de modo concreto, contrariamente à ideia abstrata de
indivíduo, ideal e real, terá expressão reformista e defensora da propriedade
privada em autores como John Locke, e uma expressão revolucionária e
igualitária em autores como Jean Jacques Rousseau, lidos por Wesley.
Foram lançadas as bases para um novo pensamento, que Wesley só
acompanhará a versão de Locke (JOSGRILBERG, 2009, p. 50).

Neste tempo, a religião da gratuidade salvífica, será direcionada ao pobre por


influência bíblica, deveria se opor aos aspectos de individualidade burguesa. Assim,
Rui de Souza Josgrilberg (2009) ressalta, que depois da Revolução puritana e da
influência da Bíblia na formação do povo inglês, nasce um espírito reformista que
culminará no pensamento revolucionário mais radical, para o literato Wesley, herdará
essa visão e não o todo de sua causa.
O contexto que força Wesley avaliar e responder teologicamente a sociedade
inglesa é derivado do Pós-Renascença, onde a cultura europeia desenvolve o
conceito de que, mesmo sendo um ente social, qualquer indivíduo seria capaz de
superar ou transcender a sua realidade social na sociedade.

Pelo seu valor, deveria ser apto a superar as limitações impostas pelas
antigas limitações de nascimento e de hierarquia tradicional, divina ou não. O
valor do indivíduo é exaltado e a sociedade seria o fundo no qual o indivíduo
deveria se afirmar e desenvolver suas virtudes. Pouco se explicita, na
sociedade como um todo, o fator de conflitos e tensões que a estrutura social
impõe ao indivíduo, como trabalho e a propriedade. Pouco se reconhece que
essa imposição social se torna um instrumento de dominação social nas
mãos dos indivíduos e classe burguesa na nova situação (JOSGRILBERG,
2009, p. 52).

Diante deste cenário, essa individuação resultou mais tarde, no individualismo


moderno, descrevendo de maneira bem genérica aqui, contribuiu com o
desenvolvimento burguês, que chegou na contemporaneidade com muita força e
radicalidade, revelando-se no capitalismo que vivemos atualmente. Wesley, elabora
uma perspectiva teológica e pastoral para enfrentar os dilemas sociais da sociedade
85

inglesa. Esse é o caminho que o metodismo brasileiro necessita se aproximar


nacionalmente para enfrentar os atuais dilemas políticos-econômicos-sociais.

3.2.1 Wesley o indivíduo e a salvação social no século XVIII

Para entendermos o pensamento de John Wesley e sua aproximação teológica


com as questões sociais na sociedade inglesa do século XVIII é necessário
conhecermos o processo de individuação dessa época. Esse processo foi responsável
nesse período no Ocidente por sustentar as elites aristocráticas, e até o surgimento
da Burguesia. Com o nascimento da burguesia citadina da Renascença,
particularmente nos séculos seguintes da modernidade, a ideia ou conceito de
indivíduo e individualidade se expande trazendo novos sentidos nesse período.
Trata-se de um tipo de sociedade que se estrutura no tipo burguês como força
revolucionária quando conquistou seu espaço na sociedade, revelando que a ideia de
um indivíduo de direitos, metafisicamente idealizados, deve lutar para conquistá-lo na
sociedade. Financiada pelos ideais econômicos, isso acabou gerando uma luta
revolucionária armada e violenta. Neste contexto, brota o espírito democrático e
urbano, que conclui na Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão,
da conhecida Revolução Francesa (JOSGRILBERG, 2009, p. 50).
Com isso, o valor do indivíduo agora é construído pelo capital e o seu poder
financeiro. Portanto, será esta ideia de indivíduo que será defensora da propriedade
privada em autores como John Locke, e uma expressão igualitária em autores como
Jean Jacques Rousseau, ambos lidos por John Wesley. Observemos agora o que Rui
Josgrilberg (2009, p. 51), conclui em analisar o sentido social no pensamento teológico
de John Wesley:

Uma religião da gratuidade salvífica, como a do movimento wesleyano, se


orientará progressivamente na direção do indivíduo pobre, e, por influência
da Bíblia, resistirá em muitos aspectos à ideia de individualidade burguesa.

Portanto, depois da Revolução Puritana e da influência da Bíblia na


conformação do espírito inglês, nasce um espírito reformista que dificultou o
pensamento revolucionário mais radical, neste sentido, John Wesley será herdeiro
desta mentalidade e não sua causa. Contudo, após a Renascença à concepção
europeia de sociedade, acredita que todos os indivíduos têm potencial para buscarem
86

mobilidade social na sociedade. Assim, todos devem estar preparados para superar
todo tipo de limitação social. Nisto, o valor do indivíduo é exaltado se o mesmo afirmar
e desenvolver as virtudes econômicas.
A grande questão é que não poderia questionar os conflitos e as tensões que
esse modelo de sociedade criou na estrutura social inglesa. Justamente, pela sua
imposição social que manipulou e tornou-se uma ferramenta de dominação social
pelos indivíduos da classe burguesa para sustentar o crescimento econômico.
É neste contexto que John Wesley observa os equívocos desta sociedade e a
consciência sobre os males que a nova sociedade burguesa traria ao corpo social
inglês e que inclusive a religião como mecanismo dela, já sofria o início de um
processo de emburguesamento, acarretando uma gigante diferenciação social que
justificava as classes, a dominação, a escravidão, o egoísmo, e a luxúria, tornando-se
um solo para brotar e desenvolver o aspecto social de sua teologia que rompeu com
à lógica econômica da burguesia inglesa.

O emburguesamento em marcha fazia da diferenciação social a seleção dos


melhores indivíduos, que acabavam de ter direitos sociais inerentes sobre os
indivíduos que foram incapazes de melhor diferenciação. A escravidão
moderna do negro, de modo oposto ao da escravidão antiga, necessitava
uma nova justificativa burguesa. Essa justificativa se centrava na ideologia
em torno do indivíduo e na sua capacidade de diferenciação social. Os
indivíduos incapazes de realizar, em si mesmos, diferenciação positiva
poderiam ser escravizados. A ideologia do indivíduo não será capaz de criar
obstáculos às estratégias do novo sujeito do poder: o sujeito que possui o
capital (JOSGRILBERG, 2009, p. 52-53).

Essa foi a concepção de humanidade burguesa que fez Wesley ser contra na
Inglaterra, justamente porque não se sabia quanto esse ideal poderia ser um
instrumento social de opressão e de como ela trataria o indivíduo na sociedade. É
esse ideal que Adam Smith, defende a chamada livre competição comercial e os
interesses individuais como uma ordem natural na sociedade.
O conceito de individualidade burguesa como força motora das relações sociais
foi presente nos pensadores do século XVII e XVIII. Pensadores como: Hobbes,
Locke, Hume, Adam Smith etc. John Wesley, não fica indiferente a esses
desdobramentos. No lado oposto, Rousseau defendia uma revolução para garantir os
direitos, roubados pela sociedade corruptora dos indivíduos.
Entre outros fisiocratas que defendiam uma economia mais agrária para
sociedade inglesa. Portanto, Wesley teve uma visão de um arminiano do século XVIII,
87

que defendia a liberdade individual e da razão e de um puritano que defendia a


responsabilidade individual pelo social, depois um metodista preocupado com a
educação como forma de participação social e responsabilidade social, que para ele
era essencial para a salvação dos indivíduos (JOSGRILBERG, 2009, p. 53-54).
O que ajuda a consolidar a preocupação social de Wesley frente aos problemas
sociais causados pela lógica econômica burguesa, foram os contornos próprios a
partir da sua compreensão bíblica. Que mais tarde fazem compreender que a
destinação social é uma destinação divina.

A relação indivíduo-sociedade se resolve do lado do indivíduo e na


justificativa “natural” de seus privilégios face aos indivíduos menos
desenvolvidos. Nesse quadro, podemos compreender que a “perfeição
natural” era o ideal educativo e econômico de indivíduos privilegiados para
alcançarem o alvo. Podemos compreender que a ideia de “Perfeição cristã”
também vem associada com a educação para esse fim e como uma forma de
ampliação e de extensão da possibilidade de perfeição a outras camadas
sociais (JOSGRILBERG, 2009, p. 54).

É a partir desta realidade que Wesley subtende a ideia de aperfeiçoamento


através da educação e como uma possibilidade e oportunidade aos indivíduos. Na
Europa em geral na Inglaterra do século XVIII, a educação tornava-se um mecanismo
para promover o aperfeiçoamento humano na sociedade.
John Wesley, mesmo rejeitando o condicionamento burguês de entendimento
sobre o indivíduo social, propôs o deslocamento neste período da escola em favor dos
indivíduos subalternos os desamparados e excluídos pelo sistema econômico. A
opção teológica wesleyana é nítida: salvação social para aqueles que a economia-
política descarta e exclui socialmente.
O movimento metodista inglês enfrentou os problemas sociais com sua crítica
à ordem econômica, ao sistema colonial, à escravidão, e até à revolução norte-
americana – Wesley colocou em prática o seu pensamento teológico sustentado pela
tradição bíblica que o fez acreditar e dizer: “O evangelho não reconhece nenhuma
religião que não seja social, nenhuma outra santidade que não seja a santidade social”
(GONZÁLEZ, 2003, p. 78).
88

3.2.2 Sensibilidade social: A identidade teológica Wesleyana

Em suma, o pensamento teológico/pastoral em Wesley foi na contramão do


sistema político-econômico burguês. Ele entendeu que o indivíduo é o principal agente
de salvação, onde a religião deveria lutar para possibilitar uma espécie de
reintegração do social na vida dos indivíduos subalternos, isto é possível apenas se a
humanidade tiver sensibilidade com os problemas sociais:

O indivíduo é o centro dinâmico das relações sociais. Mas o indivíduo


depende da educação e da memória social. Wesley vai além da pura
consideração de uma destinação social do indivíduo. A teologia de Wesley
tem um aspecto relacional com o todo. Esse aspecto nem sempre percebido,
porém é essencial no pensamento wesleyano. Deus, para Wesley, é pessoal,
mas antes, é o Deus da Criação, o Deus da graça preveniente, o Deus que
se preocupa com a nação, o Deus que capitulará todas as coisas em Cristo.
Deus e sua criação (no horizonte da Nova Criação) se constituirão para ele
nos conceitos operacionais do enfoque relacional com a totalidade. Sua ideia
bíblica de Nova Criação resume cuidado de inserir o individual e pessoal no
todo da sociedade e da criação. Aqui, dois temas pouco estudados em
Wesley são essenciais. Na antropologia wesleyana, há aspectos decisivos da
visão da responsabilidade política e administrativa da criação como um todo.
Na escatologia, nós nos preparamos aqui para a eternidade: não somente
indivíduos, mas a criação, a sociedade e tudo o que pertence à criação será
preparado para o renovo final da Nova Criação (JOSGRILBERG, 2009, p.
55).

Essa perspectiva se desencadeia na sua hermenêutica bíblica sobre o


indivíduo. A sua visão coloca o individual e o pessoal em conflito, na sua perspectiva
é necessária a relação do social no individual e do individual no social, para que todos
compreendam que a responsabilidade última da humanidade é social.
Wesley interpreta o social, o político, o econômico em concordância com a
visão bíblica que recusa o mundo europeu, famoso pelo individualismo burguês e da
economia do dinheiro que forjou novas leis na época, até mesmo para tolerar e
promover a escravidão. A modernidade já estava estruturada quando surge o
movimento wesleyano, a sociedade é normatizada para que o indivíduo privilegiado
seja capaz de consumir os bens da sociedade para o desenvolvimento.
Existe uma história narrada por muitos pesquisadores da teologia wesleyana
que conta que no início de sua caminhada pastoral, John Wesley foi advertido para
considerar a base social da tradição bíblica e da fé cristã.

Em um momento de crise, Wesley buscou um conselheiro, e para isso teve


que viajar muitas léguas. Descrito apenas como um “homem sério”, este lhe
89

mostra a essência e o caminho social da fé e o adverte dos perigos do


individualismo: “O Senhor pergunta sobre o caminho para o céu e o melhor
modo de servir a Deus. Pois bem, busque os seus amigos. Se não os tem,
faça-os. A bíblia não sabe nada de uma religião solitária, a Bíblia só sabe de
uma religião social”. Dizem os cronistas que Wesley nunca mais se esqueceu
a advertência e a natureza social do cristianismo (JOSGRILBERG, 2009, p.
56-57).

Pesquisas não conseguiram mapear quem seria o “homem sério”. A única


tentativa de investigação no Brasil é de Helmut Renders na sua tese de doutorado,
mas não chegou a uma conclusão, por motivos de contradições cronológicas
concretas. Josgrilberg (2009) suspeita que esse homem poderia ser Willliam Law que
no período chamou a atenção de Wesley com uma espiritualidade cotidiana e prática,
ele se dedicava para que os pobres tivessem o direito e acesso à educação. Mesmo
sendo alguém, que foi criticado por Wesley, por se viver a mística de Jacob Boehme,
chamada por Wesley de “religião solitária” (JOSGRILBERG, 2009, p. 57). O
social tem um significado marcante na teologia do movimento Wesleyano. Na sua
visão todas as dimensões sociais devem ser salvas das estruturas de morte. Sua
teologia exige responsabilidade com os direitos humanos dos indivíduos. Religião
para John Wesley é social e a salvação pessoal só pode ser real para os indivíduos
se também salvá-los socialmente. Podemos resumir, que a sensibilidade social é a
chave teológica/pastoral de Wesley para atingir o individual e o coletivo.
John Wesley expôs que se a religião desenvolver um modelo de espiritualidade
solitário ou individualista, ela desprezará consequentemente as questões sociais do
mundo ese tornará uma contradição na sociedade. O social neste caso, não se opõe
a indivíduo, social na sua perspectiva se opõe à ideia moderna de privado. Religião
foi para ele, um bem social, que transpassa o indivíduo. O movimento wesleyano
sempre rejeitou a concepção de privatização da religião.

Sociedade e religião alimentam-se de fluxo contínuo de um para o outro. A fé


não se deixa confinar num ato privado. Mesmo quando temos os momentos
mais íntimos com Deus, ou a sós com Ele, esse momento é uma possibilidade
no seio das relações humanas e seu destino é retornar ao social em muitas
outras formas (JOSGRILBERG, 2009, p. 61).

Sem dúvida, a expressão a “Bíblia só sabe de uma religião social”, de John


Wesley, confirma a prática e a ação do movimento metodista em sua opção em
direção aos mais pobres na Inglaterra do século XVIII. Na opinião dele, a Bíblia, a
religião, o evangelho e a vida só podem ser sociais. Assim, o horizonte teológico,
90

pastoral e público em John Wesley, é que o social é o cenário para aplicar o projeto
salvífico de Deus na humanidade.
Portanto, foi esta visão teológica que o movimento wesleyano viveu para resistir
ao dualismo indivíduo-sociedade sobre as tendências individualistas modernas. O
social em Wesley é teológico, a sua preocupação social foi para com a educação a
saúde popular e com a condição geral dos pobres.
Com isso, a sensibilidade social é uma declaração pública da dimensão da
Bíblia, da fé, da Igreja. Esta visão foi uma necessidade e continua sendo fundamental
hoje, principalmente porque essa herança da teologia wesleyana é escusa ou
inconsistente e abandonada pelos setores da Igreja metodista no Brasil.
O social mostra o horizonte metodista de uma religião que tem a obrigação de
ser sensível às questões sociais na sociedade brasileira. Época marcada pela
privatização neoliberal, que revela que as instituições religiosas visam apenas
administrar a experiência religiosa para transformar em bens de consumo e tais
instituições atuam como prestadoras, privadas, de serviço religioso à semelhança de
empresas privadas. Vemos então que cresce o processo de emburguesamento da
Igreja, que está em total contradição com o pensamento social wesleyano.

3.2.3 História e contribuição do Credo social à Igreja Metodista brasileira

Partiremos ao final reassumindo a preocupação social do movimento metodista


e, especialmente, de John Wesley, e para entender por que a Igreja Metodista (que
sucedeu o movimento) propôs um Credo Social para auxiliar o movimento metodista
a diminuir a distância sobre suas ações motivadoras que ressaltam o compromisso
social e de solidariedade dos metodistas com as questões sociais na sociedade.
Ainda mais, nesta época marcada pela idolatria do consumo, da exaltação do
ego, da automatização que impõe limites para a construção de diálogos que norteiam
a igreja a refletir sobre o Credo Social como um caminho teológico e estilo de vida a
partir de Jesus Cristo, que viveu e mostrou o seu olhar integral sobre salvar todas as
dimensões da vida. Apontaremos o Credo Social como uma proposta teológica para
tentar despertar a consciência sobre a sensibilidade social para orientar os metodistas
no Brasil que tem a finalidade de levar a igreja a reconhecer o âmbito social como
afirmação de sua fé na sociedade.
91

Assim, este documento se aplicado nas igrejas locais, traria os setores do


metodismo brasileiro a ter mais consciência teológica/pastoral da herança que o
metodismo histórico deixou ao mundo. Esse documento ajudaria também, a
pensarmos os atuais desafios do século XXI. Não se trata, apenas em ter um discurso
bonito e uma práxis que não condiz com sua proposta.
O exercício em voltar a ler e pensar o Credo Social nos faria lembrar como o
período da repressão da ditadura militar, com o país vivendo inúmeros desafios e
conflitos, o documento serviu para auxiliar os fiéis que buscavam agir e viver como
Cristo a não negarem sua responsabilidade social frente um regime totalitário que
sacrificou muitas vidas.
Na prática ministerial, referindo-se a vida da Igreja é nítido a sensação é que
muitos metodistas no Brasil desconheçam o Credo Social, saibam pouco ou mesmo
nada sobre o pensamento teológico de John Wesley e sua resposta religiosa e pública
sobre problemas sociais na sociedade. Como apontamos, a igreja passou por várias
fases em sua história, tendo a possibilidade de ser um instrumento de libertação como
também de omissão e opressão. Se distanciar do Credo Social é perder de vista a sua
identidade teológica e pastoral, agora veremos a história deste importante documento
do movimento metodista no Brasil.
Este documento foi elaborado no Brasil a partir de um documento semelhante
criado em 1922 pela Igreja Metodista Episcopal do Sul (EUA). O documento
Estadunidense foi produzido pelo Conselho Nacional de Igrejas de Cristo, em 1908.
Em 1930, quando se iniciou o processo de autonomia da Igreja Metodista no Brasil, o
documento da Igreja Metodista dos Estados Unidos passou a ser também parte dos
Cânones, editados desde 1934.
A partir de 1934, no 8° Concílio Geral da Igreja Metodista a Junta Geral de Ação
Social fez a primeira mudança no documento com a intenção de aproximar o
documento à realidade social brasileira. Nisto, anos depois, a nova versão do Credo
Social, trouxe o olhar brasileiro e da posição metodista em relação às tantas questões
sociais do Brasil.
Lembramos que na década de 1960, década marcada pelo autoritarismo e pela
violência do regime militar que se desenvolveu a partir de 1964 no Brasil, o Credo
Social, foi um documento que inspirou muitos metodistas na luta e na resistência para
denunciar as injustiças e opressões, prisões arbitrárias, torturas e assassinatos
políticos (IGREJA METODISTA, 1999, p. 9).
92

O documento visa aplicar propostas de construção para que todos e todas


possam viver com dignidade na sociedade. Apesar de muitos esforços, a década de
1960 foi intensa pelas perseguições, que culminou no fechamento da Faculdade de
Teologia e expulsão injusta de seminaristas, professores entres outros que não
concordavam com a violência e o autoritarismo do regime militar no Brasil (IGREJA
METODISTA, 1999, p. 10).
A ideia na época pela Junta Geral de Ação Social era chamar os metodistas a
intenderem que este era um documento atual, que deveria ser lido, refletido e,
principalmente colocado em prática como uma exigência da tradição wesleyana
baseada no Evangelho em que exige o movimento metodista a optar pela vida e lutar
contra a morte e todas as forças que a produzem.
Mas infelizmente o Brasil se iludia com o chamado milagre econômico, que
levou o país a experimentar um autoritarismo dos atos Institucionais do Estado, aos
poucos o país começava a tomar conhecimento das barbaridades que ocorreram com
muitos brasileiros e brasileiras como: torturas, prisões, sequestros, desaparecimentos
e assassinatos feitos propositalmente para sustentar o ideal político e econômico do
regime militar.
Portanto, o Credo Social foi formulado e reformulado dependendo de cada
momento histórico, seu conteúdo trata-se especificamente dos aspectos da doutrina
social e da responsabilidade da Igreja Metodista com os problemas sociais que
atingem os grupos subalternos no Brasil. Como aponta o Credo Social da Igreja
Metodista de 1960:

É evidente que o Credo Social faz mais justiça à obra pastoral e social de
John Wesley como um dos pioneiros do metodismo na Inglaterra e no mundo
todo. Precisamente na repercussão social da pregação de Wesley e dos
leigos do metodismo primitivo é que se pode avaliar a amplitude de sua visão
do evangelho e dos problemas humanos. Sua luta incessante contra a
corrupção política, a luxúria e avareza dos ricos, o desemprego, a escravidão,
a guerra e sua desumanidade, a escola como privilégio de minoria, o
alcoolismo como força de degeneração da personalidade é que mostram a
visão social do pioneiro do metodismo (IGREJA METODISTA, 1999, p. 13).

Com isso, é nítido que o significado do Credo Social da Igreja Metodista no


Brasil é conduzir os metodistas para o caminho de responsabilidade social em termos
da realidade social brasileira. Enfim, o documento que passou por algumas
reformulações sempre interagiu com discernimento do Evangelho de Jesus Cristo.
93

Negar a sensibilidade social é possível, para a Igreja Metodista no Brasil, porém


terá que negar o evangelho e a tradição do metodismo. Reassumi-la e traduzi-la
renovadamente hoje, é assumir as transformações da sociedade e segundo o
significado do metodismo, a atitude e o testemunho que correspondem a cada
geração metodista. O envolvimento e o contato com povo representam uma
perspectiva-chave para a teologia wesleyana brasileira. Portanto, a contribuição é que
assumindo essa responsabilidade teológica o metodismo no Brasil buscaria
compreender e atender os desafios sociais atuais do país. Mas infelizmente, como
enfatiza Renders (2003, p. 58) sobre o metodismo brasileiro:

A pedagogia e a teologia de Wesley foram profundamente configuradas pelo


cotidiano, pela “participação no social e na cultura”. Até hoje, negligenciamos,
em nossa memória de Wesley, a sua participação cultural e, em seguida, a
cultura da América Latina presente em nosso meio metodista. Devemos
lembrar que Wesley chegou à participação cultural pelo “mergulho” e pela luta
contra preconceitos em relação a uma participação ativa dos cristãos na
sociedade, ao lado dos excluídos.

3.3 Metodismo no Brasil: negar o mercado ou a sensibilidade social?

Uma das ferramentas de conquista neoliberal é a própria educação que ocupa


aí um lugar privilegiado como um dos muitos elementos passíveis de serem utilizados
como técnica de governo, regulação e controle social. Surgem razões a partir da
economia que levantam abordagens sobre o fenômeno religioso, e como o sistema
capitalista se utiliza da aspiração humana para estabelecer seus interesses.
Portanto, como a teoria do mercado tornou-se responsável por regular ou
reorganizar a sociedade consumista, a religião pode também não escapar dessa
função reguladora do mercado. A educação cristã que é responsável por fornecer a
linguagem teológica a promotora de identidade que organiza o modo de pensar e o
sentido de vida dos fiéis no comprometimento com a vida e a sociedade, segundo o
modelo de Jesus Cristo, que questiona sistemas de dominação e morte, à luz do Reino
de Deus, pode estar sendo modificada.
O mercado religioso atende todos os gostos dos indivíduos, assim, a acirrada
disputa no campo religioso continuará levando a Igreja Metodista a negociar e fazer
seus arranjos políticos, teológicos e econômicos. Não podemos esquecer que o
mercado é sagrado e juiz absoluto na sociedade capitalista. O distanciamento de uma
94

considerável parcela dos metodistas no Brasil da sensibilidade social pode ser


observado também pela lógica do mercado religioso.
Com isso, o mercado religioso buscará aumentar o desejo de consumo para
vender seus novos produtos religiosos. Isto significa que grupos religiosos podem
defender sua identidade tradicional e teológica ou abrir mão dela e optar por outra
possibilidade que responda a seus interesses, na busca de sua sobrevivência no
campo religioso despertando um modelo de espiritualidade reformulado pelo víeis
neoliberal, para atender suas causas e motivações comerciais.
A atualização teológica é uma ordem do mercado, cabe as instituições
religiosas operarem ou não desta forma no campo religioso. Por esta razão, o
deslocamento da Igreja Metodista e o crescimento de outras propostas teológicas em
suas comunidades, nos revela, que já está em curso uma considerável atualização
teológica para a subsistência institucional. Este processo tem o potencial de levar e
sufocar grupos religiosos adeixarem seus valores teológicos e éticos. Esse fenômeno
é explicado pela crise ética que o neoliberalismo causa propositalmente em todos os
setores da sociedade. Jung Mo Sung (2018, p. 125) afirma que vivemos uma confusa
e inversão ética:

Se o que nós entendemos por justiça social é nada mais do que injustiça para
com os ricos; se a solidariedade em favor dos pobres nada mais é do que
inveja transfigurada; e se a indiferença para com pessoas que morrem de
fome é expressão de sentimento nobre de quem conhece e aceita a
verdadeira justiça do mercado, estamos em uma completa confusão ética.
Talvez seja exatamente por isso que Hayek e outros insistem que devemos
deixar as discussões sobre ética fora da economia, e somente buscar a
eficiência no mercado; ou, em termos mais precisos, subordinar a ética aos
limites e direcionamentos do mercado livre. O que significa reduzir a ética às
regras de comportamento que maximizem a eficiência do mercado.

O movimento metodista não deveria rejeitar sua herança teológica que está
entrelaçada com a ética social. A Igreja Metodista está entre o jogo de aceitar ou
rejeitar seu elemento teológico, pastoral e ético. Se rejeitar a ética social contida na
teologia wesleyana a sua resposta estará vinculada aos ideais econômicos que
colocam a vida humana como referência última, tornado o campo econômico e sua
eficiência sua principal missão. Mas como poderá jugar eticamente a situação de
desigualdade, pobreza e exclusão social no Brasil?
Vale lembrar, que um dos papeis da Religião Social em John Wesley é
interpretar as realidades sociais e suas realidades interpessoais que visam diferenciar
95

o bem do mal, o inocente e o culpado entre outros tipos de avaliação para analisar o
que é bom e ruim para a sobrevivência humana.
A lógica mercadológica na qual, agora, a igreja está inserida produz um
aumento das necessidades e desejos das pessoas e, com isso, o mercado religioso
busca produzir práticas e discursos religiosos para atender os desejos dos fiéis e
movimentar o mercado. Subsequentemente, a demanda das organizações religiosas
tem maior flexibilidade para criar e mudar seus produtos para adequá-los à demanda
que os sujeitos religiosos buscam para se sentirem satisfeitos.
Desse modo, o mercado religioso, para ganhar e manter-se, irá competir para
obter a maior fidelização possível de fiéis no mercado religioso e, consequentemente,
as igrejas se utilizarão de estratégias para promoverem o crescimento do número de
fiéis e mantê-los. Uma das razões para o crescimento dos fiéis seria a satisfação dos
membros pertencentes à igreja com os serviços oferecidos pelas organizações
religiosas; e, para isso ocorrer, é necessário que estes serviços sejam cada vez mais
especializados.
As condições sociais e econômicas foram determinantes para Wesley aplicar
os elementos teológicos/pastorais, característicos mediante a opção pelos pobres,
suas carências e necessidades. É diante deste cenário de negação da ética e da
justiça social que ocorre a formação da teologia de Wesley (TRACY, 1992, p. 30).

Os metodistas, como parte da sua missão e do seu propósito, pensaram


numa reforma da nação, e quem poderia condená-los por isso? A
necessidade de reforma nas ramificações políticas, sociais, econômicas do
estado era o imperativo do dia (WEARMOUTH, 1945, p. 29).

O movimento metodista do século XVIII, mesmo vivendo um cenário de


crescimento econômico marcado pelas exclusões e injustiças sociais, encararam a
dura e injusta realidade sofrida do povo. Assim, as pesquisas wesleyanas demostram
que não foi Wesley que foi ao povo, foi o povo que alterou seu fazer teológico,
movendo a sua teologia a se conectar com as realidades sociais do povo inglês
(RENDERS, 2010, p. 156). A
espiritualidade metodista tem uma profunda relação com os pobres, não apenas de
sensibilidade, ou reconhecer seus problemas na tentativa de ajudá-los, mas de
conviver com eles a tal ponto de se tornarem amigos. John Wesley, realmente viveu
a vida dos pobres, a ponto de contrair doenças de suas camas, ele buscou andar
96

como cristo andou na terra, por isso, foi reconhecido também como o “teólogo do
povo”, como salienta (MEEKS, 1995, p. 10).
Enfim, Wesley desenvolveu uma teologia para servir o povo, em especial os
mais necessitados e excluídos pela Igreja da Inglaterra e pelos grupos religiosos da
época. Pessoas que foram extremamente culpabilizadas e ignoradas pela lógica
econômica da época. O movimento wesleyano, teve muita audácia para pensar em
novos caminhos para reformar principalmente a Igreja e a nação inglesa, acarretando
um efeito duplo na sociedade, segundo Hempton (2005, p. 207):

Milhões adotaram a mensagem metodista, mas ela foi rejeitada por mais
milhões ainda. Seja onde for que o metodismo tenha criado raízes,
especialmente na primeira década da sua existência, mas, independente do
lugar, os interesses sociais econômicos e políticos estabelecidos oprimiram-
no vigorosamente. Superiores sociais estimularam a oposição contra ele,
temendo que o entusiasmo religioso fosse a parteira do deslocamento social.

Na época John Wesley e o povo inglês buscaram sonhar com uma espécie de
ascendência social. Na verdade, Wesley acreditava que o modelo econômico da
época teria a capacidade de incluir todos do sistema para desfrutarem e terem uma
vida dignamente. Sabemos, que o ideal econômico de sua época não introduziu os
pobres para terem uma vida eminente na estrutura social. Atualmente, no Brasil a
economia de mercado ameaça também classes sociais mais elevadas
economicamente. Isso nos ajuda a pensar sobre a crescente flexibilidade das classes
média e classe média-baixa brasileira, no consumo de uma espiritualidade mística,
entusiasta e quietista em suas comunidades.
O metodismo brasileiro deverá optar pelo seu elemento-chave para negar a
sacrificialidade neoliberal ou se aliançar com a racionalidade econômica. Servir as
duas propostas é contraditório e inviável. Se abraçar o ideal teológico neoliberal a
proposta da tradição wesleyana será completamente rejeitada teologicamente e
pastoralmente no país, e também seria uma declaração pública da Igreja Metodista
no Brasil que a sensibilidade social está enterrada junto com John Wesley.

3.4 O social como projeto salvífíco de Deus no Brasil

Diante de um país que está vivendo uma crise social que está levando a cada
dia mais o maior número de pessoas a viverem abaixo da linha da pobreza, isto nos
indica que os problemas sociais precisam ser confrontados. A grande questão, é que
97

o neoliberalismo implantou uma filosofia econômica na sociedade que reproduz uma


espécie de insensibilidade social, diante do sofrimento humano.
A racionalidade econômica introduziu na sociedade a incapacidade de sentir
compaixão, de sentir no lugar do outro e o seu sofrimento social. E o pior é que muitas
instituições religiosas cristãs atuam sob está lógica que opera sob um típico cinismo
para não enxergar os efeitos neoliberais e os problemas sociais causados por este
modelo econômico que se desenvolveu nas últimas décadas no Brasil.
Mas a solução destes problemas sociais não acontecerá somente pelo nível
pessoal ou pelas instituições religiosas. Nestes níveis podem-se encontrar saídas
para alguns grupos e pessoas. Entretanto, a realidade social do Brasil exige um
caminho que já tinha se iniciado na última década, mas que atualmente sofre e está
sendo destruído por meio de ações políticas no país que priorizam o mercado.
Outra questão, é que no interior das comunidades de fé existe um discurso que
é reproduzido que religião e política não se misturam, mas sabemos que é
contraditório e que o único papel da religião é a salvação da alma e das questões
espirituais, já os problemas materiais e sociais não competem a fé.
Com isso, o corpo é excluído da reflexão teológica e pastoral. Segundo a
filósofa e teóloga feminista brasileira Ivone Gebara (2016), este processo é uma
herança negativa da teologia cristã tradicional que exilou o corpo da teologia, mas
afinal, o Deus que criou o corpo é um Deus sem corpo? Surge uma dualidade teológica
que não valorizaráquestões corporais e materiais.

Entender o humano a partir do “dois” significou para muita gente abrir um


fosso dentro de si mesmo, dividir-se em partes e considerar algumas boas e
outras ruins. Significou desprezar o corpo e todas as suas justas
necessidades para falar da alma como se ela fosse “algo” melhor, diferente,
mais puro, mais espiritual do que o corpo. E nesse exílio de nosso corpo dos
sonhos de nossa alma, o ser humano total já não conseguia sonhar por
inteiro. Sonhava coisas para o corpo e coisas para alma. Quase sempre os
sonhos não coincidiam, quase sempre eram destinados à frustação,
acabando por provocar profunda divisão e insatisfação (GEBARA, 1991, p.
11).

A questão aqui é teológica, a influência grega na interpretação bíblica divide a


pessoa em partes: alma espiritual e o corpo material, que leva muitos grupos cristãos
a pensarem que a missão da Igreja é cuidar apenas da alma. Essa é uma porta de
entrada para o capitalismo inverter e transformar os valores éticos e espirituais de
grupos religiosos cristãos:
98

Mais do que isto, o cuidado com a salvação espiritual não teria nada a ver
com os problemas corporais, isto é, com os sofrimentos da maioria da
população brasileira, que é pobre. Pois os pobres sofrem em razão das
carências materiais, como falta de alimentação adequada, falta ou péssimas
condições de moradia, falta de alimentação adequada, falta ou péssimas
condições de moradia, falta de assistência médica (para cuidar do corpo), e
outras coisas semelhantes. Não que os pobres também não tenham
problemas ditos “espirituais” ou emocionais. Porém, estes problemas não
surgem do fato de serem pobres, mas de serem pessoas que vivem no
mundo. Quando se diz que Deus se revelou e se fez homem para salvar os
seres humanos, isto é, para salvar-lhes a alma e que isto não tem nada a ver
com os sofrimentos provocados pelos problemas materiais, afirma-se que
Deus não se importa com centenas de milhares de crianças que morrem
anualmente de fome ou por falta de moradia. Que Deus não se sensibiliza
diante do choro de uma criança que passa fome ou da mãe que sofre por não
poder comprar o leite de seu filho. Com isso, afirma-se que Deus é insensível
(SUNG, 1995, p. 14).

Esta visão teológica ganha espaço nas instituições religiosas todos os dias e
sustenta a ideia neoliberal de insensibilidade social. Por esta razão, seria um grave
erro teológico de grupos cristãos apoiarem e sustentarem essa proposta, porque Deus
se sensibiliza com o sofrimento dos seus filhos, a salvação que ele proporciona está
também entrelaçada em salvar a humanidade e seus problemas sociais.
Se grupos religiosos no Brasil concordarem com a perspectiva teológica do
mercado, o cinismo religioso servirá apenas para camuflar a atual crise social e tirar a
responsabilidade do neoliberalismo e sua lógica que exige sacrifícios de vidas
humanas. E pior, a religião passaria apoiar a culpabilidade que a racionalidade
econômica impõe sobre as vítimas que não obtém os resultados esperados. Nisto,
vemos uma realidade em que a maioria das instituições religiosas, não se sentem
mais nada pelo sofrimento dos pobres no Brasil.
Na verdade, vivemos uma realidade onde as instituições estão integradas no
mercado e têm uma consciência tranquila diante da atual crise social, diante da
intranquilidade social é como se elas não tivessem nada a ver com essa triste
realidade. A insensibilidade social é produzida pelo neoliberalismo. Mas como é
possível instituições religiosas espalhadas por este país serem insensíveis diante da
extrema pobreza que aumentou significantemente no país? Como dizermos que
somos religiosos que buscam amar o próximo e não se importar diante desta realidade
social invertida e cruelmente gritante na sociedade (SUNG, 1995, p. 79).
Essa insensibilidade social, diante dos sofrimentos dos excluídos pelo mercado
revela a vitória desta nova “espiritualidade”: amar o próximo é defender os interesses
99

pessoais contra os outros integrados do mercado e, sobretudo, contra a violência dos


excluídos do mercado. Uma estranha espiritualidade para um país que se diz cristão.
Surge a necessidade de recuperar o valor da solidariedade humana e a dignidade
radical de todos os seres humanos, consumidores ou não.
Enfim, a insensibilidade social tomou conta da sociedade e consequentemente
dos grupos religiosos. Diante deste contexto, o metodismo brasileiro é chamado para
viver e aplicar a sua consciência social e viver sua missão cristã de defender os grupos
marginalizados na sociedade brasileira. Essa crise ética-social revela os graves
problemas que o país enfrenta, expondo o crescimento da exclusão e a estimulação
crescente do mercado. Assim, configurando uma sociedade que desenvolveu uma
espiritualidade individualista que é promotora de insensibilidade e incapaz de sentir o
sofrimento social do país. A lógica que invadiu o campo religioso fez o mercado tornar-
se sagrado, e agora a igreja está inserida nesta realidade.
Está lógica neoliberal produz um aumento das necessidades e desejos das
pessoas e, com isso, o mercado religioso busca produzir práticas e discursos
religiosos para atender os desejos dos fiéis e movimentar o mercado.
Subsequentemente, a demanda das organizações religiosas tem maior flexibilidade
para criar e mudar seus produtos para adequá-los à demanda que os sujeitos
religiosos buscam para se sentirem satisfeitos.
Desse modo, o mercado religioso, para ganhar e manter-se, irá competir para
obter a maior fidelização possível de fiéis no mercado religioso e, consequentemente,
as igrejas se utilizarão de estratégias para promoverem o crescimento do número de
fiéis e mantê-los. Uma das razões para o crescimento dos fiéis seria a satisfação dos
membros pertencentes à igreja com os serviços oferecidos pelas organizações
religiosas; e, para isso ocorrer, é necessário que estes serviços sejam cada vez mais
especializados, assim tudo é feito para atender a fidelização dos consumidores.
O capitalismo é uma religião cujo deus é o dinheiro, a exemplo das demais, tem
culto, adoração permanente e capacidade de provocar sentimento de culpa em seus
seguidores. Nisto o metodismo brasileiro terá que decidir entre o “deus-mercado” e o
“Deus da vida”, se não poderá viver uma hipocrisia professando um Deus que não crê,
e se calando sobre o deus que o domina.
100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como podemos observar, são grandes os desafios atuais para o metodismo


brasileiro. Aos poucos, no entanto, algumas dificuldades foram superadas, ainda que
novos obstáculos e desafios, já são marcados pela influência neoliberal que levará o
movimento metodista a abafar ou negar sua teologia originária que propõe sua
participação na luta pela transformação social na sociedade brasileira.
Demostramos que a lógica neoliberal influenciada por Hayek desfaz de
qualquer concepção de justiça social. Esta teoria salienta que a classificação de um
resultado como justo ou injusto só pode ser atribuída à conduta humana, não à
sociedade, nesta ideologia não há como julgar condutas justas ou injustas.
Em poucas décadas, o neoliberalismo esvaziou também o conceito de
responsabilidade ou sensibilidade social na sociedade. A visão Hayekiana alega que
só é possível apontar alguém para a responsabilidade mediante a um contrato que
estabeleça uma obrigação do responsável da concessão. Deste modo, se a sociedade
não assumir responsabilidade de proporcionar a sobrevivência dos indivíduos que
foram excluídos do mercado, infelizmente não existe qualquer débito a ser restituído.
Suspeitamos, que os ideais neoliberais já ocupam espaços significativos na prática
teológica e pastoral do metodismo brasileiro. Se o metodismo não tem enfatizado as
necessidades sociais urgentes e não tem buscado discutir ou propor caminhos para o
enfrentamento das desigualdades sociais no Brasil.
Este silêncio representará uma aliança com a visão econômica de Hayek que
diz o seguinte a sociedade: “A luta pela justiça social é considerada um mal para a
humanidade”. Vejamos, nitidamente que o ato de tributar ou tirar dos mais ricos para
entregar aos mais pobres caracteriza uma violência contra os indivíduos que estão
sendo eficientes no mercado. A proposta neoliberal é eliminar todas as expressões de
justiça social, inclusive às éticas sociais religiosas, com a argumentação que éticas
sociais provocam uma confusão e atrapalham a lógica do mercado.
Por isso, vemos que o metodismo no Brasil está se tornando o oposto da
proposta teológica social do fundador histórico. Como os imperativos do mercado
tornou-se prioridade institucional, é explícito o processo de reformulação teológica que
já modificou sua interpretação bíblico-teológico-histórico-pastoral no país.
Essa reformulação está conduzindo grande parte dos Metodistas no Brasil a
criar uma distância do conceito chave do pensamento teológico, pastoral e público de
101

John Wesley a sensibilidade social com grupos subalternos da sociedade.


Ainda hoje, há quem defenda urgentemente a necessidade de cultivar as raízes
da sensibilidade social, buscando construir um caminho de luta e resistência nas
comunidades locais para aproximar os metodistas das ênfases do metodismo
primitivo: desigualdade social, política, saúde e educação e direitos humanos.
Outro fator que tem feito o metodismo a repensar sua teologia, e até mesmo
sua identidade social, é a questão da concorrência e da disputa no campo religioso
que se tornou um mercado altamente lucrativo no país. O Brasil se caracteriza por
uma religiosidade que se espalha em várias direções religiosas, onde o/a brasileiro/a
possuí pouca ou nenhuma sensação de pertencimento a um único modelo de
espiritualidade. Esse fenômeno levou a instituição religiosa repensar sobre novos
subsídios para manter a fidelização dos fiéis, assim alterando quando necessário à
sua visão teológica, pastoral e pública no país.
O mercado religioso atende todos os gostos dos indivíduos, assim a acirrada
disputa no campo religioso continuará levando a igreja a negociar. O que indica que
ela pode defender sua identidade tradicional, ou abrir mão e optar por outra
possibilidade que responda seus interesses na busca de sua sobrevivência
econômica, despertando um modelo de espiritualidade reformulado pela economia de
mercado para atender suas causas e motivações comerciais.
Neste contexto, agravam-se antigas e novas tensões que já produziram
divisões teológicas que provocaram e estimularam disputas pelo poder, nas quais,
muitas vezes se imiscuem questões individuais. Portanto, refletir sobre os limites e
alcances desta proposta que a dissertação propõe, especialmente diante da influência
neoliberal nos ajuda a entendermos as transformações do metodismo brasileiro.
Nesta época, marcada pela privatização da religião que despertou inúmeras
instituições religiosas apenas a administrarem a experiência religiosa. O metodismo
no Brasil pegou carona neste processo e transformou sua experiência religiosa em
bens de consumo e atuando como mais uma prestadora privada de serviços,
semelhante a uma empresa privada, vemos o aburguesamento da Igreja, sendo
incompatível com o movimento bíblico e wesleyano que afirmou a sua vocação
profética através do cuidado e do viver da sensibilidade social.
Em último aspecto, vemos que Wesley, orientou os metodistas sobre reflexões
teológicas e pastorais que não levam a sério as experiências espirituais e de fé e se
102

resumem a discutir conceitos abstratos e distantes das realidades sociais são apenas
teologias vazias de espírito, incapazes de cuidar de vidas e comunidades.
O testemunho social foi constante na percepção missionária do movimento
wesleyano. A disciplina social que o metodismo nascente teve revela a identidade da
teologia metodista para os desafios urgentes hoje no Brasil. O movimento metodista
liderando por Wesley lutou contra a escassez de alimentos; denunciou a escravidão;
se opôs à guerra; buscou reformar o sistema educacional e prisional; denunciou o luxo
e a ganância, como as desigualdades visíveis na revolução industrial, apontou
caminhos para a solução da pobreza e do desemprego; escreveu livros para a
medicina popular; cuidou dos enfermos; inclusive criou ambulatórios; representando
assim um convite para a prática missionária atual do movimento metodista brasileiro
para não se acomodar enquanto a fome e as desigualdades, as injustiças e a
destruição do meio ambiente, sejam realidades presentes em nosso país.
Em razão disso, reconhecemos a relação entre o sistema econômico e a noção
central de dignidade humana. O reconhecimento da dignidade humana só acontece
quando os direitos sociais são assegurados. E como observamos, esses direitos
sociais são negados pelo novo mito do capitalismo para sustentar a sua lógica
sacrificial. Consequentemente, quando buscamos alterar os valores e as condições
econômicas, é necessário não nos esquecermos de lutarmos e resistirmos
diariamente para que a noção de dignidade humana de todos os seres humanos seja
socialmente assegurada, e se torne parte do consenso social, político e religioso. E
por isso, que os metodistas no Brasil, tem uma missão fundamental e importante com
a prática social de sua teologia no país.
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