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O ADVENTISMO NO BRASIL

O ADVENTISMO NO BRASIL

Organizadores
Francisco Luiz Gomes de Carvalho
Karina Kosicki Bellotti
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


CARVALHO, Francisco Luiz Gomes de; BELLOTTI, Karina Kosicki (Orgs.)

O Adventismo no Brasil [recurso eletrônico] / Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Karina Kosicki
Bellotti (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2023.

579 p.

ISBN: 978-65-5917-659-5
DOI: 10.22350/9786559176595

Disponível em: http://www.editorafi.org

1. Adventismo; 2. Igreja; 3. História; 4. Estado; 5. Brasil; I. Título.

CDD: 200
Índices para catálogo sistemático:
1. Religião 200
SUMÁRIO

PREFÁCIO 11
Afonso Ligório Cardoso

APRESENTAÇÃO 15
Os Organizadores

1 25
ADVENTISMO NA REGIÃO NORDESTE: DOS PRIMÓRDIOS AOS TEMPLOS
METROPOLITANOS (1906-1952)
Alan Gracioto Alexandre
Francisco Alves de Pontes
Rodolfo Figueiredo de Sousa
Elder Hosokawa

2 59
A IGREJA ADVENTISTA E O PROSELITISMO ENTRE (I)MIGRANTES
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino

3 80
LABIRINTO MISTO DE SELVA E ÁGUA: A AMAZÔNIA NA OBRA DE LEO B. HALLIWELL
Diogo Gonzaga Torres Neto

4 122
CENTRO DE MEMÓRIA: UNASP, CAMPUS SÃO PAULO
Douglas Menslin
Emily Bertazzo
Francisco Ribeiro
Gabriela Abraços
Mariana Cavalcanti Pessoa
Rosane Keppke
5 140
TRADIÇÕES GASTRONÔMICAS: DA ESCOLA À FÁBRICA
Emily Kruger Bertazzo

6 163
A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA DE OBREIROS ADVENTISTAS JUBILADOS
Francisco Luiz Gomes de Carvalho

7 185
A OBRA DAS PUBLICAÇÕES ADVENTISTAS NO BRASIL: INSTRUMENTALIZAÇÃO NA
FORMAÇÃO DE OBREIROS
Francisco Luiz Gomes de Carvalho

8 221
A EDUCAÇÃO ADVENTISTA NO BRASIL: UMA ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA
Francisco Luiz Gomes de Carvalho
Dayse Karoline S. S. de Carvalho

9 270
APONTAMENTOS SOBRE O CRIACIONISMO NO BRASIL: UM BREVE OLHAR ACERCA DA VISÃO
DOS ADVENTISTAS
Francisco Luiz Gomes de Carvalho
Kédima Ferreira de Oliveira Matos

10 292
O HOSPITAL NA IGREJA, A IGREJA NO HOSPITAL: PRÁTICAS ESPIRITUAIS/
TERAPÊUTICAS COMO ESTRATÉGIAS DE EVANGELIZAÇÃO ADVENTISTA NO PARÁ (AMAZÔNIA)
Ismael Fuckner

11 323
O VERBO SE FEZ CÂNTICO: A TRANSFIGURAÇÃO DA TEOLOGIA ADVENTISTA EM MÚSICA
Joêzer Mendonça

12 349
“OITO DÉCADAS DE SAÚDE PARA DIFERENTES GERAÇÕES” – ASPECTOS HISTÓRICOS
DA REVISTA “VIDA E SAÚDE” NO BRASIL (1939-2019)
Karina Kosicki Bellotti

13 397
O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E A TEOLOGIA ADVENTISTA: APROXIMAÇÕES E
POSSIBILIDADES
Kevin Willian Kossar Furtado

14 424
A EDUCAÇÃO AFETIVA E SEXUAL DA JUVENTUDE ADVENTISTA: UM ESTUDO DA REVISTA
MOCIDADE
Luanna Fernanda da Cruz Bach

15 452
EXEGESE BÍBLICA ADVENTISTA NA PÓS-GRADUAÇÃO NÃO ADVENTISTA
BRASILEIRA: METODOLOGIA E VIABILIDADE
Petterson Brey

16 482
EVANGELIZAÇÃO ADVENTISTA NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DAS TRIBOS URBANAS
Robson Romero de Sousa

17 501
OBRA SOCIAL ADVENTISTA NO BRASIL: ALGUNS APONTAMENTOS
Tiago Cesar Santos

18 522
PANDEMIA NO SÉCULO XX: O DISCURSO RELIGIOSO E CIENTÍFICO EM PERIÓDICO
DENOMINACIONAL
Francisco Luiz Gomes de Carvalho

19 548
ADVENTISMO E MEIO AMBIENTE
Alesi Teixeira Mendes
Gislye Angelli Montin
Lucio Henrique Pereira
Rosane Segantin Keppke
SOBRE OS ORGANIZADORES 573

SOBRE OS AUTORES 574


PREFÁCIO
Afonso Ligório Cardoso

O historiador de uma instituição religiosa há de ter muita perícia


na exposição dos fatos para não ser derrotista e evitar a insensatez, até
porque ele não alcança todos os dados para compor um relato
conclusivo. De igual modo, não ser triunfalista, porque ele não detém a
interpretação final dos fatos, que transcorrem no tempo,
independentemente do desejo do historiador e do planejamento do
protagonista da história.
Depois da leitura dos 19 capítulos do livro O Adventismo no Brasil, o
leitor observará que os autores tiveram o cuidado de dosar os fatos a
uma adequada interpretação dos acontecimentos, ainda que tenham
exercitado a criatividade para ligar os pontos dos eventos em busca de
uma ordem que desse conta dos relatos que construíram. O autor do
capítulo 3, por exemplo, adota essa postura, ao se posicionar: “fez-se
uma exegese seguida de uma hermenêutica crítica”, apoiado em Paul
Ricoeur em seu livro Hermenêutica e ideologias e na obra Verdade e
método de Hans-Georg Gadamer. Essa atitude revela, em primeiro lugar,
seriedade do autor, bem como honestidade com o leitor e com os
próprios fatos da história que relata.
Baseado nesse pressuposto, o leitor adentrará à leitura deste livro,
certo de ter acesso a um denso diálogo dos autores, com alguns fatos do
adventismo, que possui 159 anos, desde sua origem nos Estados Unidos,
12 • O Adventismo no Brasil

e 130 no Brasil, pois o ano de 1893 marca a chegada de Albert B. Stauffer,


o primeiro missionário adventista no país.
O adventismo, mostram os autores deste livro, atua no Brasil nas
seguintes dimensões: 1) espiritual, por isso constroem igrejas e fazem
evangelismo; 2) educacional, por isso mantém uma consistente rede
educacional em todo os estados do Brasil; 3) saúde, por isso mantém
uma rede de hospitais, clínicas e fábrica de alimento vegetariano. Essas
dimensões estão interligadas, pois a igreja é mantenedora, a rede de
educação tem os próprios livros publicados pela editora da igreja
adventista, as instituições de educação superior possuem cursos que
formam os professores, alguns profissionais da área da saúde e os
pastores. Essas dimensões são basilares para o leitor entender a história
presente neste livro.
Para conhecer essa história, é importante também a questão:
“como o adventismo começou e progride através dessas dimensões no
Brasil?” A obra O Adventismo no Brasil procura responder à pergunta, em
qualquer dimensão do adventismo a qual se dedicam os autores.
Na dimensão espiritual, os autores mostram que a igreja
Adventista se estabeleceu no Brasil nas colônias de imigrantes alemães
presentes no centro-sul. E logo se disseminou construindo templos em
todo o país, disseminando a fé também com a literatura sobre religião,
família e saúde, vendida de casa em casa pelos vendedores denominados
de colportores.
No que se refere à dimensão educacional, a rede se iniciou na
implantação do Colégio Internacional de Curitiba, em 1896, da “Colégio
Superior de Gaspar Alto”, cidade de Santa Catarina, em 1897, e do atual
Afonso Ligório Cardoso • 13

Centro Universitário Adventista de São Paulo – Unasp, em 1915, no


bairro Capão Redondo na cidade de São Paulo.
Na dimensão da saúde, este livro mostra como a história se iniciou
com Leo Blair Halliwell (1891–1967) e a esposa Jessie Rowley (1894–1962).
O casal atuou na atividade médico-missionária na Amazônia, e da Bahia
até Sergipe. O pastor Leo B. Halliwell foi o principal responsável pela
construção das lanchas Luzeiro I, Luzeiro II e Luzeiro III, e o pastor Walter
J. Streithorst, pela construção das lanchas Luzeiro IV, Luzeiro V e Luzeiro
VI. Nesses barcos, eles atenderam os ribeirinhos dos rios Negro,
Solimões e Amazonas, tratando de doenças tropicais. Esse trabalho
pioneiro, que ainda existe, foi o embrião da rede de saúde dos
adventistas no Brasil.
Dando suporte às três dimensões, encontramos, neste livro, três
instituições adventistas: a) Agência de Desenvolvimentos e Recursos
Assistenciais (ADRA), desde 1984 no Brasil, é a organização humanitária
que atua em nível nacional, e a Ação Solidária Adventista (ASA) que atua
em nível da igreja local; b) Sistema de Comunicação Novo Tempo, desde
1996, é responsável pela rede de televisão, rádio e internet da igreja; c)
Casa Publicadora Brasileira, fundada em 1900, publica os livros
religiosos, revistas e didáticos que alimentam a rede de escolas da
educação básica.
É importante que você, leitor, tenha em mente essa macro
organização do Adventismo no Brasil para entender os motivos de como
os historiadores o relatam, a saber: a vida espiritual manifesta na
história dos templos; a vida intelectual pela manutenção da rede
educacional; e o estilo de vida saudável defendido pela rede de saúde e
14 • O Adventismo no Brasil

fábrica de alimentos. Tudo porque o corpo é o templo do Espírito Santo


criado por Deus.

Boa leitura.
APRESENTAÇÃO
Os Organizadores

A Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) foi fundada nos Estados


Unidos em 1863, com características marcantes que a diferenciaram de
outras igrejas protestantes naquele período – seus membros defendiam
que o dia santo a ser guardado era o sábado e, não, o domingo – dia este
que era comum à Igreja Católica e às igrejas protestantes; e também
acreditavam no retorno iminente de Jesus Cristo, como parte do
cumprimento do que estava escrito no Livro do Apocalipse ou Livro das
Revelações, o último livro da Bíblia. Além destes marcos teológicos, a
igreja também se caracterizou pela atuação em diferentes áreas do
espaço público estadunidense – seja na área da comunicação, com a
publicação de escritos de Ellen G. White e de outros membros da igreja,
circulados na forma de literatura e de periódicos; seja na área da saúde,
com a fundação do Western Health Reform Institute na cidade sede da
igreja, Battle Creek, no estado do Michigan; seja na área da educação,
com a fundação de escolas e universidades. O proselitismo e o
missionarismo também foram apostas feitas pelos fundadores da igreja,
em um período de intensa movimentação missionária dentro e fora dos
Estados Unidos.
Foi a partir destas atuações em áreas diversificadas que a Igreja
Adventista do Sétimo Dia chegou ao Brasil no final do século XIX, assim
como em outras partes do mundo, e desde então tem participado
ativamente do cenário religioso brasileiro. Este livro reúne estudos
16 • O Adventismo no Brasil

feitos sobre o desenvolvimento institucional, teológico, social e cultural


desta denominação desde sua chegada até os dias atuais. A obra analisa
a trajetória dos adventistas e do adventismo no Brasil a partir de
variadas perspectivas da História, das Ciências Sociais, da Teologia, das
Ciências da Religião e da Comunicação, dentre outras, o que demonstra
que a igreja tem despertado a atenção de pesquisadores acadêmicos nos
últimos anos.
Escolhemos fazer uma apresentação temática desta coletânea de
fôlego, com 19 capítulos escritos por estudiosos de todo o Brasil, e que
abrangem ao menos duas grandes áreas: uma área temática diz respeito
à história institucional e aos aspectos teológicos, missionários e de
formação de seus quadros de obreiros, colportores e missionários; e
outra grande área temática relaciona-se aos aspectos do que a
antropóloga Paula Monteiro denominou de “religião pública”, isto é, a
atuação de uma instituição religiosa no desenvolvimento de atividades
ligadas à saúde, à cultura, à comunicação, à assistência social.
Assim, iniciamos com o capítulo que abre o livro, “Adventismo na
região nordeste: dos primórdios aos templos metropolitanos (1906-
1952)”, dos historiadores Alan Gracioto, Alexandre Francisco Alves de
Pontes, Rodolfo Figueiredo de Sousa e Elder Hosokawa, que abordam a
instalação da IASD na região Nordeste de nosso país, endossando
pesquisas que têm se dedicado ao desenvolvimento denominacional por
todo o país, saindo do eixo do Sul-Sudeste, em que as primeiras
pesquisas estavam mais centradas até pouco tempo atrás. Já a atuação
adventista na Amazônia foi estudada pelo doutor em Sociedade e
Cultura na Amazônia (Universidade Federal do Amazonas - UFAM),
Diogo Gonzaga Torres Neto, que analisou a dedicação do missionário
Os Organizadores • 17

Leo B. Halliwell, que construiu a embarcação Luzeiro I para realizar sua


atividade missionária e de atendimento de saúde para os povos
amazônicos desde a década de 1930. No capítulo “Labirinto misto de
selva e água – Amazônia na obra de Leo B. Halliwell”, Torres Neto
demonstra como Halliwell enxergou a Amazônia em seus escritos, e
como isso direcionou sua atuação ao longo dos anos.
O teólogo, historiador, pedagogo e Doutor Francisco Luiz Gomes de
Carvalho, analisou o papel da colportagem e da literatura adventista na
formação de obreiros da IASD no texto “A obra das publicações
adventistas no Brasil: instrumentalização na formação de obreiros”,
demonstrando a importância conferida pela denominação à cultura
impressa – algo presente desde os primórdios da IASD nos Estados
Unidos. O mesmo autor também abordou as trajetórias de vida de
obreiros aposentados – denominados de jubilados - no capítulo “A
experiência religiosa de obreiros adventistas jubilados”, o autor
estuda os relatos autobiográficos de obreiros que atuaram como
missionários, que expressaram suas formas de articulação entre a
mensagem adventista, as diretrizes da igreja e os desafios de seu campo
de atuação.
Tendo em vista outro tema ligado à memória, o texto “Centro de
Memória: UNASP, Campus São Paulo” aborda a constituição do referido
centro, que tem servido de base para preservação não somente da
memória do que os adventistas produziram no Brasil e outras partes do
mundo, mas também para fornecer materiais de análise para
pesquisadores das mais variadas áreas. Os autores do capítulo são
pessoas diretamente envolvidas com o centro de memória - Douglas
Menslin, Doutor em Educação pela PUC-PR. Vice-Reitor executivo e
18 • O Adventismo no Brasil

diretor-geral de campus do Centro Universitário Adventista de São


Paulo (UNASP); Emily Bertazzo, Mestranda no Instituto de Estudos
Brasileiros da USP. Coordenadora do Centro de Memória UNASP São
Paulo; Francisco Ribeiro, Doutor em História pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pesquisador do Centro
Universitário Adventista de São Paulo (UNASP-SP); Gabriela Abraços,
Doutora em Estética e História da Arte pela USP. Professora do Ensino
Superior do UNASP e pesquisadora do Centro de Memória UNASP;
Mariana Tonasso, Doutoranda em História e Fundamentos da
Arquitetura e do Urbanismo pela FAU-USP e Professora do Ensino
Superior do UNASP; e Rosane Keppke, Pós-doutoranda no Instituto de
Estudos Avançados da USP e professora no curso de Arquitetura e
Urbanismo do UNASP.
Já o teólogo Petterson Brey analisa em “Exegese adventista na pós
graduação não adventista brasileira: metodologia e viabilidade” as
formas como adventistas têm desenvolvido seus estudos teológicos em
universidades que não são orientadas pelos doutrinas adventistas, os
impasses e as formas de adaptação adotadas na exegese bíblica.
No campo da atuação proselitista e missionária, dois estudos
chamam atenção para os diálogos que os adventistas têm empreendido
em tempos recentes com dois públicos – os imigrantes e migrantes e as
tribos urbanas. Bernadete Alves de Medeiros Marcelino, doutora em
Ciências da Religião (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo),
mostra em “IASD e o proselitismo entre (i)migrantes: religião e
imigração em São Paulo” as estratégias proselitistas dos adventistas no
contexto recente de imigrantes e migrantes do Brasil, em pesquisa
etnográfica realizada entre 2015 e 2016 – período que nosso país recebeu
Os Organizadores • 19

refugiados imigrantes de diferentes países em crise. Já Robson Romero


de Souza, teólogo e especialista em Missiologia pela Faculdade Teológica
Sul-Americana, é autor de “Evangelização adventista na
contemporaneidade: o caso das tribos urbanas”, em que analisa as
formas de diálogo possíveis entre os missionários adventistas e os
diferentes grupos urbanos de jovens em tempos recentes.
Caminhando para a segunda grande área temática do livro,
destacamos dois textos referentes à atuação da IASD na área da saúde e
do estilo de vida. Emily Kruger Bertazzo, em “Tradições gastronômicas:
da escola à fábrica”, estuda a atuação da igreja na difusão do
vegetarianismo e no estilo de vida saudável desde sua fundação até os
dias atuais, tornando-se uma das instituições pioneiras não somente da
propagação da dieta vegetariana, mas também na produção de
alimentos vegetarianos por todo o mundo. Além disso, o historiador e
Doutor em Ciências Sociais (Universidade Federal do Pará), Ismael
Fuckner, escreveu sobre a atuação dos adventistas na área da saúde em
“O hospital na igreja, a igreja no hospital: práticas
espirituais/terapêuticas como estratégias de evangelização
adventistas no Pará”, trazendo uma dupla contribuição – tanto para os
estudos regionais do adventismo quanto para os estudos sobre religião
e saúde, que têm expandido nos últimos anos na academia (tanto na área
de ciências humanas quanto na de ciências da saúde). Já o doutor
Francisco Luiz Gomes de Carvalho expôs no texto “Pandemia no século
XX – o discurso religioso e científico em periódico denominacional”,
sobre como os adventistas enfrentaram a pandemia de gripe espanhola
entre 1918 e 1920. O autor investigou na Revista Mensal (que depois será
conhecida como Revista Adventista) indicando como os discursos acerca
20 • O Adventismo no Brasil

da ciência e da fé foram articulados pelos adventistas brasileiros sob os


ditames do diálogo.
Em diálogo com os estudos sobre religião e saúde, acrescentando
agora a questão da comunicação, está o capítulo da doutora em História
(Universidade Estadual de Campinas) e professora do Departamento de
História da Universidade Federal do Paraná, Karina Kosicki Bellotti.
Intitulado “Oito décadas de saúde para diferentes gerações: aspectos
históricos da revista Vida e Saúde (1939-2019)”, o seu texto traz um
panorama geral de oitenta anos ininterruptos em que a Revista Vida e
Saúde, da Casa Publicadoras Brasileira (CPB), tem sido editada
mensalmente – desde sua filosofia editorial, seus elementos visuais e
textuais, sua ligação com a mensagem adventista de saúde, que defende
a adoção de oito remédios naturais (água, ar, luz solar, exercício físico,
repouso, dieta saudável, autodomínio e confiança em Deus ou cultivo da
espiritualidade), e as formas como a revista tem respondido às
transformações sociais e culturais que envolvem o corpo, a saúde e a
doença no mundo contemporâneo. Em abordagem semelhante, a
historiadora e doutoranda em História (Universidade Federal do
Paraná), Luanna Fernanda da Cruz Bach investigou as quatro décadas
em que a extinta Revista Mocidade circulou no Brasil, dos anos 1940 a
1980. No texto “A educação afetiva e sexual da juventude adventista:
um estudo da revista Mocidade”, a autora investigou como o periódico
respondeu às profundas mudanças ocorridas no século XX no que se
refere à sexualidade entre os jovens ocidentais – como a revista trouxe
a visão adventista para questões de liberação sexual, homossexualidade,
abuso sexual, namoro e casamento. Observa-se a partir destes estudos
como a IASD não se furta de participar de debates contemporâneos
Os Organizadores • 21

importantes, utilizando os meios de comunicação para trazer a sua


mensagem tanto para o público adventista quanto para o não
adventista.
O capítulo “A Educação Adventista no Brasil: uma estratégia
missionária”, de Francisco Luiz Gomes de Carvalho e Dayse Karoline S.
S. de Carvalho, pedagoga e Mestre em Educação (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo), discorre sobre o papel das escolas adventistas
dentro de uma estratégia maior de expansão missionária no início do
século XX no Brasil, tendência que seguiu outras denominações
protestantes que também investiram na educação para fincar raízes em
nosso país. O texto de Francisco Luiz Gomes de Carvalho e Kédima
Ferreira de Oliveira Matos, química e doutora em Ciências
(Universidade Estadual de Campinas), intitulado “Apontamentos sobre
o criacionismo no Brasil: um breve olhar acerca da visão dos
adventistas” também se relaciona com o tema da educação em tempos
mais recentes, quando o criacionismo tem recebido maior atenção da
mídia. Os autores mostram a história do criacionismo e os tipos de
teoria criacionista existentes, além de discutir a relação entre o
criacionismo e o campo científico.
No campo cultural também se destaca o capítulo “O verbo se fez
cântico: a transfiguração da teologia adventista em música”, escrito
por Joêzer de Souza Mendonça, Doutor em Música (Universidade
Estadual Júlio de Mesquita - Unesp) e professor titular de Música da
PUCPR. Seu texto analisa a relação entre a música criada por artistas
adventistas em um contexto de expansão da música gospel no Brasil dos
anos recentes – ainda que se tenha ampliado a variedade de gêneros
executados pelos músicos protestantes, os artistas adventistas não se
22 • O Adventismo no Brasil

utilizam de todo o repertório disponível por razões que são investigadas


pelo autor.
Já o capítulo de Kevin Willian Kossar Furtado, jornalista e doutor
em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), versa sobre a
participação ativa dos adventistas na fundação da Associação
Internacional de Liberdade Religiosa em 1893, que hoje atua como órgão
da ONU para defesa de grupos religiosos perseguidos. No texto “Diálogo
inter-religioso e a Teologia adventista: aproximações e
possibilidades”, o autor explora as iniciativas de diálogo inter-religioso
que os adventistas têm estabelecido com muçulmanos e judeus, além de
outros grupos religiosos. E por fim, e não menos importante, está o
capítulo de Tiago Cesar Santos, mestre em Ciências da Religião
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), que trata das atividades
de assistência e serviço social desempenhados pela IASD – “Obra social
adventista no Brasil: alguns apontamentos” – em que mostra suas
formas de atuação de ajuda humanitária em calamidades e em situações
de vulnerabilidade social.
No capítulo “Adventismo e Meio Ambiente”, os autores
apresentam que a IASD não está à parte das questões relacionadas à
natureza, mas encontra-se envolvida em seu trato com as questões
ambientais no âmbito dos fundamentos bíblico que compõem sua fé. O
capítulo em questão, apresenta em duas seções a evolução da dinâmica
e pensamento da relação entre natureza e ambiente antrópico com a
discussão subsequente do papel do cristianismo nesta dinâmica, além
de expor o posicionamento e papel do Adventismo em sua agenda
ambiental na ótica bíblica que consolida suas doutrinas balizando sua
atuação a nível institucional e local.
Os Organizadores • 23

Desta forma, esta coletânea visa fornecer um panorama atualizado


das pesquisas mais recentes realizadas sobre a Igreja Adventista do
Sétimo Dia, os adventistas e o adventismo no Brasil, mostrando que o
interesse sobre a instituição e seus sujeitos tem crescido em diferentes
áreas da academia, à medida que sua multiplicidade de atores e de ações
tem crescido em nosso país. Por isso, os editores e colaboradores desta
obra desejam que esta produção possa inspirar novos caminhos de
pesquisa e de conhecimento científico sobre o adventismo no passado e
no presente.
1
ADVENTISMO NA REGIÃO NORDESTE: DOS
PRIMÓRDIOS AOS TEMPLOS METROPOLITANOS
(1906-1952)
Alan Gracioto Alexandre
Francisco Alves de Pontes
Rodolfo Figueiredo de Sousa
Elder Hosokawa

A Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) chegou ao Nordeste


através da Bahia. A colportagem e o evangelismo público foram os meios
utilizados pelo missionário norte-americanos que iniciaram a pregação
no início do século XX. O catolicismo foi uma barreira desafiadora para
os acatólicos que se estabeleceram nos centros urbanos. Fez-se
inventário de documentos e bibliografia sobre o tema num recorte
temporal entre 1907-1952, buscando entender a dinâmica da
evangelização da IASD no Nordeste. A pesquisa buscou compreender o
adventismo numa terra culturalmente católica e os desafios para a
construção dos templos nas principais capitais do Nordeste e a
interação do adventismo com fenômeno do Cangaço. Fez-se uso de base
de dados de documentação adventista, parte dela digitalizada na
internet. Utilizou-se textos de pesquisadores referenciais para a
compreensão do tema do Nordeste (ANJOS; CARVALHO, 2010; SOUZA,
2008) e outros autores importantes para a compreensão do adventismo
no Nordeste (SARAIVA, 2002; DINIZ, 2012; SILVA; JOAQUIM 2016;
GREENLEAF, 2011). A IASD estabeleceu o Instituto Teológico Adventista
(1940) e do Instituto Rural Adventista do Nordeste (1943) que nortearam
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 25

a formação de missionários nordestinos no evangelismo que ganhou


novas perspectivas explorando a promoção da educação e da saúde. A
IASD enfrentou dissidência em 1932, com o surgimento da Igreja
Adventista da Promessa, mas firmou sua identidade com a matriz nos
EUA e com liderança brasileira crescente nos anos 1930 e com o
estabelecimento dos primeiros templos trouxe visibilidade e
possibilidade de interlocução cultural, social e política com a sociedade.

INTRODUÇÃO

O presente artigo explorou a história dos primórdios da Igreja


Adventista do Sétimo Dia (IASD) na região Nordeste do Brasil até
meados do século XX, registrando a ação de colportores 1, pastores
evangelistas nos seus nove Estados, bem como o erguimento dos tempos
nas capitais e a formação de jovens missionários locais. A pesquisa pôs
em evidência a forte influência católica e a intolerância religiosa de
diversos grupos religiosos
Com a chegada da República em 1889 surgiu a ideia de um Estado
laico, ideia que não agradou os monarquistas que apoiavam o padroado,
união entre Igreja Católica e Estado. Paulatinamente os brasileiros
passar a ter uma maior liberdade de escolher sua própria crença e ter
esse direito defendido pela força da lei e não apenas se restringir ao
catolicismo que até então fora a religião oficial do Brasil (COSTA, 2007).
Foi nesse contexto de transição e conflito que o adventismo chegou ao
Brasil na região sul na última década de 1890.

1 Vendedor itinerante, neste caso de livros religiosos um método missionário (SOUZA, 2008).
26 • O Adventismo no Brasil

A região nordeste do Brasil é uma construção histórica e


geopolítica sobre uma grande extensão de terra que foi se alterando no
correr dos séculos. Na chamada Primeira República (1889–1930), o
governo federal apoiou uma ordem econômica focada nos estados de
São Paulo e Minas Gerais (BARROSO, 1917). O resultado deste
favoritismo nas primeiras décadas do século XX, especialmente no
panorama nordestino, deu origem a uma terra sem lei, onde poderes
paralelos disputaram entre si o domínio da região. Entre estes poderes
destacou-se a corrupção policial; o Cangaço 2 – considerado o maior
fenômeno do banditismo no Brasil (PITA, 1985; HOBSBAWM, 1970); e o
coronelismo – grandes proprietários de terras agrícolas que detinham
o poder econômico, social e político da região (JANOTTI, 1992).
Havia uma clara oposição aos acatólicos ainda na primeira metade
do século XX:

A situação dos protestantes na década de 1940 não era confortável,


existindo acirrados embates entre a Igreja Católica e os não católicos por
não professarem a mesma fé. [...] o clero não permitia o sepultamento dos
“hereges”, “bodes”, “capas verdes” e outros apelidos que eram dados aos
convertidos à nova fé. Na verdade, os protestantes eram vistos no
imaginário social como personagens do mal, a serviço de Satanás. Também
presenciei na minha infância em Aracaju, sepultura de “crentes” fora dos
muros dos cemitérios Santa Isabel e São Benedito (ANJOS; CARVALHO, 2010,
p. 60).

Diante disso, identificamos algumas questões que podem ser


levantadas a fim de esclarecer o movimento adventista no Nordeste, são
essas: Quais foram os resultados do evangelismo adventista numa terra

2 Bandos de homens e mulheres armados em busca de vingança que passaram a saquear e a cometer atos de
violência no sertão do Brasil (PITA, 2018, p. 13-14).
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 27

culturalmente católica? Quais os desafios para o estabelecimento das


primeiras igrejas sabatistas nas nove capitais do Nordeste? Como se deu
a relação do adventismo com as esferas sociais e políticas? A
metodologia utilizada para a realização da pesquisa foi de caráter
bibliográfico e documental, apropriando-se principalmente de
relatórios da Revista Adventista e do periódico institucional norte-
americano Review and Herald. Além dessas fontes, foi utilizado também
biografias de pioneiros que vivenciaram esse período, em especial os
livros: Venturas e aventuras de um pioneiro, de Gustavo Storch (1982) e Por
que mudei de exército: a história de um pioneiro do agreste, de Plácido da
Rocha Pita (1985).
Sobre o adventismo, nomeado sabatistas, autores católicos são
encontrados em fontes primárias com uma descrição com forte viés de
intolerância:

Mensagens de repúdio eram comumente veiculadas em jornais e revistas,


além disso, houve um movimento chamado “Pro Ecclesia” que registrava
objetivamente todos os passos dos “adversários” da Igreja Católica (MAIOR,
1940, p.105).

E outra afirmação antiprotestante é mais contundente:

Para eles os “sabatistas” eram “profetas perversos” e divulgavam uma


doutrina “venenosa” pronta a “ludibriar”. Assim falavam abertamente
contra as sintonias do programa de rádio “A Voz da Profecia”, os cursos
bíblicos por correspondência, as Escolas Adventistas, as revistas “Vida e
Saúde” e “Atalaia”, os livros da “Casa Publicadora de Santo André”, as
clínicas de repouso e contra os produtos alimentícios da Superbom
(PEDROZA, 1945, 143-144).
28 • O Adventismo no Brasil

Assim a pesquisa fez uso de fontes primárias, especialmente


documentos adventistas em periódicos, biografias e autobiografias
denominacionais, com a perspectiva acrítica da escrita de si e houve
oportunidade de transitar por documentos católicos, percebidos como
os maiores opositores do avanço da IASD no Nordeste.
O artigo foi estruturado em três partes: A primeira delas trabalha
a origem da Igreja Adventista do Sétimo Dia nos Estados Unidos e o
cenário brasileiro entre o fim do século XIX e início do XX; O segundo
lugar explora a narrativa mais aceita entre pesquisadores onde a região
sul do país é indicada como marco inicial do Adventismo no Brasil e a
caminhada rumo ao Nordeste para a implantação do Adventismo nos
nove Estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco,
Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe); e, por fim, estuda o florescimento
da Igreja através de seus primeiros representantes estaduais cujo
trabalho culminou na edificação dos templos em todas as capitais
iniciando como tempo de Aracaju em 1925 e São Luís, em 1952 e como
foi aventurar-se numa terra em conflito armado entre policiais e
cangaceiros. Finalmente foi abordada a criação de escolas preparatórias
missionárias dentro de uma diretriz de aproximação do adventismo
com a cultura nacional e nordestina.

ORIGEM DO ADVENTISMO E O CONTEXTO BRASILEIRO

A IASD teve sua gênese no século XIX, no Nordeste dos Estados


Unidos da América. Ela é fruto de um movimento religioso
multidenominacional, iniciado pelo fazendeiro batista Guilherme
Miller (1782-1849). Por conta disso, o “despertar religioso” ficou
conhecido como “movimento milerita”. Impulsionados pela crença na
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 29

iminente volta de Cristo, os “mileritas” agendaram seu retorno à Terra


para o “ano judaico de 1843”, conforme os cálculos de Miller (SCHWARZ;
GREENLEAF, 2016). A data chegou e nada aconteceu.
Samuel Snow (1806-1870), após o primeiro desapontamento de
1843, refez os cálculos, chegando à conclusão de que Cristo retornaria
no dia 22 de outubro de 1844. A data chegou e novamente nada
aconteceu. Esse episódio ficou conhecido como o “Grande
Desapontamento”. Como consequência, muitos adeptos do movimento
tornaram-se céticos. Mas um remanescente de três indivíduos: Ellen G.
White (1827-1915), James S. White (1821-1881) e Joseph Bates (1792-1872)
prosseguiram com os estudos proféticos de Miller, iniciando assim o
movimento Adventista (KNIGHT, 2005; SCHÜNEMANN, 2002).
Ellen Gould Harmon ou Sra. Ellen G. White (nome de casamento)
casou-se com James S. White no dia 30 de agosto de 1846. O casal White
trabalhava em parceria, sendo Ellen a evangelizadora e James o
organizador, exercendo função de liderança entre os pioneiros
adventistas (DOUGLASS, 2002).
Joseph Bates foi capitão de um navio e realizou diversas viagens
em diferentes países do mundo. 3 Converteu-se ao protestantismo anos
antes do início do movimento Adventista através de um estudo pessoal
da Bíblia e outras literaturas cristãs. Em uma de suas viagens ao Brasil
entre 1824 e 1825, o capitão descreve a província de Pernambuco como
uma terra culturalmente católica. Ele afirma:

Fiquei também desapontado por não encontrar, entre as milhares de


pessoas que ali estavam, ninguém que professasse alguma religião e com

3 Em sua autobiografia (As Aventuras do Capitão José Bates), Bates relata suas experiências como capitão e
também seu contato com o movimento milerita.
30 • O Adventismo no Brasil

quem eu pudesse conversar; mas estava determinado a perseverar em


buscar uma salvação livre e completa (BATES, 2017, p. 175).

E continua:

Nas minhas relações com aquele povo, todos católicos, não encontrei
ninguém com quem pudesse conversar sobre religião. Eu sempre pensava
no privilégio que seria poder encontrar um cristão, e de como ficaria
encantado em passar uma hora em uma congregação de cristãos em oração,
ou pelo menos ouvir a voz de outra pessoa orando que não fosse a minha
(BATES, 2017, p. 181).

A mensagem Adventista se expandiu, alcançando maior número de


adeptos. Foi nesse contexto que em 1863 o movimento tornou-se uma
organização, iniciando assim uma série de possibilidades que
transmitiriam a mensagem adventista a outros lugares do mundo
(SCHWARZ; GREENLEAF, 2016).
Em setembro de 1874 o pioneiro John Andrews foi enviado de New
York para a Suíça. A partir daí inicia-se a era da “missão mundial”,
objetivando levar a mensagem adventista para outros países. A
liderança da Igreja era unânime quanto à necessidade da presença
adventista em outras nações (SCHWARZ; GREENLEAF, 2016;
VALENTINE, 2019). A disseminação de literaturas 4 foi o método
encontrado. Desse modo os primeiros escritos denominacionais em
idioma alemão, francês e espanhol chegaram aos portos brasileiros por
volta de 1880. 5 Em 1895, quando os primeiros missionários alemães
desembarcaram aqui, já existiam núcleos formados por famílias

4 A apreciação pela literatura distribuída pelos chamados colportores é uma herança herdada dos puritanos,
sendo esse um método missionário adotado pelos adventistas (SOUZA, 2008).
5 GREENLEAF, F. Terra de Esperança: o crescimento da Igreja Adventista na América do Sul. 2011, p. 23 e 24.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 31

imigrantes no sul do país (GREENLEAF, 2011). Esse foi o início do


movimento adventista no Brasil.
Diferentemente da região Sul, o Nordeste apresentou maior
relutância à mensagem Adventista. Nomes como Gustavo S. Storch,
John Lipke, Leo B. Halliwell, Roger Wilcox, Frederick W. Spies e muitos
outros merecem destaque na construção dessa história que, como
veremos, foi e ainda é marcada por grandes desafios.

ADVENTISMO: CHEGADA AO BRASIL E AO NORDESTE

Os documentos mais antigos que lançam luz a respeito da expansão


Adventista na América do Sul são os registros do pioneiro William Ings
(1835-1897). Ings é lembrado na Inglaterra, porém seu legado atravessa
o Atlântico. Seu trabalho na Inglaterra o levou a atuar em Southampton,
uma cidade portuária situada na costa sul do Reino Unido. Em 1879, Ings
correspondeu com a Sociedade de Missionários Voluntários de Battle
Creek, informando sobre sua nova estratégia missionária [evangelizar
novos continentes]: “Estamos enviando publicações para todas as partes
do globo. Nenhum navio recusou nossas publicações. Coloquei cinco
pacotes em cada barco que rumava para o estrangeiro: um para os
passageiros, um para a tripulação e três para serem deixados em
diferentes portos” (HOSOKAWA, 2019).
Um relatório informativo do principal periódico Adventista dos
Estados Unidos, o Advent Review and Sabbath Herald, publicou na edição
do dia 3 de junho de 1880 o seguinte texto:

No último trimestre atenção considerável tem sido dada este setor da obra.
Em Southampton, Inglaterra, os navios visitados tinhas os seguintes
destinos: 18 rumando para a Índias Orientais, 16 para as Índias Ocidentais,
32 • O Adventismo no Brasil

28 para diferentes pontos na Inglaterra, 18 para América, 10 para a France,


7 para a Noruega, 8para Cabo da Boa Esperança, 5 para a Escócia, 4 para a
Irlanda, 4 para o Brasil, 3 para a Suécia, 3 para a Finlândia, 2 para a
Dinamarca, 2 para a Itália, 1 de cada para Gales, Rússia, e Mar Negro;
totalizando 131. Nestas embarcações foram colocados 1.644 revistas, e 40.412
páginas de brochuras e livros encadernados. Desta quantia, 144 periódicos
e 10.336 páginas de livros foram vendidos. Um total de 395 embarcações
foram visitas desde o início do trabalho na Inglaterra (M.L.H., 1880, p. 363,
grifo nosso).

Dentre os destinatários das literaturas enviadas por Ings


encontra-se o Brasil, com quatro embarcações. Em julho de 1881, Ings
relata que naquele trimestre, foram enviadas sessenta e três pacotes
gratuitamente. Os navios que partiram, saíram carregados com as
revistas: Signs of The Times, Review and Herald, Good Health, The Youth’s
Instructor etc. No entanto, dessa vez, Ings explicita quais foram os
portos destinatários. No Brasil, foram especificamente os portos do Rio
de Janeiro, Pernambuco e Bahia, nas quais chegaram três navios
carregados com publicações adventistas (INGS, 1881b).
A versão mais adotada entre os pesquisadores adventistas é a
narrativa que coloca a região Sul do Brasil como palco da chegada do
Adventismo. São vários os fatores que dão sustentabilidade a esta tese,
entre eles o idioma das literaturas enviadas, sendo compatíveis com as
colônias de imigrantes sulinas (SCHUNEMANN, 2003).
Em maio de 1893 Augustus B. Stauffer chegou ao Brasil para iniciar
a Colportagem na região sudeste sul. Stauffer e mais dois colportores C.
A. Nowlen, E. W. Snyder haviam lançado a primeira tentativa de
distribuição de literaturas no continente, atuando no Uruguai,
Argentina, Brasil e Chile (GREENLEAF, 2011).
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 33

No Brasil as colônias alemãs mantinham-se isoladas do restante do


Brasil, o que criou uma situação favorável para o desenvolvimento do
Adventismo. Stauffer, conhecendo a existência de colônias alemãs
dispersas pelo país, começou a percorrer os Estados do Espírito Santo e
de São Paulo (SCHUNEMANN, 2003, p. 31).
A presença de colportores na Região Sul se deu através dos esforços
do missionário recém-convertido [no Rio de Janeiro] Bachmeyer. Em
viagem às colônias catarinenses, descobriu a existência de guardadores
do sábado, porém como não era ministro ordenado (nem batizado),
solicitou a presença de um pastor na região. Em 1895 o pastor J. H.
Westphal realizou as primeiras cerimônias batismais em Santa
Catarina, sendo o primeiro convertido Guilherme Stein Jr.
Posteriormente a obra foi ganhando adeptos, culminado ainda em 1895
no templo de Gaspar Alto (SCHUNEMANN, 2003).

Embora a presença dos adventistas do sétimo dia estivesse em território


brasileiro desde o início de 1896 (nos Estados do Espírito Santo, Paraná, São
Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) havia pouca iniciativa
evangelística para se alcançar os demais Estados do país. Mas, na
conferência da Assembleia Geral nos Estados Unidos (1901) evidenciou-se a
necessidade de melhorar o trabalho e de se conquistar novos lugares.
Ocorre, então, uma reorganização do território. E isso beneficiou o Brasil
(SANTOS; SILVA, 2019, p. 36).

Com vista para outras regiões do país, foi estabelecido em 1906 o


Campo Norte [um dos quatro braços da Associação do Brasil, sediada no
Rio de Janeiro] – esta foi a responsável por expandir a mensagem
34 • O Adventismo no Brasil

Adventista para os Estados do Nordeste. 6 Como superintendente do


Campo Norte foi nomeado o Pr. F. W. Spies (SANTOS; SILVA, 2019). Foi a
partir daí que a evangelização ao Nordeste se iniciou e será apresentado
uma breve caracterização do adventismo em cada um dos estados do
Nordeste.

DESENVOLVIMENTO INICIAL DA IASD NO ESTADOS DO NORDESTE

O território baiano foi palco de mudanças políticas e sociais desde


os primórdios da história brasileira. Logo no início da República, a Bahia
presenciou um dos episódios mais lamentáveis da história do país: a
Guerra de Canudos (1896-1897). 7
Ao que tudo indica o Adventismo começou nesse Estado. Ao visitá-
lo em 1906 com a intenção de observar e colher informações para
implantação de futuras ações evangelísticas, o Pr. Spies descreveu o
lugar como “desconhecedor da Verdade”, porém com potencial para
receber a mensagem Adventista. A maior dificuldade da população
estava ligada a observância do sábado. 8
Com uma boa impressão do território, Spies enviou colportores a
partir de 1908, porém estes se mostraram poucos expressivos a
princípio, devido aos embates existentes com os batistas e
presbiterianos em relação ao dia de guarda. Simultaneamente, Bíblias
que foram distribuídas por evangelistas batistas e presbiterianos
fizeram surgir os primeiros sabatistas em diferentes cidades baianas

6A Associação do Brasil, fundada em 1902, abrangia todo o território brasileiro. Posteriormente, a Associação
do Brasil foi dividida em quatro sedes: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e o Campo Norte. Esta última
abrangendo os demais Estados brasileiros (SANTOS; SILVA, 2019).
7 CUNHA, Euclides. Os Sertões. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2017.
8 SPIES, F. W. “Viagem à Bahia” in Revista Trimestral. Ano 02, n°. 09, janeiro de 1908.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 35

como: Salvador, Santo Antônio de Jesus, Santana dos Brejos e Ilhéus


(SANTOS; SILVA, 2019; PITA, 1985).
O primeiro guardador do sábado em território baiano foi Antônio
Leôncio da Penha. Esse foi batizado juntamente de mais quatro
familiares pelo Pr. Spies, em 2 de outubro de 1907, dando início ao
adventismo na Bahia. Posteriormente, devido ao trabalho dos primeiros
colportores e evangelistas, foi fundada em 1911 a primeira congregação
adventista, situada na cidade de Ilhéus, no bairro de Pontal (SANTOS;
SILVA, 2019). Apesar do trabalho implantado, foi apenas em 1919 que
aconteceu uma sistematização da ação missionária.

[...] 1919 o ano considerado o ponto de partida, em virtude da chegada do


primeiro diretor de Colportagem, Ayres Ferreira Paes; do obreiro Manuel
Pereira da Silva, e do Pastor Frank Chollar, todos incumbidos de criar a
Missão Baiana. A partir daí, foi organizada a primeira igreja, em Itabuna,
além de congregações em Pontal de Ilhéus e no subúrbio de Plataforma, em
Salvador. A Missão, no entanto, somente foi organizada em 1921, com a
chegada dos Pastore s Léo Halliwell e Gustavo Storch. (NOTICIAS 94, 1994,
p. 13)

O missionário americano Frank Chollar foi chamado em 1919 para


trabalhar na Missão Bahia, ocupando a função de presidente. Nesta
época o campo tinha apenas um obreiro licenciado em atividade,
Zacarias Martins Rodrigues. 9 Por isso, enviaram Leo Halliwell, Manoel
Pereira e Ayres Ferreira Paes para trabalhar na região. As tradições
católicas na região, por exemplo, estavam fortemente marcadas pelo
sincretismo entre o espiritismo e os cultos afros, que dominavam a

9 SANTOS, N. J.; SILVA, N. F. Contando nossa História. Salvador, BA: EGBA, 2019; SCHOFIELD, C.E., “Distribuição
de trabalho,” Revista Adventista 15, no. 12 (dezembro de 1920): 5; “Bahia Mission,” Seventh-day Adventist
Yearbook (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing Association, 1920), 187.
36 • O Adventismo no Brasil

cidade de Salvador. 10 Em 1921, o território da Missão Bahia foi


reorganizado e Halliwell se tornou o presidente. 11 Mesmo depois da
chegada de mais obreiros, as dificuldades eram grandes, e a Bahia era
considerada um dos campos menos privilegiados do território
brasileiro. 12
Em 1926, Salvador contava com uma congregação, mas que se
reunia em dois prédios diferentes: um, no Centro da cidade, e outro, no
bairro Bonfim (atual bairro de Itapagipe). Esta igreja foi organizada
dessa forma pelo pastor Gustavo Storch. 13 No prédio do bairro Bonfim,
começou a funcionar uma Escola Primária Adventista, liderada pela
professora Philonila Assumpção. O prédio foi cedido por Antônio
Assumpção, esposo de Philonila, à Missão Bahia, pelo prazo de 20 anos. 14
Em 1928, Antônio Assumpção liderou a construção de um novo templo
para a congregação de Salvador, “por sua conta.” A expectativa da
liderança da UEB era que o templo se tornasse “o pharol daquela
cidade.” 15 O novo prédio foi inaugurado em setembro de 1929, e servia
tanto como templo, como escola primária para os adventistas da
capital. 16
Em Alagoas os primeiros relatos sobre o adventismo apareceram
1906, quando Costa, um enfermeiro da Marinha, após receber estudos
bíblicos no Rio de Janeiro, teve sua transferência para a unidade militar

10 KÜMPEL, Manoel, “Bahia,” Revista Mensal 8, no. 7 (Julho de 1913): 8.


11Ata da Missão Bahia, no. 001, 5 de março de 1937 (Primeira ata após a reabertura em fins de 1936 e início
de 1937).
12 SPIES F. W. “Em Viagem,” Revista Mensal 20, no. 12 (dezembro de 1925): 6.
13 CHRISTIANINI, A. B., “‘A Luz Vem do Oriente:’ Pequena História de Um Grande Campo,” Revista Adventista
64, no. 10 (outubro de 1969): 10-13.
14 SPIES F. W. “Em Viagem,” Revista Mensal 20, no. 12 (dezembro de 1925): 6.
15 WILCOX, E.H. “Notas da União Este-Brasileira,” Revista Mensal 24, no. 3 (março de 1929): 13.
16 WILCOX, E.H. “Novo Templo na Capital Bahiana,” Revista Mensal 24, no. 11 (novembro de 1929): 12-13.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 37

em Maceió. Com sua esposa tornaram-se propagadores da mensagem


Adventista. Nas horas vagas dedicava o tempo para tratar os doentes.
Com isso tornou-se conhecido, o que favoreceu a receptividade do
Evangelho pelos habitantes locais. Quando o pastor Frederick W. Spies
visitou a cidade em 1908, encontrou 16 guardadores do sábado (SPIES,
1908, p. 6). No dia 3 de dezembro de 1909, o pastor F. W. Spies celebrou
o primeiro batismo naquele estado. Quatro pessoas tornaram-se
adventistas e no dia oito do mesmo mês surgiu o primeiro grupo
Adventista (SPIES, 1909, p. 3-4). Contudo, alguns anos depois, houve
uma crise entre os seus membros e em meados de 1914, o então diretor
do grupo, aproveitando a dificuldade que os pastores tinham de estar
presentes no Estado, realizou uma série doutrinária contrária aos
preceitos adventistas. 17
Esse homem conseguiu dissuadir os membros do grupo e apenas
uma mulher permaneceu firme. 18 Com essa crise que durou dois anos,
mais o fato de que outros fiéis saíram da cidade por motivos diversos,
houve retrocesso na pregação do evangelho e consequentemente o
declínio da IASD na região. 19 Percebendo que havia algo errado, a
liderança da Igreja enviou o colportor Zacarias Martins Rodrigues que
atuava no estado de Pernambuco, para trabalhar em Maceió. Chegando
lá, foi tomar ciência da situação e relatar sobre o estado de coisas.
Visitou o grupo em questão para analisar sua real situação e dar um
autêntico parecer à IASD. 20

17 Tiago Santos Pereira e Jeandson Vasconcelos, A Chegada do Adventismo nos Estados de Sergipe e
Alagoas. (Monografia, Centro Universitário Adventista de São Paulo, 2006), 14-15.
18 SPIES F. W. “Brazil,” Review and Herald 92, no. 51 (14 de outubro de 1915): 13.
19 Tiago Santos Pereira e Jeandson Vasconcelos, A Chegada do Adventismo nos Estados de Sergipe e
Alagoas. (Monografia, Centro Universitário Adventista de São Paulo, 2006), 14-15.
20 SPIES F. W. “A Obra em Maceió,” Revista Mensal, no. 8 (agosto 1915): 4.
38 • O Adventismo no Brasil

Zacarias recebeu a orientação de mudar-se imediatamente para


Maceió, para reverter a situação. Mudou-se com sua família no dia 13 de
outubro de 1914. Para recebê-los, esteve presente o diretor do grupo
(cujo trabalho havia causado todo o problema). 21
Zacarias hospedou-se na casa do diretor por cinco dias, até
conseguir permissão para pregar na igreja que era objeto da dissensão.
Ao obter a autorização, ele aproveitou a ocasião para combater as
doutrinas errôneas ensinadas. Mais tarde, ao definir essa cisão o pastor
Spies relatou que ela ocorreu por ambição. 22 Quando Zacarias falou aos
membros do grupo, ficou claro que ele não era conivente com as ideias
discutidas ali, o que foi suficiente para impedi-lo de retornar. 23
Após esse impedimento, Zacarias mudou sua estratégia. Deu início
à prática de cultos regulares em sua própria residência, na rua do
hospital, nº 71. Após alguns dias de reuniões, ele já contava com 18
irmãos que saíram do grupo divergente e voltaram para a Igreja
Adventista. Com isso, restaram apenas sete seguidores das outras
doutrinas. Esses foram os primeiros resultados positivos da batalha
espiritual que se desenrolava em Maceió. 24
O trabalho de Zacarias e sua família estava tão produtivo que, mais
tarde, 10 ex-membros de uma igreja protestante e alguns ex-católicos
se juntaram ao grupo do colportor. Um tempo depois, mais de 30
pessoas haviam se convertido ao adventismo. Todos esses, fossem novos

21 RODRIGUES, Z. M. “Maceió (Estado de Alagoas),” Revista Adventista, no. 6 (junho 1915): 7.


22 SPIES F. W., “Brazil,” Review and Herald 92, no. 51 (14 de outubro de 1915): 13.
23 RODRIGUES, Z. M. “Maceió (Estado de Alagoas),” Revista Adventista, no. 6 (junho 1915): 7.
24 Idem.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 39

ou antigos conversos, aguardavam a chegada do pastor Spies, ministro


ordenado, para serem batizados. 25
No dia 24 de maio de 1915, Spies, acompanhado do pastor Manoel
Kümpel, chegou a Maceió e juntaram-se ao pastor Ricardo Wilfart,
vindo de Pernambuco os três realizaram um trabalho intenso de 10 dias
em apoio ao trabalho iniciado por Zacarias. Com isso, eles conseguiram
organizar e solidificar a Igreja Adventista na capital alagoana. 26 Esse
trabalho frutificou anos depois com a dedicação do primeiro templo
adventista em Maceió no dia 20 de abril de 1946 (HOSOKAWA, 2007).
A chegada do adventismo em Pernambuco se deu a partir de 1910,
quando um membro batizado da Bahia migrou de Estado a fim de
estabelecer novas relações comerciais. Pouco tempo depois conheceu
outros protestantes que habitavam na região, esses o procuravam em
busca de instrução bíblica. Dessa maneira o número de guardadores do
sábado começou a aumentar gradativamente, acontecendo reuniões
todas as semanas. Foi nessa ocasião que o “evangelista” solicitou a
presença de um pastor ordenado na região para que fossem realizados
batismos e iniciasse a organização de uma igreja.
O pastor enviado foi John Lipke, pioneiro que chegou ao Brasil em
1910 para atuar na presidência da Missão Este, que na época abrangia os
estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Em seu relatório na
Review and Herald, é destacado que no momento em que chegou já
existia aproximadamente trinta pessoas interessadas que precisavam
de instrução (LIPKE, 1910, p. 8 e 9).

25 Idem.
26 SPIES F. W. “Brazil,” Review and Herald 92, no. 51 (14 de outubro de 1915): 13.
40 • O Adventismo no Brasil

No dia 5 de agosto do mesmo ano, John Lipke visitou o Palácio do


Governo do Estado e lá vendeu o livro Vida de Jesus, de Ellen G. White,
para o Governador pernambucano, Dr. Herculano Bandeira de Melo.
Naquela ocasião, foi vendido 52 mil réis em aproximadamente meia
hora (aproximadamente R$ 7.970,00). No mesmo dia, o pastor Lipke
visitou a Secretaria da Fazenda e a prefeitura de Recife, onde recebeu
novas encomendas. Relatou do seguinte modo suas atividades:

Além das vendas que pude fazer, recebi mais 20 encomendas de Vida de
Jesus no Palácio, no Tesouro (Secretaria da Fazenda e na Prefeitura, de que
me regozijo. O Prefeito de Recife, ele mesmo encomendou um livro.
Posteriormente, "no dia 8 de agosto, em hora e meia recebi 11 encomendas
na Intendência. Pela graça do Senhor, em 5 horas e meia de trabalho recebi
44 encomendas de Vida de Jesus dos funcionários mais graduados do Estado
de Pernambuco e da cidade de Recife (REDACÇÃO, 1910, p. 5).

Ao longo da história, o estado de Pernambuco esteve sob os


cuidados de várias unidades administrativas da IASD. Com a criação da
Missão Este Brasileira (MEB) em 1910, Pernambuco entrou
definitivamente para o mapa evangelístico adventista. 27 Pouco tempo
depois, em 1916, tendo em vista o crescimento da membresia naquela
região, foi fundada a Missão Pernambucana, com sede na cidade de
Caruaru, a 168 km de Recife. 28 Com o desenvolvimento do campo, outros
estados foram deixados sob responsabilidade dessa Missão, como
Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Nessa época, não havia
ministros locais, igrejas ou administração da IASD em nenhuma dessas

27“East Brazil Mission,” Seventh-day Adventist Yearbook (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing
Association, 1911), 126.
28 “Pernambuco Mission,” Seventh-day Adventist Yearbook (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing
Association, 1917), 163.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 41

unidades federativas. Não obstante, havia muitos evangelistas que por


lá passavam pregando as verdades bíblicas. 29
Por volta do ano 1924, o pioneiro casal Halliwell convidou o pastor
Gustavo Storch para participar de um grande projeto de evangelização
nas capitais da região Nordeste, especialmente nos estados de Sergipe,
Bahia e Pernambuco. O pastor Storch aceitou o convite e, durante a
realização da obra missionária, promoveu diversas conferências
evangelísticas que contribuíram positivamente para a conversão de
vários ouvintes. Uma das pessoas que aceitaram o batismo foi um
senhor chamado José Inácio Pereira de Araújo, conhecido como um dos
primeiros vegetarianos adventistas do Pernambuco. 30
Nessa época o colportor Luís Calebe Rodrigues trabalhou nos
estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. 31 Mesmo sendo
analfabeto e surdo, esse homem vendeu o livro Vida de Jesus até para o
mais temido líder cangaceiro do país, Virgulino Ferreira da Silva,
conhecido como “Lampião.” 32 Quando Lampião morreu, em 1938, o livro
Vida de Jesus foi encontrado em seus pertences. 33
Anos mais tarde, em 1932, por conta da grave crise que assolou o
mundo e o Brasil, o Estado de Pernambuco passou a ser assistido pela
Missão Nordeste (MNe), que havia surgido por meio da fusão de dois

29 “Pernambuco Mission,” Seventh-day Adventist Yearbook (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing
Association, 1920), 188.
30 Associação Pernambucana, “História dos Adventistas em Pernambuco,” acessado em 20 de janeiro de 2020,
https://bit.ly/3aswexh.
31 OLIVEIRA, S. M. “E por Falar em Pioneiros...” Revista Adventista ano 66, nº 10, p. 14, out. 1968.
32 PITA, P. R. Por que Mudei de Exército: a saga do homem que caçava Lampião e encontrou a verdadeira Luz
(Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985), 13-14.
33 STORCH, G. S. Venturas e Aventuras de um Pioneiro. 1 ed. Santo André: Editora dos Adventistas do Sétimo
dia, 1982.
42 • O Adventismo no Brasil

campos missionários – a Missão Bahiana e a Pernambucana. 34 Essas


duas Missões administravam as igrejas de seis estados brasileiros:
Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. 35
Foi nesse tempo em que as dificuldades econômicas envolviam o mundo
que foi erguido e inaugurado no dia 20 de setembro de 1933 o primeiro
templo adventista de Recife (BECKEDORFF, 1933, p.14).
O adventismo chegou na Paraíba em 1911 através de um adventista
que migrou para o estado depois de não encontrar emprego onde
pudesse guardar o sábado em Recife, Pernambuco. Foi nessa ocasião que
conseguiu trabalho com um conhecido seu que era chefe da Estrada de
Ferro da Paraíba. Durante três meses este homem foi o único guardador
do sábado na Paraíba. Após esse período seu patrão e outras 15 pessoas
tornaram-se observadoras do sábado.
Com forte resistência ao protestantismo, o pastor John foi o
primeiro pastor adventista e talvez o primeiro protestante a atuar no
Estado e realizando o primeiro batismo de três pessoas. (LIPKE, 1911, p.
11). O início da pregação, do trabalho da Colportagem deu condições para
a construção de um templo na capital paraibana. No dia 31 de julho de
1950, foi inaugurada a primeira igreja da cidade de João pessoa, a capital
da Paraíba (HARDER, 1950, 12).
Em 1910 foi criada a Missão Este-Brasileira ou “MEB”. Seu
território era formado pelos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e
Pernambuco. 36 O pastor John Lipke, depois de eleito presidente da MEB,

34GREENLEAF, F. Terra de Esperança: o crescimento da Igreja Adventista na América do Sul (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2011), 298-303.
35 WESTCOTT, H. B. “União Este-Brasileira,” Revista Adventista 27, no. 3 (março de 1932): 10.
36“East Brazil Mission,” Seventh-day Adventist Yearbook (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing
Association, 1911), 126.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 43

visitou o estado do Sergipe em 1911. Contudo, os primeiros registros de


presença adventista em Sergipe aparecem em 1915. De acordo com esses
relatos, o pastor e colportor evangelista Leopoldo Nabuco trabalhou na
cidade de Alagoinhas, no estado da Bahia. Naquela ocasião, Nabuco
escreveu em seu diário que encontrou guardadores do sábado e que
alguns deles haviam se mudado para a cidade de Estância, Sergipe
(NABUCO, 1915, p.7).
Um ano mais tarde, em 1916, a liderança da IASD começou a
demonstrar preocupação em evangelizar o estado de Sergipe (ANNIES,
1916, p. 3). Além disso, o colportor José Lemos trabalhou na cidade de
Propriá, e o colportor Manoel S. Santos trabalhou em Itabaiana,
ajudando no progresso da mensagem adventista no estado (PAES, 1921,
p. 15). Apesar de todos esses esforços, o trabalho evangelístico só foi
intensificado na região em 1924, por meio da conferência realizada pelo
pastor Leo Blair Halliwell. 37 Atuaram Manuel Kumpel e Frank Chollar,
assim como os obreiros Cyriaco Leite e Zacharias Martins Rodrigues, os
quais trabalharam arduamente para alcançar os sergipanos
(GREENLEAF, 2011). O templo em Aracaju foi inaugurado no dia 4 de
outubro de 1929 (SANTO, 1929, p11)
A presença adventista no Rio Grande do Norte se deu a partir de
1920 através da disseminação de livros religiosos. O colportor José M.
Rabello 38 trabalhou ao lado dos colportores Luíz Rodrigues, Antônio
Rodrigues e Ignácio Damasceno. Ao chegarem à cidade se encontraram
com o irmão Ricardo Wilfart, Jacob Kroeker, entre outros. Quando R.

37 Encyclopedia of Seventh-day Adventists, “Rolling Clinics,” Acessado 15 de outubro de 2020,


https://encyclopedia.adventist.org/article?id=6IB2 .
38Enciclopédia da Memória Adventista no Brasil, “Rabello, José Mendes (1898-1962),” acessado 07 de
Agosto de 2019, http://www.unasp-ec.com/memoriadventista/enciclopedia/8/002r_rabello_jose.htm.
44 • O Adventismo no Brasil

Wilfart foi transferido para a cidade do Rio de Janeiro, já havia uma


Igreja Adventista organizada com cinquenta membros além de um
número crescente de interessados que estavam se preparando para o
batismo (RABELLO, 1920, p. 13). O número de interessados se
concretizou em batismos e uma nova igreja foi construída em 1942
(REVISTA ADVENTISTA, 1942, p. 32).
No estado do Maranhão a história do Adventismo inicia-se por
volta de 1921(CORREIA, 1921, p.14) em 1922 o barbeiro Firmo Marinho
chegou em São Luís, capital do Maranhão. Enquanto exercia sua
profissão, evangelizava seus clientes motivando-os a observarem o
sábado. Embora não se saiba nada de sua história antes de 1921, nem
como se converteu, sabe-se, porém, que quando chegou a São Luís já era
membro batizado. O primeiro colportor a chegar à cidade foi José
Henrique Correia. Por volta de 1926 e 1927 chegou outro colportor, seu
nome era Hans Mayr. Foi ele quem realizou a primeira cerimônia
batismal entre os recém-convertidos no ano de 1927 (SARAIVA, 2002).
Alguns anos depois, em 1942, Gustavo S. Storch, evangelista da
União Norte Brasileira, realizou conferências evangelísticas no Cassino
Maranhense, em São Luís, com o apoio da filha e do genro Olga e Walter
Streithorst, e 60 pessoas foram batizadas. 39 Streithorst foi o primeiro
pastor do Maranhão, e quando alí chegou havia dois distritos e dois
obreiros na Missão Costa Norte: o distrito do Maranhão e Piauí,
administrado por Streithorst; e o distrito do Ceará, administrado pelo
pastor Aldo Carvalho. 40

39 STORCH, G. S. “Conferências Públicas,” Revista Adventista 38, no. 1 (janeiro de 1943): 12; STREITHORST, O. S.,
Leo Halliwell na Amazônia (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1979), 79; SARAIVA, E. J., A História do
Adventismo no Maranhão: 80 Anos de História e Milagres (São Luís, MA: Gráfica e Editora Maia, 2002), 53.
40 STREITHORST, W. J., Minha Vida na Amazônia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1993), 20.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 45

Em 1943 um grupo de adventistas na região de Bacabal, fundou a


vila dos adventistas, chamada São João dos Crentes. Entre seus
primeiros moradores, estavam João da Cruz e Sinésio Mendes. Foi
fundada uma escola e a partir dali o adventismo se disseminou pela
região de Mearim e Pindaré. 41
Após a série de conferências do pastor Storch em São Luís, a igreja
nascente alugou um casarão na Rua da Paz, no Centro de São Luís. Dessa
ação surgiu uma igreja e uma escola sob a direção da professora Elziária
de Castro. . 42 Mais tarde um novo local se fez necessário e um templo foi
construído e inaugurado no dia 27 de outubro de 1951 (SARAIVA, 2012,
p. 58).
Em junho de 1930 o colportor André Gedrath foi enviado ao estado
do Ceará (DINIZ, 1912, p. 30). Em 24 de outubro do mesmo ano, o Brasil
havia sofreu um golpe de Estado no qual depôs Washington Luís, dando
a lugar Getúlio Vargas. Isso também impediu a posse do novo presidente
eleito, Júlio Prestes. A ascensão de Getúlio ao poder ficou conhecida com
a Revolução de 30. E um temor de sedição se espalhou pelo país
(SKIDMORE, 2010).
André Gedrath, ao oferecer o livro “Doze Grandes Sinais da Volta
de Jesus,” foi preso sob acusação de fazer propaganda comunista. Antes
mesmo de ser julgado ele foi detido por onze dias enquanto aguardava
o julgamento (STREITHORST, 1979).
Ao ser conduzido às autoridades para a apreciação jurídica,
descobriu que o seu advogado de defesa era um dos amigos que ele havia
conhecido através da colportagem. Gedrath o viu pela primeira vez

41SARAIVA, E. J. A História do Adventismo no Maranhão: 80 Anos de História e Milagres (Carapicuíba, SP:


Gráfica Editora Maia, 2002), 94-96.
42 Ibid., 19; STEINWEG, B. W. “Mais Escolas Primárias,” Revista Adventista 38, no. 10 (outubro de 1943): 22.
46 • O Adventismo no Brasil

enquanto visitava os doentes num hospital para lhes levar conforto.


Esse advogado havia comprado alguns livros e uma Bíblia das suas mãos
e em sua defesa argumentou: “se André encontrou nas profecias da
Bíblia o surgimento do comunismo, de maneira alguma significa que ele
seja comunista. Tenho plena convicção de que André não é comunista.
Se alguém me provar que estou equivocado, desistirei de sua defesa; do
contrário, lutarei até que Gedrath seja posto em liberdade”
(STREITHORST, 1979, p. 112). André Gedrath foi inocentado das
acusações.
Até este período o Brasil ainda não havia sido abalado pelos efeitos
da quebra da Depressão de 1929. Os efeitos foram sentidos pela IASD em
1932. Em decorrência disso os estados que compunham as missões
Baiana e Pernambucana se uniram para formar a Missão Nordeste ou
simplesmente “MNe” que nasceu da fusão delas (GREENLEAF, 2011). Ou
seja, os seis estados brasileiros da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco,
Paraíba e Rio Grande do Norte (WESTCOTT, 1932, p.10).
Esse tempo de crise não arrefece a intolerância. E numa dessas
cidades do interior, em plena praça pública, um adventista estava lendo
o Novo Testamento para algumas pessoas e logo se formou grande
ajuntamento ao seu redor atento às explicações que ele dava.
Inesperadamente o padre da cidade começou a gritar "Morram os
protestantes e viva a Igreja Católica! Morram os protestantes!", ao ouvir
isso a multidão se lançou sobre o orador. Ninguém morreu, mas a cidade
manteve afastado os protestantes. (GARCIA, 1939, p. 5).
Um ano após o ocorrido naquela praça, foi reunido, nesta mesma
cidade, um grande número de ouvintes numa casa e enquanto a Bíblia
era aberta pelo pastor Jerônimo G. Garcia – que também ocupava o
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 47

cargo presidente da MNe – apareceu em uma das janelas um homem de


batina acompanhado de uma multidão. Aquelas pessoas rodearam o
local. Pastor Jerônimo mandou que todas as janelas e portas fossem
abertas e começou a pregar. O padre fez de tudo para que a multidão não
ouvisse o que o pastor falava, mas o povo se acalmou e muitas famílias
saíram de lá interessadas na mensagem adventista (GARCIA, 1939, p. 5).
A oposição ao adventismo não impediu que uma igreja fosse erguida em
28 de agosto de 1948 (STORCH, 1948, p. 9).
A primeira pregação adventista no estado do Piauí aconteceu em
outubro de 1949. O pastor G. S. Storch, 43 presidente da Missão Costa
Norte (MCN), realizou uma série de conferências intituladas “Cruzada
Nacional de Boas Novas”. As reuniões aconteceram entre os dias 2 de
outubro e 31 de dezembro daquele ano e o local utilizado foi um cinema
desativado que ficava em frente à Praça Rio Banco, Teresina – a
capital. 44
Além do pastor G. S. Storch, as reuniões tiveram o apoio dos
pastores Emery Cohen, F. C. Pritchard e suas famílias. No dia 10 de
dezembro de 1949 ocorreu o primeiro batismo Adventista no Piauí. A
cerimônia foi realizada às margens do Rio Parnaíba e marcou o ingresso
de 31 membros. O segundo batismo aconteceu no dia 31 de dezembro do
mesmo ano e mais 23 pessoas tornaram-se membros da IASD. Ambos os
batismos foram oficiados pelo pastor Storch.
Os dois meses que se seguiram foram de grande perseguição. O
padre da matriz, ao perceber o número daqueles que abandonaram as

43“North Coast Mission,” Seventh-day Adventist Yearbook (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing
Association, 1948), 165; “North Coast Mission,” Seventh-day Adventist Yearbook (Washington, D.C.: Review
and Herald Publishing Association, 1956), 149.
44 Carolina Vaz (secretária da Missão Piauiense), mensagem de e-mail em 28 de Junho de 2019.
48 • O Adventismo no Brasil

missas, iniciou forte campanha contra o as conferências realizadas. Por


fim o pastor Storch – que já não estava mais acompanhado dos pastores
Cohen e Pritchard – teve que receber escolta policial de homens que o
protegiam apenas em nome do dever. Ele foi desafiado a comparecer um
debate público diante de 5 mil pessoas, mas foi impedido pela força
policial. 45
De sua residência ele enviou a seguinte mensagem: “[...] em forma
de polêmica cristã, resolvermos amigavelmente, à luz da santa Bíblia, a
nossa controvérsia. [...] meia hora fala o orador católico e meia hora falo
eu, alternadamente [...] e que se use, para isso, exclusivamente e
somente a Bíblia Católica [...].” Ao receber a carta o orador a leu
publicamente depois consultou os sacerdotes presentes e, em seguida,
respondeu que não podia aceitar a proposta porque a doutrina católica
não se baseava somente na Bíblia, mas também na tradição. A multidão
foi dispersa e o trabalho continuou, novos conversos se batizaram e em
seguida construíram o templo e a escola. 46
O primeiro local de culto dos 54 novos guardadores do sábado foi
um salão na Rua Desembargador Freitas, esquina com a Rua David
Caldas. Eles se reuniram neste local entre janeiro e março de 1950
enquanto era construída a primeira Igreja Adventista do Sétimo Dia de
Teresina, esse templo se encontra na Rua Areolino de Abreu, nº 1510, no
Centro (Sul) de Teresina. Esse templo foi inaugurado no dia 7 de outubro
de 1950 (STORCH, 1951, p.10).

45 STORCH, G. S. “Vitórias e Derrotas no Evangelismo Público,” Revista Adventista 66, no. 7 (julho de 1971): 12.
46 STORCH, G. S. “Vitórias e Derrotas no Evangelismo Público,” Revista Adventista 66, no. 7 (julho de 1971): 13.
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 49

CENTROS DE FORMAÇÃO MISSIONÁRIA PARA O NORDESTE.

A União Este Brasileira, com sede no Rio de Janeiro, administrava


todos os campos que atendiam desde 1919 os estados do Nordeste, Minas
Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em 1934 a liderança sentiu
necessidade de criar uma escola de formação missionária para a sua
área de abrangência e o projeto foi formalizado em 1936, ano em que
também foi lançada uma ampla campanha para angariar recursos para
a compra da propriedade. Isso foi efetivado no Rio de Janeiro, longe do
Nordeste. A pedra fundamental foi lançada em 21 de maio de 1939 e seu
diretor, o pastor John D. Hardt, iniciou o Instituto Educacional e
Agrícola de Petrópolis (IEAP). Mas o nome foi alterado em 1940 para
Instituto Teológico Adventista (ITA) sendo oferecido o curso de Teologia
com dois anos de duração (NEUFELD, 1996).
Logo após a fundação da escola de Petrópolis, embora a formação
de missionários começasse a ser suprida nos estados de Minas Gerais,
Rio de Janeiro e Espirito Santo, a distância encareceu a operação para
atender o Nordeste e quatro anos depois, a IASD comprou uma
propriedade no povoado de Belém de Maria, na região da mata, no
Pernambuco, ao lado do rio Panelas, para estabelecer o Instituto Rural
Adventista do Nordeste (IRAN), uma escola preparatória missionária de
jovens de ambos os sexos em regime de internato. Sob a liderança de
Artur Leitzke, o IRAN foi iniciado no dia 21 de abril de 1943 (HARDER,
1995). Em sua estrutura de funcionamento inicial, o seminário de
teologia oferecia apenas dois anos de curso e depois, os alunos se
deslocavam para São Paulo, onde concluíam o curso após estudarem
mais dois anos. Mas tarde foi conhecido como Educandário Nordestino
Adventista O ENA tornou-se referência em educação adventista no
50 • O Adventismo no Brasil

Nordeste e recebeu alunos de diversas partes do país oferecendo ensino


básico, magistério, cursos técnicos em contabilidade, enfermagem e em
1957, implantou o curso de Teologia, e ficou diretamente responsável
pela formação missionária para o Nordeste (NEUFELD, 1996).
A instituição central formadora de missionários em São Paulo, o
seminário de São Paulo e também a de Petrópolis continuaram atraíndo
jovens do Nordeste. Essas instituições embora apresentassem seu
acento cultural diferenciado no Brasil, aliviaram eventuais tensões
nacionalistas e separatistas, ainda que diretores e administradores
fossem ainda norte-americanos no processo de fundação destas escolas
preparatórias missionárias. Os egressos desses seminários eram
nacionais e mediante a experiência e envolvimento no trabalho
demonstraram capacidade para ocupar progressivamente os espaços
preenchidos por missionários estrangeiros. A IASD no Nordeste se
consolidou com liderança predominantemente nacional e pouco depois,
com administração de egressos em sua maioria nordestinos com uma
cultura mais aproximada aos interesses, necessidades e sinergia com a
população local. (GREENLEAF 2011; SCHWARZ, R; GREENLEAF, 2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho missionário da Igreja Adventista do Sétimo Dia ganhou


notoriedade no Nordeste do Brasil através de duas frentes missionárias:
o trabalho de colportagem e a pregação de pastores conferencistas.
Mesmo diante da oposição religiosa eles não esmoreceram. Desde a
criação da UEB em 1919, houve um esforço para atingir cada estado
brasileiro com uma forte e estabelecida presença adventista que se
Alan G. Alexandre; Francisco A. de Pontes; Rodolfo F. de Sousa; Elder Hosokawa • 51

consolidou visualmente com a construção de templos de grande


visibilidade em áreas centrais de cada estado do nordeste.
Questões de liderança local, falta de assistência, por escassez de
jovens preparados para atuarem no Nordeste reduziram a presença
administrativa na região gerando um separatismo que redundou no
surgimento da Igreja Adventista Promessa.
Ao que tudo indica questões culturais, administrativas, a
hegemonia católica e forte oposição que direcionou aos adventistas e a
concorrência das igrejas protestantes recém estabelecidas
influenciaram no lento desenvolvimento dos anos iniciais.
A IASD direcionou seus esforços no estabelecimento de templos
nas capitais nordestinas para criar visibilidade e estabelecer pontos de
referência para o trabalho conjunto dos colportores, pastores e obreiros
locais e aos poucos das professoras nas escolas de igreja. As iniciativas
da UEB de criar duas escolas formadoras de missionários dos campos do
Nordeste, foram vitais para assegurar um processo de nacionalização
da liderança e administração estrangeira. A escola preparatória de
Petrópolis, localizada fora do Nordeste não conseguiu atrair jovens. com
o objetivo de atender a demanda de formação de liderança local. A escola
de Belém de Maria teve mais êxito em matrículas de jovens da região
Nordeste e exerceu um progressivo papel referencial na expansão e
consolidação da IASD .
A expansão do adventismo, a despeito do contexto de oposição das
religiões estabelecidas, aconteceu na medida em que pastores, leigos e
uma liderança nacional forte mantiveram um diálogo com a cultura
nordestina e foi capaz de ser relevante no desenvolvimento do esforço
missionário contínuo, explorando as fragilidades dos movimentos
52 • O Adventismo no Brasil

religiosos contrários e aproveitando os novos tempos de progressiva


abertura política para a liberdade religiosa, um valor republicano que
despontou com maior percepção e realidade na segunda metade do
século XX.

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________________ “Novo Templo na Capital Bahiana,” Revista Mensal 24, no. 11


(novembro de 1929): 12-13.
2
A IGREJA ADVENTISTA E O PROSELITISMO ENTRE
(I)MIGRANTES
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino

INTRODUÇÃO

É possível considerar que fraternidade, compaixão, honestidade e


sinceridade são valores exaltados por todas as religiões, ao modo de
cada uma delas. Por outro lado, mesmo com certas semelhanças, suas
diferentes características que se articulam ao “espírito” de cada fé,
dogmas e outros, têm sido ponto de partida para disputas entre alguns
desses grupos em todo o mundo (GAARDER; HELLERN e NOTAKER,
2005, p. 7). Podemos considerar que entre essas “disputas” estão
inseridas a busca por prosélitos em diferentes contextos sociais, entre
os quais podemos apontar aqueles de cunho migratório. Nesse cenário,
o migrante tornar-se um potencial prosélito, não obstante, objetivado
por algumas religiões.
No entanto, não podemos deixar de destacar que frente a
vulnerabilidade em que se encontram muitos (i)migrantes, a religião
tem se apresentado também, em variados casos, como um recurso para
suprimento de necessidades básicas, emergenciais e até mesmo
essenciais de muitos deles. Entre estas podemos apontar: acolhimento
físico e emocional, assistência alimentar e até financeira, resposta para
desafios e sentido para situações problemáticas vivenciadas por tais
contingentes (MARCELINO, 2020).
Entre as inúmeras opções religiosas e migratórias que poderiam
elucidar esse contexto, destacamos a Igreja Adventista do Sétimo Dia
(IASD) e sua atuação proselitista entre imigrantes em São Paulo. A
58 • O Adventismo no Brasil

palavra proselitismo aqui, poderia ser substituída por evangelismo


também. Entendemos que a ação evangelística faz parte essencial de
diferentes grupos religiosos que têm por princípio a proclamação do
evangelho de Cristo – as boas novas de salvação, e como a IASD se
enquadra nesse contexto, não seria impróprio o uso do termo. Contudo,
tendo em vista que essa ação não deixa de ser um ato proselitista, e estes
estão muito presentes no universo religioso de forma mais geral,
julgamos relevante usar o termo proselitismo e não evangelismo para
tratarmos sobre o assunto em pauta. Nesse sentido, entendemos como
prosélito aquele que se converte a uma religião.
A pergunta norteadora da nossa abordagem é: Quais as estratégias
proselitistas da IASD entre migrantes e Imigrantes em São Paulo? Não
temos como pretensão uma análise teológica, mas um olhar que se
estabelece a partir de um agnosticismo metodológico, tendo como
pressuposto a Ciência da Religião, área da qual surge a nossa pesquisa.
Pontuamos “que a Ciência da Religião não instrumentaliza seus
objetos em prol de uma apologia a uma determinada crença” (USARSKI,
2013, p. 51), mas nos permite dialogar com diferentes saberes, entre os
quais, a própria Teologia. Assim, ajuda o pesquisador a “exercitar a
criatividade em busca de um melhor conhecimento das religiões, que só
tem a ganhar com este aprendizado” (SOARES, 2007, p. 304).
É importante destacar que parte dos dados e análises apresentados
compuseram o nosso trabalho de mestrado em Ciência da Religião
realizado entre os anos de 2015 e 2016, publicado posteriormente no
livro “A fé em um país distante: uma relação entre religião e imigração
em um contexto que envolve haitianos adventistas” (MARCELINO,
2019). Outros dados e análises foram pautados em coletas de dados que
não foram utilizados naquele momento, tornando esse texto inédito.
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 59

Além da pesquisa etnográfica utilizamos um levantamento bibliográfico


que pudesse atender a nossa perspectiva, entre estes, escritos da
própria instituição religiosa trabalhada e de Ellen G. White (uma das
fundadoras do movimento adventista).
Tendo em vista o desafio colocado, seguiremos três passos para
cumprirmos a proposta apresentada: Contextualizaremos o assunto a
partir de uma exposição crítica sobre a religiosidade na
contemporaneidade – um paradoxo de contínua e vívida busca pela
religião; Discorreremos sobre a IASD e suas articulações entre
(i)migrantes; Por fim, analisaremos algumas estratégias proselitistas da
Instituição em pauta entre (i)migrantes em São Paulo.

O PARADOXO DA CONTÍNUA E VÍVIDA BUSCA PELA RELIGIÃO:


CONTEXTUALIZANDO O ASSUNTO

A religião sempre esteve no cerne de intensas discussões a respeito


da existência, e apesar de alguns optarem por viver sem a intervenção
dela, outros não se vêm sem ela. A busca por uma vida orientada por
valores religiosos tem feito parte da vida do homem contemporâneo,
que longe de um prognóstico atenuante de que a religião iria acabar com
o avanço da ciência, continua viva e cada vez mais presente e plural. Um
cenário que leva-nos a considerar que a intensidade em que a religião
se apresenta no mundo de hoje, não é muito diferente daquela que a
humanidade vivenciou por séculos antes da modernidade, apesar das
diferentes relações que o homem tem estabelecido com ela no mundo
contemporâneo e das múltiplas opções religiosas disponíveis nesse
cenário (pluralismo religioso). Assim, torna-se possível afirmar frente
evidências empíricas, que sua sobrevivência, força e presença não
podem ser negadas em muitas situações (BERGER, 2017).
60 • O Adventismo no Brasil

Não é difícil perceber que, na história da humanidade diferentes


indagações em torno do sentido da vida, as quais perturbam os seres
humanos desde seus primórdios, despertam uma necessidade de
responder questionamentos existenciais, ainda hoje, não solucionados
plenamente pelo conhecimento científico. Por outro lado, para aqueles
que não acreditam na existência de Deus ou mesmo em forças ou
poderes espirituais, tais indagações seriam fruto da consciência,
produto de uma construção do cérebro humano, e nada além disso.
Nessa concepção, tais respostas poderiam ser alcançadas em sua
plenitude por meio da ciência (GAARDER; HELLERN e NOTAKER, 2005,
p. 257).
Como muitos daqueles mesmos questionamentos relacionados a
existência humana continuam vívidos no mundo contemporâneo,
mesmo frente todo o desenvolvimento científico galgado até então, a
procura por respostas existenciais continuam intensas. De onde
viemos? Para onde iremos após a morte? Qual o verdadeiro sentido da
vida? Esse cenário é propício para a religião, uma vez que esta oferece
significação para tais indagações (BERGER, 1985). Aquele que tem uma
crença religiosa se apropria de “ideias bem definidas sobre como a
humanidade e o mundo vieram a existir, sobre a divindade e o sentido
da vida” (GAARDER; HELLERN e NOTAKER, 2005, p.21).
Assim, a religião se torna determinante na forma como muitos
enxergam as coisas, ou até mesmo na maneira de como devem viver
(BERGER, 2017). Por isso reafirmamos que a ideia de que a religião
entraria em declínio com o avanço da ciência não se sustenta mais
diante das evidências (BERGER, 2017, p. 9 – 11).
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 61

A teoria da secularização, baseada na ideia de que a modernidade acarreta


necessariamente um declínio da religião, serviu durante algum tempo como
um paradigma para o estudo da religião. Mas ela não pode mais se sustentar
diante da evidência empírica. [...] ficou cada vez mais evidente que os dados
empíricos contradizem a teoria [...] o nosso mundo não é nada secular; ele é
tão religioso como outrora, e em alguns lugares mais ainda. (BERGER, 2017,
p. 9 e 11).

No entanto, é relevante destacar também que para além das


questões relacionadas a permanência do sentimento religioso no
homem contemporâneo, da própria religião e de suas respostas aos
questionamentos existenciais, esta continua cumprindo outros papeis
sociais. Entre estes, podemos destacar de acordo com Durkheim (2012),
a força que esta proporciona ao fiel. Durkheim (2012, p. 27 – 28), ao
estudar o totem dos aborígenos australianos, percebeu que por detrás
da religião existe um sistema de força que ajuda a viver. O crente se
apropria dessa força que transcende o que é humano. Aquele que crê
passa a perceber-se “poderoso”, alguém que pode mais.

Frequentemente se vê a religião como um tipo de especulação sobre um


objeto determinado: acredita-se que ela consista essencialmente em um
sistema de ideias, exprimindo mais ou menos adequadamente um sistema
de coisas. Mas este caráter da religião não é nem o único nem o mais
importante. Antes de tudo, a vida religiosa supõe a produção de forças sui
generis, as quais elevam o indivíduo acima dele mesmo, que o transportam
a um outro meio que não aquele no qual se esgota sua existência profana e
que o fazem viver uma vida muito diferente, mais elevada e mais intensa. O
crente não é somente um homem que vê, que sabe coisas que o descrente
ignora: é um homem que pode mais. Os fiéis (sic) podem representar-se
inexatamente o poder que eles atribuem a si mesmos, o sentido no qual este
se exerce. Entretanto, esse poder, em si mesmo, não é ilusório. [...] o
problema religioso consiste em buscar de onde vêm essas forças e do que
62 • O Adventismo no Brasil

elas são feitas. [...] como as religiões são parte desse mundo, é na natureza
que deveremos procurar a fonte ou as fontes da vida religiosa. Ora as únicas
forças morais superiores àquelas do indivíduo, que se encontram no mundo
observável, são as que resultam do agrupamento de forças individuais, da
síntese delas na e pela sociedade: as forças coletivas (DURKHEIM, 2012, p.
27- 28).

A força que a religião proporciona para o indivíduo ajuda-o a


enfrentar os dilemas da vida, como aqueles de cunho emocionais,
familiares e outros. Mas como “a diversidade religiosa tornou-se um
fenômeno global” (Berger, 2017, p.71), para grande parte das pessoas no
mundo, a escolha por uma delas se tornou individual e pessoal. Esse
cenário, inevitavelmente acendeu uma disputa por prosélitos no campo
religioso. Com foco na conquista e manutenção de seus fiéis, a religião
passa a ofertar seus bens, produtos e serviços. Por conseguinte, essa
oferta acaba por determinar a natureza, forma e força das estratégias
estabelecidas para alcançar seus objetivos (BOURDIEU, 2015, p. 57).
Nesse vasto campo, o pluralismo religioso ganha cada vez mais
espaço (BERGER, 2017), e o prosélito torna-se, com muita frequência,
um forte capital a ser alcançado. Um contexto que inevitavelmente
permeia a relação entre religião e migração. Contudo, como não
pretendermos comparar as estratégias proselitistas da IASD com outras
instituições religiosas, mas tentar entender essa dinâmica no seio das
pretensões e ideias do próprio grupo, coube-nos analisar mais
especificamente suas conexões com migrantes nesse sentido, e seus
resultados. A princípio de forma mais geral, e na sequência,
especificamente em São Paulo.
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 63

A IASD E A ARTICULAÇÃO COM (I)MIGRANTES DURANTE O SEU


DESENVOLVIMENTO

A IASD nasceu em Michigan no ano de 1860, mas só foi


institucionalizada em 1863 (SCHUNEMANN, 2009). Podemos considerar
que é um movimento religioso que assim como muitos outros, surgiu
em um período marcado por grandes transformações sociais. Nesse
cenário torna-se necessário destacar que entre o período da Reforma
Protestante (século XVI), até meados do Século XIX (momento em que a
IASD surge), profundas mudanças vinham afetando diretamente a
maneira de viver no ocidente.
O “longo processo histórico da Modernidade culmina no século XIX
com a instauração de um novo modelo de sociedade” (NUNES, 2007, p.
99). Mas o fundo histórico que marcou aquela época também nos chama
atenção pelas mudanças sociais que promoveram, bem como as relações
que a partir desse cenário podemos estabelecer com alguns critérios
proselitistas que passaram a ser adotados pela IASD. Silva (2010) pontua
que pelo menos dois acontecimentos históricos que marcaram a forma
de viver e pensar no ocidente revelavam seus resultados no âmago do
período em pauta: a revolução francesa e a revolução industrial.
Como resultados da revolução industrial tivemos alterações na
relação do homem com o trabalho, com o tempo e com tantos outros
quesitos relevantes, como por exemplo: a relação familiar, uma vez que
muitas mulheres foram para o mercado de trabalho; a moradia, visto
que diversas pessoas deixaram suas residências em lugares rurais,
passando a viver em cidades que iam se urbanizando de forma
desorganizada; a economia com o crescente processo de racionalização
dos meios de produção; entre outros (NUNES, 2007, p. 99 – 100).
64 • O Adventismo no Brasil

No que diz respeito a revolução francesa, os seus ideais trouxeram


consigo mudanças de concepções: a instalação da razão pelo método em
contraposição a tradição e revelação e a introdução da “figura do
‘indivíduo’, sujeito de direitos, ‘dono do próprio destino’ dentro de uma
concepção liberal de humanidade, extensiva e abstrata” (NUNES, 2007,
p. 100). Nesse cenário a religião se viu frente grandes desafios. No
entanto, em um processo de crescente secularização e racionalização, o
protestantismo demarcava o seu espaço. Como foi possível verificar
anos mais tarde por meio da obra de Weber (2013), “A ética protestante
e o espírito do capitalismo”.
Esse contexto nos importa porque surge como matiz de fundo para
pensarmos o cenário que envolve a IASD em seu nascimento. O grupo
surgiu em um momento histórico de muitas mudanças sociais, mas logo
se desenvolveu espalhando-se pela Europa, levando consigo
características que lhes eram bem peculiares. Além de defender a
concepção de que os adventistas seriam portadores de uma mensagem
exclusiva, verdadeira e salvadora, ressaltavam cuidados com a saúde, o
descanso sabático e discursos em torno de conceitos médicos e
ecológicos (FUCKNER, 2012). Um outro aspecto do grupo merece ser
destacado, diz respeito a relação que procurou estabelecer com
migrantes desde os seus primórdios, ocasionando o seu crescimento em
alguns lugares como descrevemos posteriormente.
Torna-se relevante destacar que naquele período (século XIX), nos
EUA (lugar onde a IASD nasceu) a busca por trabalho era um
pressuposto que levava muitos grupos de outros países a se deslocarem
para o lugar. Entretanto, alguns deslocamentos imigratórios para os
EUA provocavam em estadunidenses um certo desconforto,
promovendo formas de preconceito. Em resposta a presença de
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 65

imigrantes no país, um movimento intitulado de Know Nothing fazia


exigências para restringi-los (CUNHA, 2012, p. 22 – 25). Por outro lado,
percebemos que os imigrantes presentes no país, estrangeiros como
chamava White (2007) foram percebidos como potenciais prosélitos,
pessoas que poderiam ser alcançadas pela mensagem proclamada pelo
movimento adventista.
Essa questão nos direciona a algumas reflexões. É possível que
White, ao viver naquele período e país, e possivelmente conhecido os
problemas e revoluções que permeavam a sua época e sociedade, tenha
se apercebido da quantidade de migrantes naquele lugar e da situação
que os envolvia, desencadeando suas preocupações com esse público. O
poderia ter levado a escritora a se interessar por esse contingente e
destacar a necessidade do movimento adventista se voltar para esse
estes também.
Em um trecho da fala de White (2007, p. 152) a autora explicita:
“[enquanto] se executam planos para se advertir os habitantes de várias
nações em terras distantes, muito tem de ser feito em favor dos
estrangeiros que vieram às praias de nossa própria terra”. Tendo em
vista esse contexto, torna-se possível pensar na preocupação adventista
com o proselitismo de imigrantes desde os seus primórdios. No entanto,
um outro fator pode ser refletido juntamente com esse quesito e diz
respeito ao assistencialismo social.
De acordo com White (2007, p. 143) cuidar de órfãos, oprimidos,
viúvas e famintos seria também uma missão da igreja. Esta deveria
“ajudar aqueles que absolutamente não se podem ajudar a si mesmos”
(Ibid.). Nesse sentido o assistencialismo social e o proselitismo
passariam a caminhar de mãos dadas dentro das perspectivas do
movimento adventista.
66 • O Adventismo no Brasil

Os adventistas do sétimo dia creem na ação social como uma maneira de


demonstrar a religião de forma prática na comunidade. Compreendem,
ainda, que a Bíblia Sagrada dá forte ênfase no trabalho social como parte
integrante da transformação de vida que Jesus ensinou às pessoas que
desenvolvessem. Por essa razão, os adventistas trabalham através de duas
principais frentes: a Ação Solidária Adventista (ASA) e a Agência Adventista
de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA). A Ação Solidária
Adventista (ASA) consiste nas múltiplas iniciativas solidárias e serviços de
assistência social que a igreja local, de forma organizada, realiza através da
sua liderança e membros em favor de seus semelhantes. Essa ajuda é
baseada nos princípios bíblicos e orientações dos escritos de Ellen White 47.

Logo depois que a IASD se institucionalizou, passou a se propagar


e crescer rapidamente pela Europa, tornando-se um movimento
religioso com uma das estratégias proselitistas mais intensas no mundo
(SCHUNEMANN, 2003). Assim, chegou a muitos países, entre os quais, a
maioria, de origem pobre (SCHUNEMANN, 2009). Fatores que nos levam
a pensar no ocorrido a partir de um suposto plano estratégico.
TUCKER (2010, p. 533) destaca que ter estratégias para fazer
proselitismo é “um elemento - chave para o avanço do evangelho”. Como
o movimento se desenvolveu tendo como uma de suas premissas a
pregação do advento de Cristo, é possível considerar que nesse aspecto
foi indispensável a apropriação de técnicas e ferramentas para alcançar
potenciais seguidores. Pois falar para todas as pessoas sobre o
evangelho, através da mensagem de reconciliação com Deus que se
tornou possível em Cristo, mas também a espera de seu retorno e a
vigência dos Dez Mandamentos, tornou-se a principal missão
adventista (ROSA, 2009, p. 10).

47 Informações disponíveis em: http://www.adventistas.org/pt/institucional/missao-e-servico/acao-social/


Visitado em: 01/10/2015.
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 67

Esforços coletivos passaram a ser incentivados nesse processo,


desencadeando uma ação de envolvimento de todo membro da
instituição (WHITE, 2007, p. 57). Esses esforços juntamente com
estratégias se estendem através de diferentes projetos sociais como:
doação de sangue, mutirão de natal, trabalho comunitário, e outros
(MARCELINO, 2019, p. 26 – 28). Foi nesse contexto de projetos
articulados a busca de atender necessidades de alguns grupos, que
tornou-se possível refletir nas estratégias proselitistas da IASD entre
migrantes e imigrantes na cidade de São Paulo.
É preciso destacar que o próprio desenvolvimento do movimento
adventista no lugar permeou o diálogo com esse contingente, o que
contribuiu de forma decisiva para o crescimento da igreja nessa região
em número de membros. Relação que se mantém presente ainda nos
nossos dias.

IASD X MIGRANTES: ESTRATÉGIAS PROSELITISTAS EM SÃO PAULO

De acordo com Hosokawa e Schunemann (2008, p. 102), a IASD seria


o grupo religioso protestante que, entre os demais grupos da mesma
procedência, estaria presente em um número maior de países pelo
mundo. Os autores (Ibid.) também destacam que, na ocasião (2008), os
adventistas somavam em torno de 16 milhões, entretanto, a maior parte
dos fiéis da igreja estariam na América Latina, América do Sul e África,
e outras regiões como: Coréia, Filipinas e Indonésia.
Como hoje a IASD possui milhares de adeptos em diferentes países
espalhados pelo mundo (FUCKNER, 2012), esta tornou-se amplamente
conhecida em diferentes lugares, mas principalmente pela ênfase na
abstinência alimentar e descanso sabático. A sua expansão teve como
68 • O Adventismo no Brasil

base relevante o fenômeno migratório, desencadeando o seu


desenvolvimento inicial até o crescimento da igreja durante o século XX.
“No Brasil, o estabelecimento da IASD ocorreu inicialmente nas colônias
de imigrantes alemães presentes no centro-sul” (HOSOKAWA e
SCHUNEMANN, 2008, p. 102), tendo sido oficialmente fundada no país
no ano de 1895 em Santa Catarina, apesar de ter chegado em 1893,
juntamente com Albert B. Stauffer, missionário adventista. Marcelino
(2019) acrescenta:

Podemos considerar que a IASD chega oficialmente ao Brasil em 1893,


através do missionário adventista Albert B. Stauffer. Mas a fé adventista, de
certa forma, já se manifestava no país por meio de uma comunidade alemã
localizada em Santa Catarina. Na Alemanha, o adventismo estava em fase
crescente, uma vez que muitos alemães que se converteram ao adventismo
nos Estados Unidos retornaram ao seu país de origem no intuito de
propagar a sua fé. No Brasil, no entanto, apesar da fé adventista ter sido
primeiramente difundida entre alemães, não chegou ao país por esses
imigrantes. Por outro lado, o fato da IASD estar em extensa difusão na
Alemanha e o adventismo organizado em outras duas grandes colonias
alemãs nos Estados Unidos e Canadá, pode ter levado esses imigrantes no
Brasil, a receber a mensagem adventista com mais afinco [...]. (MARCELINO,
2019, p. 37).

No entanto, tendo em vista a data da instauração da IASD no Brasil,


é possível considerar que esta teria chegado tardiamente ao Estado de
São Paulo (SCHUNEMANN, 2009, p. 158), tendo sido estabelecida na
região apenas em 1915, no município de Santo Amaro (MENDES, 2015, p.
37 - 38). Porém o seu maior desenvolvimento se deu na capital de São
Paulo, e em decorrência da sua aproximação com imigrantes e
migrantes no lugar.
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 69

O movimento cresceu bastante no Brasil, principalmente no Rio Grande do


Sul entre os anos de 1919 a 1937, contudo, o seu grande desenvolvimento se
deu em São Paulo, onde manteve um foco proselitista intenso entre
imigrantes, especialmente italianos, portugueses, espanhóis e japoneses.
Fator que colaborou para esse crescimento, principalmente na capital
paulista. Entre suas estratégias de crescimento, em um determinado
momento, centralizando-se no fluxo migratório nordestino para São Paulo,
utilizou-se de tendas para o evangelismo público em bairros periféricos.
Resultando na continuidade do seu crescimento e na abertura de inúmeras
outras congregações [...]. Anos depois de ter chegado a São Paulo, a IASD
construiu um templo no bairro da Liberdade. Esse templo, desde a sua
formação, atendeu a diferentes grupos de imigrantes adventistas que
chegavam a capital [...]. (MARCELINO, 2019, p. 38 -39)

As dinâmicas migratórias envolvendo São Paulo tornou o lugar


propício para a atuação e desenvolvimento da IASD na região. Como a
relação com (i)migrantes já fazia parte da identidade do movimento, ao
investir na ação proselitista entre esses grupos no lugar, trouxe como
resultado um grande crescimento em número de membros para a
instituição em pauta.
Como destaca Mendes (2015, p. 43 – 51) nas primeiras décadas do
século XX a IASD em São Paulo, embora tivesse intensões proselitistas
entre nativos, logo passou a focar nos migrantes que habitavam a
região. A prosperidade econômica e rápido desenvolvimento urbano e
dos meios de comunicação que registravam a expansão e progresso
republicano, eram cenários de fundo daquele período no qual um
projeto missionário adventista seria instaurado entre migrantes. e viria
prosperar. O projeto se desenvolveu e em 1929 foi possível inaugurar um
grande templo em um dos bairros centrais da capital, o bairro da
Liberdade, onde foram recebidos alguns grupos de imigrantes, e ainda
70 • O Adventismo no Brasil

hoje conta com esse trabalho. Nesse sentido, podemos apontar o


acolhimento a um grupo de haitianos, que se iniciou em 2010.
Frente o sucesso das conquistas proselitistas adventistas entre
imigrantes em São Paulo, com um rápido período de expansão em
número de fieis, em pouco tempo pelo menos 40% dos fieis adventistas
no Brasil já eram representados pela região. Pelo menos cinco igrejas
étnicas adventistas surgem como resultado dessa relação de acordo com
Mendes (2015):

● Igreja Adventista Nipo-brasileira;


● Igreja Adventista Coreana;
● Sinagoga Adventista de São Paulo (Beth B’nei Tsion);
● Comunidade Árabe;
● Igreja Adventista Hispana;

A esse cenário podemos acrescentar, depois de 2010, mais uma


comunidade étnica adventista de acordo com MARCELINO (2019):

● Comunidade Adventista Haitiana.

Hosokawa e Schunemann (2008, p. 103) destacam que a atuação da


IASD em São Paulo se deu também entre migrantes advindos dos
deslocamentos internos do país, principalmente das zonas rurais.
Quesito relevante para o crescimento da instituição na cidade também.
Como a IASD se manteve atenta aos processos imigratórios dos
últimos anos para a capital de São Paulo e às demandas desse contexto,
frente ausências de políticas públicas migratórias, desenvolveu um
projeto para atender esse público. De acordo com Marcelino (2019, p. 40-
42), no centro da capital paulista a IASD criou um espaço de acolhimento
a comunidade e grupos étnicos. Esse espaço passou a ser considerado
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 71

um centro de influência, chamado de Instituto Base Genesis. Esse centro


foi estabelecido em maio de 2015 na Praça da Sé, e a princípio intentava
atender pelo menos 16 grupos étnicos diferentes. A ideia desse centro
de influência seria oferecer desde capacitação profissional até
acolhimento emocional e espiritual.
A criação dos centros de influências pela IASD foram baseados em
percepções e orientações de Ellen White, que visava a criação de
instalações em diferentes lugares para ajudar aos necessitados.

O tamanho e formato desses centros não são importantes. Nesse sentido, o


Departamento de Missão Adventista tem se empenhado “para estabelecer
uma rede de centros de influência, autossustentáveis, em áreas urbanas –
chave” em diversos países. No caso de São Paulo, onde mantém uma sala no
1º andar de um prédio localizado na Praça da Sé, declaram auxiliar
atualmente em torno de 100 famílias refugiadas da Síria com alimentação,
mediação de documentos e emprego. Alguns angolanos e haitianos também
procuraram assistência do departamento por indicação de outros que já
conheceram o projeto. O trabalho realizado conta com serviços voluntários
e doações. Alegam oferecer cursos práticos e teóricos para a comunidade
com o objetivo de gerar renda como: artesanato, libras, inglês, reforço
escolar, arte, terapia para crianças, além do curso de português para
estrangeiros e outros. Em parceria com o hospital Adventista, juntamente
com professores e alunos da área de saúde da Universidade Adventista de
São Paulo (UNASP), realizarem semestralmente atendimento à população
na praça da Sé. Esse atendimento seria de medição da glicemia, aferição da
pressão e orientações de saúde. Feiras e bazares também seriam
organizados para expor os produtos e serviços realizados nesses cursos.
(MARCELINO, 2019, p. 41).

É preciso ressaltar que o assistencialismo oferecido por parte da


IASD a comunidade e aos migrantes e imigrantes em São Paulo não é
72 • O Adventismo no Brasil

algo recente, mas este sempre caminhou de mãos dadas com a ação
proselitista (MARCELINO, 2019).
Segundo Stott (2008) em uma concepção mais tradicional,
evangelização seria exclusivamente a missão de toda igreja cristã. A
esperança da humanidade estaria em sua conversão aos princípios de
Cristo. Mas nesse sentido as estruturas sociais não necessitariam passar
por mudanças, pois estas já estariam condenadas a destruição final.
Entretanto, uma visão ecumênica que surgiu em meados de 1960,
acreditava em um outro papel da igreja. Caberia a esta a
responsabilidade de apontar as obras que Deus realizou, mas também
aquelas que ainda estaria realizando, e atuar por meio do serviço ao
mundo, atendendo suas necessidades sociais.
Ainda de acordo Stott (2008), com esse pressuposto, a visão
ecumênica estaria focada apenas na preocupação social e não daria
espaço para realização do evangelismo. No entanto, ao observarmos a
compreensão que a IASD tem sobre a ação evangelística, foi possível
verificar que esta entende ser a missão da igreja levar um pouco de
alívio para os sofrimentos das pessoas, somado ao dever de
compartilhar ou ensinar a história de Cristo. Para o movimento, essa
estrutura de pensamento - trabalho social como parte do evangelismo -
e acrescentamos, proselitismo, estaria respaldada na Bíblia
(MARCELINO, 2019).
Esse quesito é relevante quando levamos em consideração o
resgate das concepções apresentadas no início do texto, a partir de
Bourdieu (2015). Uma vez que o capital a ser adquirido é o fiel, as
estratégias tornam-se cada vez mais relevantes nas disputas
estabelecidas nesse campo. Assim, objetivos bem traçados em relação a
quem pretende-se alcançar, quando, como e onde, são questões que se
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 73

juntam a ideia dos instrumentos, meios e formas de empregar a ação


proselitista. No entanto, quando a religião busca atender as
necessidades sociais, emocionais e espirituais das pessoas nesse
cenário, tais estratégias podem acabar cumprindo também uma função
social.
Assim, apesar das intensas disputas entre grupos religiosos em
busca de fieis, e as problemáticas que envolvem ou possam envolver
essas questões (não objetivadas para discorrer nesse trabalho) não
podemos deixar de mencionar o papel social que estes acabam
exercendo. Nessa corrida estratégica por prosélitos, ao envolver
migrantes e imigrantes em uma proposta articulada ao
assistencialismo, a religião pode atuar como suporte e proteção em
muitos sentidos. Pode conferir alívio, força e segurança frente
incertezas da vida. Em outras palavras, acaba atendendo através das
multiformes estratégias elaboradas para alcançar fieis, algumas
demandas presentes em diferentes grupos e contextos sociais.
É nesse sentido que entendemos que ao focar no assistencialismo
como umas de suas estratégias proselitistas entre imigrantes em São
Paulo, a IASD acaba desempenhando também um papel social, inúmeras
vezes são atendidos em sua inteireza por outros meios sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi possível verificar por meio do texto apresentado, a


articulação proselitista pode ser compreendida como parte estratégica
de uma disputa que envolve o campo religioso. No entanto, esse cenário
permite que papeis sociais relevantes sejam cumpridos pela religião,
74 • O Adventismo no Brasil

entre os quais, alguns são de certa forma, negligenciados por outros


meios.
Ao contextualizarmos o assunto a partir de uma exposição crítica
sobre a religiosidade na contemporaneidade, percebemos que ainda
existe um paradoxo de contínua e vívida busca pela religião. Apesar do
avanço científico que trouxe consigo muitas respostas para
questionamentos humanos, este não conseguiu atender em sua
inteireza as expectativas e indagações existenciais da humanidade.
Como o mundo contemporâneo se tornou tão religioso quanto em
outros períodos da história, a escolha religiosa, agora pessoal –
individual desencadeou um processo de disputas por prosélitos. Um
contexto permeado por estratégias religiosas proselitistas.
No que se refere a IASD, grupo religioso focado nesse trabalho, foi
possível verificar que o (i)migrante sempre esteve entre suas
preocupações proselitistas. Entretanto, a articulação estratégica com
estes em São Paulo, trouxe bons resultados para o movimento, no que
se refere a expansão em número de fieis. Em suas estratégias
proselitistas na cidade, a oferta de bens e serviços prestados aos
(i)migrantes pôde ser verificada, denotando que a articulação entre
assistencialismo e proselitismo, presentes nos escritos de White (2007),
permeiam o movimento.
Tais quesitos nos permitem concluir que mesmo em um campo de
disputas e estratégias que visam prosélitos, no que se refere ao
(i)migrante, foco de nossa análise nesse processo, a religião acaba
desempenhando uma função social. Ao atender algumas expectativas
sociais e emocionais desses grupos, esta acaba oferecendo meios de
apoio e segurança. Contexto que pode ser aplicado a análise da IASD em
suas articulações entre imigrantes em São Paulo.
Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 75

REFERÊNCIAS

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76 • O Adventismo no Brasil

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Bernadete Alves de Medeiros Marcelino • 77

SITE:

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em: 01/10/2015.
3
LABIRINTO MISTO DE SELVA E ÁGUA: A AMAZÔNIA
NA OBRA DE LEO B. HALLIWELL
Diogo Gonzaga Torres Neto

“Nós aprendemos sua língua, costumes e tradições; nos tornamos


brasileiros de verdade. Pensávamos, falávamos, sempre sonhávamos em
português, a língua oficial da terra.”
Leo B. Halliwell, 1959 in Light in the Jungle

O presente capítulo objetiva ressaltar algumas descrições sobre a


Amazônia feitas por Leo B. Halliwell, missionário adventista norte-
americano que, durante trinta anos, ao lado de sua esposa, Jessie
Halliwell, tratou milhares de pessoas que habitavam as proximidades
dos afluentes do Rio Amazonas entre o trecho de Manaus a Belém.
Acerca dessa experiência na Amazônia Halliwell escreveu dois livros o
Light Bearer to the Amazon (1945) e Light in the Jungle (1959), também é
homenageado no livro em português Leo Halliwell na Amazônia (1979),
escrito por Olga Streithorst a partir do destaque das duas obras em
inglês, com acréscimos de sua experiência ao lado dos Halliwell. Nos
três livros aparece uma Amazônia complexa: ora um “Paraíso Perdido”,
cuja beleza de flores, pássaros, paisagens e cuja sinfonia de sons saltam
aos sentidos do leitor; ora um “Inferno Verde”, uma Amazônia que arde
na febre das epidemias de malária, que assolava os povos da Amazônia
nos anos de 1930 e 1940. Para isso, fez-se uma exegese seguida de uma
hermenêutica crítica, conforme Paul Ricoeur em seu livro Hermenêutica
e ideologias e alguns pontos da obra Verdade e método de Hans-Georg
Gadamer. A originalidade de Halliwell está em que ele construiu a
própria embarcação em 1931, a Luzeiro I, e foi descrevendo em forma de
crônicas e diários sua experiência de minorar o sofrimento dos
Diogo Gonzaga Torres Neto • 79

ribeirinhos e indígenas, tendo como pano de fundo uma natureza


selvagem, com onças, jacarés, piranhas, cobras e vastos rios que mais
pareciam labirintos. Halliwell e sua esposa tiveram reconhecimento da
República Federativa do Brasil e da mídia internacional da época por
sua relevante obra médica e religiosa na Amazônia.

1. INTRODUÇÃO

Leo B. Halliwell nasceu em 15 de outubro de 1892, em Odessa, no


Estado de Nebraska. Ele e sua noiva, Jessie Rowleys, convertem-se ao
adventismo entre anos de 1915 e 1916, após assistirem a várias
conferências sobre o retorno de Cristo à Terra, e resolvem deste então
dedicar-se, pelo resto de suas vidas, a ajudar as pessoas que mais
precisavam da cura física e “da alma”.
Após terminarem seus estudos superiores no ano de 1921, tendo-se
graduado Leo Halliwell em Engenharia Elétrica e sua esposa em
Enfermagem, o casal Halliwell aceita um chamado 48 para vir trabalhar
no Brasil, na Região Noroeste (atualmente regiões Norte e parte de
Nordeste), onde havia apenas três membros de sua confissão. Por volta
do ano de 1928, o casal Halliwell recebe a incumbência de iniciar a base
da Missão 49 na Região Norte do Brasil. Em uma viagem à Bacia
Amazônica, com a finalidade de exploração missionária, ficou
consternado com tamanha pobreza, “superstições” 50 e doenças que

48 Nome dado, no âmbito administrativo dos adventistas, a um convite para trabalhar para a organização,
passando o mesmo a possuir status de missionário (ou obreiro) e posteriormente de aspirante ao ministério
(nome dado aos missionários que não eram ordenados como pastores).
49 Missão é o nome dado à estrutura administrativa de pequeno porte, no âmbito da Igreja Adventista, que
serve de suporte aos missionários e pastores. É a representação da pessoa jurídica da igreja na localidade.
50Hábitos e costumes derivados dos ensinos dos pajés e outras formas de curandeirismo muito comuns nas
descrições entre os diversos relatos missionários na região.
80 • O Adventismo no Brasil

dizimavam populações inteiras, desde os “nativos” até aos “ribeirinhos”


na região.
No ano seguinte angariou fundos, projetou e ajudou na fabricação
da lancha médica que foi batizada de Luzeiro I, na qual pilotaram, por
cada um dos quase trinta anos, mais de doze mil milhas fluviais entre
Manaus e Belém, principalmente tratando comunidades inteiras da
Amazônia, tendo chegado a atender mais de cinquenta mil pessoas. Tais
esforços de minorar o sofrimento dos povos da Amazônia renderam-
lhes a mais alta condecoração brasileira, A Comenda da Ordem do
Cruzeiro do Sul, além de duas matérias internacionais na revista
Reader’s Digest, em 1956 e em 1959. O preâmbulo da edição de 1959
ressalta: “Em contraste com a dos Halliwell, que vidas sem significados
vivemos alguns de nós! Por vinte e cinco anos trabalharam numa clínica
flutuante, levando medicamentos aos habitantes das selvas brasileiras”
(STREITHORST, 1979).
Dessa experiência de trinta e seis anos de serviço missionário
protestante, trinta foram dedicados ao trabalho pioneiro da lancha
médico-missionária Luzeiro I, que navegou pelos “labirintos, misto de
selva e água”. A Amazônia descrita por Halliwell nesses trinta anos,
iniciados em meados de 1928 e finalizados com sua passagem de
comando da Luzeiro em 1958, inspirou o surgimento de duas obras
autorais. A primeira, publicada em Nashville no ano de 1945 e seguindo
a metodologia de relatórios missionários, que lembram um pouco os
diários de campo feitos por antropólogos, ressaltava as dificuldades
vividas pelos povos da Amazônia. A segunda obra, Light in the Jungle,
publicada em New York em 1959, um ano após o retorno para os Estados
Unidos, retrata um Halliwell mais experiente, não mais na Amazônia
fisicamente, mas da Amazônia contida na saudade, cujos ribeirinhos
Diogo Gonzaga Torres Neto • 81

carecem de ajuda. Em outras palavras, trata-se mais de um livro de


memórias, carregadas de desafios, aventuras e curiosidades, para que,
se possível, pudesse incendiar o espírito e o amor dos jovens para com
os semelhantes, incentivando assim novos voluntários para os serviços
missionários. O casal Halliwell, por essa ocasião, não ficou sozinho entre
os rios da Amazônia; seu exemplo inspirou a vinda de mais voluntários,
e logo já havia uma frota de lanchas, com pastores, médicos e outros
profissionais. Em 1979, a editora Casa Publicadora Brasileira lança o
livro intitulado Leo Halliwell na Amazônia, de autoria da missionária
Olga S. Streithorst, que foi testemunha ocular das viagens do casal
Halliwell, além de ter recebido a importante missão de dar continuidade
aos trabalhos médico-missionários junto às populações da Amazônia,
por ocasião da aposentadoria do casal e seu consequente retorno aos
Estados Unidos.
O presente artigo é um exercício hermenêutico com a finalidade de
analisar as interpretações sobre a Amazônia escritas em dois livros
publicados nos Estados Unidos, ou seja, trata-se relatos que devem ser
entendidos em seu contexto e não podem ser considerados como
verdade absoluta, uma vez que se trata de uma visão de mundo. Porém
tais relatos trazem a possibilidade de novas hermenêuticas e
aproximações com o pensamento social.

2. UMA VOZ

O presente texto busca apresentar ao leitor a Amazônia como um


projeto de mundo da obra em dois momentos. O primeiro como centro
da questão hermenêutica crítica segundo proposto por Ricoeur (2008),
de onde partiu a hermenêutica inicial e nossa argumentação de quatro
82 • O Adventismo no Brasil

partes: a) a linguagem como discurso em Halliwell; b) o discurso de


Halliwell como obra; c) da possibilidade de separação da fala e escrita de
Halliwell; d) mundo do texto e o compreender-se diante da obra. Dessa
forma buscou-se a priori destacar e conectar (quando possível) outros
horizontes humanos (filosofia, história, arte, religião e cultura) que se
relacionam e se complementam, a fim de trazer à tona um pensamento
social na Amazônia sob uma perspectiva protestante norte-americana
(horizonte cultural simbólico e histórico), contido nas obras Light Bearer
to the Amazon (1945) e Light in the jungle (1959), ambas de autoria de Leo
B. Halliwell.
O resultado foi um texto de primeiro nível, que deverá ser
distanciado (a influência da intenção do autor). Segundo Ricoeur (2008,
p. 55), “sem dúvida é esta abolição do caráter mostrativo ou ostensivo da
referência que torna possível o fenômeno que denominamos de
‘literatura’, onde toda referência à realidade dada pode ser abolida”, pois
tal rompimento do texto com a referência do primeiro nível é que
permite ao presente texto assumir uma referência de segundo nível:
uma finitude hermenêutica para se poder interpretar a Amazônia de
Halliwell e depois transpô-la para um texto preliminar, para se ter um
constante interpretar até que os conceitos utilizados deixem de sê-los
e, ao longo da comunicação, sejam substituídos por uma representação
adequada, conforme propõe Gadamer (2005), qual seja, que aquele que
quer compreender e fazer uma interpretação correta tem de se proteger
da arbitrariedade e voltar seu olhar para as coisas elas mesmas.
Acerca da hermenêutica da finitude de Gadamer, afastaram-se da
linguagem e da escrita os elementos teológicos contidos nos escritos de
Halliwell, com a finalidade de encontrar a Amazônia descrita por ele no
período de 1928 a 1958. Com base nas considerações do Prof. Dr. Renan
Diogo Gonzaga Torres Neto • 83

Freitas Pinto, professor da disciplina Formação do Pensamento Social


na Amazônia, aproximou-se da finalidade de escapar da caixa das
opiniões prévias, renovando-se a exegese e mantendo-se um constante
interpretar, até que permaneça a essência, pois dar voz a Halliwell é
reconhecer o ser ontológico e reconhecer a possibilidade de o outro ter
direito, sendo esses reconhecimentos o cerne da hermenêutica, pois se
reconhece a estrutura ontológica do homem histórico (GADAMER, 2005,
p. 46).
Além das duas obras em inglês anteriormente mencionadas,
consultou-se em língua portuguesa o livro Luzeiros, de autoria de
Abdoval Cavalcanti, que retrata a história e a metodologia dos
adventistas de evangelizar por meio de lanchas missionárias os povos
que moram junto aos rios do Brasil, levando-lhes tratamento médico
gratuito e seus ensinos de hábitos de vida saudável. Consultou-se ainda
uma obra tardia de uma testemunha dos Halliwell: o livro de Streithorst
(1979), que escreveu uma biografia a partir de sua convivência com o
casal Halliwell na Amazônia; a obra inclui uma autobiografia do próprio
Halliwell e dá vozes a outras testemunhas oculares na Amazônia, sem
contar a participação dos filhos de Halliwell, de quem recebeu a
mencionada autobiografia bem como o relato acerca dos seus últimos
dias de vida.

3. AMAZÔNIA DESCRITA A HALLIWELL

O casal Halliwell, que falava apenas o inglês norte-americano,


chegou ao Brasil em 1921 e ficou sete anos na Bahia, onde pôde
familiarizar-se com a língua portuguesa. Anteriormente, como todo
missionário, acercou-se de toda a literatura disponível sobre a
84 • O Adventismo no Brasil

Amazônia. Assim percebemos não somente uma, mas uma


multiplicidade de vozes que ecoam da literatura internacional, até de
obras que fazem referência aos primeiros navegantes e exploradores do
rio das amazonas e da Amazônia em si, descritas por missionários como
Samuel Fritz e João Daniel. Observam-se principalmente referências
indiretas à obra de outro engenheiro, o Sr. Alberto Rangel (Inferno Verde,
1908), que retrata as relações do homem amazônico com a floresta e as
dificuldades, chamadas de aspectos infernais.
Tais aspectos do “inferno verde” contribuíram para que Halliwell
entendesse e interpretasse alguns costumes e aspectos culturais das
populações da Amazônia, fazendo a posteriori em seu livro de 1959 a
descrição de sua percepção e interpretação da Amazônia. Cabe salientar
que interpretar mediante um método hermenêutico é dialogar com as
representações de escritores e narradores e buscar a essência da
originalidade da literatura, neste caso de Halliwell, de distanciar da
mera reprodução dos discursos literários sobre a Amazônia. Ao se fazer
a exegese do texto, é feita antes a exegese das coisas, e essas coisas são
as manifestações da Amazônia em sua complexidade, que está
explicitada na escrita, diferentemente do falar, pois “enquanto o falar
remete ao homem falante, o dizer remete às coisas ditas” – neste paper,
ditas e escritas para Halliwell e a posteriori por Halliwell (RICOEUR,
2008, p. 41).
Encontram-se nos discursos e escritos de Leo Halliwell alguns
termos derivados de diversos escritores, narradores, pesquisadores,
antropólogos e cronistas, o que demonstra que ele se preparou para
adentrar a região amazônica e era conhecedor de uma vasta literatura
tida por universal sobre a localidade. Os conhecimentos técnicos
tributários de sua formação superior em Engenharia Elétrica, além de
Diogo Gonzaga Torres Neto • 85

vasto conhecimento naval adquirido ad hoc para navegação dos rios da


Amazônia, o ajudaram na projeção e execução da embarcação médico-
missionária chamada de LUZEIRO I. Fez curso básico para tratamento
de doenças tropicais e, mesmo sem formação médica, juntamente com
sua esposa, a enfermeira Jessie Halliwell, salvou a vida de milhares de
pessoas que habitavam os “labirintos verdes” do organismo complexo e
vivo da Amazônia. Cabe salientar que na Amazônia tudo está
intrinsecamente ligado, “[…] fazendo parte desse organismo complexo.
Entendê-lo é perceber a ciência como um conjunto interdisciplinar e
interativo, que busca na biologia, na físico-química, na antropologia e,
assim por diante, uma voz única para a compreensão do homem e de
seu habitat.” (PEDROSA, 2013).
Cabe salientar que o uso de conhecimento da engenharia não é
nenhuma novidade na Amazônia. Os primeiros missionários católicos
também utilizaram técnicas aprendidas na Europa, combinadas com o
conhecimento indígena, para cultivar grãos e levar água aonde bem
quisessem, dando origem às cidades da Amazônia. Foi nessas cidades,
vilas ou comunidades que Halliwell desenvolveu seu trabalho
missionário, navegando pelos rios da Amazônia e mostrando ainda a
ideologia protestante de prosperidade, crescimento econômico e
liberdade, conforme indicada por Hegel apud Pinto (2008):

“Na América do Norte vemos uma grande prosperidade baseada no


crescimento da indústria e da população, na ordem civil e na liberdade Toda
a federação constitui um só Estado e tem um centro político. Em
compensação as repúblicas sul-americanas se baseiam no poder militar; sua
história é uma contínua revolução. Estados que estavam antes federados se
separam, outros que estavam desunidos se reúnem e todas essas mudanças
são seguidas de movimentos militares. Se considerarmos mais detidamente
86 • O Adventismo no Brasil

as diferenças entre as duas partes da América, encontramos duas direções


divergentes na política e na religião. A América do Norte, ainda que cheia
de seitas, é em conjunto protestante. Outra diferença é que a América do
Sul foi conquistada, enquanto que a do Norte foi colonizada”. (PINTO, 2008,
p. 40).

De posse das informações oficiais e literárias repassadas ao casal e


cientes da dificuldade que encontrariam ante a resistência católica, no
ano de 1928 Halliwell e sua esposa partiram para seu destino. Sua
primeira impressão foi que navegar pela Amazônia era como estar num
labirinto misto de selva e água. Diante disso, o casal muniu-se de
informações geográficas acerca da área de 4.273.689 quilômetros
quadrados na qual iria trabalhar. Descobriu que o Rio Amazonas,
principal rio da região, era um rio poderoso, mas o que o deixou mais
perplexo era que ele nascia em um local desconhecido no Peru, com uma
pequena vertente que se alimentava do desgelo dos Andes, onde recebia
o nome de Maranhão. Ao entrar na Amazônia brasileira seu nome
mudava para Solimões; em Manaus se encontrava com o Rio Negro,
provocando um fenômeno conhecido como encontro das águas, e
formava um caudaloso rio, o Amazonas, com extensão de 5.904
quilômetros. Quanto à sua profundidade, calculava-se à época que sua
variação ficava em 300 metros na região do Solimões e 75 metros no
encontro das águas, sendo na foz do Xingu sua largura chega a 13.000
metros de uma margem a outra (STREITHORST, 1979).
Outros aspectos geográficos da Amazônia passados a Halliwell
(1945) e também mencionados por Streithorst (1979) seguem à maneira
costumeira de organização dos livros de geografia da época: a linha do
Equador, que passa na região, em Macapá, capital do Estado do Amapá;
o clima que se manifesta em duas estações, sendo seis meses de seca e
Diogo Gonzaga Torres Neto • 87

seis meses de chuva; “as chuvas [que] caíam à hora certa cada dia e os
encontros eram marcados tomando-se como base a vinda da chuva –
antes ou depois dela”; sem contar a umidade intensa e o calor
respeitável.
A população possui a pele “amorenada” porque foi “tostada pelo
sol”; cabelos e olhos negros, estes em formato amendoado, em virtude
da mestiçagem com índios de incontáveis tribos indígenas. Costumam
usar redes para dormir em vez de cama; por existirem muitos rios, não
há necessidade de infraestrutura por parte do Governo,

[…] porque a população vive às margens dos rios e usa a canoa como meio
de transporte e comunicação. As famílias possuem canoas de tipos e
tamanhos diferentes, em lugar de carros e caminhões, as grandes avenidas
para transitarem são os rios. As ruas são os paranás, as vielas são os furos,
pois não tem saída; os lagos são as praças. (STREITHORST, 1979, p. 46).

Anos mais tarde, descrições como esta influenciariam


compositores da região amazônica, como Paulo André Barata, que as
traduziu na canção Esse Rio é Minha Rua. Os rios são muitas vezes
contaminados pela extração de diversos minérios do solo amazônico,
como ouro, ferro, manganês, mercúrio, sal-gema, mica, cristais,
petróleos; todavia, as águas sempre possuem um domínio sobre os
modos de vida na Amazônia, como destaca Tocantins (2001):

O rio, sempre o rio, unido ao homem, em associação quase mística, o que


pode comportar a transposição da máxima de Heródoto para os condados
amazônicos, onde a vida chega a ser, até certo ponto, uma dádiva do rio, e a
água uma espécie de fiador dos destinos humanos. Veias do sangue da
planície, caminho natural dos descobridores, farnel do pobre e do rico,
determinante das temperaturas e dos fenômenos atmosféricos, amados,
odiados, louvados, amaldiçoados, os rios são a fonte perene do progresso,
88 • O Adventismo no Brasil

pois sem ele o vale se estiolaria no vazio inexpressivo dos desertos. Esses
oásis fabulosos tornaram possível a conquista da terra e asseguraram a
presença humana, embelezaram a paisagem, fazem girar a civilização –
comandam a vida no anfiteatro amazônico. (TOCANTINS, 2001, p. 278).

A variedade de fauna, flora e alimentos é enorme, em virtude do


ciclo de cheias o solo fica adubado pelo húmus trazido pelas águas.
Segundo Streithorst (1979) Halliwell foi informado que a exuberância é
de fazer inveja aos países do norte. Árvores gigantes em largura e altura,
havendo mais de vinte mil espécies catalogadas. A banana é a fruta mais
utilizada na região dos trópicos. É regra haver peixe e farinha à mesa
dos povos do interior da Amazônia, e a carne e o leite de origem bovina
são de difícil acesso. Apesar da variedade de vegetais, existe
subnutrição, pois as frutas e verduras são pouco ingeridas, e “as
crianças recém-nascidas já são alimentadas com papa de farinha de
mandioca que só contém amido e assim ficam carentes de proteínas tão
necessárias ao desenvolvimento” (STREITHORST, 1979, p. 46).
O lado ruim, caso desejassem realmente permanecer na Amazônia,
é que teriam que enfrentar a diversidade de mosquitos transmissores
de doenças como a malária e a filária, além de febres de causas ainda
desconhecidas. Além disso,

[…] teriam ainda que beber água do rio, infestada de impurezas, e comer a
farinha de mandioca com peixe, principalmente o pirarucu salgado;
possivelmente teria encontros inesperados com animais ferozes e
traiçoeiros; trocaria a cama pela rede, onde até agora lhe parecia ser
impossível dormir, suportaria o calor escaldante dos trópicos; estaria
sujeito a tempestades inclementes durante as travessias em frágeis canoas;
encontraria oposição por parte do catolicismo e da pajelança.
(STREITHORST, 1979, p. 47).
Diogo Gonzaga Torres Neto • 89

Diante do cenário descrito ao missionário, só lhe restou dizer: “o


que é isto em comparação com o que Jesus sofreu por mim? Os
habitantes dessa região também necessitam do Evangelho, porque são
filhos de Deus. Alguém deve fazer este trabalho e este alguém sou eu,
porque Deus me chamou.”
O protestante Halliwell intentava, à maneira dos missionários
jesuítas, realizar “um trabalho de civilização e cristianização das
populações nativas”. Da mesma forma como há registros nos diários de
viagens missionárias dos jesuítas, os protestantes também registram as
paisagens e seus elementos típicos, os fenômenos naturais e seus efeitos
(danosos, na maioria) nas populações da Amazônia, além das situações
de hostilidade e fraternidade entre os índios, e a presença de animais
selvagens e outras feras das matas e dos rios (PINTO, 2008, p. 22-23).
Mas a realidade vivida por Halliwell e sua esposa foi muito maior
que as dificuldades descritas. O casal Halliwell encontrou uma
Amazônia como um inferno verde, onde as pessoas disputavam o espaço
com a natureza, ao lado de feras e doenças tropicais, que quase sempre
viravam epidemias devido à falta de assistência médica, dentre as quais
malária, tracoma, varíola e outras derivadas das condições de vida
ribeirinha da época.

4. A AMAZÔNIA VIVIDA POR HALLIWELL

Os livros escritos por Halliwell (1945 e 1959) e Streithorst (1979)


retratam as histórias próprias e testemunhadas por várias pessoas
acerca da experiência vivida pelo casal de missionários adventistas
norte-americanos Leo e Jessie Halliwell, que fundaram as primeiras
missões adventistas e praticamente inauguraram os serviços médicos e
90 • O Adventismo no Brasil

as conversões dos primeiros brasileiros da Amazônia, nas cidades


construídas próximo aos rios desde o alto Rio Negro até a foz do Rio
Amazonas, no Pará.
Leo B. Halliwell, ao escrever suas experiências em seus dois livros,
registra suas intervenções mediantes tratamentos médicos
contribuindo com a cura do corpo e como pregador, com a cura da alma,
além de legar-nos uma descrição do interior da selva Amazônica desse
período, principalmente quando se trata de localidades ao longo do Rio
Amazonas. Ao isolar os aspectos eclesiásticos contidos nos livros
teremos, ao mesmo tempo, um “paraíso perdido” e um “inferno verde”.
Seus relatos mostram certa academicidade, mas uma grande dificuldade
de classificar a Amazônia em áreas. Em 1945, Halliwell tenta escrever
sobre e descrever sua realidade amazônica por seções; mas em 1959, um
ano após sua jubilação da Amazônia, retrata uma Amazônia na forma de
conto e causos vividos, onde se entrelaçam numa espécie de rede as
várias lendas, ciências, costumes e natureza selvagem. Streithorst
(1979), por seu turno, escreve um livro em língua portuguesa, para
manter viva na literatura e na memória da Igreja Adventista 51 a ação
missionária entre os adventistas brasileiros; trata-se de um livro que
ressalta as mais perigosas e cômicas situações vividas pelos Halliwell
em virtude do choque cultural, na visão da autora.
Ao se proceder a uma exegese dos dois escritos de Halliwell e do de
Streithorst, seguida de uma hermenêutica desses três livros à maneira
de Ricoeur (2008), percebe-se que o pano de fundo é a indomável
floresta, majestosa, de “pássaros pipilantes e aves multicores, cujos rios
seriam os maiores desafios, pois teriam que beber da água do rio,

51 O livro de Streithorst (1979) não é mais publicado.


Diogo Gonzaga Torres Neto • 91

infestada de impurezas”, e de revoadas de mosquitos transmissores de


doenças tropicais, rios esses que formam diversos labirintos de ilhotas,
muitas delas ainda inabitáveis pelo homem, as quais se misturavam com
diversos paranás e igarapés que formam o grande Rio Amazonas, cujos
mitos – se não todos, ao menos alguns – foram registrados pelo
missionário. Halliwell (1945) informa que as narrativas sobre a
formação do rio são “interessantes e belas”, e Olga Streithorst (1979)
ouviu do próprio pastor Halliwell a história contada pelos indígenas da
Amazônia de que certa vez

[…] o Sol e a Lua se encontraram justamente à tardinha, ao pôr do Sol, há


muitos anos no passado. A Lua enamorou-se do Sol pelo seu brilho, poder e
esplendor, mas o Sol desprezou o amor da Lua e desapareceu da Terra,
deixando-a sozinha na escuridão da noite. Ela, desapontada e triste,
começou a chorar e suas lágrimas caíam incessantemente sobre o nosso
Continente, e assim se formou o grande rio-mar. (STREITHORST, 1979, p.
45).

Halliwell escreve seu primeiro livro durante o último ano da II


Guerra Mundial e o publica ainda em 1945 sob o título Light Bearer to the
Amazon (Luzeiro para Amazônia, em tradução livre) pela editora
adventista norte-americana, com a finalidade de incentivar novas
doações para os serviços missionários na Amazônia. O autor escreve à
maneira dos antropólogos e darwinistas, descrevendo em capítulos as
suas percepções acerca da flora, fauna, rios, economia, pessoas e
costumes. Diante da complexidade da Amazônia, o autor dá voz aos
“esquecidos” nessa região denominada em muitas literaturas e que
também fora descrita a ele como um “paraíso perdido”, mas vivida na
intensidade de um “inferno verde”. Cabe salientar que ambas as
realidades mencionadas foram vividas pelos autores a partir da
92 • O Adventismo no Brasil

embarcação batizada de Luzeiro I. Esta foi projetada após o casal


Halliwell ser indicado para administrar a Região Norte do Brasil no
âmbito eclesiástico de sua denominação, o que aceitaram de bom grado.
Halliwell fez uma viagem para conhecer a realidade das pessoas que
habitavam ao longo do Rio Amazonas e afluentes.

Fig. 1. Viagem tradicional de barco no Amazonas.


Foto: Günter Hengel, in impressões da Amazônia, 2015.

Descreve que suas primeiras viagens ao interior da Amazônia eram


feitas em pequenos navios a vapor, num desconforto total; não
possuíam camarotes; os passageiros deviam levar suas redes, podendo
armá-las onde lhes conviesse, por isso às vezes essas embarcações eram
chamadas de “gaiolas”; não havia segurança, e todos os passageiros, não
importando sua índole ou classe social, viajavam sob a mesma condição.
Porém os navios gaiolas não iam a todos os lugares; assim, Halliwell
tinha que contratar o serviço dos canoeiros para levá-lo pelos afluentes
e caminhos que pareciam não ter fim. Streithorst (1979) ressalta que
Diogo Gonzaga Torres Neto • 93

certa noite, em meio aos rios, Halliwell teve um insight que sua esposa
achou extravagante e inviável: construir uma lancha exclusivamente
capaz de viajar tanto pelos grandes rios quanto pelos pequenos; assim
poderiam levar a pregação do Evangelho, pelo lado espiritual, e os
medicamentos, para tratar as doenças do corpo de forma gratuita a
quem precisasse.
Halliwell era engenheiro e com seu conhecimento científico
desenhou e projetou cada detalhe da embarcação. Em 1930 viajou para
os Estados Unidos, onde proferiu diversas conferências e palestras,
angariando fundos suficientes para a construção da Luzeiro I, que
possui 11 metros de cumprimento, por 3,5 metros de largura, e um
calado de 85 centímetros; a parte externa do fundo possui um formato
de VV, o que lhe permitia na baixa das marés ficar firme e fazer os
devidos reparos no casco quando necessário. A descrição da embarcação
é feita, aqui, no presente em virtude de esta, após mais de oitenta anos,
estar no museu da Faculdade Adventista da Amazônia, ainda intacta
desde sua viagem inaugural. Mestre Afonso foi contratado por ser o
maior construtor naval da localidade e um expert em madeiras da região.
Para sua construção, encomendavam-se em “árvores”, em virtude do
transporte, que era feito em “jangadas”: um tronco amarrado ao outro,
puxados por um “motor” até o estaleiro, onde seriam serradas em
tábuas. Para a quilha foi usada pau-d’arco; as falcas seriam de oito
árvores de itaúba; doze árvores de piquiá para o cavername; para o
acabamento interno foram encomendadas seis árvores de cedro. A
itaúba teve que ser cerrada no local, por ser muito pesada e não flutuar.
Cabe destacar que Mestre Afonso nunca tinha construído um barco tão
grande e diferente; chegou a duvidar se flutuaria, pois tinha uma proa
94 • O Adventismo no Brasil

projetada para cortar as águas, o que consequentemente aumentava a


velocidade de navegação.
Foi batizada no dia 4 de julho de 1931, com uma garrafa de guaraná,
recebendo o nome de Luzeiro I. Mestre Afonso foi a primeira pessoa a
receber as congratulações, irradiava de alegria, e todos os quarenta
presentes entraram na embarcação para um passeio ao redor de Belém.
Assim, a embarcação seria “a clínica, consultório, sala pastoral e de
aconselhamento, onde as pessoas iriam buscar alívio para os seus
sofrimentos físicos e espirituais”, bem como o meio pelo qual os
Halliwell levariam o Evangelho às longínquas regiões da hileia
amazônica (STREITHORST, 1979, p. 55).

Fig. 2. Luzeiro I, construída em 1931 para serviços médico-missionários na


Amazônia. Fonte: Halliwell, 1945.

Na primeira viagem da Luzeiro, Halliwell (1945) descreve que no


primeiro sábado, quando descansava sua embarcação às margens do Rio
Trombetas, tributário do Rio Amazonas, sob a sombra de uma frondosa
árvore, entoavam um cântico religioso, interrompido quando uma
canoa encostou no barco, cujo remador “tinha as faces pálidas
demonstrando sinais de dor e sofrimento […] contou que toda a sua
família estava doente de malária. Pediu que fossem até a sua casa,
Diogo Gonzaga Torres Neto • 95

porque os doentes não podiam ir até a lancha para medicar-se porque


estavam muito fracos”. Streithorst (1979), ao detalhar esse episódio,
enfatiza que o quadro encontrado pelo missionário foi “estarrecedor e
comovente” e que, ao adentrar a casa coberta de palha, cujas paredes
eram feitas de barro, ele e sua esposa divisaram a seguinte cena:

[…] uma enorme sala tendo ao centro uma grande e forte coluna de madeira,
ou seja, um esteio que ia do chão ao teto. Havia vinte e uma redes presas a
este esteio, no centro, e as outras pontas das redes estavam presas às
paredes laterais, dando a ideia de uma roda com seus raios. Dentro de cada
rede estava um doente, e algumas delas balançavam, impulsionadas pela
febre elevada que fazia os doentes tremerem “como vara verde”, diziam
eles. Outros estavam molhados de suor frio que denunciavam estarem
5livres da febre por aquele dia, ao menos. Porque, se não fossem medicados,
ela voltaria com maior veemência no dia seguinte, ou dois dias depois, ou
mesmo três dias após. (STREITHORST, 1979, p. 66-67).

Halliwell (1945) ao investigar a origem da malária na Amazônia,


ressaltou em seu primeiro relato que mais de dois milhões de pessoas
viviam ao longo dos rios da região, e parte significativa dessas pessoas
seria picada pelo mosquito que transmite a febre malária. Ainda
segundo Halliwell, a epidemia de malária na Amazônia adveio da
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) 52, que fora
construída na foz do Rio Madeira: “para cada travessa de madeira
colocada ao longo da estrada de ferro, a febre levava uma vida humana”.
Esse era o cenário da malária (também conhecida como
impaludismo, maleita ou febre maligna) e era o que mais devastava as

52 As obras da EFMM foram executadas entre 1907 e 1912. Estendeu-se por 366 quilômetros na Amazônia,
ligando Porto Velho a Guajará-Mirim, cidades fundadas pela EFMM, com a finalidade de escoamento das
borrachas boliviana e brasileira. Teve papel estratégico durante a II Guerra Mundial, mas decaiu seu uso com o
armistício. Em 25 de maio de 1966 foi desativada, sendo o trajeto substituído por duas rodovias federais, as
atuais BR-425 e BR-364.
96 • O Adventismo no Brasil

comunidades no interior da Amazônia. Após medicar todas as vinte e


duas pessoas daquela família, os missionários passaram a medicar
também toda a vizinhança, que ficou sabendo do tratamento e,
reunindo-se no mesmo local, passou a receber a injeção dolorida, mas
que salvou a todos os daquela família e adjacências. No mesmo sábado,
Halliwell dirigiu-se à outra margem do rio, onde havia um templo da
igreja Batista que fora transformado provisoriamente numa “clínica”,
cujo líder acolhia a todos os doentes, sem ter muito que fazer e diante
do quadro de que a doença já havia dizimado grande parte da população
daquela localidade. No domingo à noite, às 22 horas, o paciente de
número 300 havia sido tratado com o auxílio do Pastor Brown. Durante
as injeções, algumas crianças gritavam “doeu, doeu, doeu!” Após esse
primeiro fim de semana de trabalho estafante, atravessaram um lago e
foram até o outro lado da margem, para contemplar a noite e ter um
merecido descanso – a temperatura elevada contribuía mais para o
cansaço – e assim o fizeram sob uma frondosa castanheira. Tudo estava
tranquilo: “os únicos sons que se ouviam eram os dos sapos em seu
coral, ao longo da praia ou do jato de água provocado pelos botos,
enormes peixes 53 comuns às águas amazônicas (STREITHORST, 1979, p.
68).
Na manhã seguinte, às seis horas, o sol despontava com toda a sua
potência. Não puderam manter-se na cama por mais alguns minutos,
porque foram despertados pelo cantar de um pássaro que gritava “doeu,
doeu, doeu”, o que deu um susto no Pastor Brown, que achou que toda a
natureza estava com malária e, com medo, pediu para ir embora daquele
lago o mais rápido possível, pois toda a natureza clamava contra a febre.

53 Por seu formato e habitat, o boto é descrito pela autora como um peixe; no entanto, trata-se de um mamífero
cetáceo.
Diogo Gonzaga Torres Neto • 97

Antes de partirem, com cuidado reparou que era uma ave que, antes de
voar, cantou mais uma vez “doeu, doeu, doeu”. Provavelmente um
papagaio ouvira o choro das crianças durante a vacinação (HALLIWELL,
1945, p. 13).
Ainda na década de 1930, quando procuravam um ponto de
pregação, escolheram uma casa. Na região grassava uma epidemia de
varíola, e vacinaram 250 pessoas, além de tratarem de outros doentes
naquele mesmo dia. Atuaram com medicamentos no combate ao
tracoma, um tipo de conjuntivite causada por bactéria, que pode levar à
cegueira e era tratado à época com sufatiazol, medicamento indicado
apenas para minorar o sofrimento, mas que na maioria das vezes curava
totalmente.
A natureza era feroz, na visão de Halliwell. Jacarés, cobras e onças
ganharam destaque em suas memórias, ao lado da beleza das aves da
Amazônia, dentre elas araras e tucanos. Certa vez, quando navegavam
pelo Estreito de Breves, que mais parece um labirinto de correntezas
que banham centenas de ilhas, relata que podiam ouvir o canto das
araras, que descreve como grandes pássaros de coloridos brilhantes,
que voam entre as palmeiras; encontraram também garças, que
cruzavam os rios em frente à lancha; e tucanos, com seus enormes bicos,
voando próximo à beira do rio; e aproximando-se mais podia-se avistar
um bando de macacos, que se assustavam com o barulho da embarcação
e se escondiam entre os arbustos, enquanto os missionários se dirigiam
a alguma comunidade.
98 • O Adventismo no Brasil

Fig. 3A. Galo-da-serra (Rupicola rupicola). Fig. 3B. Macaco-aranha (Ateles geoffroyi).
Foto: Günter Engel,00202015. Foto: Günter Engel, 2015.

Fig. 3C. Garça-branca (Casmerodius albus).


Foto: Günter Engel, 2015.

Era comum as pessoas da comunidade virem assistir às reuniões


para ouvirem o Evangelho. Certa noite, numa dessas pregações, as
pessoas chegaram ao recinto e em sinal de respeito deixaram os facões
fincados na madeira em um canto da sala. Quando o orador falava acerca
dos demônios e seus prodígios, eis que uma serpente venenosa desceu
do telhado de palha, ficando pendurada próximo ao rosto do pregador.
Então todos os homens pularam de seus assentos, pegaram seus facões
e, antes que a serpente acertasse o bote, um dos homens deu um salto e
decepou a cabeça da serpente a poucos centímetros do rosto do
pregador; o restante do corpo do animal, que media 1,80 metro, caiu.
Diogo Gonzaga Torres Neto • 99

Incidentes com serpentes e outros animais eram comuns na Amazônia;


Halliwell (1945) relata que

Muitas vezes enquanto viajava pela Amazônia, percebi que algumas pessoas
vinham para as reuniões e faltava um de seus pés. Um homem contou-me
sua triste e dolorosa experiência. Ele foi picado por uma bushmaster, que é
considerada a mais temida cobra no Brasil. Ela é chamada de surucucu na
língua portuguesa. Como eles não possuíam antídoto na ocasião, fizeram
uma fogueira e amarraram com uma corda o pé que fora picado colocando-
o em seguida sobre a chama até ficar completamente carbonizado. Este é o
tratamento comum para as picadas de cobra entre aqueles que vivem nos
lugares mais longínquos. Se a vítima não morrer pelo alto grau da
queimadura ou outra infecção, não sentirá mais o efeito do veneno.
(HALLIWELL, 1945, p. 18, tradução nossa).

Halliwell (1945) salienta que há uma diversidade de cobras na


Amazônia, sendo as cobras grandes (constritoras) as mais vistas e
faladas, responsáveis por vários relatos que se misturam aos mitos da
Cobra Grande. A anaconda, que na Amazônia é chamada de sucuri, vive
nos rios, próximo aos locais onde há raízes submersas das árvores que
crescem nos leitos escuros desses rios; juntamente com outra
constritora, a jiboia, formam a dupla de cobras grandes da Amazônia.
Em certa ocasião, uma missionária norte-americana resolveu passar
férias no atendimento aos ribeirinhos no Rio Amazonas, e quando ela e
o marido chegaram à Amazônia ficaram conhecendo a interessante
lenda da “Cobra Grande”. Carlota Baerg e seu esposo, John, ouviram dos
pacientes que elas realmente existem; a cada narrativa, o cumprimento
e a espessura iam aumentando, chegando a até 20 metros e à espessura
de um camburão de óleo diesel. Em uma das paradas da lancha, quando
visitavam os moradores, perguntaram se já tinham visto a “cobra
100 • O Adventismo no Brasil

grande”; a dona da casa, sem pestanejar nem perder tempo, informou


que não só tinha visto, como criava uma, e mandou o netinho procurá-
la; voltando, este informou que o réptil estava na cozinha. Streithorst
(1979) detalha que o desejo do casal em ver a “boiuna de prata” foi maior
que o temor de encarar o mítico animal; então os Baerg e os Halliwell
foram até a cozinha e

[…] para grande espanto de todos, viram a cobra enrolada, formando uma
enorme pilha como se fossem pneus, um em cima do outro, perto de 60 cm
de diâmetro. Ela media mais de três metros. A dona da cobra disse ser ela “o
gato da casa”, porque a jiboia pegava e comia todos os ratos que apareciam
dentro de casa. O pastor Leo quis pegar um pedaço de madeira para mexer
com ela, mas a senhora disse que não a molestasse porque era muito velha
e rabugenta. Acrescentou ainda que já tinha nove anos de idade e que
quando seus netinhos corriam ou faziam barulho em casa, a jiboia levantava
lentamente a cabeça uns 30 cm e emitia um som semelhante a “psiu, psiu,
psiu”. Estas cobras são tidas nas casas com muito cuidado e estimação,
porque são deveras úteis. E são respeitadas até pelas crianças!
(STREITHOSRT, 1979, p. 129).

Uma das utilidades observadas por Halliwell (1945) está ligada ao


costume de comerciantes ao longo dos rios, que acreditam que, para
atrair os clientes, devem manter em seus estabelecimentos uma caixa
de madeira com uma tela, posta sobre uma prateleira no canto do
recinto, com uma jiboia viva dentro, pois seu encanto atrairá as pessoas
para comprarem seus produtos. Para se proteger de picadas de cobras
ou de qualquer outra fera, costumam fazer colares ou pulseiras com
dentes de jacaré, sob a alegação de que a maioria daqueles picados por
uma cobra o fora porque não estava usando os dentes de jacaré como
amuleto (HALLIWELL, 1945, p. 29; HALLIWELL, 1959).
Diogo Gonzaga Torres Neto • 101

Fig. 4. Onça-pintada (Panthera onca).


Foto: Thomas Krüger, 2016, in <www.1zoo.me

Dentre as bestas da Amazônia, a mais temida é a onça. Halliwell


descreve que encontrou dois tipos: uma preta e outra vermelha de
manchas pretas. Em uma manhã, quando estava numa das margens do
Rio Amazonas, um nativo veio ao barco e lhe pediu emprestado o rifle
para caçar, pois sua família estava passando fome e precisava de uma
arma para derrubar um veado. Passado pouco tempo ouviu-se um
disparo; Halliwell esperou certo tempo e quando o “caboclo retornou, ao
invés de trazer um veado, carregava uma grande onça”. Ao descrever
como pegou o felino, disse que fora avisado pelo canto da cigarra e
outros insetos que havia uma onça ao derredor, e passou a descrever os
sons da floresta como uma forma de linguagem; percebeu que insetos,
pássaros e outros bichos o “informaram” de que ele se aproximava do
perigo, então avistou as marcas das unhas nos troncos; e quando a
cigarra intensificou o canto ele pôde avistar a onça atrás de um tronco
no momento em que esta se preparava para o salto, o que lhe deu tempo
de atirar na testa do animal. Halliwell (1959) explica que, a despeito da
escolaridade do caboclo, “ler” os sons da floresta e seus respectivos
102 • O Adventismo no Brasil

alertas, que para nós parecem apenas barulhos da mata, é o diferencial


entre a vida e a morte para quem vive no meio da selva.
Ao relembrar outros episódios sobre os sons, Halliwell (1959)
descreve os sons da noite. No capítulo “Um rio na noite”, faz referência
à sua experiência de dormir na Floresta Amazônica:

[…] a silenciosa escuridão foi quebrada por milhares de sons comuns à noite
amazônica, a estranha sinfonia que tinha se tornado tão familiar para nós,
geralmente nós não ouvíamos em todo o seu detalhe. Percebemos uma vasta
mistura de sons do gigante sapo-boi e barulho de peixe saltando, o som de
um macaco ou de pássaro, o grunhido repentino de jacaré que mais parecem
roncos ao respirar […] A melodia da escuridão sobre o rio era uma coisa
impressionante […] Um inseto cessa seu som, um pássaro se agita, o barulho
das folhas tropicais. O som alto ou baixo da floresta pode significar vida ou
morte. Viver neste grande rio (Amazonas) é aprender a viver pelos sons
instintivamente, antes mesmo de ouvi-los. (HALLIWELL, 1959, p. 5,
tradução nossa).

Nas várzeas, Halliwell (1945) avistou pequenos criadores de gado


nas várzeas, plantações de cacau e lagos cheios de peixes, em cujos
trechos de acesso podiam-se ver às vezes árvores “vestidas” de roupas
velhas (onde estas estavam penduradas). Certa vez avistou de perto uma
dessas árvores e perguntou acerca do significado desse costume entre
os seringueiros que moravam na região. Estes não tardaram em explicar
que, há muito tempo, não saberiam precisar quando, estava uma bela
noite de luar, conforme aquelas dos seus contos; eles olharam por entre
as árvores, próximo aos lagos, e lá viram várias iaras (sereias da
Amazônia) pedindo por roupas; e toda vez que passam pelo local hoje
denominado volta da Vira-Saia, deixam uma peça de roupa como
oferenda, tanto para não serem encantados, como para terem uma boa
Diogo Gonzaga Torres Neto • 103

coleta da borracha ou uma boa pesca. A oferenda dava tão certo, que em
certas vezes do ano os peixes pulavam dentro das embarcações, sem
precisar de anzóis. Halliwell muitas vezes testemunhou a piracema –
período que os peixes sobem o rio até a nascente para desovar – e
saboreou vários tambaquis que se jogavam dentro da Luzeiro I.
Um dos vegetais em abundância na Amazônia é um tipo de abóbora
local. A própria Sra. Halliwell podia preparar diferentes pratos de
abóboras para cada dia da semana devido à falta de alimentos de origem
animal em certos lugares mais distantes das comunidades, quando os
peixes ficavam escassos. Halliwell (1945; 1959) relembra que muitas
vezes, em agradecimento, as pessoas tratadas davam provavelmente o
único ovo que possuíam; outra vezes, por sorte, eram presenteados com
um cacho de banana. Certa vez ganharam um pedaço de carne de veado
e, mesmo não comendo carne de caça, aceitaram para não fazer desfeita;
mais à frente encontraram uma mulher que trazia em sua canoa um
cacho de bananas bem maduras e lhe propuseram a troca; a mulher
achou vantajosa a troca da carne pela fruta, pois a carne renderia muitos
dias de alimento para seus filhos, que estavam passando fome. Assim
como os seringueiros, os Halliwell tiveram que se adaptar ao ambiente
quente e ao pouco alimento, aprenderam a conhecer as plantas que se
podiam comer, entre elas a cassava (mandioca), que deveria ser
processada para ficar livre das substâncias venenosas e com a qual se
podiam depois preparar dois tipos de farinhas (seca e d’água) e uma
iguaria deliciosa, a tapioca, cuja goma era misturada com a noz da
Amazônia; a castanha-do-brasil (ou castanha-do-pará), que se comia
com uma bebida chamada açaí, geralmente em uma tigela de cuia.
Halliwell (1945) tomava o açaí misturado com farinha ou açúcar, às vezes
misturado com banana.
104 • O Adventismo no Brasil

Acerca da banana, cabe salientar que a Amazônia daquela época já


era um lugar onde se podiam encontrar mais de dez variedades desse
fruto tropical: banana-ouro, a mais deliciosa delas, segundo Halliwell, e
com formato que era semelhante aos dedos humanos; banana-grande
(duas a três frutas por penca), banana-de-são-tomé, banana-roxa
(deliciosa quando assada). Outro fruto de ouro na região era o mamão,
cujas folhas eram usadas para se fazerem emplastos em feridas e,
quando preparadas como chá, eram um bom vermífugo; o fruto
propriamente dito era de sabor único, extremamente doce. Nas regiões
próximas a Manaus, podia-se servir de laranjas e toranjas (laranja
vermelha), que eram pouco apreciadas na cidade nos anos 1940, e do
guaraná produzido no município de Maués, muito comum nas cidades
de Manaus e Belém e que serve como bebida cinco vezes mais
estimulante que a cafeína do café.
Ao descrever as cidades de Manaus e Belém, retratou que todos se
movem vagarosamente, por estarem próximo à linha do Equador.
Dentre as primeiras palavras que aprendeu em português na década de
1920 estavam paciência e amanhã. Certa vez precisou fazer um reparo no
motor e, ao chamar um mecânico, demonstrou, ao velho estilo norte-
americano, que queria resolver logo seu problema, ao que o mecânico
educadamente replicou: “Paciência, senhor; amanhã”. Dessa forma,
Halliwell entendeu que, na Amazônia, as pessoas aprenderam a
valorizar a vida, elas realmente alegravam-se em viver. Destaca que as
cidades fecham seus comércios e lojas das 11 horas da manhã até as 14
horas; é comum ver pessoas tirando uma soneca, chamada de “cochilo”
ou também de “siesta”. Ao invés de ouvir o “vamos logo, apresse-se” dos
Estados Unidos, por todo lugar ouvia-se a palavra “paciência” ou “é hora
do descanso”. Em Manaus, alguém até fixou um grande relógio próximo
Diogo Gonzaga Torres Neto • 105

ao porto, quando não os encontravam em todas as paredes das casas da


capital do Amazonas, para que ninguém perdesse a hora dos barcos e do
descanso (HALLIWELL, 1945).

Fig. 5A. Relógio Municipal de Manaus, importado da Suíça e implantado em


1927.
Fonte: Portal Amazônia.

Fig. 5B. Relógio Municipal de Manaus. Foto: Jorge Brazil, 2009.


Fonte: V Bulletin Skyscrapercity iphoto bucker.

Em 1931, os Halliwell tiveram seu primeiro contato com os índios


da Amazônia. Foi no Rio Maués; o tuxaua da tribo de nome idêntico ao
106 • O Adventismo no Brasil

do rio informou que os índios estavam muito interessados em adquirir


instrução para seus filhos e fez todos os preparativos para iniciar a
escola na vila Cinco Quilos 54. Então, a escola teve início e funcionava
durante os dias da semana; mas no sábado a escola era diferente –
estudavam a Bíblia Sagrada. Toda a tribo era convidada para essa aula
na Escola Sabatina, para ouvir a história de Jesus, dos anjos, do Céu, da
volta de Cristo, dos homens do passado, histórias até então
desconhecidas na cosmovisão sateré.
Em 1932, Halliwell visitou a tribo dos andirás, que habitava no
entorno do rio de mesmo nome, muitos deles eram acostumados a ver
canoas e no máximo uma canoa com toldo, mas uma lancha os assustou
a priori; todavia, ao ouvirem o som de uma música cantada por um
homem, que vinha do gramofone portátil, aproximavam-se; acharam
que a voz vinha de dentro da caixa de madeira e novamente fugiram. Os
Halliwell resolveram ficar mais um pouco nessa localidade; mais tarde
foram cercados pelos índios mais valentes e ouviram em português:
“Chefe quer ver cabeça homem dentro caixa”. O moço que estava com
eles achou que os índios queriam as cabeças deles dentro de uma caixa,
mas, quando os índios apontaram para a vitrola, os missionários
entenderam que o chefe queria ouvir a voz que saía da caixa do aparelho
e aproveitaram a oportunidade para pregar a história de Jesus. O tuxaua
estava ansioso pelo envio de um professor, para que tivessem uma
escola igual à dos seus irmãos do Rio Maués. Mais tarde foi feito o
preparativo para o envio do missionário Honorino Tavares,
acompanhado de sua esposa e de uma criança, cuja finalidade era

54 Um antigo tuxaua levou o látex extraído da seringueira para vender em uma cidade mais próxima. Ao pesar
a mercadoria, o comerciante disse: “Cinco quilos”. O índio, que não tinha noção do peso, ficou feliz ao receber
a soma em dinheiro e, ao voltar para casa, por achar bonito o som aos seus ouvidos, mudou o nome da vila
para Cinco Quilos (STREITHORST, 1979, p. 118).
Diogo Gonzaga Torres Neto • 107

alfabetizar os Mundurucus; assim ficaram por seis anos na vila chamada


Ponta Alegre.
Halliwell descreve a cerimônia de casamento entre os
Mundurucus, que requer muita bravura do noivo. O pretendente, antes
de se casar, fala primeiro com o pai da moça, depois com sua mãe e só
então com a moça, para depois passar pela cerimônia. A cerimônia é
mortal e chocante, se comparada com a nossa cultura. Consiste num par
de luvas feitas de palha, enfeitadas com penas de cores vivas e, em
média, umas oitenta formigas tucandeiras, cuja ferroada é altamente
venenosa e causa uma enorme dor – tanto que é preciso anestesiar as
formigas antes de colocá-las nas luvas. As mãos do noivo são colocadas
nas luvas, e as formigas começam a picar impiedosamente. O noivo não
pode demonstrar dor nem chorar; seus braços ficam inchados e
enormes. Superado esse ritual, a moça e o moço são considerados
maridos e mulher, as luvas são penduradas na parede da sala e são
consideradas como certidão de casamento. Halliwell desejou certa vez
adquirir um par das referidas luvas; pediu ao chefe para confeccioná-
las, para que ele as comprasse, e o chefe, curioso, chegou a perguntar se
o Pastor Halliwell iria “introduzir este costume entre os brancos”.
(STREITHORST, 1979, p. 125).

5. O DESCANSO

Em 1958, Leo B. Halliwell e sua esposa, Jessie, passaram o comando


do projeto Luzeiro ao casal de missionários Streithorst, com quem o
contato remonta a décadas, quando Olga Streithorst ainda era um bebê
com poucos meses de vida. Agora Olga e seu esposo assumiriam o
projeto, que já contava por essa ocasião com uma frota de lanchas e a
108 • O Adventismo no Brasil

que mais tarde chegaria um hidroavião que se chamaria Halliwell, em


homenagem a esses missionários que deram trinta anos de suas vidas
para minorar o sofrimento das pessoas ao longo dos rios entre Manaus
e Belém. Boa parte desses e outros mais relatos missionários de
Halliwell são encontrados nos livros Light Bearer to the Amazon (1945) e
Light in the Jungle (1959), escritos pelo próprio Halliwell. Algumas das
histórias contidas em ambos os livros foram condensadas na obra Leo
Halliwell na Amazônia (1979), escrita pela missionária Olga Streithorst,
acrescidas de outros detalhes, como seção autobiográfica escrita por
Halliwell, testemunhos pessoais daqueles que foram próximos ao casal
Halliwell, bem como descrição feita por seus filhos de seus últimos dias
nos Estados Unidos.
Na primavera de 1958, relembra Halliwell (1959) e destaca
Streithorst (1979), não havia mais possibilidade de continuarem os
trabalhos pelos rios, então chegou a hora de deixar o barco Luzeiro I.
Halliwell ressalta que “Este barco tinha sido seu lar deixá-lo era como
dizer adeus a um amigo de muitos anos, um companheiro de aventuras,
pavor, derrotas, triunfos e alegrias.” Ao atracarem naquela manhã de
1958, Walter e Olga Streithorst já os esperavam; o jovem pastor recebeu
o quepe do pastor Halliwell e com um beijo paterno em Olga Streithorst
desejou-lhes sucesso na missão. O velho casal, ao ver a lancha se
distanciando cada vez mais, relembra o que pensou da satisfação de
dever cumprido:

O mundo ao nosso redor não era o mesmo como quando Jessie e eu


chegamos. Éramos jovens missionários, e isto faz mais de uma terça parte
de um século no passado. A diferença não era vista apenas na superfície,
porém havia muitas de maior alcance; toda a vida do povo que vivia às
margens do rio havia mudado. Não era mais um mundo de lutas e doenças,
Diogo Gonzaga Torres Neto • 109

de pessoas sem esperança e fadadas à morte. (STREITHORST, 1979, p. 160;


HALLIWELL, 1959, p. 265).

Fig. 6. Casal Leo e Jessie Halliwell, na despedida em 1958.


Fonte: Streithorst, 1979.

No ano de 1960, o casal Leo e Jessie Halliwell recebeu a maior


condecoração da República Federativa do Brasil, a Comenda da Ordem
do Cruzeiro do Sul. Já havia dois anos que estavam em Oregon, na sede
administrativa da Igreja Adventista dessa região dos Estados Unidos,
quando lhes chegou a correspondência oficial avisando-lhes a data em
que o Dr. Souza Lima, representante do embaixador do Brasil em
Portland, realizaria a condecoração. Como coincidiu com a data de um
acampamento, a cerimônia aconteceu nesse local. Em dia e hora
previamente estabelecidos, os Halliwell receberam a Comenda, na
frente de milhares de pessoas; esta foi a primeira vez, na história do
Brasil, em que uma mulher foi condecorada com a Comenda da Ordem
do Cruzeiro do Sul, em virtude do “relevante trabalho médico e
religioso”, conforme telegrama oficial.
Os últimos dias do casal Halliwell são informados por Streithorst
(1979). A enfermeira Jessie Halliwell adoeceu alguns anos depois de os
missionários terem saído do Brasil. Os médicos não descobriram a causa
de início, somente após algum tempo diagnosticaram que se tratava de
um câncer, e Jessie veio a descansar definitivamente no dia 27 de
110 • O Adventismo no Brasil

setembro de 1962. Leo Halliwell ainda visitou a Amazônia algumas


vezes. A saudade da esposa o levou a uma última visita, em 1967, para
recordar in loco aquele passado vivido ao lado de sua companheira.
Faleceu em 19 de abril de 1967, de enfarte, em Vista, Califórnia. Ainda no
hospital, antes de “render sua vida a Deus”, sempre se lembrava do
Brasil. Sua filha, Marian, relata que o ouviu muitas vezes dizer em seu
leito: “Tirem-me daqui; quero sair daqui porque estão precisando de
mim no Brasil”, e falou diversas vezes em conseguir dinheiro com
amigos para ajudar na obra das lanchas no Amazonas.
Halliwell, no seu relativo anonimato no meio acadêmico, ajuda
construir o pensamento social na Amazônia, pois como pano de fundo
dos relatos de cunho religioso está uma Amazônia complexa, cuja
natureza salta a cada página de seus livros; chega-se mesmo a “ouvir”
com ouvidos internos os sons da natureza, e com os olhos da memória
conseguem-se “visualizar” as imagens (signos) das riquezas das
paisagens amazônicas; sente-se o calafrio da ferocidade de onças,
jacarés, piranhas e serpentes; compadece-se das pessoas presentes nos
cenários devastados pela malária, com comunidades inteiras clamando
por socorro e os missionários imergindo-se nos costumes dos
brasileiros da Região Norte. Halliwell (1945) salienta: “Nós aprendemos
sua língua, costumes e tradições; nos tornamos brasileiros de verdade.
Pensávamos, falávamos, sempre sonhávamos em português, a língua
oficial da terra”. Sentiram, nos trinta anos de vida na Amazônia, os
obstáculos naturais e o impacto dos processos culturais que trouxeram
mais mazelas do que benefícios, hoje superados nas atuais metrópoles
da Amazônia.
Diogo Gonzaga Torres Neto • 111

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fig. 7. Luzeiro I, 1931. Autor: desconhecido.

No que tange às variadas pesquisas bibliográficas na tentativa de


descobrir ou redescobrir autores que descreveram a Amazônia, este
paper vislumbrou uma possibilidade inicial de uma hermenêutica feita
nas duas únicas obras escritas por Leo Blair Halliwell, em 1945 e em
1959, até hoje não traduzidas, as quais relatam as suas experiências ao
longo do Rio Amazonas e afluentes, tendo como cenário a Amazônia.
Buscou-se retratar a Amazônia e sua descrição literária conforme feita
pelo missionário, transformada neste paper como fruto de um exercício
filosófico hermenêutico com a finalidade de conhecer o missionário e a
Amazônia.
Os escritos de Leo B. Halliwell retratam sua experiência vivida na
Amazônia nos anos de 1928 a 1958. Ao se fazer uma hermenêutica
crítica, conforme proposto por Ricoeur (2008), destaca-se uma
Amazônia sob o olhar protestante norte-americano, cujo pano de fundo
é o “inferno verde” devido ao calor da febre causada pela epidemia de
112 • O Adventismo no Brasil

malária. Tal olhar contribui ao que Pinto (2011) denomina de


“pensamento social” ao registrar uma Amazônia complexa ao descrever
com cuidado o relato da natureza e das paisagens, conforme Pinto
exemplifica ao falar:

[…] da descrição de vilas e cidades, da produção extrativa e da


multiplicidade dos povos indígenas, observaram, mesmo que de pontos de
vistas unilaterais, aspectos relacionados com processos sociais e culturais
que pudessem de algum modo contribuir para a compreensão da gênese e
desenvolvimento de um novo universo humano na Amazônia. (PINTO, 2011,
p. 7).

Ricoeur (2008) salienta que, ao analisar em si mesma a vida, esta


comporta o poder de ultrapassar-se em significações, pois trinta anos
de vida dedicados à Amazônia não podem caber detalhadamente nas
páginas da obra de Halliwell, que, todavia, culmina na página impressa
de uma estrutura hermenêutica. A originalidade de Halliwell foi que
seus relatos vieram a partir do campo missionário protestante
(diferentemente dos jesuítas e outras ordens católicas), cuja finalidade
era evangelizar a região amazônica. Para isso tiveram que salvar
primeiro o corpo; fizeram o que nenhum outro fez: construíram sua
própria embarcação e durante trinta anos intervieram na vida de
milhares de pessoas nas cidades, comunidades, vilas e tribos de diversas
etnias, onde vidas foram salvas das diversas epidemias de malária que
se alastravam nos rios da Amazônia com a chegada do “progresso”
advindo da extração do látex. Ainda em virtude da borracha, o Brasil
construiu uma estrada de ferro que desse vazão ao látex boliviano: a
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ao longo da qual milhares
sucumbiram à malária. Foi a segunda grande epidemia amazônica de
Diogo Gonzaga Torres Neto • 113

malária, testemunhada até mesmo pelos ilustres sanitaristas Oswaldo


Cruz e Carlos Chagas (FERREIRA, 1981).
Halliwell não deixa claro, em alguns trechos de seus relatos,
quando estava lidando com um migrante (caboclo, mestiço e ribeirinho)
ou com índios, uma vez que se reportava a uma categoria de indivíduos
distantes dos centros urbanos (moradores da floresta) tentava dentro
da lógica das classificações (muito comuns dos trabalhos de etnologias
da época) categorizar ou descrever o que presenciou. Todavia são
precisos mais trabalhos, pesquisas e questionamentos para se observar
como os autores estrangeiros, como Halliwell, reforçam categorias
coloniais, e ao mesmo tempo podem desconstruir os mitos modernos de
um senso comum erudito criado por aqueles que se apropriam da ideia
de Amazônia.
Com base no exposto, salienta-se que muito mais poderia ser dito
da Amazônia de Leo B. Halliwell. Por detrás de sua mata fechada e
labirintos de rios, e das muitas memórias desse norte-americano
convertido em brasileiro, informamos que foram limitadas ao tempo, ao
espaço e aos recursos os registros de outros aspectos da Amazônia.
Muitas dessas memórias e outros detalhes foram sepultados junto com
os Halliwell; outras podem ser revividas na oralidade das localidades
por onde passou; outras, ainda, estão nos relatórios, cartas e
documentos oficiais arquivados há mais de oitenta anos na sede
administrativa da Igreja Adventista em Manaus e Belém, bem como nos
livros de atas das vinte igrejas que fundou ao longo do Rio Amazonas;
também outros missionários que estiveram na Luzeiro I relatam outros
aspectos da Amazônia ao lado de Halliwell, além da memória e das
histórias passadas adiante pelos filhos e netos das 2.590 pessoas
batizadas entre 1928 e 1958. O missionário finaliza que a Amazônia era
114 • O Adventismo no Brasil

agora um mundo com novo significado: “em muitos lugares onde não
havia nada, agora há igrejas e escolas. Jovens que teriam morrido de
alguma doença tropical e que sobreviveram em meio à superstição,
violência e crimes, hoje estão indo às nossas escolas” (HALLIWELL,
1959).
Quanto aos aspectos infernais da Amazônia de Halliwell, trata-se
na verdade de um discurso etnocêntrico e político, que atravessa o foco
narrativo. Além dos traços descritivos, percebe-se mediante exercício
hermenêutico em Gadamer e Ricoeur, que o discurso sociopolítico se
mistura com o discurso missionário presente na obra. Nesse ponto é
possível até mesmo fazer uma aproximação com Euclides da Cunha (À
Margem da História) com o projeto literário de Rangel consultado por
Halliwell.
Ao longo do Rio Amazonas segundo Halliwell (1959), o trato com
higiene, limpeza, valor da água, novos métodos de viver e cozinhar, bem
como novos estilos de alimentação, mudaram a qualidade de vida de
muitos. Não mais era um mundo de epidemias de malária; no entanto,
a “dama da noite” assola e tira algumas vidas na região ainda hoje. As
doenças mencionadas nos relatos de Halliwell deixaram de ser o terror
no interior; ficando relativamente nos anos 1960 sob controle
governamental e tratamentos mais acessíveis e com o Estado mais
atuante.
Halliwell deixa para a posteridade dois livros nos quais contam
suas crônicas e outras narrativas, frutos de décadas de trabalho
voluntário. Quanto aos seus feitos administrativos, começou com duas
clínicas – uma em Manaus, outra em Belém – que se transformaram em
dois grandes hospitais, hoje referência nos Estados do Amazonas e do
Pará. Das vinte igrejas implantadas, hoje são mais de três mil templos
Diogo Gonzaga Torres Neto • 115

espalhados na Amazônia; das cinco escolas, hoje são centenas de


institutos que incluem o ensino fundamental e médio, sem contar com
três internatos e uma faculdade (tais números são somente na Região
Norte).

Fig. 8A. Hospital Adventista de Manaus. 2015


Fonte: hospitaisadventistas.com.br

Fig. 8B. Hospital Adventista de Belém. 2015.


Fonte: hospitaisadventistas.com.br

Os adventistas até hoje mantêm o projeto Luzeiro. A primeira


lancha se encontra no Museu da Memória Adventista da Faculdade
Adventista da Amazônia (FAAMA), e a lancha atual – Luzeiro XXVIII –
116 • O Adventismo no Brasil

mediante a Agência de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais


(ADRA), soma-se às 79% das ONGs presentes no Amazonas e que
prestam serviços diretos de assistência médica.

Fig. 9. Luzeiro XXVIII, Parceria do Hospital Adventista de Manaus


e Consulado do Japão. Manaus, 2015.
Fonte: Fato Amazônico: A notícia agora. Acesso em 23 nov. 2015;
disponível em: <www.fatoamazonico.com>.

O legado dos Halliwell para a Amazônia e seus habitantes foi talvez


irrelevante ante aos missionários jesuítas, que desbravaram o interior
da floresta, formando cidades, vilas e comunidades. Todavia, não foi
insignificante no segundo quartil do século XX, tanto que recebeu a
condecoração máxima da República Federativa do Brasil, o que colocou
o nome de Leo B. Halliwell e o de sua esposa, Jessy, ao lado dos de
grandes personalidades, como o argentino Ernesto “Che” Guevara e o
russo Iuri Gagarin. Cabe finalizar que quem ouvia a mensagem de
Halliwell aprendia um novo significado na vida, um novo começo; para
aqueles que foram socorridos foi uma nova esperança que cresceu,
Diogo Gonzaga Torres Neto • 117

desenvolveu-se rumo aos céus, emergindo do úmido Inferno Verde”,


labirinto misto de selva e água.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, Abdoval. Luzeiros: conheça a surpreendente história das lanchas


missionárias adventistas no Brasil. 2.ed. Niterói: Editora Ados, 2011.

ENGEL, Günter. Impressões da Amazônia: Com mais de 1.000 fotos, flora-fauna-


arquitetura. (DVD autoral.) Manaus/Berlim, 2015.

FERREIRA, M. R. A Ferrovia do Diabo: História de uma estrada de ferro na Amazônia.


São Paulo: Melhoramentos, 1981.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. 7ª.ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

________________. Hermenêutica da obra de arte. São Paulo: wmfMartins


Fontes, 2010.

HALLIWELL, Leo B. Light Bearer to the Amazon. Nashville: The Southern Publishing
Association, 1945.

________________. Light in the Jungle. New York: David McKay Company, 1959.

KRÜGER, Thomas. Panthera Onca. Disponível em: < www.1zoo.me > ; acesso em 28.
Jan.2016.

PEDROSA, Tatiana. A Amazônia e um duplo paradoxo – o inferno verde ou um novo


Eldorado. Revista de História da Arte e Arqueologia, Campinas: UNICAMP, nº. 19,
jan-jun. 2013.

PINTO, Renan Freitas. Viagem das idéias. 2ª.ed. Manaus: Valer, 2008.

________________. A Amazônia de Euclides da Cunha. In: CUNHA, Euclides da.


Amazônia: Um paraíso perdido. TELLES, Tenório (Org.) 2.ed. Manaus: Editora Valer,
2011.

RICOEUR, Paul. Hermenêutica e ideologias. 2.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.


118 • O Adventismo no Brasil

STREITHORST, Olga S. Leo Halliwell na Amazônia. Santo André: Casa Publicadora


Brasileira, 1979.

TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: Uma interpretação da Amazônia. 10.ed.


Manaus: Editora Valer, 2001.
4
CENTRO DE MEMÓRIA: UNASP, CAMPUS SÃO PAULO
Douglas Menslin
Emily Bertazzo
Francisco Ribeiro
Gabriela Abraços
Mariana Cavalcanti Pessoa
Rosane Keppke

UMA COLINA DE LUZ

Quando o Adventismo plantou sua bandeira no Capão Redondo, na


colina divisora de águas entre o Córrego Morro do “S” e o Córrego do
Engenho, não poderia imaginar os múltiplos espectros de luz que dali
irradiariam ao longo do tempo e do espaço geográfico.
O tempo testemunhou a ascensão do antigo Seminário Adventista,
que se tornaria Colégio Adventista Brasileiro (CAB), depois Instituto
Adventista de Ensino (IAE), finalmente ao status de Centro Universitário
Adventista de São Paulo (UNASP), em meio a não poucas adversidades:
desde a gripe espanhola (1918-20) até a COVID-19 (2019-atual), entre os
altos e baixos da economia nacional, enfrentando a extinção das
políticas públicas de fomento à educação superior, e em meio à
crescente pressão contra a cosmovisão bíblico-cristã, razão de ser da
confessionalidade. Uma das principais ameaças foi a descaracterização
rural do entorno – um dos valores apreciados pela educação adventista
(WHITE apud HOSOKAWA, 2001), fenômeno agravado pela
desapropriação do campus São Paulo, que trouxe a precariedade e a
violência para junto das suas divisas.
Mas o que parecia enfraquecer a sede original do antigo CAB e IAE
acabou por multiplicar a influência do UNASP para dentro e fora de sua
membresia e dos seus limites fundiários. A desapropriação induziu a
120 • O Adventismo no Brasil

fundar o campus Engenheiro Coelho, a criar o campus Virtual, a


incorporar o Instituto Adventista de São Paulo como campus
Hortolândia e a fundir todos num só UNASP com a visão estratégica de
se tornar a Universidade Adventista do Brasil a partir de 2030, em
estreita interação com a rede internacional adventista, sob a
acreditação de qualidade da Adventist Accrediting Association (AAA)
(INSTITUTO ADVENTISTA DE ENSINO, 2021).
Neste percurso centenário, muitas vidas, adventistas ou não,
foram iluminadas pela educação confessional, principalmente estas
últimas, em se tratando de cursos superiores no campus São Paulo, cujo
perfil predominante é o aluno não adventista que mora na região.
Estas informações panorâmicas já dão uma noção da resiliência e
solidez do UNASP e das múltiplas escalas geográficas em que interage –
internacional, nacional, estadual, mas o foco desta introdução é abordar
um tópico pouco explorado que é a importância regional do campus São
Paulo, fato que motivou o seu tombamento pelo Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de
São Paulo (CONPRESP):

Considerando o aprofundamento dos estudos em relação ao antigo Colégio


e suas dependências e do seu desenvolvimento histórico, arquitetônico e
urbanístico (...) foi possível compreender e constatar sua
representatividade e importância como polo indutor de urbanização para a
região do Bairro Capão Redondo no início do século passado. (...) Além destas
considerações, também justifica a preservação da área, este modelo de
instituição de assistência social em regime de internato integral, cuja
estrutura e formatação de congregar as áreas de habitação, de estudos, de
produção e de socialização em um mesmo local que foi adotada e muito
utilizada no século passado, como forma de integrar a preparar jovens e
adolescentes para o cotidiano da vida. Acompanhamos o parecer favorável
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 121

ao tombamento da área em tela, recomendando ao DPH, conforme apontado


em manifestações anteriores, que se promova estudo referente à
pertinência e viabilidade da atribuição do Selo de Valor Cultural para a
Fábrica de Alimentos Superbom, considerando a sua importância por seu
papel precursor na produção de alimentos naturais em funcionamento
desde 1920. (SÃO PAULO, 2018, p. 63).

A ementa da Resolução de tombamento faz ênfase à “sua


representatividade e importância como polo indutor de urbanização
para a região do Bairro Capão Redondo”, desencadeada pela simples
presença do campus estabelecendo um eixo de expansão urbana. O então
“Colégio Adventista Brasileiro fez o calçamento da Estrada de
Itapecerica desde o Morro do S, então mui íngreme, o resultado foi uma
bênção para a escola, e aos moradores do trecho, com passagem livre até
durante os meses de chuva do verão”, segundo Hosokawa (2001, p. 16).
As áreas desapropriadas do UNASP deram lugar à COHAB Adventista e
ao Parque Santo Dias, que inauguraram a política habitacional e
ambiental no extremo Sul da cidade. O UNASP e a Superbom oferecem
centenas de empregos num bairro-dormitório caracterizado pelas
vulnerabilidades sociais. O UNASP tornou-se acessível a esta população
para oferecer-lhe “experiências para a vida e muito além do ensino”,
significando não apenas oportunidade de mobilidade social, mas o pleno
desenvolvimento do intelecto, do corpo, da mente, do espírito, do
caráter e até mesmo das artes se o aluno quiser – atributos valorizados
no processo de tombamento pela “forma de integrar a preparar jovens
e adolescentes para o cotidiano da vida”.

PRÉDIO CENTRAL DO UNASP SÃO PAULO


Local onde funciona o Centro de Memória e o Fundamental II
122 • O Adventismo no Brasil

Foto do acervo, maio de 2019

O tombamento chamou atenção para um conjunto de valores


históricos, arquitetônicos, ambientais, sociais e culturais, ou seja,
valores tangíveis e intangíveis acumulados pelo UNASP ao longo de sua
história para a comunidade adventista e para a região, convergindo e
convalidando a iniciativa de instituir o Centro de Memória.

O QUE É UM CENTRO DE MEMÓRIA?

Um pensamento recorrente que nos vem à mente, quando nos


referimos à História refere-se ao passado, à dimensão pretérita de um
tempo que já se findou, mas que é rememorado com nostalgia e
saudosismo. Esse objeto da memória pode estar atrelado a fatos,
personagens, eventos que, por algum motivo, marcou seus sujeitos, e
que por isto, se relaciona com o presente. Neste sentido, falar de
História diz respeito mais ao presente, do que ao passado. Em outras
palavras, quando buscamos a reconstituição de uma memória, é porque,
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 123

de alguma forma, este passado ainda nos interessa no presente. E para


tanto, merece nosso esmero de fiel pesquisador, que tenta reunir
vestígios dos eventos passados, a fim de reconstruir uma história.
A História terá seu valor e importância, na medida em que receba
o reconhecimento e a frequentação da sociedade a qual pertence. Para
tanto, a sociedade institui espaços destinados à pesquisa, à reunião de
documentos e à salvaguarda da memória de seu grupo de interesse.
Dentre estes espaços situam-se os centros de memória, como ambientes
especializados com metodologias específicas, a fim de reconstituir os
fatos de interesse, segundo critérios de veracidade e cientificidade,
pautados em documentos e testemunhos.
Um dos fatores relevantes que nos conectam com esse passado, é a
dimensão da identidade, de um sentimento contemporâneo de
pertencimento e agregação com os eventos passados, mas que mantêm
reverberando enlaçamentos culturais, elementos materiais e
imateriais, que nos levam ao interesse de investigar e conhecer. Sobre a
contribuição social de um Centro de memória, destaca-se que:

O primeiro deles é o do fortalecimento da identidade. Muitos acreditam que


o centro de memória, ao trazer à tona as escolhas feitas e os caminhos
percorridos pela instituição a que se vincula, é capaz de evidenciar sua
identidade. Trabalhar a memória seria, portanto, uma forma de fortalecê-
la e consolidar os valores que propaga, contribuindo para fixar os elementos
que a distinguem. (CAMARGO; GOULART, 2015.p.80)

A função de um Centro de Memória para sua instituição promotora


esta relacionada, não só à reconstrução da narrativa sobre suas origens
e personalidades fundadoras, mas sobretudo a função destas narrativas
é nos colocar em diálogo com a cultura de origem, com os valores e
124 • O Adventismo no Brasil

características que nos representam no presente. Ainda “nessa linha, a


maioria das instituições privadas busca na história elementos que
reforcem sua imagem como participes da comunidade, considerando o
centro de memória importante ferramenta de integração” (Idem, p. 68).
Ou seja, ao construirmos um centro de memória, no âmbito de uma
instituição como o UNASP, estamos valorizando o resgate de nossas
narrativas de fundação, com o objetivo de fortalecermos nossas crenças,
nossa missão e nossas características culturais diferenciadas, e que,
portanto, merecem ser enunciadas, destacadas e divulgadas.

A NECESSIDADE DE PRESERVAR A MEMÓRIA DO UNASP E O PROCESSO DE


FUNDAÇÃO DO MUSEU

Um desafio que permeia instituições de todas as ordens,


organizações e até a vida das pessoas é como fazer para reter ou guardar
informações preciosas para a posteridade, diante de tanta agilidade no
cotidiano e um enfraquecimento da historicidade, em que o passado é
tomado como uma vasta coleção de imagens aleatórias, que são
combinadas de múltiplas formas a partir do presente. Como instituições
com procedimentos e processos já maduros e consolidados fazem para
transmitir esse conhecimento para novas gerações?
Essa transmissão do conhecimento é possível ser feita pela
memória, levando em conta que

é pela memória que se puxam os fios da história. Ela envolve a lembrança e


o esquecimento, a obsessão e a amnésia, o sofrimento e o deslumbramento
[...] Sim, a memória é o segredo da história, do modo pelo qual se articulam
o presente e o passado, o indivíduo e a coletividade. O que parecia esquecido
e perdido logo se revela presente, vivo, indispensável. Na memória
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 125

escondem-se segredos e significados inócuos e indispensáveis, prosaicos e


memoráveis, aterradores e deslumbrantes. (CAMARGO 1999, p. 44).

Douglas (1998) acredita que as instituições se organizam


historicamente em torno de seus interesses sociais e são esses
interesses que levam a construção de uma missão e propósito de ser de
uma instituição.
O Centro Universitário Adventista de São Paulo, uma instituição
educacional centenária (1915) é prova disso. Sua história está
diretamente associada à sua missão e propósito que caracteriza-se pela
educação de crianças e jovens para servir aos objetivos de sua
mantenedora, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, na formação de seus
líderes religiosos, professores e administradores, como também, na
formação intelectual, social, física e espiritual de seus alunos.
A trajetória de mais de 100 anos dedicados à formação para o
trabalho social e comunitário mantem-se viva através da memória de
seus ex-alunos que tiveram o privilégio de estudar nesta instituição.
Mas as primeiras gerações de ex-alunos estão se tornando mais
escassas, devido a longevidade institucional.
É bem verdade que ao longo desses anos, alguns pesquisadores
contribuíram para que a história e a memória institucional não se
perdessem com o tempo, através de estudos, artigos, livros e relatos
que, como bem aponta Burke (1992) “perfazem os registros primários e
secundários da história”.
No ano do centenário do UNASP (2015), deu-se um grande passo
para coletar documentos, relatos, fotos, publicações e todo o tipo de
material que pudesse contribuir para a escrita de um material que
representasse a história da instituição. Graças a esse esforço coletivo,
126 • O Adventismo no Brasil

como parte das comemorações do daquela data especial, foi lançado o


livro comemorativo “Muito além do ensino – UNASP: 100 anos de
história (1915-2015). Esse riquíssimo conteúdo, escrito pelo jornalista
Marcio Dias Guarda (2015), revelou que é impossível apresentar a
memória e a história de uma grande instituição em apenas um
compêndio impresso.
Pode-se dizer que os passos dados na direção de coletar
lembranças e efemérides de décadas de ensino, proporcionaram uma
grande quantidade de informações que não poderia ser descartada e
muito menos ocultada dos milhares de alunos e membros da
comunidade que ajudaram a construir essa história. Diante do tempo
presente surgem duas situações: um acervo riquíssimo de materiais
coletados de forma orgânica e voluntária de centenas de pessoas que
doaram a parte física e documental de suas memórias e ao mesmo
tempo o desafio de proporcionar acesso a esse acervo para todos aqueles
que fizeram parte desta história e, também para aqueles que precisam
e desejam conhecer a história de uma instituição educacional com 106
anos.
Esses dois fatores possibilitaram a criação de um espaço físico de
exposição permanente da história institucional do UNASP, gerido por
pessoas qualificadas para esse objetivo e que, com dedicação integral
apresentam as histórias e memórias da instituição para alunos e ex-
alunos que procuram conhecer e se encontrar no espaço e no tempo –
Estava criado o Centro de Memórias do UNASP – campus São Paulo. Um
departamento oficial que participa ativamente da vida cotidiana da
instituição.
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 127

Entrada do Centro de Memória UNASP São Paulo

Foto do acervo, maio de 2019

Os documentos históricos dão suporte ao planejamento e a


reformulações, passos sempre necessários na vida de uma instituição
que se atualiza e se renova continuamente (BELOTTO, 2016). Ao
preservar sua memória, o Centro de Memórias do UNASP cria condições
para investigar o passado com inteligência, contribuindo para uma
melhor compreensão do presente e para a definição dos caminhos mais
adequados rumo a um futuro comprometido com a transformação de
pessoas e comunidades por meio da educação para autonomia.
Na letra da música Esperança e Futuro, escrita para a
comemoração dos 100 anos do UNASP, Ludtke (2015) expressa: “Olho pro
passado e já não temo o futuro... Prossigo adiante rumo a um novo
horizonte. A minha história não termina aqui... eu vou conhecer o autor
128 • O Adventismo no Brasil

da minha história”. Essa é a importância de preservar e contar a história


construída a cada passagem do tempo.

REALIZAÇÕES DO CENTRO DE MEMÓRIA

Desde o início de seu Projeto de Implantação iniciado em maio de


2016, a equipe do Centro de Memória tem arrecadado materiais para seu
acervo. São centenas de fotos, slides, documentos, VHS, flyers,
periódicos, livros, plantas, quadros, objetos de todo tipo que ajudam a
contar algum aspecto da história centenária do campus e do bairro do
Capão Redondo. Este material foi a princípio reunido dentro dos
próprios departamentos do UNASP São Paulo. São também
constantemente recebidas doações de ex-alunos, professores,
colaboradores, membros da comunidade e moradores da região.
Este material está sendo constantemente organizado, catalogado e
digitalizado, para que possa ser utilizado nas pesquisas, nas exposições,
nas redes sociais e em demais projetos do museu e do centro
universitário.
Desde o período de seu Projeto de Implantação, iniciado em maio
de 2016, o Centro de Memória já realizou 10 exposições, entre exposições
temporárias, permanentes e virtuais.

Exposições produzidas pelo Centro de Memória UNASP São Paulo

ANO TÍTULO FORMATO


2016 Acarte 60 anos Exposição temporária
2016 Coral Juvenil 35 anos Exposição temporária
2017 Vida na Colina Exposição temporária
2017 Imigrantes na Colina Exposição temporária
2018 Banda Jovem 40 anos Exposição temporária
2019 FAE 50 anos Exposição temporária
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 129

2019/2020 Murmúrios de uma Colina Exposição inaugural espaço físico Centro de


Memória e Tour Virtual 3D

2020 Prédio Central 95 anos Exposição virtual


2021 Prédio Fundamental 75 anos Exposição virtual
Tabela organizada por Emily Bertazzo

A primeira publicação do Centro de Memória foi o livro de receitas


“UNASP Gourmet: receitas inesquecíveis do doce vida na Colina”. Foi
organizada para disponibilizar receitas inesquecíveis das tradições
gastronômicas da Colina. Foram reunidas 30 receitas de pratos servidos
no refeitório, na cantina, entre outras. Começou a ser organizada em
2015, para as comemorações do centenário do UNASP, e foi publicada
em 2017. Os autores são os componentes da equipe do Centenário do
UNASP: Cleide Borba de Oliveira (coordenadora), Devson Lisboa (artista)
e Emily Bertazzo (produtora).
A ideia surgiu da prof. Cleide Borba, que sempre gostou de cozinhar
e colecionar receitas. Pelo fato de seu esposo, Ednilson Oliveira, ser o
Gerente do Refeitório no período, e por serem ambos ex-alunos do
internato, guardavam o desejo de poder organizar de alguma forma as
melhores e mais pedidas receitas de todos os tempos. Passaram a
conversar com ex-alunos, cozinheiras, gerentes do refeitório de outras
épocas e juntar as melhores receitas.
Depois de selecionadas 30 receitas, começaram a fazer os testes e
seções fotográficas de cada prato. E por fim foi iniciada a criação da
Identidade Visual e Diagramação. O resultado é um livro de 97 páginas
com muito apelo visual. Fotos de todos os pratos, depoimentos de ex-
alunos do internato, chefes do refeitório e cozinheiras, dicas de preparo
e um resumo da história das tradições gastronômicas do UNASP São
Paulo (OLIVEIRA et al, 2017).
130 • O Adventismo no Brasil

Para divulgar seu acervo e suas pesquisas, bem como conseguir


alcançar ex-alunos do UNASP que estão espalhados por todo Brasil e
pelo mundo, a equipe do Centro de Memória resolveu abrir páginas nas
principais redes sociais 55. Em 2017 foram abertas a página no Facebook
e o perfil no Instagram, e em 2018 foi aberto o canal no Youtube.
Atualmente a página no Facebook está com mais de 3000 seguidores, o
Instagram possui aproximadamente 2300 seguidores e o Youtube tem
mais de 1100.
As postagens acontecem quase que diariamente. São
compartilhados fotos, vídeos, entrevistas, tanto do dia a dia atual da
instituição, quanto de materiais do acervo, fotos e vídeos de todas as
épocas que já foram digitalizados. Em um levantamento feito
recentemente pela equipe, foi constatado que entre 2017 e 2020 as
postagens alcançaram os usuários mais de 390 mil vezes. Estes números
demonstram que existe um alto nível de engajamento nas postagens,
especialmente quando estas postagens são repostadas para os grupos de
ex-alunos no Facebook. Alguns grupos já tem mais de 5 anos de
existência e seus membros são ex-alunos que fazem questão de
acompanhar as postagens e escreverem depoimentos de histórias
vividas na instituição.
Outro fator importante para a divulgação do trabalho é a
participação nas ações culturais promovidas pelos órgãos culturais
governamentais. Ações como a Jornada do Patrimônio, Primavera dos
Museus, Semana dos Museus, são realizadas anualmente reunindo
instituições de todo o Brasil e promovem eventos dos mais diversos

55 Redes Sociais estão disponíveis em: www.facebook.com/memoriaunaspsp


www.instagram.com/memoriaunaspsp
www.youtube.com/memoriaunaspsp
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 131

tipos como palestras, roteiros de memória, oficinas, semanas temáticas


etc.
O Centro de Memória participa desde 2016 da Jornada do
Patrimônio promovida pelos Departamento do Patrimônio Histórico da
Cidade de São Paulo. E já participou também de várias edições da
Primavera dos Museus, ação realizada em todo o Brasil promovida pelo
Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). Estas ações trazem visibilidade
nacional para as ações que são feitas localmente em parceria com o
curso de Arquitetura e Urbanismo, professores, alunos e moradores da
região.
O Processo de implantação do espaço físico do museu se deu com o
amadurecimento de todas estas ações junto à direção do UNASP São
Paulo. O local escolhido foi o Prédio Central, inaugurado em 1925, é a
edificação mais antiga que continua com grande parte de suas
características arquitetônicas originais. O piso original do prédio é de
Peroba Rosa e foi restaurado para receber o museu. Com o projeto visual
de Devson Lisboa, a exposição inaugural foi produzida por Emily
Bertazzo e teve a pesquisa e colaboração de Gabriela Abraços. Foi
elaborado um paralelo entre a fundação do museu e a fundação do
UNASP, no qual foi organizada uma pesquisa sobre os 10 primeiros anos
do UNASP, de 1915 a 1925, com relatos contados pelos próprios
fundadores, colaboradores e primeiros alunos, criando assim o título
“Murmúrios de uma Colina”, sendo o termo “colina” amplamente
utilizado para se referir ao campus São Paulo, localizado em uma das
colinas mais altas do Capão Redondo.
132 • O Adventismo no Brasil

Entrada da exposição “Murmúrios de uma Colina”

Foto pertence ao Centro de Memória UNASP São Paulo, maio de 2019.

A inauguração foi organizada para maio de 2019, no aniversário de


104 anos do UNASP São Paulo, e contou com a presença de líderes da
denominação, diretores de diferentes épocas do UNASP, professores,
colaboradores, aluno, ex-alunos e membros da comunidade.

Placa de entrada do
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 133

Centro de Memória UNASP São Paulo.


Foto do acervo, maio de 2019.

Uma das tradições do campus São Paulo é homenagear professores


importantes para a história do UNASP colocando seu nome nos prédios
e espaços da instituição. O Centro de Memória leva o nome do professor
Roberto César de Azevedo, aluno, professor e Diretor Geral do campus
São Paulo entre 1985 e 1990. Prof. Roberto foi professor de biologia no
então IAE 56 por muitos anos.
Na sua gestão como diretor, a instituição tinha acabado de passar
pelo processo de desapropriação de parte de sua propriedade, e o prof.
Roberto participou no processo de transição do papel social exercido
pela instituição na região. Trabalhou para melhorar as estruturas
existentes, e para a abertura de novos cursos de Ensino Superior como
o curso de Ciências Naturais, Letras e Computação. Prof. Roberto
também atuou constantemente na propagação e preservação da
memória adventista, sendo um dos responsáveis pela implantação do
Centro da Memória Adventista em 1990, transferido para o campus
Engenheiro Coelho juntamente com o curso de Teologia. Foi o
responsável pelo periódico “IAE informa”, que circulou nos anos 1980, e
é até hoje grande fonte sobre detalhes da história da instituição. Por ser
um educador que sempre se preocupou com a preservação e propagação
da Memória Adventista, e, especialmente do UNASP, seu nome foi
escolhido para o Centro de Memória UNASP São Paulo (GUARDA, 2015,
p.155).

56 Sigla de Instituto Adventista de Ensino, nomenclatura utilizada até 1999 do atual UNASP São Paulo.
134 • O Adventismo no Brasil

O GRUPO DE PESQUISA LEHME

O Laboratório de Estudos da História e Memória do UNASP


(LEHME) foi criado em três de junho de 2019, com o objetivo principal
de refletir, analisar, discutir e pesquisar a história do Centro
Universitário Adventista de São Paulo e do bairro do Capão Redondo. A
partir de fontes institucionais e públicas, o LEHME pretende divulgar
através de livros e artigos acadêmicos, a história e o patrimônio
material e imaterial deste centro universitário e de seu entorno. Para
tanto, são realizadas pesquisas, não apenas com documentação oficial,
mas também, através das memórias das pessoas que estudaram e
trabalharam em seu campus.
Seus fundadores foram Douglas J. Menslin, Francisco C. Ribeiro,
Gabriela B. Abraços e Emily K. Bertazzo, sendo que, a partir de maio de
2021, também passaram a fazer parte da equipe de pesquisadores,
Rosane S. Keppke e Mariana C. Tonasso. Ainda como membros técnicos,
participam Elder Hosokawa, Renato Gross, Renato Stencel e Ubirajara
de Farias Prestes Filho. O LEHME, em suas pesquisas, também conta
com a parceira da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, através
do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC), liderado
pela professora Yvone Dias Avelino.
A primeira produção acadêmica do LEHME ─ UNASP no tempo:
histórias, tradições e transformações ─ foi publicada em maio de 2021,
pela editora Unaspress. Nesta obra de múltipla autoria, colaboraram,
além de seus membros fundadores, Francisco Luiz Gomes de Carvalho,
Renato Gross e Ronnye de Oliveira Dias. O conteúdo abordado, tratou do
patrimônio espiritual do UNASP, bem como de suas raízes e
desenvolvimento histórico, de suas tradições gastronômicas e legado
D. Menslin; E. Bertazzo; F. Ribeiro; G. Abraços; M. Tonasso; R. Keppke • 135

musical/arquitetônico, e de sua influência na formação de obreiros para


a divulgação da mensagem do advento.
Vinculado ao Centro de Memória do UNASP-SP, o LEHME pretende
realizar pesquisas sobre o bairro do Capão Redondo em parceria com o
Curso de Arquitetura e Urbanismo do campus São Paulo, em união com
seus professores e estudantes de iniciação científica.
Para o ano de 2022 estão programadas atividades comemorativas
do centenário da primeira formatura oficial do UNASP (na época
Seminário Adventista) ocorrida em dezembro de 1922.

BIBLIOGRAFIA

BELLOTTO, H. L. Centros de memória: uma proposta de definição. Acervo, v. 29, n. 1, p.


282-284, 27 abr. 2016.

BURKE, P. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In__________. A


escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.

CAMARGO, C. R. Os Centros de Documentação das Universidades: tendências e


perspectivas. IN: SILVA, Z. L. da Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e
perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

CAMARGO, Ana Maria; GOULART, Silvana. Centros de Memória: Uma proposta de


definição. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2015. 112 p.

DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo, SP: EDUSP, 1998.

GUARDA, M. D. Unasp, muito além do ensino: 100 anos de história (1915- 2015).
Hortolândia: Multicomm, 2015.

HOSOKAWA, E. Da colina rumo ao mar: Colégio Adventista Brasileiro em Santo Amaro


(1915-1947) Dissertação (Mestrado em História), Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2001.

INSTITUTO ADVENTISTA DE ENSINO (São Paulo). Centro Universitário Adventista de


São Paulo. UNASP Visão 20/30. Engenheiro Coelho, 2021. 20 p. Disponível em:
136 • O Adventismo no Brasil

https://issuu.com/inspiratoficial/docs/booklet_visao_2030_rev0. Acesso em: 13


jul. 2021.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1990.

LUDTKE. Daniel. Esperança e Futuro. In.: GUARDA, M. D. UNASP: Muito além do Ensino.
100 anos de história (1915-2015). Multicomm. Hortolândia, SP. 2015.

MENSLIN, Douglas; BERTAZZO, Emily; RIBEIRO, Francisco; ABRAÇOS, Gabriela (org.).


UNASP no Tempo: Histórias, Tradições e Transformações. Engenheiro Coelho:
UNASPRESS, 2021. 156 p.

OLIVEIRA, C. B. K.; BERTAZZO, E. K.; LISBOA, D. Unasp Gourmet: Receitas inesquecíveis


da doce vida na Colina. São Paulo: Centro de Memória Unasp São Paulo, 2017

PREFEITURA DE SÃO PAULO (São Paulo). CONSELHO MUNICIPAL DE PRESERVAÇÃO


DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL E AMBIENTAL DA CIDADE DE SÃO
PAULO – CONPRESP. Diário Oficial da Cidade de São Paulo. ATA DA 673ª REUNIÃO
ORDINÁRIA DO CONPRESP: PROCESSO: 2012-0.280.608-9, São Paulo, p. 19, 29 jun.
2018. Disponível em: http://www.docidadesp.imprensaoficial.com.br/Navega
Edicao.aspx?ClipID=15d7c28d4e943e4472ecf5dbadd32f11&PalavraChave=unasp.
Acesso em: 13 jul. 2021.

Para acessar as exposições virtuais, redes sociais e demais projetos


do Centro de Memória, acesse o link através do QRCode abaixo:

flow.page/memoriaunaspsp
5
TRADIÇÕES GASTRONÔMICAS:
DA ESCOLA À FÁBRICA
Emily Kruger Bertazzo

INTRODUÇÃO

A Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) é uma denominação que


baseia suas crenças nos textos bíblicos. Os adventistas vêem como
aplicáveis até os dias atuais muitos dos ensinamentos e práticas
bíblicas. Um aspecto da história da criação do mundo muito apreciado
pelos adventistas é a dieta inicial do ser humano, que foi proclamada
por Deus no texto “Eis que dou a vocês todas as plantas que nascem em
toda a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos
com sementes. Elas servirão de alimento para vocês”, descrita em
Gênesis 1:29 (BANTA et al, 2018, p. 2).
O Estilo de Vida e a alimentação saudável fizeram parte da
estrutura da Igreja Adventista do Sétimo Dia desde seus primórdios. A
IASD não possui um credo formal, entretanto possui uma lista de
crenças fundamentais (28 Fundamental Beliefs, 2015). Nesta lista está
previsto no item 22 que o nosso corpo é “templo do Espírito Santo”, e
que por isso deveríamos adotar a dieta mais saudável possível, nos
abstendo dos alimentos impuros identificados na Bíblia, especialmente
nos livros de Levíticos 11 e Deuteronômio 14 57. Já em 1860 “as crenças
essenciais e distintivas dos adventistas sabatistas já estavam definidas
bem como seu estilo de vida peculiar, incluídos os cuidados com o
corpo” (HOSOKAWA, 2001, p. 39).

57 Exemplos de alimentos impuros citados nestes trechos: camelo, lebre, coelho, porco, pato, peixes sem
escama, frutos do mar, insetos etc.
138 • O Adventismo no Brasil

Ellen G. White, profetiza da denominação e autora de centenas de


textos, já advertia que “A saúde deve ser tão sagradamente cuidada
quanto o caráter”. Para a autora a saúde estaria diretamente ligada à
alimentação, tema também muito explorado em seus textos, como ela
defende nos trechos “A alimentação afeta tanto a saúde física quanto a
moral”, ou ainda “Pela alimentação mal preparada ou inadequada pode-
se impedir e mesmo arruinar não somente a utilidade dos adultos como
também o desenvolvimento das crianças (2006, p. 39; 2015, p. 143, 147).
Uma das bases dos escritos adventistas sobre a alimentação é o
vegetarianismo, proclamado por Deus na criação do mundo, já descrita
em Gênesis 1:29, e Ellen White possui muitos textos defendendo o
regime vegetariano.

Um dos grandes erros nos quais muitos insistem, é que a força muscular
depende da alimentação cárnea. Mas os simples cereais, frutas das árvores
e verduras têm todas as propriedades nutritivas necessárias para produzir
um bom sangue. Isto um regime de carne não pode fazer (WHITE, 2008, p.
316).

Para os pesquisadores William Shurtleff e Akiko Aoyagi não existiu


outra organização ou grupo que tenha tido papel mais importante do
que a Igreja Adventista na introdução do vegetarianismo e da dieta rica
em fibras no mundo ocidental. Para isso, produziu alternativas para a
carne com alimentos de soja, glúten, oleaginosas, entre outros
alimentos integrais e ricos em fibras, como a granola, sendo a maioria
destas alternativas também veganas. Em suas pesquisas os autores
encontraram as raízes do movimento vegetariano na América do Norte
em dois grupos cristãos. O primeiro grupo é a Bible-Christian Church de
Filadélfia do Reverendo William Metcalfe, que começou a American
Emily Kruger Bertazzo • 139

Vegetarian Society em 1850, sendo esta a primeira sociedade vegetariana


de toda a história americana. Contudo, a trajetória desta sociedade não
teve continuidade após o falecimento do Reverendo Metcalfe.
O segundo grupo é a Igreja Adventista do Sétimo Dia, que passou a
se envolver mais ativamente com as questões do vegetarianismo a
partir de 1863, seguindo as visões e recomendações de Ellen White sobre
o assunto. A partir daí, a influência adventista cresceu
exponencialmente no vegetarianismo, tendo como pioneiro o famoso
Dr. John Harvey Kellog, diretor do Battle Creek Sanitarium, primeiro
sanatório adventista fundado nos EUA. Foram escritos textos sobre os
benefícios do vegetarianismo, bem como livros de receita, e percebeu-
se então a necessidade de se produzir alimentos que substituíssem a
carne. A categoria comercial de produtos vegetarianos que imitam
carne foi inventada pelo Dr. John Harvey Kellog. Essas primeiras opções
comerciais eram feitas com base de amendoim e foram disponibilizadas
para venda já na década de 1890 (SHURTLEFF e AOYAGI, 2014, p. 4 e 7)
Existem essencialmente dois tipos de fábricas de produtos
adventistas. As que pertencem a instâncias da própria denominação e
as que pertencem a membros da comunidade adventista. Segundo outra
pesquisa, a Igreja Adventista é a única denominação que tem a sua
própria rede de fábricas de produtos alimentícios, naturais, saudáveis e
vegetarianos, além de possuir muitos membros de sua comunidade que
possuem fábricas e lojas de produtos naturais. A pesquisa também
comenta que já desde os anos 1890 a IASD deu início a outras fábricas
de produtos alimentícios em outros países fora dos Estados Unidos
(SHURTLEFF e AOYAGI, 2004, p. 1).
140 • O Adventismo no Brasil

Fábricas das Divisões Administrativas da IASD no mundo

(Tabela organizada pela autora com base no


“Seventh Day Adventist Church - Annual Statistics Report” 2018, p. 88)

Ao procurarmos no site do Office of Archives, Statistics and Research


da Igreja Adventista do Sétimo Dia pelo termo “Food factory”, o
resultado da busca são mais de 20 itens. Países como Japão, Egito,
Argentina, Alemanha, Equador, Australia, Estados Unidos, Coreia do
Sul, Costa Rica, México, Trinidad, Colombia, Venezuela, Canadá e Brasil
possuem suas próprias fábricas adventistas (GENERAL CONFERENCE
OF SEVENTH-DAY ADVENTISTS, 2021).
Cada fábrica oferece diferentes produtos que são sempre
vegetarianos e veganos, e que procuram trazer qualidade bem como
praticidade para as refeições. Buscando seguir os conselhos da IASD
Emily Kruger Bertazzo • 141

sobre vegetarianismo, e procurando se aproximar das culturas


gastronômicas locais, podemos verificar produtos que seguem um
padrão comum das tradições gastronômicas da IASD, e produtos que
procuram atender as culturas locais.
Podemos citar a granola e outros cereais matinais, alimentos de
proteína de soja, geleias e mel como produtos que estão disponíveis em
diferentes continentes. Estes produtos demonstram tradições
gastronômicas em comum, disseminadas pelos pioneiros adventistas
americanos e europeus por todo o mundo. Outros produtos atendem as
demandas gastronômicas locais, como podemos ver na fábrica do Japão
por exemplo, chamada internacionalmente de Vegetus Store, produtos
bem característicos da gastronomia asiática como a pasta de gergelim,
guioza e ramen (IASD Japão, 2021).
Todas estas fábricas foram organizadas com o principal objetivo de
auxiliarem no trabalho evangelístico de suas organizações locais. Além
disso, disseminar o estilo de vida adventista baseado na Bíblia e nos
conselhos de Ellen White, facilitar a preparação da rotina alimentar das
famílias adventistas bem como dos refeitórios dos colégios e
departamentos administrativos da denominação.
Neste capítulo pretende-se comentar brevemente sobre as
tradições gastronômicas do UNASP São Paulo 58, aprofundar a discussão
sobre a formação do setor agroindustrial do então Seminário Adventista
(atual UNASP São Paulo), a implantação de sua Fábrica de Produtos
Alimentícios (FPA), e abrir uma discussão sobre a história da atual

58 Já comentadas com mais profundidade em outras publicações, vide BERTAZZO, Emily Kruger. Tradições
Gastronômicas: origens e legados. In: MENSLIN, Douglas; BERTAZZO, Emily Kruger; RIBEIRO, Francisco; ABRAÇOS,
Gabriela (org.). UNASP no Tempo. São Paulo: UNASPRESS, 2021. cap. 4, p. 71-87 e OLIVEIRA, C. B. K.; BERTAZZO,
E. K.; LISBOA, D. Unasp Gourmet: Receitas inesquecíveis da doce vida na Colina. São Paulo: Centro de Memória
Unasp São Paulo, 2017.
142 • O Adventismo no Brasil

Superbom. Para isto, serão usados, em especial, documentos diversos do


Centro de Memória UNASP São Paulo, como a coleção dos livros
comemorativos “Colina” e a coleção de periódicos chamada de “O
Colegial”, ambos produzidos por alunos e colaboradores do UNASP São
Paulo. Referências faltantes serão retiradas da Revista Adventista e de
demais publicações de órgãos e pesquisadores da IASD.

DA ESCOLA À FÁBRICA

O início da Fábrica de Produtos Alimentícios (FPA) da denominação


adventista no Brasil (chamada atualmente de Superbom), aconteceu
dentro do então Seminário Adventista fundado em 1915 no sertão de
Santo Amaro, região conhecida atualmente como Capão Redondo.
Pelo fato de a fazenda comprada para abrigar o Seminário não
possuir nada além de uma velha casa, este início industrial começou
pelos itens mais básicos, como a construção de barracas e de um açude
com uma roda d’água, para que pudessem produzir energia elétrica.
Desde o início do Seminário, o Pr. John Lipke, um dos fundadores, já
demonstrava a preocupação em desenvolver mais “indústrias” para que
alunos que não possuíam condições financeiras, pudessem trabalhar no
próprio Seminário para custear seus estudos. Portanto, estas
“indústrias” defendidas por Lipke serviriam tanto para abastecer o
refeitório quanto para ajudar financeiramente os alunos (RABELLO,
1990. LIPKE, 1918, p. 1).

Nunca esquecerei o dia 24 de Agosto. Ha mezes, professores, estudantes e


operários haviam trabalhado na construcção do açude, na casa de industrias
e na instalação da roda, dynamo, etc. para conseguirmos a luz electrica.
Quando na noite do dia mencionado, pela primeira vez, as lâmpadas
Emily Kruger Bertazzo • 143

electricas illuminaram o Seminário, a alegria emocionou todos


sobremaneira. Espontaneamente professores e alumnos reuniram-se na
capella e entoaram hymnos de louvor a Deus. Pouco mais tarde foram
installados um moinho de milho, uma serra circular e uma serra de fita.
Assim foi feito o começo do nosso desenvolvimento industrial, que é muito
necessário. para o progresso da escola, e que mais tarde, por meio das
industrias, poder ajudar aos alumnos desprovidos de meios (trecho com
português original do período retirado de LIPKE, 1918, p. 1).

A Sra. Augusta Boehm, uma das pioneiras fundadoras do UNASP,


foi a primeira responsável pela cozinha do refeitório do Seminário.
Seguindo as orientações da Igreja Adventista para suas instituições,
Augusta foi quem introduziu o regime ovolactovegetariano no
Seminário, procurou orientar o preparo de pratos naturais, saudáveis,
integrais e caseiros. Já nas primeiras semanas de trabalho, quando
estavam todos alojados ainda nas barracas, Augusta providenciou os
ingredientes necessários para a fabricação de pães integrais. Um relato
descreve que um morador da região a auxiliou na montagem de um
forno a lenha, para que assim pudessem desfrutar de um pão caseiro, e
substituir o “pão francês” comprado em Santo Amaro (RABELLO, 1990).
144 • O Adventismo no Brasil

Vinhedo do então Seminário Adventista

Foto tirada antes de 1920, acervo de Elder Hosokawa, doado pela família Steen

Como descrevem alguns autores “o início do setor agroindustrial


se confunde com o início da própria escola”. Neste início, professores
pioneiros e os alunos estiveram envolvidos principalmente em
construir a primeira edificação, antigo dormitório dos moços (atual
Prédio Administrativo); organizar plantações de itens básicos de horta,
cereais para os animais, bem como pomares e demais tipos de plantas
ornamentais; compraram cavalos para ajudar no trabalho pesado e
vacas para a produção de leite e derivados; criaram galinhas. Menos de
um ano depois do início do seminário já existiam mais de 600
bananeiras plantadas, grandes hortas com vegetais típicos brasileiros,
uma extensa plantação de milho e outra de amendoim, e o início de um
vinhedo (OLIVEIRA et al, 2017, p. 8; BERGOLD, 1926, p. 4).
Os irmãos Bergold foram grandes responsáveis pelo
desenvolvimento dos setores agropecuários e industriais no início do
Seminário, possuíam “experiência familiar” nestes assuntos. O primeiro
Emily Kruger Bertazzo • 145

a chegar à escola foi Adolpho, formando da emblemática primeira


turma do Seminário em 1922, sempre teve facilidade em desenvolver
novas técnicas para melhorar a produção e foi incentivado pelo diretor
Thomas Steen. Adolpho visitou outras instituições para procurar
soluções e fortalecer estes setores da escola. Pouco tempo depois seus
irmãos e irmãs também vieram estudar, sendo um deles, Ernesto,
também grande participante deste desenvolvimento agroindustrial.
Eles foram os responsáveis por trazer para o colégio as primeiras vacas
holandesas, bem como melhorar a produção das plantações do colégio
(HOSOKAWA, 2001, p. 120-121).
Mais do que a organização de um setor industrial que servisse as
necessidades do colégio e a situação financeira dos alunos, Adolpho
Bergold acreditava em uma “Educação Industrial”. Na edição
comemorativa à formatura de 1922 do periódico “O Seminarista” ele faz
a seguinte provocação “Que ideia temos do que seja uma boa educação?”.
Adolpho acreditava que o ensino prático deveria ser oferecido tanto
quanto o teórico:

Em nossas escolas devemos ensinar carpintaria, marcenaria e mechanica.


Isto resultará tanto em benefício para o instituto quanto para o proprio
estudante. Um obreiro familiarizado com taes artes, juntamente com seus
conhecimentos teóricos, e uma consagração completa, prestará um bom
trabalho em qualquer parte. Nunca se achará em apertos. (...) O ensino das
artes domésticas não é menos importante. (...) A primeira parte no ensino
de industrias, em nossas escolas, a sciencia agrícola devia preencher
(BERGOLD, 1922, p. 9).

A “Educação Industrial” foi então organizada para complementar


o currículo teórico tradicional e moral (oferecido por todas as
instituições adventistas). Na exposição “Murmúrios de uma Colina”, do
146 • O Adventismo no Brasil

Centro de Memória UNASP São Paulo, é possível ver objetos utilizados


pelos alunos nas aulas de “Educação Industrial”. Máquina de costura,
serrote, ferro de passar de carvão, ferradura, entre outros. Durante
muitas décadas todos os alunos do colégio, independentemente de sua
situação financeira, além de assistirem as aulas de Português e
matemática por exemplo, e cumprirem o programa teórico, deveriam,
todos os dias, participar das aulas práticas e aprender a lavar, passar,
cozinhar, costurar, lidar com os animais, arar, plantar, construir, fazer
atendimentos de primeiros socorros etc. A frase em destaque de uma
aluna do período comprova o dia a dia do currículo integral “é aqui o
único logar em todo o Brasil em que posso preparar-me para a causa do
Mestre; é aqui que se pode obter uma educação physica, intellectual e
moral; esta é a verdadeira educação e tal educação o mundo não
offerece” (BERGER, junho 1924, p. 6 in EXPOSIÇÃO "Murmúrios de uma
Colina", 2019; STEEN, 1926, p. 4).

Foto do painel de Educação Integral da exposição


“Murmúrios de uma Colina” do Centro de Memória UNASP São Paulo.
Emily Kruger Bertazzo • 147

Acervo Centro de Memória UNASP São Paulo, 2019

E é interessante notar que diversos trechos indicam que desde os


primórdios procurou-se realizar a produção de mel e suco de uva. Um
trecho interessante que comprova a produção de suco de uva ainda em
1917, apenas dois anos depois da fundação do Seminário, um repórter
passou pela região do colégio e percebeu que pessoas conversando em
alemão 59 trabalhavam exaustivamente. Noticiou então em seu jornal a
seguinte manchete “Alemães constroem fortaleza no Capão Redondo”!
Sendo esta a época da I Guerra Mundial, um grupo de soldados
brasileiros amanheceu no dia seguinte no Seminário. Ao verificarem
que se tratava de uma instituição educacional, e possuírem nenhuma
outra arma além de uma bem velha usada para matar os gambás, a
tensão se dissipou. Foi servido suco de uva aos oficiais, cantaram alguns
hinos e foram embora. Este suco seria produzido para abastecer o
refeitório, e aparentemente, seria servido como uma “iguaria” aos
visitantes (RABELLO, 1990, p. 120-121).
Na primeira década do colégio, 1915 a 1925, os professores e alunos
estiveram muito empenhados em tomar posse da fazenda, planejar a
planta da propriedade, formar suas primeiras estradas, construir os
primeiros prédios, organizar um currículo apropriado. Em 1925 a
propriedade já estava organizada, dormitório masculino e feminino,
refeitório e o prédio de aulas já estavam construídos, e a fazenda tinha
grande produção “obtivemos 29.934 litros de leite. Do bananal colhemos
1.236 cachos de bananas. As abelhas nos deram 733 quilos de mel.

59 Os fundadores da instituição tinham origem alemã, e muitos alunos eram filhos de famílias alemãs
adventistas, portanto a língua alemã era comum nos primórdios do Seminário.
148 • O Adventismo no Brasil

Colhemos 982 abacaxis”. Era então possível começar a investir mais


tempo e recursos no setor industrial (BERGOLD, 1926)
A data da fundação da fábrica de produtos alimentícios é contata a
partir de 1925, quando os irmãos Bergold começaram a fabricar e
engarrafar suco de uva para consumo dos alunos no refeitório do
colégio. Por ser um produto importante nas tradições religiosas
adventistas, vindo substituir o vinho nas cerimônias de Santa Ceia, o
suco de uva acabou ganhando grande destaque em diversas ocasiões
festivas das instituições adventistas e se consolidou em uma iguaria da
gastronomia adventista, bem como da gastronomia do colégio. Este suco
de uva integral influenciou o preparo de outros pratos como o Sagú de
Uva, que é feito de bolinhas de sagú com suco de uva integral, conforme
receita do livro “UNASP Gourmet”, e é servido a décadas no refeitório
do colégio (PEVERINI, 1988, p. 408; OLIVEIRA et al, 2017, p. 26-27).
Outro pioneiro importante para a história da fábrica é João
Gnutzmann. Aluno do colégio desde 1920, entre idas e vindas entre o
colégio e o campo missionário, ele concluiu o curso Teológico em 1927.
João tinha facilidade nas atividades práticas e foi o responsável pela
produção dos pães do colégio em determinado período. Em 1928, além
de dar aula para algumas matérias do programa teórico, João iniciou
uma produção seguindo os conselhos de Ellen White. Em janeiro de 1928
a Revista Adventista anuncia “o Collegio principiou o preparo de
diversos alimentos hygienicos”.
Inspirados no trabalho já realizado por outros sanatórios e fábricas
adventistas, iniciaram aqui a produção da granola, cereal feito para ser
servido com leite na primeira refeição do dia. Iniciaram também a
Emily Kruger Bertazzo • 149

produção de “café de cereais” 60, biscoitos, entre outros produtos. O


objetivo desta iniciativa era “fornecer estes productos não só ao nosso
povo perto de S. Paulo, mas com o tempo, ao de todo o Brasil”. A
produção foi logo descontinuada pois João foi chamado para ser
missionário na África e saiu para o campo em dezembro de 1928,
entretanto, seu trabalho serviu de inspiração para futuras tentativas de
se estabelecer de uma linha de produtos (BRAZILIAN WHITE CENTER,
2020; GNUTZMANN, 1975, p. 36; COLLEGIO ADVENTISTA, 1928, p. 6).
Nos anos seguintes, entre produções e descontinuações do suco de
uva, o colégio continuou firme na produção de mel, plantação de árvores
frutíferas, imensas hortas e produção de leite. No Almanaque
Comemorativo ao Centenário de Santo Amaro, o colégio participou com
uma grande propaganda de seu trabalho missionário e de educação
integral:

Contam-se na fazenda 1500 árvores frutíferas de várias qualidades. Há


50.000 pés de abacaxi, e 1.000 bananeiras, além de uma horta que fornece
verdura para a cozinha do colégio. As plantações são diversas havendo
vários alqueires de mandioca, milho, amendoim, cará e cana. O apiário
possui 50 colméias de abelhas. A pecuária é um dos fatores principais da
indústria agrícola. Possui o colégio vacas de alta produção, havendo
algumas que alcançaram 24 litros de leite diariamente. Num só ano, com
pouco menos de 20 vacas, houve uma produção de 67000 litros de leite.
Instrui-se aos alunos nessa seção, como nos demais trabalhos, a executar
tudo com estrita limpeza, obtendo-se desse modo ótimos produtos
(GUERRA, 1932, p. 5).

60O "café de cerais” era feito de grãos de cevada ou de milho, e tinha o objetivo de substituir o café e o chá
preto, bebidas estimulantes amplamente difundidas nos costumes brasileiros e norte-americanos, porém
condenadas por Ellen White como maléficas para a saúde (WHITE, 2020, p. 420).
150 • O Adventismo no Brasil

Foi o diretor Ellis Maas que mais uma vez incentivou a retomada
da produção do suco de uva e o feitio de outros produtos ainda nos anos
1930. A princípio, o suco foi comercializado como Suco de Uva Excelsior
mas, por já existirem outros produtos no mercado brasileiro com este
nome, foi preciso alterar a nomenclatura. (HOSOWAKA, 2001, P. 125)
Uma parte curiosa da história da Superbom é a origem de seu
nome. Fontes orais indicam que o nome teria origem em uma visita feita
pelo Pr. Domingos Peixoto à seu amigo de infância Getúlio Vargas, no
início dos anos 1940. Ao oferecer o suco de uva produzido no colégio,
Getúlio teria dito que o suco não era bom, era “superbom”, e desta
ocasião os líderes do colégio teriam tido a ideia de colocar este nome em
sua fábrica de produtos alimentícios (RENTFRO, 1997).
A primeira vez que o termo “superbom” é encontrado no acervo
online da Revista Adventista é em novembro de 1942 “Este ano
fabricamos 55.000 garrafas de suco de uva "Superbom" e já precisamos
controlar as vendas, afim de que o referido produto não venha a faltar
antes da próxima safra”. Neste período, a fábrica já produzia também
“suco de tomate, suco de amora, geleias de uva e amora, creme de
amendoim, mel especial, flor de trigo, arroz e milho, etc” (SILVA, 1942,
p. 16).
Era costume do diretor do colégio Domingos Peixoto enviar
produtos do colégio de presente para autoridades brasileiras. O registro
escrito de que alguma autoridade teria mencionado a palavra
“superbom” veio desta mesma edição da revista, na mensagem do
General Boanerges Lopes de Souza:

Já provámos o suco de uva: é, de fato, super-bom. Eu diria excelente. Apraz-


me dizer que eu já tinha notícia das normas que norteavam a instrução e a
educação desse modelar Estabelecimento, mas a sua carta veio trazer-me
Emily Kruger Bertazzo • 151

grande júbilo cívico, por verificar que a orientação seguida pelo Colégio
Adventista se tem concretizado por realizações de cunho prático, com
aspecto industrial, o que é de grande proveito para os alunos. Além da
educação intelectual, espiritual e moral, recebem os alunos ensino prático
que os encaminhará no futuro. Oxalá os demais estabelecimentos de ensino
do País seguissem análoga orientação (SILVA, 1942, p. 16).

Talvez Getúlio Vargas tenha de fato falado a palavra “superbom”.


Talvez até outras autoridades. E talvez fosse uma expressão comum na
época. O fato é que esta indústria continuou crescendo, este nome
passou a ser oficialmente utilizado em seus produtos.

Rótulo do famoso suco de uva Superbom em 1942

Foto do acervo do pesquisador Elder Hosokawa.

A década de 1940 foi importante para o estabelecimento da


Superbom no mercado brasileiro. Sob a Direção de Domingos Peixoto no
colégio, e os irmãos Bergold e Arno Schwantes na Superbom, o que era
o departamento industrial do colégio, passou a ser de fato uma fábrica.
A produção de suco de uva que em 1939 não passava das 50.000 garrafas,
152 • O Adventismo no Brasil

em 1947 passou das 500 mil. Era a hora de melhorar a situação da


produção, que a princípio foi feita numa casa atrás do refeitório, depois
passou para uma garagem entre a casa do preceptor e o dormitório
masculino, e depois passada para a antiga casa onde funcionava o setor
de agricultura do colégio. (HOSOWAKA, 2001, p. 125).
Entre os anos de 1941 e 1945 foi então construída, no topo de uma
das colinas da fazenda, uma edificação própria para a Superbom, e em
1946 a chaminé. O periódico “O Colegial” de dezembro de 1950 faz
questão de mostrar as instalações e detalhes da fábrica, que neste
período possuía 8 extratores de suco, filtro para produção de mel,
encapsuladeiras, máquinas de lavar e de rotular, tachos automáticos de
mexer geleia, despolpadeiras, máquinas para a produção de creme de
amendoim etc. Os carros-chefe da produção continuavam sendo o suco
de uva, o mel e a cevada. Eram produzidos ainda suco de abacaxi, de
amora e de tomate, melado, rapadura com amendoim, geleias, pasta de
amendoim, cereais e farinhas diversas etc (VASCONCELO, 1950, p. 57-58;
HOSOKAWA, 2002, p. 16).

Fotos da fábrica Superbom, partes externa e interna

“O Colegial” dez. de 1950, acervo Centro de Memória UNASP São Paulo.


Emily Kruger Bertazzo • 153

LEGADOS

Com sua trajetória desde 1925 e a construção de sua edificação


própria em uma das colinas do Colégio Adventista Brasileiro no Capão
Redondo na década de 1940, a Superbom foi a primeira fábrica instalada
na zona sul de São Paulo no trecho entre Santo Amaro e Itapecerica da
Serra. Pioneira na manofaturamento de produtos naturais, integrais,
vegetarianos e saudáveis em solo brasileiro, a indústria que completou
95 anos em 2020, passou a ser um importante meio de propaganda tanto
do colégio quanto da denominação adventista (HOSOKAWA, 2001, p. 139
e 160).
Com o crescimento do Colégio Adventista Brasileiro 61 e de seus
serviços, e com o crescimento da própria indústria, partir de julho de
1969 a Superbom deixou de ser administrada pelo então Instituto
Adventista de Ensino e passou a ser administrada por uma mesa
administrativa diferente, com outros líderes da Divisão Sul-Americana
da Igreja Adventista (INSTITUTO ADVENTISTA DE ENSINO, 1970, p. 7).
No início da década de 1970, por estar enfrentando algumas
dificuldades financeiras, os administradores da Superbom recorreram
aos conselhos de administradores de outras indústrias adventistas ao
redor do mundo e decidiram diminuir o número de alunos
industriários 62. Com isso conseguiram a recuperação financeira da
fábrica (HOSOKAWA, 2002).
Nesta mesma década a Superbom lançou a primeira linha de carnes
vegetais enlatadas do Brasil: carne vegetal moída, bife e salsicha. Trio

61 que em 1963 passou a se chamar Instituto Adventista de Ensino, atual UNASP São Paulo.
62 Formato empregado desde os primórdios do Seminário, no qual alunos com condições financeiras limitadas
trabalhavam nos departamentos do colégio em troca de desconto no valor das mensalidades.
154 • O Adventismo no Brasil

ainda vendido pela marca. Este lançamento marcaria o início do


pioneirismo da Superbom em produtos para substituir o consumo de
carne no mercado brasileiro. Inspirados em linhas de produtos feitos
por outras indústrias adventistas ao redor do mundo, a Superbom vem
se destacando neste mercado (SUPERBOM ALIMENTOS, 1972, p. 32).

Anúncio da nova linha de produtos de carne vegetal da Superbom.


Retirado do acervo da Revista Adventista, outubro de 1972.

Nas décadas de 1970 e 1980 a Superbom abriu restaurantes Plant


Based 63 em alguns estados do Brasil, e aumentou seu portifólio de
produtos com destaque para os cerais matinais estilo “corn flakes” 64. No

63 Cardápio à base de alimentos vegetais integrais.


64 “Flocos de milho” no português.
Emily Kruger Bertazzo • 155

início dos anos 2000 lançou a primeira geração de produtos congelados


para substituir o consumo de carne animal. Em 2013 conquistou o selo
da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), aumentando ainda mais seu
reconhecimento além da comunidade adventista (NIGRI, 1973;
SUPERBOM ALIMENTOS, 2020, p. 1).
Nos últimos anos a Superbom aumentou seu portifólio de sabores
de carnes vegetais enlatadas, renovou sua linha de congelados, lançou o
primeiro frango vegano do Brasil, e ganhou o prêmio Innovation Awards
pelo hambúrguer a base de proteína de ervilha. Lançou também uma
linha de queijos veganos, maionese vegetal, cookies e crackers integrais
e veganos, além de continuar com a produção dos tradicionais: suco de
uva, de tomate, entre outros; mel e melado; geleias e pastas de
amendoim; cevada e milho torrado etc. (SUPERBOM ALIMENTOS, 2020,
p. 1).
Muitos outros detalhes da história da Superbom poderiam ser
acrescentados, bem como uma análise de como sua trajetória
influenciou o mercado brasileiro para produtos saudáveis, integrais,
vegetarianos, veganos e substitutos da carne animal. Ainda assim, fica
aqui um registro de como esta história começou na Igreja Adventista ao
redor do mundo, e como as tradições gastronômicas adventistas
brasileiras influenciaram para o estabelecimento de uma fábrica de
produtos alimentícios ainda dentro de uma instituição educacional,
conhecida atualmente como Centro Universitário Adventista de São
Paulo. Segue por fim, a lista de diretores da fábrica desde a década de
1940, quando um responsável específico foi designado para esta função
dentro da administração do colégio. Que este trabalho possa inspirar
muitos outros sobre a grande trajetória da Superbom.
156 • O Adventismo no Brasil

Diretores da Fábrica de Produtos Alimentícios Superbom 65:


Adolph Bergold 1940-1943
Ernesto Bergold 1944
Arno Schwantes 1945-1951
Germano Ritter 1951-1952
Dermival Stockler de Lima 1953-1960
Pirajá Dias Pinto 1961-1962
Dermival Stockler de Lima 1963-1967
Siegfried Genske 1968-1970
Ardoval Shevani 1970- 1974
Japhet Leme 1974-1976
Geraldo Bôkenkamp 1977-1979
Hélio Grellmann 1980
Mário Fehlberg 1981-1983
Paulo Stabenow 1984
Lourival Corrente Cruz 1984-1987
Paulo Stabenow 1987
Lauro Manfredo Grellmann 1988-97
Itamar de Paula Marques 1997-2003
David Deana Carmo 2004-2007
Alexandre da Silva Lopes 2007-2012
Adamir Alberto 2012-2019
Flávio André Nunes Santos 2019-Atual

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65 Lista organizada por HOSOKAWA, 2002, e atualizada com informações da secretaria da Superbom.
Emily Kruger Bertazzo • 157

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6
A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA DE OBREIROS
ADVENTISTAS JUBILADOS
Francisco Luiz Gomes de Carvalho

Ao longo das páginas que compreendem esse capítulo intentamos


apresentar como a atuação dos obreiros adventistas no campo
missionário da causa adventista pode ser referida em seus relatos
autobiográficos nos contornos da experiência religiosa. É pertinente
indicar que a perspectiva que norteia esse capítulo é informada pelos
elementos que advém da escrita desses obreiros que, após anos de
dedicação ao ministério adventista em suas diversas frentes agora
falam/escrevem no status de obreiros jubilados 66. Cabe ainda nas
primeiras linhas deste capítulo informar que a composição do mesmo
se ancora na análise de dados provenientes de uma obra publicada pela
denominação religiosa e que consiste na apresentação de diversos
relatos autobiográficos de vários obreiros jubilados.
Apresentamos as balizas teóricas que conformam a escrita do
capítulo. Haja vista que utilizamos relatos autobiográficos publicados
na obra Minha Vida de Pastor I e II organizados por Sarli (2007, 2009)
tornou-se imprescindível recorrer a um referencial teórico que nos
oferecesse elementos que nos introduzisse à temática, assim que
utilizamos como categoria inicial de análise a literatura autobiográfica
(GUSDORF, 1991). No entanto, à medida que as fontes foram visitadas e

66A utilização da nomenclatura “obreiro jubilado” significa dizer que o mesmo faz parte do grupo daqueles
que, depois de anos dedicados ao ministério adventista encontram-se nos anos de aposentadoria.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 161

que dados foram coletados fomos impelidos a considerar uma temática


bastante recorrente, a saber a experiência religiosa. Neste sentido,
Smart (1996) e sua teoria acerca dos estudos das religiões se apresentou
bastante profícua para as nossas considerações, além do mais cabe
destacar a pertinência de suas acepções à nossa pesquisa também
quando trata da dimensão ritual e seus elementos para a experiência
religiosa.
No tratamento das fontes coletadas optamos por voltar a todo
instante nossa atenção à maneira como a temática da experiência
religiosa era colocada através dos relatos autobiográficos por esses
obreiros, então jubilados. É fato que o tema da experiência religiosa tem
sido objeto de diversas disputas no campo das Ciências da Religião
especialmente por sua estreita relação com a linha da Fenomenologia
da Religião. É sabido que boa parte dos críticos da Fenomenologia da
Religião encontra-se fundamentada em um paradigma interpretativo
que orienta os estudos, de modo que, para esses o termo sagrado “não
aponta para algo independentemente existente, mas que esse ‘algo’ é
criado pelo ato da denominação” (USARSKI, 2006, p. 38).
A religião está para além daquilo que vemos, não se restringe aos
templos, cerimônias ou mesmo a arte. Todavia, é no significado e
sentido que cada pessoa atribui para a sua vivência perpassada pela
religião que professa que podemos assinalar os elementos que
conformam a experiência religiosa. Nestes termos, torna-se ponderável
para nossa pesquisa o que aponta Smart (1996) quando afirma ser
necessário “[...] ver o modo como os significados externos e internos da
religião se fundem” (p. 03). Para tanto, a variedade dos relatos
autobiográficos apresenta a experiência religiosa como um fenômeno
complexo, de modo que mesmo que o testemunho de cada um desses
162 • O Adventismo no Brasil

obreiros se apresente demarcado pela crônica de uma série de eventos,


o significado desses para a experiência religiosa indica a multiplicidade
de perspectivas adotada, mas que nos possibilita compreender “[...]
algumas questões profundamente importantes sobre a verdade da
religião” (SMART, 1996, p. 03).
Isto posto, é imperioso afirmar que por meio da análise dos relatos
autobiográficos pudemos apreender certa tensão no discurso dos
obreiros jubilados quando se referiam à experiência religiosa, de modo
que nuances dessa tensão por vezes indicavam uma compreensão
eventualmente porosa no que tange a relação entre o sagrado
instituinte da experiência religiosa e o instituído da instituição
religiosa, mas que por sua vez contribui para afiançarmos a ideia de
existência de vetores que relacionam as dimensões acima referidas a um
certo gradiente “[...] cujos segmentos mostram o grau de dominação do
sagrado” (MENDONÇA, 2004, p. 41).
Se por um lado a cosmovisão dos obreiros adventistas reportados
neste capítulo é resultante da experiência religiosa de cada um deles,
não podemos deixar à margem a influência da teologia e filosofia da
religião professada por eles. Pois que, a despeito da singularidade e dos
elementos individuais que caracterizam a experiência religiosa dos
indivíduos há de se destacar que tanto a teologia quanto a filosofia
adventista se afiguram como elementos instituintes denominacionais
cuja interação se dá com preponderância na formação da cosmovisão e
na conformação mesmo na mais pessoal das experiências, a experiência
religiosa.
Para aqueles que professam a fé adventista, a experiência religiosa
se apresenta numa convergência de elementos caracterizadores da
herança tradicional protestante, no entanto, o caráter de
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 163

particularidade da mensagem adventista compõe parte significativa


nesse caudal. Para tanto, é demanda substancial tornar de
conhecimento geral que a experiência religiosa dos obreiros adventistas
jubilados indica que o discurso proselitista quando em atuação no
campo missionário passou em algum momento a nortear-se pela
pregação de unidade entre os homens, a despeito da singularidade que
caracteriza a mensagem escatológica adventista.
As memórias individuais que os relatos autobiográficos terminam
por esboçar indicam um aspecto da seletividade, bem como a existência
de pontos de contato entre elas e outras lembranças que em alguma
medida podem ser referidas a uma base comum que, de algum modo
contribui para a compreensão de “[...] processos e atores que intervêm
no trabalho de constituição e de formalização das memórias” (POLLAK,
1989, p. 4). Esse enquadramento da memória se apoia na referência ao
passado e serve para manter a coesão dos grupos e das instituições, além
de reforçar os sentimentos de pertencimento e as fronteiras que
demarcam o lugar do grupo na sociedade.

A VIDA DE PASTOR: UMA LITERATURA AUTOBIOGRÁFICA

Entre os anos de 2007 e 2009 foram publicados dois volumes da


obra intitulada Minha Vida de Pastor e Minha Vida de Pastor II, ambas
organizadas por Tércio Sarli. Na primeira delas cinquenta e três
pastores jubilados apresentam seus relatos autobiográficos sobre a vida
e ministério adventista, enquanto que o último volume apresenta os
relatos de setenta obreiros jubilados. Acerca do organizador, podemos
falar que o mesmo é obreiro jubilado desde o ano de 2004 quando
encerrou suas atividades. Ao longo dos quarenta e dois anos de
164 • O Adventismo no Brasil

dedicação à causa adventista exerceu diversas funções tanto como


pastor quanto administrador em variadas regiões do país. Cabe destacar
que no primeiro volume da obra Minha Vida de Pastor há um capítulo
escrito por ele e, no qual é dedicado um número bem maior de páginas
quando comparado com a quantidade dispensada aos demais escritores
cujos relatos compõem a obra.

Ainda referente às informações preliminares indicativas da obra


publicada, cabe nos interrogar acerca das razões de que a publicação
tenha se dado em prelo da Casa Publicadora Brasileira (CPB), editora
denominacional, no entanto, a obra consta no catálogo de uma editora
radicada em Campinas e denominada Certeza Editorial, acerca da qual
poucas informações se tem quando se empreende busca em provedores
da internet. Nessa conjuntura é pertinente apresentarmos alguns
questionamentos: a) teve a obra publicação em prelo denominacional a
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 165

fim de receber chancela institucional? Qual a razão de não haver


indicação da obra no site da editora denominacional? Foi essa obra
resultante de iniciativa pontual e apenas pessoal, ou nela convergiram
intencionalidades denominacionais?
A despeito das diversas incógnitas que podem se desdobrar a partir
das interrogações referidas acima, podemos afirmar que tal obra é
pioneira no contexto das publicações adventistas, tanto pelo caráter
geral que a marca, quanto pelo objetivo principal que a delimita, a saber:

[...] transmitir às novas gerações de obreiros, e aos membros de nossas


igrejas, um pouco da história e das experiências de homens que dedicaram
a vida à causa de Deus (SARLI, 2007, p. 7).

Ainda compondo a apresentação da obra por parte do organizador


aos leitores, é possível ler uma sequência de citações da escritora
adventista Ellen G. White que são mobilizadas no sentido de legitimar a
importância da obra em questão, além de ressaltar por meio da citação
de textos whiteanos uma concordância entre a escrita da obra e os
conselhos de Ellen G. White no que se refere à valorização da
autobiografia dos obreiros jubilados para as diversas gerações, seja de
leigos quanto de outros obreiros. É fato que, a obra por si só já carrega
elementos simbólicos que a fazem figurar com certo grau de
importância, todavia, quando o organizador da obra recorre a textos de
Ellen G. White temos uma sinalização clara de que tal pretende atribuir
à obra um status diferenciado em relação a outras congêneres.
A leitura mais atenta dessas citações de Ellen G. White arroladas
na apresentação do livro revelam muito mais do que a intenção de
legitimação da publicação, mas sim elementos indiciários da
propositura de um escopo segundo o qual os relatos autobiográficos
166 • O Adventismo no Brasil

sejam considerados numa perspectiva para além da escrita de homens


comuns que dedicaram a vida à causa adventista, mas de pessoas cuja
vida, feitos e dedicação sejam tidos como exemplares.
Neste sentido, elementos internos integrantes da composição da
escrita e seu inter-relacionamento na tessitura do texto sinalizam para
um status elevado da obra, bem como para uma autoridade
especialmente conferida. Dessa forma, de modo preliminar a obra busca
assinalar que os hábitos, costumes e comportamentos indicados na
escrita dos relatos autobiográficos são bases fundantes de uma
compilação de textos arraigados em estruturas simbólicas de
apresentação de vida cujos personagens são tidos como tipos ideais no
caráter personificado da religiosidade adventista. Para tanto,
organizador da obra publicada afirma em sua apresentação que:

[...] o desejo é que as histórias de vida aqui relatadas possam realmente


trazer proveito e inspiração ao exército numeroso de novos ministros, e seja
também de edificação e fortalecimento da fé de nossos queridos irmãos em
Cristo, principalmente da valorosa juventude da igreja, que tem sobre seus
ombros grande parte da incumbência de levar avante a obra do evangelho
até o fim (SARLI, 2007, p. 7, 8).

É inegável a assunção dos relatos para uma realidade construída e


constitutiva dos seus autores para direcionar o entendimento do leitor
para um modo de apresentar significações históricas que se ocupam
mais com as pródigas realizações, muitas vezes remetendo mais a uma
realidade que transcende o factível. Por isso que, na apresentação das
histórias de vida desses obreiros jubilados conforme indicadas no livro
emergem significados mais precisos do que a própria escrita pretende
inicialmente demarcar, mas que se encontram arraigados nas narrações
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 167

que se assentam em tempos, lugares e acontecimentos. Enfim,


elementos marcadores que, antes de tudo representam signos de
transcendência, estruturas simbólicas e tipos ideais de religiosidade.
É pertinente afiançar que a publicação da obra Minha Vida de Pastor
em dois volumes se apresenta como uma reverberação da necessidade
premente de literatura que cumpra a função de mediação na promoção
das metas institucionais e a consubstanciação dos ideais daqueles que,
ora se encontram jubilados e dos que ainda estão na ativa do ministério
adventista. Esse aspecto é de grande importância dada a carência de
obras com esse viés, bem como a forte ênfase letrada que caracteriza a
religiosidade adventista. Para tanto, essa literatura pode ser
classificada como piedosa em sua forma exemplar (MENDONÇA, 2000).

A forma exemplar da literatura piedosa assemelha-se às histórias de santos


da devoção católica. Ao contrário do que se pensa, trata-se de um aspecto
importante da literatura protestante e que tem como escopo oferecer
biografias de pessoas, homens e mulheres, que ofereceram suas vidas, não
necessariamente em “sacrifício”, mas em trabalhos penosos para a
propagação da fé. Propagação e, principalmente, vivência da fé
(MENDONÇA, 2000, p. 78).

Cabe destacar que o público inicial que foi contemplado com a


publicação das obras era composto majoritariamente de obreiros
adventistas na ativa e que filiados ao Clube do Livro receberam as obras
como estimulo à leitura das mesmas ao longo dos anos e que, por meio
da leitura se sentissem motivados no exercício do ministério adventista.
Nesses relatos autobiográficos as virtudes da vida são
apresentadas na tessitura dos textos e mesmo no arrolamento das
fontes conforme apresentadas pelos autores, além do que é ponderável
notar que a percepção do tempo e espaço profano/sagrado explicitada
168 • O Adventismo no Brasil

por eles se consubstancia a um espectro de possibilidades de


interpretação, nas quais seja assumível relacionar tanto a intenção do
próprio texto, do autor, quanto às disposições mentais do leitor.
Para tanto, concebemos que esses relatos autobiográficos,
conforme organizados e apresentados na obra aqui referida são escritas
do eu e, como tais, não podem ser categorizados como elementos
formativos de um campo unitário no interior do qual se estabelecem
compartimentos estanques. Afinal, quando esses obreiros escrevem
sobre si, de fato não é individualidade que majoritariamente dita o
texto, mas uma representativa de um coletivo religioso do qual o eu é
um porta-voz, a despeito da singularidade do sujeito que escreve e das
intencionalidades que conformam o texto (GUSDORF, 1991).
Devemos nos atentar ao fato de que, mesmo que a proposta fosse
de escrita do eu aparentemente livre, a mesma esteve conformada ao
esboço que o organizador estabeleceu, posto que a grande maioria dos
relatos autobiográficos que compõem a obra se apresenta balizados pela
seguinte estruturação tópica: a) breve relato de minha vida; b) minha
família; c) comunhão com Deus; d) em horas de desânimo; e) a igreja dos
meus sonhos; f) se eu começasse de novo; g) aposentadoria; h)
mensagem à igreja de hoje; i) mensagem aos novos pastores. Dessa
forma, compreende-se uma clara intenção do organizador da obra em
fazer com que os relatos apontassem para pontos culminantes das
escritas e evidenciassem elementos demarcadores de uma consonância
com os intentos denominacionais indiciados na vontade do organizador
da obra.
A leitura atenta das autobiografias especialmente no tópico
Mensagem aos Novos Pastores conforme esboçado na obra Minha Vida
de Pastor (SARLI, 2007; 2009) permitem-nos assinalar elementos que
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 169

caracterizam as escritas desses obreiros no que tange a um pacto


referencial (LEJEUNE, 1975), segundo o qual o texto pode ser submetido
a uma prova de verificação, mas que em nenhum momento busca uma
verossimilidade com a realidade como se um “efeito do real”, pois que
por mais que as intenções dos autores sejam de expressão da verdade as
mesmas encontram-se escamoteadas pela representatividade de uma
coletividade que, nesse caso, é institucional.
Uma seleção feita a partir de textos que compõem a seção
Mensagens aos Novos Pastores se afirma como exemplaridade das
acepções a que nos referimos enquanto pacto referencial e expressão da
verdade. A seguir apresentamos alguns desses:

Concluindo, quero deixar muito claro que [...] para um pastor ter êxito em
seu ministério é a unção do Espírito Santo. Com esta unção ele fará um
ministério Cristocêntrico e poderoso (Anísio Chagas, apud SARLI, 2007, p.
61).

Aos novos pastores que estão nas lides da seara de Deus hoje, nós dizemos:
Consagrem-se ao trabalho de Deus de todo o coração. Dediquem-se a buscar
os perdidos e a alimentar e confortar a igreja até a volta de Jesus. E no Reino,
terão a eterna recompensa (Alcides Campolongo apud SARLI, 2007, p. 51).

[...] aos que têm convicção do chamado divino eu diria: Não cometam a
loucura de não aceitar. [...] Se Deus chamou, lembrem-se de que é a maior
honra concedida a mortais: ser representantes, porta-vozes do Senhor do
Universo e Único e Supremo Deus. Aguardemos, portanto, com ânimo e fé,
o dia em que pudermos esgotar o tempo aqui na terra, e einvadir a
eternidade (Gerson Pires de Araújo apud SARLI, 2007, p. 187).

Querido colega mais jovem: Em primeiro lugar, tenha convicção do


chamado de Deus para você. Atender o Seu chamado significa abrir mão de
170 • O Adventismo no Brasil

ambições pessoais e seguir um caminho que nem sempre será fácil, mas que
terá recompensas eternas (Osmar Reis apud SARLI, 2007, p. 372).

A partir dos enxertos apresentados logo acima podemos indicar a


presença de um pacto referencial que se inscreve no texto
apresentando-se como expressão de verdade. Para tanto, aquele que
redige o relato autobiográfico busca apresentá-lo recorrendo a um
sentido que se expressa para além de uma correlação de fatos
cronológicos, mas que se apoia no sentido da vida interior, uma escrita
que se efetua numa relação de recomposição da individualidade que
revela as intenções profundas da interioridade cuja verdade autêntica é
a dos sentimentos que perpassa pela linguagem e se mostra como
exemplar.

“COMUNHÃO COM DEUS”: ELEMENTOS DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

Salvo algumas exceções, a maioria daqueles que escreveram acerca


de si para a composição e publicação da obra que ora tratamos nessas
páginas seguiu o esboço proposto pelo editor, o qual linhas acima o
retomamos neste trabalho. Informamos que o tópico Comunhão com
Deus está localizado entre os tópicos Minha Família e Em Horas de
Desânimo. Não é possível sermos taxativos acerca das intenções do
organizador da obra ao apresentar uma disposição de tópicos com a
ordem que informamos, todavia, podemos hipotetizar que a influência
da escrita desses obreiros no que se refere ao tópico Comunhão com Deus
encontra-se intrinsecamente relacionada com o tópico seguinte, a
saber: Em Horas de Desânimo. Desse modo a escrita que compõe esse
último tópico busca referência nos elementos indicadores da
experiência religiosa conforme esboçada no tópico anterior.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 171

Seguindo a perspectiva de Smart (1996) acerca da experiência


religiosa devemos considerar que os elementos sinalizadores dessa
experiência religiosa dos obreiros adventistas jubilados se constituíram
ao longo da vida de dedicação ao ministério adventista, tal experiência
se constituiu balizada por uma relação estreita entre espaço e tempo.
Nestes termos para compreendermos a experiência religiosa de tais
autores é imprescindível atentarmos para assimilar que a vida desses
obreiros, bem como os anos dedicados no campo missionário também
se encontra permeados por componentes diretamente atinentes à
denominação religiosa e ao tempo de sua inserção, além dos
desdobramentos da sua institucionalização nestas
terras (CARVALHO, 2013; SCHÜNEMANN, 2009).
Esse aspecto é relevante, pois que como a Igreja Adventista do
Sétimo Dia é herdeira direta do Movimento Milerita do século XIX que
compôs o caudal religioso nos Estados Unidos da América por ocasião
do Segundo Grande Despertamento, essa carrega em si os germes de um
ethos que a filia a uma sociedade plural com influência da imigração
europeia que contribuiu para a multiplicação de denominações
religiosas. Neste caso, em especial seu ethos tem que ver com a
esperança escatológica de matiz milenarista e ênfase missionária.
Acerca dos Adventistas do Sétimo Dia, Smart (1996) o seguinte:

Podemos ver aqui algo da atração perene e punjante da esperança cristã


escatológica: a repetição das esperanças do Milênio em toda a história cristã
é uma faceta da experiência cristã que é intrigante, mas significativa. Pode
ser uma interpretação literal da virtude da esperança, mas pode ser um
estímulo para uma vida piedosa e fervorosa. Os Adventistas do Sétimo Dia,
o ramo mais poderoso do movimento iniciado por Miller continuam como
um movimento missionário zeloso (p. 390).
172 • O Adventismo no Brasil

É notório destacar que diversos desses obreiros quando escrevem


sobre a sua experiência religiosa no tópico Comunhão com Deus deixam
claro que foi no ambiente familiar que eles foram iniciados nas
atividades de cunho religioso, tanto que as instruções recebidas no seio
familiar lançaram as bases daquilo que somente anos a frente
aperfeiçoariam, seja ao longo dos anos vividos em uma instituição
denominacional adventista por ocasião da sua formação para serem
obreiros adventistas, seja pelas experiências que marcaram os anos de
vida atuando em favor da mensagem adventista. A respeito dessa
influência recebida no contexto familiar, bem como das situações
vividas no campo missionário para a conformação da experiência
religiosa alguns desses obreiros afirmam:

Bem cedo aprendi a orar com minha mãe, e à medida que crescia e me
desenvolvia, passei a orar cada vez mais (Orlando Ruben Ritter apud SARLI,
2007, p. 390).

Minha comunhão com Deus, desde a minha mocidade, tem sido contínua,
pois Ele é a força que impele a minha vida e de toda a minha família. Desde
o princípio nossa militância, tanto na igreja como no ministério, foi
respaldada por uma constante ligação com o Senhor. Nosso costume
familiar tem sido, religiosamente, realizar o culto matinal, cooperar com a
igreja em tudo que nos seja possível, e estar sempre presente em todas as
atividades congregacionais (Claudomiro Franco Fonseca apud SARLI, 2007,
p. 97).

Minha mãe era muito devota, e sempre foi a minha inspiração na vida
espiritual. Lembro-me bem de que, às vezes, ao levantar-me de madrugada
para ir ao sanitário, passando pelo seu quarto a via de joelhos orando em
favor dos filhos. Este episódio nunca saiu de minha mente. [...] Já estudando
no colégio, nunca duvidei da presença de Deus em minha vida. É bem
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 173

verdade que surgiram muitas provações, porém, todas foram vencidas, não
só nos estudos, mas principalmente, no campo missionário. Isto durante 38
anos de trabalho (Olival Moreira da Costa apud SARLI, 2007, p. 340).

Considero-me agora, sendo já um pastor jubilado, vitorioso em meu


ministério, com muitas lutas e severas provações. Por pouco não sai do
ministério, com as tremendas ciladas do inimigo. Porém me apeguei ao
Salvador, e Ele me amparou, confortou e fortaleceu. Superei as provações
com fé atuante, muita oração particular e constante estudo de Sua Palavra
(Josias Moreira de Castro apud SARLI, 2009, p. 405).

Ao abordarmos a experiência religiosa desses obreiros é


importante considerar que tal se estabeleceu conformada por um
contexto segundo o qual a dimensão doutrinária exerceu relevante
função. Afinal, desde anos de formação do seminário e ao longo dos anos
vividos em dedicação à causa adventista nos mais diversos lugares,
esses personagens foram engajados pregadores da mensagem
adventista, tanto nas atividades de reforço da identidade adventista
para os membros das igrejas, como também no desenvolvimento de
atividades missionárias com o propósito de angariar fiéis para
acréscimo nas fileiras denominacionais. Para tanto, cumpre-nos
reforçar que esses obreiros ao escreverem sobre a experiência religiosa
terminam por “[...] interpretar suas experiências nos termos das
doutrinas recebidas” (SMART, 1996, p. 07). Por isso que, sendo a religião
um importante aspecto da vida, torna-se imprescindível reportar às
suas doutrinas no sentido de indiciar a influência delas no arcabouço
segundo o qual esses obreiros adventistas balizaram a experiência
religiosa e, por meio da escrita de si revelam-nas ou mesmo as indiciam,
destarte “[...] vale a pena notar que há interação entre experiência e
doutrina” (SMART, 1996, p. 7).
174 • O Adventismo no Brasil

Desta maneira, Smart (1996) denomina de interação dialética essa


relação em que experiência e doutrina mantém entre si, numa dinâmica
de mútua informação e que nos auxilia a compreender que essa
dialogicidade relacional se dá com contornos próprios na vida de cada
um desses que professam a mensagem adventista e declaram pertença
ao grupo de crentes. A consideração dessa relação dialética e suas
reminiscências apresentadas nos relatos autobiográficos oportunizam
perscrutar indícios de elementos indicadores de um processo no qual a
experiência religiosa desses obreiros é pessoalmente particularizada,
mas também se explicita como resposta às demandas de cunho ritual e
ético advindos da vivência das mais diversas situações da vida, seja de
ordem da intimidade do ser ou mesmo da vida em comunidade, tanto
com os de mesma pertença religiosa quanto com aqueles que são alheios
à mensagem adventista. Afinal, “a interação entre doutrina e
experiências é fundamental para a religião pessoal” (SMART, 1996, p. 8).
Essa relação entre a experiência e a doutrina pauta a história de
vida de cada obreiro adventista e se constitui como marcos balizadores,
de modo que essa zona proximal faz convergir aspectos que reportam a
uma formação religiosa comumente presente nos internatos
adventistas, mas que não se restringem às crenças religiosas
dominantes e oportunizam a admissão de novos aspectos que, em
estreita relação fomentaram uma experiência religiosa que, em termos
do impacto pessoal se mostrou revelatória para esses que, após anos
atuando no ministério adventista em suas mais diversas frentes, por
ocasião da escrita intentam em breves palavras torná-la conhecida.
A leitura atenta dos relatos constantes no tópico Comunhão com
Deus chama a atenção para o caráter prescritivo e sistemático que
envolve a compreensão da maioria desses obreiros, no que tange àquilo
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 175

que eles entendem por comunhão com o ser divino. A grande maioria
dos relatos apresenta que tais obreiros acabaram por seguir um plano
que envolvia estudo da Bíblia, leitura dos livros da escritora Ellen G.
White, além de literatura denominacional. A experiência religiosa do
tipo fascinante e tremenda é aspecto secundarizado e minimamente
indiciado na escrita autobiográfica de tais obreiros, dadas as marcações
racionalizadoras que balizaram tal experiência.
Se por um lado, a incidência dessas marcações racionalizadoras e
sistemáticas revelam um componente característico do protestantismo,
por outro podemos perceber as marcas institucionais adventistas na
conformação da experiência religiosa de seus obreiros, posto que pela
leitura de obras de Ellen G. White e de literatura denominacional esses
obreiros mantinham-se alinhados à teologia adventista que, em muito
se nutre dos escritos whiteanos e que atualiza o interesse na
manutenção identitária denominacional que considera que os escritos
de Ellen G. White constituem uma contínua fonte de autoridade.
Acerca dessa relação que o crente adventista, neste caso o obreiro,
estabelece com a Bíblia afirmamos que a mesma não se dá de forma
estritamente direta, nem mesmo espontânea, pois a intervenção de
leituras de apoio termina por indicar restrições sobre o que se lê e,
especialmente a respeito do que se deve entender da leitura. Enfim, se
estabelece um controle referente o discurso ou saber evocado a partir
da leitura da Bíblica (BRAVO PEÑA, 2016).

El control de lo que se lee e interpreta de la Biblia no sólo tiene su


antecedente inmediato en la Reforma protestante, sino también en la
tradición católica medieval. En el catolicismo medieval, por ejemplo, existía
un control sobre la lectura de la Biblia que hacían los clérigos católicos,
fundamentado en su lectura comentada. El éxito que tuvo este tipo de
176 • O Adventismo no Brasil

lectura radicó en que con ella se controlaba toda interpretación herética.


Muchas órdenes religiosas incentivaron la publicación de epítomes para
garantizar una exégesis legítima del texto sagrado (HAMESSE, 2001 apud
BRAVO PEÑA, 2016, p. 131).

Acerca dessa racionalidade que marca as denominações religiosas


protestantes e, atento à polissemia do termo, Mendonça (2000) afirma
existir duas vertentes, uma de caráter psicológico e outra de perspectiva
epistemológica. A primeira tem que ver com o fato do fiel ter de dar
“razões de sua fé”, enquanto que a outra está intrinsecamente
relacionada com a ordem inteligível segundo a qual, o crente busca “[...]
a reorganização das coisas, a busca de uma nova ordem [...] e sua
adequação com a Revelação” (MENDONÇA, 2000, p. 82).
A maneira como esses obreiros jubilados organizaram a escrita da
autobiografia possibilita-nos entrever que ao se referirem à conversão
à Igreja Adventista do Sétimo Dia por meio do batismo demonstra que
as diversas experiências da vida, algumas dessas aparentemente
contraditórias da vivência da fé se mostram laureadas de um novo
sentido. Percebe-se a conformação dos relatos a uma estructuração
institucional, de forma que neles é possível encontrar elementos
indicativos de uma recriação da experiência que permite identificar
tópicos doutrinários cuja centralidade explicativa se revela no discurso
testimonial a partir da reelaboração da identidade do converso que,
neste caso é o obreiro jubilado.
É comum na leitura desses relatos de conversão notar que ao
relacionarem os eventos ocorridos após a adesão à mensagem
adventista os mesmo são dispostos num ordenamento que a própria
pertença religiosa encadeia a construção de uma identidade. Essa nova
construção identitária pautada por uma vontade que exige modos de
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 177

validação das crenças e práticas fornece novas formas de expressão de


uma experiência individual que é demarcada por certo fervor
missionário e pelo sentido de um chamado à dedicação à causa
adventista.
Ao refletirem sobre o fenômeno da conversão e o esboçarem em
sua escrita autobiográfica, esses obreiros então jubilados empreendem
uma descrição breve, mas permeada de elementos simbólicos. Além do
mais, tal fenômeno é apresentado como processo multidimensional no
qual estão imbricadas diversas condicionantes tais como a família, a
comunidade e em alguns casos uma complexa rede de sociabilidades, o
que implica em considerá-lo também como um processo de
desconstrução e reconstrução. A conversão religiosa é marcada por um
ritual que marca a fronteira simbólica entre o pertencer e o não
pertencer, cujas implicações vão para além do âmbito cultural
reverberando na conformação de visão de mundo.
Sob essa égide, a conversão se torna ponto focal da experiência
religiosa, de forma que o crente formula uma nova interpretação para a
vida assumindo um outro discurso sobre a realidade. Dessa forma, a
conversão se afirma como um aspecto de fundamental importância na
transformação da vida do sujeito, afinal se trata de uma resignificação
do sentido da vida, uma reorganização temporal da existência na qual a
pessoa passa a dividir sua vida em antes e depois da conversão (ALVES,
2005).
Em suma, a escrita desses obreiros apresenta que a vida após a
conversão sublinhada pelo rito do batismo revela a adoção de uma ética
revelada em vez de uma ética fundada no indivíduo (NIEBUHR, 1967)
que, nestes termos se afigura claramente marcada pelos elementos
advindos da denominação religiosa a partir de então professada. Isto
178 • O Adventismo no Brasil

implica em apontar que a constituição da experiência religiosa a partir


da conversão confirmada por meio do batismo foi informada por uma
inteligibilidade que dentre tantas funções se afirmou como orientadora
da explicação do mundo.
A despeito dos limites impostos que marcaram a trajetória dessa
pesquisa, especialmente na escrita desse capitulo, ao longo dele tendo
como corpus documental os relatos autobiográficos publicados nas
obras Minha Vida de Pastor e Minha Vida de Pastor II organizadas por
Sarli (2007; 2009) recorremos a um escopo teórico balizado pelas
categorias literatura autobiográfica (GUSDORF, 1991), experiência
religiosa (SMART, 1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim sendo, podemos afirmar que esses obreiros adventistas


jubilados empreenderam em seus relatos autobiográficos um uso
pessoal e refletido de uma escrita de um sujeito que se esforça em dar
expressão à sua história no sentido de dar sentido à historicidade de sua
experiência religiosa, neste caso de dedicação à causa adventista.
Tornou-se possível compreender que o entendimento referente aos
relatos autobiográficos dos obreiros jubilados direciona o leitor a
considerar que tais histórias de vida são apresentadas para inspiração,
edificação e fortalecimento, além de serem tidas emoldurados sob a
égide da exemplaridade.
Quando abordamos os elementos da experiência religiosa desses
obreiros recorremos às dimensões doutrinária, ritual e experiencial, o
que por sua vez nos ofereceu elementos para afiançarmos que a
interação dialética se funda em um processo no qual a experiência
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 179

religiosa do tipo fascinante e tremenda é aspecto secundarizado e


minimamente indiciado na escrita autobiográfica de tais obreiros,
dadas as marcações racionalizadoras e sistematizadoras que balizam tal
experiência e que conformam a cosmovisão.
Coube a nós mobilizarmos na análise dos dados coletados a
concepção de literatura autobiográfica ou escrita do eu/de si (GUSDORF,
1991) para evidenciarmos que tais relatos terminam por direciona o
leitor a considerar que tais são histórias de vida e que, as mesmas são
apresentadas para inspiração, edificação e fortalecimento. Afinal, em
boa parte da escrita desses obreiros jubilados “[...] não é sua
individualidade que dita o texto, mas uma entidade representativa de
um coletivo do qual o eu é apenas um porta-voz” (HERVOT, 2013, p. 102).
Tais relatos se firmam como literatura calcada nos ditames da
inspiração, edificação e fortalecimento com marcas indeléveis da forma
exemplar da literatura piedosa (MENDONÇA, 2000).
Seguindo a perspectiva de Smart (1996) acerca da experiência
religiosa considerando que os elementos sinalizadores dessa
experiência dos obreiros adventistas jubilados se constituiu nos termos
das doutrinas recebidas e cuja interação dialética (SMART, 1996) também
se explicita como resposta às demandas de cunho ritual e ético advindas
da vivência na busca por “[...] manter a ‘tradição da confissão’ ao lado
das adaptações circunstanciais” (MENDONÇA, 2000, p. 83) pela adoção
de uma ética revelada em vez de uma ética fundada no indivíduo
(NIEBUHR, 1967).

REFERENCIAS

ALVES, Rubem. Religião e repressão. São Paulo: Loyola, 2005.


180 • O Adventismo no Brasil

BRAVO PEÑA, Fernando. El estudio de la biblia en un grupo de creyentes protestantes


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7
A OBRA DAS PUBLICAÇÕES ADVENTISTAS NO
BRASIL: INSTRUMENTALIZAÇÃO NA FORMAÇÃO DE
OBREIROS
Francisco Luiz Gomes de Carvalho

A seção Artigos Gerais da Review and Herald de 24 de junho de 1902


é iniciada por um artigo intitulado Chamada por Obreiros escrito por L.
D. Santee no qual ele evidenciava a maior necessidade denominacional
no avanço missionário, a de obreiros. Afinal, “Todo mundo tem que
ouvir as notícias do “evangelho do reino” 67 (SANTEE, 1902, p. 8).
Para avançar para além de suas fronteiras iniciais estadunidenses
e consolidar sua presença nos campos missionários, a causa adventista
precisava contar com obreiros e, nada mais se tornava urgente tanto
para os líderes estadunidenses quanto no Brasil do que a necessidade
inexorável de formar obreiros para atuação nas mais diversas frentes 68.
Tendo já compreendido como a educação adventista desde seu
incipiente início foi balizada pelos ditames da estratégia missionária e
como a mesma se insinuou no cenário brasileiro, convém-nos neste
capítulo lançar as bases para evidenciarmos como a instituição
educacional de formação de obreiros do Brasil, o Colégio / Seminário
Adventista Brasileiro empreendeu em seu programa educacional uma

67 Texto original: “All the world must hear the tidings of the "gospel of the kingdom," Carried to remotest nations
by the heralds of the cross”.
68 O termo é tomado neste capítulo com o sentido de informar que se refere àqueles que atuariam nas mais
diversas frentes missionárias do adventismo, neste caso atuando como pastores, obreiros bíblicos, colportores,
professores e administradores.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 183

formação na qual a colportagem contribuiu significativamente para a


conformação de um modelo formativo para os obreiros adventistas
nestas terras.
É notório apresentar que a partir do momento que São Paulo se
tornou uma prioridade para a liderança denominacional adventista,
esforços indicaram que os investimentos para o progresso da causa
adventista nestas terras iam além da instalação da publicadora
adventista no estado e da busca por estabelecer uma escola missionária.
A despeito do caráter marginal assumido diante do espectro
protestante que já atuava nessas terras, os adventistas priorizaram a
formação de obreiros nativos a fim de fazer avançar sua obra
missionária para além das comunidades étnicas e, tal projeto apontava
para uma nova caracterização do programa missionário adventista que,
por sua vez, buscava estabelecer as bases para o avanço do adventismo
em direção aos grandes centros populacionais do país, o que
indubitavelmente nos permite entrever uma passagem gradual de um
adventismo rural para um de ênfase urbana.
Neste capítulo tencionamos apresentar como a obra da
colportagem ganhou espaço ao longo do tempo na instituição de
formação dos obreiros. É indiscutível que tal obra é uma marca do
protestantismo, pois sendo a religião do livro fez desse estrado uma
plataforma de penetração da mensagem nestas terras. Todavia,
ressaltamos que, no caso adventista, a colportagem se institucionalizou
de tal forma que se tornou um meio imprescindível para o início e
ampliação da mensagem adventista. Tamanha a importância da
colportagem para o adventismo nestas terras, é que a mesma
encontrava espaço cativo no periódico denominacional brasileiro, além
de serem comuns os cursos de colportagem para calouros e veteranos
184 • O Adventismo no Brasil

na instituição de formação de obreiros. Cabe ressaltar que o calendário


letivo era ajustado para oportunizar períodos mais amplos de recesso, a
fim de que os estudantes pudessem dedicar as férias a esta atividade. É
notório observar que ao longo dos anos nos Prospectos Anuais da
instituição aqueles estudantes que se dedicavam à colportagem em seus
períodos de férias ganhavam mais espaço tendo a foto impressa e uma
legenda com tons laudatórios.
A fim de promover ainda mais a obra da Colportagem no meio
estudantil, a instituição escolar organizou juntamente com o
departamento de publicações um plano denominado Scholarship (bolsa
de estudos) (PROSPECTO ANNUAL, 1926), por meio do qual buscava
premiar aqueles que tendo alcançado metas de vendas de literatura
denominacional concedendo descontos significativos ou mesmo
isenção das taxas e custos da formação escolar. A ênfase
denominacional na importância da colportagem no programa de
formação dos obreiros revela que a liderança da IASD pretendia fazer
avançar a mensagem para além dos nichos até então alcançados, tendo
na obra das publicações um apoio para a penetração nos campos
missionários, além de instrumentalizá-la como componente da
manutenção identitária dos novos conversos, mas especialmente dos
egressos do Seminário.
O escopo que conforma a escrita deste capítulo revela que, os fios
tecidos ao longo dos parágrafos deixam entrever a maneira como a
formação dos obreiros na instituição adventista radicada em São Paulo
se funda nas balizas de uma ascese intramundana (WEBER, 2004),
segundo a qual a valorização do trabalho e do tempo se relaciona a
elementos de uma moral protestante, que no caso adventista se
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 185

estabelece por uma “[...] peculiaridade espiritual inculcada pela


educação” (WEBER, 2004, p. 33).
A despeito do caráter marcadamente escatológico da mensagem
adventista e seu forte senso sectário evidente muitas vezes em sua
atuação missionária em terras brasileiras, tal denominação
empreendeu um forte programa de formação do obreiro valendo-se dos
ideais e desejos pelo progresso característicos no período republicano,
mas, sobretudo da relação peculiar da regulamentação da vida religiosa
sob a égide da ascese intramundana e dos valores da ética protestante.
Afinal,

[..] o único meio de viver que agrada a Deus não está em suplantar a
moralidade intramundana pela ascese monástica, mas sim, exclusivamente,
em cumprir com os deveres intramundanos, tal como decorrem da posição
do indivíduo na vida (WEBER, 2004, p. 72).

Neste espectro, a liderança denominacional tencionava por meio


da formação dos obreiros adventistas fomentar uma exemplaridade de
moral ascética que apresentava diversas combinações por meio do
programa institucional, mas que indubitavelmente intentava lançar as
bases de uma concepção de atuação no campo missionário, segundo a
qual o obreiro adventista deveria fazer do “[...] trabalho diário e
metódico um dever religioso, a melhor forma de cumprir, ‘no meio do
mundo’, a vontade de Deus” (WEBER, 2004, p. 280).

AS PUBLICAÇÕES ADVENTISTAS: O “INÍCIO”

Uma das marcas do Movimento Milerita no meio denominacional


adventista refere-se a importância atribuída às publicações,
especialmente após o Grande Desapontamento de 1844, o que por sua
186 • O Adventismo no Brasil

vez oportunizou o surgimento de periódicos entre o grupo de sabatistas


que futuramente daria origem a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Neste
sentido e, especialmente enfraquecidos pela zombaria advinda do
desapontamento de 1844 e dadas as parcas condições financeiras e
dificuldades com a realização de conferências públicas, recorrer a
publicação de periódicos apresentou-se como uma estratégia de atuação
adequada ao momento. Neste espectro Schwarz e Greenleaf (2009)
indicam que:

Era natural os adventistas sabatistas se inspirassem em sua experiência


millerita enquanto se esforçavam para difundir seus conceitos de verdade
religiosa em contínua expansão. Contudo, tanto a época quanto seus
recursos eram fatores limitados. [...] Os periódicos milleritas que
reapareceream depois do desapontamento eram um meio natural de
alcançar outros adventistas (p. 69).

Assim que, podemos perceber que o ponto de inflexão na história


da formação dos Adventistas do Sétimo Dia que remonta ao período do
Movimento Milerita é marcado pela circulação dos periódicos no
período pós-desapontamento de 1844. Posto que o uso da página
impressa pelo adventismo será legitimado pelas declarações da
profetisa, como também será o meio efetivo de veiculação do arcabouço
de crenças posto a circular no meio denominacional.
Acerca da atuação de Ellen G. White em direção ao estabelecimento
da obra de publicações no meio de um dos grupos advindos do
desapontamento de 1844 do movimento milerita, ela relata:

Numa reunião efetuada em Dorchester (Massachusetts), em novembro de


1848, foi-me concedida uma visão da proclamação da mensagem do
assinalamento e do dever que incumbia os irmãos de proclamarem a luz que
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 187

resplandecia em nosso caminho. Depois da visão, eu disse ao meu esposo:


“Tenho uma mensagem para ti. Deves começar a publicar um pequeno
jornal e manda-lo ao povo. Será pequeno a principio; mas lendo-o o povo,
mandar-te-ão meios com que imprimi-lo; e alcançará bom êxito desde o
princípio. Desde este pequeno começo foi-me mostrado assemelhar-se a
torrentes de luz que circundavam o mundo (WHITE, 2007, p. 95).

Com o incentivo de Ellen G. White, junção de economias e apoio do


grupo de sabatistas passados nove meses da visão, em julho de 1849
surgiu o primeiro periódico, Present Truth (Verdade Presente) que sendo
um pequeno jornal contava com oito páginas e durou até o final de 1850
sendo substituído por uma nova revista, Second Advent Review and
Sabbath Herald 69. Assim a publicação desses periódicos, livros e até
mesmo hinário (SPALDING, 1962, v. 3) contribuíram para lançar as bases
de para um futuro empreendimento institucional adventista, a obra das
publicações, consistindo em um efetivo instrumento de penetração da
mensagem adventista em diversas partes do mundo.
Na obra Adventism in Quebec (FORTIN, 2004), o autor empreende
um estudo sobre os anos 1845 a 1850 e identifica três fatores que foram
determinantes para a futura organização da denominação adventista, a
saber: a) visita de lideres que encorajavam crentes locais; b) associação
de igrejas e pastores; c) presença dos periódicos. Neste sentido,
podemos perceber o papel relevante dos periódicos no período pós-
desapontamento, especialmente pela mobilização que os periódicos
tiveram, pois que no caso da Advent Herald “[...] tornou-se um

69 O periódico tornou-se a revista oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, no entanto, teve seu nome mudado
várias vezes, sendo a última para Adventist Review. É comumente chamada de Review e seus números
encontram-se eletronicamente disponíveis em: <https://documents.adventistarchives.org/
default.aspx>. Acesso em: 20 mar. 2022.
188 • O Adventismo no Brasil

instrumento essencial para consolidar a fé de centenas de crentes


adventistas e para propagar suas crenças” 70 (FORTIN, 2004, p. 46).
Tendo em vista que no período pós-desapontamento surgiram
diversas correntes cada uma propondo novas interpretações acerca de
22 de outubro de 1844, insurgiu-se entre os grupos herdeiros do
movimento milerita uma disputa doutrinária (HEWITT, 1983), de modo
que a publicação dos periódicos para o grupo dos sabatistas buscou
veicular ensinos “oficiais”, bem foram instrumentalizados com o
objetivo incutir um senso de pertença e identidade.

[...] o periódico tornou-se um mensageiro de esperança e salvação e era


muitas vezes o único meio confiável de comunicação. O periódico nutriu a
vida espiritual, colocou em contato com outros adventistas que tinham as
mesmas experiências que eles, e os advertiu de ensinos errôneos” 71

(FORTIN, 2004, p. 46).

Diversas cartas escritas pelos leitores e endereçadas ao periódico


Advent Herald indicam o suporte que o mesmo ofereceu a muitos desses
crentes que, vivendo em áreas isoladas raramente contavam com a
visita de líderes itinerante e que firmemente se opunham a retornar às
outras denominações protestantes. Um exemplo típico dessas cartas foi
a escrita por John Orrock, na qual afirma:

Eu sinto que a ‘Herald’ é necessária no presente momento, em que a


escuridão está cobrindo a terra e densas trevas encobrem os povos. Espero

70 No original o texto é como segue: “[...] became an essential instrument to consolidate the faith of hundreds
of Adventists believers and to propagate their beliefs”.
71“[...] the journal became a Messenger of hope and salvation and was often the only reliable means of
comunication. The paper nourished their spiritual life, placed them in contact with other Adventists who
encountered the same experiences as they, and warned them against erroneous teachings”.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 189

que ela continue firme nos princípios bíblicos e como um farol na escuridão
circundante (ORROCK, 1847, p. 46 apud FORTIN, 2004) 72.

Se por um lado atestamos o caráter agregador, disciplinador e de


unificação dos periódicos para um dos grupos advindos do
desapontamento de 1844, é pertinente indicar como os periódicos se
tornaram campo de disputa entre os diversos grupos mileritas,
evidenciando as mais diversas direções e possíveis articulações da
herança milerita posta a circular por meio dos periódicos entre os
crentes desapontados. Neste espectro Hewitt (1983) aborda o
surgimento de várias denominações adventistas na esteira do
Desapontamento indicando como os periódicos enfatizavam diferenças
doutrinárias, rivalidade entre os grupos, mas especialmente assinala
que:

[...] foi em torno destes periódicos que as denominações emergentes se


uniram. Na verdade, no início, era as sociedades de publicações que eram as
denominações embora tecnicamente os periódicos fossem os agentes
maiores do corpo (HEWITT, 1983, p. 231) 73.

Entre o grupo dos Adventistas Sabatistas liderados pelo casal


White, a publicação de periódicos e literatura avançou ao longo dos
anos, de forma que chegou a se constituir como uma organização
formalmente estabelecida, Associação Adventista de Publicações em 3
de maio de 1861, o que representou a primeira instituição jurídica dos

72 John M. Orrock to Joshua V. Himes, Advent Herald, march 17, 1847. O original apresenta-se da seguinte
forma: “I feel that the ‘Herald’ is needed at the present time, while darkness is covering the land, and gross
darkness the people. I hope it will still continue on Scriptural principles, and stand as a beacon in the
surrounding darkness”.
73 O texto original é: “[...] it was around these periodicals that the emerging denominations coalesced. Indeed,
at the beginning, it was the publication societies that were the denominations even though technically the
papers were agents of larger overall parent bodies”.
190 • O Adventismo no Brasil

adventistas (ANDERSON, 1998). A respeito da importância das


publicações para o adventismo, Spalding (1962, v. 3, p. 219) afirma que:
“Escrever e publicar foram meios de difundir a verdade desde o início
da mensagem” 74.
Os anos seguintes à organização da entidade denominacional de
publicações, especialmente da última década do século XIX revelaram
uma expansão da mensagem adventista para além dos Estados Unidos
da América intrinsecamente relacionada à obra das publicações
adventistas.

A expansão mundial do adventismo durante esses anos surge claramente


nos escritórios de publicações estabelecidos durante a década de 1890:
África do Sul (1890), Dinamarca e Finlândia (1893), Canadá (1895), Índia
(1896) e Argentina (1897) (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 205).

No entanto, essa expansão prescindia de um programa


denominacional de evangelização pela literatura através do qual,
homens e mulheres levassem a mensagem adventista por meio da
página impressa de porta em porta. Esta abordagem adventista foi
examinada na terceira assembleia do Concílio Europeu das Missões
Adventistas do Sétimo Dia, realizado em Basiléia, Suíça, em 14 de
setembro de 1885. A obra da colportagem no meio adventista surge
intrinsecamente relacionada às Sociedades Missionárias 75 e de Tratados
[panfletos] que surgiram a partir da iniciativa de quatro mulheres que

74 No original: “Writing and publishing were means of spreading the truth from the very beginning of the
message”.
75 A emergência das sociedades missionárias é tida como um fenômeno notavelmente iluminista que
inicialmente caracterizou o cenário dos países protestantes, mas que alcançou seu ápice por volta dos anos
1880 por ocasião da política imperialista do século XIX. BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças
de paradigma na teologia da missão. Tradução: Geraldo Kornodörfer e Luis M. Sander. São Leopoldo, RS: Sinodal,
2002.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 191

entre 1868 e 1869 no lar de Stephen Haskell, em South Lancaster,


Massachusets.
Em um relatório acerca da mobilização dos membros adventistas
norte-americanos em seus esforços evangelísticos em prol do avanço da
mensagem adventista suportada pelas publicações, apontava que em
1884 haviam sido obtidas “[...] mais de 19 mil assinaturas para a Review,
Signs of the Times, Good Health, ou um dos periódicos em língua
estrangeira” (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 148).
A despeito do aparente ineditismo da prática da colportagem entre
os adventistas, ela remontava ao século XII e ao grupo de homens e
mulheres que liderados por Peter Waldo (c. 1140 – c. 1205) devotaram a
vida espalhar cópias das Escrituras em língua materna nas terras da
Hungria, Alemanha e Espanha (LATOURETTE, 1974, v. 2). Tal prática foi
continuada pelos Reformadores Protestantes, como também pelas
denominações advindas do Protestantismo.
Neste sentido, podemos indicar que a produção e divulgação/venda
de literatura religiosa foi uma tática utilizada pelo movimento da
Reforma em seu projeto missionário (COSTA, 2008), o que oportunizou
o rompimento do monopólio intelectual que detinha o clero e a sua
transmissão oral do saber. Assim sendo, “A imprensa foi o fator
fundamental para a promoção da democracia na área cultural” (NUNES,
1980, p. 21), bem como pela produção e divulgação / venda de Bíblias e
livros religiosos se constituiu em um efetivo meio de penetração do
protestantismo no Brasil.
Tanto o movimento milerita como também os pioneiros da igreja
adventista se utilizaram dessa tática, todavia, para esses últimos sua
mobilização se deu em um espectro ainda mais amplo, posto que teve
como motriz inicial a união de crentes em torno de uma mensagem
192 • O Adventismo no Brasil

defendida após o desapontamento de 1844, bem como se constituiu


como importante aspecto da organização formal do movimento
adventista.
Para além do que até aqui se tornou conhecido acerca da
importância da obra de publicações para o adventismo e como a mesma
foi mobilizada em seus primeiros anos, cumpre-nos elencar algumas
interrogações: como a obra de publicações se tornou esteio para a
chegada da mensagem adventista no Brasil? Quais os objetivos
denominacionais para que a obra da colportagem permeasse o
programa formativo dos obreiros em terras brasileiras? Quais as
estratégias institucionais para o recrutamento dos estudantes em torno
da obra da colportagem estudantil?

A COLPORTAGEM ESTUDANTIL NO BRASIL: UMA ESTRATÉGIA


DENOMINACIONAL

Haja visto que, por volta do das últimas décadas do século XIX já
havia vários núcleos de adventistas na América do Sul, a Comissão de
Missões Estrangeiras da Associação Geral da Igreja Adventista do
Sétimo Dia em reunião realizada em 3 de janeiro de 1890 sugeriu a
imigração de obreiros de sustento próprio para o continente
(GREENLEAF, 2011). Um dos membros da Comissão de Missões
Estrangeiras, Percy T. Magan aconselhou que a obra adventista no
continente sul-americano deveria trabalhar o território a partir de três
línguas – francês, espanhol e italiano, indicando a importância de se
começar

[...] com aqueles cujos modos e costumes são mais semelhantes aos nossos
e então, por etapas, à medida que a providência de Deus abrir caminho,
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 193

trabalhar com aqueles separados de nós por hábitos de vida, sem mencionar
a língua e suas formas de governo (Percy T. Magan apud GREENLEAF, 2011,
p. 28).

A história da chegada da mensagem adventista ao Brasil encontra-


se intimamente ligada à obra de publicações denominacional por meio
das atividades missionárias do colportor Albert Stauffer que tendo
trabalhado na Argentina e no Uruguai foi o primeiro obreiro adventista
a trabalhar nestas terras a partir do Rio de Janeiro. Em sua carta Report
from Brazil publicada no periódico denominacional estadunidense
(STAUFFER, 1894) indica aquela que foi a diretriz escolhida para o
trabalho junto as colônias alemães nos primórdios da colportagem no
Brasil.

Não podemos fechar sem antes trazer de o valor do povo alemão neste
grande país. Estamos seguros em dizer que há mais de 200.000 dessa
nacionalidade espalhados em diferentes Estados [...] Colônias de vários
milhares de almas no Estado do Espírito Santo [...]. Depois, há as grandes
colônias nos três Estados do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul, com muitas boas aberturas, e em uma das quais ouvimos há núcleos de
guardadores do sábado (STAUFFER, 1894, p. 116) 76.

Não demorou muito e o trabalho com a venda de livros iniciado por


Albert B. Stauffer recebeu o apoio de Albert Bachmeyer, um jovem
marinheiro alemão que se converteu ao adventismo no Rio de Janeiro,
além de outro imigrante alemão Frederick Berger e de W. F. Thurston.
Estes empreenderam esforços na distribuição/venda de literatura com

76 O original apresenta o texto da seguinte forma: “We cannot close without bringing before you the worth of
the German people in this great country. We are safe in saying there are more than 200,000 of this nationality
scattered through different States […] Colonies of several thousand souls in the State of Espirito Santo [...].Then
there are the large colonies in the three southern States, Parana, Santa Catharina, and Rio Grande do Sul, with
many good openings, and in one of which we hear there is a company of Sabbath-keepers already”.
194 • O Adventismo no Brasil

a mensagem adventista no Brasil em direção ao interior e rumando para


o sul do país a partir do Rio de Janeiro, de forma que com o passar do
tempo outros colportores se engajaram na obra alcançando outras
partes do país.
Diversos fatores contribuíram para o avanço da obra da
colportagem adventista no Brasil. Dentre eles, destacamos o fato de que
por ocasião da chegada da mensagem adventista já era comum a
circulação de publicações religiosas especialmente as impressões da
Bíblia, bem como já haviam sido estabelecidas diversas missões de
outras denominações protestante norte-americanas nestas terras
(MENDONÇA, 2008; MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).
Acerca do papel desempenhado pelos colportores protestantes em
território nacional é possível afirmar que tais “[...] foram parte
valiosíssima do staff missionário, nesses anos iniciais” (cf. RIBEIRO,
1981, p. 141-153; REILY, 1984, p. 64-67; READ, 1967, p. 47-49). Tanto que,
atribui-se ao trabalho realizado pelos mesmos o fato de que

[...] a grande maioria das Igrejas Evangélicas do Brasil deve sua existência à
Sociedade Bíblica, e, com igual certeza pode ser asseverado que a pessoa
mais temida pelos sucessores da linhagem dos Padres Jesuítas, é o colportor
da Bíblia (GLASS, s. d., p. 298, 43, 97-98).

O protestantismo no Brasil deve grande parte de seu sucesso à


atuação dos colportores que tendo viajado enormes distâncias na obra
de divulgação / venda de exemplares da Bíblia semearam a semente da
mensagem protestante nestas terras. Tamanho o trabalho realizado por
estes que, ao seguirem sua rota, os missionários que os sucederam
encontraram “[...] pequenas comunidades já dispostas a aceitar o
protestantismo pelo conhecimento prévio da Bíblia (MENDONÇA, 2004,
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 195

p. 54). De certa maneira, o trabalho inicial de propaganda religiosa


implementado pelos colportores contribuiu para a organização de uma
rede de publicação, venda e distribuição em massa de impressos
protestantes.
No que se refere ao expansionismo missionário adventista indica-
se que quase que concomitantemente ao trabalho dos pioneiros da
página impressa, a liderança denominacional estadunidense enviou
pastores ordenados para batizar os conversos e organizar as igrejas
(GREENLEAF, 2011). Assim que com o passar dos anos e avanço do
adventismo, a obra das publicações foi se consolidando como meio mais
eficaz para a propagação da mensagem adventista, o que evidenciou a
estratégia denominacional de incentivar que os colportores
constinuassem a distribuir “[...] literatura, abrindo caminho para os
pastores assumirem o papel de supervisão do trabalho” (GREENLEAF,
2011, p. 36).
Posto que, a obra de publicações por meio da colportagem foi a
principal estratégia de penetração da mensagem adventista em terras
brasileiras, apontamos como ela se valeu dos estudantes. Neste sentido,
a pesquisa O papel das publicações e dos colportores na inserção do
adventismo no Brasil de Carnassale (2015) e a obra A Colportagem
Adventista no Brasil: uma breve história (TIMM, 2000) servem-nos de
apoio para tal empreitada.
A despeito de não haver um registro contundente da utilização de
estudantes na obra da colportagem antes da fundação da instituição de
formação de obreiros em São Paulo no ano de 1915, é possível
indiciarmos tal vestígio em uma carta – Our Industrial School In Taquary,
Brazil – publicada no periódico estadunidense, na qual John Lipke em
1907 indica a existência de um escritório de impressão no prédio
196 • O Adventismo no Brasil

principal na escola industrial de Taquary (RS) originalmente concebida


para a formação de obreiros.

Em nosso escritório de impressão, que está localizado no edifício principal


da nossa escola, estamos bastante ocupados agora. Nós imprimimos um
periódico alemão e dois portugueses cada mês. No próximo mês esperamos
imprimir um número extra de nosso periódico O Arauto da Verdade (Herald
of Truth). Cerca de sete mil exemplares já foram encomendados, por isso
provavelmente podemos imprimir uma edição de dez mil. Além disso, nós
agora imprimimos "Seu Glorioso Aparecimento" o nosso segundo livro no
idioma Português, em nossa própria imprensa (LIPKE, 1907, p. 29) 77.

A instituição de Taquari era modesta no tamanho e, mesmo ainda


em seus primeiros anos possuiu um escritório de impressão. Dada a
periodicidade das impressões, bem como o volume impresso, é possível
afirmar que os estudantes tinham contato direto com as publicações
denominacionais estando envolvidos no processo da impressão. Apesar
de não podermos asseverar que os estudantes saiam da escola em algum
período do ano para trabalhar com as publicações por meio da
colportagem alinhamo-nos à hipótese levantada por Marroni (2000) na
qual afirma que:

Não há registro de que a escola de Taquari houvesse treinamento para


colportagem e que estudantes tivessem saído desta escola para colportar
nas férias. No entanto, podemos crer na hipótese de que os primeiros
colportores estudantes no Brasil tenham sido alguns dos alunos do Colégio
de Taquari, entre 1902 e 1910, influenciados pelo constante movimento dos

77 Texto original: “In our printing-office, which is located in the main building of our school, we are quite busy
now. We print one German and two Portuguese journals every month. Next month we expect to print an extra
number of our paper O Arauto da Verdade (Herald of Truth). About seven thousand copies have already been
ordered, so we probably can print an edition of ten thousand. Besides that, we now print "His Glorious
Appearing", our second book in the Portuguese language, on our own press”.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 197

prelos e o cheiro de tinta que se misturavam no ambiente escolar


(MARRONI, 2000, p. 87).

Figura 13 – Visão parcial da tipografia no Rio Grande do Sul


FONTE: GREENLEAF (2011, p. 782).

Se por um lado a afirmação da relação dos estudantes com a obra


da colportagem nos primeiros anos do século XX é uma hipótese tecida
em fios dos indícios, por outro a evidência da mesma é bem forte com a
inauguração da instituição de ensino dedicada a formação de obreiros
localizada em São Paulo. Mesmo que, inicialmente coadujante na
formação dos obreiros a colportagem passou a ocupar espaço marcante
com o passar dos anos. Acerca do lugar da colportagem no programa
formativo no início da instituição o artigo Nosso Seminário (LIPKE, 1916)
publicado no periódico denominacional nacional há a seguinte
indicação.

Fez um anno, a 6 de Maio, que tomamos conta da propriedade destinada


para escola de missão. [...] Causou-nos agradavel surpreza ver logo de
198 • O Adventismo no Brasil

começo tantos alumnos entrarem para a escola. Os ultimos mezes do anno


decorrido foram preenchidos com um curso de colportores, e a 15 de Abril
p. p. foram abertas as aulas regulares de accordo com o plano delineado em
nosso prospecto (p. 1).

Nas páginas iniciais do Seminario da Conferencia União Brasileira dos


Adventistas do Setimo Dia (PROSPECTO ANUAL, 1918-1919) há uma breve
apresentação do curso introductorio que compôs o ano letivo (iniciado no
segundo semestre) de 1915, este por sua vez abrangia a ministração de
aulas regulares e curso de colportagem.

Passados tres mezes de aulas regulares, ensinando-se Biblia e outras


materias, iniciou-se um curso de colportagem no qual tomaram parte sete
estudantes, emquanto que os demais ficaram livres, podendo dedicar todo
o seu tempo ao trabalho manual. Este curso terminou no dia 20 de
Dezembro (PROSPECTO ANNUAL, 1918-1919, p. 4, 6).

Assim é possível perceber que desde o início dessa instituição a


colportagem permeava o programa de estudos, se não como
obrigatoriedade de assistência por parte dos alunos, mas certamente
um indicativo da concepção de formação dos obreiros idealizada pelos
pioneiros da instituição. O que nos permite indicar o papel das
publicações para o avanço da causa adventista nestas terras.
Acerca do primeiro anno lectivo no Prospecto Annual (1918-1919)
informa que houve um aumento no número de estudantes ingressantes
(35 estudantes) em 1916 e, que a despeito das dificuldades enfrentadas
nos estudos preparatórios tão logo foi encerrado o ano letivo começou-
se o curso de colportagem. Assim que, o informado diz que:

A despedida teve lugar no dia 15 de Novembro, começando logo em seguida


um curso de colportagem que se prolongou até o dia 25 do mesmo mez. Este
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 199

curso foi dirigido pelo diretor da colportagem, o irmão R. M. Carter. Dentre


os estudantes sairam 11 para o campo da colportagem e 6 como obreiros
bíblicos [...] (PROSPECTO ANNUAL, 1918-1919, p. 6).

Na trama dos acontecimentos que nos fazem relacionar a


colportagem com os estudantes em formação, dois dados apontados no
texto acima propõem-nos a necessidade de algum comentário, mesmo
que breve. Conforme exposto o curso de colportagem oferecido no
Seminário foi dirigido por R. M. Carter que, segundo informações do
periódico denominacional brasileiro (Revista Mensal) diretor de
colportagem para o território nacional. Um outro dado relevantemente
indicado no Prospecto Annual (1918-1919) afirma que dentre os alunos
que saíram para atuação no campo missionário naquela época, o
número maior de estudantes foi para a obra da colportagem. Não é
possível afirmar se esses estudantes foram para o campo missionário
em definitivo, ou se foram apenas para o período de férias.
Em o Relatório da 4ª Conferencia União-Brazileira de Paul Hening
publicado no periódico nacional em 1916, percebemos o quanto os temas
colportagem e educação ocuparam a pauta das reuniões, especialmente
no tange a relação entre os dois empreendimentos denominacionais em
vistas à formação dos obreiros por meio da instituição de São Paulo,
tanto que tal relatório registra o seguinte:

14. Considerando que o plano de frequência escolar, segundo o qual o


educando que se propõe ganhar sua mensalidade por meio da colportagem
deve gozar de um abatimento de 15%, se tem provado uma benção nos paizes
em que elle tem sido posto em pratica, tanto para os educandos como para
a casa publicadora, recommendamos que este plano seja também adoptado
pela Conferencia União Brazileira em ligação com a Casa Publicadora, sob
as seguintes bases:
200 • O Adventismo no Brasil

a) O estudante que se propuzer pagar a mensalidade total, isto é 35$000, ou


sejam 280$000 por um anno escolar de oito mezes, gozará de um abatimento
de 15% si vender para 476$000 de literatura e enviar toda essa importância
á Casa Publicadora.
b) Si porém se propuzer pagar uma mensalidade de 20$000, ou 160$000 por
um anno escolar, gozará do mesmo abatimento de 15%, si vender literatura
na importância de 272$000, e enviar toda essa importância á Sociedade.
Metade dessas importâncias se destina ao pagamento da literatura e a outra
metade às mensalidades respectivas por um anno de escola, com 15% de
abatimento. Os concessionários dessas vantangens terão, além disso,
indemnizadas as despezas de viagem para o campo de trabalho e de volta
para a escola, caso cumprirem as condições desse plano de frequencia
escolar de uma das duas maneiras indicadas (HENING, 1916, p. 3).

Assim sendo, podemos perceber o agir da liderança


denominacional em terras brasileiras elaborando um plano que fosse
viável para os estudantes pagarem as despesas escolares por meio da
colportagem no período de férias escolares. Se por um lado, a liderança
buscava relacionar os dois ramos da obra adventista nestas terras
tornando atraente o ingresso dos estudantes na instituição de ensino,
bem como a permanência, por outro fica patente a diretriz adotada pela
liderança no sentido de conformar o avanço e consolidação da Igreja
Adventista do Sétimo Dia em terras brasileiras por meio da obra das
publicações.
Ao empreender uma reflexão acerca do avanço missionário da
Igreja Adventista do Sétimo Dia na América, especialmente entre os
anos de 1886 e 1905, Schwarz (1998) indica como se efetivava a estratégia
denominacional de penetração nas cidades por meio das publicações, o
que por certo se configurou como modelo a ser implementado em terras
brasileiras. Diz ele que a:
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 201

Venda porta em porta, empréstimo ou doar de livros e panfletos adventistas


fornecia uma introdução. Assim que, encontravam pessoas interessadas, os
obreiros empreendiam instrução bíblica. Dessa forma, igrejas adventistas
foram estabelecidas em grandes cidades onde antes não havia presença
adventista (SCHWARZ, 1998, p. 88, 89) 78.

Se bem que o plano não era algo inédito, visto que tal já era aplicado
em outros países (MARRONI, 2000), no entanto, no Brasil ele é aplicado
quase que imediatamente ao inicio do funcionamento da instituição de
formação dos obreiros, o que contribui para asseverar uma clara
diretriz da intencionalidade da liderança administrativa para atuação
dos estudantes enquanto frequentavam o Seminário. Neste esteio
tornamos conhecido o testemunho de um egresso da instituição em
1922, Luiz Waldvogel que informa em sua autobiografia um pouco da
atuação do colportor estudante no período das férias, indicando que o
trabalho abrangia além da venda de publicações. Diz ele:

No fim de 1917 decidi-me a ir de novo colportar nas férias. O colega


Henrique Simon e eu fomos destacados para Muzambinho, Sul de Minas,
onde havia uma família interessada, que Henrique conhecia. Essa família,
que depois se converteu, recebeu-nos muito gentilmente, hospedando-nos
durante todo o tempo que lá colportamos. Meu colega ministrava estudos
aos sábados, aos quais compareciam também alguns vizinhos. O resultado
foi a conversão de bom número de pessoas (WALDVOGEL, 1988, p. 55).

É pertinente indicar que a própria instituição em seus periódicos


(Prospectos) de divulgação evidenciava uma diretriz de formação de
obreiros, bem como marcava que a obra dos egressos em seu avanço

78 Texto original: “Door-to-door selling, loaning, or giving away of Adventist books and pamphlets provided an
introduction. As these canvassers found interested persons, they made appointments for Bible instruction. […].
In this way Adventist churches were established in many major cities where there had been none before”.
202 • O Adventismo no Brasil

parecia incialmente prescindir de colportores, obreiros bíblicos e


pregadores. Dando a entender que a obra da colportagem consistia em
meio de penetração mais efetivo e que proporcionava abertura para o
anúncio propriamente dito da mensagem adventista.

Contamos educar colportores aptos para diffundir a verdade presente por


meio da literatura. São elles os pioneiros da obra que, onde quer que a
colportagem falhe, quasi nunca se caracteriza por uma prosperidade
duradoura. Contamos tambem educar obreiros biblicos e prégadores que
sejam idoneos para annunciar ao mundo a ultima mensagem em linguagem
simples e com alma movida de sympathia (PROSPECTO ANNUAL, 1918-1919,
p. 8, 10).

Neste esteio apresentamos uma relação daquelas que eram


consideradas as disciplinas escolares nos primeiros anos do Seminário
de modo que tais conformavam o programa de formação dos obreiros, a
saber:

Biblia, Historia Denominacional, Historia Universal, Historia do Brazil,


Geographia, Sciencias naturaes, Physiologia, Grammatica portuguesa,
Inglez, Francez, Allemão, Mathematica, Calligraphia, Stenographia, Musica
e Canto, Trabalho biblico, Colportagem (PROSPECTO, ANNUAL, 1918-1919,
p. 10).

Conforme exposto acima o currículo escolar apresentava a


Colportagem como disciplina escolar, todavia conforme apresentado em
outros documentos tal disciplina era oferecida em “cursos” que, por sua
vez era um intensivo de alguns dias e cuja oferta acontecia por ocasião
próximo ao início das férias escolares caracterizando assim o término
do semestre letivo.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 203

Além do mais, a instituição promovia ao longo do semestre letivo


atividades nas quais os estudantes pudessem tomar parte com a obra da
colportagem, mesmo que por um dia. Essas atividades geralmente
aconteciam como forma de distribuir literatura denominacional e ao
mesmo tempo arrecadar donativos para a Igreja. Assim, os estudantes
especialmente aqueles que ainda não colportavam nas férias se viam
enredados nas tramas das estratégias institucionais de recrutamento
dos estudantes para a colportagem. Uma dessas situações é descrita por
Steen (1920) quando informa:

Sairam ao todo, para tomar parte neste trabalho, 31 estudantes e


professores, uns num domingo e os demais n'outro domingo. O numero
total de horas que trabalharam é 151, tempo em que distribuíram 242
exemplares do «Signaes dos Tempos», attingindo os donativos que
receberam a um total de 575$400. Isto quer dizer que cada um recebeu,
termo medio, pelo seu trabalho, 3$800 por hora e pelas revistas distribuídas,
cerca de 2$400 por exemplar. Este successo da parte de estudantes que
trabalharam pela primeira vez e isto exclusivamente entre desconhecidos
(p. 13, 14)

Em sua autobiografia Professor Toda Vida, Sigfried Schwantes que


foi estudante do seminário e formando na turma de 1934 nos informa
um índice da adesão dos estudantes ao programa da colportagem
promovida na instituição, bem como sinaliza como se davam as aulas e
como se procedia na divisão do campo missionário entre os estudantes
por ocasião dos anos em que frequentou a instituição.

[...] os pontos no ano escolar eram as “semanas de colportagem”, em que os


líderes da página impressa vinham ao colégio [...] Como mais da metade dos
estudantes dependia da colportagem para custear seus estudos, essas aulas
eram frequentadas com assiduidade. Era também a ocasião de escolher o
204 • O Adventismo no Brasil

companheiro de trabalho e de receber um campo que se supunha promissor


(SCHWANTES, 1991, p. 21)

Por ocasião do ano de 1921 a instituição organizou um pequeno


livro intitulado Vistas do Seminario Adventista com o objetivo de
apresentar a instituição em suas mais diversas dimensões e aspectos
sem a égide das formalidades regimentais características dos
Prospectos Anuais. Em duas de suas páginas são apresentados os
colportores, bem como a obra que os mesmos desenvolvem. Chamam-
nos a atenção a ênfase que se dá a essa obra como tendo um relevante
aspecto formativo para a vida dos estudantes, bem como o destaque
referido ao número crescente de estudantes que aderem à colportagem
e a propaganda do sucesso destes na empreitada levada a cabo nas férias
escolares.

Os estudantes do Seminario não passam o verão na ociosidade. [...] poucos


são os que voltam para casa. Outros, comtudo, em numero cada vez maior,
despendem suas férias de um modo que não somente é de grande valor
educativo para si, e de beneficio real para o povo entre o qual trabalham,
como tambem é um meio seguro para ganharem os necessarios recursos
afim de pagar o proximo anno lectivo.; são elles os colportores. Fizemos
arranjos especiaes com a nossa Casa Publicadora no Brasil, de maneira que
todo estudante que vender durante as férias livros educacionaes,
evangelicos ou de assumptos hygienicos, na importancia de 820$000,
fazendo entrega total da referida quantia à Casa Publicadora, obterá
gratuitamente sua frequencia escolar durante o anno lectivo seguinte. Uns
vinte estudantes experimentaram no anno passado este plano, alcançando
excellente resultado, ganhando muitos delles mais do que a importancia
exigida. Neste anno, aproximadamente trinta e cinco estão neste momento
em campo, com o mesmo proposito (VISTAS DO SEMINARIO, 1922, p. 31).
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 205

Não obstante, o informe laudatório impresso no livro a instituição


dedicou uma página na qual estampou uma fotografia dos alunos
colportores enquadrados aqui sob a intencionalidade institucional de
reconhecimento dos seus feitos, bem como balizada na clara evidência
de recrutamento de outros estudantes.

Figura 14 – Estudantes colportores em 1921


FONTE: (VISTAS DO SEMINARIO, 1921, p. 30).

Logo nos primeiros anos os dirigentes da instituição


desenvolveram um plano de pagamento das despesas que contemplasse
o trabalho do estudante na instituição, no entanto, com o passar dos
anos os Prospecto Anuais da instituição passaram a apresentar com
bastante ênfase a possibilidade de Pagamento das Despesas por Meio da
Colportagem indicando que haver “[...] uma grande vantagem aos que
desejam ganhar as despesas por meio da colportagem” (PROSPECTO
ANNUAL, 1932, p. 21).
206 • O Adventismo no Brasil

Mesmo havendo dois planos para pagamento das despesas


escolares, um deles compreendendo o trabalho desenvolvido no interior
da instituição e o outro referente ao plano da colportagem é possível
indiciar a estratégia institucional de destacar aqueles que obtiam o
pagamento das despesas por meio da colportagem, tamanha a ênfase
nesse aspecto que para estes os Prospectos Anuais retratavam o feito
exibindo a foto e, em alguns casos listando-os nome a nome. A seguir
exemplificamos nosso enunciado apresentando as fotos de alguns
prospectos anuais.

Figura 15 – Estudantes colportores em 1936


Os jovens que estudaram o anno de 1936 por meio de um estipendio escolar
ganho na Colportagem
FONTE: (PROSPECTO ANNUAL, 1937, p. 29).
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 207

Figura 16 – Estudantes colportores em 1938


Os que Ganharam o Estipendio na Colportagem em 1937
FONTE: (PROSPECTO ANNUAL, 1938, p. 13)

Além do mais, é pertinente informar que o calendário do ano letivo


escolar foi configurado de modo a favorecer que os estudantes
dedicassem boa parte dos dias do ano ao trabalho da colportagem. Em
um momento inicial já a partir de 1924 passou a vigorar na instituição
um sistema de “[...] quatro trimestres por anno, dispondo-se os estudos
de tal maneira que fosse possível a um alumno entrar no principio de
qualquer trimestre” (PROSPECTO, ANNUAL, 1926, p. 6) com o objetivo
claro de facilitar aos estudantes colportores dedicarem mais tempo à
obra da colportagem podendo estender o período para além das férias,
conforme a necessidade. De acordo com a direção do Seminário o plano
consistia em ser “[...] de grande auxilio para o que precisam trabalhar
um ou dois trimestres por anno afim de fazer face ás suas despesas, e
tambem permitte que o COLLEGIO possa funccionar durante o anno
todo, [...]” (PROSPECTO, ANNUAL, 1926, p. 6).
208 • O Adventismo no Brasil

É fato que o plano esboçado acima trazia oportunidades de


dedicação de maior tempo ao trabalho, tanto para aqueles estudantes
que pagavam suas despesas com trabalho desenvolvido dentro da
instituição, mas indubitavelmente os maiores beneficiados eram
aqueles estudantes que por força das circunstâncias precisavam dispor
de mais tempo no campo em trabalho com a venda de publicações a fim
de na volta puderem pagar as despesas.
Com o passar dos anos os dirigentes do Seminário empreenderam
mais um ajuste no calendário escolar no que se refere aos dias letivos. A
intenção revelou-se em mais uma tentativa de oportunizar aos
estudantes colportores tempo hábil para a venda de publicações, assim
que por ocasião da década de 1930

[...] o ano escolar no CAB começava em janeiro e terminava em setembro.


Imaginava-se que os meses de outubro, novembro e dezembro fossem os
melhores para a colportagem, e o ano escolar devia ajustar-se a essa
concepção, sem se preocupar com o calendário observado na maioria das
escolas (SCHWANTES, 1991, p. 20).

Diante do exposto até aqui nesse tópico fica patente a compreensão


de que os dirigentes da instituição de obreiros de São Paulo
instrumentalizaram a colportagem de forma efetiva no seu programa
formativo, além do que as estratégias institucionais de promoção da
obra da colportagem entre os estudantes, como também de propaganda
dos feitos dos estudantes colportores exitosos funcionaram como mote
principal para o recrutamento de estudantes.
Em sua dissertação, O Papel das Publicações e dos Colportores na
Inserção do Adventismo no Brasil, Carnassale (2015) apresenta como
objetivo central analisar o papel que as publicações e os colportores
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 209

tiveram na inserção da Igreja Adventista no Brasil, destacando de modo


especial “[...] como colportores e os imigrantes alemães formaram a
associação que permitiu a entrada do adventismo em território
brasileiro” (CARNASSALE, 2015, p. 10). A despeito de a colportagem
estudantil não ser o seu tema principal, o autor indica que a estratégia
adventista de penetração pelas publicações por meio da colportagem
dentre outros aspectos deveu-se aos seguintes aspectos:

[...] 4) facilidade de mobilidade dos colportores para percorrerem uma vasta


área territorial, a despeito das dificuldades próprias da época; e 5) aceitação
e convicção de que a colportagem era de natureza verdadeiramente
missionária e que os colportores poderiam executar um ministério tão
valoroso e produtivo quanto os pastores (CARNASSALE, 2015, p .120).

Por sua vez, Marroni (2000) no capítulo intitulado O


Desenvolvimento da Colportagem com Estudantes no Brasil publicado na
obra organizada por Timm (2000) intenta oferecer ao leitor uma ordem
cronológica do que ele chama de "fatos registrados” no que se refere à
colportagem estudantil adventista no Brasil, o que segundo o autor
proporciona compreender que a relação colportagem e estudantes
conforme concebida pela liderança denominacional aponta para uma
intencionalidade na “[...] integração mais efetiva entre os aspectos
evangelísticos, formativos e educacionais [...]” (MARRONI, 2000, p. 86).
É bem verdade que ambos os autores empreenderam estudo no
sentido de evidenciar o papel da colportagem na inserção da mensagem
adventista em terras brasileiras e, de fato cada um deles oferece um
contributo na compreensão da temática, todavia, escapa-lhes na
abordagem um aspecto que julgo importante para a consideração da
temática, a formação de uma identidade nos grupos de obreiros
210 • O Adventismo no Brasil

egressos do Seminário, bem como uma mentalidade segundo a qual


houvesse um claro alinhamento às diretrizes da matriz estadunidense.
Ao longo da história a relação entre as denominações protestantes
e a utilização da imprensa seja pela publicação e divulgação / venda de
Bíblias e/ou livros religiosos se constituiu de modo peculiar e tão
significativamente preponderante que Eisenstein (1998) afirma que “[...]
no decurso de algumas gerações, o abismo entre protestantes e católicos
havia se ampliado a ponto de gerar culturas literárias e modos de vida
contrastantes” (p. 174).
É fato que a Igreja Adventista do Sétimo Dia em seu projeto de
expansão missionária pelo mundo, em diversos aspectos articula com
as peças características do protestantismo, especialmente no que se
refere à evangelização por meio da página impressa. No entanto, o que
subjaz a esta estratégia consiste na estreita relação entre as publicações
e a teologia professada por este ramo denominacional protestante
norte-americano. Pois que, como informa Hoornaert e et.al. (1983, p.
326): “Um cristianismo sem livros se expõe ao perigo de tornar-se um
cristianismo divorciado da teologia [...]”.
De certa maneira, a obra de publicações adventistas esteve
estreitamente relacionada à missionação protestante empreendida no
Brasil, especialmente àquela iniciada com a distribuição de Bíblias e
folhetos. A palavra impressa foi uma das estratégias utilizadas pela
Igreja Adventista do Sétimo Dia para fazer circular no país saberes, além
de promover a normatização de práticas religiosas. Assim sendo,
palavra impressa promovia a divulgação de seus ideais religiosos, além
de consolidação do trabalho de evangelização e educação.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 211

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste esteio torna-se necessário apontar a imbricada relação da


instrumentalização da colportagem na formação dos obreiros
adventistas no Seminário de São Paulo. O que de certo, foi tecido com
fortes fios da missionação e da editoração característicos do
protestantismo (RIBEIRO, 1987). Todavia, no caso adventista sob a égide
da formação dos obreiros é possível afirmar que aqui residia uma
espécie de intencionalidade dirigente na direção por fazer veicular e
promover meios próprios de assimilação de um ethos adventista, desde
a época de estudante por parte daqueles que um dia seriam obreiros
adventistas nestas terras.
Cabe destacar que a utilização do conceito ethos nestas páginas
encontra-se imbricada por uma concepção que considera que a religião
é essencialmente produtora de visões de mundo que, por sua vez,
fornecem significação à realidade sugerindo interpretações sempre
conforme a visão de mundo. Nestes termos é apreensível asseverar que

[...] o ethos torna-se intelectualmente razoável porque é levado a


representar um tipo de vida implícito no estado de coisas real que a visão
de mundo descreve, e a visão de mundo torna-se emocionalmente aceitável
por se apresentar como imagem de um verdadeiro estado de coisas do qual
esse tipo de vida é expressão autêntica (GEERTZ, 1989, p. 144).

A mobilização do conceito ethos neste texto indica uma visão de


mundo que é considerada como válida e cujo princípio orientador
fundamenta as ações tomadas com atitudes morais de uma pessoa ou de
um grupo. Conforme entende Boff (1999), ethos é o “conjunto de
princípios que regem, transculturalmente, o comportamento humano
212 • O Adventismo no Brasil

para que seja realmente humano no sentido de ser consciente, livre e


responsável” (p. 195).
Sob esse aspecto é possível indiciarmos que as publicações por
meio da colportagem estudantil foram utilizadas para difusão do
pensamento e das crenças adventistas na sociedade brasileira,
inicialmente entre os grupos de imigrantes alemães e posteriormente à
sociedade em geral, além do que sugerem a utilização de estratégias
institucionais segundo as quais estudantes colportores, bem como
convertidos pudessem assimilar as concepções adventistas, modo de ver
o mundo e crenças veiculadas nas publicações. Posto que,
majoritariamente as publicações eram de autoria de pioneiros
adventistas e da profetisa Ellen G. White o contato direto dos estudantes
em sua obra de colportagem promovia a vinculação do ethos adventista
sob as balizas da ascese intramundana à formação dos obreiros
adventistas na instituição em questão.
Ao encerrarmos este capítulo, é pertinente indicar que a obra da
colportagem foi mobilizada pela liderança denominacional em
associação à direção da instituição de formação de obreiros de São
Paulo, no sentido de recrutar estudantes para engajamento de tais na
estratégia denominacional de continuidade da penetração e
consolidação da mensagem adventista nestas terras. Para tanto, a
instituição lançou mão de estratégia de propaganda e de recrutamento
que balizadas pelos termos de missionação e editoração (RIBEIRO, 1987)
promoviam a vinculação do éthos adventista na formação dos obreiros.
A despeito de todos os desdobramentos que esses aspectos
lançavam na vida dos estudantes, não podemos perder de vista que tais
elementos favoreciam a sociabilidade entre os estudantes, além de
promover o senso de pertencimento e fomentar o desenvolvimento da
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 213

identidade religiosa sob as amarras do adventismo apontando uma nova


maneira de ver a realidade calcada na valorização do trabalho, o que de
fato também influenciava a trajetória de vida pessoal e profissional dos
egressos.
As diretrizes denominacionais se consubstanciavam em seu
propósito majoritário de marcar denominacionalmente a formação dos
estudantes, de modo que como egressos da instituição tivessem uma
prática, a mais alinhada possível às balizas do adventismo de sua versão
norte-americana. Para tanto, o espectro para o qual convergiam os
elementos até então arrolados nas páginas deste capítulo indica-nos a
efetivação de uma educação indireta (MENDONÇA, 2008), segundo a qual
fosse possível fomentar uma exemplaridade de moral ascética que
apresentava diversas combinações por meio do programa institucional,
mas que indubitavelmente intentava lançar as bases de uma concepção
da idealidade de atuação no campo missionário brasileiro.
A formação dos obreiros adventistas perpetrada na instituição
radicada em São Paulo conforme concebida sob as balizas da obra da
colportagem esteve estreitamente comprometida com um ordenamento
segundo o qual os egressos ao atuarem no campo missionário para o
avanço e consolidação da mensagem adventista nestas terras
estivessem marcadamente investidos dos caracteres da ascese
intramundana (WEBER, 2004).

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214 • O Adventismo no Brasil

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2022.
8
A EDUCAÇÃO ADVENTISTA NO BRASIL:
UMA ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA
Francisco Luiz Gomes de Carvalho
Dayse Karoline S. S. de Carvalho

BREVE OLHAR

Ao considerarmos a categorização do movimento de inserção


protestante no Brasil produzida por Mendonça (2008) é possível
constatar que a inserção da IASD nestas terras esteve ligada ao espírito
do protestantismo missionário, mesmo que a gênese da Igreja
Adventista do Sétimo Dia em terras brasileiras esteja intimamente
ligada aos imigrantes, de modo particular a imigração alemã.
A história demonstra que a partir da segunda metade do século
XIX, diversas missões americanas vieram para o Brasil com o propósito
de evangelizar e converter e, para tal contaram com o apoio de
elementos liberais e anticlericais defendidos por boa parte da elite
brasileira (BENCOSTA, 1996). É conveniente destacar que, para as
denominações que aqui desembarcaram

Ainda que o proselitismo e a demonstração pública de qualquer símbolo


religioso não católico fossem proibidos, presbiterianos, metodistas,
congregacionais e batistas fundaram escolas, jornais e igrejas (BELLOTTI,
2010, p. 60).

De certa maneira não podemos deixar à margem do conhecimento


o fato de a vinda das denominações protestantes estadunidenses para o
Brasil se deu majoritariamente balizada pelo conjunto de ideais do
Destino Manifesto, segundo o qual patenteava a ideia de que a América
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 219

Latina era pagã e que “[...] o catolicismo praticado aqui havia se afastado
demais do cristianismo” (BELLOTTI, 2010, p. 61).
Posto que caracteristicamente marcada como protestantismo de
missão, visto que considerava o Brasil como campo missionário devido
à sua maioria populacional católica (SCHUNEMANN, 2002), a IASD
tendo se instalado no Brasil estabeleceu escolas paroquiais de educação
elementar avançando a duras provas na oferta educacional em outros
níveis. Ao considerar os fatores denominacionais internos, bem como o
momento histórico do Brasil, Hosokawa (2001) indica que a inserção da
IASD

[...] no Brasil no final do século XIX tornou-se possível numa perspectiva


maior devido às correntes imigratórias da Europa para o continente
americano, especialmente de populações não católicas, ao movimento
missionário protestante europeu e norte-americano na América do Sul e a
instauração da República no Brasil, com maior liberdade religiosa garantida
pelo princípio liberal de separação do Estado da Igreja. Somaram-se a isso
um conjunto de fatores internos do desenvolvimento institucional da IASD
nos Estados Unidos e Europa (p. 56).

Para Kreutz (2005) os imigrantes alemães compuseram a primeira


grande corrente imigratória, sendo sucedidos por italianos, japoneses,
russos, austríacos e poloneses. A despeito da diversidade de grupos que
imigraram para o Brasil, os grupos de imigrantes alemães se
localizaram predominantemente nas zonas rurais formando núcleos
com uma infra-estrutura potencializadora para a vida comunitária, na
qual comércio, artesanato, cemitério, igreja e escolas étnicas ofereciam
as bases para tal.
Em sua análise da presença imigratória alemã no Brasil, Foquet
(1974) destaca que as colônias predominantemente rurais localizavam-
220 • O Adventismo no Brasil

se no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo, enquanto que


no Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro a concentração se deu nas capitais.
Ao abordar a colonização alemã no Brasil por meio da imigração e
realçando a localização de comunidades em regiões remotas do país
como no sul, Seyeferth (2000) considera que a “[...] concentração em
áreas restritas, relativamente isoladas da sociedade brasileira, apesar
da posterior introdução de outros imigrantes, facilitou a manutenção
dos costumes e o uso cotidiano da língua alemã" (p. 291).
Ao relacionar a inserção da Igreja Adventista do Sétimo Dia no
Brasil e a presença de comunidades alemãs, Schunemann (2003, p. 31)
indica que a “[...] presença de colônias alemãs, que se mantinham
relativamente isoladas do resto do país, propiciou o primeiro contexto
favorável para a expansão do adventismo no Brasil”. Por sua vez,
Seyeferth (2000) demonstra que a comunidade alemã constituiu o grupo
de imigrantes que menos influenciaram a sociedade brasileira devido
em boa parte ao isolacionismo. A fim de indicar a importância da relação
entre a inserção do adventismo e as comunidades alemãs no Brasil é
preciso entender como estas comunidades se constituíram em
importante elo para que a Igreja Adventista do Sétimo Dia pudesse
lançar as suas raízes nestas terras. Afinal,

[...] a associação do Adventismo com os alemães foi um fator importante


para o estabelecimento da Igreja Adventista no Brasil, embora entre a
comunidade lusófona do país também existe um forte sentimento
milenarista, a cultura pietista de boa parte dos imigrantes alemães forneceu
o elo básico para o adventismo lançar raízes no Brasil. O milenarismo
brasileiro estrutura-se dentro de uma mentalidade católica popular que
possui traços bem diferentes da mentalidade protestante popular na qual a
IASD se formou nos Estados Unidos. Este distanciamento consistiu uma
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 221

barreira inicial na qual a comunidade alemã serviu como uma ponte


(SCHUNEMANN, 2003, p. 38).

O modo como o adventismo estabeleceu relações estreitas com as


comunidades alemães no Brasil, e como destas colônias a mensagem
adventista fluiu pelo território indica como as relações conformaram as
trajetórias das denominações religiosas.

A religião constitui, portanto, um sistema social que vai se organizando de


forma mais rígida e estabelecendo, com indivíduos e grupos, relações
dialéticas que provocam reproduções de seu sistema sobre o conjunto da
sociedade e reações por parte de indivíduos e grupos na busca de novos
sistemas alternativos (PASSOS, 2006, p. 43).

EDUCAÇÃO ADVENTISTA NESTAS TERRAS

A educação adventista lança suas bases nas terras brasileiras de


forma voluntária e não patrocinada oficialmente pela denominação em
1896, quando em 1º de julho daquele ano é inaugurado em Curitiba o
Colégio Internacional de Curitiba. Iniciativa esta que teve nos esforços
Huldreich F. von Graf, pastor missionário alemão enviado pela
denominação norte-americana o impulso para a abertura e, na a
condução inicial a direção de Guilherme Stein Júnior. Este último, por
sua vez, envia uma carta à revista denominacional estadunidense
indicando o número crescente de alunos matriculados enumerando
alemães e brasileiros natos que estudam na escola (STEIN, 1897, p. 251).
222 • O Adventismo no Brasil

Foto tirada em 12 de Dezembro de 1896 e enviada à revista


Fonte: The Advent Review and Sabbath herald, 20 April, 1897

Em nossa perspectiva analítica consideramos que a escolha de


Guilherme Stein Jr. para liderar as atividades do primeiro
empreendimento educacional adventista foi estrategicamente pensada
por Graf que, demonstrou que havia optado por alguém que além de ser
procedente de uma família tradicionalmente cristã luterana (ACOSTA;
PEREIRA, 2005) havia recebido importante influência educacional
protestante, em seu caso da Escola Alemã de Campinas. 79 Neste sentido,
Vieira (1995) aponta-nos que:

A influência da Escola Alemã de Campinas na formação da personalidade de


Guilherme Stein J. jamais poderá ser esquecida. Como escola evangélica,
guiada pelos mesmos princípios que suas congêneres de São Paulo e
Piracicaba, não só lhe proporcionou sólidos conhecimentos fundamentais,
como lhe moldou o caráter na fase entre a infância e a adolescência, de
conformidade com os ideais evangélicos (p. 117).

79 Para informações mais detalhadas acerca desta instituição consultar: BENCOSTTA, Marcus L. A. Educação
escolar norte-americana no Brasil do século XIX: trajetórias históricas de um colégio protestante em São Paulo
(1869-1892). In: BENCOSTTA, Marcus L. A, etall. Memórias da educação; Campinas (1850-1960). Campinas:
Unicamp, 1999; BENCOSTTA, Marcus L. A. Ide por todo mundo: a província de São Paulo como campo de
missão presbiteriana (1869-1892). Campinas: Unicamp/CMU, 1996.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 223

Os primeiros conversos à mensagem adventista no Brasil


pertenciam às comunidades germânicas e, visto que Curitiba
concentrava diversas dessas comunidades, a instituição educacional
iniciada por Graf com Stein Jr. foi pensada para ser uma agência
evangelizadora adventista, a fim de propagar a mensagem e os ideais da
denominação estadunidense, tendo no uso da língua alemã o meio para
o cumprimento de tal estratégia missionária. Por isso, que cumpre-nos
ressaltar o fato de que

[...] embora representando uma denominação norte-americana, não fazia


uso da língua inglesa para ministrar suas aulas, mas lançava mão da língua
alemã para transmitir os valores de sua originária cultura norte-americana,
num país de língua portuguesa que abrigava diversas colônias de
estrangeiros, especialmente, no caso de Curitiba, a colônia alemã (CORRÊA,
2005, p. 61, 62).

Desta maneira, cumpre-nos evidenciar que a escolha por


Guilherme Stein Jr. para ocupar a direção da escola de Curitiba, bem
como o público em potencial a ser alcançado por esse empreendimento,
foram balizados pelos ditames da efetivação de uma estratégia
missionária concebida inicialmente por Graf tendo em vista a
evangelização da comunidade alemã.
Em visita ao Brasil na época dos primórdios das atividades
educacionais adventistas, Thurston (1896) relatou que a escola oferecia
aulas no sábado, sendo estas dedicadas exclusivamente ao ensino da
religião pela instrução bíblica, apesar de haver muitas crianças
católicas. Ainda nos seus primeiros anos, a instituição experimentou
um forte crescimento no número de matriculas. Essas cresceram
rapidamente, de forma que o número subiu de oito no dia da abertura
224 • O Adventismo no Brasil

da escola para cerca de cem alunos em fevereiro de 1897 (THURSTON,


1897, p. 219), o que justificou as sucessivas mudanças de endereço para
prédios maiores. No início de 1900, o Colégio estava endereçado em uma
moderna construção que oferecia amplas acomodações e atendia uma
clientela dividida em três classes contando com cerca de cento e trinta
alunos, além de contar com corpo docente ampliado, na época composto
por Paul Kramer e esposa e Waldemar Ehlers, recém-chegado de
Hamburgo, Alemanha.
O avanço do Colégio fez com que a instituição recebesse destaque
numa edição de um jornal local impresso em alemão, Der Beobachter que,
tendo feito um relato positivo acerca da infraestrutura, da disciplina,
do currículo, do desempenho escolar, enfatizou o sistema fonético
usado pelos professores para ensinar a ler (KRAMER, 1900, p. 171, 172).
Além de elencar vários elementos políticos e socioculturais que
contribuíram para a impulsão nas matrículas do Colégio Internacional,
bem como para o sucesso da instituição, Mesquida (2005, p. 48) destaca
“[...] o uso de métodos pedagógicos inovadores em relação àqueles
empregados por outras instituições de ensino que funcionava em
Curitiba”.
O empreendimento educacional adventista em Curitiba evidenciou
uma demanda por professores que falassem alemão para que viessem
para o Brasil afim de que a incipiente obra educacional pudesse avançar
(STAUFFER, 1898, p. 14). A indicação da falta de professores em Minas
Gerais, Espirito Santo e Rio Grande do Sul, bem como a opção pelas
comunidades alemãs apontavam a direção seguida e a estratégia
escolhida pelos primeiros líderes denominacionais na implantação do
adventismo em terras brasileiras.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 225

Não demorou muito e logo uma instituição de formação dos


obreiros foi estabelecida nestas terras. Em 1897, em Gaspar Alto
localizado no município de Brusque, Santa Catarina, foi estabelecida
aquela que deveria ter como foco a formação de obreiro para o avanço
da causa adventista nestas terras. E para tal, foi escolhido como diretor
Guilherme Stein Jr.

[...] daquela que se tornaria a primeira escola oficial adventista neste


território. Sendo assim, em 15 de outubro de 1897, foi fundada a “A Escola
Missionária” [Colégio Superior] em Gaspar Alto perto de Brusque, SC,
instituição subsidiada pela IASD (STENCEL, 2006, p. 86).

Em 1899, John Lipke (1875-1943) assumiu a direção do Colégio


Superior de Gaspar Alto substituindo Guilherme Stein Jr. que foi
convidado a trabalhar como editor da revista O Arauto da Verdade no Rio
de Janeiro. Uma breve descrição da instituição é oferecida por Azevedo
(2004a) que, além de apresentar-nos a instituição evidencia como o
lideres denominacionais da obra nestas terras buscavam a efetivação da
filosofia educacional denominacional nos campos missionários.

O terreno em Gaspar Alto tinha 2,5 hectares. Na parte da manhã funcionava


na escola o nível primário e à tarde o nível secundário para a formação de
missionários. O idioma utilizado era o alemão. A instituição, que estava sob
a direção de John Lipke, dispunha de um dormitório com capacidade para
40 alunos internos, num edifício de 7m x 12m, com dois pisos, sótão e
refeitório. Realizavam-se também ali as atividades agrícolas. Os alunos
trabalhavam 26 horas por semana, pagavam US$ 2,50 por mês e recebiam
em troca cama, comida e ensino. O edifício escolar estava dividido em dois
ambientes: um para a igreja e outro para o ensino (p. 52).
226 • O Adventismo no Brasil

No artigo, The Brusque School, Brazil escrito à Review and Herald,


Spies (1903) relata entusiasticamente o início da obra adventista na
região sul do Brasil, destacando o comprometimento da membresia
local em prover os meios necessários para o estabelecimento de outra
escola de treinamento do Brasil. Além disso, ele evidencia uma das
tônicas que impulsionava a liderança denominacional em sua constante
ênfase na formação do obreiro nativo. Afinal,

[...] obreiros educados no próprio campo teriam vantagens sobre aqueles


que vinham de fora [...] alguns, talvez jamais se adaptariam totalmente as
condições (clima, hábitos e costumes) a ponto de serem uma benção para o
povo do Brasil 80 (SPIES, 1903, p. 12).

Em seu artigo, The Message in Brazil, publicado na primeira edição


de janeiro de 1903 da Review and Herald, Westphal (1903) destaca a
maneira como a instituição desdobrava-se em seu plano educacional na
formação dos obreiros, todavia, o que é ressaltado refere-se ao
crescimento da educação adventista no estado do Rio Grande do Sul,
além do mais reafirma o caráter estratégico da educação
denominacional no espectro maior da evangelização adventista
empreendida nestas terras.

[...] planejando uma pequena escola industrial em uma base


autossustentável no estado do Rio Grande do Sul para a formação dos
obreiros. Uma escola em Santa Catarina já tem realizado um bom trabalho.
Os resultados são vistos principalmente no número de escolas de igreja
estabelecidas na conferência, a coisa mais necessária em um país onde

80Texto original: “[…] work to better advantage than those who came from abroad. […] And some would,
perhaps, never so fully adapt themselves to all these things that they could be a blessing to the people of Brazil.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 227

alguns poucos têm quaisquer vantagens educacionais (WESTPHAL, 1903, p.


11). 81

Ainda corria o ano de 1903 quando a liderança denominacional


transferiu a instituição para Taquari, cidade localizada nas
proximidades de Porto Alegre, visto que o número de adventistas estava
aumentado no Rio Grande do Sul e eram constantes as reclamações
referentes à localização descentralizada e o difícil acesso à escola em
Brusque. Assim sendo, em 19 de Agosto de 1903 com um número
razoável (cerca de 12) de estudantes foi aberto o colégio, tendo com
propósito definido o treinamento de obreiros para levar o evangelho aos
habitantes do Brasil. No artigo intitulado Our Industrial School in
Taquary, Brazil, Lipke (1907) além fazer uma relação das atividades
manuais e agrárias realizadas pelos estudantes em quatro horas diárias,
destaca a instrução recebida por meio do currículo ofertado. Segundo
ele:

Esta instituição oferece dois anos de curso de Alemão e Português. A Bíblia


toma o primeiro lugar nos estudos. Instrução também é dada no estudo da
natureza, fisiologia, gramática, geografia, aritmética, escrita, canto,
música, corte e costura, agricultura e trabalho manual 82 (LIPKE, 1907, p. 29).

A despeito da localização e da diversificação institucional


empreendida pela liderança denominacional em seu projeto de
evangelização das terras brasileiras, à escola de treinamento convergiam

81 Texto original: “[…] planning a small industrial school on a self-supporting basis in the state of Rio Grande
do Sul for the training of workers. A school in Santa Catharine has already been doing good work. The results
are seen principally in the number of church schools established in the conference, a most necessary thing in
a country where but few have any educational advantages whatever”.
82 O texto original apresenta: “This institution offers a two years' course in German and Portuguese. The Bible
takes the first place in the studies. Instruction is also given in nature study, physiology, grammar, geography,
arithmetic, writing, singing, music, dress cutting, sewing, hand-work”.
228 • O Adventismo no Brasil

as aspirações daqueles que presidiam a causa adventista neste país, de


modo que o propósito denominacional continuava a conformar a
estratégia missionária adventista empregada nestas terras.

Nossa escola tem um propósito bem definido. Sua missão é treinar os


trabalhadores para levar o evangelho aos habitantes do Brasil. [...] Na
educação dos jovens de ambos os sexos, esperamos revelar agentes, que
podem espalhar o conhecimento da verdade presente com sucesso, e
preparar obreiros bíblicos, professores e ministros que podem proclamar
ao mundo a última mensagem de advertência [...] 83(LIPKE, 1907, p. 29).

Estando centrada na cultura letrada e escrita, a mensagem


adventista bem como a protestante encontrou dificuldade de inserir-se
e se insinuar na sociedade brasileira em geral, visto que o analfabetismo
atingia uma grande parcela dos habitantes do Brasil, no entanto, nas
comunidades alemãs as condições eram um pouco melhores. Todavia,
apesar de destacar o que aparentemente apresentava-se como entrave
para a propagação da mensagem adventista, Lipke (1907) assinalou que,
“por outro lado, a ambição e o impulso americano” (p. 29) faltavam ao
povo que habitava estas terras. Ou seja, não há como não relevar o fato
de que tanto o protestantismo em geral quanto o adventismo a

[...] estratégia de penetração [...] foi compreender o modus operandi do


brasileiro e a partir daí estruturarem um plano de ação no qual a educação
constitui-se na principal estratégia de propaganda das idéias de uma
civilização cristã com novos padrões intelectuais e morais, moldada na nova
fé (VILAS-BÔAS, 2001, p. 9).

83 O original apresenta: “Our school has a well-defined purpose. Its mission is to train workers to carry the gospel
to the inhabitants of Brazil. […] In educating the youth of both sexes we hope to turn out able canvassers, who
can spread a knowledge of present truth with success, and to prepare Bible workers, teachers, and ministers
who can proclaim to the world the last warning message […]”
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 229

Em apenas dez anos de inserção em terras brasileiras a obra


adventista já contava com várias escolas paroquiais, como também com
instituição voltada para a formação de obreiros locais para que avanços
fossem alcançados na causa adventista. De acordo com Azevedo (2004b),
“os pioneiros tinham a visão de que a escola era, em essência, uma forma
dinâmica e sólida de expandir a Igreja Adventista na América do Sul” (p.
33). Esse dado afiança a hipótese de que os Adventistas do Sétimo Dia à
sua maneira conjugavam o modus operandi dos protestantes oriundos
dos Estados Unidos, para os quais a consquista de espaço na sociedade
brasileira demandava a construção de escolas e colégios, além de
enfatizar ideia de que “[...] tais educandários deveriam servir também
como local de testemunho de uma religiosidade supostamente mais
racional e menos supersticiosa, marcada por valores morais também
supostamente superiores” (CALVANI, 2009, p. 61).
A situação educacional adventista no Brasil e na América do Sul
ainda que estivesse em seus primórdios, as instituições por aqui
estabelecidas encontravam-se balizadas pelo paradigma
denominacional norte-americano, a despeito de algumas adaptações.
Nesta perspectiva de análise, Greenleaf (2010) destaca que:

A medida que se desarrollaba en Norteamérica, la educación adventista


como movimento llegó a ser un paradigma para los adventistas en el resto
del mundo. Ninguna instituición educativa determinada llegó a ser el único
modelo, pero como los norteamericanos constituían la mayoria de los
obreros denomincionales y llevaban sus ideas sobre educación,
organización y metodologia doquiera iban, era inevitable que las fueran
aplicando al estabelecer nuevas instituiciones educativas en el mundo. Por
supuesto, con frecuencia se debieron realizar adaptaciones, pero siempre
fue visible la influencia del modelo norteamericano (p. 104).
230 • O Adventismo no Brasil

Este espectro analítico oferta-nos elementos que nos permitem


compreender que a educação adventista também funcionou com uma
agência dentre os diferentes mecanismos que promoveu a circulação de
padrões culturais estadunidenses, estendendo para além das
comunidades étnicas o seu raio de ação. Em outras palavras, “[...] no
Brasil, a educação funcionou como pavimentação, estrada para a
passagem da cultura norte-americana e seu enraizamento em solo
brasileiro” (VILAS-BÔAS, 2001, p. 10).
No entanto, a despeito do aparente progresso das instituições
educacionais adventistas no sul do Brasil, especialmente aquelas que
foram concebidas para a formação dos obreiros, a história registra que
as mesmas tiveram as suas portas fechadas, de modo que por esses anos
de interrupção as escolas paroquiais atuaram como sustentáculo
primário na consolidação da identidade daqueles que professavam a fé
na mensagem adventista, além de intentarem propagandear os ideais
adventistas como meios evangelizadores.
Ao empreender uma análise considerando os resultados da
educação adventista em solo brasileiro por ocasião dos seus primórdios,
Greenleaf (2011) apresenta-nos um quadro no qual evidencia o grupo
populacional no qual a IASD granjeou êxito, como também indica a
tensão que caracterizou o investimento denominacional na educação
como instrumento de consolidação identitária em contraponto ao uso
da mesma como estratégia evangelizadora.

Os primórdios da educação geraram resultados divergentes. Os sucessos


mais notáveis ocorreram nas regiões em que o nível de alfabetização já era
relativamente bom. Em contrapartida, entre grupos pouco alfabetizados, a
educação adventista conquistou muito pouco a princípio. A igreja também
fez a experiência de usar as escolas como ferramentas evangelísticas, mas
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 231

essa pratica sempre levantou o questionamento quanto a deverem as salas


de aula ser um “refúgio” para as crianças adventistas ou uma extensão dos
auditórios nos quais se realizava evangelismo público (GREENLEAF, 2011, p.
62).

Acerca do fechamento abrupto da instituição localizada em


Curitiba, o Colégio Internacional de Curitiba, Mesquida (2005) parece
localizar a falha na estratégia missionária adventista efetivada com as
comunidades germânicas do sul do Brasil, o que por sua vez sinaliza-
nos como viés interpretativo a ser considerado no sentido de
compreendermos as mudanças empreendidas pela liderança
denominacional ao optar por São Paulo em seu intenso investimento
nos primeiros anos do século XX. Mesquida (2005) indica que o problema
não esteve no uso da língua alemã, mas sim na aculturação promovida
pelos missionários adventistas, posto que pelo uso da língua

[...] não contribuíam para alicerçar os fundamentos da cultura alemã, mas


difundiam os valores, as ideias e os princípios do "way of life" norte-
americano, [...] a língua alemã era utilizado como veículo de princípios e
valores de outra cultura e não da cultura teuta, fato que não agradou aos
emigrantes de língua alemã que matriculavam seus filhos e filhas na escola
mantida pela Igreja Adventista de origem missionária norte-americana (p.
51).

Nestes termos, apresentamos que o argumento de Mesquida (2005)


pode ser endossado por Cordeiro (2008) que ao abordar as escolas
étnicas de vertente alemã destaca que as mesmas se consituiam como
espaços de sociabilidades, mas especialmente de afirmação cultural e de
sua tradição germânica.
Neste sentido indiciamos que o plano denominacional de investir
no estado de São Paulo a fim de torná-lo base para o avanço da
232 • O Adventismo no Brasil

mensagem adventista nestas terras, bem como a implantação de uma


Escola de Treinamentos se constituíram como a materialidade de uma
reformulação da estratégia missionária empreendida a partir dos
primeiros anos do século XX. Assim sendo, o artigo Reorganization in
Brazil, de Spicer (1906) que havia participado de reuniões com lideres
eclesiásticos em Taquari em 1906, indica aquela que devia ser a tônica
do trabalho denominacional nos anos seguintes, ao afirmar que “[...] o
assunto chave da reunião foi a comunicação da verdade às pessoas de
fala portuguesa [...] trabalhar nos estados mais populosos, em que pouco
tem sido feito até agora” (SPICER, 1906, p.5). Essa nova mirada corrobora
para entendermos que na implementação da estratégia da missão
adventista em solo sul-americano, o “início da obra com o elemento
alemão foi só um meio para alcançar as sociedades de fala espanhola e
portuguesa da América do Sul” (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 283).
Os primeiros indícios de um movimento em direção a execução do
planejado na reunião de reorganização de 1906 se evidenciaram a partir
do ano seguinte, quando a gráfica adventista (Sociedade de Tratados do
Brasil, hoje Casa Publicadora Brasileira) foi deslocada do sul, em
Taquari, para o sudeste, nas imediações de São Paulo. Em seguida,

[...] em fevereiro de 1910 a Conferência do Rio Grande do Sul recomendou a


transferência do educandário de Taquari para um ponto mais central do
país. A instituição fechou e a administração vendeu a propriedade em 1911
por onze contos de réis. Esta quantia foi remetida à Conferência da União
Brasileira, [com sede em São Paulo], para formar o grande fundo de
educação (RABELLO, 1990, p. 41).

De certa maneira a mudança das instituições adventistas e como


estas compunham o espectro da estratégia denominacional
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 233

evidenciavam que a institucionalização que se efetivou nestas terras


atuou como marco balizador, o que por sua vez exerceu uma influência
unificadora, de modo que para a estrutura organizacional adventista
“[...] nenhum aspecto da causa existia de modo independente de uma
sociedade ou agencia de algum tipo” (GREENLEAF, 2011, p. 74). No Brasil
assim como em outras partes do mundo onde a IASD buscou lançar
raízes é verdade destacar que “[...] parte da medida de sucesso
denominacional provinha do número de instituições e de suas
atividades” (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 295).
É relevante a partir daqui, voltar a atenção para o desenvolvimento
denominacional adventista com base em São Paulo com foco
privilegiado para o Colégio Adventista Brasileiro (CAB), de modo a
relevar o contexto socio-histórico e econômico que favoreceu sua
inserção. Traçar a sua história institucional com referência à historia
denominacional oportunizará visualizar suas práticas educacionais,
atestando dessa forma o papel destas no espectro maior do plano
evangelizador adventista. Afinal,

O direcionamento da pregação da IASD a partir de 1906, para os estados “do


norte”, “entre os brasileiros”, “nas grandes cidades” do Rio de Janeiro e São
Paulo, impulsionou membros e líderes denominacionais a implantarem
uma frente pioneira baseada nas imediações de São Paulo, no município de
Santo Amaro, mais especificamente nas colinas do Capão Redondo, a partir
de 1915, transformando essa região num espaço com marcante importância
para o adventismo no estado, no país e no mundo (HOSOKAWA, 2001, p. 64).

O COLÉGIO ADVENTISTA BRASILEIRO (CAB): CONTEXTUALIZANDO

Com a proclamação da República, os estados do sudeste brasileiro


se se insinuaram no cenário social e político-econômico brasileiro de
234 • O Adventismo no Brasil

fins do século XIX e início do XX. Especialmente por ter em seu território
grandes lavouras de café, abrigar uma diversidade de imigrantes
europeus e ser cortado por extensas estradas de ferro, o estado de São
Paulo deteve grande parte do monopólio do desenvolvimento nacional
e do incipiente mercado interno (GOMES, 2000). Além do que, cabe aqui
afirmar que nas terras paulistas, dentre outras denominações
protestantes, o Presbiterianismo gozou de grande crescimento nos anos
finais do século XIX, especialmente

[...] por conta de sua ação evangelizadora na trilha do café, conseguido pela
forma de inserção escolhida por esse grupo, aproveitando os grandes
períodos de ausência de atendimento pastoral católico em regiões
interioranas [...] (BELLOTTI, 2010, p. 60, 61).

Posto que, os primeiros anos da República foram assinalados por


novas perspectivas para o Brasil em sua relação com a Europa e Estados
Unidos, pôde se entrever que esses anos contribuíram para

[...] reestruturação em nível mais elevado de suas atividades produtivas,


para o transporte de sue produtos, encaminhamento e distribuição deles,
sem nenhum obstáculo e empecilho (como se dava sobre o domínio
português), pelos grandes mercados mundiais (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 31).

No período da República velha (1889-1930), o estado de São Paulo


deixava as feições de província e encontrava-se em plena efervescência
política, cultural e social. No campo político dividia o poder com Minas
Gerais alternando-se na presidência, numa política controlada pelas
oligarquias agrárias, conhecida como política “café com leite”. Esses
anos representavam um período de transição dos tempos de Império
para a consolidação da Republica, o que reclamava por si próprio um
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 235

projeto nacional de educação. 84 O período assinalado encontrava-se


permeado por diversas correntes ideológicas, todavia, as mais
marcantes enfatizavam a ideia de “insuficiência do povo”, a cultura de
“ilustração brasileira”, como também o interesse de grupos dominantes
regionais (ROCHA, 2006, p. 134-136).
No campo educacional é relevante apontar para o fato de que
escolas americanas das principais vertentes protestantes
estadunidenses (Metodistas, Batistas, Presbiterianos) já estavam
estabelecidas pelo país, principalmente em solo paulista. Assim que,
além de aqui instaladas há algum tempo, estas gozavam de boa
reputação entre as lideranças paulistas, pois para estas “[...] havia a
certeza de que a riqueza e o progresso dos Estados Unidos decorriam da
obra educacional de seus fundadores” (BONTEMPI JR., 2008, p. 275).
Para a liderança paulista, as experiências das práticas educacionais
americanas adotadas nas escolas americanas em fins do século XIX
consistiam em provas da superioridade desse modelo em relação às
reminiscências da escola monárquica (HILSDORF, 1988). De certa forma,
a educação protestante que protagonizou por essa época apresentava-
se configurada nos seguintes termos:

Os colégios protestantes americanos organizavam seus estudos de forma


seriada e progressiva. Ofereciam classes de ensino normal
profissionalizante com fundamentação pedagógica baseada nas ciências
naturais e na filosofia, além de conter treino prático para os futuros
professores. Em termos curriculares, apresentavam conteúdos literários e
científicos, trabalho manual como treino para os estudos nos laboratórios,
atletismo, educação física e ginástica sueca. Portadores do método

84Para maiores detalhes acerca do pensamento educacional da época, ver: ROCHA, Marlos B. M. Matrizes da
modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil. Brasília: Ed. Plano; Campinas:
Autores Associados, 2004.
236 • O Adventismo no Brasil

intuitivo, faziam uso das “lições de coisas” como forma de aprendizado.


Usavam ou adaptava bibliografia estrangeira. Além de disponibilizar
também o ensino misto, [...] (QUERIDO, 2011, p. 55, 56).

Tão grande era o apreço pela experiência educacional exitosa


adotada no Mackenzie College (Presbiteriano), que Caetano de Campos
(1844-1891) ainda nos primórdios da reforma educacional paulista
designou Márcia Browne 85 para dirigir a recém-criada Escola Modelo,
além de solicitar os serviços de Maria Guilhermina 86, ambas indicadas
por Horace Lane, diretor da Escola Americana. Neste sentido o ensino
escolar público que se constituía por aquela ocasião revelava-se
intrinsecamente comprometido com o ideal da hegemonia, bem como
refletia a atração exercida pelo modelo cultural e político dos Estados
Unidos da América. Assim sendo, propagandeava-se o seguinte:

[...] dispam-se dos prejuízos europeus os reformadores brasileiros:


imitemos a América. A escola moderna, a escola sem espírito de seita, a
escola comum, a escola mista, a escola livre, é a obra original da democracia
do novo mundo. (BASTOS, 1870, p. 233).

Tendo em mente o espectro que apresentamos acima no qual


indicamos mesmo que brevemente, as condições em que se encontrava

85Para informações a respeito desta educadora consulte: LAGUNA, Shirley Puccia. Reconstrução histórica do
curso normal da Escola Americana de São Paulo (1889-1933): internato de meninas: uma leitura de seu
cotidiano e da instrução e educação feminina aí ministradas. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 1999, 354f.
86 Importantes informações que destacam a obra de missionárias norte-americanas no Brasil ao longo do
século XIX podem ser obtidas em: ALMEIDA, Jane Soares de. Missionárias norte-americanas na educação
brasileira: vestígios de sua passagem nas escolas de São Paulo no século XIX. Revista brasileira de educação,
vol.12, n.35, 2007, pp. 327-342. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_issuetoc&pid=1413-247820070002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 24 ago. 2014; NICACIO, Jamilly
da Cunha; RIBEIRO, Arilda Inês M. Educadoras norte‐americanas solteiras: disponibilidade para o trabalho
missionário presbiteriano no Brasil. Anais Eletrônicos IX Seminário nacional de estudos e pesquisas
“história, sociedade e educação no Brasil”. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.
unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario9/PDFs/4.11.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2014.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 237

no estado de São Paulo no início do século XX, tanto no campo


socioeconômico, quanto educacional, é possível afirmar que tais
condições tiveram grande influência na escolha dos líderes adventistas
ao decidirem buscar o estado para reiniciar seus investimentos
educacionais, quanto gráficos 87. Nesta direção, Martins (2007) afirma
categoricamente que:

[...] as escolhas da IASD em migrar com seu sistema de imprensa e a


construção de uma escola missionária foram escolhas estratégicas,
pensadas e, por isso, houve o tempo de onze anos para a construção do
Seminário. [...] O estado de São Paulo fez parte de uma estratégia dos
organizadores da instituição para dinamizar a obra missionária da igreja no
Brasil (p. 64).

De certa forma, o que indica Martins (2007) quando considera como


estratégia denominacional adventista o investimento feito no estado de
São Paulo endossa a tese que tecemos ao longo do capitulo de que, para
a denominação adventista a educação é concebida nos moldes de uma
estratégia missionária. Além do que afirmamos neste tópico, é
conveniente trazer à luz o que pensavam os lideres denominacionais,
bem como o grau de conhecimento sobre o Brasil, São Paulo e as
condições da época. Isto se faz importante pelo fato de apresentar
elementos que consubstanciam para consolidar a nossa tese acerca da
educação enquanto estratégia de missão e como a fundação do Colégio

87 A atenção dos líderes adventistas a respeito da importância de São Paulo para o investimento
denominacional no Brasil pode ser identificada em diversos artigos publicados na Review and Herald da década
de 1910. Dentre eles, destaco: SPIES, F. W. Conditions in Brazil. The Advent review and sabbath herald. vol.
83, n. 16. Battle Creek, Michigan, 19 April, 1906, p. 15. Disponível em:
<http://www.adventistarchives.org/doc_info.asp?DocID=90887>. Acesso em: 15 jan. 2014.
SPICER, W. A. In newer Brazilian fields. The Advent review and sabbath herald. vol. 83, n. 31.Battle Creek,
Michigan, 2 August, 1906, p. 4-5. Disponível em: <http://www.adventistarchives.org/
doc_info.asp?DocID=92273>. Acesso em: 16 jan. 2014.
238 • O Adventismo no Brasil

Adventista Brasileiro se deu balizada pelos ditames da efetivação da


estratégia.
Na seção The Field Work, da tão conhecida revista denominacional
estadunidense, Review and Herald, o artigo intitulado Brazil, South
America de Spies (1904) procura tornar conhecido tanto para a liderança
denominacional radicada na matriz, bem como para a membresia em
geral as condições que caracterizavam esse campo missionário. Assim
que, afirmava ele:

As províncias do Paraná e São Paulo estão maduras para a colheita, como


também todo o Brasil [...] o grande e desconcertante pergunta será: O que
podemos fazer para atender as demandas da hora? Há tão poucos a entrar
nas muitas aberturas que nos faz sentir tristeza 88 (SPIES, 1904, p. 17).

A liderança que estava à frente da obra adventista nestas terras


compreendia que o estado de São Paulo se apresentava como campo
missionário promissor para a mensagem adventista, no entanto, a
escassez de obreiros para levar adiante a mensagem parecia ser o
grande obstáculo do momento. Tanto que, parecia inequívoco informar
que “[...] a província de São Paulo, em que não há obreiro, e a província
do Paraná em que há apenas um obreiro, também pedem mais
trabalhadores [...]” (SPIES, 1904, p. 17). 89
De certa maneira a realidade brasileira que se apresentava naquela
época aos lideres denominacionais, e como os mesmos a assimilavam à
luz da estratégia da missão reforçava o paradigma do protestantismo

88 O texto original: “The provinces of Parana and Sao Paulo are ripe for the harvest, as is also all Brazil [...] the
great and perplexing question will be, What can we do to meet the demands of the hour? There are so few to
enter the many openings that it makes one feel sad”.
89 Texto original: “[…] the province of Sao Paulo, in which there is no worker, and the province of Parana, in
which there is only one, also call for more workers […]”.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 239

enquanto religião do livro e a superioridade da cultura protestante


estadunidense em relação à cultura brasileira de matriz católica. Tal
formulação ganha contornos mais definidos na seguinte declaração:

Encontramos os brasileiros prontos para estudar a Palavra de Deus, o maior


inconveniente é que, apenas alguns deles são capazes de ler. Mas, como a
glória da mensagem do terceiro anjo ilumina o mundo, também há de
dissipar a escuridão das mentes ignorantes no Brasil, mesmo daqueles que
não sabem ler (SPIES, 1904, p. 17). 90

De certa forma, o adventismo que aqui se inseriu carregava as


sementes de concepções do protestantismo histórico, especialmente
pelo fato de fomentar grande importância a uma pregação cognitiva
(racional) baseada na leitura e busca pela verdadeira interpretação do
texto bíblico. Pois que, como afirma Campos (2012),

O protestantismo ligou a sua trajetória à propagação de um livro sagrado –


a Bíblia -, considerado o alicerce sobre o qual se deveria fundamentar a
“verdadeira” igreja cristã. Assim, enquanto a Igreja Católica está onde está
o bispo, as comunidades reformadas [e nessa lógica incluímos o
adventismo] estão onde a palavra é pregada e os sacramentos praticados (p.
43).

A opção denominacional adventista de avançar para além das


comunidades germânicas do sul em direção aos estados com grande
concentração de brasileiros de fala portuguesa faz-nos entender que, a
efetivação de uma estratégia missionaria não se calca apenas em um
empreendimento denominacional, nesse caso a educação, mas

90 Texto original: “We find the Brazilians ready to study God's Word, the greatest drawback being that but few
of them are able to read. But as the glory of the third angel's message enlightens the world, it is also dispelling
the darkness of the benighted minds in Brazil, even of those who can not read”.
240 • O Adventismo no Brasil

prescinde de uma articulação na qual as instituições são


instrumentalizadas em favor do projeto evangelizador denominacional
mais amplo. Assim sendo, tal convergência institucionalizada em prol
da missão se deu mediada numa configuração tipicamente protestante
e que, no caso da adventista evidenciou um alargamento da concepção
da estratégia da missão.

Na verdade, à medida em que o trabalho entre os brasileiros de língua


portuguesa está progredindo, os campos mais promissores são estes
Estados do litoral sul do Atlântico. [...] É nestas mesmas partes do país que
os colportores da Sociedade Bíblia tiveram mais sucesso na venda da Bíblia.
Esse esforço magnífico dos colportores está colocando cerca de sessenta mil
exemplares do Livro dos livros a cada ano em território dominado pelos
sacerdotes Brasil 91 (SPICER, 1906, p. 4).

A efetivação da estratégia da missão em terras paulistas na


perspectiva adventista demonstrou que a liderança denominacional
levou em consideração a conjuntura educacional, além da questão da
densidade demográfica que configurava a sociedade de então. À
maneira adventista, o que se pode entrever assinala o fato de que a obra
da colportagem 92 foi de grande valia para a inserção adventista em
outros redutos étnicos radicados no Brasil, como também para a
consolidação da obra adventista nestas terras. Tanto que, se alardeou o
seguinte:

91 Texto original: “In fact, so far as the work among the Portuguese-speaking Brazilians is concerned, the most
promising fields are these States of the middle south Atlantic seaboard. […] It is in these very portions of the
country that the Bible Society colporteurs have had most success in selling the Bible. This splendid effort of the
colporteurs is placing about sixty thousand copies of the Book of books in priest-ridden Brazil every year”.
92 Acerca da obra dos colportores como instrumentalização de inserção da mensagem protestante no Brasil
maiores informações podem ser obtidas em: GIRALDI, Luiz Antônio. A Bíblia no Brasil República: como a
liberdade religiosa impulsionou a divulgação da Bíblia no país de 1889 a 1948. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do
Brasil, 2012.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 241

A cidade de São Paulo, com mais de um quarto de milhão, é talvez a cidade


mais moderna e europeia na América do Sul. É um centro educacional no
Brasil, e todos os compromissos da cidade parecem bastante atualizados.
Cerca de metade da população é italiana, e assim que nós tivermos literatura
em português para vender, cidades como estes devem ser trabalhadas com
a literatura em português, italiano, alemão juntos 93 (SPICER, 1906, p. 5).

Todavia, a despeito do que se pretendia para a aplicação da


estratégia da missão adventista em São Paulo, a mesma prescindia de
obreiros, pois que para além da idealidade a realidade indicava que a
carência de obreiros era o entrave que deveria ser superado a contento.

A situação apela-nos a procurar alguma forma de fornecer trabalhadores


para esses campos carentes. [...] A seara é grande, mas os operários são
poucos. Convidamos para que ore ao Senhor da seara 94 (SPICER, 1906, p. 5).

O clamor por obreiros, a intenção denominacional de investir em


São Paulo a fim de tornar São Paulo a base de sua expansão
evangelizadora se deram permeadas por uma nova configuração
estrutural da organização adventista que deixava de lado a possibilidade
de haver atividades conduzidas independentes, evidenciando dessa
forma uma firme integração da estrutura denominacional a uma
estrutura departamental. De certa forma, a denominação adventista no
Brasil conjugava os reflexos dos desdobramentos dos últimos
acontecimentos organizacionais empreendidos na matriz
estadunidense, que por esta ocasião passava por refinamentos

93 Texto original: “The city of Sao Paulo, with over a quarter of a million, is perhaps the most modern and
European city in South America. It is an educational center in Brazil, and all the appointments of the city seem
quite up to date. About half the population is Italian, and as soon as we have Portuguese literature to sell, such
cities as these ought to be worked with Portuguese, Italian, and German literature together”.
94Texto original: “The situation appeals to us to seek somehow to supply workers for these needy fields. […]
The harvest truly is great, and the laborers are few. Here against the call to prayer to the Lord of the harvest”
242 • O Adventismo no Brasil

organizacionais advindos da Assembleia Geral de 1901 que tendo


efetuado várias mudanças estruturais buscava reforçar duas grandes
reformas:

[...] (1) a descentralização da tomada de decisões, da responsabilidade


administrativa e da direção da obra da igreja por meio do estabelecimento
das uniões, e (2) a integração da crescente variedade de programas da igreja
por meio de departamentos de atividades representados nas comissões
executivas das associações em todos os níveis (SCHWARZ; GREENLEAF,
2009, p. 313).

Pela época (1909), a IASD havia organizado o Departamento de


Educação e essa Denominação já dirigia diversas instituições desde o
nível básico ao superior, e o Conselho que dirigia o departamento estava
promovendo abertura de novas escolas em diversas frentes
missionárias, como também empreendia a supervisão do
desenvolvimento curricular a fim de que independentemente do lugar
nos quais estivessem inseridas, as instituições educacionais pudessem
reproduzir o mais fidedignamente a filosofia professada pela
Denominação. Para que tal objetivo fosse alcançado, o Departamento de
Educação promoveu a produção de livros escolares distintamente
adventistas e a publicação de uma revista denominacional voltada para
a rede escolar, a saber: Christian Education. Tal publicação passou a
circular entre os educadores e administradores de instituições
educacionais como suporte material e orientativo para as práticas
educativas e decisões administrativas no âmbito da implementação da
filosofia educacional adventista. Tendo por norte o espectro esboçado
acima, Segundo Schwarz e Greenleaf (2009) afirmam que: “O efeito
prático dessas atividades foi profissionalizar, bem como estabelecer
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 243

normas para a educação adventista [...] Estava se desenvolvendo a noção


de um sistema adventista de educação” (p. 318).
Esse dado é muito importante, posto que somente por essa época a
ideia de sistema de ensino passou a balizar o empreendimento
denominacional que, por sua vez demonstrava a arquitetação de uma
estrutura cuja intencionalidade última pautava estreita relação com a
unidade filosófica a despeito da variedade de instituições em seus
múltiplos territórios de inserção. Tudo isso corroborava para a
implementação de uma educação adventista nos campos missionários
externamente comprometida com a coerência interna proposta pela
denominação adventista, a fim de que os objetivos alcançados
estivessem articulados à realidade concreta. Ora, pois o que se vê a
partir daí, pode ser compreendido à luz dos dizeres de Saviani (2010)
quando discorre sobre o que caracteriza a noção sistema de ensino.

[...] intencionalidade implica os pares analíticos sujeito-objeto (o objeto é


sempre algo lançado diante de um sujeito) e consciência-situação (toda
consciência é consciência de alguma coisa); a unidade se contrapõe à
variedade, mas também se compõe com ela para formar o conjunto; e a
coerência interna, por sua vez, só pode se sustentar desde que articulada
com a coerência externa, pois em caso contrário, será mera abstração
(SAVIANI, 2010, p. 3).

Fica patente à nossa compreensão que a educação adventista por


essa época, especialmente em seu filão de escolas de treinamento, do qual
o Colégio Adventista Brasileiro, objeto de nosso estudo, é representante
ideal em terras brasileiras, encontrou-se estreitamente comprometida
pela noção de sistema que passou a permear o meio denominacional e
seus imediatos desdobramentos. Deste modo, as implicações dessa
idealidade para a educação denominacional enquanto estratégia
244 • O Adventismo no Brasil

missionária evidencia que especialmente nessa época passa-se a


empreender um projeto educacional refletido, de forma que a realidade
é tematizada a fim de compreender intencionalmente os entraves para
a efetivação da missão e implementação da fluidez no curso das ações
vitais à estratégia missionária operada por meio da educação
denominacional. Neste sentido, Saviani (2010) sumariamente destaca
que: “Em consequência, a atividade anterior, de caráter espontâneo,
natural, assistemático é substituída por uma atividade intencional,
refletida, sistematizada” (p. 02).
Neste sentido, entendemos que a instituição adventista de
formação de obreiros que se radicou em terras paulistas foi concebida
no contexto dessas operações que foram empregadas no
desenvolvimento institucional da educação adventista. E para tanto, é
inequívoco afirmar que nesse interrupto movimento de ação-reflexão-
ação que caracterizou o sistema educacional adventista nessa época
proporcionou a condição necessária para garantir sua coerência, bem
como sua articulação com processos ulteriores. Tudo isto corrobora
para apreendermos o fato de que

[...] o sistema – já que implica em intencionalidade – deverá ser um


resultado intencional de uma práxis também intencional. E como as práxis
intencionais individuais conduzem a um produto comum inintencional, o
“sistema educacional” deverá ser o resultado de uma atividade intencional
comum, isto é, coletiva (SAVIANI, 2010, p. 8).

Além dos mais, cabe ressaltar que de certa maneira, os


refinamentos organizacionais empreendidos pela Denominação nos
primeiros anos do século XX evidenciavam que tal igreja havia
construído um sistema administrativo eclesiástico e educacional e que,
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 245

por conta do avanço missionário em outros campos exigia que a


Denominação exercesse um controle final em sua matriz
estadunidense, o que por sua vez, buscava estabelecer as bases de uma
influência reguladora da matriz em relação às filiais a fim de manter a
igreja unida em sua diversidade. Assim sendo, cumpre-nos ecoar o que
expõem Schwarz e Greenleaf (2009) quando indicam que:

Talvez possamos especular com certa segurança que se as associações do


século 19, que haviam constituído a infra-estrutura da igreja, tivessem
continuado na igreja maior do século 20, seus planos de ação
administrativos semi-independentes poderiam ter dividido a denominação
em corpos constitutivos que teriam estado além do controle da Associação
Geral (p. 331).

As informações esboçadas acima acerca dos refinamentos


organizacionais que tomaram lugar na IASD nos primeiros anos do
século XX nos impelem a compreender que, a implantação do Colégio
Adventista Brasileiro (CAB) esteve estreitamente relacionada com os
ditames organizacionais, de modo que para o núcleo dirigente inicial a
intenção norteadora era fazer com que tal instituição dialogasse com os
anseios denominacionais o que garantiria uma centralidade de
propósito.
Ainda mais, buscamos com essas informações que relacionam a
fundação do Colégio Adventista Brasileiro / Seminário com os
refinamentos organizacionais, sistematização da educação que
tomaram lugar na matriz estadunidense acentuar a compreensão de
que a fundação dessa instituição educacional em São Paulo e seu
programa de formação dos obreiros esteve desde o início conformada
pelos moldes da estratégia missionária que, neste caso se efetivava
246 • O Adventismo no Brasil

enquanto estratégia de regulação operada nos desdobramentos de um


sistema de educação cuja centralidade de propósitos conjugava o anélito
denominacional da consolidação identitária e os desdobramentos da
missão evangelizadora conforme entendida pelos Adventistas. Pois que,
como observam Schwarz e Greenleaf (2009) indubitavelmente, “o
sucesso da educação está [...] no número de graduados que têm
ingressado no trabalho da igreja e as contribuições que eles têm feito”
(p. 294).
Ao final das páginas desse capítulo podemos apresentar que a
educação denominacional adventista foi concebida enquanto
empreendimento institucional sob a égide da estratégia missionária,
especialmente na formação de seus obreiros com vistas à atuação no
campo missionário. De certo modo, as relações estabelecidas entre o
pensamento whiteano sobre educação e as ideias pedagógicas de seu
tempo sinalizam para uma apropriação de conceitos que tal
empreendeu mobilizando-os para o estabelecimento dos elementos
basilares de uma filosofia educacional denominacional.
A leitura atenta do primeiro escrito de Ellen G. White sobre
educação no meio adventista, A Educação Apropriada, sinalizam os
elementos basilares da concepção whiteana de educação que foram
assumidos pela denominação na constituição da filosofia educacional.
Os seus escritos revelam indícios que a caracterizam como uma
pensadora que tece seus comentários e conselhos por um fio latente da
estratégia missionária que, segundo esse estabelecia que o avanço para
além dos Estados Unidos prescindia de um sistema de ensino
apropriado que conjugasse o preparo do obreiro alinhado às
expectativas denominacionais, mas que estivesse balizado por uma
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 247

estrita concepção escatológica que se desdobrava em uma auto


compreensão profética.
Ao revisarmos a história da educação adventista é notório perceber
que o surgimento de instituições de nível médio e superior para a
formação do obreiro tem no Battle Creek College a sua proposta seminal.
O estabelecimento de tal instituição termina por oportunizar o
surgimento das Escolas de Treinamento. Filão este que, desde o início
encontrou-se emoldurado pela concepção de educação enquanto
estratégia missionária, segundo a qual deveria efetivar-se
prioritariamente nos ditames da missão institucional de preparar
obreiros denominacionais. No entanto, não esteve isenta de entraves
concernentes a existência de uma dicotomia da missão, na qual o
binômio educação/evangelização encontrava-se imbricado em
constantes tensões entre os gestores eclesiais e educacionais (SCHULZ,
2003).
A chegada da Igreja Adventista do Sétimo Dia a terras brasileiras
no contexto das missões protestantes estadunidenses (MENDONÇA,
2008) aponta para uma insinuação denominacional que intimamente
ligada aos imigrantes, de modo particular a imigração alemã pode se
entendida sob os fios da efetivação de uma estratégia missionária na qual
a educação adventista era meio a mensagem adventista pelo território
brasileiro. Neste sentido, mesmo a iniciativa não oficial empreendida
por Huldreich F. von Graf e seus desdobramentos nos oferecem
elementos que conformam a nossa compreensão referente aos
caminhos que a denominação percorreu em seu estabelecimento e
consolidação em terras brasileiras sob os moldes da estratégia
missionária tendo como mote a formação do obreiro adventista.
248 • O Adventismo no Brasil

As iniciativas denominacionais de avanço da mensagem adventista


em direção aos grandes centros urbanos do Brasil em especial São Paulo,
corrobora para entendermos que na implementação da estratégia da
missão adventista em solo sul-americano, o “início da obra com o
elemento alemão foi só um meio para alcançar as sociedades de fala
espanhola e portuguesa da América do Sul” (SCHWARZ; GREENLEAF,
2009, p. 283). Ao abordarmos o desenvolvimento denominacional
adventista com base em São Paulo com ênfase no estabelecimento do
Colégio Adventista Brasileiro (CAB), buscamos contribuir para o
entendimento da relevância do contexto sócio histórico e econômico
que favoreceu o avanço da mensagem adventista, mas também
estivemos comprometidos em ressaltar que tais iniciativas
denominacionais representaram na verdade uma atuação dirigida pelos
ditames da estratégia missionária.
É pertinente informar a importância de pesquisas sobre a
Educação Adventista no Brasil a fim de oportunizar o entendimento de
como a instituição educacional de formação de obreiros do Brasil – o
Colégio / Seminário Adventista Brasileiro – estabelecida em São Paulo
balizou seu programa educacional sob os ditames do regime de
internato, as atividades manuais, o tempo sagrado e a colportagem e
como esta contribuiu significativamente para a conformação de um
modelo de formação para os obreiros adventistas nestas terras. O
modelo de formação implementado na instituição brasileira indica um
alinhamento às diretrizes denominacionais estadunidenses, além de
sinalizar para um certo modus operandi empreendido pela liderança
nestas terras que, à sua maneira evoca o sentido mais totalizante que a
educação tem para os missionários protestantes em especial os de
matriz estadunidense. Afinal, para o “[...] protestantismo americano,
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Dayse Karoline S. S. de Carvalho • 249

religião, democracia política, liberdade individual e responsabilidade


são concebidas como parte de um todo, que está envolvido por uma
inflexível fé na educação” (CALVANI, 2009, p. 61).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste sentido, a chegada da Igreja Adventista do Sétimo Dia a


terras brasileiras no contexto das missões protestantes estadunidenses
(MENDONÇA, 2008) e seu imediato interesse na abertura de escolas de
ensino das primeiras, como também de unidades voltadas para a
formação de obreiros adventistas revelam os fios da efetivação de uma
estratégia missionária na qual a educação adventista era meio
propragação da mensagem adventista pelo território brasileiro, tanto
que o desenvolvimento denominacional adventista com base em São
Paulo com ênfase no estabelecimento do Colégio Adventista Brasileiro
(CAB) evidencia os desdobramentos dessa estratégia.

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APONTAMENTOS SOBRE O CRIACIONISMO NO
BRASIL: UM BREVE OLHAR ACERCA DA
VISÃO DOS ADVENTISTAS
Francisco Luiz Gomes de Carvalho
Kédima Ferreira de Oliveira Matos

Nos últimos anos temos acompanhando uma série de


transformações dentro do cenário religioso em nosso país. Certamente
nas últimas décadas, estas mudanças vêm representando um forte
caminho para o crescimento das ideias criacionistas no Brasil. Estas
ideias que fazem parte do ideário do criacionismo cristão têm suas
origens no conjunto de representações simbólicas herdadas do
judaísmo, como destaca Dorville e Selles (2016). Para Scott (2006), esta
versão contemporânea, como um movimento estruturado, faz parte de
um fenômeno que é característico de uma exportação dos Estados
Unidos para o restante do mundo, inclusive para nosso país. Sendo uma
linha que segundo Dorville e Selles (2016) compõe o literalismo bíblico
protestante, bem como de suas derivações, como por exemplo, o
movimento adventista.
Desta forma, é importante relembrar ao leitor que a história da
relação entre o campo científico e religioso, como destaca Teixeira e
Andrade (2014), está marcada por conflitos, diálogos, distanciamentos,
bem como aproximações. Henry (1994) aponta que cientistas como
Galileu e Newton, eram profundamente religiosos, embora estivessem
em sua época dando os primeiros passos na formação do pensamento
268 • O Adventismo no Brasil

científico. Logo, as tensões que existiram e existem hoje em dia entre a


ciência e a religião, não se encontram restritas aos debates atuais. Tais
debates “remontam ao surgimento da chamada ciência moderna, na
revolução científica do século XVI”. Estes debates entre “ciência e
religião tem marcado os últimos séculos, com implicações atuais para o
ensino de ciências. Passados cento e cinquenta anos do lançamento de
‘A origem das espécies’, vivemos em um mundo não menos religioso do
que o enfrentado por Darwin” (TEIXEIRA; ANDRADE, 2014, p. 297-298).
Para Hentges e Araújo (2020), as ideias contidas nos trabalhos de
Darwin,

(...) desafiaram a interpretação literal bíblica ao oferecerem uma resposta


alternativa plausível para o grande mistério da origem e diversidade de
espécies no nosso planeta e, ao fazer isso, atingiram o âmago do mundo
cristão. Se a sua teoria estivesse correta, a vida não poderia ter apenas
alguns milhares de anos como prescrito na Bíblia. Em vez disso, todas as
espécies vivas atuais estariam relacionadas entre si, e, o mais importante,
os seres humanos seriam apenas mais um elo nessa cadeia ininterrupta de
especiações e extinções (HENTGES; ARAÚJO, 2020, p. 4).

No entanto, para Silva (2020, p. 7) “esta teoria deu o golpe de


misericórdia no mito da criação divina, atingindo como flecha o
calcanhar de Aquiles da Igreja”. Silva (2020) ainda destaca que a
narrativa criacionista que foi hegemônica por milênios, “começou a
perder sua hegemonia no período da Renascença, com o resgate da
teoria heliocêntrica do grego Aritarco de Samos no século III a.C., por
Nicolau Copérnico”, teoria esta que destaca a Terra como um astro que
giraria em torno de uma estrela e que orientava os movimentos de
outros astros, localizados ao centro do universo. Neste contexto o ser
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 269

humano, “a espécie que teria sido criada à imagem e semelhança de


Deus, havia sido deslocado do centro do universo”.
Na tentativa da retomada da sua hegemonia a igreja foi se
organizando na criação de institutos aumentando o número de adeptos
em todo país. Silva (2020) aponta que na história mais recente das
organizações institucionais religiosas, os Estados Unidos, por exemplo,
é um importante campo de fundação de institutos e demais entidades
que almejam de alguma forma reverter às inúmeras derrotas jurídicas
frente a este debate, criacionismo x evolucionismo.
Neste contexto, sabemos que o criacionismo é uma forte questão
que envolve a ciência e religião, e a mesma vem chamando atenção nos
dias de hoje. Desde a teoria de Darwin, algumas instituições, grupos,
entidades religiosas reagem às ideias da evolução, estes apontam para a
Bíblia como representação ideal para o surgimento do ser humano e dos
demais seres vivos. No século XX e mesmo hoje em dia, eventos
polêmicos que envolvem a evolução e também o criacionismo se
destacam entre grupos conservadores e que estão unidos a
denominações cristãs. Esses grupos recorreram à justiça para que
conteúdos relacionados à teoria da evolução fossem substituídos pela
visão criacionista da vida, muitas vezes sem lograrem êxito. Estes tipos
de debates vão se arrastando ao longo dos anos.
Diante destes pontos até aqui destacados, este artigo, tem por
finalidade apresentar um pouco dos tipos de criacionismo existentes,
com um olhar especial para os defendidos pelos adventistas. Não temos
intenção de aprofundarmos a discussão sobre o evolucionismo, embora
em alguns momentos a apresentação desta teoria se faça necessária.
Logo, a principal intenção deste artigo é apontar como os grupos
religiosos entendem e elaboram suas teorias acerca do criacionismo, de
270 • O Adventismo no Brasil

forma especial no Brasil. Este artigo se constitui com base em uma


revisão bibliográfica de pesquisadores, que vêm se debruçando sobre o
tema criacionismo, como destacamos ao longo do texto. Para tanto, na
próxima seção, vamos construir, a partir dos autores selecionados, um
pouco da historiografia do criacionismo no Brasil, em especial sua
estruturação e desenvolvimento.

BREVE RELATO SOBRE AS INSTITUIÇÕES CRIACIONISTAS NO BRASIL

Autores destacam que o criacionismo cristão é um fenômeno


exportado dos Estados Unidos, como um subproduto denotativo do
texto bíblico protestante, o criacionismo de modo geral termina se
intensificando quando as visões religiosas vão se tornando mais
populares. Nas últimas décadas, com o crescimento visível do
pentecostalismo no nosso país, houve um grande impacto em diferentes
áreas da sociedade incluindo o desenvolvimento do criacionismo
(SCOTT, 2006; MATZKE, 2010).
Embora o cenário brasileiro seja diferente do norte-americano,
Dorvillé e Selles (2016, p. 2) apresenta que nas últimas décadas, “aqui no
Brasil testemunharam um número crescente de comunidades
evangélicas e adventistas apoiando o criacionismo e investindo em
instituições educativas e editoras de livros com esse tipo de abordagem
apresentada como científica”, presente nas instituições americanas.
Estes autores descrevem que as associações criacionistas,

(...) existem no Brasil há mais de 40 anos. Entretanto, apenas recentemente


esses grupos intensificaram suas agendas, utilizando estratégias e retóricas
semelhantes àquelas empregadas por seus pares norte-americanos. Além
da forte presença em grande variedade de tipos de mídia, os criacionistas
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 271

brasileiros adotam quatro abordagens principais, às vezes de modo mais


articulado, unindo diferentes grupos, e em outros casos de modo mais
independente (DORVILLÉ; TEIXEIRA, 2015, p. 2).

Essas organizações buscam apresentar sua visão como uma


possibilidade de alternativa ‘científica’, tentando obter uma
determinada legitimidade e apoio às suas ideias. Para tanto, costumam
promover encontros que reproduzem a estrutura de congressos
acadêmicos. Esses momentos são recheados de palestras, mesas
redondas, apresentação de trabalhos de pesquisadores de todo país,
muitas vezes. Dorvillé e Selles (2016) comenta que alguns palestrantes
que participam desses eventos, costumam viajar pelo país realizando
palestras, que acontecem tanto em igrejas, bem como em encontros
religiosos que ocorrem em instituições públicas e privadas de ensino
superior. Dorvillé e Selles (2016) ainda nos lembram de importantes
nomes do meio científico como é o caso do físico Adauto Lourenço e do
químico Marcos Nogueira, que participam da Sociedade Criacionista
Brasileira (SCB). Esta sociedade foi fundada por um grupo adventista a
mais de 40 anos e costuma realizar anualmente um seminário sobre o
tema origens.

Outra organização criacionista brasileira é a Associação Brasileira para a


Pesquisa da Criação (ABPC), fundada em 1979 em Belo Horizonte, sendo uma
organização evangélica ligada ao Institute for Creation Research (ICR),
fundado nos EUA por Henry Morris. Trata-se de uma instituição
representante do criacionismo da Terra Jovem, que já trouxe cinco vezes ao
Brasil um dos mais famosos criacionistas do mundo, o bioquímico
americano Duane Gish, que já foi vice-presidente do ICR e um de seus
principais debatedores (DORVILLÉ; SELLES, 2016, p. 3-4).
272 • O Adventismo no Brasil

Em seu site a ABPC deixa claro que os criacionistas conhecem a


existência de vários processos da natureza, que convencionam
denominar de mutações e que são capazes de introduzir novidades
genéticas em uma determinada espécie. Destacam ainda que os
criacionistas, entretanto, não crêem que tais processos possam trazer à
cena modificações tão extraordinárias, a ponto de gerar toda a
diversidade da vida que encontramos no planeta de um primeiro e único
organismo unicelular, ou mesmo uma espécie a partir da outra. Eles
também não crêem que a vida possa ter se originado a partir da matéria
sem vida, de um modo inteiramente ao sabor do acaso 95.
Autores destacam que no Brasil, controvérsias que envolvem o
criacionismo e evolucionismo, não são tão intensas como as ocorridas,
em países como os Estados Unidos, por exemplo. Importante lembrar
que de acordo com o censo do IBGE do ano de 2000, aqui no Brasil 89%
da população seria cristã, sendo que 73,6% são católicos e
aproximadamente 15,4% de evangélicos. Dez anos depois a mesma era
86,8% cristã, sendo 22,2% desse total de evangélicos (IBGE, 2010).
Hentges e Araújo (2020) comentam acerca da última pesquisa
Datafolha do ano 2010 que indica que cerca de 59% dos brasileiros
acreditam que “Os seres humanos se desenvolveram ao longo de
milhões de anos a partir de formas menos evoluídas de vida, mas com
Deus guiando esse processo de evolução” e que aproximadamente 25%
acreditam que “Deus criou os seres humanos de uma só vez
praticamente do jeito que são hoje, em algum momento nos últimos dez
mil anos” (DATAFOLHA, 2010).

95Informação extraída literalmente do site da ABPC, disponível no link: <IMPACTO.ORG.BR - index - portal>.
Acesso em: 02 mar. 2022.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 273

Ainda assim, alguns eventos que mostram estas controvérsias,


como o caso ocorrido em 2004 em que o Governo do Estado do Rio de
Janeiro determinou que assuntos relativos ao tema criação fossem
abordados nas aulas de Ensino Religioso, isto nas escolas estaduais, o
que causou a emissão de uma nota de repúdio por parte da Sociedade
Brasileira Para o Progresso da Ciência (2011), em que a mesma destaca o
caráter fundamentalista desse pensamento e chegando a mencionar
pesquisadores, que não viam evolução e religião como excludentes
(GAZIR, 2011; SBPC, 2011).
Como já destacado anteriormente, as origens do criacionismo
ainda que sejam herdadas do judaísmo com uma versão contemporânea
centrada em um literalismo bíblico, advinda dos EUA, suas derivações
como o movimento Adventista, por exemplo, exportam filiais para todo
o mundo. No Brasil, como comenta Silva (2020) o movimento adventista
está organizado em vários estados, especialmente com a presença das
escolas adventistas. Em relação às origens deste grupo, sabemos que os
adventistas têm sua origem relacionada com um grande reavivamento
religioso norte-americano que teve seu ápice no ano de 1844. Os
Adventistas do Sétimo Dia derivam desse movimento e ficaram mais
conhecidos pela ênfase na pregação da breve volta de Jesus e do sábado
como memorial da criação (CARVALHO, 2012). A Igreja Adventista
surgiu em um período histórico de grande turbulência epistemológica,
ou seja, época em que estava em debate qual fonte de conhecimento
(Bíblia ou ciência) deveria ser considerada a autoridade máxima sobre a
questão das origens (NUMBERS, 2006).
Silva (2020) destaca que instituições como a Sociedade Criacionista
Brasileira – SCB, fundada em 1972 em Brasília por adventistas. a
Associação Brasileira para Pesquisa da Criação - ABPC e a Sociedade
274 • O Adventismo no Brasil

Brasileira do Design Inteligente – SBDI como instituições “que


produzem seminários pretensamente científicos para dar validade à
hipótese criacionista” (p. 16). Para este autor as igrejas estão se
organizando “para retomar sua hegemonia, criando institutos,
aumentando o número de adeptos especialmente nos países de periferia
do sistema capitalista como o Brasil” (p. 07).
Segundo Engler (2007, p. 86-87), existem vários tipos de
criacionismo cristão, bem como várias formas de enquadrar as
diferenças entre eles. Para este autor de modo geral, todas as tentativas
de indicar, determinar as formas do criacionismo cristão usará uma
junção de dois métodos que seria o descritivo, que aponta uma seleção
dos tipos, e o tipológico, “que propõe critérios que servem para
distinguir e relacionar os criacionismos dentro de um quadro conceitual
mais amplo”. Concordamos com o autor quando ele afirma que os dois
métodos são complementares e que não é tão útil “descrever um
fenômeno de uma maneira que não aponte algumas características que
servem para distinguir os casos; e não se pode criar uma tipologia sem
fazer o trabalho inicial de estudar a variedade de coisas que vão caber
nela”. Embora não iremos entrar por estes aspectos apresentados
acima, destacamos em especial duas formas, duas visões de
criacionismo bem presente nas discussões sobre o tema, o criacionismo
bíblico e o criacionismo científico.
Pensando nessas questões, Schünemann (2008) afirma que o
cristianismo é uma religião criacionista, pois, segundo ele, “identifica e
atribui a natureza, o conceito de criação, a uma obra divina”. Porém,
essa compreensão pode ter outros desdobramentos na forma de
intepretação. “O criacionismo científico é um nome específico para
designar uma interpretação moderna da doutrina da criação dentro do
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 275

fundamentalismo protestante”. Pois o mesmo, “caracteriza-se por


defender a leitura literal do Gênesis como a única forma correta e
verdadeira para se entender as origens”. Esta visão é de certo modo uma
forma de rejeitar o pensamento evolucionista teísta ou mesmo o
criacionismo-evolucionista, comuns a algumas comunidades religiosas
(SCHÜNEMANN, 2008, p. 72). Vejamos um pouco mais sobre esta forma
de criacionismo.

CRIACIONISMO-CIENTÍFICO

Esse desdobramento do criacionismo se denomina “ciência”, pois


costuma “se posicionar como uma teoria empírica e falsificável. As
hipóteses centrais da teoria vêm da “geologia da inundação”, isto é, elas
elaboram os impactos geológicos do grande Dilúvio bíblico.” Embora o
criacionismo científico cristão negue a teoria da evolução, ele não nega
a ciência (ENGLER, 2007).
Segundo alguns autores a visão do criacionismo-científico o
universo, da forma que existe hoje, foi criado por criação divina do nada.
Essa criação não tem mais de dez mil anos e após isto não houve
desenvolvimentos subsequentes. Para o criacionismo-científico a teoria
da evolução é falsa, pois tanto a seleção natural, como a mutação não é
capaz de explicar o suposto desenvolvimento subsequente de todos os
seres vivos. Para eles, por exemplo, dentro de uma espécie podem até
ocorrer modificações limitadas, mas todas as espécies foram criadas por
Deus. O dilúvio é o evento geológico mais importante para este grupo e
foi este dilúvio que está descrito no livro de gênese o evento capaz de
explicar, a presença de fósseis de espécies extintas em distintas
camadas geológicas (ENGLER, 2007).
276 • O Adventismo no Brasil

Extraímos estes princípios, O Institute for Creation Research


(ICR) 96, fundado pelo Henry Morris em 1970 em seu o ICR descreve sua
criação e existência com a finalidade de conduzir pesquisas de cunho
científico vinculado às origens e história da Terra. E para quem visitar
seu site, encontrará facilmente os princípios do criacionismo-científico
abaixo relacionados.

1. O universo físico de espaço, tempo, matéria e energia nem sempre existiu,


mas foi criado sobrenaturalmente por um Criador pessoal transcendente, o
único que existe desde a eternidade.
2. O fenômeno da vida biológica não se desenvolveu por processos naturais
de sistemas inanimados, mas foi especialmente e sobrenaturalmente criado
pelo Criador.
3. Cada um dos principais tipos de plantas e animais foi criado
funcionalmente completo desde o início e não evoluiu de algum outro tipo
de organismo. Mudanças em tipos básicos desde sua primeira criação são
limitadas a mudanças “horizontais” (variações) dentro dos tipos, ou
mudanças “para baixo” (por exemplo, mutações prejudiciais, extinções).
4. Os primeiros seres humanos não evoluíram de uma ancestralidade
animal, mas foram especialmente criados na forma totalmente humana
desde o início. Além disso, a natureza “espiritual” do homem (autoimagem,
consciência moral, raciocínio abstrato, linguagem, vontade, natureza
religiosa, etc.) é em si uma entidade criada sobrenaturalmente distinta da
mera vida biológica.
5. O registro da história da Terra, conforme preservado na crosta terrestre,
especialmente nas rochas e depósitos fósseis, é principalmente um registro
de intensidades catastróficas de processos naturais, operando amplamente
dentro de leis naturais uniformes, ao invés de gradualismo e taxas de
processo relativamente uniformes. Existem muitas evidências científicas
para uma criação relativamente recente da Terra e do universo, além de
fortes evidências científicas de que a maioria das rochas sedimentares

96 https://www.icr.org/tenets
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 277

fossilíferas da Terra foram formadas em um cataclismo hidráulico global


ainda mais recente.
6. Os processos hoje operam principalmente dentro de leis naturais fixas e
taxas de processo relativamente uniformes, mas uma vez que foram
originalmente criados e são mantidos diariamente por seu Criador, sempre
há a possibilidade de intervenção milagrosa nessas leis ou processos por seu
Criador. Evidências para tal intervenção devem ser examinadas
criticamente, entretanto, porque deve haver uma razão clara e adequada
para tal ação por parte do Criador.
7. O universo e a vida foram de alguma forma prejudicados desde a
conclusão da criação, de modo que imperfeições na estrutura, doença,
envelhecimento, extinções e outros fenômenos semelhantes são o resultado
de mudanças “negativas” nas propriedades e processos que ocorrem em
uma ordem criada originalmente perfeita.
8. Visto que o universo e seus componentes primários foram criados
perfeitos para seus propósitos no início por um Criador competente e
volitivo, e desde que o Criador permanece ativo nesta criação agora
decadente, existem propósitos e significados finais no universo.
Considerações teleológicas, portanto, são apropriadas em estudos
científicos sempre que forem consistentes com os dados reais de
observação. Além disso, é razoável supor que a criação atualmente aguarda
a consumação do propósito do Criador.
9. Embora as pessoas sejam finitas e os dados científicos relativos às origens
sejam sempre circunstanciais e incompletos, a mente humana (se aberta à
possibilidade de criação) é capaz de explorar as manifestações desse Criador
de maneira racional, científica e teleológica.

Quanto a SCB, fundada pelos adventistas, é interessante mencionar


que a “SCB aceita o que se poderia chamar de “Criacionismo Bíblico”
como estrutura conceitual dentro da qual se desenvolvem suas
atividades de investigação e disseminação das teses criacionistas
referentes às origens do Universo” e ainda que a SCB,
278 • O Adventismo no Brasil

(...) opõe-se à denominação de “Criacionismo Científico” em sua


contraposição ao Evolucionismo, pois entende que tanto o Criacionismo
quanto o Evolucionismo não constituem Ciência propriamente dita, mas
são estruturas conceituais, cosmovisões ou visões de mundo que partem de
pressuposições no âmbito filosófico para o desenvolvimento de suas
respectivas teses referente às origens do Universo. Assim, no campo de suas
respectivas estruturas conceituais, na realidade ambos fazem apenas
interpretações dos dados colhidos e tratados pelo método científico, sem
estarem desenvolvendo atividades que poderiam verdadeiramente ser
chamadas de científicas 97.

Se bem que boa parte dos autores criacionistas reconhecem, de um


modo geral, a microevolução, que indica a aceitação do conceito de
alterações adaptativas formando até novas espécies, no entanto evitam
o uso do termo, uma vez que existe uma resistência forte à palavra
evolução. or outro lado, o papel do “criacionismo científico” se resume
à oferta de uma oportunidade para o uso da ciência, mas em acordo com
suas crenças, e não as modificando em função do que as pesquisas
científicas trazem.
O Criacionismo que se diz científico, dentre outras coisas deseja
provar a veracidade do relato bíblico. Assim, a distinção sobre a questão
do papel da Bíblia é fundamental, haja visto que o criacionismo não se
limita a uma concepção que atribui a Deus a origem do universo, mas
em síntese promove uma defesa de uma leitura literal da Bíblia,
tornando-a uma obra científica (SCHUNEMANN, 2008).

97 Disponível em: <https://scb.org.br/institucional/historia-criacionismo-no-brasil-passado-presente-e-


futuro/introducao>. Acesso em: 02 mar. 2022.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 279

ESTRATÉGIAS DE DIVULGAÇÃO

No âmbito do Adventismo foram empreendidas várias estratégias


para divulgação do criacionismo científico, de modo que se observou
nos últimos anos o aumento da realização de eventos acadêmicos,
organização de Núcleo de estudos, promoção, financiamento a
tradução, publicação e distribuição de livros e material didático de apoio
para utilização nas escolas adventistas brasileiras, além do lançamento
da série "Aventuras em Galápagos" 98 e a construção de um centro de
pesquisa com foco nas origens na perspectiva criacionista, Origins -
Museum of Nature 99, ambos em 2020.
Na obra Uma Introdução à História do Criacionismo Adventista no
Brasil organizada e publicada, Silva (2017) dá a conhecer a tentativa de
apresentar as iniciativas e principais personagens que se dispuseram a
aprender e difundir "uma defesa mais inteligente, racional, convincente
e científica dos fundamentos criacionistas" (p. 05). Nestes termos, pode-
se indicar que tais iniciativas terminam por convergir ao esforço central
de destacar o Criacionismo como sendo "intelectualmente relevante
para um mundo cada vez mais secularizado e materialista" (p. 05).
Pode-se elencar várias dessas iniciativas denominacionais de
divulgação do Criacionismo conforme entendido pelos Adventistas, no
entanto fazemos ecoamos aquelas que consideramos mais significativas
e basilares. Em 1999 foi oficializado o NEO 100 (Núcleo de Estudos das
Origens) a partir das solicitações de universitários cristãos para estudos
e divulgação de estudos que abordassem questões relacionadas à Ciência

98 Disponível em:<https://feliz7play.com/pt/c/aventuras-em-galapagos>. Acesso em: 15 mar. 2022.


99 Para mais informações acesse:<http://origens.org/origins-museum-of-nature/>. Acesso em: 20 mar. 2022.
100 Informações adicionais:<http://origens.org/nucleo-de-estudo-das-origens-neo/>. Acesso: 01 Abr. 2022.
280 • O Adventismo no Brasil

e Religião. Atualmente se constitui como um grupo interdisciplinar do


Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, dedicado ao
estudo das origens e das relações entre ciência e religião contribuindo
para a difusão do criacionismo e para o fortalecimento da crença na
Criação bíblica. Neste sentido, busca ofertar: a) seminários, workshops,
cursos livres e eventos sobre o criacionismo em igrejas, escolas,
universidades e demais grupos interessados; b) cursos de treinamento
e capacitação em criacionismo para professores, gestores educacionais,
pastores e líderes religiosos.
Em 2005, o NEO prestou serviços à comunidade criacionista
traduzindo o livro texto "Fé, Razão e História da Terra" de autoria de
Leonard Brand cujo objetivo era apresentar uma forma equilibrada de
vários temas relacionados às origens nas áreas da Biologia, Geologia,
Paleontologia e Filosofia da Ciência "propondo modelos alternativos
para eventos marcantes na história da Terra, como a evolução dos seres
vivos, o registro fóssil e a formação dos depósitos sedimentares"
(COSTA; SILVA, 2017, p. 62).
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 281

Disponível em:<https://bityli.com/BgXrOK>.
Acesso em: 01 Abr. 2022.

Um importante papel tem sido desempenhado pela editora


denominacional adventista no Brasil, Casa Publicadora Brasileira (CPB).
Considerada a maior editora dos adventistas no mundo em vendas e
produção de materiais. Tal editora publicou o primeiro livro abordando
o debate entre o Criacionismo e o Evolucionismo, "Estudos sobre
Criacionismo" na década de 1950. De autoria de Frank Lewis Marsh e
traduzido para o português, a obra se apresentou como uma das
primeiras publicações criacionistas disponibilizadas no Brasil. Outras
publicações lançadas pela CPB e relacionadas à temáticas ocorreram nos
anos seguintes, sendo "Evolução ou Criação Especial", um outro livro de
Frank Lewis Marsh em 1970. Já em 1974 foi a vez da obra "Deus e
Evolução" de Francis D. Nichol. Com o passar dos anos, a linha editorial
282 • O Adventismo no Brasil

foi incrementada com a publicação de livros didáticos a fim de atender


à demanda da rede de escolas adventistas no Brasil.
A Folha de São Paulo, na coluna "Ciência e Fé" da sua edição de 03
de maio de 1987 noticiava: "Adventistas têm Obra Criacionista destinada
ao Ensino". Segundo apresentado no jornal, a editora CPB era única no
Brasil a publicar livro didático de ciência criacionista e passava a partir
de então a compor o catálogo da Fundação de Assistência ao Estudante
(FAE) para o Programa Nacional do Livro Didático. Mesmo atendendo
uma demanda da rede confessional adventista, o então coordenador
pedagógico da CPB informava que o livro atenderia um mercado mais
amplo de escolas, sendo algumas católicas e outras públicas, o que já
acontecia com a cartilha de alfabetização "Este Mundo Maravilhoso".
Acerca dessa temática, Silva, Silva e Machado (2017) informam que a

[...] coleção Este Mundo Maravilhoso atingiu a marca de um milhão de


exemplares e foi adotada em escolas públicas. O teor criacionsta dos livros
gerou polêmica [...] o que parecia ser prejudicial aos negócios mostrou-se
bastante profícuo, despertando o interesse de mais educadores que
passaram a adotar os livros didáticos impressos pela CPB (p. 81).

Dentre as personalidades que se engajaram na sistematização e


publicação de materiais criacionistas de perspectiva adventista no
Brasil podemos citar o protagonismo de Ruy Carlos de Camargo Vieira
que tendo seguido carreira profissional e acadêmica na área de
Engenharia teve sua atenção despertada para a área do Criacionismo,
especialmente quando um dos filhos cursava o ensino médio e, segundo
a percepção pai o mesmo estava sendo atingido "pela doutrina da
evolução nas aulas de Biologia, com professores que não apresentavam
o conteúdo de forma crítica" (SILVA; MEDEIROS, 2017, p. 90).
Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 283

Outros eventos concorreram para que Ruy Carlos aprofundasse o


interesse e estudos sobre o Criacionismo, de modo que após o contato
efetuado com a Sociedade Criacionista dos Estados Unidos surgiu a
iniciativa de fundar a Sociedade Criacionista Brasileira (SCB) tendo
como marco inicial das atividades o mês de abril de 1972 em São Carlos
(SP) e estava voltada "[...] especificamente para a produção de materiais,
artigos, livros e apostilas para auxiliar professores, pais, alunos,
pastores e pessoas interessadas, em geral" (SILVA; MEDEIROS, 2017, p.
91).
Por muitos anos a SCB esteve sediada na casa da família em São
Carlos, todavia com a mudança de Ruy para Brasília a sede da SCB foi
transferida para a capital da República e com o passar do tempo ganhou
sede própria. Com a institucionalização da SCB e sua transformação em
associação civil oportunizou o seu desenvolvimento deixando sua
natureza familiar e assumindo uma personalidade jurídica.
Por ocasião das comemorações do quadragésimo ano da SCB em
2012 foi possível relacionar no boletim da programação o nome de
diversos apreciadores da causa criacionista no Brasil e que de alguma
forma apoiaram os esforços de Ruy Carlos ao longo dos anos. Assim que,
listamos alguns desses: Elvio Caetanos, Francisco Batista de Mello,
Haroldo Azevedo, Humberto Paulo Ricci, Juedi Mayor, Lélio Lindquist,
Nahor Neves de Souza Jr., Rosenvaldo Donato, Ruth Jorge Azevedo e
Wellington Dinelli.
Várias iniciativas de Ruy Carlos à frente da SCB foram
empreendidas para dar visibilidade e produzir materiais que se
tornassem subsídios para divulgação do Criacionismo no Brasil. Destas,
destacamos a realização de Seminários "A Filosofia das Origens", bem
como a produção de um periódico denominado de "Folha Criacionista"
284 • O Adventismo no Brasil

cujos exemplares alcançaram diversas impressões e que agora conta


com a publicação de outros periódicos regulares, Revista Criacionista e
Boletins SCB. Diversas obras foram publicadas pela SCB indicando um
crescente número de traduções de importantes livros criacionistas de
autores estrangeiros, o que por sua vez destacam a atualização, bem
como a promoção da circulação de literatura especializada em âmbito
adventista e para além dele. Dentre as quais, destacamos as que abaixo
apresentamos.

Livros publicados pela SCB


Francisco Luiz Gomes de Carvalho; Kédima Ferreira de Oliveira Matos • 285

Sob a liderança de Ruy Carlos de Camargo Vieira a Sociedade


Criaionista Brasileira foi instituída e continua sua história de forma
pujante, ampliando seus horizontes, estabelecendo parcerias etc, mas
ainda orientada a ofertar materiais acerca do Criacionismo convergindo
para os objetivos de sugerir, promover, coordenar e executar ações que
apoiem a tese da existência de planejamento, propósito e desígnio em
todos os campos da natureza. Dessa forma, ao longo de quase cinquenta
anos, boa parte deles sob a direção de Ruy Carlos, a SCB esteve envolvida
a publicação de mais de cinquenta livros e periódicos, alguns traduzidos
de mais de quatro idiomas; a edição da Folha Criacionista e depois
Revista Criacionista desde 1972; coleções de DVD’s para os públicos
infantil e adulto e cursos à distância, totalizando mais 100 diferentes
itens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se bem que as origens do criacionismo cristão são de heranças do


judaísmo, a sua versão mais contemporânea se encontra nos Estados
Unidos como base de divulgação, onde o literalismo bíblico protestante
e suas derivações como o movimento Adventista e as Testemunhas de
Jeová se irradiam para todo o mundo. No Brasil, os adventistas figuram
como aqueles que estiveram na pioneira da divulgação do criacionismo.
Sabe-se que por muito tempo as ideias criacionistas foram
defendidas no âmbito do embate com as ideias evolucionistas na
perspectiva do conflito entre ciência e religião, esse paradigma foi
sendo superado por uma abordagem que indicava as limitações das duas
áreas de conhecimento de forma que passou-se a adotar uma opção
segundo a qual haja ênfase na "[...] necessidade de desmitificar a ciência
286 • O Adventismo no Brasil

e a filosofia e construir modelos compatíveis com a Palavra de Deus, que


sejam intelectualmente atraentes" (SILVA, 2017, p. 107).
Nesta direção, a atualização do paradigma de sistematização das
ideias criacionistas fez com que seus defensores passassem a propagar
um modelo cujos contornos fossem delineados sob a tipologia do
criacionismo científico. Esse tipo de criacionismo que se chama de
científico se apresenta como teoria empírica e passou a reunir um um
conjunto de profissionais que atuam nas mais variadas áreas da ciência
que desenvolvem trabalhos científicos em suas respectivas áreas
buscando dentre outras coisas apontar a invalidade da teoria da
evolução biológica na explicação da origem das espécies e das estruturas
apresentadas por elas.
Na tessitura das estratégias adotadas para divulgação e
consolidação do ideário criacionista no Brasil, elencamos diversas
dessas que indicam a estreita relação dos objetivos dos grupos
criacionistas, de modo especial os adventistas e o uso dos meios de
produção e divulgação de impressos, realização de seminários, a
institucionalização da SCB e assinatura de parceria, além de sua
atualização também no uso das tecnologias de informação e
comunicação e outras iniciativas de cunho denominacional.

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10
O HOSPITAL NA IGREJA, A IGREJA NO HOSPITAL:
PRÁTICAS ESPIRITUAIS/TERAPÊUTICAS COMO
ESTRATÉGIAS DE EVANGELIZAÇÃO ADVENTISTA NO
PARÁ (AMAZÔNIA)
Ismael Fuckner

INTRODUÇÃO

Pretendo abordar aqui, especificamente, as relações que os


Adventistas do Sétimo Dia (ASD) tecem entre um corpo saudável e uma
vida espiritual equilibrada. Busco mostrar, também, em que medida os
líderes da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) combinaram
estratégias de evangelização com a expansão de cuidados médicos e o
ensino de práticas de vida saudável em solo paraense, na Amazônia
brasileira. O objetivo deste artigo se entrelaça com os de Andreia
Martins que, a partir de uma pesquisa sobre o “Seminário/Colégio
Adventista de São Paulo”, buscou “entender as estratégias de inserção
que a IASD lançou mão para se fixar no Brasil e estabelecer uma obra
que alcançasse o maior número de pessoas”. (MARTINS, 2014, pág. 225).
Parto de minhas pesquisas de campo realizadas na Igreja
Adventista do Marco 101, construída em propriedade contígua ao Hospital

101 Localizada na Travessa Barão do Triunfo - entre a Av. Almirante Barroso e a Av. João Paulo II -, no Bairro do
Marco, em Belém do Pará. Inaugurada em 1979, na época da minha pesquisa contava com aproximadamente
2.200 membros, sendo a maior do estado.
290 • O Adventismo no Brasil

Adventista de Belém (HAB), e na Comunidade Encontro Vida 102, uma


igreja instalada no interior daquele hospital. Inicialmente, estava
focado nas representações de seus membros a respeito dos tratamentos
naturais e da dieta alimentar largamente difundidas nessas igrejas
(FUCKNER, 2015). Paulatinamente, a pesquisa foi sendo ampliada e
passei a analisar o papel do HAB na difusão e aplicação desses
ensinamentos; bem como aspectos marcantes do processo de
implantação e modernização desse estabelecimento, tema que mereceu
uma edição especial da Revista Adventista (2013) e a elaboração de uma
dissertação (NERE, 2018).
A construção de um hospital na Amazônia era um sonho
acalentado pelo missionário estadunidense Leo Blair Halliwell que veio
para a Amazônia acompanhado de sua esposa Jessie Rowleys
Halliwell 103. Seus esforços de evangelização foram auxiliados por outro
casal de missionários: Olga Storch Streithorst, que escreveu uma
biografia de Leo B. Halliwell (STREITHORST, 1979) e Walter Jonathan
Streithorst, que publicou uma autobiografia (STREITHORST, 1993).
Ambos deixaram registros de suas impressões sobre a região Norte do
Brasil, que revelam olhar atento às diversidades religiosas, culturais,
gastronômicos e naturais que testemunhavam durante seus trabalhos
com ribeirinhos, aos quais dediquei atenção na elaboração deste artigo.
Com o intuito de apreender aspectos da história da IASD,
densamente analisadas por vários pesquisadores, utilizei, de forma
mais ostensiva, os estudos realizados pelo historiador adventista

102 Organizada formalmente em 2013, é resultado de um trabalho iniciado por dois capelães do HAB,
atualmente é uma igreja organizada e instalada em um amplo templo no 5º andar do estacionamento do
referido hospital.
103 A saga empreendida por Leo Halliwell com suas lanchas denominadas de LUZEIRO foi analisada na recente
tese de Diogo Torres Neto (2019), defendida junto à Universidade Federal do Amazonas.
Ismael Fuckner • 291

estadunidense George Knight (2000) e pelo pesquisador adventista


brasileiro Haller Schunemann (2005). As publicações de José Oliveira
Filho (2004) e Ubirajara Prestes Filho (2006) também foram úteis; bem
como uma pesquisa de graduação realizada na Universidade Federal do
Pará (ZEFERINO, 2005). Embasei meus argumentos sobre a cosmovisão
adventista a partir de fragmentos de publicações da principal mentora
intelectual dos ASD – Ellen Gould White (1990). Dada a importância
dessa escritora para o movimento, iniciarei minha exposição
apresentando alguns dos seus ensinos que nos interessam aqui.

CORPO E ESPIRITUALIDADE NO MOVIMENTO ADVENTISTA

Os ASD procuram manter os cuidados com o corpo a partir de um


conjunto de recomendações e conselhos contidos nos escritos de Ellen
White, que é considerada cofundadora da IASD e sua legítima
profetisa 104 – a única reconhecida pelo movimento na Modernidade 105.
Nascida em uma fazenda ao norte da vila de Gorham, no Maine, em 26
de novembro de 1827, numa família metodista, ela e seus pais foram
expulsos da igreja, após aceitarem as pregações de William Miller, um
pregador itinerante da segunda vinda de Jesus. Os membros consideram
suas publicações como uma das maiores fontes de sustentação de seus
ensinamentos, bem como uma evidência da inspiração divina dada a
essa jovem que desenvolveu-se como uma dotada escritora e oradora,

104 Em minha opinião, Ellen White apresentou as características apontadas por Weber para a definição de um
profeta (no caso dela, uma profetisa), como pode ser confirmada a partir da seguinte afirmativa do autor: “Por
‘profeta’ queremos entender o portador de um carisma pessoal, o qual, em virtude de sua missão, anuncia uma
doutrina religiosa ou um mandado divino”. (WEBER, 2009, p. 303)
105 Utilizo aqui o conceito de Modernidade construído por Pierre Sanchis (1997: 104): “... a representação ideal
do indivíduo portador de uma razão única, de uma decisão soberana, que se exerce nos quadros de uma lógica
universal”.
292 • O Adventismo no Brasil

tornando-se, e permanecendo como sua conselheira espiritual por mais


de 70 anos, até sua morte, em 16 de julho 1915.
Ellen White sempre comparava o corpo humano a uma
“maquinaria viva” ou “maquinaria humana”, uma figura de linguagem
muito coerente com o momento de franca expansão das indústrias
mecanizadas em seu país de origem. Como criacionista, considera que
“Deus colocou cada peça desta maquinaria” ocupando uma função
específica e que nenhuma delas deve ser relegada ao segundo plano, sob
pena de incorrer em graves prejuízos ao ser humano tanto do ponto de
vista estritamente físico, emocional e espiritual.
Segundo essa cosmovisão, o corpo é o único agente pelo qual a
mente se desenvolvem para a edificação do caráter. Por essa razão, o
“inimigo das almas” (satanás) dirige toda sua atenção para o
enfraquecimento e degradação das faculdades físicas e mentais. Sendo
assim, o corpo do crente tem de ser posto em sujeição da mente e as
paixões devem ser regidas pela vontade, e esta deve, por sua vez,
submeter-se à direção divina. Daí seu grande empenho em incentivar o
cuidado com o corpo, com o desenvolvimento de hábitos saudáveis e
com uma dieta alimentar adequada. Manter o corpo físico e sua
extensão – a mente – em perfeito estado de funcionamento, portanto,
era extremamente necessário para compreender “a vontade de Deus”.
Daí, a ênfase dada por Ellen White para as questões envolvendo a
alimentação. Senão vejamos: “[o] estômago está intimamente
relacionado com o cérebro; e quando ele está doente, a força nervosa é
chamada do cérebro em auxílio dos enfraquecidos órgãos digestivos,
[assim], o cérebro fica congestionado” (WHITE, 1990, p. 306). A referida
escritora chega a relacionar as decisões das pessoas ao alimento por elas
ingerido, como se percebe na leitura do trecho a seguir:
Ismael Fuckner • 293

Um estômago perturbado produz um estado mental incerto e perturbado.


Causa muitas vezes irritabilidade, aspereza e injustiça. Muito plano que
haveria sido uma bênção para o mundo tem sido posto à margem; muitas
medidas injustas, opressivas e mesmo cruéis têm sido executadas em
resultado de estados enfermos, resultantes de hábitos errôneos no comer.
(WHITE, 1990, p. 310)

Os relatos biográficos sobre os principais líderes da IASD são


marcados por ênfase em graves dificuldades com a saúde e muitas
preocupações com uma boa alimentação. Pode-se apreender desses
relatos que eram pessoas angustiadas em busca de cura. James Springer
White, esposo de Ellen, quando menino era débil fisicamente e sofria
especialmente de uma enfermidade nos olhos, que o impediu de ir à
escola até os 19 anos. A própria Ellen, após ser vítima de uma trágica
ofensiva de uma colega de escola (uma pedrada no rosto), passou a
sofrer de uma debilidade respiratória que a acompanhou pelo resto da
vida, além de tremores em suas mãos que a impossibilitaram de
prosseguir nos estudos escolares, e outras complicações que se
seguiram por toda vida (DOUGLASS, 2009, p. 48/49).
Os pesquisadores adventistas George Knight e Haller Schunemann
contam que alguns líderes da IASD, dentre eles o próprio esposo de Ellen
White, adoeceram por excesso de trabalho e foram internados em uma
instituição reformadora de saúde, localizada em Nova Iorque,
denominada “Nosso Lar”, de propriedade do médico James C. Jackson.
Ela teria saído entusiasmada, após uma visita ao esposo, “com a
possibilidade de erigir uma instituição semelhante, uma espécie de
centro de tratamentos naturais baseados na hidro e dietoterapia”
(SCHUNEMANN, 2005, p. 92), na tentativa de seguir os passos de
instituições reformadoras como aquela. Desse modo, conclui-se que
294 • O Adventismo no Brasil

“[e]sses locais foram precursores dos sanatórios adventistas” (KNIGHT,


2000, p. 71).
Seguindo as orientações de sua profetisa, os fiéis além de
absterem-se de atividades do quotidiano aos sábados e viverem em
constante espera do segundo advento de Cristo, são estimulados a
manterem estritos cuidados com o corpo por meio de uma dieta
alimentar considerada natural e ovo-lacto-vegetariana ou, pelo menos,
em conformidade com as proibições contidas nos textos bíblicos do
Levítico e Deuteronômio. Seguem, também, um conjunto de
recomendações, conhecidas como “os oito remédios naturais”, que
incluem o uso de vestimentas apropriadas ao clima e aos hábitos
cotidianos; o uso diário e apropriado da água potável, do ar puro e da
luz solar em horários apropriados; a prática de exercícios físicos
regulares e do repouso adequado; a temperança na alimentação e a
confiança irrestrita em Deus.

O PROJETO MISSIONÁRIO NA AMAZÔNIA

A princípio, a IASD manteve-se confinada à América do Norte, mas


as missões evangélicas, incentivadas por Ellen White, levaram ao meio
adventista a ideia de difusão e ampliação de seus princípios que,
segundo ela, deveriam ser levados a todo o mundo. Em 1874, John N.
Andrews, o primeiro missionário da Igreja, foi enviado à Suíça e, logo
depois, a África recebeu missionários adventistas. O primeiro país
cristão não protestante a receber um pastor adventista foi a Rússia, em
1886. Os ASD entraram pela primeira vez em países não cristãos em
1894, em Gana, na Costa do Ouro – África Ocidental e em
Matabelelândia, na África do Sul. Neste mesmo ano, entraram os
Ismael Fuckner • 295

primeiros missionários na América do Sul, e em 1896 já havia


representantes no Japão. (KNIGHT 2000; PRESTES FILHO 2006)

Os adventistas, desde 1874, enviaram missionários ao estrangeiro, o que,


juntamente com o número de obreiros ‘nacionais’, levará ao aumento da
porcentagem de funcionários da organização fora dos EUA, (...).
Escandinávia, Dinamarca, Inglaterra, Rússia, Austrália, como o Pacífico Sul,
África, Ásia e América Latina, foram atingidos pelo proselitismo adventista,
com a formação, a partir de 1901, de várias Divisões, Uniões, Associações e
Missões, hospitais, editoras e educandários. (OLIVEIRA FILHO, 2004, p. 169)

Desde o início do século passado, a IASD tem demonstrado


interesse em divulgar suas doutrinas e sua mensagem de saúde entre
habitantes dos mais diversos continentes e investiram fortemente num
projeto de acesso à Amazônia, após o impulso inicial de missões
estrangeiras coordenadas por diversas outras denominações religiosas.
O trabalho foi realizado com fervorosas orações, generosas doações e
muita persistência desses aventureiros.
A chegada desses religiosos foi acompanhada por campanhas
governamentais nacionais que tinham como objetivo realizar mudanças
muito importantes nas capitais da região Norte do Brasil, a exemplo do
que já havia sido realizado em outras partes do país. Tais mudanças
estavam afinadas com o regime republicano, que, ancorado nos
pressupostos positivistas, via nas epidemias constantes na Amazônia e
em outros problemas de saúde pública da região entraves para seu
projeto civilizador (LIMA, 1998). Um projeto que pode ser considerado
tardio se levarmos em conta que:

O protestantismo de missão tem início de maneira sistemática no Brasil a


partir das décadas de 1850/1860, tendo como objetivo divulgar entre os
296 • O Adventismo no Brasil

brasileiros a fé reformada. Esses missionários protestantes tinham em


quase sua totalidade origem norte - americana e pertenciam às Igrejas
Congregacionais, Presbiterianas, Metodistas e Batistas. (MENDONÇA, 1984
apud MARTINS, 2014, p. 210)

A autora ainda assinala que “no momento em que as igrejas


protestantes já estavam no movimento de expansão missionária, a
Igreja Adventista estava se institucionalizando, concluindo seu
processo de organização...” (MARTINS, 2014, pag. 211). Os ASD, que assim
se autodenominam por ainda viverem à espera da segunda vinda de
Jesus para restaurar o planeta Terra e por se preocuparem com a
preservação do sábado como um dia de descanso e adoração,
organizaram-se formalmente nos Estados Unidos da América, em 8 de
maio de 1863.
Os primeiros missionários enviados para a Amazônia, chegaram
em 1927. O pastor estadunidense John Brown chegou em Belém do Pará
na companhia de dois colportores (vendedores de livros e revistas
publicados pelos adventistas): o jovem alemão Hanz Mayr e o escocês
André Gedrath, este último acompanhado de sua esposa Mercedes.
(PRESTES FILHO, 2006, p. 17; ZEFERINO, 2005, p. 15)

Desde que iniciaram suas atividades no Brasil, a preocupação dos


adventistas com serviços médicos, uma das principais maneiras de
‘pregação da Volta de Cristo’ deu origem a inúmeros hospitais (como
Silvestre, no Rio de Janeiro), Clínicas e ao atendimento às populações
indígenas (desde 1928 os adventistas têm, por exemplo, contatos com os
Carajás do Rio Araguaia 106) e às populações ribeirinhas do São Francisco,

106 Este é o tema da tese defendida por Prestes Filho (2006). O autor informa que no ano de 1926 veio ao Brasil
o pastor Alvin Nathan Allen, inicialmente para ser professor no Colégio Adventista Brasileiro (atual Universidade
Adventista de São Paulo). “No ano seguinte ele iria realizar uma viagem para conhecer o Araguaia e sua
população com a finalidade de definir um local para estabelecer uma missão indígena” (PRESTES FILHO, 2006,
p.79).
Ismael Fuckner • 297

Araguaia e Amazonas através de lanchas médico-missionárias (neste último


rio, o pastor L. B. Halliwell, em vinte e cinco anos, atendeu a 250 mil pessoas,
a partir de 1931, deixando, na região, 22 igrejas, 56 Escolas Sabatinas, três
mil adeptos batizados, um hospital e quinze escolas primárias), estas
lanchas atendendo a, aproximadamente, 35 mil pessoas por ano, nos rios
Amazonas e Parnaíba. (OLIVEIRA FILHO, 2004, p. 172)

Naquela época, o café ainda era produzido em larga escala no país,


mas chegava aos mercados dos Estados Unidos da América em pequena
quantidade. Os seringalistas no Norte do Brasil não amealhavam mais
os vultosos lucros com a comercialização do látex, mas a Belle Époque
paraense havia deixado sinais de exuberância que até hoje ainda podem
ser testemunhados na marcante presença de edifícios, a exemplo do
Teatro da Paz, das belas igrejas, dos exuberantes palacetes; bem como,
nas diversas praças espalhadas pela cidade de Belém. As principais
atividades de urbanização e saneamento realizadas na capital paraense
priorizavam a limpeza pública: cremação do lixo, instalação de esgotos,
construção de um matadouro modelo e construção de um necrotério
público. A estética da cidade foi reformulada a partir da construção dos
quiosques e do bosque municipal, no calçamento das ruas, na
implantação dos bondes elétricos e dos monumentos. Além disso, houve
a criação de instituições educacionais, como colégios e orfanatos.
(SARGES, 1990, 2002)
Os primeiros adventistas que para cá vieram estavam imbuídos de
um grande interesse em investir seus esforços na área médica e
educacional, além do ativismo assistencial conjugado aos esforços de
evangelização. O método que aproximava saúde e espiritualidade parece
ter sido adotado, anteriormente e com êxito, em outras regiões do país.
Por exemplo:
298 • O Adventismo no Brasil

(...) em 1896, o Pr. Huldreich Graf, missionário adventista norte-americano,


começou a ministrar no Brasil princípios de saúde em forma de
hidroterapia, outros tratamentos naturais, alimentação vegetariana e
outros. Em 1900, o Dr. Gregory, médico e dentista americano veio por conta
própria para Rio do Sul [Santa Catarina], ensinar os princípios de saúde
adotados pelos Adventistas. Em 1907, também dos EUA, chegaram ao Brasil
como missionários a Dra. Luísa Wurtz e Corina Hoy, enfermeira, para o
mesmo trabalho. Em 1914, na cidade de Santo Amaro, SP, em sua grande
série de evangelismo público, o evangelista J. Lipke, também norte-
americano, enfrentava uma grande oposição da igreja Católica. Isso até
quando a Dra. Wurtz e a enfermeira Hoy começaram a ministrar palestras
de reforma pró-saúde. Graças a esse trabalho a oposição se acalmou, e o
evangelismo seguiu em paz para fundar a atual igreja de Santo Amaro, a
igreja pioneira da zona sul de São Paulo. (ZEFERINO, 2005, p. 29)

NARRATIVAS SOBRE A AMAZÔNIA

O casal Halliwell chegou ao Brasil, em 1929. O pastor Leo B.


Halliwell foi o principal responsável pela construção das lanchas Luzeiro
I, Luzeiro II e Luzeiro III e o pastor Walter J. Streithorst seguiu seus
passos idealizando e executando a construção das lanchas Luzeiro IV,
Luzeiro V e Luzeiro VI. A primeira viagem de Halliwell, a bordo da Luzeiro,
foi realizada nas águas dos rios Negro e Solimões e teve a oportunidade
de tratar de doenças muito comuns encontradas ali: malária,
verminose, infecção intestinal, feridas, úlceras etc. Denominada
Luzeiro, em 1931, a primeira lancha foi completamente reformada e faz
parte de uma exposição permanente nas dependências da Biblioteca
Ismael Fuckner • 299

Central da Faculdade Adventista da Amazônia (FAAMA), localizada no


município de Benevides - estado do Pará. 107
O pastor Luís Lindolfo Fuckner, um dos missionários que se
dedicou a esse trabalho, realizou um curso de enfermeiro-padioleiro e
um estágio de primeiros socorros no HAB, ocasião em que aprendeu a
distribuir vacinas e medicamentos e até extrair dentes. Ele conta sobre
seu trabalho realizado nos estados do Piauí e Maranhão, iniciado logo
após a formatura no Curso de Teologia, em 1965. A experiência ilustra
bem o tipo de atividade realizada nesses veículos de assistência médica
e odontológica de urgência.

Enquanto trabalhei nessa área de saúde, extraí mais de 20.000 dentes. Nosso
trabalho era árduo. Durante o dia atendíamos as pessoas, por que além de
nosso dever para com a Obra adventista, tínhamos que prestar relatórios
aos governos dos Estados do Maranhão e Piauí. À noite, minha esposa
contava histórias bíblicas e educativas para as crianças. Ministrávamos
aulas sobre higiene, e também estudávamos as Sagradas Escrituras. (SARLI,
2007, p. 291)

A autobiografia de Walter Streithorst (1993) é um minucioso relato


sobre “perigos” e “desafios” em um cenário considerado hostil, pelo
autor, e contrastado, segundo ele, pela “exuberância da criação divina”,
mas com constantes descrições sobre a incômoda companhia de
carapanãs, jacarés, cobras e muito calor. Essas reclamações são
compensadas com elogios aos frutos da terra: cupuaçu, à graviola, ao
açaí, ao bacuri, ao taperebá, “que têm um sabor inigualável”. Seu

107 Não é minha intenção aprofundar esse tema de grande relevância para os ASD, pois reconhecem seu
legado na assistência, médica, dentária e social desenvolvido nessas embarcações. Para maiores informações,
incluindo fotos e dados pormenorizados, sugiro a leitura da tese de Torres Neto (2019).
300 • O Adventismo no Brasil

testemunho sobre os encantos da Amazônia é dirigido, de forma


especial, aos peixes e ao regime das águas:

Nos rios encontramos os peixes dos mais variados tipos, a começar pelo
boto que é lindo; ele sai da água e faz piruetas no ar. (...) Dentre as centenas
de espécies de peixes, cito apenas alguns que servem como alimento:
pirarucu, tambaqui, curumatá, cará, pacu [e conclui: a] Amazônia é a maior
reserva florestal do mundo. Deus a dotou com muitas coisas boas. O que de
mau existe, não resta dúvida, é uma obra do inimigo (STREITHORST, 1993,
p. 61).

O pastor Walter observou que os ribeirinhos consultavam os pajés


ao contraírem alguma doença. Explica que pajés eram procurados como
“curandeiros e benzedores, porque não há médicos no interior”
(STREITHORST, 1993, p. 125). Sua esposa Olga também deixou
impressões sobre a Amazônia e, após descrever detalhadamente os
objetivos da vinda de Leo Halliwell e muitos aspectos da obra
missionária realizada por ele, apresenta um quadro sobre essa aventura:

Teria que enfrentar as revoadas de mosquitos transmissores de malária,


filaria e outras doenças perigosas; teria que beber da água do rio, infestada
de impureza, e comer a farinha de mandioca com peixe, principalmente o
pirarucu salgado; possivelmente teria encontros inesperados com animais
ferozes e trapaceiros; trocaria a cama pela rede, onde até agora lhe parecia
ser impossível dormir; suportaria o calor escaldante dos trópicos; estaria
sujeito a tempestades inclementes durante as travessias em frágeis canoas;
encontraria oposição ao trabalho por parte do catolicismo e da pajelança.
(STREITHORST, 1979, p. 44)

Chama atenção a detalhada enumeração de perigos e desafios, que


incluem animais ferozes, diversas doenças, comida precária e
incômodos provenientes do clima. Acrescentam-se, à narrativa, críticas
Ismael Fuckner • 301

à religiosidade da população que configurava um impedimento para a


realização da missão. Sobre a permanência dessas práticas religiosas,
Olga Streithorst (1979) também atribui à inexistência de médicos no
interior, mas, diferentemente de seu esposo, distingue a prática da
pajelança das atividades dos curandeiros e benzedores.

A religião oficial do Brasil é a Católica Apostólica Romana, mas existe uma


grande mescla com o baixo espiritismo. Impera a pajelança, que é a arte de
curar dos pajés. Eles, com os curandeiros e benzedores, substituem os
médicos pela absoluta falta destes no interior. Por esta razão, o povo se
submete a estes outros tipos de cura. (STREITHORST, 1979, p. 43)

Há uma ideia corrente no Brasil de que existe uma hierarquia entre


as agremiações identificadas como espíritas, restando à pajelança
cabocla praticada na Amazônia uma posição inferior ao espiritismo de
orientação kardecista. Essa visão, segundo Luca (2010), reserva às
manifestações de pajelança uma posição comparada a alguém que
concluiu o ensino fundamental, enquanto os kardecistas teriam
atingido a graduação, possivelmente por terem sistematizado e
publicado suas doutrinas. Para os ASD, espiritismo é toda manifestação
de invocação de um poder espiritual que venha representar o mal e não
fazem distinção rígida ou hierárquica entre as diversas correntes
encontradas na nossa sociedade atual.

SALVAR É A NOSSA NATUREZA

O trabalho médico-missionário realizado nas lanchas Luzeiro,


espalhadas pelo Norte do Brasil, contribuiu diretamente na implantação
de uma pequena clínica, cujas bases levou à concretização de um grande
sonho de Leo Halliwell - construir um hospital adventista na Amazônia.
302 • O Adventismo no Brasil

A relação entre ambos, lanchas Luzeiro e HAB, reside no fato de que a


construção desse hospital ocorreu em função da necessidade de ampliar
o atendimento médico à população ribeirinha e interiorana, iniciadas
com o uso dessas lanchas médico-missionárias. No dia 10 de abril de
1953, o sonho torna-se uma realidade, mas ainda se tratava de um
pequeno hospital com 18 leitos.
O hospital foi construído com doações recolhidas nas igrejas
adventistas, durante o ano de 1950. Em todas as igrejas adventistas há
um momento para um breve relato sobre as atividades missionárias
realizadas nas congregações espalhadas pelo mundo e, no último sábado
do ano (o 13º), costuma-se recolher uma oferta especial para atender as
demandas dos campos missionários mais necessitados. Em 1950, a
Amazônia estava em evidência e foram recolhidas ofertas nas igrejas
espalhadas pelos continentes para que iniciassem a construção do HAB.
No periodo em que realizava pesquisas de campo, ouvi relatos a
respeito dos projetos missionários no Continente Africano. As
narrativas ressaltavam a importância da presença da Igreja em diversos
países, atuando especialmente nas áreas de educação e saúde. As
preocupações mostradas naqueles relatos se assemelham muito às
preocupações dos missionários adventistas na Amazônia, no início do
século passado, com destaque para as dificuldades da população local,
diante das dificuldades do poder público em oferecer direitos básicos
como saúde e educação. A respeito dessa questão, é importante destacar
que, poucos anos antes da chegada dos adventistas em solo paraense, o
governo estadual iniciara investimentos na área da saúde pública com a
instalação do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, em 1905; do Asilo
de Mendicidade, em 1908; e do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira,
em 1906; ações que se somavam aos investimentos do Intendente
Ismael Fuckner • 303

Antônio Lemos, como parte da aventura modernizadora na Amazônia


(FUCKNER, 2009).
Em 13 de abril de 2013, foi comemorado o 60º aniversário do HAB,
um dos empreendimentos dessa organização mundial e fruto do desejo
de conciliar a cura física à cura espiritual. A cerimônia contou com a
presença de autoridades do município, como o presidente da Assembleia
Legislativa do Pará à época, que fez alusão ao voto de aplauso aprovado
àquela instituição, como agradecimento “por tudo que o hospital
representa não só para Belém, mas para o Pará e Norte do Brasil”.
(REVISTA ADVENTISTA, 2013, p. 35)
A comemoração se deu no auditório da Comunidade Encontro Vida,
uma igreja instalada no interior do hospital como experiência de
evangelização. Em matéria especial alusiva a essa comemoração, os
editores da Revista Adventista destacaram o “pioneirismo e tratamento
humanizado” oferecido pela instituição. O cardiologista Nelson Berg,
segundo os idealizadores do evento, realizou, em 1967, a primeira
cirurgia cardíaca do Norte do Brasil. Presente nas cerimônias de
aniversário, destacou as “dificuldades” enfrentadas na época e o
“sentimento de amizade e união” compartilhado pela equipe. O ex-
diretor do hospital, o médico Merari Reinert, lembrou quando foram
realizados os primeiros transplantes de rins e coração da região e
comentou sobre o caso de Orlando Stadler, “...paciente que teve o
coração transplantado há 13 anos [que] falou sobre o impacto do
procedimento na sua qualidade de vida: ‘Estou vivo! E mais: posso
praticar exercícios e não preciso mais tomar remédios’”. (REVISTA
ADVENTISTA, 2013, p. 35)
Na oportunidade, a direção do hospital mostrou, aos convidados,
seus novos empreendimentos, com destaque para equipamentos, como
304 • O Adventismo no Brasil

o de hemodinâmica (“o mais moderno da região”), de ressonância


magnética e o novo centro de endoscopia, além da infraestrutura que
abriga estacionamento, ambulatório, laboratório de análises clínicas,
centro de diagnóstico, pronto-atendimento, centro de reabilitação e
“apartamentos com padrão de hotelaria”. Evidente contraste ao
“precário cenário” encontrado por seu ex-diretor técnico, o médico
Zildomar Deucher, que afirmou não ter reconhecido sua “antiga casa” e
lembrou que quando assumiu o cargo, em 1962, o hospital estava para
fechar as portas diante das grandes dificuldades que enfrentava. Em
uma dissertação sobre o HAB, Jaime da Silva Nere comenta:

Atualmente, o Hospital passou por ampliações, ou seja, reformas e


investimentos tecnológicos. Sendo, que oferece ao público, os serviços de:
a) hotelaria hospitalar oferece conforto para a recuperação do doente; b)
pronto atendimento com especialidades em clínica geral, pediátrica e
ortopedia; c) consultórios com diversos especialistas; d) medicina
diagnostica com serviços de hemodinâmica; e) ressonância magnética; f)
tomografia computadorizada; [desse modo] o HAB, se enquadra na
categoria de grande porte, pois possui mais de 150 (cento e cinquenta) leitos.
(NERE, 2018, p.41)

O estabelecimento foi sendo ampliado e modernizado nos últimos


anos e conta com a confiança dos moradores da capital e do interior do
estado, sendo referência para parte da população da Região Norte, mas
não sem a ausência de certas contradições compatíveis com um tempo
que muitos teóricos já consideram como pós-moderno, em que há um
“(...) verdadeiro sincretismo, que recorta os universos simbólicos – o do
seu grupo e os alheios todos igualmente ‘virtuais’ (...)” (SANCHIS, 1997,
p. 104). A IASD não escapou desta trama, pois, mesmo, investindo muitos
Ismael Fuckner • 305

esforços na manutenção e propagação de tratamentos naturais, decidiu


acompanhar os avanços da medicina e suas tecnologias.
A questão é avaliada de forma crítica por alguns fiéis que, além de
não poderem cumprir com todo o rigor as orientações para alimentação,
estão impossibilitados de recorrerem aos tratamentos ali oferecidos,
pois faltam-lhes recursos. Poucos possuem plano de saúde oferecido
pelo HAB e a maioria é atendida pela rede pública de saúde municipal
ou estadual; no entanto, contam com o auxílio, orientação e incentivo
dos funcionários do hospital muito presentes nas diversas
programações das igrejas locais. Tamanha influência, principalmente
dos médicos em atividades importantes, ocupando um papel quase
similar ao do pastor, sempre chamou a minha atenção, mesmo
conhecendo o texto em que a profetisa do movimento recomenda que
“[a]o médico, da mesma maneira que ao ministro evangélico, é confiado
o mais precioso depósito que já se entregou ao homem” (WHITE, 1990,
p. 117).
Atualmente, o site oficial, sob o slogan “Salvar é a nossa
natureza” 108, além de abrigar fotos retratando diversos momentos da
instituição e sua progressiva evolução e paulatina modernização, o HAB
apresenta-se nas redes sociais afinado com o crescimento da cidade e
com os avanços da tecnologia. O lema lembra bem as estratégias de
evangelização preconizadas desde a chegada dos Halliwell: “Nós
decidimos curar o corpo e assim ganhar a confiança deles para que
pudéssemos tratar também a alma” (REVISTA ADVENTISTA, 2013, p. 33).

108 https://www.facebook.com/photo.php?fbid=535499963163047&set=a.535499956496381.107374182
8.174311295948584&type=1&theater (acesso em 21.ago.2013).
306 • O Adventismo no Brasil

OS OITO REMÉDIOS NATURAIS

Não obstante aos avanços na área médico-hospitalar, recomenda-


se ainda o uso dos recursos naturais como meios eficazes de prevenção
e cura de diversas doenças, tanto nas igrejas como no hospital. Parte
dessas concepções estavam presentes em alguns grupos provenientes
do movimento de Reforma da chamada Idade Moderna e aparecem na
obra de Weber (1989) numa perspectiva histórica e sociológica. Tais
ideias foram chegando em território estadunidense e, aos poucos, foram
influenciando os mais diversos grupos religiosos constituídos ali,
inclusive o movimento adventista, como veremos a seguir.
Schunemann apresenta em detalhe os ensinos de Sylvester
Graham, médico e pastor presbiteriano, que prescrevia para se obter
boa saúde: “correção no regime alimentar, em especial abstendo-se de
carne, luz solar, ar fresco, exercícios regulares, descanso adequado,
temperança, limpeza e vestido simples” (SCHUNEMANN, 2005, p. 91). As
afirmações de George Knight, um conceituado historiador no meio
adventista, corroboram com o pensamento de Schunemann sobre a
importância desses ensinos na formação do estilo de vida adventista.
Knight confirma que Graham “já ensinava, em fins da década de 1830,
muita coisa do conjunto da reforma de saúde ‘adventista’” (2000, p. 71).
A semelhança das recomendações de Graham com os “oito
remédios naturais” prescritos pela profetisa adventista, ao longo de
seus escritos, é evidente: “Ar puro, luz solar, abstinência, repouso,
exercício, regime conveniente, uso de água e confiança no poder divino
– eis os verdadeiros remédios”, afirma White (1990, p. 127). Em um livro
intitulado Remédios de Deus: 8 recursos naturais para viver mais e melhor,
os autores se propõem a apresentar “... com base em conceitos
Ismael Fuckner • 307

científicos modernos, argumentos que mostram a lucidez dos


ensinamentos de Ellen White ...” (LEMOS; SANTOS, 2008, p. 7). Minha
exposição a respeito do tema é uma combinação de comentários deste
livro e aconselhamentos proferidos em palestras realizadas aos
membros das igrejas já citadas anteriormente, bem como alguns
aspectos por mim observados na pesquisa de campo.
A confiança no poder divino, estimulado especialmente nos cultos
familiares e nas igrejas locais, está associada ao hábito da oração diária
e submissa, pois o fiel deve acreditar que será realizado sempre o que é
melhor para ele. “É justamente a confiança gerada e alimentada através
da comunhão com Deus que é vista como um remédio que tanto ajuda a
prevenir enfermidades...” (LEMOS; SANTOS, 2008, p. 105).
Em meu contato com adventistas, não percebi interesse muito
grande em relacionar as atividades físicas e a prática de esporte aos
aspectos espirituais. De certo modo, há até mesmo algumas restrições a
prática de modalidades esportivas consideradas muito violentas ou
estímulos à profissionalização de jovens nesta área que, possivelmente
teriam muita dificuldade em observar o sábado como um dia sagrado
em função dos constantes compromissos que se requereriam deles.
É comum ouvir ASD indicarem 8 horas de sono por dia, pois
considera-se que uma noite de sono agradável pode aliviar as tensões e
aumentar a produtividade no trabalho, as relações familiares, os
estudos etc. Este é o chamado “descanso diário”, conhecido por todos,
além do descanso anual no período de férias laborais ou escolares, mas
os adventistas recomendam também o “descanso semanal” (a
observância do sábado como um dia de repouso) em cumprimento ao 4º
mandamento da Lei Mosaica com o propósito de reabastecer o corpo e
se reconectar com a divindade (LEMOS; SANTOS, 2008, p. 80 – 86).
308 • O Adventismo no Brasil

Lemos e Santos (2008, p. 11) indicam o ar puro para acalmar os


nervos, por proporcionar um sono tranquilo e uma mente mais
produtiva, pois o mesmo oxigena e purifica o sangue, estimula o apetite
e melhora a digestão. Sabe-se que na Amazônia, a natureza é
exuberante, como afirma o missionário Walter Streithorst em trechos
citados anteriormente e, há tempos atrás, dizia-se que a região era o
pulmão do mundo.
A luz solar “melhora a circulação sanguínea e as defesas
imunológicas” (LEMOS; SANTOS, 2008, p. 28). A casa deve ser arejada e
permitir que os raios solares penetrem em todos os cômodos, em
abundância, especialmente nos quartos, para que sejam eliminados
fungos e bactérias que, de outro modo, teriam maior facilidade para se
propagar. Apesar de ser considerado eficiente germicida e fonte de
vitamina D e cálcio, salienta-se que, com excesso, pode causar câncer de
pele. Na região Norte, os raios solares incidem de modo mais agressivo
em determinados horários; desse modo, é indispensável cuidados como
uso de filtro solar.
A ingestão diária de água potável sempre é recomendada, a fim de
fazer a reposição da perda diária entre os seres humanos. Segundo
estimativas, a quantidade pode variar entre 10 a 12 copos diários por
pessoa. Costuma-se alertar para o perigo da ingestão de líquidos
durante as refeições e sempre uma hora antes de ingerir qualquer
alimento. Lemos e Santos (2008, p. 37) explicam que “além de alterar a
motilidade do estômago e fazê-lo distender-se”, a ingestão de líquidos
junto com as refeições, causa “o refluxo e a sensação de queimação”.
O café, dizem Lemos e Santos (2008, p. 96 - 97), não pode ser
considerado um alimento e sim uma droga farmacologicamente ativa; o
seu uso, portanto, deve ser ocasional e não diário. A restrição e
Ismael Fuckner • 309

abstinência ao café, que pode ser considerado um tabu, e a sugestão da


substituição dessa bebida pela cevada é algo estranho para a população
brasileira em geral, mas muito praticada entre ASD. Entre os paraenses,
o café é considerado como possuindo muita força e é indispensável no
cotidiano das pessoas. Na região, é comum tomar o café da manhã não
somente com pão e manteiga ou margarina, mas com tapioca 109; ou com
pupunha 110 no lanche da tarde. Aquilo que na cozinha regional é
valorizado por possui “fortidão” 111, na dieta adventista é rejeitado por se
tratar de um estimulante.
Abstinência é um conceito muito utilizado por Ellen White e pelos
pregadores adventistas como sinônimo de equilíbrio, moderação ou
domínio próprio. É necessário ter moderação no vestuário, nos estudos,
nos relacionamentos, na alimentação etc. Lemos e Santos (2008, p. 92-
97) consideram que pessoas intemperantes têm maior compulsão para
vícios que podem iniciar com a ingestão de uma simples taça de vinho e
desembocar no uso de destilados; de um inocente trago em um cigarro
para o uso de maconha, cocaína, heroína e outras drogas consideradas
mais nocivas e que possam causar dependência. Em contrapartida, uma
vida de hábitos simples em meio à natureza, com exercícios físicos
regulares e uso de alimentos mais naturais podem proporcionar bem
estar físico e equilíbrio mental. Por essa razão, a dieta vegetariana é
muito estimulada e um dos ensinamentos fundamentais da IASD; uma
das marcas de sua identidade, por tratar-se de uma posição singular,

109 Tapioca é uma espécie de pizza pequena, chamada também de tapioquinha, preparada a partir da farinha
de tapioca, que é totalmente integral e que pode ser servida salgada ou doce e esta última, geralmente é
coberta com coco ralado.
110 Pupunha é uma fruta amarela e, as vezes avermelhada, em formato pequeno e arredondado que precisa
ser cozida com sal para se ingerir.
111 Expressão utilizada para indicar que um alimento é mais substancioso (nutritivo) do que outro.
310 • O Adventismo no Brasil

não compartilhada por qualquer outra denominação protestante. Desse


modo, dediquei um tópico exclusivo ao tema.

ENTRE A DIETA DE ABEL E A DIETA DE CAIM

A conhecida história dos sacrifícios de Caim e Abel que indicam o


primeiro assassinato de que se tem notícia a partir da narrativa bíblica
(Gên. 4: 1 -16), remete a uma questão crucial para os ASD: a escolha entre
uma dieta vegetariana e a dieta carnívora. As recomendações dos seus
líderes sempre priorizam os vegetais e alimentos isentos de produtos
químicos e, uma vez que um interesse crescente pelo vegetarianismo
tem-se manifestado ultimamente pelo mundo afora, os membros se
enchem de orgulho por considerarem-se pioneiros 112 em advogar os
méritos de um estilo de vida marcadamente vegetariano.
É necessário esclarecer, no entanto, que apesar das insistentes
recomendações à adoção da dieta vegetariana, “... a presença de
vegetarianos, a rigor lacto-ovo-vegetarianos, na comunidade
adventista, deve estar por volta de 10% de membros” (SCHUNEMANN,
2005, p. 93). A estimativa do autor foi percebida por mim em Belém, pois
a maioria dos informantes não se preocupa tanto com a dieta
vegetariana e come bastante carne, abstendo-se daquelas que são
declaradamente desaconselhadas como a do porco e do pato, bem como
dos peixes de pele ou de couro, apenas para ficarmos com alguns
exemplos de alimentos muito utilizados no Pará, a respeito dos quais
discorri ao longo de minha pesquisa.

112 Ao incorporarem essa ideia de pioneirismo, meus interlocutores demonstrar ignorar a tradição milenar dos
hindus. Destaca-se, neste caso particular, os conselhos de sua profetisa, valorizando assim a tradição
estadunidense.
Ismael Fuckner • 311

O interesse em tais estudos entre estudantes de graduação e pós


graduação de diversas áreas do conhecimento tem crescido
significativamente. Recentemente, foram publicados diversos artigos
sobre alimentação regional, o que demonstra a importância do tema nos
estudos acadêmicos, como assinalam os autores do editorial do Dossiê:
História da alimentação e do abastecimento na Amazônia, da Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP).

Nos últimos anos, a análise da História da Alimentação vem ganhando cada


vez mais espaço entre os cientistas sociais, especialmente entre os
historiadores. Novas fontes de pesquisas, novos objetos de investigação,
temas não descortinados têm surgido sob a forma de monografias,
dissertações e teses de doutorado, para além da publicação de artigos,
coletâneas e livros. Hoje já não é mais possível dizer que a História da
Alimentação no Brasil é ainda uma promessa. Pelo contrário, já deu seus
passos iniciais e vai se alargando cada vez mais em sua trajetória
historiográfica, dialogando de forma enriquecedora com outras áreas do
saber: antropologia, folclore, geografia, sociologia, turismo, letras,
economia e a gastronomia. (ESPIRITO SANTO; MACÊDO, 2020, p. 1)

Em minha pesquisa, pude constatar que há uma boa parcela ovo-


lacto-vegetarianos; eles se alimentam de raízes, legumes, grãos,
sementes, cereais, hortaliças, frutas, verduras, grãos, legumes, nozes,
laticínios e ovos. Procura-se, neste caso, substituir a proteína animal
utilizando a soja e o glúten, em receitas muito variadas 113. Porém, quem
opta por essa dieta, deve ter dois cuidados: comer no máximo três ovos
por semana e não misturar o leite com o açúcar. Considerada por nossos

113 O uso da soja e do glúten em receitas variadas com a intenção de substituir a carne; assim como a
versatilidade das donas de casa no preparo de diversos pratos vegetarianos, foi apresentado por mim de forma
detalhada em outro artigo. (FUCKNER, 2012)
312 • O Adventismo no Brasil

interlocutores 114 como a pior combinação alimentar, o leite e o açúcar


juntos devem ser evitados, pois “fermentam no estômago”, liberando
gases nocivos à saúde.
Alguns informantes disseram que sua comida predileta é o trivial
arroz branco, feijão e um bife acebolado. Isto tudo vai depender do gosto
da família e também de sua condição financeira; mas, deve-se levar em
consideração também o conhecimento sobre nutrição e a disposição em
seguir determinadas recomendações da literatura adventista. Uma
senhora foi mais direta e escreveu: “depende do q tem”; resposta que
nos faz lembrar que a condição econômica familiar, nesse assunto, é
determinante.
Dias Júnior (2020) em recente pesquisa realizada na Feira
Municipal de Cametá, destacou uma diferença regional entre o
“acompanhamento” e a “mistura”. “O acompanhamento, (...), é formado
pelos cereais, grãos e semente, [e] a farinha, o feijão, o arroz e o
macarrão. A mistura, por seu turno se configura por algum alimento de
origem animal...” (DIAS JÚNIOR, 2020, p. 94). A partir dessa
classificação, podemos dizer que os ovo-lacto-vegetarianos podem
lançar mão de uma variada gama de alimentos como
“acompanhamento” nas refeições diárias. No entanto, a composição da
“mistura”, considerada a parte “mais importante da comida” (DIAS
JÚNIOR, 2020, p. 94), ficaria restrita aos ovos, ao glúten e à soja. Já, os
ASD que optam pela ingestão de proteína animal precisam se abster das
carnes cuja proibição bíblica é clara, além do caranguejo, camarão e
mariscos, abundantes e muito apreciados na região Norte.

114 Prefiro usar essa expressão, pois minha relação com os ASD de Belém sempre foi próxima. Usei o termo
informante ao me referir a respostas objetivas apresentadas em questionários.
Ismael Fuckner • 313

As farinhas e a macaxeira compõem o cardápio dos paraenses de


forma regular e não é diferente na mesa dos ASD. No dia a dia o cardápio
inclui bastante macaxeira e pode substituir ou acompanhar o
tradicional feijão com arroz. O açaí, abundante na região, é ingerido
geralmente com farinha d’água ou farinha de tapioca 115. Costuma-se
ingerir o açaí na refeição, porém, como salienta Dias Júnior (2020, p. 94)
“O açaí com a farinha de mandioca ocupa a categoria de
‘acompanhamento’, mas um acompanhamento que por vezes não aceita
dividir espaço com o arroz, o feijão e macarrão, sendo apenas ele e a
‘mistura’ ”.
Ser vegetariano ou ovo-lacto-vegetariano, como foi demonstrado,
não é uma exigência para ser adventista, mas em refeições em que há
visitas em casa e nos almoços de sábado, considerado um tempo
sagrado, geralmente há grande preocupação em servir apenas pratos
vegetarianos em que se prioriza a beleza, com o preparo de assados com
recheio de legumes cozidos e saladas cruas servidas com variedade de
cores. Alguns membros declararam que, aos sábados não há mudança
na alimentação; dando a entender que é comum em sua casa ter
refeições com carne mesmo no dia de sábado. Nesse dia, em especial,
eles procuram “melhorar” ou torná-la mais “leve” - de fácil digestão;
neste caso, a carne cozida é preferível, à carne assada ou frita. Essa seria
uma boa opção para amenizar as tarefas domésticas, já que o culto é
realizado na parte da manhã.
Nas instalações do HAB, consideradas como uma extensão da
igreja, até mesmo nas duas cantinas terceirizadas, alimentos

115 Há uma grande variedade de farinhas facilmente encontradas em vários estabelecimentos da capital e do
interior do estado. As mais utilizadas entre os paraenses são: a farinha de tapioca, a farinha seca (com mandioca
ralada) e a farinha d’água (fina e grossa).
314 • O Adventismo no Brasil

preparados à base de porco ou pato nunca são servidos, assim como


pratos contendo peixes de couro/pele. O cardápio ali oferecido vai além
das prescrições do Levítico, pois, a carne vermelha é geralmente
substituída por frango, glúten ou soja. Os lanches servidos ali são feitos
com frango, atum ou peito de peru e prioriza-se o uso de vegetais e
sucos de frutas feitos na hora. Interessante que o uso de sucos naturais
é recorrente em momentos de enfermidade. Muitos afirmaram que
quando alguém da família adoece, normalmente a alimentação muda e
passam a substituir refrigerantes por sucos naturais. O uso de mais
verduras e frutas e a diminuição da carne, quando há adoecimento na
família é outro ponto de destaque.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurei mostrar, com este relato, que havia ambiente favorável


em Belém, no início do século XX, para a acolhida dos missionários
adventistas. Entre eles, havia uma compreensão de que se cuidassem
das doenças dos paraenses, estariam, também, promovendo condições
favoráveis para o anúncio da segunda vinda de Jesus à Terra - a
principal pregação do movimento desde sua fundação. Trata-se de uma
crença essencial do Cristianismo como um todo, só que assumindo
algumas particularidades nas diferentes igrejas, seitas e denominações
que, em seus primórdios, aguardavam como fato iminente. Por isso,
muitos cristãos fizeram esforços para manterem seu corpo puro e
chegavam ao ponto de fazer votos de castidade perpétua para não
profanarem o “Templo do Espírito Santo”. Diferentemente dos
católicos, os protestantes não depositam na castidade os méritos de
uma vida de pureza; pelo contrário, estimulam a atividade sexual aos
Ismael Fuckner • 315

casados e a convivência em família. Ao que parece, entre os ASD, houve


a substituição daquele dogma original por hábitos saudáveis.
Pude perceber, também, que meus interlocutores tinham
preocupação em mostrar uma certa racionalidade ao lidar com os
problemas de saúde. Empreende-se grande esforço para cumprir as
regras de saúde para “não ficar doente à toa”, como dizem alguns. Essa
preocupação pode ser resumida na ideia de que não precisam ficar
doentes porque “possuem muita luz”, referindo-se especificamente aos
escritos de Ellen White. Diferentemente dos grupos religiosos
considerados pentecostais ou neopentecostais, que confiam na
promessa do batismo pelo Espírito Santo e a consequente cura
milagrosa para suas doenças, os ASD consideram as orientações sobre
saúde suficientemente eficazes para evitar o adoecimento e encontram
a ação divina agindo no mundo através de pessoas e circunstâncias da
vida diária; a exemplo de médicos, enfermeiros, nutricionistas e outros
profissionais de saúde.
Daí vem a importância que dão ao sistema hospitalar e demais
recursos na cura de doenças graves e aos hábitos alimentares saudáveis,
juntamente com recursos naturais ou remédios naturais, na prevenção
de todas as doenças. Investiram em missões em terras estrangeiras e se
instalaram em diversas regiões do mundo, com o intuito de espalharem
esses ensinamentos e levarem profissionais que incentivassem a
população a cuidarem do corpo e, como resultado desse trabalho,
“salvarem suas almas”. Os trabalhos foram realizados em escolas,
igrejas, hospitais, clínicas e lanchas que singravam pelos rios da
Amazônia.
Percebe-se, no entanto, que, se originalmente, desejavam viver do
modo mais natural possível, abstendo-se de qualquer alimento
316 • O Adventismo no Brasil

elaborado de modo artificial. No entanto, foram, paulatinamente,


adotando procedimentos modernos que a ciência e a tecnologia podem
propiciar. Fica evidente, no relato, que ao investimento na atualização
tecnológica, associa-se um esforço na comprovação científica de suas
crenças nos “oito remédios naturais”.
É curioso perceber uma tendência a legitimar os conselhos
relativos à interdição ao uso da carne de porco, por exemplo, com a
citação de textos bíblicos do antigo testamento; portanto, uma clara
demonstração do valor que se dá à tradição hebraica. No entanto, ao se
tentar justificar a importância do vegetarianismo, ignora-se a tradição
milenar dos hindus. Apela-se, neste caso particular, aos conselhos de
sua profetisa. Porém, a despeito de toda literatura e estímulo
disponíveis, verifica-se certa dificuldade dos paraenses para seguirem
tal dieta que exclui grande quantidade de alimentos enraizados em seus
hábitos alimentares.

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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=535499963163047&set=a.535499956496
381.1073741828.174311295948584&type=1&theater. (Acesso em 21. Ago. 2013).
11
O VERBO SE FEZ CÂNTICO: A TRANSFIGURAÇÃO DA
TEOLOGIA ADVENTISTA EM MÚSICA
Joêzer Mendonça

Nos anos 2010, cantores adventistas como Leonardo Gonçalves e os


irmãos André e Tiago Arrais granjearam o reconhecimento da
comunidade evangélica brasileira e a publicidade da indústria gospel
nacional, enquanto o tradicional quarteto Arautos do Rei foi premiado
no Troféu Promessas, na categoria “Melhor Grupo”, em concorrência
com grupos de estilo gospel contemporâneo. Paralelamente, produções
musicais institucionais, como Toque em Minhas Mãos, Adoradores (4
vols.), Salmos e Jesus Luz do Mundo, indicam uma apropriação de
estratégias do louvor neopentecostal. Isso representaria uma rendição
da música adventista ao universo musical gospel?
Um exame mais acurado destas produções revelará contrastes
destas produções em relação a suas contrapartes gospel. Cantores
solistas e grupos vocais se apropriam de estilos populares
contemporâneos, no entanto, seus arranjos são sofisticados e suas
letras têm alto teor poético e/ou teológico. Os Arautos do Rei persistem
em sua temática escatológica, mas demonstram grande poder de
penetração em camadas religiosas que não enfatizam a doutrina do
Segundo Advento de Cristo. Por sua vez, as músicas dos álbuns
Adoradores restringem elementos da performance de sua contraparte
evangélica (como a intensa repetição dos refrões, o forte emocionalismo
de líderes de louvor e a pouca variedade de temas), notando-se apenas
resíduos de similaridade no tratamento melódico-harmônico.
Nos cânticos adventistas produzidos nos anos 1970 e 1980,
chamados de “corinhos”, nota-se a influência de melodias e
Joêzer Mendonça • 321

harmonizações que recuperam as bases de uma musicalidade de matriz


brasileira, em contraste com a presença de “corinhos” de origem
americana baseados em ritmos como marchas militares e rockabilly. No
entanto, aqueles cânticos adventistas que ecoam a brasilidade musical
não são sambas, baiões e frevos. Teria ocorrido, naquele momento,
algum processo de triagem de elementos musicais e textuais que se
assemelha ao processo de filtragem executado pelos compositores mais
recentes?
A produção musical adventista se apresenta com maior variação de
estéticas musicais desde o início dos anos 2000, mas parece manter um
regime de abstinência em relação a determinados gêneros musicais. Há
maior aproximação em relação às técnicas de produção e à diversidade
musical do meio evangélico contemporâneo, mas não se registra a
presença, entre os adventistas no Brasil, de bandas de heavy metal,
rappers, duplas sertanejas e cantores de pagode, forró ou funk. O que
explicaria esse comportamento musical, essas diferenças na adoção de
práticas musicais?
Uma hipótese que ofereço é a de que os adventistas produzem sua
música a partir das disposições mentais geradas pelas características
teológicas peculiares. Em outras palavras, os hábitos mentais se
mostram importantes na transferência dos caracteres teológicos
particulares para as estruturas musicais.
Em suma, a diferenciação simbólica da teologia adventista é um
fator interiorizado pelos músicos adventistas e exteriorizado em sua
produção musical, e o conceito de habitus pode explicar como os
esquemas de pensamento norteiam boa parte da produção musical dos
adventistas. A esse processo de transposição do habitus para a estrutura
322 • O Adventismo no Brasil

musical denomino de transfiguração a fim de demonstrar como o verbo


se faz música.

BREVE DEFINIÇÃO DE HABITUS

O sociólogo Pierre Bourdieu (1983; 2005) explorou a antiga noção


de habitus e a aplicou ao domínio das práticas e representações sociais
e particulares. As práticas são mediadas pelo habitus, que o autor define
como “um sistema de disposições duráveis e transferíveis que,
integrando todas as experiências passadas, funciona em cada momento
como uma matriz de percepções, apreciações e ações e possibilita o
cumprimento de tarefas infinitamente diferenciadas graças à
transferência analógica de esquemas” de pensamentos adquiridos em
contextos anteriores (BOURDIEU, 1983, p. 65).
Setton (2002, p. 61) diz que o habitus ajuda na compreensão das
características da identidade de um grupo social, sendo um sistema de
operação ora consciente ora inconsciente, “uma matriz cultural que
predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas”.
O habitus é uma ideia que instaura a relação dialética entre
indivíduo e sociedade ao agregar a interiorização da exterioridade e a
exteriorização da interioridade. Isto é, segundo Wacquant (2007, p.65-66),
o habitus revela a maneira como o indivíduo interioriza os pensamentos
e condutas externas, da sociedade, sob a forma de disposições e
“propensões estruturadas para pensar, sentir e agir de determinados
modos”. Ao externar o que incorporou no seu hábito mental interior, o
indivíduo está respondendo às exigências e demandas do seu meio
social.
Joêzer Mendonça • 323

Nessa perspectiva, os esquemas particulares do pensamento


adventista são assimilados pelos fiéis e engendram novos esquemas que
podem ser acionados em contextos individuais. É quando a estrutura
social se transfigura em estrutura mental. 116

A TRANSFIGURAÇÃO DA TEOLOGIA EM MÚSICA

Ainda vigora o pensamento de que a música se desenvolve segundo


suas próprias leis e de acordo com os humores e gênios dos
compositores e músicos. No entanto, a correspondência entre a música
e a sociedade que a pratica é mais estreita. “O que ocorre, de fato, é que
as estruturas sociais se cristalizam nas estruturas musicais; que de
modos diversos e com variados graus de consciência crítica, o
microcosmo musical replica o macrocosmo social” (BALLANTINE, 1984,
p. 5).
Em texto mais antigo, Gill aponta para a coerência entre os valores
e estilos de vida de um grupo religioso, sua experiência subjetiva e as
formas musicais usadas para representar ou divulgar seus interesses
primários:

Embora a igreja não tenha formulado nenhuma doutrina estética, uma certa
relação da arte com a vida pode estar implícita nos seus ensinos e explícita
nos seus efeitos. Ela [a igreja] não disse: a arte é tal coisa, a vida é tal coisa e
tal é a relação entre elas. Ela define a natureza do homem e, até onde é
possível, a natureza de Deus, bem como o relacionamento do homem com

116 Não pretendo conceder à ideia de habitus o poder de fixar um ponto único e inalterável onde estaria fincada
a raiz das explicações causais diretas. Wacquant (2007, p. 66) esclarece que o habitus não é uma aptidão natural,
mas social, que é, por esta mesma razão, variável através do tempo, do lugar e, sobretudo, das distribuições de
poder e que o habitus é transferível a diversos domínios de prática, do esporte a comportamentos
matrimoniais, e que pode fundamentar diversos estilos de vida. Ver BOURDIEU (2007), p. 162-211.
324 • O Adventismo no Brasil

Deus. Nessas definições, a natureza da obra do artista e sua relação com a


vida estão implícitas (1929, p.245). 117

O grau radical de variação na atualização de processos litúrgico-


musicais tem uma explicação nos níveis de ajustamento simbólico entre
as disposições cognitivas do grupo religioso e sua expressão musical,
visto que no âmbito cristão a música também é um esquema teológico.
Ao examinar a diversidade de formas musicais e estilos de culto nas
denominações cristãs, William T. Flynn (1991, p. 182) entendeu que
“diferenças na prática musical podem indicar diferenças subjacentes na
ênfase teológica, visto que a música utilizada na adoração cristã reflete
a interpretação de uma igreja sobre sua liturgia”, assim como
semelhanças podem indicar convergência em assuntos teológicos.
John Shepherd (1987, p. 57) avalia que a estrutura musical comporta
os processos de pensamento de um grupo social e que, se os estilos
musicais são socialmente significativos, então é possível demonstrar a
importância desse significado ao analisar a música nos termos da
realidade social em que surgiu. Em termos de adventismo e sua música,
penso que sua noção de mordomia nos ajuda a ver um ajustamento
simbólico entre suas crenças e a prática musical institucional.

A RELAÇÃO ADVENTISTA ENTRE MORDOMIA E MÚSICA

Desde o século XVIII, o programa evangelizador do protestantismo


nos Estados Unidos e a abertura ou a reforma de novos templos
mobilizaram a busca de sustento financeiro dos projetos. Recorria-se a
métodos como aluguel dos bancos da igreja, promoção de loterias e

O estudo de Eric Gill aborda a Igreja Católica Romana como um modelo de campo religioso que opera sob
117
uma crença em valores absolutos.
Joêzer Mendonça • 325

bazares de arrecadação de fundos. Em meio à censura que esses métodos


obtiveram por parte de alguns clérigos, houve um despertar do
interesse pela mordomia cristã que culminou no movimento da
mordomia na igreja norte-americana no final do século XIX, com
destaque para a busca de financiamento para os programas de expansão
em territórios estrangeiros.
Gestado no ambiente de amplificação do apocalipsismo e de
entusiasmo missionário que mobilizava o cristianismo dominante no
século XIX, a trajetória do adventismo correu em sincronia com as
dinâmicas evolutivas do contexto protestante nos Estados Unidos e, não
por coincidência, “a Igreja Adventista do Sétimo Dia desenvolveu uma
forte consciência de mordomia” (BRADFORD, 2011, p. 737). 118
A noção de mordomia desenvolvida pelo adventismo avaliza a ideia
de que os indivíduos são administradores dos bens recebidos de Deus, o
tempo, o templo (o corpo), o tesouro e o talento. Esse “conceito é
intensificado pelo pronunciamento escatológico de Apocalipse 14:7”
(BRADFORD, 2011, p.721). 119 É assim que o pensamento protestante sobre
a mordomia é contextualizado de acordo com o princípio organizador
do adventismo. Segundo Bradford (2011, p. 725-726), o estudo da
doutrina do sábado sob a perspectiva do conceito de mordomia mostra
que o sábado tem a ver com o tempo e a conscientização do valor do
tempo, enquanto o denominador “tesouro” no princípio da mordomia é
visto no sentido de que “os dízimos e as ofertas nos lembram que

118 Ver também Ángel M. Rodriguez. Stewardship roots: toward a theology of stewardship, tithe, offerings (Silver
Spring: Stewardship Ministries, General Conference of Seventh-day Adventists, 1994).
119 Apocalipse 14:7: “Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fez
o céu, a terra, o mar e a fonte das águas”. Trecho bíblico fundamental à exegese adventista que agrega a Criação
ao juízo escatológico.
326 • O Adventismo no Brasil

somente Deus é proprietário no sentido absoluto”, tornando “o


adorador parceiro de Deus em coisas concretas”. 120
No adventismo, o código de restrições e abstinências processado
pela concepção de santidade evangélica também leva a “a igreja, como
corpo coletivo, [...] a estabelecer uma autêntica comunidade de
mordomia numa sociedade cada vez mais secularizada” (BRADFORD,
2011, p. 731). Desse modo, a moderação dos gostos pessoais e a rejeição
de práticas consideradas impuras ou imorais daria credibilidade ao
testemunho da igreja.
Ainda segundo Bradford (2011, p. 733), os talentos e habilidades dos
integrantes da igreja são ferramentas de serviço e a “apropriada
mordomia desses dons envolve, inevitavelmente, o ministério e a
missão de alcançar e atender às necessidades humanas em nome de
Cristo”. 121
Ao passo que a concessão do tempo e dos bens para a missão
religiosa é a consequência da mordomia protestante de modo geral, há
minúcias que estão ajustadas à mentalidade adventista. Por exemplo, a
atenção cedida à saúde do corpo retoma o conceito do corpo como o
“templo do Espírito Santo” (ver I Coríntios 6:19): “a reforma da saúde e
o ensino de saúde e da temperança são partes inseparáveis da
mensagem adventista” (Manual da Igreja, 2010, p. 165). O sábado é
considerado um dia excepcional, em que determinadas atividades são
abandonadas temporariamente. Assim, há abstinência de condutas no

120 Cf. Ellen White, Conselhos Sobre Mordomia, versão e-book, 2007, 205-6.
121 Vale lembrar que a raiz do termo “mordomo” utilizado no Novo Testamento é oikonomos, sendo que os
encargos do mordomo, segundo a parábola bíblica relatada no livro de Lucas (16:2-4) é denominada de
oikonomia. “Em 1 Coríntios 9:17, Paulo fala de oikonomia como a responsabilidade de despenseiro que lhe foi
confiada. Efésios 1:10 usa a palavra oikonomia para se referir ao plano de Deus de fazer ‘convergir’ em Cristo
todas as coisas” (BRADFORD, 2011, p. 723).
Joêzer Mendonça • 327

tempo, há renúncia de comportamentos, restrições alimentares para o


bem-estar do “templo”, há abstinência financeira (dízimos e ofertas) e
aplicação excepcional do “tesouro” pessoal, e há dedicação exclusiva dos
talentos.
A cosmovisão adventista se mostra inseparável da teologia da
mordomia, o que vem a favorecer determinadas práticas musicais que,
por sua vez, são indissociáveis daquela visão de mundo. Pode haver,
então, afinidade entre uma atitude religiosa e um comportamento
litúrgico-musical. As restrições a certos alimentos e joias estariam em
paralelo com a restrição de gêneros musicais e instrumentos (ainda
hoje, a maioria das congregações adventistas não aprova o uso de
bateria no templo), enquanto a promoção da saúde e do bem-estar
estaria ligada à promoção de uma música “boa” e “elevada” para a igreja.
O culto realizado num dia excepcional e exclusivo solicitaria uma
música litúrgica de exceção. Os “dons e talentos” musicais deveriam
abster-se do contato com o secularismo a fim de cooperar com a
consagração da teologia e da identidade peculiar denominacional.
Ao se olhar a teologia adventista da mordomia com as lentes do
conceito de habitus, é possível verificar que as estruturas religiosas são
transpostas para os modos de criação e seleção musical da igreja. A
estrutura de disposições teológicas relaciona-se dialeticamente com o
contexto de percepções e atividades sacro-musicais. Na prática
adventista, essa conduta se expressou na ênfase escatológica da letra de
seus cânticos, na incorporação moderada da matriz musical popular
brasileira e na triagem de elementos controversos da adoração
neopentecostal. Veremos alguns exemplos nas seções seguintes.
328 • O Adventismo no Brasil

A BRASILIDADE MUSICAL E OS CORINHOS ADVENTISTAS DOS ANOS 1970

Nos hinários jovens dos anos 1950 e 1960, como Melodias de Vitória
e Louvores do Coração, entre a maioria de composições estrangeiras
vertidas para o português, registrava-se uma minoria de cânticos
compostos por adventistas brasileiros, como Jonas Monteiro de Souza,
Raimundo Martins e Alexandre Reichert Filho. Somente nos anos 1970
é que as canções sacras de autores nacionais viriam a ser
predominantes. Duas coletâneas oficiais, Vamos Cantar (1973) e Vamos
Cantar, vol. 2 (1979), destacaram compositores brasileiros e
apresentaram duas inovações significativas: a presença de muitos
cânticos constituídos de apenas uma estrofe (às vezes, de uma estrofe e
um refrão curtos), conhecidos no meio evangélico como “corinhos”; e,
uma faceta melódica e harmônica com maior aproximação em relação à
música popular nacional.
Os “corinhos” se tornaram muito populares nas igrejas evangélicas
a partir da década de 1950. A princípio utilizados por organizações
paraeclesiásticas, que desenvolviam programas específicos para a
juventude, os corinhos possuem determinadas características:
apresentam letras curtas para facilitar o aprendizado e o envolvimento;
“falam de salvação individual, piedade pessoal e esperança para o
porvir, não dando importância a questões contextuais” (LIMA, 1991, p.
55); e sua melodia está mais relacionada com ritmos e melodias
populares de seu tempo.
Éber Lima (1991, p. 53) avalia que o êxito musical dos corinhos
mobilizou novas tensões no campo simbólico do sagrado, gerando
polarizações entre tradicionalistas e “mudancistas”, eruditos e
populares, jovens e adultos. Nesse cenário, as coletâneas protestantes
Joêzer Mendonça • 329

produzidas nos anos 1970 passaram a incluir autores brasileiros de


corinhos, enquanto grupos musicais, como Vencedores por Cristo e
Jovens da Verdade, gravaram discos em que os corinhos ganharam uma
identidade melódica de caráter nacional. 122
As duas coletâneas Vamos Cantar também apresentavam marchas
e melodias de autores nacionais que denotavam similaridade com os
corinhos de origem norte-americana. Contudo, o maior aporte de
compositores brasileiros, como Williams Costa Junior, Alexandre
Reichert Filho e José Geraldo Lima, trouxe várias melodias e arranjos
distintas do padrão do corinho estrangeiro.
Tomemos três cânticos daquelas coletâneas: “Agora”, “Conversar
com Jesus” e “Testemunho”. O cântico “Agora” foi o hino oficial do IV
Congresso MV (Missionários Voluntários) realizado pelos jovens
adventistas em 1973. Nesses eventos, os cânticos temáticos oficiais
possuem, geralmente, tonalidade maior, andamento acelerado e uma
quase inevitável marcação rítmica marcial que inferem entusiasmo. A
inovação de Costa Junior está em empregar tonalidade menor (Mi
menor), andamento lento e harmonização complexa. Esse cântico
resume a trajetória do adventismo do desapontamento de 1844 à
retomada da expectativa pelo advento:

Vamos irmãos, não podemos mais ficar aqui


Cristo não veio e ainda estamos aqui
Agora vamos nós falar de um Salvador
O mundo inteiro quer amor
[...]

122 Em 1972, foi lançada a coletânea Cânticos Palavra de Vida, com oito corinhos de autores brasileiros dentre
os 72 cânticos do total. Em 1975, o grupo Vencedores por Cristo lançou o LP Louvor I e, em 1979, lançou De
Vento em Popa, que continha corinhos em ritmo de samba e bossa nova.
330 • O Adventismo no Brasil

O cântico “Conversar com Jesus”, de Alexandre Reichert Filho, tem


apenas oito versos, mas nos seus vinte compassos este corinho
desprovido de refrão exibe maior desenvolvimento melódico-
harmônico do que os cânticos estrangeiros que integravam as
coletâneas adventistas até então. As canções jovens “importadas”, como
“Estou seguindo a Jesus” e “Caminhando”, apresentavam a referência
harmônica simples e a marcação rítmica da música country norte-
americana e das marchas militares. Reichert mantém a simplicidade
melódica dos cânticos americanos, mas a base harmônica agora está
repleta de acordes mais complexos.
“Testemunho”, de Costa Junior, tem andamento mais acelerado e
apresenta versos soteriológicos (no meu viver eu vou dizer que Cristo /
morreu por mim na cruz pra me salvar) e também escatológicos (no meu
viver eu vou dizer que Cristo / me prometeu que em breve vai voltar). Ao
mesmo tempo, o compositor sugere uma interpretação mais coloquial,
visto que o refrão se inicia com o verso “a cantar lá-ra-lá-lá-lá-lá-lá...”
Estes três cânticos apresentam um estilo melódico-harmônico
mais associado às cadências harmônicas da MPB do que às
harmonizações dos tradicionais corinhos norte-americanos.
As mudanças de letra e música ocorridas no repertório adventista
dos anos 1970 não foram ocasionadas somente pela busca de renovação
musical por parte dos compositores. O fator propulsor das inovações na
estrutura de letra e música foi a estratégia de cooptação dos setores
mais jovens da Igreja Adventista para a participação missiológica e a
consagração pessoal. A nomenclatura criada pela organização
adventista (MV - Missionários Voluntários) denotava o apelo
missiológico à juventude. Os cânticos das chamadas Ligas MV
absorveram a facilidade poético-musical dos corinhos estrangeiros – a
Joêzer Mendonça • 331

tradição recente – e a sofisticação do padrão melódico-harmônico da


MPB – a renovação modernizante.
A apropriação bastante moderada de elementos característicos da
musicalidade nacional certamente contribuiu para que a produção dos
compositores adventistas fosse institucionalizada e indicada para a
juventude adventista. Como se lê no prefácio do segundo volume de
Vamos Cantar:

O Departamento de Jovens da Divisão Sul-Americana deseja que o uso deste


hinário seja para a glória de Deus, e é recomendado para as atividades que
os jovens realizarão em sua reunião semanal [nos templos], em seus
acampamentos, retiros espirituais e outras (1979, p. 3)

No novo contexto sociorreligioso em que surgiram, os dois


volumes de Vamos Cantar foram importantes na gradual transição da
produção musical adventista de um repertório baseado na hinódia
protestante anglo-americana para um repertório autóctone dirigido à
evangelização da juventude. Essa atualização musical dos cânticos não
se traduziu em incorporação de gêneros populares como o frevo, o
baião, a marcha-rancho ou o samba, mas na adoção de recursos
melódicos e harmônicos (mas não rítmicos) da MPB.
Mesmo assim, tratou-se de um momento que repercutiu gostos e
tradições adquiridas em contraste com a hinódia tradicional, visto que,
se a instituição adventista visava atender uma demanda musical de uma
faixa etária específica, a renovação musical pode ter ocorrido pelo
entendimento de que um novo contexto sociorreligioso, de novas
estratégias evangelizadoras, requeria outros procedimentos musicais.
Posto de maneira simples, essa nova produção que emergia estaria
332 • O Adventismo no Brasil

providenciando melodias e letras mais próximas ao gosto musical


peculiar da juventude.
Entretanto, se no contexto cultural da música popular dos anos
1960-70 circulavam sucessos do pop-rock da Jovem Guarda e
compositores que valorizavam a matriz musical nacional e, ainda, se no
cenário protestante incorporavam-se estilos ligados à MPB, por que a
produção musical adventista não absorveu nem um estilo nem outro em
seus cultos e reuniões?
Há teólogos, como Bert Beach (2002) e Fernando Canale (2009), que
advogam que a teologia adventista para a cultura não admite nenhum
processo revelatório divinamente inspirado que não seja a “Revelação”
bíblica ou profética. Beach afirma que o culto adventista deve ser
“transcultural”, um argumento que parece propor uma impossibilidade
cultural, e talvez cognitiva, pois os indivíduos dialogam com a sua
cultura. O pensamento de Beach e Canale é colocado em termos de
transcendência da cultura local, o que deixa entrever que essa proposta
está perpassada pela mentalidade adventista de exclusividade e
excepcionalidade que está no cerne do habitus da mordomia.
Bert Beach (2002, p.24-25) modula o habitus adventista em suas
proposições para o culto. Segundo o autor, o culto deve ser:
transcultural, pois, “se bem que a mensagem cristã seja pregada dentro
de um cenário cultural, ela precisa suplantá-lo e transcender as
limitações da cultura”; contextual, visto que a forma do culto vai
incorporar componentes da cultura local, mas “o culto não deveria
adaptar-se à cultura, mas adotar seus elementos úteis para auxiliar a
comunicação do evangelho”; contracultural, pois “embora o culto não
seja necessariamente anticultural”, há aspectos da cultura que são
contrários às normas e missão cristãs, e, portanto, devem ser
Joêzer Mendonça • 333

rejeitados”; intercultural: “é contraproducente referir-se à igreja como


‘americana’, ‘suburbana’, ‘latina’ ou qualquer outro adjetivo limitante; e
multicultural, pois “a igreja não precisa ser identificada com uma dada
cultura, linguagem ou estrato econômico da sociedade. A igreja precisa
ser multicultural e prover um culto que sirva a culturas variadas”.
Na visão de Canale (2009, p. 110), as preferências culturais e gostos
pessoais não são princípios confiáveis de fundamentação das formas da
liturgia. Segundo o autor, os adventistas não deveriam introduzir na
liturgia congregacional nada de ordinário ou comum, “a menos que
primeiramente nós o purifiquemos por meio de cuidadosa aplicação dos
princípios bíblicos de adoração e formação da liturgia”.
A visão destes dois teólogos, portanto, corrobora nosso
entendimento de que a prática musical adventista é perpassada pelo
princípio de mordomia e santidade simbólica, o qual influencia os
procedimentos de composição e seleção de cânticos na cultura
litúrgico-musical da igreja. Isto significa que os processos de produção
musical estão regidos pelas disposições mentais adquiridas na dinâmica
do habitus teológico e social.

O LOUVOR GOSPEL E O CÂNTICO ADVENTISTA DE ADORAÇÃO

No Brasil, o impacto neopentecostal se fez sentir no adventismo na


primeira década do século XXI. Na esfera litúrgica, esse efeito se fez
notar por meio da estruturação de grupos de louvor que atuam nos
moldes dos chamados ministérios de Louvor & Adoração desenvolvidos
pelos novos pentecostais. A aproximação dos adventistas
contemporâneos com as formas do louvor gospel está relacionada ao
sucesso de grupos musicais como o Ministério de Louvor Diante de
334 • O Adventismo no Brasil

Trono na mídia gospel e à veiculação desse modelo sacro-musical no


sistema de radiodifusão adventista.
Gradualmente, adotou-se o estilo de música e performance dos
ministérios de louvor, porém, assim como já ocorrera no processo de
seleção de corinhos jovens nos anos 1970, tem se efetuado um processo
de controle e triagem dos elementos mais controversos do modelo
original.
O novo formato de cântico que floresceu nos anos 1980 e 1990 – o
cântico de louvor e adoração – era cantado em reuniões evangélicas em
que às vezes havia manifestações de glossolalia e relatos individuais de
curas físicas e experiências espirituais transformadoras. Não se
reproduzia ali a atmosfera de solenidade litúrgica observada nos
templos protestantes tradicionais, o que favorecia maior informalidade
na expressão corporal e maior liberdade musical.
Uma das características do novo cântico evangélico de adoração é
a ênfase de suas letras na exaltação à realeza e ao poder de Deus.
Antônio G. Mendonça (2008) demonstra que a ênfase temática
protestante era predominantemente cristocêntrica, atribuindo a Cristo
o papel central na configuração simbólica que integra a fé, a salvação e
a conversão. Paralelamente, os cânticos reproduziam essa centralidade
cristológica. Por outro lado, a forte ênfase na celebração da soberania
de Deus é um aspecto do culto e da música das novas comunidades
evangélicas, o que se opõe ao protestantismo que se consolidou como
uma religião cristológica.
O Adventismo do Sétimo Dia também ressalta em sua hinódia o
discurso predominante cristocêntrico de sua literatura denominacional
e de suas orientações evangelísticas. O Hinário Adventista do Sétimo Dia
(1996) registra oito hinos na seção dedicada a temática “Espírito Santo”
Joêzer Mendonça • 335

e dez hinos destinados à exaltação divina na seção “Deus, o Pai”, ao


passo que há 113 cânticos no segmento “Jesus Cristo”, que reúne
subseções como “Natal”, “Vida e Ministério”, “Sofrimento e Morte”,
“Ressurreição e Glorificação”, “Pastor e Amigo” e “Segunda Vinda”. Vale
dizer que nos demais cânticos desse hinário, há menções a Deus e a
Cristo, ou à Trindade, porém, a extensão numérica vastamente superior
de cânticos cristológicos é uma medida da centralidade temática
relacionada a Cristo no discurso adventista.
No adventismo, a hinódia também consagra o primado
cristológico, prevalecendo os apelos à conversão e às referências ao
sacrifício vicário de Cristo, que espelha a doutrina do Santuário, e ao
apocalipsismo, que representa a doutrina da Segunda Vinda.
A temática cristocêntrica se observa em produções adventistas de
Louvor & Adoração como Jesus Luz do Mundo (2014) e em cânticos que
enfatizam o sacrifício vicário de Cristo, como “Ao Olhar para a Cruz”,
presente no álbum Adoradores vol. 1 (2013). A manutenção de doutrinas
centrais ocorre, possivelmente, em razão do Adventismo se tratar de
uma instituição hierárquica, em que os diversos patamares
administrativos e eclesiásticos são coordenados por um escritório
central de planejamento e gerenciamento das ações denominacionais,
havendo maior controle sobre a prática litúrgico-musical. Os cânticos
são, portanto, o corolário de um processo de transfiguração da teologia
em música, do sermão falado em sermão cantado.
No começo do século XXI, porém, uma nova temática veio a se
introduzir no discurso musical adventista, denotando que a influência
do neopentecostalismo não se observa somente na reprodução, ainda
que bastante seletiva, dos elementos litúrgicos-musicais, mas também
336 • O Adventismo no Brasil

se dá por meio da adoção, ainda que bastante atenuada, de ênfases


doutrinárias pentecostais como a cura e a ênfase no Espírito Santo.
Ao se observar a música de louvor contemporânea produzida pelos
adventistas no Brasil, é possível notar o desenvolvimento de um modelo
de canto congregacional baseado no estilo da adoração neopentecostal.
No CD A Promessa (2012) e em DVDs como Toque Minhas Mãos (2005),
Salmos (2011) e Adoradores (4 edições, 2013-2019), as canções emulam os
padrões musicais e líricos de conhecidos grupos de louvor gospel como
o Ministério Diante do Trono e o grupo Hillsong. Não se reproduzem,
porém, as manifestações extravagantes (como atos de engatinhar no
palco ou rodopiar) e o êxtase glossolálico (o falar em “línguas
estranhas”) de grupos pentecostais. Os DVDs mencionados acima
portam o selo de produção e distribuição da Gravadora Novo Tempo,
órgão oficial do sistema de mídia adventista.
Estariam os produtores musicais adventistas fornecendo às suas
congregações uma liturgia pentecostal atenuada? Ou, por meio do
processo de triagem de elementos comportamentais e doutrinários
mais dissonantes e controversos, eles estariam fabricando um modelo
litúrgico capaz de atender às demandas emocionais e espirituais das
novas gerações de adventistas?
A avaliação que emerge dessas questões e constatações denota que
a extração dos elementos mais controversos do louvor gospel está
relacionada a dois fatores: a subtração de elementos teológicos e
litúrgicos discordantes de uma peça original com o objetivo de adequá-
la ao estilo sacro-musical da igreja, o que se constitui em continuidade
histórica de uma prática musical evangélica; a legitimação da demanda
sacro-musical dos fiéis por meio do provimento de cânticos lançados
Joêzer Mendonça • 337

como inovadores pelos órgãos oficiais da denominação, o que também


caracteriza uma forma de controle da prática musical religiosa da igreja.
Num olhar mais acurado, podemos examinar um cântico originário
do louvor neopentecostal em sua dupla face: a estrutura musical do
cântico, isto é, sua linha melódica, suas cadências harmônicas e seu
estilo rítmico, que consistiriam numa espécie de denominador mínimo
musical; a representação simbólica sacro-musical do cântico, isto é,
seus aspectos musicais e performáticos associados à liturgia
neopentecostal, que constituiriam um denominador máximo.
Embora durante o cântico “Maravilhas” (Don Moen / versão:
Cleiton Schaefer) o refrão seja repetido seis vezes e os versos Seu nome
eu vou louvar e vou cantar, oito vezes, e, após nova repetição do refrão,
mais quatro vezes, esse procedimento de reiteração entoativa do refrão
não é prática comum no louvor adventista, pois a produção musical
adventista tem demonstrado que é possível reduzir o cântico
pentecostal a seu denominador mínimo musical e utilizá-lo com êxito
em outro contexto evangélico.
Esse processo é viabilizado por meio da restrição das muitas
repetições do refrão dos cânticos neopentecostais e por meio do
descarte do excesso emocional e gestual, o que pode ser observado nas
gravações em vídeo que mencionamos. Embora acompanhada da
habitual contenção gestual dos adventistas, cuja disposição mental
providencia um maior controle da euforia congregacional dentro dos
templos, essa restrição das repetições ajudaria a criar ambientes de
adoração bem distintos da prática tradicional.
Mas há aqueles que dizem que não é possível esconder o
denominador máximo comum das músicas dos ministérios de louvor
gospel. Ou seja, essa música não seria capaz de gerar um ambiente mais
338 • O Adventismo no Brasil

favorável à adoração coletiva, pois estaria promovendo o desmonte do


modelo litúrgico tradicional.
Nesse sentido, a música de louvor gospel estaria provocando novos
atritos nos círculo da produção litúrgica devido a, pelo menos, dois
motivos: 1) esse novo modelo de cântico seria estranho à tradição
musical adventista, a qual foi historicamente padronizada pela hinódia
protestante de missão – o cântico neopentecostal é facilmente
reconhecível devido à brevidade de sua letra e à repetição de
determinadas expressões evangélicas; 2) a performance vocal e cênica
desse cântico tem sido associada a uma forma de culto cuja carga
emocional ainda é considerada excessiva para a tradição de culto
adventista.
De modo geral, os cânticos neopentecostais enunciam a chuva
como catalisadora simbólica da atuação do Espírito Santo, a qual deriva
em glossolalia e também em conversionismo:

Som da Chuva (Soraya Moraes)


Deixa Tua glória encher este lugar
Deixa o céu descer sobre nós
Deixa Tua glória encher este lugar
Deixa o céu descer sobre nós
O som da chuva eu já posso ouvir
E com ela vem o novo de Deus

Derrama sobre nós a chuva, Senhor


Derrama sobre nós a chuva, Senhor

Abundantemente, sem cessar


Teu povo espera o derramar da chuva
Joêzer Mendonça • 339

Na prática musical adventista, o processo de absorção e filtragem


da característica doutrinária pentecostal tem gerado canções de
adoração que compartilham a aproximação melódica e a repetição do
refrão com as canções de adoração gospel, mas que contextualizam a
“chuva” do Espírito com a escatologia tradicional adventista (tempo da
“chuva serôdia”) e com o discurso denominacional que incentiva a
“Reforma e Reavivamento” dos adeptos:

Som de Chuva (Isaac Malheiros)

Sopra teu vento sobre o deserto sem vida


Minh'alma sedenta procura teu rio de água viva
Som de chuvas abundantes eu já posso ouvir
Essas nuvens carregadas de poder

Como chuva vem / Como chuva vem

Como chuva serôdia caindo do céu


O Espírito Santo virá
Pois quem fez a promessa é justo e fiel
É certo que não falhará
Vem sacia minha sede de viver
Transbordando minha vida de poder
Nessa chuva do Espírito Santo vou me molhar
Nesse rio de avivamento vou mergulhar

O novo contexto de interação seletiva da produção musical


adventista com os caracteres do novo modelo sacro-musical pentecostal
pode ser visualizado no DVD Magnífico Deus, no qual a cantora Fernanda
Lara reforça a agenda escatológica do adventismo e a reorganiza no
quadro contemporâneo de requerimento da “chuva do Espírito Santo”.
340 • O Adventismo no Brasil

Ao final de uma longa fala, Fernanda Lara pede ao público que aplauda
cada um dos componentes da Trindade, o que também representa uma
novidade na prática de adoração musical dos adventistas. Após
declamações laudatórias da realeza divina, a cantora entoa a canção “Eu
Preciso de um Milagre” (Fernanda Lara / Giovani Vidal).
Vemos, assim, que alguns cantores adventistas em interação com
o estilo neopentecostal de adoração, embora reduzam a longa duração
original das canções e evitem os temas da cura e da prosperidade, têm
reencenado algumas características dos shows ao vivo dos bem-
sucedidos Ministérios de Louvor & Adoração do meio evangélico. São
elas:
a) O reprocessamento da vocalidade da adoração gospel nos
momentos de “ministração”: o estilo de adoração neopentecostal tem
apresentado uma nítida teatralização da contrição em que se reitera
uma fala sobreposta a um fundo musical instrumental e um discurso
que enuncia a intercessão pela congregação ou a exaltação da soberania
divina. Esses aspectos são reencenados nos templos ou outros espaços
destinados à adoração pública, ainda que de forma suavizada. As
cantoras adventistas Fernanda Lara e Melissa Barcelos costumam
permear alguns trechos de suas canções de adoração com frases
recitadas de forma emocionada e em intensidade crescente até atingir
um ápice vocal em tons que podem expressar desde a postura contrita
até a atitude laudatória, lembrando as inflexões das cantoras Ana Paula
Valadão e Aline Barros, dois ícones do estilo de adoração
contemporâneo.
Por outro lado, no DVD Salmos, a performance de Fernanda Lara
faz contraste com as falas emocionalmente abrandadas do pastor e
cantor Daniel Lütdke, autor das canções dessa produção audiovisual.
Joêzer Mendonça • 341

Lütdke raramente enfatiza as palavras com tons emocionados e suas


inflexões vocais estão pontuadas pela serenidade e por terminações
descendentes das frases. O mesmo pode ser dito das falas do pastor e
cantor Fernando Iglesias no DVD Adoradores vol.1.
b) A sugestão de intensidade e/ou entrega espiritual por meio da
corporalidade: tem-se observado que alguns dos chamados “ministros
de louvor” adventistas incentivam o fechar de olhos e o levantar das
mãos durante parte da canção entoada. A convocação da corporalidade
da congregação revela-se uma incorporação dos aspectos gestuais
associados aos cultos pentecostais ou ao protestantismo renovado.
As performances do ministro de louvor, dos vocalistas e do público
participante durante a gravação da canção “Toque em minhas mãos”,
registrada em DVD homônimo, nos ajudam a elucidar os novos e velhos
hábitos da gestualidade entre os adventistas.

Levanto as mãos
Em oração
Pra alcançar Teu trono ó Pai
Toque minhas mãos
Meu ser sorrir ao imaginar
Tuas mãos a me encontrar
O Deus de toda a glória vindo me abraçar.

A letra deste cântico de adoração incorpora a nova semântica da


exteriorização da comunhão no adventismo, em que expressões faciais
e gestos corporais, ainda que bastante suavizados, têm adquirido
relevância no contexto performático da adoração pública.
No entanto, os vocalistas, o público e o ministro de louvor, o cantor
e pastor Fernando Iglesias, assumem posturas diferenciadas durante a
execução do cântico. Na seção final da canção, o ministro canta de olhos
342 • O Adventismo no Brasil

fechados e mão erguida (embora não por muito tempo). Sua fala
sobreposta à entoação do cântico pelos vocalistas não está alterada tal
como na prática dos ministros de adoração neopentecostal. Os
vocalistas se dividem entre aqueles que manifestam maior
exteriorização gestual (com mãos levantadas e olhos fechados),
enquanto outros cantam de olhos abertos.
Por sua vez, ao contrário da participação física geral do público das
produções neopentecostais, somente uma pequena parte do público
demonstra maior envolvimento com a coreografia sugerida pelo
cântico, sendo bem poucos os que levantam as mãos ou fecham os olhos,
enquanto muitos se restringem a acompanhar cantando e, outros,
apenas assistem sem participar vocalmente.
Percebe-se, assim, que o hábito adventista da contenção da euforia
física e emocional impediu a adoção da característica neopentecostal de
forte expressividade gestual e exteriorização das emoções.

O HÁBITO MUSICAL ADVENTISTA

O teólogo Jeremy Begbie (2000, p. 271) afirma que “a música


sempre, em alguma extensão, incorpora a realidade social e cultural [...]
não importa quão autônoma em relação à função pretendida”. A música
religiosa, desse modo, absorve elementos da cultura em que está
inserida e, seguramente, da teologia à qual seus compositores se
subscrevem.
Se nos parece mais ou menos elementar o pensamento de que há
influência da cosmovisão teológica geral de um grupo religioso sobre as
formas musicais empregadas para expressar ou representar suas
crenças distintivas é porque vários pesquisadores têm solidificado essa
Joêzer Mendonça • 343

noção. Jon Michael Spencer (p.1989, 158) considera que “artistas não
necessitam ser conscientes de estarem expressando uma realidade
particularmente teológica, pois são inevitavelmente parte de uma
tradição religiosa”.
O habitus mental adventista se verifica, na prática musical, no
modo como a identidade religiosa torna-se depositada nos fiéis sob a
forma de disposições mentais, habilidades treinadas e propensões
estruturadas para compor, cantar e selecionar cânticos de
determinados modos. Vemos, então, que o pensar teológico coordena a
visão de mundo adventista, que é espelhada na liturgia e na música,
visto que os produtores de música são guiados por esse “hábito mental”.
Desse modo, a prática musical é modelada pelo sistema de crenças que
estrutura o habitus mental dos grupos adventistas.
Os cânticos adventistas sinalizam para a transfiguração da teologia
adventista em música, incluindo a incorporação de novas crenças
ajustáveis ou não ao escopo doutrinário, e para o habitus mental dos
adventistas modelado pela mentalidade da mordomia. Nesse sentido, a
música que acompanha um determinado movimento dentro do
adventismo é utilizada para transmitir didaticamente conceitos
teológicos, mas ela também transfere ou transfigura musical e
textualmente os elementos do pensamento teológico e das concepções
a respeito da divindade.
Apesar da crítica de que a adoração contemporânea tem concedido
aos gestos e expressões faciais o status de sinais visíveis de aparência de
santidade e, ainda, de que tem havido uma ambivalência entre a ênfase
pentecostal no Espírito Santo e a noção de “chuva serôdia”, o estilo
neopentecostal de adoração não se mostrou intacto no sistema
344 • O Adventismo no Brasil

litúrgico-musical adventista devido aos mecanismos de triagem dos


elementos controversos para a tradição do culto adventista.
Ao passo que no cântico neopentecostal de adoração os ministros
de louvor encenam uma acentuada carga dramática com inflexões
vocais emocionadas e intenso código gestual, no adventismo a
dramaticidade está bastante atenuada e, também, observa-se menor
predisposição dos participantes do culto para o envolvimento físico.
Os cânticos adventistas, portanto, têm apresentado significativas
mudanças, mas ainda submetidos a variados graus de triagem musical
que caracterizam a trajetória de sua produção musical. A despeito dos
inevitáveis e variáveis graus de tensões e rupturas que acontecem na
prática musical, os processos de criação e seleção musical ainda estão
regidos pelas disposições mentais adquiridas pelo hábito teológico,
cultural e social.

REFERÊNCIAS

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1984.

BEACH, Bert B. “Estilos adventistas de culto”. Diálogo, 14(1), 2002, p. 24-25.

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12
“OITO DÉCADAS DE SAÚDE PARA DIFERENTES
GERAÇÕES” – ASPECTOS HISTÓRICOS DA REVISTA
“VIDA E SAÚDE” NO BRASIL (1939-2019)
Karina Kosicki Bellotti

Em janeiro de 1939, a Casa Publicadora Brasileira (CPB) lançou a


revista “Vida e Saúde”, sobre saúde física, mental, emocional e
espiritual. No primeiro editorial, o redator Luiz Waldvogel escreveu:

Muitas publicações sobre o assunto, em boa hora têm aparecido


ultimamente, e já apresentam frutos abundantes. Mas há espaço para
outras mais. Entre elas, Vida e Saúde vem pleitear um lugar. Longe de
pretender completar a boa obra que outros iniciaram é, entretanto, desejo
nosso contribuir para o maior erguimento do padrão de vida em geral e,
especialmente, entre as classes menos ao alcance dos confortos e requintes
que a sorte prodigaliza aos afortunados. (...) havemos de levar ao povo a
leitura que os inicie suavemente nos mistérios do nosso corpo, nas leis que
regem o organismo, nas condições ideais da boa saúde. Ao vosso lar, prezado
leitor, levaremos ensinamentos que hão de tornar mais suportáveis as
exigências crescentes que a vida impõe a todos os membros da família
(WALDVOGEL, 1939, p.3).

Em 1939, o Brasil vivia sob o Estado Novo (1937-1945), regime


ditatorial do governo de Getúlio Vargas, e boa parte da população
brasileira ainda estava na área rural. Não havia Sistema Único de Saúde
(SUS), sendo difícil o acesso ao atendimento de saúde. Dessa forma, as
informações sobre saúde trazidas pela imprensa eram de utilidade
pública, e a revista Vida e Saúde, assim como os livros de saúde
publicados pela CPB visavam a um público amplo que pudesse ser
beneficiado por um dos pilares da missão médico-missionária da Igreja
Adventista do Sétimo Dia.
Karina Kosicki Bellotti • 347

Desde então, a revista pleiteou e conseguiu um lugar dentre os


periódicos de saúde do país, tendo sido publicada mensalmente e de
maneira ininterrupta há 82 anos. A frase que intitula esse texto “Oito
décadas de saúde para diferentes gerações”, está na capa da edição
comemorativa de 80 anos da revista, lançada em abril de 2019. O
periódico passou por diversas mudanças estéticas e editoriais,
mantendo a filosofia editorial baseada na mensagem adventista de
saúde, com ênfase na prevenção de doenças a partir da adoção de
hábitos saudáveis e dos oito remédios naturais: água, ar puro,
alimentação balanceada, exercício físico, repouso, luz solar, domínio
próprio e confiança em Deus. Nosso objetivo neste texto é analisar a
história da revista a partir da sua composição visual e de conteúdo, além
dos temas abordados em seus artigos, refletindo sobre a questão do
corpo da mensagem adventista de saúde.
Observamos duas grandes fases da revista – uma fase mais
“americanizada”, de 1939 a 1970, tanto na estética quanto nas
reportagens reproduzidas de periódicos estrangeiros, e uma fase mais
“brasileira”, a partir dos anos 1970, em que a revista passa a produzir
boa parte de seu material ilustrativo e jornalístico, chegando ao formato
atual, de 52 páginas coloridas e produção totalmente nacional 123.

123 Este capítulo traz resultados de pesquisa de pós-doutorado realizada no Departamento de Sociologia da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) entre fevereiro de 2019 e janeiro de 2020, em que analisamos os
80 anos da revista Vida e saúde a partir de amostragens coletadas a partir da assinatura que mantivemos desde
2019, e a partir no Centro de Memória Ellen G. White da Universidade Adventista de São Paulo, campus
Engenheiro Coelho-SP. Agradecemos ao Prof. Dr. André Ricardo de Souza, supervisor da pesquisa, à equipe do
Centro White pelo acesso aos materiais, e ao Departamento de História da UFPR pela licença concedida para
realizar a pesquisa. Todas as referências a periódicos adventistas norte-americanos foram retiradas de Office of
Archives, Statistics, and Research – Online Archives, Seventh-Day Adventist Church, disponível em:
https://documents.adventistarchives.org/
default.aspx. Acesso em: 13 nov.2020.
348 • O Adventismo no Brasil

Esse texto divide-se em três partes: na primeira, aborda a relação


da mensagem adventista de saúde com o surgimento da revista Vida e
Saúde, e discorre sobre os principais aspectos editorais da revista. Em
seguida, analisa as capas da revista a partir das duas periodizações que
marcam a revista – dos anos 1930 aos 1970, e dos anos 1970 até os dias
atuais; e por fim, faz uma exploração dos temas mais abordados pelos
artigos da revista ao longo de sua existência - saúde física (subdividido
entre aspectos gerais, nutrição e álcool, fumo e drogas), saúde
emocional e mental, e aspectos da vida doméstica (sexo, casamento, lar,
filhos). Fechamos com uma reflexão sobre o papel do corpo no discurso
da revista, além das mais recentes tendências da publicação no contexto
da pandemia do vírus Covid-19. Trata-se de uma pesquisa que visa se
somar às outras feitas sobre o periódico – dois artigos (DALBEN;
SOARES, 2009, pp. 239-250; SOARES, et el., 2014, pp. 142-160), uma
dissertação de mestrado (LEMOS, 2015) e uma monografia (BACH, 2016).

1. A MENSAGEM ADVENTISTA DE SAÚDE E A REVISTA VIDA E SAÚDE

A revista Vida e Saúde insere-se em um rol de publicações sobre


saúde lançados pela Casa Publicadora Brasileira desde os seus primeiros
anos. Em 1913, saiu “O Lar e a Saúde da Família”, livro de capa dura com
uma série de recomendações para a saúde física, higiene e primeiros
socorros. A Revista Adventista – que ainda se chamava Revista
Trimensal, e depois Revista Mensal, e que era voltada para o público
adventista, também trouxe conselhos sobre higiene e saúde para seus
leitores, traduzido excertos de livros de Ellen G. White. A revista O
Karina Kosicki Bellotti • 349

Atalaia 124 também trazia números especiais sobre tabagismo e álcool.


Em 1914, a CPB lançou a revista Saúde e Vida, porém, por motivos
desconhecidos, o periódico não durou.
Em 1939, a revista de saúde é relançada com o nome Vida e Saúde,
semelhante ao nome da revista Life and Health, publicada pela Review
and Herald Publishing Association, uma das editoras adventistas nos
Estados Unidos. Contudo, a revista brasileira não era uma versão
traduzida da revista americana, limitando-se a traduzir alguns de seus
artigos até os anos 1970. Por vezes, o design da capa e de seções internas
da revista brasileira foi semelhante ao da congênere americana, mas
sempre foram duas revistas independentes.
A mensagem adventista de saúde acompanha a IASD desde seu
início, quando Ellen G. White divulgou as visões que recebeu sobre
conselhos de saúde desde 1864, em Spiritual Gifts vol. 4 (WHITE, 2010). A
partir de então, vieram outras publicações relativas à saúde física,
mental e espiritual no formato de folhetos, tratados e livros. Além disso,
em 1866 a IASD fundou o Western Health Reform Institute em Battle
Creek, Michigan, e passou a publicar a revista The Health Reformer (O
Reformador da Saúde), em que lideranças da igreja, como Ellen G. White,
Joseph Bates, James White, John Andrews, e médicos ligados ou não à
IASD publicaram artigos, juntamente a famosos campeões do
movimento da Reforma da Saúde nos Estados Unidos, como o pastor
presbiteriano Sylvester Graham. Outros periódicos se juntaram à
divulgação da mensagem adventista de saúde, como por exemplo Pacific
Health Journal and Temperance Advocate (Jornal de Saúde do Pacífico e

124 Essas informações podem ser encontradas nos arquivos digitalizados da Revista Adventista, disponíveis para
consulta gratuita na internet, no site: https://acervo.cpb.com.br/ra. Acesso em: 13 nov.2020.
350 • O Adventismo no Brasil

Advogado da Temperança), lançado em 1885, renomeado em 1904 Life


and Health (LAND, 2005, pp. 36; 126-130).
Vale ressaltar que o movimento de Reforma da Saúde ocorria nos
Estados Unidos desde a década de 1830, defendida por médicos, leigos e
religiosos que visavam alterar os hábitos de vida da população a partir
da adoção de alimentação vegetariana natural, abstinência de álcool,
fumo e bebidas estimulantes (café e certos tipos de chá), restrição do
consumo de açúcar e farinhas refinadas, prática da atividades físicas ao
ar livre e uso terapêutico da água (WHORTON, 2002). Nessa época, a
hidroterapia e a medicina higiênica popularizaram-se nos Estados
Unidos, como alternativa a tratamentos médicos mais agressivos – não
raro, substâncias como arsênico e a administração de sangrias e
purgantes eram a tônica da medicina ocidental, antes do
desenvolvimento da farmacologia. Outra reivindicação da reforma da
saúde era a reforma do vestuário, defendido por mulheres e médicos a
partir de meados dos anos 1850 para que as roupas femininas deixassem
que restringir o corpo com espartilhos, corpetes e vestidos longos com
muitas camadas, que obedeciam à moda, mas prejudicavam a circulação
de sangue e de ar, além de deformar órgãos internos.
Os escritos de Ellen G. White traziam as ideias da reforma da saúde
à luz de uma mensagem cristã de domínio próprio das paixões e dos
apetites, transformando o corpo humano na base de modelação do
caráter e do espírito. A boa saúde torna-se condição para o bom serviço
a Deus e ao próximo, e os conselhos para hábitos saudáveis de vida
deveriam ser vivenciados pelos adventistas, assim como deveriam ser
divulgados para a humanidade, pela obra médico-missionária, e pela
mídia impressa e colportagem. Livros de Ellen G. White como “A Ciência
do Bom Viver” (Ministry of Healing, 1905), e as obras póstumas
Karina Kosicki Bellotti • 351

“Conselhos para o Regime Alimentar” (2007a; original de 1926) e


“Conselhos sobre Saúde” (2007b, original de 1923) trouxeram as
principais diretrizes sobre hábitos de saúde a serem divulgados dentro
e fora da igreja, e são comercializados e distribuídos até hoje pela IASD
em todo o mundo. Dentre essas mensagens, destacam-se os oito
remédios naturais:

Ar puro, luz solar, abstinência, repouso, exercício, regime conveniente, uso


de água e confiança no poder divino—eis os verdadeiros remédios. Toda
pessoa deve possuir conhecimentos dos meios terapêuticos naturais, e da
maneira de aplicá-los. É essencial tanto compreender os princípios
envolvidos no tratamento do doente como ter um preparo prático que
habilite a empregar devidamente esse conhecimento. (WHITE, 2003, p. 80)

Nas mídias impressas adventistas que se seguiram à difusão da


mensagem de Ellen G. White, esses oito elementos juntaram-se a
informações sobre o desenvolvimento da medicina, descobertas
científicas na área da saúde, incentivo à vacinação de crianças e adultos,
dentre outros assuntos. Portanto, quando Vida e Saúde surgiu em 1939,
a IASD desenvolvia sua obra médico-missionária através da
implantação de clínicas e hospitais, e da divulgação pelo meio impresso
da mensagem de saúde. Por um lado, a revista procurou trazer
sugestões de aplicação dos oito remédios de diversas maneiras, e por
outro, como passar dos anos, adaptou a sua estética e a sua apresentação
à medida que mudaram a ciência e a comunicação.
O formato de revista possui especificidades - se os jornais são
diários, as revistas são semanais, quinzenais ou mensais (ALI, 2009).
Fatima Ali (2009, pp. 18-19) destaca algumas caraterísticas que as
352 • O Adventismo no Brasil

revistas adquiriram com o tempo na sua relação com os leitores, dentro


do contexto de mercado editorial contemporâneo:

a revista é um meio de comunicação com algumas vantagens sobre os


outros: é portátil, fácil de usar e oferece grande quantidade de informação
por um custo pequeno. Entra na nossa casa, amplia nosso conhecimento,
nos ajuda a refletir sobre nós mesmos e, principalmente, nos dá referências
para formamos nossa opinião (ALI, 2009, pp. 18-19).

A revista é feita para durar, e se possui uma sólida filosofia


editorial, ganha “identidade própria”, com a qual os leitores podem se
identificar. Para Ali, a revista “estabelece com o leitor uma relação que
é renovada a cada edição. Uma relação de um-com-um, familiar, íntima,
envolvente” (...) que leva “em consideração seus desejos e expectativas,
expressando suas esperanças e preocupações” (ALI, 2009, p. 19). No caso
de Vida e Saúde, a revista visava informar toda a família sobre os
assuntos de saúde, podendo ser colecionada e repassada; também
almejava o público de médicos e dentistas, pois uma revista bem
posicionada em um consultório poderia ser lida por um público muito
maior.
Iniciando-se com 24 páginas (contando capa e quarta capa), a
revista Vida e Saúde gradualmente aumentou suas páginas até os anos
1990, chegando às atuais 52 páginas a partir do ano de 2000. No início
da revista, havia 4 seções (Notícias médicas, Comentário do mês, Para
Meninos e Meninas e Página da Dona de Casa) e número variável de
artigos. A partir dos anos 1990 a revista estabeleceu um número
crescente de seções, diminuindo o número de artigos – atualmente
Karina Kosicki Bellotti • 353

(novembro de 2020) a revista possui 21 seções 125 e cerca de 3 a 4 artigos


por mês, o que significa que ao longo do tempo, o periódico consolidou
um time de colaboradores/as comprometido com envio mensal de
matérias 126. Isso era mais difícil de ocorrer nos primórdios da revista,
pois o expediente era reduzido – composto dos redatores Luiz
Waldvogel e Dr. Antonio A. Miranda, diretor do Hospital Silvestre do Rio
de Janeiro-RJ, e gerente Emílio Doehnert até os anos 1940. A equipe
editorial da revista sempre foi composta por adventistas, contando com
profissionais do jornalismo mais frequentemente a partir dos anos 1970.
Ao longo de toda sua trajetória a revista possui supervisores médicos,
que assinaram seções fixas na revista: Antonio A. Miranda, Galdino
Nunes, Renato Litptzke, Manfred Krusche – atualmente a revista possui
dois supervisores médicos, que também escrevem artigos e colunas:
Luiz Fernando Sella e Marcello Niek M. Leal.
As temáticas predominantes em seções e artigos são relacionadas
à saúde física – em ambas as fases, a revista dedicou boa parte das
matérias à saúde física, ao funcionamento do organismo, às novidades
da medicina sobre tratamento e prevenção de doenças físicas. Na parte
da prevenção, os remédios naturais foram recomendados em conjunto,
ou em combinações parciais – por exemplo – a recomendação de

125 Como exemplo citamos as seções da edição de setembro de 2020: Editorial; Leitores e Sala de Espera (este
último é de novidades na área da medicina); Grande seção “Descomplique” – Compare e Escolha (comparação
de opções de alimentos por critérios de calorias e valores nutricionais); Emergência (primeiros socorros), Dicas
e Soluções; Receitas; Grande Seção “Corpo” – Clínica Geral; Corpo Humano; Odonto; Nutrição; Alimentos;
Plantas; Beleza Saudável; Em forma; Grande Seção “Mente” – Psiquiatria, Autoestima (esta coluna já aparecia
como artigo recorrente desde 1996, mas somente nos anos 2010 tornou-se coluna), Teste (referente aos
assuntos abordados na coluna Psiquiatria), Sexualidade, Turbine sua imunidade; Grande Seção “Espírito” – Vida
Plena. As seções ocuparam 25 páginas, enquanto os quatro artigos ocuparam 15 páginas, e a publicidade –
somente de livros da CPB e do site da internet de Vida e Saúde, 8 páginas (contando contra capa e quarta capa).
A subdivisão das seções tem ocorrido desde 2017.
126 Em outro trabalho (BELLOTTI, 2020) analisamos em detalhe os elementos constitutivos da revista – filosofia
editorial e formas de distribuição, público-alvo, slogans, capas, seções e artigos. Por essa razão, nesse texto nos
concentraremos nos temas mais abordados, e em determinados aspectos das capas da revista.
354 • O Adventismo no Brasil

práticas de atividades físicas ao ar livre durante o dia (exercício, ar puro


e luz solar); ou a adoção de regime alimentar balanceado e vegetariano,
o autodomínio (que já foi chamado de temperança) combinado com
prática de atividades físicas regulares para prevenir ou combater
pressão alta, diabetes ou obesidade; dentre outras variações.
O remédio da confiança em Deus, que diz respeito à
espiritualidade, nem sempre foi tão evidente quanto os demais
remédios que lidam diretamente com hábitos da saúde física. A revista
Vida e Saúde não se caracteriza pelo proselitismo – ainda que seja uma
revista vendida por colportagem feita por membros da IASD, ela não é
uma revista de evangelização, mas sim um veículo importante para que
pessoas que não são adventistas tomem contato com princípios de saúde
nascidos do adventismo. A colportagem permite também que as pessoas
não adventistas se relacionem com adventistas, abrindo um caminho
possível de interesse na denominação e nas suas doutrinas. Nos
primeiros anos da revista as menções religiosas eram mais discretas,
com referências a Deus como “Criador” das coisas e do corpo humano,
em um período em que o Estado Novo aplicava censura sobre os meios
de comunicação. Por ser um periódico de um grupo religioso
minoritário, ele adotou medidas para preservar sua existência
relacionando-se com o cristianismo vigente, sem criar desavenças
doutrinárias. A partir dos anos 1960 surgem mais textos traduzidos de
Ellen G. White na revista, além de colunas sobre espiritualidade
traduzidas de Life and Health. A partir dos anos 1970 fixa-se uma coluna
de assuntos espirituais de uma página, trazendo textos de adventistas
estrangeiros e brasileiros. A partir dos anos 1980, essa coluna é escrita
por brasileiros/as, e atualmente ela se intitula “Vida Plena”, ocupando a
última página da revista. Segundo Fátima Ali (2009), a última página
Karina Kosicki Bellotti • 355

serve para deixar uma impressão marcante no/a leitor/a – tanto para
quem termina de ler quanto para quem começa a ler a revista pela
última página, o que nos faz pensar que este posicionamento seja
estratégico para esta seção.
Assim como a espiritualidade tornou-se mais pronunciada a partir
dos anos 1970, nesse mesmo período observamos um interesse maior da
revista em abordar temas de saúde mental e emocional, seguindo uma
tendência de maior popularização de temas da psicologia e psiquiatria
na imprensa e na opinião pública. A atenção quanto ao estresse, à
ansiedade e à depressão cresce dos anos 1970 para cá, e atualmente
recebe a atenção de duas colunas – “Psiquiatria”, do psiquiatra Cesar
Vasconcellos de Souza e “Autoestima”, do psicólogo Belisário Marques.
A coluna “Sexualidade”, da neurocientista Rosana Alves também é
classificada como pertencente à seção maior de saúde mental da revista.
Na parte de publicidade, a revista atualmente traz anúncios
somente de produtos da própria Casa Publicadora Brasileira. Porém, já
trouxe anúncios da Maisena Duryea e dos enlatados Peixe (anos 1940-
1950), além de produtos da fábrica de alimentos e restaurantes
vegetarianos Superbom, distribuidores de produtos naturais, de mel,
além de casas de saúde (CEVISA), clínicas e hospitais adventistas,
produtos magnéticos, fabricantes de colchões e travesseiros –
localizamos nos anos 1970 a 2000 uma quantidade considerável e
variada de anunciantes. Vale ressaltar que a revista não fez prática de
recomendação de remédios ou produtos medicinais em suas matérias 127,
nem recomendou tratamentos médicos.

127 Uma prática comum em revistas femininas, por exemplo, é a seção de testagem de produtos de beleza e
cosmética, que servem como propaganda destes produtos (BUENO, 2013).
356 • O Adventismo no Brasil

Em nossa pesquisa identificamos duas grandes periodizações da


revista, a partir da análise das capas e da autoria e dos conteúdos das
matérias publicadas. A primeira fase denominamos de “americanizada”,
por seguir uma estética próxima a das revistas adventistas americanas,
com presença de imagens de homens, mulheres, jovens e crianças
brancos e brancas, lembrando a estética do American Way of Life, além
de trazer textos traduzidos de publicações adventistas estrangeiras e de
autores adventistas americanos, franceses e ingleses, dentre outras
nacionalidades. As matérias endossavam o ideal higienista e eugenista
presente nas políticas maternais e de saúde do Estado Novo – não raro
eram feitas menções a medidas do governo Vargas e de seus
governadores-interventores na construção de hospitais e edição de
medidas na área da nutrição e da educação sanitária. Mesmo após o
término do Estado Novo, em 1945, a revista continuou até os anos 1970
a publicar matérias de médicos brasileiros e estrangeiros que traziam o
enfoque higienista – o enfoque eugenista despareceu após esse período.
Ainda que boa parte dos artigos publicados fossem de estrangeiros, seus
nomes eram frequentemente abrasileirados – por exemplo, o médico
americano adventista Percy T. Magan foi denominado Percy T. Magão;
o médico adventista francês Jean Nussbaum virou João Nussbaum. A
linguagem usada para se dirigir aos leitores era mais formal, com uso
da segunda pessoa do plural – vós, vossas/vossos.
A partir dos anos 1970, o expediente da revista amplia-se com a
incorporação de um Departamento de Arte, que elabora as capas e as
ilustrações da revista 128. Os anos 1970 podem ser vistos como um período

128 Observamos pelas imagens pesquisadas que boa parte da revista era composta por imagens e ilustrações
sem créditos aos seus autores, sendo uma boa parte das fotos retiradas de bancos de imagens. Sabemos dessa
informação porque algumas delas foram utilizadas na Life and Health, e nela os créditos das imagens foram
devidamente atribuídos. À medida que o tempo avança, observamos um maior uso de imagens em preto e
Karina Kosicki Bellotti • 357

de transição entre a fase anterior e a fase mais abrasileirada da revista,


em que aumenta o número de colaboradores brasileiros, médicos e
jornalistas, que escrevem matérias cada vez mais ligadas a temas
vividos no Brasil 129. Além disso, a linguagem da revista adapta-se ao
estilo das revistas semanais de circulação nacional, como Veja, com
chamadas nas capas, capas com imagens que se remetem à matéria
principal, e linguagem mais direta ao se dirigir aos leitores. A partir dos
anos 1990 os colaboradores são predominantemente brasileiros, e a
revista passa a trazer cada vez mais imagens e infográficos para ilustrar
as matérias e tornar mais didáticas as explicações nos artigos.

2. ENTRE FLORES E FRUTOS – AS CAPAS DE VIDA E SAÚDE

As capas são um aspecto importante de uma revista – ajudam a


causar uma primeira impressão, além de transmitirem a filosofia
editorial do periódico. Nas capas na primeira fase da revista (1939-1970)
predominaram as cenas da natureza, flores, frutas, crianças, mãe e
filhos, jovens e famílias, na estética do American Way of Life. As capas
não possuíam chamadas para as reportagens, e suas imagens se
relacionam mais com o ideal de saúde ligado à aproximação com a

branco e coloridas para ilustrar as seções e os artigos, com a incorporação de pessoal especializado em arte e
diagramação nos anos 1970. A partir de então, a revista passará a criar suas capas, e progressivamente, ilustrará
algumas matérias com produção própria. Isso ocorre de maneira significativa nos anos 1990 e 2000. Na década
de 2010, somente as capas, as fotos e os infográficos são ainda feitos pela equipe de arte da revista, havendo
maior uso de banco de imagens para ilustrar boa parte da revista.
129 Por exemplo, em levantamento feito nas edições do ano de 1996, 29 autores brasileiros escreveram 91
artigos para a revista, enquanto 20 autores estrangeiros foram responsáveis por 31 artigos. Dois autores não
puderam ter sua nacionalidade confirmada por falta de dados, e assinaram 4 artigos ao todo – 2 de cada. Por
fim, 11 matérias não tiveram autoria identificada – caso siga o padrão das revistas mais recentes, esses artigos
podem ter sido escritos pelos redatores. Dessa forma, podemos afirmar que a Vida e Saúde distancia-se, inclusive
no layout e no design, de Life and Health, passando a dialogar mais diretamente com seu público-alvo, sem
deixar os preceitos adventistas de saúde para trás.
358 • O Adventismo no Brasil

natureza contido nos escritos de Ellen G. White – ainda que ela não fosse
explicitamente mencionada na revista.

Figura 1 - Capas de Life and Health - julho de 1938 e março de 1938;


Vida e Saúde - capas de março de 1939 e julho de 1940.
Fontes: Online Archives – IASD (Life and Health) e Centro de Memória
Ellen G. White – Unasp (Vida e Saúde)

A título de comparação, trazemos na figura 1 quatro capas – duas


da revista Life and Health, de 1938, com chamadas de reportagens e
Karina Kosicki Bellotti • 359

imagens que retratavam cenas de pessoas na natureza, aproveitando o


clima da estação (julho de 1938), ou então cenas de domesticidade
(março de 1938). Em seguida, são duas capas dos primórdios de Vida e
Saúde, com temas que se repetem com frequência até os anos 1970 – a
maternidade e a criança (março de 1939) – mãe e filha, brancas, bem
coradas, numa cena de intimidade, ternura e conforto; e o corpo jovem
e esguio de uma mulher branca de cabelos curtos, sorridente e corada
(julho de 1940). As capas brasileiras não tinham relação alguma com
matérias da revista, e nem possuíam chamadas, transmitindo um ideal
de saúde, de forma física, de lar e família ligados à representação
estética norte-americana do período. Esse era um grande referencial
para os adventistas brasileiros, que traduziam obras de autores
americanos, e associavam sua mensagem de saúde às imagens de saúde
e vivacidade produzidas pelo adventismo americano.
As fotos de crianças juntam-se a outras capas cujos temas não se
relacionam com as seções e artigos da revista, mas contém uma estética
atraente, colorida, bem produzida: flores, frutas, paisagens (figura 2).
Vale ressaltar que entre janeiro de 1957 e dezembro de 1970, Vida e Saúde
adota um layout de capa semelhante ao que Life and Health adotou a
partir de janeiro de 1950, como atestam a segunda e a terceira capas na
figura 2. A revista passa a ter uma discreta chamada no quadrado
amarelo, ao lado do logotipo, sem se sobrepor à foto escolhida para
compor a capa.
360 • O Adventismo no Brasil

Figura 2 – (esquerda para direita) Capa de outubro de 1956; Capa de Life and Health
de janeiro de 1950; Capas de Vida e Saúde de dezembro de 1960. Fontes: Online
Archives – IASD (Life and Health) e Centro de Memória Ellen G. White – Unasp (Vida e
Saúde)

Destacamos o comentário dos editores sobre a foto da capa de


outubro de 1956 (a primeira da fig.2), em que duas mulheres não
identificadas posam em meio a um conjunto de árvores num cenário
campestre, tendo uma casa ao lado. As imagens de paisagens em geral
destacam os recursos naturais, e quando há indivíduos, eles aparecem
integrados à natureza. Nos anos 1950 era comum as capas serem feitas
por membro da equipe editorial, acompanhadas de um comentário na
página 3, logo abaixo da carta de leitores e do expediente. Neste
comentário, assim como em outros dos anos 1950, os editores ressaltam
a proximidade com a natureza como sinônimo de saúde:

Um céu ensolarado, um cálido dia de primavera, uma estrada livre e uma


convidativa campanha, exercem, cada um de per si, um apelo individual.
Quando combinados, quem pode resistir-lhes ao convite para explorar as
belezas da Natureza, aspirar profundamente o ar puro, e sentir o toque
revigorante da brisa marinha, mesmo que isso signifique a canseira! Há
saúde na vida do campo. Acalma os nervos alterados, repousa o cérebro
Karina Kosicki Bellotti • 361

sobrecarregado, e restitui o vigor ao corpo cansado. Buscai passar mais


horas ao ar livre! (NOSSA CAPA, 1956, p. 3).

Na terceira capa da fig.2, observamos um outro tema que, se não


foi muito frequente nas capas, não deixa de ser significativo para os
adventistas – a família e a domesticidade. A capa de dezembro de 1960
é emblemática da representação do American Way of Life, com a família
nuclear branca que brinca na sala de estar – um cômodo bem arrumado
e mobiliado, que abriga uma família vestida em trajes sociais, ainda que
simule uma situação de descontração. A foto é do banco de imagens A.
Devaney Inc.
A partir de 1971 a revista inicia uma mudança irreversível em suas
capas – elas passam a comunicar o tema do artigo principal da revista,
com acréscimo de chamadas para outros artigos. A partir dos anos 1980
a revista passa a registrar tiragens e a ter progressivamente mais
autores brasileiros do que estrangeiros. Dos anos 1990 a 2000, suas
capas alternaram-se entre produções próprias e banco de imagens. Nos
últimos 20 anos as capas foram produções próprias, retomando uma
prática dos anos 1970. As temáticas das capas variam a partir dos anos
1970, conforme as matérias – alguns temas predominam, seguindo a
defesa dos oito remédios naturais, como alimentação, vegetarianismo,
cuidado com estresse, além de cenários ao ar livre, sugerindo lazer,
descanso, prática de atividades físicas. Outros temas que aparecem
entre 1970 e 1990 são a maternidade, puericultura e aleitamento
materno. A partir dos anos 1990 a revista também produz ilustrações e
montagens para alertar contra a automedicação, os corantes na
indústria de alimentos, câncer, dentre outros assuntos. Assim, o ideal
da vida próxima à natureza dá lugar a uma visão mais individualista de
362 • O Adventismo no Brasil

saúde, à medida que o Brasil se urbanizou e passou por uma


modernização desigual, em que a saúde é reivindicada como direito pela
Constituição de 1988, mas também é tratada como mercadoria pela
indústria farmacêutica e pelos planos de saúde.
Na fig.3, a capa de 1974 sobre a cafeína traz não somente uma
chamada simples mas eficiente – “A cafeína no banco dos réus..”,
mostrando uma xícara de café e um martelo de juiz sob um fundo
vermelho, mas também se relaciona a um dos aspectos principais dos
conselhos de Ellen G. White para alimentação – a condenação do café e
de outras bebidas estimulantes. Em seguida, está a capa de dezembro de
1976, alertando para exames preventivos dos olhos e as doenças mais
comuns. Já a capa de dezembro de 1980 aborda o tema do repouso, que
em geral na época de férias escolares é tratado na revista como parte do
remédio natural do repouso – seja diário (sono), semanal (o sábado), ou
anual (férias), e as dicas de segurança para quem vai viajar. Já a capa de
dezembro de 1990 traz uma montagem sugerindo velocidade e
dinamismo próprias de atletas, associado à chamada “Segredos
dietéticos dos vencedores” e “Como malhar sem sofrer” – incorporando
o vocabulário “malhar” com sinônimo de atividade física intensa. Destas
4 capas, somente a de 1980 não foi feita pelo Departamento de Arte da
revista, e sim, retirado de banco de imagens, mas todas trazem a
correspondência com o conteúdo da revista, com temas
contemporâneos.
Karina Kosicki Bellotti • 363

Figura 3 – Capa de abril de 1974, com o tema “A cafeína no banco dos réus...”;
capa de dezembro de 1976 – “Olha o olho”; dezembro de 1980 – Boas férias em
segurança
(sobre a necessidade do descanso semanal e anual); e dezembro de 1990 –
“Segredos dietéticos dos vencedores”. Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp

Desde 1939, quando a capa de Vida e Saúde trazia a foto ou


ilustração de pessoas, elas eram sempre brancas. A presença de negros
e de outras etnias é um fato recente na revista, e ainda pouco frequente,
seja nas capas, seja nas ilustrações internas. Mas essas são iniciativas
ainda muito pontuais diante de toda a história de branquitude da
revista. Vemos que nas capas da figura 5 estão mulheres jovens magras
e negras, com cabelo natural. Aparecem mais mulheres do que homens
364 • O Adventismo no Brasil

negros – um exemplo masculino está na capa de fevereiro de 2010,


mostrando um homem em posição de corrida, com roupas de ginástica,
ainda no modelo de capa predominante entre os anos 2000, repletas de
chamadas e imagens com movimento e dinamismo. A capa seguinte é a
edição especial número 900, de dezembro de 2013, com a chamada de
capa sobre imunidade. As duas seguintes são de 2018, com as chamadas
“Autogestão” (fevereiro) e “Só que não” (setembro), sobre alimentos
industrializados que se propõem saudáveis, mas não são.
A capa de 2013 (fig. 4) segue a proposta de inserir a modelo em um
cenário relacionado à matéria de capa - no caso, ela pratica corrida
como forma de manter a boa imunidade. Já as capas de 2018 seguem uma
proposta mais recente da revista em utilizar fundo branco para as
fotografias 130. Assim, torna-se significativo que estas capas tragam
modelos negras que protagonizarão não só a capa, mas a foto da matéria
de capa. Porém, se a revista parece se preocupar com
representatividade, ainda há um caminho a percorrer, ainda mais se ter
em vista a falta de representatividade do passado.

130 Em 2019 as revistas passam a trabalhar com paleta de cores, e o fundo das fotos é de uma das cores
predominantes na foto.
Karina Kosicki Bellotti • 365

Figura 4 - Capas de Vida e Saúde de fevereiro de 2010, dezembro de 2013,


fevereiro de 2018, setembro de 2018.
Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp e Acervo Online – CPB/Vida e Saúde.

Em outubro de 2018, uma leitora reclama que 99% das capas trazem
mulheres, a despeito de Vida e Saúde não ser uma revista feminina. Sua
reclamação é interessante, pois um dos indícios de saúde inscreve-se no
corpo:

Uma coisa que me intriga: por que em 99% das capas aparecem modelos
femininos? A revista não é feminina. Sugiro variar. De vez em quando leio
366 • O Adventismo no Brasil

também outras revistas de saúde e percebo que capa é bem atraente, sem
necessidade de colocar pessoas. Enfim, fica aí a dica. – Ester de Souza, por
e-mail.
[Resposta:] Olá, Ester! Primeiramente, muito obrigada por se preocupar
com a apresentação de Vida e Saúde e obrigado, também, por ser assinante
e acompanhar nosso trabalho. No que diz respeito às nossas capas
procuramos variar entre capas temáticas e capas com modelos. Dê uma
olhada nas edições deste ano, por exemplo. Praticamente intercalamos um
e outro tipo de capa. Além disso, mesmo quando colocamos fotos de
modelos elas são usadas para “contar uma história”, não meramente para
decorar a capa. Grande abraço! (LEITORES, 2018b, p. 5)

De fato, no ano de 2018, as capas mostraram seis imagens


temáticas sem modelos, e seis capas com modelos, sendo estes – três
capas com modelos brancas, duas capas com modelos negras, e uma
capa com homem branco. A resposta dos editores dá um indício sobre o
tipo de incômodo que uma capa com modelos poderia causar em
algumas pessoas – o fato de serem modelos que “decoram uma capa”,
com um corpo perfeito tal como em uma revista feminina. Não sabemos
se a leitora é assinante de longa data, mas tem havido uma
predominância feminina e jovem nas capas da revista desde o início dos
anos 2000. Isso nos leva ao último item a ser abordado sobre as capas: a
imagem da saúde é uma mulher jovem, magra e branca. Se nos primeiros
trinta anos da revista, saúde era uma vida sossegada no campo, nos
últimos vinte anos, saúde é uma mulher branca, jovem e magra.
Karina Kosicki Bellotti • 367

Figura 5 - Capas de Vida e Saúde de janeiro de 2015; janeiro de 2018;


fevereiro de 2011 e setembro de 2008.
Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp; Acervo Vida e Saúde online -
https://acervo.cpb.com.br/vs.

É emblemática a capa de janeiro de 2015 (a primeira da fig. 5), cuja


matéria principal é “Segredos da longevidade”, em que a modelo é uma
jovem branca e magra, tendo à frente um bolo de aniversário cheio de
velhinhas – como se longevidade significasse ficar jovem por mais
tempo. Idosos mais aparecem para ilustrar a coluna de geriatria, e os
368 • O Adventismo no Brasil

gordos só aparecem para ilustrar, e de maneira negativa, matérias sobre


obesidade. Um exemplo que reforça esta ideia está na capa de janeiro de
2018 (segunda capa da fig. 5), “Aposte na saúde” – a personificação da
saúde está na moça de corpo esguio em roupas de ginástica, semblante
alegre, esbanjando vitalidade. Ela ilustra a matéria de capa, que mostra
um grupo de amigos que fizeram uma aposta para ver quem perde mais
quilos durante um ano. Esse tipo de matéria costuma aparecer na
primeira edição do ano, pois aproveita a disposição de início de ano de
muitas pessoas em começar um novo regime ou estabelecer algumas
mudanças em sua vida. O fato de essas modelos estarem sob um fundo
branco, sem um contexto ou cenário, por mais que suas fotos “contem
uma história”, reforçam a presença única deste tipo de corpo como a
encarnação da concepção de saúde defendida pela revista. As capas de
2008 e 2011 utilizam modelos femininas jovens e magras para ilustrar a
matéria de capa, e seguem o mesmo princípio, contudo, não vemos uma
objetificação do corpo feminino, pois essas mulheres não estão em
posições nem em roupas sensuais.
Junto às representações visuais que compõem a linguagem da
revista, existem as representações discursivas, que demonstram visões
que os editores construíram sobre corpo e saúde física, mental,
emocional e espiritual, com base nos princípios adventistas. Por meio
da comparação entre matérias da primeira fase e da segunda, podemos
observar permanências e mudanças nas abordagens de Vida e Saúde.
Karina Kosicki Bellotti • 369

3. SAÚDE FÍSICA, MENTAL E EMOCIONAL, E VIDA DOMÉSTICA NOS


ARTIGOS DE VIDA E SAÚDE

3.A) SAÚDE FÍSICA – ASPECTOS GERAIS

Destacamos alguns exemplos da categoria “saúde física”, na figura


6. O primeiro artigo é do médico Pompeu do Amaral, que publicou o
artigo “O repouso como necessidade da vida moderna” no jornal Folha
da Manhã em 27/12/1938 131. O artigo não sofreu qualquer alteração na
publicação em Vida e Saúde em maio de 1939 (AMARAL, 1939, pp.9-10). A
seguir, destacamos o artigo “Regras de higiene para a mulher”, da
médica Abbie Winegar Simpson (1939b, pp.6-7). Trouxemos essas duas
imagens representando a perspectiva higienista encampada pela revista
até os anos 1970. Já as duas últimas imagens da figura 6 trazem a
mensagem dos remédios naturais como formas de manter ou atingir a
boa saúde e a beleza do corpo – são duas versões do mesmo artigo, com
25 anos de diferença – “A Saúde e a Beleza do Corpo”, por Percy T.
Magão, ou melhor, Percy Tilson Magan (1867-1947), médico irlandês que
se converteu ao adventismo ao migrar para os EUA. Seu artigo foi
publicado primeiro em abril de 1941 (MAGÃO, 1941, pp. 10-11), e
posteriormente em janeiro de 1976 (MAGÃO, 1976, pp. 16-17), e não
sofreu nenhuma alteração em relação à primeira versão.

131 Tal informação foi possível rastrear porque a Folha da Manhã está disponível na Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional (https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/). Esse jornal possuía desde 1936 um
Suplemento Médico, de oito páginas, que publicava artigos sobre higiene, medicina, farmácia e odontologia.
370 • O Adventismo no Brasil

Figura 6 – Trecho de artigo “O repouso como necessidade da vida moderna”, de Dr.


Pompeu do Amaral (1939, p. 9); Artigo: “Regras de higiene para a mulher” (SIMPSON,
1939b, p. 6). “A saúde e a beleza do corpo” em suas duas publicações - abril de 1941
(MAGÃO, 1941, p. 10) e janeiro de 1976 (MAGÃO, 1976, p. 16). Fonte: Centro de
Memória Ellen G. White – Unasp.

Destacamos dois artigos sobre como alcançar a boa saúde – um de


1990 (COMO VIVER..., 1990, p.7), contendo 10 dicas para “viver com mais
saúde”, dentre eles, os oito remédios naturais, e a necessidade de fazer
bateria de exames todo ano; neste artigo ainda vemos ecos do
higienismo dos anos iniciais da revista, com o apelo ao asseio adequado
do corpo. Em seguida, o artigo “Para começar a viver”, de janeiro de 2010
Karina Kosicki Bellotti • 371

(BERTOTTI, 2010, pp.30-33), é exemplo de um tipo de matéria comum


no início do ano em Vida e Saúde – a experiência de mudança de estilo
de vida experimentada por leitores/as, segundo os conselhos da revista.
Por fim, destacamos uma tendência dos últimos na revista – a
partir de 2015, a publicação de referências bibliográficas que embasam
as matérias. Em formato de nota de fim, as referências abrangem
publicações científicas (livros, periódicos, capítulos de livros), e muitas
delas estão disponíveis na internet, tendo seus links devidamente
publicados. Trata-se de uma forma de conferir credibilidade científica
à revista, demonstrando que as informações traduzidas para o grande
público possuem uma origem conhecida e verificável. Escolhemos
ilustrar essa iniciativa com a matéria sobre o movimento anti-vacina,
publicado na edição de maio de 2019 (SANTOS, 2019, pp. 8-14). A revista,
desde 1939, publica artigos apoiando e incentivando o uso de vacinas
como medida preventiva de doenças, baseando-se na sua eficácia
comprovada cientificamente. Daí a importância de se publicar todas as
referências bibliográficas em um contexto atual de ataques ao saber
científico, promovidos em nível global, por diversos grupos políticos e
sociais. A prática de publicar as referências é anterior a esse
movimento, mas o fato de ele ter se tornado frequente recentemente,
confere um novo sentido a esse expediente da revista.

3.B) SAÚDE FÍSICA - NUTRIÇÃO

Um tema importante para o adventismo é a alimentação –


destacamos uma pequena amostra dos numerosos capas e artigos que
abordam a questão da nutrição. Classificamos sob a categoria
“Nutrição” artigos ligados à alimentação, com ou sem receitas, que
372 • O Adventismo no Brasil

exploram os aspectos nutricionais, funcionais, medicinais de alimentos,


além de artigos que versem sobre hábitos alimentares considerados
saudáveis pelos editores, quase sempre com alusão ao vegetarianismo.
Artigos que relacionam dietas a certas doenças também entram na
categoria nutrição, pois ressaltam tanto o caráter deletério de certos
hábitos alimentares para causar doenças, quanto a importância dos
hábitos alimentares para recuperar a saúde. Além dos artigos, a revista
sempre contou com seções fixas sobre nutrição. A figura 7 traz imagens
de dois artigos que nos anos 1950 estimulava o regime vegetariano (JÁ
EXPERIMENTOU..., 1950, pp. 5;14), e desestimulava o regime cárneo – ou
“necrofágico” (AURITA, 1956, p. 10-11). Em pauta, os artigos que
advogavam pelo vegetarianismo argumentavam não tanto com ideias
religiosas, como Gen.1:29, mas apelavam para a base científica – a carne
de animais não tinha segurança higiênica, poderia transmitir doenças,
era pesada para digestão e, finalmente, não foi feita para o organismo
humano.
Em seguida (fig. 7), a terceira imagem mostra o número específico
sobre vegetarianismo, editado em 1984, para ser distribuído como
edição especial, trazendo informações científicas e médicas sobre as
vantagens do vegetarianismo, as desvantagens do regime onívoro,
reportagens com restaurantes, para mostrar que era viável e saboroso
virar vegetariano. A última imagem da fig. 7 é da reportagem de capa de
julho de 2008 em que 20 questões sobre o vegetarianismo são
respondidas por médico. Diferente do vegetarianismo praticado até os
anos 2000, a revista tem se concentrado, conforme destacamos na parte
de seções sobre Nutrição, no vegetarianismo restrito, algo que é
ressaltado também nos artigos. Ultimamente, desde 2018, há
reportagens que abordam o vegetarianismo como uma prática
Karina Kosicki Bellotti • 373

sustentável. Além disso, há reportagens que condenam o consumo de


alimentos ultraprocessados como opção vegetariana – vale agora a
regra que vem de Ellen G. White – quanto mais natural a alimentação,
mais saudável.

Figura 7 – Artigos: “Já experimentou um regime Vegetariano?...” (1950, p. 5); “O grave


perigo necrofágico” (AURITA, 1956, p. 10); Número exclusivo sobre Vegetarianismo
(1984); capa de Vida e Saúde de julho de 2008. Fonte: Centro de Memória Ellen G.
White – Unasp.

Abaixo (fig. 8), vemos o artigo de 1985 sobre o leite de soja (LUCA,
1985, p. 21-22). O título pode causar curiosidade pela imagem inusitada,
reforçada pela própria ilustração em destaque – uma vaca metalizada.
Porém, a leitura do artigo e as imagens nas páginas seguintes mostram
374 • O Adventismo no Brasil

que se trata da produção industrial de leite de soja como alternativa


saudável e barata para o leite animal – a soja como fonte proteica era
divulgada pela revista desde 1939, e nas revistas adventistas americanas
desde o fim do século XIX.
Por último, vemos o artigo “Drogas na cozinha” (BOGANHA, 2018b,
pp.46-48), de maio de 2018, em que alimentos refinados são comparados
a drogas ilícitas, como a cocaína, pois agem no mesmo mecanismo da
área de prazer no cérebro, gerando dependência. Uma tendência nos
últimos anos na revista é publicar reportagens que vilanizam alimentos
processados e refinados, por conterem pouco valor nutricional e muita
química prejudicial ao organismo. Por vezes, escritos de Ellen G. White
são citados, como na edição comemorativa de abril de 2019, dos 80 anos
da revista, como base para essa condenação. Na época de Ellen G. White
não havia alimentos ultraprocessados, mas havia comidas
condimentadas e alimentos refinados, por isso, a base do conselho para
o regime alimentar era: quanto mais próximo do estado natural do
alimento, melhor para o organismo (WHITE, 2013).
Karina Kosicki Bellotti • 375

Figura 8 – Artigos: “Leite de vaca mecânica – saudável e barato” (LUCA, 1985, p. 21);
“Drogas na cozinha” (BOGANHA, 2018b, p. 46). Fonte: Centro de Memória Ellen G.
White – Unasp.

3.C) SAÚDE FÍSICA - ÁLCOOL, FUMO, DROGAS

A categoria “álcool, fumo e drogas” reúne artigos que relacionam


os efeitos nocivos do consumo de álcool e/ou drogas, além do hábito do
fumo para a saúde dos indivíduos e das pessoas de convívio próximo.
Nessa categoria, observamos desde o início da revista uma média de
cerca de 3 a 4 artigos por ano, porém, desde os anos 2000 houve uma
diminuição sensível, com mais ênfase nas matérias sobre álcool do que
sobre fumo, visto que entraram em ação nos anos 2000 e 2010 uma série
de medidas para coibir a propaganda de cigarros e o fumo em locais
públicos. Outras drogas, ilícitas, aparecem ligadas à preocupação dos
pais em relação aos filhos adolescentes.
376 • O Adventismo no Brasil

Figura 9 – Artigos: “Por que aprendemos a fumar e como deixamos esse hábito”
(CASTANHO, 1960, p. 10); “Efeitos do fumo no organismo” (DALE, 1971, p.2). Figura 39 -
Artigo
"Como parar de beber" (SILVEIRA, 1985, p. 34); capa de Vida e Saúde de novembro de
2018. Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp.

Acima (fig.9), vemos dois exemplos de artigos contra o fumo – um


de 1960 “Por que aprendemos a fumar e como deixamos esse hábito”
(CASTANHO, 1960, p. 10), e “Efeitos do fumo no organismo” (DALE, 1971,
p.2), mais chocante, com imagens dos efeitos do fumo nos órgãos,
publicado em 1971 132. Vale citar que em 1959, dois médicos adventistas
criaram um programa para que parar de fumar em cinco dias – J. Wayne
MacFarland e Elman Folkenberg. Os esforços antitabagistas dos
adventistas sempre estiverem presentes desde os primórdios da igreja
– nos primeiros números de The Health Reformer, Joseph Bates, um dos
fundadores da igreja e entusiasta da reforma da saúde, escrevia sobre
as vantagens de largar o fumo. Aparentemente a estratégia de apelar
para recursos visuais mais impressionantes, no caso da revista de 1971,

132 Desde 2002 no Brasil os fabricantes de cigarro são obrigados a estampar imagens aversivas ao consumo de
cigarro nas embalagens destes produtos (SOUZA; CAMPOS, 2001, p. 38-44).
Karina Kosicki Bellotti • 377

mostra a disposição dos editores em convencer seus leitores fumantes


de que o cigarro trazia danos horríveis ao organismo – uma estratégia
que, muitos anos depois, foi estabelecida por lei para a venda de cigarro
no Brasil nos anos 2010 – a inserção nos maços de cigarro de fotos reais
dos efeitos deletérios do fumo no organismo.
Se o combate ao fumo aparece cada vez menos na revista nos anos
2000 e 2010, o discurso contrário ao consumo de qualquer quantidade
de álcool continua tanto em artigos como em notas na Sala de Espera.
Na figura 9, vemos na terceira imagem o artigo de 1985 que traz uma
representação comum ao discurso contrário ao consumo de álcool,
simbolizado pelo alcoólatra caído no chão, desacordado. O texto escrito
pelo médico brasileiro Alex César de Silveira (1985, p.34-35) argumenta
que o álcool exerce efeitos negativos no organismo mesmo quando
ingerido ocasionalmente – no caso, pelos “bebedores sociais”, cuja
prática efêmera pode ser tornar um vício com o tempo.
Argumento semelhante encontra-se na matéria de capa de
novembro de 2018 (última imagem da fig. 9), quando um abrangente
estudo publicado pela revista de medicina The Lancet demonstrou que
não existem níveis seguros de consumo de álcool. Observamos essa
permanência no discurso adventista, ainda mais quando ganha reforço
de comprovação científica – ressaltada na chamada de capa “Novo e
amplo estudo comprova o que Vida e Saúde vem ensinando há oitenta
anos: quando se trata de bebida alcoólica, qualquer quantidade faz mal”.

3.D) SAÚDE EMOCIONAL E MENTAL

Agrupamos sob a categoria “saúde emocional e mental” os artigos


que lidam com questões de saúde mental e emocional, e por vezes,
378 • O Adventismo no Brasil

espiritual (nesse caso, a menção vem em conjunto, e é mais rara de


ocorrer), com matérias sobre depressão, complexo de inferioridade,
problemas nos “nervos”. Destacamos para efeito de demonstração de
uma pequena amostra dos artigos publicados a figura 10, com artigo
publicado em janeiro de 1940, “O acabrunhamento e como se livrar
dele”, de Carlos T. Batten (1940, pp. 4-5; 20), ou melhor, Charles T. Batten
(1858-1944), que escreve sobre o “acabrunhamento” – cujos sintomas
hoje podem ser lidos como de depressão, mas também de timidez. Em
seguida, vemos trecho da reportagem “Sete formas de acalmar os
nervos” escrito pelo médico adventista Arthur Hollenbeck (1956, pp. 10-
11;14), que receita alguns dos remédios naturais para aplacar a pressa e
a tensão da vida moderna.
Passando para os anos 1970, destacamos na terceira imagem na
figura 10 o artigo de janeiro de 1976, “Como compreender a saúde
mental?”, de Harrison Evans (1976, pp. 9-11), que procura desmistificar
os preconceitos sobre o tema – tais como serem os problemas de saúde
mental uma fraqueza de caráter. A quarta imagem da fig. 10 é do artigo
dos anos 1980, “Você pode ser um viciado!” (SOUZA, 1985b, pp. 24-26),
sobre compulsão, foi escrito por César V. de Souza, atualmente colunista
da seção “Psiquiatria”, e que tem contribuído com artigos sobre saúde
mental e emocional há muito tempo na revista.
A figura 11 contém trechos dos artigos “Vida Real”, de 1999, do
psicólogo Belisário Marques (1999, pp. 30-31), e “Triste realidade”, de
2018, do psiquiatra Pablo Daniel Canalis (2018, pp. 46-48). Observamos
um aprofundamento na questão da saúde mental e emocional, que vai
além da “higiene mental” recomendada tanto pela medicina higienista
quanto pelos médicos que escreviam em Vida e Saúde. Os conselhos para
manter uma atitude positiva em relação à vida e aos relacionamentos
Karina Kosicki Bellotti • 379

mais próximos são substituídos por um questionamento maior dos


sentimentos negativos apresentados pelas pessoas, o desconforto em
relação a determinados padrões e pressões sociais, os traumas e as
decepções que se acumulam e não são trabalhadas pelos indivíduos. Em
suma, a saúde mental e emocional não é abordada como falha do sujeito,
mas como um aspecto da vida pessoal cujos problemas podem
acarretam uma piora na qualidade de vida. Assim, são abordados de
maneira aprofundada e separada de aspectos fisiológicos, ou de saúde
física.

Figura 10 – Artigos: "O acabrunhamento e como se livrar dele" (BATTEN, 1940, p. 4);
“Sete formas de acalmar os nervos” (HOLLENBECK, 1956, p. 10); "Como compreender a
380 • O Adventismo no Brasil

saúde mental" (EVANS, 1976, p. 9); “Você pode ser um viciado!” (SOUZA, 1985b, p. 24).
Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp.

Figura 11 – Artigos: "Vida real" (MARQUES, 1999, p. 30), sobre medo e ansiedade;
“Triste realidade” (CANALIS, 2018, p. 46), sobre aumento na taxa de suicídio.
Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp.

3.C) LAR, SEXO, CASAMENTO, FILHOS

Na categoria “Lar, casamento, sexo, filhos” agrupamos uma série


de artigos ligados ao âmbito familiar e doméstico – a manutenção do
lar, a vida no casamento, o sexo do casal, ou a educação sexual dos filhos,
a maternidade, o puerpério e a criação dos filhos. Nas décadas iniciais,
dentro desse rol de assuntos familiares e domésticos, predominaram
artigos sobre puerpério – higiene do bebê, aleitamento materno,
alimentação do bebê após o período do aleitamento, além dos cuidados
com a saúde da gestante. Questões ligadas à sexualidade são raras até os
anos 1970, quando a liberação sexual torna-se alvo da imprensa de
maneira geral.
Karina Kosicki Bellotti • 381

Dessa forma, na figura 12 destacamos trechos dos artigos “Leite


materno de 3 em 3 horas”, de abril de 1939, escrito pelo médico R. Salles
(1939, pp. 7-8), e “O primeiro ano de vida do bebê”, do pediatra brasileiro
J. Renato Woiski (1939, pp. 7-8) (fig. 32). Eles representam os diversos
artigos sobre puericultura publicados na revista nos anos 1930 a 1950,
transmitindo a visão higienista de cuidados com as crianças, baseada na
ciência médica e, não, no saber popular – este, constantemente
desqualificado e até ironizado por alguns dos autores de artigos. A
figura 12 demonstra outro exemplo de capa ligada a reportagens sobre
puericultura, de agosto de 1976, dentre as matérias relacionadas aos
temas de vida da mulher, lar, casamento e criação de filhos.
382 • O Adventismo no Brasil

Figura 12 – Artigos: “Leite materno de 3 em 3 horas” (SALES, 1939, p. 7); e


“O primeiro ano de vida do bebê” (WOISKI, 1939, p. 7). Capas de Vida e Saúde de
agosto de 1976. Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp.

Até então, a revista além de ser bastante secularizada na sua


abordagem de saúde, não se referia a eventos cotidianos no Brasil e nem
em qualquer outra parte do mundo, mesmo tendo artigos estrangeiros.
Esta “a-historicidade” pode ser vista inclusive nos artigos
comemorativos – por exemplo, o texto em homenagem às mães de
Raimundo Beach, ou Walter Raymond Beach, pastor adventista, poderia
ter sido publicado em qualquer outro mês de maio, anterior ou posterior
a 1982, ao reproduzir uma concepção tradicional cristã de maternidade,
Karina Kosicki Bellotti • 383

retratada como missão da mulher, para a qual ela foi destinada, tendo
incumbência de manter o lar funcionando adequadamente,
encontrando forças “na Providência” (BEACH, 1982, p.10).

Figura 13 – Artigo “As relações sexuais fora do casamento – uma nova análise”
(PARNELL, 1982, p. 33) e capa de Vida e Saúde de dezembro de 2017.
Fonte: Centro de Memória Ellen G. White – Unasp.

Por fim, na figura 13 estão dois exemplos de matérias relacionadas


ao sexo, cuja prática saudável deve ser exercida dentro do casamento
segundo a revista. O artigo de 1982, “As relações sexuais fora do
casamento – uma nova análise”, de Patrick A. Parnell (1982, pp.33-34)
(de quem não encontramos informações), afirma que as relações sexuais
fora do casamento são nocivas para a saúde, pelo risco de uma gravidez
indesejada e de contrair doenças, além de destruir o propósito principal
do sexo, que é o desfrute da intimidade do casal sob a benção divina. O
autor cita estudos feitos por médicos favoráveis ao sexo antes do
casamento, e que depois de analisar a situação dos jovens, concluíram
que o sexo não devia ser feito antes do casamento. Vinte e cinco anos
depois deste artigo, o tema é capa de Vida e Saúde de dezembro de 2017
384 • O Adventismo no Brasil

(fig.13), com argumentação semelhante, utilizando a ciência para


comprovar que o sexo não pode ser feito de maneira desregrada, por
causa da epidemia de DSTs entre jovens e população adulta - sífilis, HPV,
HIV. A solução para estes problemas: a abstinência sexual até o
casamento, uma medida que tem uma justificativa religiosa, mas na
revista recebe argumento médico científico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Meulin (2011, p.51-53), o século XX agrava a concepção da


singularidade dos corpos – a ideia de que cada indivíduo tem um destino
próprio, e seu corpo faz parte desta jornada, com suas características
próprias – tipo sanguíneo, digitais, genética, sistema imunológico –
além do fato de a medicina proporcionar meios para que o indivíduo
modifique seu corpo conforme sua vontade. No início do século XXI,
parece ser possível realizar o que antes era impossível nos corpos que
adoecem e/ou envelhecem. Se até poucos séculos havia um embaraço
popular quanto à exploração do corpo, hoje “o corpo inteiro parece mais
acessível e ligado à expressão de um eu” (MEULIN, 2011, p. 81).
No século XX é possível conviver com certas doenças com uma
relativa qualidade de vida – de modo que muitos de nós não somos nem
totalmente saudáveis (sem doenças) nem totalmente doentes (porque as
controlamos). Haveria espaço para esse meio-termo de fronteiras quase
indefinidas entre a saúde e a doença nas páginas de Vida e Saúde? E o
que ocorreria com a revista se abraçasse essa perspectiva? Essas são
perguntas para uma outra pesquisa, mas fazê-las aqui nos permite
pensar sobre o que a revista não diz sobre saúde. O máximo que chega
perto disso são nas informações que divulga sobre tratamentos de
Karina Kosicki Bellotti • 385

doenças crônicas, mas sua maior preocupação é sempre prevenir ao


invés de remediar. De qualquer forma, um tema predominante nos 82
anos de revista é a saúde física, o que demonstra a relação que a
mensagem adventista de saúde possui com o corpo, além das
concepções sobre o corpo desenvolvidas no século XX.
Naquele século, as relações entre o sujeito e o seu corpo se
redefinem: “jamais o corpo humano conheceu transformações de uma
grandeza e de uma profundidade semelhantes às encontradas no
decurso do século que acaba de terminar” (COURTINE, 2011, p. 8;10). Foi
um período de mutações do olhar sobre o corpo, com o advento de
tecnologias de visualização médica, a superexposição do corpo íntimo e
sexuado, a brutalidade e a mutilação das guerras, os espetáculos das
artes visuais.

(...) a eliminação das distinções entre são e enfermo, corpo normal e corpo
anormal, da relação entre a vida e a morte em uma sociedade medicalizada
de ponta a ponta; o afrouxamento de coerções e disciplinas herdadas do
passado, a legitimidade outorgada ao prazer, e ao mesmo tempo, a
emergência de novas normas e de poderes novos, biológicos e também
políticos; a saúde que agora se tornou um direito e a ansiedade face ao risco,
a procura do bem-estar individual e a extrema violência de massa, o contato
das epidermes na vida íntima e a saturação do espaço público pela frieza
dos simulacros sexuais (COURTINE, 2011, p.11).

No texto “O corpo ordinário”, Pascal Ory discorre sobre como a


urbanização, ou o “modo de vida urbano” ocidental do hemisfério norte
se populariza no século XX e como ele delimita os corpos ordinários no
cotidiano. Ele melhorou o sistema de água e esgoto (ainda que de forma
desigual) e popularizou em certa medida avanços técnicos da medicina,
além da atuação da política pública de gerenciamento do “não trabalho”,
386 • O Adventismo no Brasil

isto é, a “organização dos lazeres”, e a atuação do higienismo, com a


mobilização da água para combater os micróbios e o alcoolismo – com a
ampliação de oferta pública de água potável. Uma vulgata científica
sobre fisiologia e psicologia se difunde pela publicidade, pelas mídias,
pelo cinema, televisão, rádio e romances, trazendo noções sobre corpo,
beleza e saúde ao longo de todo o século XX (ORY, 2011, p. 158).

(...) o corpo do homem do século XX – que vai ser durante muito tempo, em
primeira linha, um corpo de mulher – será submetido às incertezas de um
tríplice regime, cosmético, dietético e plástico, considerado aqui em uma
ordem crescente de novidade em comparação com as práticas antigas (ORY,
2011, p. 159).

No caso da nossa pesquisa, interessam os dados sobre a dietética


moderna, que é amplamente utilizada e difundidas nas páginas de Vida
e Saúde.

Enquanto o discurso que centra a conservação da boa saúde e a cura das


enfermidades em torno da obediência a uma “dieta” que, etimologicamente,
constituiu todo um estilo de vida, todo um modo de relacionar-se com o
cosmos, a dietética não é apenas tão antiga quanto a medicina, em
particular sob as suas formas gregas e medievais: confunde-se plenamente
com ela. Mas basta dizer também que ao se ver relegada à periferia pela
constituição de um novo saber médico, fundado sobre um conhecimento
cada dia mais íntimo dos componentes físicos e químicos dos organismos,
ela havia perdido o essencial de sua legitimidade e de sua autonomia (ORY,
2011, p. 162).

No caso adventista, a dietética possui uma importância


fundamental, pois é a forma como os indivíduos regulam sua saúde, tal
como preconizado desde a reforma da saúde de Sylvester Graham. Na
França, assim como no Brasil, a nutrição se torna um saber a ser
Karina Kosicki Bellotti • 387

aprendido academicamente a partir dos anos 1930. Em meados do século


XX, a profissão de médico dieticista, que passará por ensino superior,
atrairá muitas mulheres. A preocupação dietética que se intensifica e
“alimenta a vulgata dietética”, que se amplia à medida que os
conhecimentos científicos são a ela incorporados. Outro fator que
intensifica a atenção com a dietética é a preocupação com a obesidade,
que tem aumentado com a diminuição da penúria e da escassez nas
sociedades industriais, e o incremento das tarefas que pouco exigem
esforço físico, ao passo que se consome cada vez mais proteínas,
gorduras e açúcares (ORY, 2011, p. 164).
A obesidade leva à preocupação com a autoimagem individual e
com a saúde pública, pela sua proliferação no início do século XX. A
tecnologia da visualidade aumentou a visibilidade dos corpos,
tornando-se “vetor de uma nova representação do sujeito” por meio da
fotografia, do cinema caseiro, do vídeo, da foto digital, além da própria
difusão doméstica do espelho e da balança pessoal, que dão “autorização
da atenção a si mesmo” (ORY, 2011, p. 168). A obesidade também foi alvo
de várias reportagens de Vida e Saúde desde o seu primeiro número,
sendo apresentada como a causa de diversas doenças, como
hipertensão, diabetes e câncer.
Ory também aponta o surgimento no século XX de um novo
higienismo, principalmente na concepção de limpeza pessoal, além da
valorização da vida ao ar livre e dos hábitos saudáveis, com a censura ao
consumo de drogas, fumo e álcool. O autor (ORY, 2011, p. 195) avaliou que
todas as práticas e representações vistas em relação ao corpo nasceram
no ocidente e entre as classes ricas. Porém, para ganharem adesão mais
ampla, essas iniciativas sempre tiveram de conquistar as massas, “a
cujos interesses devem atender”. Essa afirmação nos remete ao que o
388 • O Adventismo no Brasil

primeiro governo de Vargas (1930-1945) fez, com o Serviço Nacional de


Educação e Saúde, que distribuiu cartilhas de higiene, alimentação e
prevenção de doenças para educar as massas na modernidade e dentro
dos parâmetros higienistas e eugenistas (MARQUES et. allii., 2017). Tais
cartilhas tiveram textos e ilustrações foram reproduzidos com
diligência por Vida e Saúde até os anos 1960.
A partir dos anos 1970, não somente a revista mudou, mas a
sociedade ocidental aprofundou a abordagem da saúde como um direito
dos cidadãos e um dever de cultivo individual, que dependeria de poder
aquisitivo. O desenvolvimento científico da medicina continua figurar
nas páginas da revista Vida e Saúde, preferencialmente quando ele
confirma a eficácia dos oito remédios naturais. Agora, no século XXI, a
sociedade globalizada continua a distribuir desigualmente a renda, o
acesso aos avanços médicos e a alimentação de qualidade. Tais
elementos socioeconômicos também influenciam na saúde física,
mental, emocional e espiritual das pessoas, mas não são abordados na
revista Vida e Saúde, que deixa a cargo de seus leitores a decisão sobre
sua saúde – mesmo que nem sempre a condição socioeconômica
permita que certas escolhas sejam feitas.
Em 2020, enfrentamos a pandemia do novo coronavírus (SARS-
Cov-2), em uma catástrofe sanitária comparável à pandemia da gripe
espanhola (1918-1920), o que torna a saúde novamente um assunto de
interesse público. Nesse contexto, Vida e Saúde tem mantido sua linha
editorial de divulgar os oito remédios, além dos fatos relacionados às
descobertas do coronavírus, para que seus leitores se previnam e
aumentem sua imunidade. Assim como ela tem se alinhado às novas
tendências médicas que associam a boa saúde física e mental com o
cultivo da espiritualidade. Mas o corpo continua a ser o protagonista
Karina Kosicki Bellotti • 389

dos esforços de cuidado e aperfeiçoamento – tal como na época das


primeiras mensagens de saúde de Ellen G. White, o corpo é retratado
como a base para o aprimoramento da mente e do espírito; caberia a ele
resistir às facilidades nocivas do mundo moderno para que alcançasse
sua melhor forma e seu funcionamento perfeito, tal como projetado por
Deus para a humanidade. A saúde é fronteira através da qual a IASD
estabelece seu contato mais permeável com a sociedade que não é
adventista, adaptando-se às mudanças permitidas pelas suas doutrinas
e sua tradição profética, ao mesmo tempo em que continua a defender
o estilo de vida saudável dentro e fora da igreja.

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13
O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E A TEOLOGIA
ADVENTISTA: APROXIMAÇÕES E POSSIBILIDADES 133

Kevin Willian Kossar Furtado

1 INTRODUÇÃO

Na perspectiva da interação com outros grupos religiosos, a


histórica atuação da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) na
promoção e defesa da liberdade religiosa, há mais de um século
(ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2012, p.
133-134), como uma das fundadoras da Associação Internacional de
Liberdade Religiosa (IRLA, na sigla em inglês) 134 (NAVARRO, 1995, p. 81;
NAVARRO, 2006, p. 13) – organismo permanente das Nações Unidas
(ONU) –, impulsiona a participação da IASD no diálogo inter-religioso.
Desde a fundação da IRLA em 1893, a Igreja Adventista mantém um
escritório para defender pessoas e instituições cujos direitos religiosos
são violados pelo Estado ou outras entidades, e busca animar governos
a assegurar e manter princípios de liberdade de consciência. Outro
objetivo da IRLA está no fortalecimento da noção da separação entre
Igreja e Estado, principalmente nos países em que eles estão unidos ou
um exerce controle sobre o outro (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 445).
Os adventistas reconhecem que precisam defender a liberdade de
consciência e de religião como um direito humano fundamental, em
harmonia com os instrumentos da ONU e da Organização dos Estados
Americanos (OEA). A IASD considera ser, em algumas regiões, uma
minoria religosa que, por vezes, está sujeita a restrições e

133 Este capítulo se constitui de um fragmento da tese de doutorado do autor (FURTADO, 2020).
134 Disponível em: <http://www.irla.org/>.
396 • O Adventismo no Brasil

discriminações e, por isso, sente a necessidade de defender os direitos


humanos, o direito à liberdade de religião, a liberdade de se reunir para
instrução e adoração no dia que considera sagrado, o sábado, e de
disseminar opiniões religiosas em pregações públicas ou através da
mídia (ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA,
2012, p. 133-134). A Igreja Adventista faz oposição a toda lei, programa
ou atividade que discrimine minoriais religiosas e defende a separação
entre Igreja e Estado (ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO
SÉTIMO DIA, 2012, p. 135).
A Igreja Adventista entende que toda pessoa tem o direito de exigir
consideração sempre que sua consciência não permitir desempenhar
certos deveres públicos e quer cooperar e estar em diálogo com
governos e outros grupos religiosos, envolvendo-se e trabalhando com
organizações que apoiam, difundam e defendam a liberdade religiosa de
todos – inclusive daqueles de quem a IASD possa discordar
(ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2012, p.
133-134). Para os adventistas, semelhantemente ao racismo, a
discriminação ou intolerância fundamentada em crença ou filiação
religiosa, bem como o extremismo religioso, devem ser extintos
(ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2012, p.
134).
O presente capítulo aborda a necessidade de conservação das
identidades religiosas dos grupos que se colocam em diálogo para a sua
efetividade, o contexto exigente do atual pluralismo religioso que
interpela os adventistas a melhor conhecer e compreender outras
expressões religiosas, as orientações de Ellen G. White para o
relacionamento dos adventistas com outras igrejas que podem ser
aplicadas no contato com outras religiões, as semelhanças entre
Kevin Willian Kossar Furtado • 397

cristianismo, judaísmo e islamismo que colaboram para o diálogo inter-


religioso entre eles, e as aproximações teológicas e práticas existentes
entre adventistas e judeus, e adventistas e muçulmanos, que viabilizam
o diálogo das IASD com o judaísmo e o islamismo.

2 O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E A MANUTENÇÃO DAS IDENTIDADES


RELIGIOSAS

A Igreja Adventista apresenta reservas ao diálogo inter-religioso


por entender que nele muitos conceitos fundamentais do cristianismo,
como o papel de Jesus na vida humana, a salvação, o pecado, a morte e a
vida são desconstruídos, “readaptados, reformulados e reinterpretados”
(ARAÚJO, 2014, p. 10), diminuindo a compressão da singularidade e
exclusividade de Jesus na salvação humana, e contrapondo o que
apresenta a revelação bíblica (ARAÚJO, 2014, p. 11). 135
No entanto, no diálogo inter-religioso impera a fidelidade à
própria identidade religiosa. Não há diálogo possível para quem não
está em algum lugar e se há a pretensão de, com o pretexto de abertura
e universalidade, alcançar uma espécie de cidadania mundial. Para
ocorrer verdadeiro diálogo, se demanda a manutenção da própria
identidade. Alguns grupos são tentados a suspender provisoriamente
suas crenças para favorecer o diálogo e abrir-se ao outro, em uma
compreensão equivocada de como se constituem as interações inter-
religiosas (GEFFRÉ, 2004, p. 145-146). O diálogo inter-religioso só pode
surgir a partir da fidelidade à própria tradição, pois um diálogo frutuoso

135 Dizemos “a Igreja Adventista” em virtude da quase nula reflexão teológica da IASD sobre o diálogo inter-
religioso no Brasil. Consideramos que os materiais publicados na Revista Adventista – dado seu caráter de
períódico teológico-doutrinário-jornalístico oficial da denominação – que tratam do diálogo entre as religiões
se configuram em reflexões teológicas autorizadas da Igreja Adventista brasileira (FURTADO, 2020, p. 148-150).
398 • O Adventismo no Brasil

entre pessoas depende da clareza de suas identidades. Concessões não


devem ser condições prévias para iniciar ou conduzir o diálogo. Caso
ocorram transformações e reorientações do modo de crer, elas não
serão o preço para que o diálogo aconteça, mas resultado da dinâmica
dialogal (AZEVEDO, 1993, p. 20).
No processo de diálogo, os interlocutores interagem com a alegria
de suas convicções religiosas. Não há que se abdicar das identidades
para que o diálogo aconteça com êxito. Pelo contrário, a autenticidade e
sinceridade do diálogo solicita que os interlocutores mantenham
presente a integralidade de suas crenças e fé. Dialogar pressupõe
pertencer, estar domiciliado, amar a própria identidade, “uma
identidade sempre em construção” (TEIXEIRA, 2014, p. 44), aberta e
receptiva (TEIXEIRA, 2014, p. 75).
A partir de experiências dialogais empreendidas com outros
grupos religiosos, os adventistas atestam que seus interlocutores
superam o desconhecimento e os preconceitos contra a IASD que, por
sua vez, passa a melhor compreendê-los. John Graz, líder do
Departamento de Liberdade Religiosa da Associação Geral da Igreja
Adventista de 1995 a 2015, entende que no diálogo cada qual mantém sua
posição e que ele gera compreensão mútua, ao tempo que o isolamento
provoca ignorância (DE BENEDICTO, 2006, p. 7).

3 ABERTURA ADVENTISTA AO DIÁLOGO COM OUTRAS RELIGIÕES

Mesmo com ressalvas ao diálogo inter-religioso, a Igreja


Adventista considera ter valores comuns a outras religiões que podem
ser explorados para o diálogo e ações conjuntas para melhorar a vida da
humanidade. Ela está consciente de que o diálogo ajuda a melhor
Kevin Willian Kossar Furtado • 399

compreender o outro e vice-versa. Para isso, precisa “conhecer melhor


as crenças, as concepções de mundo e os valores de pessoas de outras
religiões ou convicções, em seus próprios termos, de acordo com sua
própria visão de mundo.” (DIOP, 2018, p. 13).
A IASD reconhece a legitimidade do direito individual e das
instituições em se aliarem na proteção das pessoas e na afirmação da
sacralidade da vida (DIOP, 2018, p. 14). A verdade e a liberdade religiosa
são os princípios que comandam sua relação com outros grupos
religiosos (WHITE, 2007a, p. 85-86). Os adventistas não querem aderir a
“alianças sincretistas” que diminuem “o peso da verdade” (DIOP, 2018,
p. 15), pois consideram ser enganosa e inalcançável a unidade
doutrinária das religiões sem que elas percam suas identidades.
O contexto exigente do pluralismo religioso propõe que as
comunidades religiosas se situem em senso dialógico, o que, para a
Igreja Adventista, implica ressignificar-se a partir da perspectiva de
diálogo atual e refontalizar-se no espírito dos pioneiros do adventismo
de buscar progredir na compreensão da fé. Pelos pressupostos do
pluralismo espiritual, se questiona a ideia de que a espiritualidade
desenvolvida exclusivamente por um grupo religioso se configure como
a única que permita o desenvolvimento do espírito humano de maneira
tão elevada que somente ela admita relacionar-se com Deus (WOLFF,
2016, p. 35). Quando se abre ao mundo, a Igreja identifica não ser a única
voz ou orientação religiosa e espiritual das pessoas. “A atual sociedade
é marcada por um intenso pluralismo de orientações religiosas [...]. Esse
contexto questiona toda pretensão de exclusividade religiosa no espaço
social e provoca o convívio, o diálogo e a cooperação entre credos.”
Ainda que nem todas as religiões desejem interagir positivamente com
400 • O Adventismo no Brasil

os demais, “a convivência e o diálogo se impõem como expressão de


coerência à mensagem que propõem.” (WOLFF, 2018, p. 51).
A necessidade do diálogo está para além da constatação da
realidade do pluralismo religioso e cultural: emana da profundidade do
ser da Igreja enquanto expressão de sua vocação à comunhão que se
expande para fora de si mesma (WOLFF, 2005, p. 261). O pluralismo
permeia, hoje, toda a realidade; o sentimos, ouvimos, vemos, tocamos e
experimentamos. Novos grupos religiosos tornaram-se fato social,
transformando visões de mundo e modelando comportamentos.
Visualizados em diferentes expressões, ouvidos em suas preces, tocados
em seus símbolos, experimentados em seus significados, eles fascinam,
atraem, surpreendem e interpelam a consciência religiosa dos que não
os seguem, de maneira que não se pode ser indiferente a tais
experiências, subestimadas, por muito tempo, em seu potencial de
reunir pessoas, formar convicções e orientar comportamentos (WOLFF,
2004, p. 6).
O melhor modo de ser Igreja num contexto de pluralismo está no
ser relacional, dialógico e comunional. A Igreja não se encontra “diante”
do pluralismo cultural, eclesial, social e religioso, mas em seu interior;
a Igreja pertence à sociedade plural de seu tempo, que a configura em
suas expressões históricas. “Existe o espaço social plural no qual a Igreja
se situa. Ou ela manifesta-se concretamente nesse espaço ou é uma
entidade abstrata.” (WOLFF, 2012, p. 16).
O pluralismo religioso não implica confronto e oposição mútua
entre as diferentes formas de crer, mas manifesta possibilidades de
encontros. Em sua essência, as religiões buscam estabelecer conexões,
vínculos, relações, comunicação, união, integração, harmonia e paz. O
pluralismo não se apresenta como conflitivo e divisionista em si mesmo.
Kevin Willian Kossar Furtado • 401

O conflito surge de posicionamentos em seu interior. A divisão expressa


o querer viver sem o outro e contra ele, negando-o, o que não se
configura como próprio das religiões, mas dos usos e abusos feitos delas.
Os elementos contribuintes para os distanciamentos institucionais,
doutrinais e espirituais não eliminam o vínculo existente entre os
integrantes da família humana (WOLFF, 2012, p. 104-105).
Os adventistas reconhecem as consequências de não dialogar com
outras expressões de fé. Sabem que, se interagirem somente entre si,
acabarão fechando-se em um espírito sectário de retraimento
(ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2012, p.
150). O isolamento, além de conflitar com a vontade de Cristo sobre a
relação entre os membros de seu corpo (Jo 17), pode conduzir o
adventismo ao extremo da defesa da intransigência e da arrogância.

4 ORIENTAÇÕES PARA O RELACIONAMENTO DOS ADVENTISTAS COM


OUTRAS RELIGIÕES A PARTIR DE ELLEN G. WHITE

Um conjunto de pensamentos e orientações de Ellen G. White,


figura de autoridade carismática e profética na IASD, embora
destinados ao contato dos adventistas com outros cristãos e outras
igrejas, se configuram como princípios que podem ser adotados na
aproximação da Igreja Adventista com outras religiões.
Embora demonstre a resistência adventista em associar-se a
outras denominações religiosas, Ellen G. White expressou que, até o fim
do mundo, os verdadeiros seguidores de Jesus estariam em todas as
denominações cristãs (WHITE, 2013, p. 341), orientando os adventistas a
não “desprezar as igrejas” e não permitir “que as pessoas tenham a ideia
de que vossa obra é destruir, mas construir, e apresentar a verdade tal
como é em Jesus.” (WHITE, 2007b, p. 227). Ellen G. White aconselhou os
402 • O Adventismo no Brasil

ministros adventistas a manter boas relações com os líderes de outras


igrejas, a não fazer “denunciadores discursos” ou “suscitar
antagonismo”, mas refrear “toda expressão áspera” e estar preparados
no “evangelho da paz e da boa vontade para com os homens.” (WHITE,
2007b, p. 444).
Ela recomendou aos pastores adventistas não entrar em polêmica
com outros ministros cristãos, mas orar por e com eles (WHITE, 2004,
p. 75). “Nossos ministros devem procurar aproximar-se dos ministros
de outras denominações. Orai por estes homens e com eles, por quem
Cristo está intercedendo.” (WHITE, 2007b, p. 442). Para Ellen G. White,
os ministros adventistas devem manifestar que são “reformadores, mas
não fanáticos. Quando nossos obreiros entram em um novo campo,
devem procurar relacionar-se com os pastores das várias igrejas do
lugar.” (WHITE, 2007b, p. 116). Ela orienta aos pastores que pregam pela
primeira vez em uma nova área a chamar a atenção para as verdades
comuns a todos os interlocutores. Os adventistas deveriam se demorar
“mais sobre os assuntos em que todos sentimos interesse, e que não
encaminharão direta e incisivamente aos pontos de discórdia.” (WHITE,
2007b, p. 116-117). Os pontos de discórdia seriam as distintivas crenças
dos adventistas (FORTIN, 2018, p. 822).
Ao tratar especificamente dos católicos, em uma orientação que
pode ser aplicada para contatos inter-religiosos, Ellen G. White
aconselha a não “criar barreiras desnecessárias” com outras
denominações, de modo a pensarem que os adventistas são declarados
inimigos, nem “suscitar preconceito desnecessariamente em seu
espírito, fazendo ataques contra eles.” (WHITE, 2007b, p. 452).
Ao instruir um ministro adventista e sua esposa que se dirigiam à
África do Sul para atuar como missionários, Ellen G. White (2007c, p.
Kevin Willian Kossar Furtado • 403

109) recomendou um método de diálogo. Primeiro, que eles não se


apresentassem imediatamente como adventistas do sétimo dia que
criam no sábado como dia de repouso e na imortalidade condicional da
alma, pois isso criaria empecilhos. Os missionários deveriam, surgindo
oportunidade, começar tratando das crenças em comum com seus
interlocutores, insistir sobre a necessidade da piedade cristã prática e
explicar que eram cristãos, desejando paz e amor para aqueles com
quem entrassem em contato. Que permitissem aos outros observarem
que os adventistas são conscienciosos para ganhar-lhes a confiança e
apresentar-lhes suas crenças.
Os adventistas entendem que precisam “tomar cuidado para não
disparar a ‘arma de Babilônia’” 136 contra todos os que pensam a
religiosidade de maneira contraposta e aprender a viver na tensão de
trabalhar com os que são diferentes. Do contrário, restaria viver em
clausura completa, isolados do mundo (KNIGHT, 2015, p. 116).

5 APROXIMAÇÕES ENTRE O CRISTIANISMO E OUTRAS RELIGIÕES

Similaridades existentes entre cristianismo, judaísmo e islamismo


oportunizam ações dialógicas entre as três religiões. Desde suas
origens, o cristianismo se apresenta – ao lado do judaísmo e,
posteriormente, do islamismo –, como uma religião tipicamente
profética, distinta das religiões indiana mística e chinesa sapiencial.
Para o cristianismo, “para falar por imagens”, há uma relação “face a
face” entre o ser humano e Deus, assim como no judaísmo e no
islamismo. Tal qual nestas, o cristianismo se configura como uma

136 Símbolo, para os adventistas, de cidade maligna que desafia a Deus. “Ao longo de toda a Bíblia, a batalha
entre a cidade de Deus – Jerusalém – e a cidade de Satanás – Babilônia – ilustra o conflito entre o bem e o mal.”
(ASSOCIAÇÃO MINISTERIAL DA ASSOCIAÇÃO GERAL DOS ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA, 2016, p. 220).
404 • O Adventismo no Brasil

religião do confronto entre o Deus santo e o ser humano pecador, em


que “a palavra que Deus dirige ao homem e a fé do homem em Deus
também fazem dele uma religião da comunicação.” (KÜNG, 2016, p. 44,
grifos suprimidos). Na vocação histórica das três religiões monoteístas
está o ato contínuo de “nomear Deus como um Deus pessoal que dialoga
com o homem.” (GEFFRÉ, 2013, p. 205).
Em comum entre cristianismo, judaísmo e islamismo,
encontramos: (1) a fé num único e mesmo Deus, o Deus de Abraão,
situado na origem delas “e em quem as três tradições veem a grande
testemunha do único Deus vivo, ao qual podemos dirigir-nos para nos
queixarmos, para louvar e para lhe suplicarmos. Estas três religiões são
religiões da fé”; (2) uma visão de história que não se desenvolve por
ciclos cósmicos, mas orienta-se pela criação divina e encontra sua
confirmação na ação e nos sinais salvíficos de Deus no tempo, dirigindo-
se para um fim, uma consumação em Deus. “São religiões que
desenvolvem um pensamento histórico”; (3) a proclamação sempre nova
da Palavra e da vontade divina através de uma série de figuras
proféticas. “Não são religiões místicas, mas religiões marcadas pelo
cunho do profetismo”; (4) a representação escrita de uma revelação
divina, feita de uma vez por todas ao ser humano, revelação normativa
em forma de livros sagrados. “São religiões da Palavra e do livro”; 137 e (5)
uma ética fundamental de uma humanidade elementar, que se firma na
vontade de Deus expressa nos seus mandamentos. “Trata-se de religiões
centradas na ética.” (KÜNG, 2016, p. 44).

137 Fitzgerald (2008, p. 159) discorda do uso da expressão “as três religiões do livro” em referência indistinta ao
judaísmo, cristianismo e islamismo. “Os cristãos não são os adeptos de um livro, mas os discípulos de uma
pessoa, Jesus Cristo”.
Kevin Willian Kossar Furtado • 405

Entre judaísmo, cristianismo e islamismo, além da necessidade de


encontrar formas de convivência pacífica, há “uma ampla base de
semelhanças teológicas. Há décadas os cristãos e judeus têm avançado
bastante no reconhecimento desse fato. Em contrapartida, o diálogo
com o islamismo é totalmente incipiente.” Para o seu prosseguimento,
necessita-se obter e ampliar o conhecimento um do outro, premissa
básica de todo encontro entre diferentes – embora possuintes de
características semelhantes e aproximativas (BÖTTRICH; EGO;
EISSLER, 2013, p. 7).
Um futuro de boas relações entre as três religiões demanda o
conhecimento das diferenças, a luta contra as estruturas de
preconceitos e discordâncias do passado e o arrependimento de tudo
que testemunha contra a vida centrada no Deus que, coletivamente,
judeus, cristãos e muçulmanos professam (HINZE; OMAR, 2007, p. 6).
A relação dos adventistas com adeptos de outras religiões tornou-
se importante recentemente. O interesse crescente da liderança
denominacional no diálogo inter-religioso se concretizou na formação
de centros de estudos, na década de 1990, para o budismo, o hinduísmo,
o islamismo e o judaísmo (HÖSCHELE, 2010, p. 161). Aproximações
teológicas e práticas fornecem elementos para se indicar diretrizes
básicas e possibilidades para se pensar teologia e diálogo entre
adventistas, judeus e muçulmanos.

5.1 APROXIMAÇÕES ENTRE ADVENTISTAS E JUDEUS

O “parentesco” entre o cristianismo e o judaísmo está expresso e


reconhecido pelos cristãos na linha das tradições da Bíblia hebraica, nas
três alianças entre Deus e os seres humanos. Na aliança noáquica com
406 • O Adventismo no Brasil

toda a criação, anunciada no arco-íris; na aliança abraâmica com a


humanidade, sinalizada pela circuncisão – Abraão se constitui no pai de
numerosos povos, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo; e na aliança
do Sinai com o povo de Deus, em que os sinais são o altar e a arca da
aliança. “Uma coisa é desde logo clara: por acreditarem no Deus único
da Bíblia hebraica, os cristãos aceitam em princípio os elementos
estruturais e os conceitos-chave da fé israelita/judaica” do êxodo, do
Sinai e de Canaã. No êxodo, Deus escolhe o povo de Israel, fato que os
judeus não se orgulham pretensiosamente, mas compreendem como
uma graça e responsabilidade; no Sinai conclui-se a aliança,
acarretando uma obrigação expressa no dom da lei; a promessa de
Canaã integra a escolha do povo (KÜNG, 2016, p. 47). “É de uma
importância capital para o diálogo fraternal que pode instaurar-se hoje
entre judeus e cristãos manter sempre presente no espírito que os
cristãos também acreditam no Deus único de Abraão, de [Isaque e de
Jacó], o Deus de Israel.” (KÜNG, 2016, p. 43).
Judeus e cristãos compartilham os dez mandamentos (Êx 20, Dt 5)
como uma herança e uma obrigação comum. “O mundo seria um lugar
diferente se os dez mandamentos fossem a orientação para todos os
seres humanos [...]. Eles são capazes de lançar luz no caminho da vida”
(KASPER, 2005a, p. 34). Judaísmo e cristianismo possuem em comum os
livros do Antigo Testamento como testemunhas da revelação. “Isto é
importante, pois a Igreja de Cristo insiste em receber integralmente as
Escrituras como testemunho perene da revelação.” (BARROS, 1995, p.
131). Ainda que existam diferentes escolas e tendências no judaísmo,
com todos os ramos que o constituem, os cristãos tem em comum a
mesma fé de Abraão, chamado de pai da fé (Rm 4,16) e, também, o
chamado para viver a aliança de Deus no serviço à justiça e no amor à
Kevin Willian Kossar Furtado • 407

humanidade (BARROS, 1995, p. 130-131). “O mais genuíno e original da


religião judaico-cristã é essa paixão pela justiça, esse imperativo de
construção de uma sociedade sem opressores nem oprimidos.” (VIGIL,
2005, p. 28).
Essencialmente, judeus e cristãos possuem em comum: o fato de
que Jesus, seus pais e todos os apóstolos eram judeus; grande parte dos
escritos do Antigo Testamento; a fé no único Deus; a concepção do
mundo como criação divina; a sacralidade da vida e a dignidade da
pessoa humana; os dez mandamentos; e a esperança messiânica. O
cristianismo tem com o judaísmo uma relação única, sem comparação
entre outras religiões, no interesse em redescobrir a raiz judaica que o
sustenta e nutre (Rm 11,17). As similaridades de modo algum fazem
descuidar ou minimizar as diferenças em matéria de fé, constitutivas
tanto para a existência judaica, como para a cristã. Na doutrina da
Trindade e na cristologia podem-se evitar incompreensões e polêmicas,
menos remover a distinção fundamental em si mesma na compreensão
de cada religião. Em relação à mensagem neotestamentária e eclesial de
Jesus como Filho de Deus, há uma dessemelhança intransponível entre
as duas religiões. Judeus e cristãos possuem particularidades que devem
ser não apenas toleradas, mas respeitadas. “As diferenças de fé não
devem servir indevidamente de álibis destinados a perpetuar uma
relação de inimizade; devemos, ao contrário, reconhecer-nos e
respeitar-nos em nossas diferenças.” (KASPER, 2005b, p. 26).
Os adventistas garantem melhor compreender a natureza da Igreja
ao observar suas raízes no Antigo Testamento (ASSOCIAÇÃO
MINISTERIAL DA ASSOCIAÇÃO GERAL DOS ADVENTISTAS DO SÉTIMO
DIA, 2016, p. 185), visto que a Igreja do Novo Testamento está
“intimamente relacionada com a comunidade de fé do antigo Israel”
408 • O Adventismo no Brasil

(ASSOCIAÇÃO MINISTERIAL DA ASSOCIAÇÃO GERAL DOS


ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA, 2016, p. 187). Dos valores em comum
que os adventistas costumam indicar em relação aos judeus, destacam-
se: (1) a busca de um viver saudável através da alimentação; (2) a
compreensão da morte; (3) o apreço pelo Antigo Testamento; (4) o
sábado do sétimo dia; e (5) a crença de que o Messias há de vir (FINLEY,
[200-], p. 160).
Os adventistas declaram possuir uma íntima conexão com os
judeus e o judaísmo por conta das crenças e práticas sabatistas comuns.
A IASD deseja reconciliar judeus e cristãos e considera que o
antissemitismo, contributo direto para o holocausto, a desafia a
examinar as raízes judaicas de sua fé. Os adventistas afirmam, no que
serve como subsídio para pensar ações dialogais com os judeus, que (1)
por reunir em sua teologia e missão a lei e o evangelho, opostamente à
maioria das comunidades cristãs, tornam-se o canal privilegiado para
propor a reconciliação entre judeus e cristãos (HÖSCHELE, 2010, p. 175);
que (2) a missão confiada por Jesus aos seus discípulos consistia no
cumprimento da promessa divina a Abraão de que, por ele, todos os
povos da Terra seriam abençoados (Gn 12,3); que (3) Deus não rejeitou os
judeus (Rm 11,1), conforme se observa em relatos bíblicos: por Jesus ter
escolhido como seus discípulos um grupo de judeus, por Deus ter visto
o sofrimento que experimentaram ao longo de sua história e por ter
usado os judeus, ao longo da história crista, para preservar o texto
hebraico do Antigo Testamento, enquanto testemunhas da
perpetuidade da lei divina; e que (4) a interpretação dispensacionalista
do papel de Israel na profecia se configura em uma distorção da
mensagem bíblica (HÖSCHELE, 2010, p. 176).
Kevin Willian Kossar Furtado • 409

A consideração do sábado como dia de descanso, santificado a


Deus, constitui-se em uma das características básicas do judaísmo e da
Igreja Adventista – nesta, incorporado no próprio nome que a define.
Visto ser um ponto comum, o sábado pode “servir de plataforma
privilegiada para um diálogo inter-religioso entre judeus e adventistas”
sustentada: (1) na teologia bíblica do sábado, “que serve em si mesma
como um elemento catalisador de diálogo e confraternização entre os
seres humanos” (SIQUEIRA, 2009, p. 632); (2) na perspectiva judaica do
sábado, pois tanto a tradição dos judeus como sua interpretação
contemporânea, fazem do sábado “um elemento ideal para o diálogo
inter-religioso”; (3) na perspectiva adventista, baseando-se em sua
compreensão do sábado, “de sua universalidade, sua importância
fundamental na compreensão de Deus e a relevância profético-
escatológica desse dia para toda humanidade”; e, na prática, (4) pelas
duas comunidades guardarem e santificarem o mesmo dia “já [se] tem
criado uma realidade na qual temos tido de relacionar-nos em busca de
uma cooperação mútua”. Reconhece-se que, em níveis práticos, já existe
inter-relacionamento, ainda que pouco conhecido, desenvolvido ou até
mesmo conscientemente aceito pela maioria dos membros de cada
grupo. Adventistas e judeus podem passar “a um outro nível de
relacionamento, fundamentado em um diálogo franco, aberto e
respeitoso, [...] que possa promover uma verdadeira amizade, maior
conhecimento e cooperação entre ambas comunidades.” (SIQUEIRA,
2009, p. 633).
O sábado encontra-se relacionado com alguns fundamentos
bíblicos que servem de subsídio para o diálogo entre judeus e cristãos:
(1) a crença comum no mesmo Deus criador do mundo e da humanidade.
O sábado liga-se intimimamente à teologia da criação (Gn 2,1-3; Êx 20,8-
410 • O Adventismo no Brasil

11) e a razão de sua observância está no reconhecimento de Deus como


criador, soberano e santificador do sétimo dia (SIQUEIRA, 2009, p. 633);
(2) na crença comum da Bíblia como Palavra de Deus e na presença do
sábado como tema recorrente na Bíblia hebraica, o Tannakh; e (3) na
importância dos dez mandamentos para os dois grupos (SIQUEIRA,
2009, p. 634).
O sábado implica, primeiro, relacionamento com Deus. Após ter
sido criado, o ser humano passou seu primeiro dia de existência em
adoração e comunhão junto ao criador. O sábado “é assim um convite a
um tempo de diálogo e de encontro com o criador.” Segundo, o
relacionamento com o próximo. Adão e Eva “passaram o seu primeiro
dia de vida em relacionamento um com o outro. O shabat é o tempo de
diálogo e de encontro humano” (SIQUEIRA, 2009, p. 634). Terceiro, o
relacionamento com o mundo e a criação. “O shabat tem [...] um aspecto
ecológico, o homem é chamado à comunhão e diálogo com o mundo
criado.” (SIQUEIRA, 2009, p. 635).
Os aspectos do diálogo e do encontro estão presentes na descrição
do quarto mandamento de Êxodo 20, que solicita a observância do
sábado no (1) relacionamento, encontro e diálogo com Deus, num
chamado a dedicar esse dia totalmente a ele: “Lembra-te do dia de
sábado para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra.
Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus” (Êx 20,8-10); e (2) no
relacionamento, encontro e diálogo com o próximo e a natureza: “não
farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o
teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas
portas para dentro” (Êx 20,10). A descrição de toda a família, seus bens
e dos estrangeiros que interagem com ela demostra que o sábado se
constitui em um mandamento de comunhão universal. A pausa de
Kevin Willian Kossar Furtado • 411

trabalho oportuniza tempo a ser usado na adoração a Deus e no


encontro com o outro (SIQUEIRA, 2009, p. 635). O sábado se apresenta
na Bíblia como o ápice da comunhão, do encontro, do momento de
diálogo com Deus, os seres humanos e a natureza, resumindo a essência
dos mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas (Dt 6,5) e ao
próximo como a si mesmo (Lv 19,34) (SIQUEIRA, 2009, p. 636).
Através da Beth B’nei Tsion (Templo/Congregação dos Filhos de
Sião) – congregações judaico-adventistas, a IASD tem dialogado com os
judeus a partir de pontos que unem os dois grupos: o culto ao Deus de
Israel, a guarda do sábado, a observância das leis de alimentação
presentes na Torá e o papel central que ela e outros ensinamentos da
Bíblia possuem na vida dos seres humanos. Existem, atualmente
(MENDES, 2015, p. 52), 30 congregações judaico-adventistas no mundo:
11 em Israel, nove nos Estados Unidos, nove na América do Sul e uma na
Europa.

5.2 APROXIMAÇÕES ENTRE ADVENTISTAS E MUÇULMANOS

O diálogo propriamente doutrinal entre cristãos e muçulmanos se


gesta, ainda, de maneira balbuciante (GEFFRÉ, 2013, p. 185). No entanto,
existem possibilidades de diálogo na perspectiva do serviço à
humanidade e na edificação de uma sociedade mais justa (GEFFRÉ, 2013,
p. 205). O diálogo formal entre cristãos e muçulmanos versa,
frequentemente, sobre questões sociais, como o uso dos recursos da
Terra, o papel das mulheres na sociedade e a educação religiosa de
jovens, interações que podem preparar terreno para proposições e ações
dialogais concretas (FITZGERALD, 2008, p. 169).
412 • O Adventismo no Brasil

Com os muçulmanos, os cristãos possuem em comum a fé, herdada


de Abraão, no Deus único, da aliança, chamado pelos muçulmanos de
Alá. “O cristianismo, o judaísmo e o islamismo formam parte de uma
mesma família. Têm a mesma origem, os mesmos patriarcas e são
chamados a construir a fraternidade sobre esta terra.” (BARROS, 1995,
p. 139). Pode-se elencar como fundamento das relações entre o
cristianismo e o islamismo: (1) a crença num único Deus e, por isso, em
uma única história da salvação; (2) o reconhecimento dos cristãos de que
Maomé não pode ser recusado como pseudoprofeta; (3) o
reconhecimento dos muçulmanos de que Jesus possui mensagens
importantes e permanentes a dizer a todo o mundo; (4) o fato de não
serem duas religiões totalmente separadas, visto representarem
movimentos religiosos estreitamente entrelaçados, assim como o
judaísmo e o cristianismo, constituindo, em conjunto, a grande corrente
religiosa-profética originada no Oriente Próximo semítico, distinta das
vertentes religiosas indiana mística e chinesa sapiencial, e das religiões
da natureza (KÜNG, 2016, p. 58).
Das doutrinas em comum que os adventistas costumam indicar em
relação aos muçulmanos, estão: (1) a crença em um Deus todo-poderoso,
onisciente e cheio de amor; (2) o juízo final – os muçulmanos aceitam o
fato de que os seres humanos são moralmente responsáveis pelas suas
ações; (3) a crença na ressurreição final dos mortos por ocasião da volta
do Messias; (4) a ênfase à assistência e ajuda aos pobres; (5) a prioridade
da oração; (6) o cuidado com a saúde do corpo; (7) a valorização da
obediência a Deus; e (8) a crença em uma grande controvérsia entre os
anjos bons e os maus (FINLEY, [200-], p. 149).
Os adventistas declaram acreditar, assim como os muçulmanos, no
Deus onipotente que criou todos os povos para bem se relacionarem,
Kevin Willian Kossar Furtado • 413

crença que entendem dever ser refletida nas interações com os adeptos
de todas as religiões. “Neste espírito, os adventistas buscam um
relacionamento cordial com os muçulmanos [e] acreditam que um
relacionamento baseado no respeito e compreensão mútuos, e não na
ignorância e no antagonismo, beneficia a todos.” (HÖSCHELE, 2010, p.
169, tradução nossa). 138 A IASD reconhece e lamenta “os mal-entendidos
que existiram como resultado de injustiças como as cruzadas e algumas
jihads. Em contraste, os adventistas do sétimo dia se opõem ao conflito,
violência, intolerância [...] e coerção. Somos um movimento de
reconciliação mundial” (HÖSCHELE, 2010, p. 169, tradução nossa). 139
Muçulmanos e adventistas estão convictos que a vida concentra-se
em Deus enquanto criador e sustentador da existência, permeando-a
em todos os seus aspectos. Ambos reconhecem que a humanidade
administra a criação divina. Os adventistas se enxergam e veem os
muçulmanos como herdeiros de Abraão. Visualizam na submissão a
Deus, significado do termo islã, um objetivo desejável a ser adotado por
todos. A IASD compartilha, também, o foco espiritual do islamismo na
preparação para o dia do juízo e respeita a piedade e devoção ao culto e
à oração encontradas no islã. Tanto adventistas como muçulmanos dão
grande valor à família, enfatizam a honestidade e integridade pessoal,
evitam consumir qualquer coisa que prejudique a saúde física ou a
qualidade de vida, como álcool, o tabaco e certos alimentos cárneos
(HÖSCHELE, 2010, p. 169). A consideração que os adventistas possuem

138 “In this spirit Adventists seek cordial relationship with Muslims [and] believe that a relationship based on
mutual respect and understanding rather than ignorance and antagonism benefits all.” (HÖSCHELE, 2010, p.
169).
139 “[...] the misunderstandings that have existed as a result of in injustices such as the crusades and some jihads.
In contrast, Seventh-day Adventists are opposed to conflict, violence, intolerance […] and coercion. We are an
[…] worldwide movement of reconciliation” (HÖSCHELE, 2010, p. 169).
414 • O Adventismo no Brasil

dos seres humanos enquanto criação divina se estende à saúde e ao


estilo de vida. Por isso, advogam uma forma de viver saudável e rejeitam
o uso de substâncias prejudiciais ao corpo e aos recursos da Terra
(ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, 2012, p.
26).
No reconhecimento da existência de diferenças de crenças com o
islã, principalmente na do modo como Deus lida com o problema do
pecado e como se revela ao ser humano, os adventistas avaliam existir
oportunidades para um diálogo mutuamente respeitoso e
compreensivo. “Os adventistas encorajam o diálogo ativo [….] com os
muçulmanos, particularmente naquelas áreas de fé e prática comuns
que podem encorajar mutuamente o crescimento espiritual de todos.”
(HÖSCHELE, 2010, p. 170, tradução nossa). 140
Ainda que a “Declaração sobre as relações entre adventistas e
muçulmanos” (HÖSCHELE, 2010, p. 177, tradução nossa) 141 de 2006 não
tenha sido votada por um comitê executivo denominacional, “ela
representa uma abordagem adventista construtiva em relação às
relações inter-religiosas e ao diálogo.” (HÖSCHELE, 2010, p. 177,
tradução nossa). 142 O texto foi elaborado na Divisão Transeuropeia da
IASD, região administrativa que compreende parte do Oriente Médio,
para servir como diretriz ao relacionamento entre adventistas e
muçulmanos naquele território.
Os adventistas reconhecem que resultados significativos podem
ser alcançados quando trabalharem juntos com os muçulmanos em prol

140 “Adventists encourage active dialogue [...] with Muslims particularly in those areas of common faith and
practice which can mutually encourage spiritual growth of all.” (HÖSCHELE, 2010, p. 170).
141 “A statement on Adventist-Muslim relations” (HÖSCHELE, 2010, p. 177).
142“[...] a represents a constructive Adventist approach toward interfaith relations and dialogue.” (HÖSCHELE,
2010, p. 177).
Kevin Willian Kossar Furtado • 415

da justiça racial e social para os oprimidos, a defesa da liberdade


religiosa, o cuidado da Terra, dos sem-teto e dos pobres. Os adventistas
compartilham com o islamismo a compreensão de que apenas o
conhecimento revelado por Deus se constitui no verdadeiro
conhecimento (HÖSCHELE, 2010, p. 177) e entendem que o islã pode
contribuir para a restauração de pontos da verdade encontrados na
Bíblia: da existência de um Deus único; da certeza do juízo para toda a
humanidade, o que requer uma vida de justiça de todo o que crê como
forma de adoração ao Deus criador, justo e misericordioso; da
importância de se construir comunidades unidas por uma profunda fé
em Deus, responsáveis socialmente; e do comprometimento com a
justiça social, respeitando os direitos individuais e o direito à vida
(HÖSCHELE, 2010, p. 178).
Os adventistas reconhecem a existência, no islã, de pessoas de fé
autêntica e comprometidas ccom sua submissão a Deus e preparação
para o juízo final. “Dentro deste grupo de crentes sinceros, vemos
parceiros em potencial para explorar ainda mais nossa compreensão
espiritual do único Deus verdadeiro.” Reconhece-se, também, as
contribuições das sociedades e acadêmicos islâmicos em áreas da
ciência, literatura e Filosofia ao longo da história (HÖSCHELE, 2010, p.
178, tradução nossa). 143
A Igreja Adventista admite que Maomé foi um reformador
espiritual e social. “Sua ênfase na unicidade e singularidade de Deus e o
chamado para a preparação do dia do juízo mostram o quanto temos em
comum, bem como a necessidade de unificar nossos esforços para

143 “Within this group of sincere believers we see potential partners for further exploring our spiritual
understanding of the one true God.” (HÖSCHELE, 2010, p. 178).
416 • O Adventismo no Brasil

proclamar essas verdades ao mundo.” (HÖSCHELE, 2010, p. 179,


tradução nossa). 144
Através da Casa de Oração da Comunidade Árabe Aberta, criada no
ano 2000 em São Paulo, capital, por iniciativa do pastor adventista Assad
Bechara, a Igreja Adventista criou um espaço de interação entre cristãos
e muçulmanos, para promover um ambiente silencioso propício à
reflexão, com orações e músicas em árabe, entre outras adaptações
litúrgicas em relação ao culto adventista, para que as cerimônias sejam
realizadas de acordo com costumes islâmicos. Versos do Alcorão são
recitados de acordo com temas bíblicos e doutrinas bíblicas são
estudadas através do livro sagrado dos muçulmanos (MENDES, 2015, p.
56).
Na ciência de que existem desacordos nas crenças com o
islamismo, os adventistas entendem que elas não devem ser tomadas
como pontos de controvérsia, mas enquanto oportunidades de diálogo
(HÖSCHELE, 2010, p. 179).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação histórica da Igreja Adventista na promoção e defesa da


liberdade religiosa enquanto um direito humano fundamental e seu
compromisso com governos e outros grupos religiosos que a apoiam,
amparam e difundem, a estimula a participar ativamente do diálogo
inter-religioso. Embora o questione, a Igreja experienciou situações
dialogais com outros grupos religiosos que foram de superação de
desconhecimentos, preconceitos e incompreensões, e compreende

144 “His emphasis on God's oneness and uniqueness, and the call for preparation for the day of judgment shows
how much we have in common as well as the necessity to unify our efforts to proclaim these truths to the
world.” (HÖSCHELE, 2010, p. 179).
Kevin Willian Kossar Furtado • 417

compartilhar valores com outras religiões que podem ser colocados, no


diálogo, a serviço da humanidade.
Das grandes religiões mundiais, consideramos que a IASD tem
condições concretas de empreender relações mais estreitas com o
judaísmo e o islamismo, como a criação de comissões teológicas para a
discussão de temas específicos, de espaços de cultos para celebrações
conjuntas, e de esforços oficiais em defesa da liberdade religiosa e de
uma cultura de paz entre as religiões. Para além do que aproxima a IASD
do budismo e hinduísmo (HASEL, 2012, p. 165; HÖSCHELE, 2010, p. 171-
173), por estar presente na maioria dos países do mundo, 145 por estar
ciente de sua responsabilidade com a justiça, a paz global, e ante os
problemas ambientais e socioeconômicos que afligem a humanidade, a
Igreja Adventista se encontra desafiada a empreender conferências,
conversações ou diálogos com os demais grandes religiões do globo e
com as religiosidades locais dos países em que atua – no caso do Brasil,
por exemplo, com as religiões afro-brasileiras, demonizadas por
lideranças cristãs que, demonstrando dificuldades em lidar com o
pluralismo religioso, adotam posturas de autoproteção, fechamento,
desclassificação e desqualificação das expressões religiosas que julgam
fora do “padrão”, relacionadas com o medo do diferente e o desprezo da
alteridade, promovendo ignorância e preconceito (RIBEIRO; CUNHA,
2013, p. 48-49).
O contexto do pluralismo religioso “exige uma comunhão viva.”
Pela natureza das coisas, espera-se que exista diálogo e colaboração
entre as religiões que, assim como os seres humanos, não são iguais,

145 Em 213 países, segundo dados do Escritório de Arquivos, Estatísticas e Pesquisa da Associação Geral da IASD
de 30 de junho de 2018. Disponível em: <https://noticias.adventistas.org/pt/noticia/
institucional/adventistas-ao-redor-do-mundo-ultrapassam-os-21-milhoes/>. Acesso em: 6 out. 2020.
418 • O Adventismo no Brasil

mas possuem dons diferentes e são chamadas a convergir, não para uma
uniformidade sem vida, mas para a confraternidade (AMALADOSS, 1995,
p. 191) e o bem de toda a criação.

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WOLFF, Elias. Unitatis redintegratio, Dignitatis humanae, Nostra aetate: textos e


comentários. São Paulo: Paulinas, 2012.
14
A EDUCAÇÃO AFETIVA E SEXUAL DA JUVENTUDE
ADVENTISTA: UM ESTUDO DA REVISTA MOCIDADE
Luanna Fernanda da Cruz Bach

Envolvido pelo turbilhão agitado da sociedade atual, o sexo, juntamente


com todos os temas a ele relacionados, tornou-se objeto de consumo. Hoje,
a maioria dos espetáculos públicos são considerados incompletos por
produtores e frequentadores se não abordarem temas relacionados com o
assunto. E o tema, quanto mais picante, melhor. Mas a situação não está
restrita ao teatro, às pornochanchadas do cinema nacional, ao humorismo
erótico na TV levados ao ar através de humoristas famosos. As bancas
também apresentam sua contribuição impressa na qual a exposição de nus
e seminus femininos e masculinos tenta muitas vezes esconder a indigência
cultural, num retrato vivo do tipo de formação oferecida a jovens e adultos,
que, inocentes muitas vezes, caem no conto erótico sendo roubados de
valores fundamentais por vezes irrecuperáveis. Significativa parcela de
responsabilidade nessa situação recai sobre os comunicadores em geral, os
produtores de programas de TV, os editores de jornais e revistas, os artistas,
os publicitários. É incalculável a influência exercida pelo que vemos e
ouvimos. E estes profissionais decidem o que deve ser visto, ouvido e lido.
Numa época de tantas reivindicações (salários, direitos humanos, etc.)
MOCIDADE tenta defender a base moral que é o alicerce da sociedade
(CARDOSO, 1978, p. 03).

Com a mensagem acima, Ivo Santos Cardoso abre a edição de julho


de 1978 da revista Mocidade. Evidenciando uma grande preocupação em
relação ao tipo de conteúdo que vinha sendo veiculado nos mais
diversos espaços midiáticos da época, o editor afirma ser necessário
defender a “base moral” que alicerça a sociedade. A inquietação de
Cardoso no texto editorial refletia muitas novidades do período no
campo social e cultural. Vale lembrar que foi na década de 1970 que se
observou a efervescência do movimento pela liberação sexual –
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 423

especialmente das mulheres – e o crescimento do movimento feminista


no Brasil. Foi também um momento de popularização da televisão, o
crescimento no número e influência de emissoras e a diversificação de
seus conteúdos para os mais diversos públicos.
A década de 1970 foi marcada, ainda, pelas “pornochanchadas”
(filmes de cunho erótico, produzidos com pouco investimento
financeiro e de expressivo sucesso comercial), por filmes
estadunidenses mais explícitos sexualmente, como Deap Throad
(Garganta Profunda), pelo surgimento de revistas eróticas ou de
“conteúdo adulto”, tais quais Playboy e Status, e do sucesso de
programas televisivos como a Discoteca do Chacrinha, no qual a
exposição do corpo feminino por meio de suas chacretes era um dos
recursos efetivos para chamar a atenção do público. Com sua crítica às
mídias cada vez mais apelativas ao sexo, Cardoso traça de forma muito
interessante o contexto social, cultural e midiático do período. E, como
veremos, é uma das motivações para a guinada da revista Mocidade,
nosso objeto de análise, começar a investir massivamente em uma
educação afetiva e sexual para a juventude, pautada em uma moral
cristã.
É importante destacar que os pontos levantados por Cardoso em
seu editorial estava em confluência com a visão de mundo adventista no
período, e isso é confirmado com a atualização do rol teológico da igreja
por meio do Nisto Cremos 146, livro elaborado pela Associação Ministerial
da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia que reúne a
definição e justificação de suas 28 crenças fundamentais. Na obra, a
igreja declara que “a desconsideração para com a lei de Deus também

146 Aqui fazemos menção à edição publicada em 1988 (EUA)/1989 (Brasil), que foi traduzida por Hélio L.
Grellmann, revisada e publicada digitalmente pela Casa Publicadora brasileira em 2017.
424 • O Adventismo no Brasil

lançou por terra os parâmetros da modéstia e da pureza, resultando em


uma explosão de imoralidade” (NISTO CREMOS, 2017, p. 418),
mencionando em seguida a crescente recorrência do sexo em filmes,
revistas, propagandas e na televisão. A igreja não poupou críticas à
revolução sexual, considerada pela denominação a motivação para o
“espantoso aumento da taxa de divórcios, aberrações como o
‘casamento aberto’ ou compartilhamento de parceiros, abuso sexual de
crianças, apavorante número de abortos, homossexualidade e
lesbianismo generalizados” (idem), além das epidemias de infecções
sexualmente transmissíveis, incluindo a aids.
Partindo desse panorama, fazemos uma breve apresentação da
revista e de suas transformações de abordagem editorial ao longo dos
anos para, em seguida, apresentar o projeto de educação afetiva e sexual
de proposto por Mocidade.

ENTRE A REPRESSÃO E A LIBERAÇÃO SEXUAL

Mocidade foi uma revista direcionada ao público jovem publicada


pela Casa Publicadora Brasileira (CPB), editora da Igreja Adventista do
Sétimo Dia (IASD). Vigente entre os anos de 1958 e 1994, ela foi
antecedida pela Juventude, uma revista quinzenal publicada entre 1936 e
1940 (MARINHO et al, 1990, p. 37). Após sua interrupção na década de
1990, a CPB investiu na produção de revistas para adolescentes e jovens,
tais quais a mensal Superamigo (1994-1998) e a trimestral Conexão 2.0 147
(a partir de 2006l), mas que não tiveram o mesmo sucesso e alcance de

147 Inicialmente lançada sob o nome “Conexão JA” (em referência à Juventude Adventista), ela é mais voltada
para jovens adultos da própria denominação.
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 425

Mocidade 148. Vale destacar, ainda, que Mocidade não foi o único espaço
na mídia impressa adventista que tinha como público-alvo a juventude.
A seção “Espaço Jovem” na Revista Adventista tinha como enfoque esse
público específico, bem como diversos livros publicados pela CPB, sejam
de autoria de Ellen G. White 149 ou de outros/as autores/as.
Ao longo de suas quase quatro décadas, a revista passou por
diversas fases, mudando algumas vezes a organização das capas, a
diagramação interna e variando também seu conteúdo. Partindo das
reflexões feitas por Bellotti (2020) sobre a revista Vida e Saúde,
observamos que Mocidade também teve uma primeira fase
“americanizada”, na qual diversos elementos que compõem a revista
eram importados dos periódicos adventistas estadunidenses, como
banco de imagens e textos em sua grande maioria produzidos por
autores/as estrangeiros/as. A segunda fase, observada a partir da
década de 1970, foi marcada pela crescente adaptação da revista ao
público brasileiro, com direção de arte, banco de imagens e textos
produzidos pela própria Casa Publicadora Brasileira.
No que diz respeito à divulgação da revista, ela ocorria de porta em
porta por missionários adventistas – os colportores – que vendiam
assinaturas das revistas e divulgavam os periódicos, os livros de Ellen
G. White e outras literaturas produzidas pela Casa Publicadora
Brasileira. Tomando como referência a tiragem de cada edição,
consideramos que a revista atingiu seu auge na década de 1980, quando
chegou a publicar mais de 100 mil exemplares em alguns meses de 1987.

148 Podemos destacar também a revista Diálogo Universitário, periódico produzido pela Comissão de Apoio
para Universitários e Profissionais Adventistas (Caupa) desde 1989, de caráter quadrimestral e com público-alvo
universitários e professores. Para saber mais: LIMA, 2007, p. 28-30.
149 “Carta aos jovens namorados”, “Mensagens aos jovens”, entre outros.
426 • O Adventismo no Brasil

De acordo com Lima (2007, p. 26) e Siqueira (2019, p. 79), após esse
período e em função dos 30 anos de publicação de Mocidade, a revista
começa a investir em conteúdo voltado aos jovens de 13 a 19 anos em
fase escolar, extinguindo algumas seções e variando seus conteúdos em
relação ao período anterior.
Seu auge na década de 1980 não foi por acaso. Como observado em
trabalho anterior (BACH, 2020) e na introdução do presente capítulo, foi
a partir da segunda metade da década de 1970 e ao longo de boa parte da
década de 1980 que a revista procurou se aproximar de temas latentes
ao contexto cultural e midiático brasileiro no período, especialmente os
voltados à juventude, dando maior atenção à sexualidade e aos
relacionamentos amorosos. Seus editores não só passam a privilegiar
esse eixo temático na revista, como também vão consolidando uma
proposta de educação afetiva e sexual para a juventude pautada na
moral cristã.
A educação afetiva e sexual proposta por Mocidade para a
juventude pautava-se por um modelo de sexualidade heterossexual,
monogâmica e vinculada sempre à condição matrimonial – considerado
um contrato vitalício. A preocupação da revista está em se posicionar
entre a repressão sexual e a liberalidade exacerbada, como apontou Ivo
Santos Cardoso em editorial anterior ao que destacamos no início do
texto. Para o editor, “entre tabu asfixiante e medieval e a corrosiva
liberalidade, nada melhor do que a opção oferecida por um cristianismo
lúcido, equilibrado, responsável” (CARDOSO, 1976, p. 03), que seria
encontrada em Mocidade. Desse modo, a revista se coloca como
alternativa não só para a juventude adventista, mas para todos e todas
que estivessem à procura de um caminho que não fosse a repressão
sexual, quando o sexo é visto como um algo “impuro e pecaminoso”
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 427

(PINHEIRO, 1984, p. 28) e nem a liberação sexual generalizada


promovida pela “onda de novas ideias”.
Ao longo da primeira década de publicação da revista, o sexo
propriamente dito não foi um tema tão recorrente, nem mesmo uma
preocupação editorial declarada. Entre os diversos temas abordados
(como mercado de trabalho, artes, educação, saúde, lazer, curiosidades,
trabalhos manuais), destacamos a atenção para a preparação dos/as
jovens para o casamento e valorização do noivado e do namoro “sadios”.
A partir da década de 1970 em diante, a revista passa a manifestar um
maior interesse em tratar de temas tangentes à sexualidade e
valorização do casamento como instituição indissolúvel, muito por
conta da desburocratização do divórcio 150, que trouxe mais autonomia
às mulheres para saírem de relacionamentos infelizes e muitas vezes
abusivos.
Podemos atestar essa crescente preocupação com a sexualidade e
seus desdobramentos não só por conta do aumento de matérias
temáticas sobre o assunto, mas também devido à publicação de um
suplemento intitulado “Sexo e Juventude”, que acompanhou a edição de
julho de 1978 da revista, bem como a publicação na década de 1980 de
duas edições especiais de Mocidade 151 sobre “doenças venéreas” 152.

150 De acordo com Ana Silvia Scott, o “desquite” passou a ser previsto no Código Civil brasileiro em 1942. Em
1943, as mulheres passam a ter a possibilidade exercerem trabalho remunerado fora de casa, mas apenas
mediante o consentimento expresso do marido. Foi apenas em 1977 que o Estado brasileiro instituiu a
chamada Lei do Divórcio (6515/1977), que previa não só a possibilidade de a mulher casar-se novamente, como
também desvinculou o casamento da noção de união indissolúvel.
151 A primeira edição foi publicada em 1983 e a segunda entre 1985 e 1987. Vale destacar essas edições
especiais eram utilizadas como “uma estratégia de divulgação da revista através da colportagem, [...] assim
como foram feitas com edições especiais de Vida e Saúde sobre vegetarianismo nos anos 1980” (BACH, 2020, p.
56-57), e por isso não continham informações precisas acerca de ano de publicação.
152 Colocamos a expressão entre aspas por entender que ela se trata de uma escolha editorial, tendo em vista
que o termo doenças sexualmente transmissíveis já vinha sendo adotado em alguns círculos como expressão
para se referenciar a esse grupo de doenças específicas. Atualmente, de acordo com o Ministério da Saúde,
recomenda-se a utilização da nomenclatura Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), pois esta “sublinha a
428 • O Adventismo no Brasil

Trabalharemos com elas mais adiante. Antes disso, mostraremos como


a revista propôs um modelo de namoro, noivado e casamento para a
juventude, valorizando-os como etapas essenciais da vida e
estabelecendo uma educação afetiva e sexual pautada nos valores
cristãos.

EDUCAÇÃO AFETIVA E SEXUAL NOS MOLDES CRISTÃOS

No periódico, é explicita a preocupação em orientar a juventude


acerca da necessidade de se respeitar as “etapas da vida” nos mais
diversos aspectos. No que tange a esfera sexual e amorosa, há uma
ênfase em três fases: o namoro, o noivado e o casamento, cada qual com
suas regras e limites. Até a década de 1960, o noivado era considerado
uma etapa muito importante, no qual, mediante o consentimento da
família da jovem, o noivo e a noiva teriam a possibilidade de se
conhecerem melhor e passarem mais tempo juntos. Nesse período, é
possível encontrar diversas matérias que orientam jovens moças a não
se deixarem levar por “paixões passageiras”. Já os jovens rapazes são
orientados a não seguirem o modelo dominante de masculinidade,
manifesta sob a figura do “homem conquistador”.
A valorização do amor como elemento fundamental da relação a
dois é evocada já nas primeiras edições de Mocidade, com o objetivo de
orientar os jovens casais a saberem diferenciar o amor juvenil e “pré-
nupcial” do amor experimentado na vida de casados e, com isso,
reforçar a mensagem de que vale a pena esperar a “hora certa” para se

possibilidade de uma pessoa estar contaminada e transmitir uma infecção, mesmo não apresentando
sintomas” (BACH, 2020, p. 165).
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 429

entregarem um ao outro. Em agosto de 1958, Arthur W. Spalding 153


escreve: “não menosprezo o êxtase arrebatador do amor na juventude,
contanto que venha em tempo e seja dirigido sabiamente” (SPALDING,
1958, p. 10). Desse modo, a orientação do autor é escolher um “reto
procedimento, lutando, quando fôr necessário, contra os impulsos
naturais” (idem, p. 11). Essa mesma mensagem da necessidade de se
lutar contra os impulsos e influências diversas com relação ao sexo é
constantemente reforçada ao longo dos anos pela revista.
Virgindade e pureza são temas recorrentes em Mocidade ao longo
de todo o período de sua publicação. Um dos principais problemas
elencados é a chamada “prova de amor”, exigida às moças por rapazes
que, em muitos casos, se aproveitam da sua inocência e às fazem ceder
a exigências íntimas como forma de provar seu amor. Essa questão é
abordada na seção “Forum de Problemas da Mocidade” na década de
1960. Em maio de 1967, é publicado um artigo intitulado “A ‘prova de
amor’”, no qual seu autor ou autora (identificado/a apenas pela sigla S.
V. C.) garante que a prática não traz nenhuma satisfação, além de ser
irreversível. Classificada como uma prática exercida por jovens que se
sentem inferiores e pouco populares, mesmo que em um primeiro
momento ceder à pressão masculina faça com que essas jovens se
sintam atrativas e desejadas, a experiência resulta em remorso, tristeza
e vergonha.
O autor (ou autora) também enfatiza que o namoro ou noivado não
são justificativas plausíveis para ceder aos desejos do companheiro.
Mesmo que a união física faça parte do “amor verdadeiro”, esse

153 Artigo traduzido. Arthur Whitefield Spalding (1877-1953) foi um importante escritor e educador adventista,
co-fundador da Fletcher Academy e participante da Associação Geral adventista. Consultado em:
https://encyclopedia.adventist.org/article?id=6A7D&highlight=spalding. Acesso em: 08/10/2020.
430 • O Adventismo no Brasil

momento deve ser reservado para o casamento. Uma jovem que recorre
a esse tipo de prática “desvaloriza-se a si mesma, renuncia a suas
convicções, trai a sua fé, e se rebaixa diante de seu companheiro a
conceder, sem nenhuma reserva, aquilo que é parte apenas de uma
totalização maior” (S. V. C., 1967a, p. 17). Tendo em vista a
responsabilidade que recai também sobre os jovens comprometidos com
os valores morais, o/a autor/a complementa sua opinião a respeito do
assunto afirmando que, “se o seu noivo a ama, de maneira alguma
quererá privá-la egoisticamente de sua pureza, e por conseguinte,
exercerá um perfeito domínio sôbre si mesmo, para salvaguardar-lhe os
interêsses” (idem).
A manutenção da virgindade é uma recomendação feita também
aos jovens rapazes, sob o signo da castidade. No mês anterior, em abril
de 1967, a mesma seção publicou o texto “É a castidade prejudicial?”.
Nele, a revista procura desmistificar a ideia de que a castidade causa
enfermidades. Pautando-se por informações cedidas pelo médico
adventista João Augustin Etchepareborda e outros profissionais da
saúde, o/a autor/a atesta que a “continência não é prejudicial e sim
benéfica” (S. V. C., 1967b, p. 17). Sendo assim, os jovens devem ser “donos
de si mesmo” e exercer o controle a “tôdas as tendências para viver a
paz serena do homem que se sabe forte e equilibrado” (idem). Contudo,
ainda que os médicos consultados estejam certos em relação ao fato de
que a castidade não acarreta nenhuma enfermidade, suas opiniões,
compartilhadas pelo/a autor/a e pela própria revista, são investidas de
uma forte carga moral. Como exemplo, o médico Marcial I. Quiroga
declara que toda relação sexual alheio ao âmbito conjugal tem potencial
de contágio por infecções sexualmente transmissíveis. Contudo, o
casamento e a relação monogâmica não garantem a proteção contra
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 431

diversas doenças que possuem sua principal via de transmissão a


sexual, mas que não é a única.
Na década de 1980 o assunto continua em pauta. A edição de junho
de 1983 publicou uma matéria intitulada “Virgindade e Pureza.
Ultrapassadas?” e que foi assinada por uma jovem, Laura Herman,
identificada pela própria revista como estudante no Colégio União do
Pacífico, na Califórnia, Estados Unidos 154. Herman relata sua
preocupação com o aumento de casos de jovens que se viram grávidas 155
após praticarem o “sexo pré-nupcial”. Tratado-as como “vítimas” da
revolução sexual, a autora faz o mesmo movimento de Ivo Santos
Cardoso em seus editoriais: o de criticar tanto a repressão quanto a
liberação exacerbada. Em sua opinião, o momento no qual vivia era
tomado pela promoção das “proezas sexuais” na televisão e nas
propagandas, colocando a “libertinagem” na ordem do dia. Assim,
segundo a jovem, “emoções baratas e fáceis tomaram o lugar de relações
profundas e substanciais, e a sexualidade foi reduzida aos seus aspectos
mais vulgares” (HERMAN, 1983, p. 14). Evocando a importância da
valorização da castidade pré-matrimonial em detrimento à banalização
do sexo diagnosticada por ela e outros autores que escreviam para a
revista, Herman conclui que o mais importante é priorizar a relação
com Deus e acreditar em seus propósitos para a vida de cada um,
trazendo assim a dimensão religiosa para orientar a juventude com
relação à importância do autocontrole e da fé em Deus.

154 Com essas informações, podemos concluir que se trata de um artigo traduzido, ainda que não saibamos se
o mesmo foi produzido especialmente para Mocidade ou para outra mídia impressa adventista. Ainda de
acordo com essas informações, podemos considerar que a jovem é adventista, ou ao menos simpatizante da
mensagem cristã da denominação, afinal, a instituição de ensino a qual ela está vinculada é administrada pela
Igreja Adventista do Sétimo Dia.
155 Para saber como o tema do aborto foi trabalhado na revista Mocidade, ver BACH, 2020, p. 145-150.
432 • O Adventismo no Brasil

Como já mencionado, a década de 1970 marcou uma transformação


na abordagem de Mocidade com relação às relações amorosas e à
sexualidade. O noivado, que paulatinamente entrava em desuso (ainda
que na tradição religiosa fosse uma etapa fundamental), deixa de se
fazer tão presente nas páginas da revista. O namoro permanece como
interesse editorial mediante a orientação de se evitar os contatos
íntimos pré-matrimoniais. Já o casamento continua sendo colocado
como um objetivo pelo qual os/as jovens devem buscar, mas também
cresce a preocupação em orientar a juventude para o caráter
indissolúvel da instituição matrimonial, tendo em vista o crescente
número de divórcio assistidos dentro e fora do país. À década de 1980,
acrescenta-se o alerta para o problema das relações extraconjugais, da
“promiscuidade sexual” e das “doenças venéreas”.
Mesmo que a revista não fosse abertamente proselitista, fazendo
poucas menções ao universo adventista e recorrendo a um repertório
espiritual cristão mais geral, é evidente que muitos posicionamentos
sustentados pela equipe editorial da revista têm por influência a religião
e os escritos de Ellen G. White. Em Testemunhos sobre Conduta sexual,
Adultério e Divórcio, a profetisa comenta sobre diversos assuntos
encarados como “problemas morais” e que aparecem em maior ou
menor frequência em Mocidade – não apenas aqueles elencados no
título da obra, como também o jugo desigual, masturbação,
homossexualidade, licenciosidade, entre outros “males sexuais”. O
diagnóstico feito por White (2008, p. 11) é que na mente juvenil o
casamento é revestido de romance, e isso faz com que, muitas vezes,
torne-se nebuloso o peso e a responsabilidade que acompanha o
matrimônio. Por esse motivo, faz-se necessário um cuidadoso preparo
durante o namoro e noivado, devendo ser evitados os casamentos
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 433

precoces. No que diz respeito ao divórcio, ele é tolerado em alguns casos,


como o adultério. Com exceção a essa última condição, Ellen G. White
(2008, p. 71) afirma que “uma mulher pode estar oficialmente divorciada
do marido pelas leis do país, mas não divorciada à vista de Deus e de
acordo com a lei mais elevada”, chamando a atenção para o caráter
vitalício dos votos matrimoniais.
A valorização da instituição matrimonial e o papel de ambas as
partes – marido e mulher – para sua manutenção também foi um tema
recorrente na revista ao longo de todo o período de sua produção, mas
com especial atenção ao longo da década de 1970. O redator responsável
Mocidade no período, Ivo Santos Cardoso, deixa nítida essa preocupação
no editorial de abril de 1974:

Ninguém casa para ser infeliz, mas há muitos casais infelizes. Essa é uma
triste realidade que invade o mundo inteiro. Há países onde um terço dos
matrimônios acabam em divórcio. No Brasil há milhares de separações
legais cada ano e outras tantas que não chegam ao conhecimento das
autoridades. Por detrás desses fatais enganos, há corações frustrados que
um dia anelaram sinceramente viver felizes “até que a morte os separe”. O
desentendimento conjugal veio antes e agora curtem o amargo sofrimento
reservado aos que não conseguem viver as promessas feitas diante do Juiz
de Paz. [...] (CARDOSO, 1974, p. 03).

Tendo em vista esse cenário de crescimento no número de


divórcios, a revista publica a matéria “Oito Mandamentos Para Casar e
Ser Feliz”, com objetivo de valorizar o casamento e mostrar alternativas
para fazer dele uma relação sadia e feliz para ambas as partes, afinal,
casamento feliz não é sorte, mas sim uma boa escolha. Sua autora,
434 • O Adventismo no Brasil

Norma Mohn 156, afirma que o casamento é “um negócio sério”, que
requer bom senso e “o completo desejo e vê-lo bem realizado” (MOHN,
1974, p. 05). Sendo assim, ela elenca os “oito mandamentos” para um
casamento feliz, nos quais se destaca a necessidade de se respeitar a vida
particular do parceiro, ajudar um ao outro nos momentos de desânimo,
jamais provocar ciúmes, tolerar falhas e fraquezas e amar um ao outro
como a si próprio (idem, p. 06-08).
Outra matéria que deu especial atenção à prevenção do divórcio foi
“Afinal, o casamento está superado?” de Nancy Van Pelt 157, na edição de
maio de 1984. Partindo das reflexões da palestrante adventista Ruth
Peale, Van Pelt afirma que um casamento feliz “envolve duas pessoas
solucionando pequenas e grandes dificuldades” (VAN PELT, 1984, p. 26).
De acordo com o artigo, nem sempre as coisas saem como o esperado e
as dificuldades não devem ser obstáculos para a felicidade matrimonial,
muito menos para o divórcio. Para Van Pelt, o aumento no número de
divórcios no contexto da década de 1980 pode ser associado à crescente
facilidade em acessá-lo e à “deterioração da qualidade da vida familiar”
(idem, p. 07). Podemos associar este último ponto levantado pela autora
com o processo de deterioração da instituição familiar tradicional,
especialmente por conta do acesso cada vez maior das mulheres ao
trabalho assalariado e o declínio da noção de mulher apenas como dona-
de-casa.
No que tange ao aumento no número de divórcios citado por Van
Pelt, lembramos que foi no ano de 1977 que a Lei do Divórcio foi
instituída pelo Estado brasileiro, mas isso não evitou que, antes disso, o

156 Não foram encontradas informações consistentes sobre a autora que a identifique como adventista.
157Escritora recorrente nas revistas adventistas em matérias sobre aconselhamento familiar, conjugal e
amoroso.
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 435

desquite e as separações informais já ocorressem. Outro motivo


elencado pela autora são os casamentos prematuros, que comumente
apresentam uma falta de estrutura emocional e material para sua
manutenção. Contudo, Van Pelt alerta que esse recurso é “mais
frequentemente uma fuga do problema do que propriamente sua
solução” (idem).
Para o adventista Eli Silveira Campos, autor de “Casamento: um
assunto sério” (edição de setembro de 1982), o que faltaria aos jovens é
encarar o casamento com a devida seriedade. Mais do que uma união
burocrática ou um contrato social, o casamento é um matrimônio: a
união entre um homem e uma mulher sob o olhar de Deus, uma
instituição divina. Desse modo, o casamento constituiria o legítimo
“triângulo amoroso”. Neste triângulo, segundo Campos, “quanto mais
marido e mulher se aproximam de Deus, mais se aproximam um do
outro” (CAMPOS, 1982, p. 11). E quando posto em prática, ele “cimenta o
casamento com a argamassa do amor verdadeiro e de alegria da vida a
dois” (idem). É interessante notar que, assim como a escrita por Laura
Hermann, esta é uma das matérias que trazem a dimensão religiosa
para o discurso, o que nem sempre ocorre de forma nítida. Ainda que os
valores cristãos estejam sempre presentes no modo como o casamento
e outros assuntos são abordados, nem sempre há uma associação
declarada com os preceitos religiosos cristãos.
Encarado como um fatídico pecado, o adultério é um dos motivos
que preveem a possibilidade de dissolução do matrimônio com o
consentimento institucional da igreja e de Deus. Na revista ele é
comumente associado à promiscuidade sexual, aparecendo como vias de
contaminação nas matérias que tratam de infecções sexualmente
436 • O Adventismo no Brasil

transmissíveis e as formas de prevenção. Veremos a seguir como este e


outros assuntos são tratados em Mocidade.

“SEXO NÃO É PROBLEMA DE CADA UM”

Ao longo da primeira metade do século XX, as discussões em torno


da educação sexual encaravam as práticas sexuais como estritamente
“heterossexuais, monogâmicas, consolidadas pelo matrimônio e
reprodutivas” (CÉSAR, 2009, p. 43). A partir da década de 1960, com o
advento dos movimentos pelos direitos civis e sexuais, a educação
sexual passa a ser um campo de disputa e não mais uma hegemonia da
visão conservadora e religiosa sustentada nas décadas anteriores. No
final da década de 1980, de acordo com Maria Rita de Assis César, boa
parte das propostas de educação sexual passam a privilegiar a noção de
“prevenção” e voltam a defesa de um “sexo bem educado” (responsável,
seguro e saudável), muito por conta da epidemia de HIV/Aids e da maior
preocupação com a gravidez de jovens em fase escolar.
De fato, a epidemia de aids foi uma grande potencializadora de uma
”ênfase epidemiológica na saúde pública e nos discursos sobre a
sexualidade” (PELÚCIO e MISKOLCI, 2009, p. 127), mas que também
abriu as portas para ataques de setores religiosos e conservadores às
relações e práticas sexuais fora da lógica hétero-cis-normativa.
Partindo das reflexões feitas por Michel Foucault, Pelúcio e Miskolci
identificam esse processo como uma biopolítica, docilizando e
domesticando corpos via instituições disciplinares e cedendo espaço
para uma “ideologia de moralidade da saúde e do corpo” (idem). O sexo
passa a ser novamente colocado em pauta nos discursos médico,
psiquiátrico, pedagógico e religioso. E como mostrado por Richard
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 437

Parker e Herbert Daniel (2018), já na década de 1980 o diretor do


programa para a Aids da Organização Mundial da Saúde, Jonathan
Mann, mostrava que a doença se manifestava em pelo menos três fases
distintas, que poderiam ser encaradas até mesmo como três epidemias
distintas:

a primeira é a epidemia da infecção pelo HIV que silentemente penetra na


comunidade e passa muitas vezes despercebida. A segunda epidemia, que
ocorre alguns anos depois da primeira, é a epidemia da própria AIDS: a
síndrome de doenças infecciosas que se instalam em decorrência da
imunodeficiência provocada pela infecção pelo HIV. Finalmente, a terceira
(talvez, potencialmente, a mais explosiva) epidemia de reações sociais,
culturais, econômicas e políticas à AIDS, reações que, nas palavras do dr.
Mann, são “tão fundamentais para o desafio global da AIDS quanto a própria
doença” (DANIEL e PARKER, 2018, p. 14).

Aqui, nos interessa a fase que Parker e Daniel chamam de “terceira


epidemia”, na qual se observou não apenas uma reação social, cultural,
econômica e política em torno da aids, mas desencadeou uma maior
preocupação com as demais infecções sexualmente transmissíveis e,
consequentemente, com o exercício da sexualidade, especialmente das
camadas mais jovens.
Com isso, na década de 1980 a orientação da conduta sexual dos/as
jovens mostrou-se ainda mais emergente aos olhos da equipe editorial
de Mocidade, majoritariamente adventista. Revestida pelo discurso
geral da prevenção, seus editores publicaram no período duas edições
especiais de Mocidade sobre “doenças venéreas”. Trazendo basicamente
o mesmo conteúdo 158, apenas reformulado esteticamente, as duas

158 Entre a primeira e a segunda foi acrescentado apenas um artigo sobre a aids, que reproduzido na íntegra
da edição de julho de 1986.
438 • O Adventismo no Brasil

edições buscam informar os/as leitores/as das principais infecções


sexualmente transmissíveis, seus sintomas e formas de contágio, o
perigo da “promiscuidade sexual”, o “preço” do amor livre e sobre a
homossexualidade 159. Tendo em vista o trabalho já realizado de análise
do discurso sobre a sexualidade e as relações amorosas na revista
Mocidade (BACH, 2020), podemos afirmar que essas edições especiais
sintetizam e resumem bem o posicionamento da equipe editorial do
periódico acerca desses assuntos. Por isso, eles serão nosso foco de
análise.
O texto editorial que abre as edições foi escrito por Azenildo G.
Brito, que afirma que esta edição especial de Mocidade

“representa um serviço de esclarecimento que seus redatores e


divulgadores prestam em benefício da juventude e da sociedade brasileira
advertindo, orientando e inspirando seus leitores a um viver mais saudável,
firmado em princípios retos e inspirados em sentimentos construtivos”
(BRITO, 1983, p. 05).

Desse modo, ele evidencia não só o caráter amplo de divulgação da


edição, como também a manutenção dos princípios sustentados pelo
adventismo e da ideia de um “sexo bem educado”. Em seus escritos Ellen
G. White (2008, p. 100-114) já relatava seus posicionamentos sobre aquilo
que ela considerava “males sexuais”, como o sexo pré-marital, a
homossexualidade e a masturbação. Também orientava os casais sobre
a conduta sexual no casamento. O prazer deve ser buscado de ambos os

159 Na revista, referenciada como “homossexualismo”, reforçando uma visão patologizada da


homossexualidade. Ainda que oficialmente não tivesse sido retirada da Classificação Internacional de Doenças
(CID) da OMS, o que só foi ocorrer em 1990, desde o final da década de 1960 o movimento gay e lésbico lutava
pela despatologização da homossexualidade. Além disso, no início da década de 1970 a Associação Americana
de Psiquiatria já havia excluído a homossexualidade de seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais, o que ajudou a colocar a pauta da despatologização não apenas no centro do discurso médico e
psiquiátrico, mas também no âmbito social.
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 439

lados e não é recomendada a abstinência sexual, mas os casais devem se


atentar aos excessos, pois eles possuem uma natureza destrutiva,
segundo a profetisa. Desse modo, podemos entender que o sexo não tem
como única função a reprodução, mas também o prazer conjugal, ainda
que seja “um dever religioso governar as próprias paixões” (idem, p.
111).No que tange à homossexualidade, ela é vista como pecado e um
“abandono de princípios” (idem, p. 110). Já a masturbação, na visão de
White, “destrói as boas resoluções, o esforço fervoroso e a forca de
vontade para formar um bom caráter religioso” (idem, p. 112), diminui a
energia vital, é base para o desenvolvimento de outras doenças, destrói
a capacidade mental e vida espiritual (idem).
Esses aspectos do pensamento de Ellen G. White estão até hoje de
algum modo presentes no discurso adventista 160 e são os fios
norteadores da abordagem feita pela equipe editorial da revista nas
edições especiais sobre “doenças venéreas”. A matéria de abertura
dessas duas edições já é bem ilustrativa do tom dado ao tema da
sexualidade e seus desdobramentos, enfatizando que o sexo traz
consigo uma responsabilidade coletiva e não apenas individual. “Sexo
não é problema de casa um”, escrito pelo conselheiro de jovens, médico
e pastor adventista Siegfried Hoffmann 161, aponta a necessidade de
seguir a filosofia cristã quando o assunto é sexo. Seus princípios,
segundo o autor (1983, p. 02), não consideram o sexo como uma função
fisiologia normal, tal qual a fome, a sede ou o sono. Ela não deve ser
satisfeita a qualquer custo ou governada por impulsos. Sua mensagem

160 Ainda hoje, o discurso institucional da igreja não reconhece a legitimidade de relações homoafetivas,
considerando a heterossexualidade como orientação natural estabelecida por Deus. (NISTO CREMOS, 2017, p.
371).
161 As informações sobre Hoffmann foram cedidas pela própria revista. Segundo informa o editorial, o texto foi
extraído de uma palestra proferida por Hoffmann em um colégio adventista em São Paulo.
440 • O Adventismo no Brasil

principal aos jovens é que o sexo é uma relação interpessoal, que deve
ser vista como “questão social” – ainda mais em um contexto de
crescente preocupação com as infecções sexualmente transmissíveis.
A mesma preocupação é compartilhada por Belisário Marques,
psicólogo e conselheiro bastante conhecido pelo publico de Mocidade,
responsável pela seção “Você Pergunta”. Na edição especial, Marques
(1983, p. 20) publica um texto no qual defende que o “sexo não preenche
vazio existencial”. Criticando a propagação do sexo como produto de
mercado, um objeto de consumo, Belisário Marques frisa a falta de
dignidade que existe nessa expansão do sexo no âmbito público. O sexo
sem compromisso ou responsabilidade acarretaria um “sentimento de
inferioridade” e uma “auto-desvalorização” pessoal (idem, p. 21). O que
Marques aponta é que “a tríplice satisfação sexual: física, psicológica e
espiritual só é possível quando o indivíduo tem auto-conceito sadio,
positivo e otimista; quando o indivíduo entra no relacionamento com
respeito próprio e em nível de igualdade” (idem). Conhecendo de
antemão os princípios que norteiam o periódico, sabemos que esta é
uma mensagem em defesa do sexo como exercício exclusivamente
matrimonial.
Nessas edições especiais de Mocidade algumas páginas foram
dedicadas a duas infecções específicas: a sífilis e a gonorréia. Por se
tratarem de duas IST’s de incidência relativamente acentuada, seus
editores trouxeram informações sobre as mesmas de forma dinâmica e
atrativa para o público leitor, utilizando recursos visuais como gráficos
e imagens, além de trazer três páginas de testes para que os/as
leitores/as avaliassem seus conhecimentos sobre o assunto. Em
contrapartida, no que diz respeito a métodos contraceptivos, pouca
atenção foi despendida. As opções apresentadas pelos editores são
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 441

pouco diversificadas e não há explicações claras sobre como utilizá-los


ou mesmo acessá-los.
A própria chamada da matéria sobre o assunto – “A pílula não é a
solução” (1983, p. 10) – já traz um tom negativo para tratar dos métodos
contraceptivos. Sem identificar nenhum autor ou autora, a matéria
associa o advento da pílula anticoncepcional ao aumento no número de
casos de “doenças venéreas”, mas não apresenta nenhum dado ou
informação consistente que respalde essa declaração. Em seguida,
poucas linhas apresentam a “camisinha de Vênus”, nas quais explicam
que mesmo que ela proteja de gravidez indesejada e da transmissão de
algumas infecções, sua eficácia é em torno de 90%, o que não garante
uma proteção total. Nessa mesma matéria, um quadro se destaca
trazendo a seguinte mensagem em caixa alta: “O único método seguro
de prevenção:” (idem, p. 11), sendo a resposta “não participar de relações
sexuais ilícitas” (idem). Aqui, encontramos novamente uma mensagem
de defesa da abstinência sexual pré-matrimonial.
A ideia de “relações sexuais ilícitas” não é associada apenas às
relações extra ou pré-conjugais, mas também à homossexualidade 162.
Em “Não se desespere: há uma solução” Rubens Lessa, redator-chefe de
Mocidade de 1978 a 1994, defende a tese de que a homossexualidade é
uma perversão sexual e que deve ser tratada. Reforçando a imagem do
sexo como “uma das maravilhas criadas por Deus” (LESSA, 1983, p. 26) e
sua função reprodutiva, Lessa alerta para a “deturpação” das funções e
finalidades do sexo por sucessivas gerações. Entre essas deturpações
estão as propagandas, comerciais e programas de televisão que se

162 É importante salientar que desde a década de 1970 homossexuais adventistas ou ex-adventistas têm
buscado se organizar e cobrar da instituição uma postura mais favorável à homossexualidade, como é o caso
da SDA Kinship International. Para saber mais: https://www.sdakinship.org/pt/. Acesso em: 09/10/2020.
442 • O Adventismo no Brasil

utilizam do sexo como ferramenta de atração e também a


homossexualidade. Afirmando que não há consenso entre profissionais
acerca das causas do “homossexualismo” (enfatizando o teor
patologizante do texto), o que interessa a ele é informar seus leitores de
que essa prática tem cura, não importando a causa. A cura é possível não
só nesses casos, mas para todos os “problemas que envolvem o uso
indevido do sexo – relações pré-maritais ou extraconjugais,
masturbação, bestialidade, etc.” (idem). A cura citada pelo autor está no
reconhecimento de sua situação e na aceitação do “poder que vem de
cima” (idem). Aqui, Lessa reforça a conhecida retórica cristã de que não
há pecado grande o suficiente que não possa ser perdoado por Deus
mediante sincero arrependimento.
No início da epidemia de HIV/Aids, o homossexual estava
circunscrito dentro da ideia de “grupo de risco” de infecção. Ainda que
os primeiros casos tenham sido registrados em jovens homossexuais,
essa noção rapidamente foi percebida como equivocada e descartada
pelo discurso médico, mas foi reproduzida por um longo período por
outros grupos interessados em reforçar a patologização da
homossexualidade e condenar práticas sexuais dissidentes à norma
heterossexual e monogâmica. Podemos perceber o reforço da noção de
“grupo de risco” e a adoção de um tom alarmista em relação à aids nas
matérias publicadas sobre o assunto em Mocidade, entre elas “Aids – A
invasão do Vírus” (1986, p. 03) 163. O texto em questão é dividido em três
partes, no qual se apresenta primeiramente dados gerais sobre a doença
e seus principais sintomas, em seguida comenta sobre “como prevenir”
e, por último, comenta sobre os “grupos de risco” (homossexuais,

163 Publicada na edição de julho de 1986 e na segunda edição especial sobre “doenças venéreas”. Não é
identificado o autor ou autora do texto.
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 443

viciados em drogas injetáveis, haitianos e hemofílicos), ainda que essa


noção já fosse bastante questionável.
Mesmo que já se soubesse que qualquer pessoa podia estar
vulnerável à contaminação pelo vírus, mesmo àquelas em
relacionamentos estáveis, seu autor ou autora utiliza-se do argumento
de que estes são o grupo mais vulnerável dado seus estilos de vida. Esse
argumento fica bastante nítido nas informações sobre como prevenir.
Deve-se evitar a “promiscuidade sexual”, ou seja, múltiplos parceiros ou
parceiras, tanto nas relações heterossexuais quanto homossexuais;
evitar o compartilhamento de seringas, atentando-se para seus usos
seja na farmácia, no pronto-socorro ou dentista. E, ainda, evitar as
“casas de massagem” (chamadas também de “casas gays” no texto), pois
elas seriam frequentadas “por representantes do maior grupo de risco
– os homossexuais, travestis que comercializam sexo e bissexuais”
(idem), que praticam o sexo oral e outras “relações sexuais promíscuas”
de modo irrestrito nesses ambientes. Podemos verificar em seu discurso
uma forma estereotipada e generalizante de perceber as práticas
sexuais e trocas afetivas entre a comunidade LGBTQI+, carecendo de
informações consistentes e empatia por esse grupo social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando o conteúdo da revista no tocante aos relacionamentos


amorosos e à sexualidade, podemos perceber uma constante
preocupação em orientar a conduta afetiva e sexual da juventude no
contexto brasileiro da segunda metade do século XX, período de
publicação de Mocidade, mas que também foi o momento de grandes
mudanças no estilo de vida da população como um todo. Nesse contexto,
444 • O Adventismo no Brasil

o Brasil tornava-se mais urbano, movimentos pelos direitos civis e


sexuais emergiam e os papéis de gênero e sexuais eram cada vez mais
questionados – levando a juventude a cada vez mais repensar o seu
lugar na sociedade. Partindo desse panorama,

podemos observar a escolha pela manutenção de um discurso que sustenta


os valores defendidos pela igreja, como a “pureza” e a virgindade pré-
matrimonial, a função do namoro e noivado no âmbito sexual (preparar os
casais com um conhecimento “teórico” sobre o assunto), a defesa das
relações sexuais “saudáveis” e monogâmicas, limitada aos contornos do
casamento, a necessidade de uma educação sexual da juventude que esteja
de acordo com os princípios religiosos (BACH, 2020, p. 35).

Considerando o sexo como algo “quente e desconhecido”, Mocidade


pretendia aconselhar a juventude sobre seus mais diversos aspectos de
forma “lúcida e responsável”, segundo seus editores (CARDOSO, 1976, p.
03). Entre o problema da repressão e o perigo da liberação, o discurso de
Mocidade defendia o exercício da sexualidade “sadia” e equilibrada. Essa
sexualidade idealizada pelo periódico de matriz religiosa seguia a
seguinte regra: heterossexual, monogâmica e posta em prática somente
após os votos matrimoniais.
Desse modo, Mocidade adota a pedagogia do “sexo bem educado”,
pautada na ideia de relações sexuais “seguras e sadias”. Portanto, mais
importante do que definir a função do sexo é definir o lugar do sexo:
dentro dos contornos matrimoniais. Desse modo, grande atenção é dada
a valorização da castidade e da “pureza”, especialmente no caso das
mulheres, atribuindo a elas a importância de não se deixar levar por
“paixões passageiras”, por modas ou pela “onda de novas ideias”
trazidas pela revolução sexual a partir da década de 1960. Agregado a
esse conjunto de fatores, percebemos também uma dura crítica às
Luanna Fernanda da Cruz Bach • 445

relações homossexuais, associando-as a uma maior promiscuidade


sexual e ignorando o fato de que a homossexualidade possui uma
cultura sexual distinta. O ponto de partida da normalidade é sempre a
heterossexualidade compulsória, tal como proposta por Butler (2019), e
tudo que se difere dela é encarado como desvio, como pecado, como
anormal.
É importante reforçar que Mocidade era uma revista direcionada
para toda a juventude 164 e por conta disso não há tantas ênfases em
espiritualidade e religião, mesmo que estejam nelas estejam os fios
norteadores do discurso do periódico. Ainda que haja dissidências e
questionamentos dos/as próprios/as leitores/as por meio de cartas ou
da seção “Você Pergunta”, entendemos que seu público leitor se
interessava e concordava em certa medida com a filosofia cristã que
permeava a revista. Se a educação afetiva e sexual nos moldes
adventistas deveria alcançar toda a juventude brasileira, a mídia
mostra-se como uma aliada muito importante para a divulgação desse
e de outros conteúdos. Como já mostrado por autores como Follis e
Cunha (2010), Carvalho (2012), e Bach (2017; 2020), a mídia impressa é
um importante elemento no desenvolvimento e institucionalização do
movimento adventista. Mais do que uma mera instrumentalização do
recurso por parte da igreja, a mídia impressa adere sentido à
experiência religiosa. Por meio de suas revistas, a Igreja Adventista do
Sétimo Dia exerce sua missão de evangelização e divulgação da
mensagem adventista e também nos dá um bom panorama de sua visão

164 Essa também é uma característica de outras revistas publicadas pela Casa Publicadora Brasileira, como a
Vida e Saúde e Nosso Amiguinho. Ainda que os valores morais religiosos estejam presentes no discurso desses
periódicos, a escolha por não apelar para um tom proselitista e confessional é considerada uma estratégia
editorial e missionária para se alcançar um publico mais amplo, e não apenas adventistas ou outros cristãos.
446 • O Adventismo no Brasil

de mundo. Por esse motivo, a mídia impressa se constitui como uma rica
fonte para a investigação dos mais diversos aspectos do universo
adventista.
Devemos visualizar essa relação entre mídia e religião não como
algo fixo e imutável, mas em constante transformação e atualização. No
caso de Mocidade, ainda que haja diversas zonas de silêncio ou
negligenciamento no discurso acerca da sexualidade (como a falta de
informações a respeito do controle de natalidade no casamento ou sobre
métodos contraceptivos eficazes para além da abstinência), podemos
ver um esforço em ser um periódico útil à juventude na época. A
abordagem das infecções sexualmente transmissíveis é um exemplo
disso. Mesmo que frequentemente associem a transmissão a uma vida
desregrada e promíscua – que não deveria ser vivenciada por uma
juventude comprometida com os valores morais defendidos pela igreja
–, a revista traz informações muito úteis sobre como identificar os
sintomas das doenças, incentivando a procura de ajuda médica a
qualquer suspeita. Num período em que nem sempre as informações e
o próprio atendimento médico eram de fácil acesso, ela cumpria a
função de informar e aconselhar a juventude que, também por medo ou
vergonha, poderiam não buscar ajuda e informações por outros meios.

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15
EXEGESE BÍBLICA ADVENTISTA NA PÓS-
GRADUAÇÃO NÃO ADVENTISTA BRASILEIRA:
METODOLOGIA E VIABILIDADE
Petterson Brey

INTRODUÇÃO

O tema da metodologia de interpretação da Bíblia desde muito cedo


na história da IASD 165 constitui-se como um elemento de caráter
distintivo, visto que, em virtude da índole bíblica de suas doutrinas, a
peculiaridade metodológica empregada na exegese adventista garante-
lhe a manutenção de sua identidade denominacional (TIMM, 2007, p. 5-
12). A presença, entretanto, de estudantes adventistas em programas de
pós-graduação de instituições não adventistas no Brasil, sobretudo em
áreas e/ou linhas de pesquisa que trafegam direta ou indiretamente pelo
campo da exegese bíblica, corresponde ao tema que norteia questão aqui
proposta: é viável o desenvolvimento de uma produção acadêmica, quer
seja dissertação de mestrado ou tese doutoral, sob a orientação
normatizada por outras escolas de interpretação bíblica sem prejuízo da
acomodação teológica adventista?
Como resposta, todavia, a esse desafio, não se pretende aqui
realizar uma inspeção da produção dos acadêmicos adventistas nessas
instituições, tampouco estabelecer uma norma metodológica a ser
seguida, mas, na perspectiva de uma abordagem um pouco mais teórica,

165 Igreja Adventista do Sétimo Dia, doravante: IASD.


Petterson Brey • 451

discutir acerca das feições metodológicas de certas ferramentas de


interpretação bíblica mais abnóxias à teologia adventista. Porquanto,
quase que invariavelmente a optação, por parte do discente, da
metodologia de pesquisa depende do alinhamento e aderência ao(s)
projeto(s) de pesquisa que o seu orientador está desenvolvendo. A
adesão, portanto, ao programa de pós-graduação depende da adequação
do projeto de pesquisa proposto pelo candidato ao interesse temático-
metodológico do programa e/ou do orientador. Assim, cabe ao
estudante-pesquisador adventista encontrar caminhos de convergência
teológico-metodológicos que satisfaçam as expectativas do programa
sem danos à sua identidade denominacional.
O caminho a ser percorrido pela análise aqui proposta, entretanto,
não poderia prescindir de uma breve abordagem ao desenvolvimento da
própria história da interpretação bíblica, visto que, contextualmente, os
pressupostos metodológicos da exegese adventista precisam ser
reconhecidos, compreendidos e contrastados no horizonte total dessa
disciplina. Uma delimitação, entretanto, acerca das diversas seções e
subseções literárias da Bíblia, precisa ser feita para poder se acomodar
às pretensões desse breve capítulo. Dessa forma, apesar de se fazer
menção ao escopo mais amplo das Escrituras, escolhe-se, aqui, como
objeto mais específico, a porção bíblica do Pentateuco, uma vez que este
se constitui como referência teológica para as demais porções da Bíblia
(FRETHEIM, 1996, p. 20-22). Ademais, no que se refere aos fundamentos
da teologia adventista, a interpretação dos cinco primeiros livros da
Bíblia Hebraica é decisiva, a começar pelo primeiro capítulo de Gênesis
(BRASIL DE SOUZA, 2011, p. 65-76).
Além disso, no intuito de tornar o presente texto um pouco mais
específico, será feita uma sutil distinção, no âmbito da interpretação
452 • O Adventismo no Brasil

bíblica, entre exegese e hermenêutica, sendo que a atenção aqui será


dirigida preferivelmente à primeira das duas. Ainda que no processo
interpretativo da Bíblia exegese e hermenêutica sejam elementos
complementares um ao outro (OSBORNE, 2009, p. 25-29), sendo, por
muitos, até confundidos como se fossem a mesma coisa com nomes
diferentes e sinônimos, em algumas instituições mais avançadas em
estudos bíblicos ambas as disciplinas se constituem como
especializações distintas (SILVA, 2015, p. 29-30), embora não faça
sentido, no que tange à prática interpretativa bíblica como um todo,
isolar uma da outra (CORLEY, 2002, p. 5-9). Assim, por mais que se tenha
em perspectiva as implicações hermenêuticas, sobretudo no que se
refere à teologia adventista, o objetivo, aqui, é discutir a respeito de
questões relativas à metodologia exegética.
Dessa forma, segundo Grant R. Osborne (2009, p. 26), na relação
entre exegese e hermenêutica, a primeira serve à segunda. Isto é,
enquanto a hermenêutica está preocupada com o processo mais amplo
de interpretação e exposição dos temas bíblicos, servindo, inclusive, ao
desenvolvimento da teologia bíblica, a exegese, por sua vez, constitui-
se como uma das ferramentas que proveem à hermenêutica os
significados dos elementos textuais que esta última utilizará na
construção do sentido dos textos bíblicos. Sendo, portanto, um
mecanismo subcutâneo de exploração do texto, a exegese, como
fornecedora da matéria prima literária, lança mão de instrumentos
metodológicos especializados para a natureza específica de seu
trabalho.
Destarte, é na esfera dos instrumentos metodológicos de exegese
bíblica que se aloca o objeto de discussão desse breve texto. Como dito
no início dessa introdução, a hermenêutica subjacente à teologia bíblica
Petterson Brey • 453

adventista, bem como seu corpo doutrinário, se utiliza de uma


metodologia de exegese bíblica bastante peculiar, o método gramático-
histórico, que, por sua vez, é reputado como legítimo defensor da ideia
“de que unicamente a Bíblia é autoridade em assunto de fé e prática”
(BRASIL DE SOUZA, 1997, p. 53). Os programas de pós-graduação de
instituições de ensino brasileiras fora do adventismo, entretanto,
sobretudo aqueles que possuem linhas de pesquisa referentes à exegese
bíblica, de um modo geral recorrem a outros modelos metodológicos
para interpretação da Bíblia. Alguns deles, inclusive, são
diametralmente opostos, no âmbito de suas premissas, à metodologia
adotada nas instituições de ensino adventistas.
Por conseguinte, como proposta de viabilidade, o presente texto
pretende demonstrar que no contexto da ruptura existente entre os
denominados estudos diacrônicos e sincrônicos da Bíblia existe uma
margem de acomodação hermenêutica para os adeptos do método
gramático-histórico, sem prejuízo de suas concepções teológicas. Para
tanto, primeiramente buscar-se-á na história da interpretação bíblica o
estabelecimento da diacronia, que ambienta os métodos histórico-
críticos (SIMIAN-YOFRE, 2009, p. 79-81), e seu posterior contraste com a
sincronia, seara dos estudos literários, tal qual a análise narrativa para o
Antigo Testamento (SKA, 2009, p. 139-141) e a pragmalinguística para o
Novo Testamento (PAZ; GRILLI; DILLMANN, 1999, p. 9-11). O objetivo é
demonstrar que mesmo as metodologias mais antagônicas ao método
adotado pelo adventismo possuem concorrentes, e que dessa
contraposição podem resultar vias oportunas para exegetas adventistas
desenvolverem seus estudos.
Em seguida, portanto, após ter sido estabelecida uma aproximação
à história da interpretação bíblica, buscar-se-á situar e descrever as
454 • O Adventismo no Brasil

feições metodológicas gramático-históricas. A intenção é contrastar o


método exegético adotado pelo adventismo com as demais
metodologias com vistas a demonstração da contraposição entre suas
premissas. Além disso, refletir acerca das principais implicações de tais
pressuposições à teologia adventista.
Por fim, na terceira parte, apresentar-se-á a análise narrativa como
proposta metodológica viável para o desenvolvimento de trabalhos
exegéticos por discentes adventistas em programas de pós-graduação
não adventistas no Brasil. À vista disso, portanto, buscar-se-á descrever
as principais características da leitura sincrônica da Bíblia, dando-se
destaque ao fato de que a narratologia busca mergulhar no universo do
texto tal qual se encontra na sua forma final (MARQUERAT; BOURQUIN,
2009, p. 9-11) sem se questionar o provável contexto fundante – Sitz im
Leben – que é o principal questionamento dos métodos histórico-críticos.
Assim, valendo-se da despreocupação primordial da análise narrativa
para com as hipóteses documentárias, subjacentes às supostas versões
da história de Israel (WELLHAUSEN, 2004, p. 1-9), vislumbra-se uma
zona de acomodação exegética pouco agressiva aos pressupostos
histórico-teológicos adventistas.

1. ESTUDOS DIACRÔNICOS E SINCRÔNICOS NA HISTÓRIA DA


INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Primeiramente, é essencial que se faça distinção entre diacronia e


sincronia, principalmente no que tange ao que se pergunta com cada
uma dessas duas formas de abordagem. Assim como cada uma dessas
ferramentas serve aos propósitos de caminhos metodológicos distintos,
os tipos de resultados encontrados respondem a questões igualmente
diferentes. Em geral, os estudos diacrônicos, com o objetivo de
Petterson Brey • 455

identificar a origem das nuances literárias evidenciadas nas supostas


rupturas presentes no texto bíblico, focam-se nas fontes de redação
textual por meio de ferramentas de análise pertencentes aos métodos
histórico-críticos (SIMIAN-YOFRE, 2009, p. 79-119). Os estudos
sincrônicos, no entanto, ao evidenciar as estratégias de composição, tais
como, as questões retóricas, bem como o tipo de olhar que emana da
apresentação do mundo narrado, querem explorar o potencial literário
do texto por meio de ferramentas metodológicas de análise narrativa
(SKA, 2009, p. 139-170). 166
Outra questão importante, que precisa ser pontuada, é sobre o quão
prescindível seria considerada – em ambientes católicos, por exemplo
(PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, 2015, p. 46, 50-53, 159-162) – uma
disputa a respeito do qual desses dois caminhos metodológicos possui
maior importância para o campo dos estudos bíblicos em nível de pós-
graduação. Isso porque, em diversas etapas do processo de intepretação
bíblica, eles podem ser tanto interdependentes quanto
complementares, uma vez que, mesmo em vista de seus diversos
objetivos, compartilham, muitas vezes, as mesmas ferramentas de
trabalho (LIMA, 2014, p. 71). Assim, no intuito de justificar a opção
metodológica de seu projeto de pesquisa, o candidato a discente seria
mais assertivo caso pudesse definir desde o início qual tipo de pergunta
está desejando responder. 167

166 A análise narrativa ganha maior aderência ao estudo do Antigo Testamento, em virtude da predominância
desse estilo literário. O Novo Testamento, no entanto, em razão de sua índole discursiva predominante,
favorece mais a aplicação de metodologias comuns à pragmalinguística. A respeito dessa última, por motivo
de delimitação, não se fará nenhum aprofundamento no presente texto, embora essa temática mereça, por si
só, um capítulo próprio.
167Esse processo de justificativa metodológica, entretanto, precisa levar em conta, também, a tendência
exegética de cada instituição. As instituições católicas brasileiras, por exemplo, são bastante heterogêneas
quanto a esse aspecto, tendo algumas bastante alinhadas aos métodos histórico-críticos, como é o caso da FAJE,
enquanto outras, tais como a PUC-SP e PUC-RIO, tem demonstrado bastante abertura à análise narrativa,
456 • O Adventismo no Brasil

Dessa forma, o exegeta adventista em instituições não adventistas


precisa ter um certo domínio acerca dos pressupostos histórico-
teológicos fontais à essas ferramentas metodológicas. De acordo com
Alberto R. Timm (2007, p. 11-12), destarte, essa competência deve ser
adquirida pelo conhecimento dos antecedentes históricos da
interpretação bíblica adventista. Isto é, a acomodação metodológica de
um pesquisador adventista em instituições não adventistas, no que
tange às fronteiras dos estudos diacrônicos e sincrônicos, requer
conhecimento do desenvolvimento das premissas dessas metodologias
na história da interpretação bíblica.
É preciso que se tenha consciência que questões filosóficas e
ideologias político-sociais, por exemplo, permearam, ao longo da
história, os paradigmas exegéticos e hermenêuticos da Bíblia
(YARCHIN, 2011, p. xi-xii), tanto quanto o desenvolvimento desses
pressupostos impactou as reflexões teológicas no decurso histórico da
teologia bíblica (HASEL, 2012, p. 21-28). A evolução de algumas dessas
tendências foi tão paradigmática que conseguiu, inclusive, estabelecer
marcadores temporais na história da interpretação bíblica. No que se
refere aos métodos histórico-críticos, por exemplo, é possível se verificar
a distinção das fases: 1- O Antigo Testamento: de De Wette a
Wellhausen, e O Novo Testamento: de Schleiermacher a Schweitzer; 2-

embora essa última também possua uma forte tradição em estudos diacrônicos. No espectro protestante tem-
se, a título de exemplo, a UMESP com seu programa de estudos pós-graduados em Ciência da Religião bastante
consolidado na linha histórico-crítica, tendo como grande referencial teórico o arqueólogo Israel Finkelstein e
sua teoria sobre o Israel do Norte como verdadeiro berço da tradição literária do Antigo Testamento
(FINKELSTEIN, 2015). Além disso, outras instituições como a USP e Mackenzie que possuem abordagens bíblicas
dentro de programas pós-graduados na área de Letras, cujo enfoque se dirige às tradições literárias do Antigo
Israel. Outras instituições, tanto católicas quanto protestantes, com destaque à luterana EST, desenvolvem
exegese bíblica com bastante ênfase teológica, tendo uma abordagem metodológica mais sutil no que se
refere à preferência por estudos diacrônicos ou sincrônicos.
Petterson Brey • 457

A crítica do Antigo Testamento depois de Wellhausen, e a crítica do


Novo Testamento depois de Schweitzer (BRAY, 2017, p. 271-464).
A demonstração dessa evolução, no entanto, seria muito extensa
para o que se pretende abordar no âmbito desse breve capítulo. Assim,
na perspectiva de um pequeno exercício empírico, recortar-se-á da
história da interpretação do Pentateuco uma abordagem que tem como
ponto de partida o início da chamada exegese crítica e as primeiras
teorias diacrônicas – no âmbito das diversas hipóteses levantadas sobre
as fontes documentarias feitas por pesquisadores como: Wellhausen,
Gunkel, Noth, von Rad, van Seters, Endtorff, Schmid, Diebner, Perlitt,
Seebass, Zenger, Weimar, Kaiser, Rose, Levin, Blum, Albertz,
Blenkinsopp, Crüsemann (RÖMER, 2009, p. 140-157) – até se chegar ao
contexto dos estudos literários da Bíblia na exegese contemporânea. O
objetivo desse recorte é situar o leitor no centro do entroncamento
metodológico atual, a fim de que possa vislumbrar as possibilidades de
viabilidade metodológica para o desenvolvimento da exegese adventista
na pós-graduação não adventista brasileira.
Embora existam diversos autores que apresentem, até mesmo
exaustivamente, a história da interpretação bíblica e do Pentateuco, em
especial o teólogo católico Félix Garcia López (2016, p. 25-76) – em sua
introdução à leitura dos cinco primeiros livros da Bíblia – o faz de forma
sucinta e atualizada. Utilizando os dois primeiros capítulos de sua obra
para essa atualização metodológica, Garcia López divide essa tarefa em
duas etapas, sendo que, a primeira é dedicada a uma apresentação do
Pentateuco, dando atenção ao seu conteúdo – narrativas e leis –,
ambientação, personagens, temas teológicos e, também, seus problemas
mais comumente ressaltados por diversos pesquisadores. A segunda
458 • O Adventismo no Brasil

parte, portanto, trata objetivamente do desenvolvimento histórico da


interpretação do Pentateuco e, em prospectiva, avalia o panorama atual.
O ponto de partida do autor, ao traçar esse apanhado histórico, está
na constatação do quanto o pensamento intelectual de cada época
influenciou a forma como a Bíblia foi interpretada. Num período por ele
denominado como pré-crítico, por exemplo, quando a tradição judaica
e cristã eram fundamentalmente a-históricas, o interesse exegético
fluía muito mais em direção aos temas teológicos identificados no texto
a questões mais complexas, como o caso de perguntar-se pela
probabilidade da autoria não mosaica do Pentateuco. Assim, sob as
influências do renascimento, da filosofia de Hegel, positivismo e
evolucionismo, entre outros, os estudos crítico-históricos projetaram-se
no cenário exegético, em virtude de sua busca por responder, com maior
objetividade, perguntas sobre certas rupturas observadas no texto
bíblico.
A quantidade de questões levantadas, num primeiro momento,
desencadeou o surgimento de duas perspectivas críticas, sendo elas a
crítica literária e a crítica da forma e da tradição. Em busca de determinar
a possível quantidade de autores para um determinado texto, a crítica
literária, num processo de separar elementos reputados como
acréscimos de elementos reconhecidos como originais, pretendia
determinar a unidade ou heterogeneidade de um texto. Garcia López,
cuidadosamente, descreve esse processo histórico, desde os primeiros
passos com Alfonso de Madrigal e Simon, passando para a antiga
hipótese documentária de Witter e Astruc, a hipótese dos fragmentos de
Geddes e Vater, a hipótese dos complementos de Kelle e Ewald, a questão
da datação de Wette e, por fim, a nova hipótese documentária de Hupfeld,
Graf e Wellhausen.
Petterson Brey • 459

Nesse contexto, em meio a idas e vindas no debate entre os


pesquisadores – até por fim da segunda metade do século XIX –, é
estabelecida a hipótese das quatro principais fontes do Pentateuco:
Javista, Elohista, Deuteronomista e Sacerdotal. Por outro lado, estudos
sobre a forma do texto ganham, também, espaço no debate sobre os
estudos do Pentateuco. A questão do Sitz im Leben – busca pelo contexto
vital, no qual um texto surgiu – bem como da tradição subjacente ao seu
surgimento derivam da premissa de que muitos textos foram
originalmente compostos em função de uma ocasião ou evento
determinado. Nessa seção, Garcia López dá destaque à produção de
Gunkel, von Rad e Noth, que desenvolveram inúmeras variações à teoria
das fontes de Wellhausen.
Num segundo momento, entretanto, Garcia López dedica-se a
descrever um período histórico mais recente dos estudos histórico-
críticos. Nessa fase – passando para a segunda metade do século XX –
dá-se destaque ao surgimento dos novos modelos de pesquisa sobre as
fontes do Pentateuco. Em meio a muitos estudos controversos, ganham
atenção: o modelo de hipótese fragmentária de Rendtorff e Blum, o
modelo de hipótese complementária de Schmid, Rose e Van Seters, a
combinação da hipótese documentária com as hipóteses dos fragmentos e
dos complementos de Zenger e, por fim, os esforços de Otto, em analisar
os códigos legais em busca de sua relação com as seções narrativas do
Pentateuco.
Na sequência, Garcia López – avaliando o impacto causado pelos
estudos histórico-críticos, ao longo de tanto tempo, na reflexão teológica
bíblica – passa a apresentar o avanço dos estudos literários da Bíblia.
Para ele, a ênfase excessiva em tratar o texto bíblico como documento
e, consequentemente, ter como principal esforço exegético, a busca pelo
460 • O Adventismo no Brasil

que possivelmente existiu por trás do surgimento deste, acabou por


causar um desencanto na reflexão teológica bíblica. Isso porque, por um
lado, os resultados produzidos pela exegese nunca conseguiram chegar
a um consenso em termos de origem do Pentateuco e, por outro lado,
não produziam mais reflexões capazes de dialogar com as questões
contemporâneas da humanidade.
Foi nesse panorama que os estudos literários do Pentateuco
encontraram um terreno fértil. Apresentando listas com o nome de
vários precursores, o autor passa a apresentar as três principais
correntes de estudos literários que ganharam projeção a partir dos anos
mil novecentos e oitenta: análise retórica, análise narrativa e análise
semiótica. Destacando-se a análise narrativa, metodologia priorizada na
abordagem do presente capítulo, Garcia López a aponta como o método
que mais ganhou adeptos, visto que acaba por estabelecer um contato
mais íntimo com o leitor, pois, em virtude de explorar o modo como se
conta uma história, pretende colocar o leitor em contato com o mundo
narrado e seu sistema de valores.
Os resultados produzidos por esse tipo de leitura trouxeram novo
ânimo aos estudos bíblicos do Pentateuco. O texto bíblico voltou a
dialogar com o leitor e as reflexões teológicas ganharam novas
dimensões, a partir de perspectivas até então ignoradas. Entretanto,
Garcia López conclui seu panorama histórico da interpretação do
Pentateuco promovendo uma reflexão conciliadora a respeito do
balanço que deve existir entre os estudos diacrônicos e sincrônicos. Para
ele, deve-se evitar os extremos de, por um lado, se tratar o Pentateuco
unicamente como um documento histórico ou, por outro lado, imaginar
que tal texto seja pura e simplesmente uma obra de arte.
Petterson Brey • 461

Em sua reflexão final, entretanto, o autor sustenta que a exegese


do Pentateuco deve começar pelo seu texto final, ou seja, as operações
diacrônicas devem ser acessadas na perspectiva de enriquecer a leitura
sincrônica, quando for necessário. Ainda, segundo ele, não se trata de
dar ao texto final um valor absoluto, mas, com assessoria dos estudos
diacrônicos, os estudos sincrônicos tendem a valorizar as últimas
redações do texto bíblico. Por fim, Garcia López pontua quatro lições
obtidas do estudo sobre a história da investigação do Pentateuco:

1ª Centralidade do texto. A Bíblia convida a ler o texto tal como ele está, sem
ideias preconcebidas e sem mutilações. Somente o texto final, com toda sua
pureza e integridade, pode garantir ao estudioso um ponto de partida sólido
e confiável. Os passos sucessivos deverão conduzir a uma melhor
compreensão deste texto e se valorizará positivamente na medida em que o
desejarem. Está claro que, por maior rigor com que se aplique um método,
se não conduz ao esclarecimento do texto, para nada serve. 2ª Integração. Se
quisermos dar uma resposta adequada aos principais problemas suscitados
pelo Pentateuco, convém unir forças. Na medida do possível, deve-se
investigar as análises históricas e literárias, os estudos sincrônicos e os
diacrônicos, buscar o que tem de complementário. Nos últimos anos,
aumentou o número de exegetas da linha histórico-crítica que concordam
que os estudos literários podem ajudar a fertilizar o campo bíblico. Assim
mesmo, entre os defensores dos estudos literários, há aqueles que
começaram a sentir a necessidade de se abrir a uma dimensão histórica
para resolver certos problemas apresentados pelo texto. 3ª Uma leitura
teológica. A polarização dos métodos históricos ou literários levou a tratar
o Pentateuco como um livro de história ou como uma obra literária,
deixando relegado o seu componente religioso. O Pentateuco é o resultado,
não somente de uma composição literária ou de um suceder histórico, mas
também de um processo espiritual e canônico. Consequentemente, uma
leitura integral está pedindo que se valorize sua mensagem teológica. Além
de uma dimensão histórica e estética, a palavra bíblica tem uma dimensão
462 • O Adventismo no Brasil

religiosa e ética. Mas uma leitura teológica que se aprecie deverá apoiar-se
sobre pilares literários e históricos. 4ª Questões abertas. Seria ilusório
pretender conciliar todas as questões que neste momento a exegese tem
colocado sobre o Pentateuco. Algumas são muito discutidas e terá que
passar muito tempo antes de serem equacionadas. Não convém nos iludir e
nem as apresentar como resolvidas. O correto seria considerá-las abertas e
apresentá-las da forma em que se encontram (GARCIA LÓPEZ, 2016, p. 74-
75).

A partir dessa análise do desenvolvimento histórico da exegese do


Pentateuco, feita por Félix Garcia López, é possível verificar que o
panorama acadêmico atual quer se distanciar de uma polarização entre
diacronia e sincronia. Pesquisadores de ambos os espectros têm cada vez
mais se aberto ao compartilhamento de ferramentas metodológicas,
sendo, portanto, de fundamental necessidade a delimitação da
abordagem exegética, por meio da clara definição de qual categoria de
pergunta se quer responder com determinado estudo. Tendo isso
resolvido, então, a acomodação metodológica de uma exegese bíblica
encontra um terreno sólido para se estabelecer, conforme será
demonstrado nos próximos dois tópicos.

2. FEIÇÕES METODOLÓGICAS DA EXEGESE GRAMÁTICO-HISTÓRICA


ADVENTISTA

Uma importante observação acerca das categorias de linguagem


envolvidas na acepção do termo histórico, tanto no que se refere aos
métodos histórico-críticos quanto gramático-históricos, precisa ser
previamente realizada. Com isso, por conseguinte, é possível que se
consiga situar o posicionamento exegético adventista dentro do
espectro diacrônico – sincrônico. Tal apresentação se faz necessária para
Petterson Brey • 463

que se possa, no âmbito do terceiro tópico do presente texto,


demonstrar as margens de aderência metodológica da exegese
adventista com a análise narrativa.
Como aludido no tópico anterior, a partir da síntese do que Félix
Garcia López analisa acerca da história da interpretação do Pentateuco,
os métodos histórico-críticos se situam na seara dos estudos diacrônicos
das Escrituras. Esse posicionamento denota que acepção da palavra
histórico, em conjunção com o termo crítico, 168 não se refere
necessariamente à história narrada pelos textos bíblicos, mas à suposta
história subjacente ao contexto social originador das histórias bíblicas.
Assim, os estudos histórico-críticos, 169 como salientado anteriormente,
valem-se de uma série de hipóteses críticas 170 como premissa de
abordagem ao conteúdo do texto bíblico (LINEMANNN, 2009, p. 95-117),
sendo, portanto, sua principal preocupação verificar como os relatos da
Bíblia poderiam comprovar tais teorias, embora, como assevera Félix
Garcia López (2016, p. 71-75), seja impossível que se acesse o passado
para confirmar esses contextos hipotéticos, o que, por sua vez,
constitui-se como um relevante fator de limitação (WHITELAM, 2010, p.
255-263).
Por outro lado, entretanto, no que se refere à seara gramático-
histórica, a mera associação da palavra histórica ao pensamento de se
justificar a conformidade do exegeta à presunção de que os relatos
bíblicos refletem a história, tal qual aconteceu, constitui-se como um

168 Aparecendo em diversos contextos como: crítico-históricos ou histórico-críticos.


169 Também referidos como alta crítica.
170 Essas hipóteses críticas querem ganhar relevância pela sua preocupação em responder às rupturas existentes
no fluxo narrativo das histórias bíblicas. Vale salientar, no entanto, que tais incongruências podem ser meras
suposições paradigmáticas, uma vez que, de acordo com Robert Alter (2011, p. 55-60), esses podem ser
considerados fenômenos literários propositalmente empregados em conformidade com as pretensões
retóricas do texto.
464 • O Adventismo no Brasil

reducionismo preguiçoso da acepção metodológica desse termo, bem


como um inevitável descuido que o pode acarretar a acusação de
fundamentalismo. 171 Embora, de certa forma, a historicidade dos relatos
bíblicos sejam um pressuposto fundamental da exegese adventista
(DAVIDSON, 2011, p. 81-85, 102,103, 110,111), a perspectiva do vocábulo
histórico é mais do que isso. O exegeta adventista não pode acomodar-
se à reles e vulgar categorização de fundamentalista. Existe uma
competência metodológica a ser demonstrada. Para tanto, é necessário
um certo controle dos contornos metodológicos da diacronia e da
sincronia, uma vez que, no âmbito da academia, é possível que os estudos
gramático-históricos orbitem metodologicamente ambos os espectros e
se acomodem de maneira competente entre eles, embora não queira ser
necessariamente classificado como um método diacrônico ou sincrônico.
Como bem sintetizado e analisado por Elias Brasil de Souza (1997,
p. 54-58), o “decálogo hermenêutico” de Richard M. Davidson assevera
que o método gramático-histórico possui como premissas
fundamentais: 172 (1) a primazia e a suficiência da Bíblia como fonte de
qualquer doutrina; (2) a totalidade da Bíblia como material inspirado
por Deus; (3) a unidade de ensinos e princípios que percorrem toda a
Bíblia; (4) a participação do Espírito Santo no processo de interpretação
correta da Bíblia. Além disso, no que se refere a aplicação do método em
si, Davidson pontua como indispensáveis: (5) o acesso aos idiomas

171 Lembrando que o objetivo do presente texto não é discutir acerca da legitimidade ou ilegitimidade daquilo
que se considera como fundamentalismo, mas sim tratar a respeito da viabilidade de se desenvolverem
pesquisas por exegetas adventistas em instituições não adventistas no Brasil.
172 Frank M. Hasel (2007, p. 27-46) também apresenta um estudo intitulado pressuposições na interpretação das
Escrituras, onde descreve os princípios que norteiam o uso do método gramático-histórico na interpretação
bíblica adventista. Além dos tópicos salientados por Davidson, Hasel, aditivamente, discorre acerca do
chamado princípio cristológico de interpretação da Bíblia, onde argumenta em favor da centralidade temática
das Escritura em torno de Cristo.
Petterson Brey • 465

originais da Bíblia, sobretudo o grego e o hebraico; (6) a avaliação do


contexto histórico do autor bíblico; (7) a verificação da estrutura
literária do livro em que determinada passagem estudada se encontra;
(8) a análise gramatical, sintática e semântica do texto bíblico escolhido;
(9) a verificação do contexto teológico inerente ao texto em questão; (10)
a aplicação dos resultados encontrados às necessidades da comunidade
eclesial. Assim, de acordo com Elias Brasil de Souza (1997, p. 59), a opção
metodológica adventista justifica-se pelo entendimento de que a
exegese gramático-histórica é a mais adequada à premissa de que a
Bíblia, sendo proveniente da inspiração divina, constitui-se como a
intérprete de si mesma.
De fato, como assevera William B. Tolar (2002, p. 21-38), o método
gramático-histórico abriga em si duas dimensões indispensáveis para o
exegeta que tem a Bíblia como palavra de Deus: o princípio gramatical
e o princípio histórico, respectivamente. Esses dois aspectos,
evidentemente, também querem ser reconhecidos como fundamentais
tanto nos estudos diacrônicos como sincrônicos da Bíblia. Pois, no que se
refere ao empreendimento de se imergir no estudo do texto em seus
idiomas originais, o método gramático-histórico compartilha com a
análise narrativa, por exemplo, o mesmo empenho investigativo. No que
tange à investigação do contexto histórico de um determinado texto,
entretanto, apesar de não compartilhar das mesmas premissas da alta
crítica, como já pontuado anteriormente, os estudos gramático-
históricos lançam mão das mesmas ferramentas utilizadas pelos
métodos histórico-críticos, tais como, estudos arqueológicos, dados
históricos extrabíblicos etc., embora orientados por pressuposições
distintas.
466 • O Adventismo no Brasil

O que se quer pontuar, portanto, no âmbito desse capítulo, é a


possibilidade de diálogo metodológico no momento de um exegeta
adventista propor um projeto de pesquisa bíblico a um programa de
pós-graduação não adventista no Brasil. O método gramático-histórico,
apesar de sua pouca lembrança no meio acadêmico atual, não é, por
assim dizer, um completo alienígena metodológico. Existe aderência
ferramental com todos os métodos de exegese bíblica. O que se difere,
no entanto, são os pressupostos hermenêuticos que orientam as
perguntas-chave que irão nortear a investigação bíblica.
Neste âmbito, enfim, cabe ao candidato a discente saber posicionar
os objetivos de sua pesquisa. Tanto estudos histórico-críticos quanto
gramático-históricos recorrem à arqueologia como ferramenta de
pesquisa, no entanto, sob escrutínio hermenêutico distinto. Quando for
necessário o acesso a dados arqueológico-históricos, por exemplo, a
categoria de pergunta que se está pretendendo responder certamente
fará toda a diferença. A questão mais importante, portanto, é saber
posicionar os interesses interpretativos de maneira a não permitir que
a utilização de ferramentas metodológicas partilhadas com outras
categorias exegéticas cause dano aos pressupostos identitários do
exegeta adventista.
No que se refere aos aspectos gramaticais do método gramático-
histórico, contudo, apesar de os métodos histórico-críticos também
fazerem uso desse ferramental, é no campo dos estudos sincrônicos que
o compartilhamento desse tipo de análise se faz mais prolífero. Isso
porque, via de regra, as abordagens literárias se afastam da preocupação
com as suposições históricas, características dos estudos diacrônicos,
para se voltar ao texto canônico, independentemente de qual tenha sido
a história por trás de sua composição. O foco do esforço exegético,
Petterson Brey • 467

através de estudos linguístico-gramaticais, é verificar o que aquele


texto consegue dizer por si mesmo (NEWPORT, 2002, p. 164). Assim, de
certa forma, a exegese adventista pode se beneficiar desse desapego
com as questões da alta crítica e se dedicar ao estudo linguístico-
semântico do texto, embora o considere como histórico e não ficção,
como comumente críticos literários o fazem.

3. A ANÁLISE NARRATIVA E A VIABILIDADE DA EXEGESE BÍBLICA


ADVENTISTA

Ainda que alguns estudiosos da história recente da interpretação


bíblica tenham enquadrado a análise narrativa na categoria
hermenêutica estruturalista, isso se constitui como um sutil equívoco,
pois, apesar de ambas surgirem no alvorecer dos estudos sincrônicos,
por volta dos anos 70 (NEWPORT, 2002, p. 164-165), logo se
demonstraram contrastantes em suas feições metodológicas. Sendo o
estruturalismo mais aderente à categoria da hermenêutica aplicada,
junto a outras correntes como o desconstrucionismo, a teologia feminista,
a crítica psicanalítica, a crítica da resposta do leitor etc. (BRASIL DE
SOUZA, 1997, p. 43-52), a análise narrativa adquiriu, no meio acadêmico,
um status de método exegético literário, potencialmente desvinculado
das pretensões da hermenêutica aplicada (MOORE, 2016, p. 27-42). 173 Em

173 Outro fator de grande importância acerca da análise narrativa é não a confundir com a pregação narrativa,
pois, em termos de categorização, essa última pertence à seara homilética. Segundo Grant R. Osborne (2009, p.
592-593), apesar da pregação narrativa demonstrar predileção pela análise de trechos narrativos da Bíblia, sua
principal vocação não é, necessariamente, a investigação literária desses como método exegético, mas sim
uma proposta alternativa à reputada retórica aristotélica da pregação tradicional, ou seja, o foco dessa questão
permanece prioritariamente no campo homilético. “Além disso, é importante se dar destaque ao texto do Dr.
Frank M. Hasel, intitulado “Recent Trends in Methods of Biblical Interpretation” (HASEL, 2021, p. 405-461). Tanto
nesse capitulo em específico, quanto em toda a obra editada pelo Dr. Hasel, há de se sublinhar o competente
esforço de se contrapor os métodos histórico-críticos, muito bem reputados como nocivos à teologia
adventista, pois, em última instância, essas metodologias acabam por promover um distanciamento entre o
exegeta e a fé cristã. Entretanto, a índole apologética empregada no combate a alta crítica remonta a uma
468 • O Adventismo no Brasil

alguns programas de pós-graduação brasileiros, inclusive, seguindo


tendências estrangeiras, já se considera como uma pesquisa completa,
dissertações e teses que se dediquem à pura demonstração da forma
literária de um texto bíblico, sem a necessidade da apresentação de
aplicações hermenêutico-teológicas, sendo, tal esforço, já considerado
como uma outra categoria de pesquisa.
Obviamente que, no contexto teológico denominacional, isso seria
considerado um trabalho incompleto. Na academia, no entanto, onde as
linhas de especialização em pesquisas encontram-se cada vez mais
tecnicamente subdivididas, faz bastante sentido que uma ferramenta
metodológica seja trabalhada isoladamente. Além disso, para o exegeta
adventista em instituições não adventistas, isso pode se converter em
oportunidade de se desenvolver em uma especialidade exegética sem
necessidade de adentrar em posicionamentos teológicos conflitantes.
No que tange à proposta de viabilidade exegética na linha dos
estudos sincrônicos, portanto, é importante que se tenha, em primeiro
lugar, domínio do contorno metodológico da análise narrativa, bem
como de seus limites com os métodos histórico-críticos e com o
estruturalismo. Além disso, é fundamental que se conheçam os limites e
a capacidade de aderência dessa metodologia com os pressupostos da
exegese gramático-histórica. Tendo o controle de tais questões, é
proposto, aqui, que o exegeta adventista, estudante de pós-graduação

argumentação que leva em conta questões de duzentos anos atrás, visto que, como salientado no presente
texto, os estudos diacrônicos já estão em processo de superação acadêmica desde meados do século XX.
Ademais, as objeções apresentadas pelo Dr. Hasel aos estudos literários giram em torno da questão de que não
há uma preocupação com as dimensões históricas do texto. Ora, fica nítido que a antipatia está relacionada ao
antagonismo com os métodos histórico-críticos, no entanto, desconectada dos avanços que a exegese bíblica
alcançou nas últimas décadas. Assim, é notória a sutil indução ao erro de se considerar a análise narrativa como
um método diacrônico, ao invés de sincrônico. Tal perspectiva deixaria em apuros alguns renomados teólogos
adventistas, como, por exemplo, o Dr. Richard M. Davidson, também citado no presente texto”.
Petterson Brey • 469

em instituições não adventistas brasileiras, consiga desenvolver


pesquisas academicamente inovadoras e relevantes, sem prejuízo de
seus pressupostos teológicos identitários.
Como já aludido anteriormente, no âmbito da resenha acerca da
análise que Félix Garcia López faz da história da interpretação do
Pentateuco (2016, p. 45-76), os estudos sincrônicos – berço da análise
narrativa – surgem de um contexto em que a alta crítica, sobretudo no
meio acadêmico, havia promovido um verdadeiro esquartejamento do
texto bíblico em busca dos vestígios de suas inúmeras hipóteses
documentárias. Nesse sentido, como assevera John P. Newport (2002, p.
164-165), a exegese sincrônica quer, desde sua gênese, contrastar-se com
os estudos diacrônicos, e seus métodos histórico-críticos, alterando,
justamente, o foco de sua atenção para um objeto de estudo muito mais
palpável que os supostos contextos histórico-sociais que teriam
ambientado o surgimento do texto bíblico. A matéria prima da análise
narrativa é, por assim dizer, o próprio mundo narrado no texto e não
um suposto mundo por trás do texto, isto é, os textos não são
fragmentos da história, mas a expressão literária da história (FEWELL,
2016, p. 3-26).
Assim, como observa Adele Berlin (2004, p. 2184-2191), no âmbito
das narrativas bíblicas, a forma como algo é dito não é periférico ao
próprio conteúdo daquilo que se diz, visto que a mensagem é, em certa
medida, a forma como ela é transmitida. Isso porque, de acordo com
Robert Alter (2011, p. 113-114), uma vez que é muito provável que as
narrativas da Bíblia Hebraica tenham sido escritas com vista à récita,
que geralmente se dava diante de um público analfabeto, é razoável que
se presuma um certo grau de preocupação estético-retórica com a
finalidade de fixação do ponto de vista temático pretendido pelos autores
470 • O Adventismo no Brasil

(YAMASAKI, 2007, p. 111-149). 174 Os vestígios retóricos, portanto, que


direcionam a atenção do ouvinte-leitor ao ponto de vista temático,
encontram-se na progressão do enredo que, por sua vez, é marcada pela
mudança de ambiente em que os episódios e cenas vão se
desenvolvendo, bem como pelo desenvolvimento dramático das
personagens (MARGUERAT; BOURQUIN, 2009, p. 113-118).

“Em cada narrativa, é possível discernir três estratos: 1. o estrato da


linguagem - as palavras e frases de que a narrativa é composta; 2. o estrato
do que é representado por essas palavras, ou seja, o 'mundo' descrito na
narrativa: os personagens, eventos e cenários; 3. o estrato de significados,
ou seja, os conceitos, visões e valores incorporados na narrativa, que são
expressos principalmente por meio da fala e das ações dos personagens, seu
destino e o curso geral dos acontecimentos. Cada um dos dois últimos
estratos é baseado e determinado pelo anterior. O primeiro estrato é o mais
básico, as palavras constituem a matéria-prima da qual a narrativa é feita.
O segundo estrato evolui do primeiro e é o que mais chama a atenção do
leitor, compreendendo a história da narrativa, os personagens, seus traços
e aventuras. O terceiro estrato decorre do segundo e é o mais abstrato; a
interpretação é necessária para desvendar as ideias e significados, que
geralmente não são expressos direta e abertamente” (BAR-EFRAT, 2008, p.
197).

174 Robert Alter (2011, p. 1-24) desenvolve uma belíssima análise da história de Judá e Tamar em Gn 38, que,
segundo a alta crítica, é uma evidente ruptura que se constitui como prova da existência de outra fonte de
redação, pois tratar-se-ia de um relato desconexo inserido, quando da edição final do Pentateuco, bem no meio
(interrompendo o fluxo narrativo) da história de José: Gn 37 – José vendido pelos irmãos; Gn 38 – Judá e Tamar;
Gn 39 – José na casa de Potifar. O argumento de Alter, no entanto, é que ao invés disso ter sido uma inserção
aleatória, constituir-se como um recurso literário intencional. Pois, segundo o argumento dele, elementos
linguísticos empregados na configuração literária da narrativa evidenciam o arranjo retórico que faz a suposta
história inserida, de Judá e Tamar, potencializar a temática trabalhada na narrativa principal. Mais adiante (2011,
p. 55-78), Alter aprofunda a discussão acerca do que ele chama de o “limbo das fontes” versus “padrões
artísticos”. De acordo com ele, as reputadas rupturas diacrônicas, consideradas pela alta crítica como evidências
da existência de múltiplas fontes – porém, inabordáveis –, nada mais são que vestígios da configuração
artístico-retórica deixados pelos autores bíblicos, visando a fixação do ponto de vista acerca dos temas tratados
pelas narrativas.
Petterson Brey • 471

Dessa forma, o mundo narrado nas Escrituras possui o papel de


“proporcionar o contexto básico no qual o enredo e as personagens se
desenvolvem” (OSBORNE, 2009, p. 266). Quando o Egito, por exemplo, é
mencionado nas narrativas bíblicas posteriores ao êxodo dos hebreus,
evoca-se sua lembrança como palco da atuação libertadora de Deus em
favor de seu povo (KESSLER, 2002, p. 109-115). Tal memória, por sua vez,
constitui-se como o fundamento retórico do ponto de vista temático do
autor (BREY, 2020, p. 228-250), podendo ser reconhecido, muitas vezes,
pela estratégia do narrador emprestar sua voz ao protagonista da
narrativa (BERLIN, 2005, p. 64-72).
É o que acontece em Ex. 19:4-6a, 175 por exemplo, quando o
legislador-protagonista, ao pronunciar seu discurso preambular à
legislação do Antigo Israel, estabelece o vínculo temático entre a lei e a
narrativa exodal (MILLER, 2003, p. 339). Segundo Assnat Bartor (2010, p.
22-84, 87-117), o reconhecimento de tal estratégia literária é possível
mediante a observação de um sofisticado arranjo sintático-semântico
que é característico dos trechos legais da Bíblia Hebraica. A
retrorreferência discursiva do Senhor, Deus de Israel, ao evocar o
passado para reiterar o presente e anunciar o futuro, portanto, segundo
as observações de Rüdiger Bartelmus (1994, p. 106-107) acerca do
sistema verbal hebraico, trás para o contexto da aliança, e posterior
eleição do povo como reino de sacerdotes e nação santa, a reputação do
Senhor – vertida em seu comportamento diante da injustiça – como

175 “Vós vistes o que fiz aos egípcios, e vos levantei contra as asas de abutres e a mim vos trouxe! Agora, se
ouvirdes atentamente a minha voz e observardes a minha aliança, sereis para mim propriedade peculiar dentre
todos os povos, porque toda a terra é minha! Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa!”
(BREY, 2020, p. 230). A opção feita pelo autor pela tradução do hebraico ‫ נְ ָשׁ ִרים‬como abutres, ao invés de águias,
constitui-se como um bom exemplo de como ferramentas metodológicas diacrônicas podem ser utilizadas em
estudos sincrônicos sem prejuízo dos pressupostos que norteiam a pesquisa (GRENZER; BREY, 2017, p. 347-360).
472 • O Adventismo no Brasil

fundamento paradigmático de toda a legislação promulgada a seguir


(BREY, 2019, p. 181-192).
Percebe-se, portanto, que a índole metodológica da análise
narrativa quer ser reconhecida por sua dedicação à investigação dos
temas que emergem das camadas de significado subjacentes ao próprio
mundo narrado (SKA, 2000, p. 1-3). Isso se dá pela atenção às estruturas
morfossintáticas da configuração gramatical e do sistema verbal, bem
como pela carga semântica das palavras empregadas, quer sejam
metáforas, figuras de linguagem etc., que possuam potencial teológico
(FOKKELMAN, 1999, p. 20-45; SAILHAMER, 1992, p. 8-22). Nesse tipo de
tarefa, destarte, é possível reconhecer uma larga zona de aderência
entre a análise narrativa e o método gramático-histórico, possibilitando
aos pesquisadores adventistas em programas de pós-graduação não
adventistas desenvolverem livremente seus projetos de pesquisa sem
necessidade de conflitos acerca de seus pressupostos hermenêuticos.
No que se refere à fronteira entre a análise narrativa e a
hermenêutica estruturalista, entretanto, é necessário que se façam dois
esclarecimentos pontuais. O primeiro deles é que, pelo menos em
âmbito nacional, os docentes dos programas de pós-graduação que são
adeptos dos estudos literários, como a análise narrativa para o Antigo
Testamento e a pragmalinguística para o Novo Testamento, via de regra,
rejeitam a utilização do estruturalismo nas pesquisas sob sua orientação.
Em segundo lugar, em termos de compatibilidade, depois de décadas de
seu surgimento, as feições metodológicas dessas duas modalidades de
estudos sincrônicos representam caminhos de pesquisa totalmente
distintos (POWELL, 2004, p. 169-172; JOBLING, 2004, p. 201-208).
Embora o estruturalismo tenha surgido junto com a análise
narrativa, de numa iniciativa de leitura sincrônica das Escrituras, como
Petterson Brey • 473

proposta alternativa aos estudos diacrônicos com sua árida leitura


histórico-crítica (OSBORNE, 2009, p. 606), ele se difere
fundamentalmente dela no seguinte ponto: enquanto a análise narrativa
se ocupa da investigação da unidade temática que emana do próprio
mundo narrado, acessível pelos vestígios retóricos intencionalmente
deixados pelo autor, o estruturalismo, por sua vez, empreende um
trabalho de reconhecimento de estruturas narrativas replicadas
inconscientemente pelos autores ao longo da história, sendo, portanto,
uma constatação do quanto uma cultura narrativa influencia as outras
por meio de suas tradições literárias (NEWPORT, 2002, p. 165-167). 176
Evidentemente, os pressupostos metodológicos gramático-históricos
encontram muito mais aderência no empreendimento exegético da
análise narrativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seja dito, antes que se conclua o presente capítulo, que obviamente


a proposta de viabilidade metodológica, aqui sugerida, não pretende ser
a única alternativa para o exegeta adventista em nível de pós-graduação
em instituições não adventistas no Brasil. Ademais, o vislumbre acerca
da índole exegética dos referidos programas, aqui realizado, não aspira

176 Como destaque, dentre os formalistas russos, tem-se o trabalho de Vladimir Propp, que desenvolveu uma
análise que identificou as distinções entre diferentes contos folclóricos heroicos e as narrativas etnopoéticas da
Bíblia Hebraica. Os resultados de seu trabalho abrangem esses três pontos: (1) a descrição da estrutura de
superfície de uma narrativa; (2) a comparação de narrativas umas com as outras, com base nas características
da estrutura superficial; (3) a classificação dos textos de acordo com o gênero (MILNE, 1988, p. 263-265). Assim,
somado aos esforços de Tzvetan Todorov (2013, p. 13-27) para desenvolver uma teoria da literatura, o trabalho
dos russos fundamentou a escola estruturalista francesa e a análise semiótica, cujo destaque pode ser dado à
Ferdinand de Saussure, com o seu desenvolvimento da ideia de significante e significado na literatura (2012, p.
110-119). Northrop Frye (2002, p. xi-xxiii), portanto, influenciado pelos resultados da escola estruturalista,
chegou a desenvolver o argumento de que a Bíblia é o grande código literário que formou todo o imaginário
ocidental.
474 • O Adventismo no Brasil

ser a única leitura possível. Tratou-se, no âmbito desse breve texto, de


uma análise calcada na experiência do autor, tendo como mediação uma
bibliografia selecionada. Portanto, as conclusões a que se chegam ao
final dessa reflexão convidam o leitor ao diálogo e, quem sabe,
provocando outros pesquisadores a publicarem suas percepções e
experiências a respeito do assunto.
Além disso, é importante que se diga que a aproximação feita à
história da interpretação bíblica, ao método gramático-histórico
enquanto paradigma da exegese adventista, bem como à própria análise
narrativa, não possuíram, no âmbito da presente abordagem, a intenção
de serem reconhecidas como estudos exaustivos acerca desses temas. O
que se propôs, portanto, foi um recorte desses tópicos temáticos
alinhados à questão fundamental desse texto. Assim, o eixo
argumentativo do presente capítulo norteou-se pelo assunto da
viabilidade metodológica da exegese adventista na pós-graduação não
adventista brasileira.
Uma vez que, por motivos de delimitação, restringiu-se à seara do
Antigo Testamento, mais especificamente o Pentateuco, a sugestão da
análise narrativa, como método viabilizador da exegese adventista em
instituições não adventistas brasileiras, não pretende ser a única
alternativa. Há, também, outras metodologias tanto para o Antigo
quanto para o Novo Testamento. O que se demonstrou, entretanto, foi o
potencial de aderência metodológica dessa categoria exegética com a
interpretação gramático-histórica, sendo, portanto, uma razoável opção
ferramental para o exegeta adventista que pretende minimizar as
possibilidades de atrito doutrinário-teológico com a instituição de
ensino onde está a desenvolver seus estudos.
Petterson Brey • 475

Tanto dissertações de mestrado quanto teses doutorais


categorizam-se, de certa forma, como trabalhos escolares. São
requisitos para obtenção de títulos acadêmicos. Muitos mestres e
doutores, no entanto, depois de alcançarem seu grau de titulação,
raramente voltam a produzir. Esse panorama deveria ser o inverso.
Teses e dissertações, naturalmente, não deveriam ser consideradas
como o ápice e/ou o trabalho final de um acadêmico, mas sim o trabalho
de início de sua carreira.
Dessa forma, no que se refere a área de exegese bíblica, não se deve
reputar como demérito a especialização em uma determinada
ferramenta metodológica, ainda que, no âmbito do trabalho produzido,
não se chegue à esfera da aplicação teológico-doutrinária. Na produção
acadêmica posterior, espera-se que o exegeta titulado possa expandir
sua reflexão acadêmica por meio de uma prolífica publicação de
pesquisas. No entanto, alternativas e entendimentos diversos ao que foi
aqui refletido podem, naturalmente, encontrar coerência com
experiências distintas das que formaram a opinião do autor do presente
capítulo.

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16
EVANGELIZAÇÃO ADVENTISTA NA
CONTEMPORANEIDADE: O CASO
DAS TRIBOS URBANAS
Robson Romero de Sousa

INTRODUÇÃO

Como é formada a agenda evangelística de uma denominação?


Vários fatores formam a base de princípios de evangelização de uma
igreja. Mais do que a maior parte dos membros, objetivamente,
reconheceria em um olhar menos profundo. Embora haja fatores
objetivos na formatação das ações missionárias, tais como prazos,
gerenciamento de recursos e interesses eclesiásticos, é no campo da
subjetividade que a mentalidade de missão é forjada.
Os valores subjetivos que interessam a esse estudo são aqueles que
tem a ver com as estratégias sutis de poder para a formação de padrões
de normalidade, e, por consequência, de anormalidade 177. A proposta das
páginas a seguir é que tais padrões ocasionarão em uma visão uniforme
de evangelismo, que chamaremos em momento oportuno de míope.
A uniformidade é encontrada na própria formação da sociedade
adventista brasileira, atestada por dados estatísticos. Logo, o caso das
tribos urbanas consiste num desconforto ao olhar míope da
evangelização uniforme. A natureza das tribos urbanas evidencia um
cenário de missão transcultural para o adventismo brasileiro: da
uniformidade para a disformidade. Da padronização ao exagero da
diferença.

177 GIL, José. Monstros. 1. ed. Lisboa: Olhos D´água, 2006. 161 p.
Robson Romero de Sousa • 481

Neste artigo trataremos da necessidade de olhar por parte da igreja


adventista brasileira para os subgrupos sociais, adequando sua visão
evangelizadora ao seu discurso de salvação universal 178, e da igual
necessidade da mesma repensar estratégias com a finalidade de se
posicionar adequadamente dentro de uma sociedade cada vez mais
pluralizada.

HOMOGENIA E HETEROGENIA SOCIAIS: O SURGIMENTO DAS TRIBOS


URBANAS.

Se observarmos a composição da sociedade ocidental ao longo dos


séculos, poderemos facilmente constatar um modelo social que migra
da divisão simples de classes para uma complexa e intrincada rede de
definições sociais. Se considerarmos, por exemplo, a sociedade europeia
do período medieval, teremos alguns grupos e subgrupos sociais:
clérigos, nobres, cavaleiros, camponeses e as poucas divisões entre
eles 179.
À medida que caminhamos da modernidade para a pós-
modernidade, deixando para trás o paradigma newtoniano cartesiano e
adentrando no paradigma relativista quântico 180, a sociedade sofre uma
profunda mutação. Saímos de um modelo social hegemônico para outro,
cuja centralidade de valores encontra seu eixo no princípio da

178REID, George W. Editor. Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. 1. ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2011, 967 p. v. 9.
179Sobre a disposição da sociedade medieval e suas características, ler: BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal.
São Paulo: Edições 70, 1982. 608 p.
180 BEIRÃO, Éder de Souza et al. As Contribuições da Teoria da Relatividade para a Sociedade e as Organizações.
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482 • O Adventismo no Brasil

diversidade 181. Assim, aquilo que era desejável pela maioria da sociedade
moderna 182 passa a ser contestado pelo direito de expressão da diferença
e da individualidade.
Com isso, há uma insatisfação geral com os velhos rótulos e a busca
pela afirmação do eu frente à massa social. As pessoas não se sentem
mais satisfeitas em serem cópias simples umas das outras no todo
populacional 183. Elas anseiam pela auto afirmação e o fazem através do
direito adquirido através do relativismo pós-moderno, de
simplesmente serem diferentes. Buscam, mesmo que
inconscientemente através desse novo patamar existencial, essa auto
afirmação e uma auto realização, se destacando do todo comum.
Esse ambiente favorece o fenômeno social identificado pelo
sociólogo francês Michel Maffesoli e sistematizado em sua obra "O
Tempo das Tribos". 184 Na publicação, Maffesoli observa que existe uma
subdivisão tão drástica na sociedade que beira ao tribalismo. A
comparação se deve ao fato de que em uma mesma floresta podem
habitar índios de etnias diferentes, que se reconhecem e se diferenciam
através de rituais e estilísticas comuns ao grupo, porém distintas entre
grupos. A questão é que esse novo tribalismo estava acontecendo na
chamada selva de pedra, a urbe.
Os grandes centros foram o ambiente propício para a formação
desse novo tipo de tribo. Além de serem fomentadoras e aplicadoras de

181 Sobre a construção social brasileira, ler: Ruben George. A Antropologia e a Diversidade Cultural no Brasil.
Revista de Antropologia, São Paulo, Sp, v. 33, p. 119-139, 1990. Semestral. Disponível em:
https://www.jstor.org/stable/41616060?seq=1. Acesso em: 02 de maio 2021.
182 GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 233 p.
183 CASTORIADIS, Cornelius. O Mundo Fragmentado: As Encruzilhadas do Labirinto. 2. Ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2006, 296 p. v. 3.
184 MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos: declínio do individualismo nas sociedades de massa.. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2014. 300 p.
Robson Romero de Sousa • 483

inovações, as cidades e suas aglomerações traziam consigo mais


fortemente a necessidade do destaque do indivíduo ante a massa. Assim,
nascem aquilo que Maffesoli chama de tribos urbanas.
Antes de partirmos para uma definição do que seriam as tribos
urbanas, é importante mencionar ainda os estudos feitos por um outro
sociólogo: o alemão Niklas Luhmann. Apontado como um dos maiores
autores das teorias sociais do século XX e deixando um patrimônio
literário de mais de 14.000 páginas 185, Luhmann visualizou os
intrincados sistemas sociais de formação, reprodução e manutenção de
uma sociedade composta por micro sociedades 186.
O paradigma dos sistemas sociais de Luhmann nos ajudam a
compreender as dinâmicas de construção do ser social em
relacionamento com a própria sociedade. Então devemos ver a
sociedade como sendo um grande sistema de indivíduos atuando como
agentes sociais integrados entre si e dividindo-se em grupos e
subgrupos que estão em constante interação.
O trabalho de Luhmann é fundamental para a compreensão mais
clara da observação de Maffesoli, uma vez que as tribos urbanas nascem
como subgrupos sociais que se identificam em oposição aos valores
vigentes e praticados pela maior parte da população, ainda que esta
oposição seja dada através da própria interação social, mais
precisamente, do choque cultural 187.

185 Autores que trabalham os conceitos de sistemas sociais de Luhmann: MATHIS, Armim: O conceito de
sociedade na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Disponível em: <http://www.rebea.org.br/
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186 LUHMANN, N. Social systems. 1. ed. Stanford: Stanford University Press, 1996. 684 p.
187 FARIAS, Whenderson Pinto. No Chão da África...O Choque Cultural. Memórias e Linguagens Culturais, São
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484 • O Adventismo no Brasil

Essa oposição de valores evidenciada pelo choque cultural é


justamente a expressão da necessidade de auto afirmação que leva a
sociedade a se dividir em grupos cada vez menores e com características
cada vez mais específicas. É um desdobramento do relativismo, do
humanismo e do individualismo, bases do pensamento pós-moderno 188.
À medida que o estabelecimento da forma quântica de pensar
floresce, a sociedade que tinha valores sólidos e bem definidos passa por
uma profunda mutação. O conceito de eu, que até então era restrito,
passa a ser expandido e a contrafação do mesmo, o eu-desviante, já não
é tão facilmente identificada 189. A consequência disso é a
heterogeneização da sociedade.
Esse processo é simples de se entender. Uma vez que novas
possibilidades de valores, condutas, estilos e jeitos de ser são
introduzidas na mentalidade populacional como aceitáveis, há uma
amplificação do leque de opções do indivíduo de se relacionar com seu
ambiente social.
Assim, de uma sociedade de poucas opções de condutas,
moralizante em seus discursos e homogênea em sua aparência, vemos
surgir uma comunidade cada vez mais diversa 190. E é justamente a
diversidade o elemento catalizador da discussão sobre tribos urbanas.

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188
modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008. 256 p.
189 MARQUES, Carlos Alberto. A Construção do Anormal: estratégias sutis de poder. Estratégias Sutis de Poder.
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190 COSTA, António Firmino da. Identidades culturais urbanas em época de Globalização. Revista brasileira
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Robson Romero de Sousa • 485

TRIBOS URBANAS E CULTURA JUVENIL: DEFINIÇÕES

Por definição, tribos urbanas são subgrupos sociais que partem da


premissa da identificação dos indivíduos que as compõem através de
elementos estilísticos e hábitos de vida que os distinguem entre si e do
restante da sociedade 191.
Os elementos estilísticos são de caráter estético, tais como: cortes
de cabelo, uso ou não de tatuagens, roupas e acessórios. Em relação aos
hábitos podemos destacar o uso ou não de álcool, fumo e entorpecentes,
dietas variadas, gostos musicais, lugares que frequentam, esportes que
praticam, dentre outros.
Como já foi demonstrado, as tribos urbanas são um fenômeno
social de caráter urbano e pós-moderno. Seus elementos são mais
facilmente identificados nos grandes centros, embora a difusão da
cultura relativista pela facilidade de contato social (especialmente
através dos meios de comunicação em massa) tenha democratizado
essas nuances para cidades pequenas e até mesmo no ambiente rural. É
claro que há um mapa migratório desse fenômeno tanto no contexto
global quanto no brasileiro, porém não há intenção nesse artigo de
explorá-lo 192.

191 DE OLIVEIRA, Maria Cláudia Santos Lopes; CAMILO, Adriana Almeida; ASSUNCAO, Cristina Valadares. Tribos
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Medical Journal, Porto, v. 3, n. 18, p. 209-214, set. 2009. Trimestral. Disponível em:
http://hdl.handle.net/10400.16/1271. Acesso em: 29 de abril de 2021.
192 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Os circuitos dos jovens urbanos. Tempo sociológico., São Paulo , v. 17,
n. 2, p. 173-205, Nov. 2005 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=
sci_arttext&pid=S0103-20702005000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 29 de Abril de 2021.
486 • O Adventismo no Brasil

Mas é importante destacar, dentro dos objetivos da presente


análise, que o fenômeno das tribos tem crescimento exponencial, se
difunde entre as culturas regionais no ambiente brasileiro e seus
elementos podem ser encontrados em qualquer localidade. Não são,
portanto exclusividade de ambientes urbanos ou de capitais. Não estão
presentes apenas entre classes abastadas ou nos guetos das periferias.
Sendo assim, aonde quer que uma igreja seja estabelecida, em seus
entornos provavelmente haverá alguém que compartilha das ideias
propostas por algum segmento da cultura tribal urbana. Sobre a
necessidade da igreja pensar nessa condicionante, trataremos em seção
posterior.
Nesse momento, é importante ressaltar que a própria expressão
“tribos urbanas” está em desuso. Existe um movimento de substituição
dela por outra: “cultura juvenil” 193. Isso se dá por dois fatores: primeiro,
porque a expressão “tribos urbanas” foi marginalizada, em especial nos
Estados Unidos. Gradualmente, gangues de marginais foram sendo
identificadas como sendo tribos urbanas 194. Isso é notado em algumas
películas cinematográficas de Hollywood 195.
Nesses filmes, grupos de motoqueiros são caracterizados como
bandidos, arruaceiros e pessoas perigosas que deveriam ser evitadas.
Sabe-se, porém, que nem todo grupo de motoqueiros tem o viés da

193 SILVA, Elisabeth Murilho da. É possível falar de tribos urbanass hoje?: a moda e a cultura juvenil
contemporânea. Iara: Revista de Moda, Cultura e Arte, São Paulo, Sp, v. 4, n. 1, p. 47-64, abr. 2011.
194 FREHSE, Fraya. As realidades que as "tribos urbanas" criam. Revista brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, v. 21, n. 60, p. 171-174, Fev. 2006 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0102-69092006000100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 29 de Abril de 2021.
195
OS FILMES CONSISTEM EM IMPORTANTES FORMAS DE FORMAÇÃO DE VALORES EM UMA
SOCIEDADE. SOBRE ESSA TEMÁTICA LER: SABAT, SABAT, RUTH ; FILMES INFANTIS COMO MÁQUINAS
DE ENSINAR. IN: 25A REUNIÃO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
EDUCAÇÃO - ANPED, 2002, CAXAMBU (MG). GRUPO DE TRABALHO EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO,
2002. P. 235-252.
Robson Romero de Sousa • 487

arruaça, da depredação e do crime. Pelo contrário, no geral,


motoqueiros são pessoas pacíficas. Muitos são profissionais com
famílias estabilizadas, bem colocados no mercado de trabalho, e cujo
prazer por hobbie é cuidar de motos caras e passear com elas nos dias
de folga 196.
Essa marginalização ocorreu com quase todas as tribos urbanas.
Tem de se lembrar, também, que estamos falando de um fenômeno de
afronta social. Assim, a ideia que a sociedade acaba por ter das tribos
com base na experiência do choque cultural, é de repulsa. Como as tribos
arregimentam em sua quase totalidade adolescentes e jovens, e o uso de
drogas lícitas e ilícitas (embora que as lícitas também sejam usadas por
menores), o sexo descompromissado e muitas vezes sem segurança e
outros comportamentos indesejáveis pelo contraponto da educação
social comum, sejam praticados pela maioria das tribos, muitos pais e
outras autoridades sociais passaram a não ver os elementos das tribos
com bons olhos.
Pelo contrário, passaram a serem vistos como entes perigosos,
arruaceiros, dados a vadiagem e ao crime. Tudo isso atrelado ao
contexto das gangues norte americanas (que pode ser encontrado,
embora em menor escala, nas cidades brasileiras), em especial, quando
a busca por espaços torna-se elemento de disputas entre essas gangues.
Por consequência, ocorre o avanço do tráfico de entorpecentes, da
marginalização juvenil, e dos homicídios.
Assim, o idealismo social de rejeição natural ao estranho, estudado
pela chamada filosofia da monstruosidade, ganha ainda mais força na
estratégia sutil de construção social tendo a finalidade, nesse caso, da

196DREW, A. J.. The everything motorcycle book:: the one book you must have to buy, raid and maintain
your motorcycle. Avon, Ma: Adams Media Corp, 2002. 307 p.
488 • O Adventismo no Brasil

geração de antipatia congênita por qualquer elemento que se


contraponha à maioria através do assumir uma identidade tribal.
Para tentar desvencilhar o conceito de tribos urbanas com o de
grupos marginais, começa a ser usada, então, a expressão "cultura
juvenil" 197, que também será usada nesse trabalho como referência às
manifestações sociais retro definidas.

RESIGNIFICANDO MISSÕES URBANAS E MISSÕES TRANSCULTURAIS

No rol das disciplinas da missiologia temos o campo de estudos


denominado de "missões transculturais". Em tese, entende-se por
missões transculturais a ação de evangelismo interculturas. Pensa-se
no missionário estudando uma cultura distinta da dele e buscando levar
o evangelho para pessoas dessas culturas, de forma inteligível para os
indivíduos que delas partilham 198.
Como o grande século das missões foi o século 19, bem distante da
realidade social presente, temos no imaginário dos que entram em
contato com o conceito de missão transcultural a ideia de uma missão
"além mar". Ou seja, um missionário que busca um povo não alcançado
em algum ponto do globo, bem distante da geografia de sua residência;
vai até o local escolhido; tem contato com o povo e sua cultura; aprende
seus costumes e idioma; prega para eles buscando conversões.
Como a sociedade do século 19 vivia no paradigma moderno, ela era
estruturalmente mais uniforme e homogênea que a do século 21. Então,
para que um missionário tivesse contato com uma cultura distinta da

197 PRADO, Antônio Ramos do. Cultura Juvenil. Encontros Teológicos, Florianópolis, Sc, v. 3, n. 63, p. 67-80,
2012.
198 HESSELGRAVE, David J. Cristo e Cultura. In: Missões transculturais: uma perspectiva cultural. WINTER, Ralph
D. & HAWTHORNE. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.
Robson Romero de Sousa • 489

sua, na maior parte das vezes era necessário que ele viajasse centenas
de quilômetros.
Já na atualidade, essa barreira foi quebrada. A cultura do diferente
está ao lado, e às vezes, literalmente vizinha. Em grandes centros
brasileiros e até em pequenas cidades do interior é comum termos
diversas comunidades étnicas. Isso é verdade também levando-se em
consideração o fenômeno da cultura juvenil. Num mesmo bairro ou
condomínio podemos ter praticantes de diferentes estilos de vida,
relacionando-se virtualmente e presencialmente com outros adeptos
dos seus gostos e práticas.
Logo, precisamos resignificar o conceito de missão transcultural,
atrelando-o à disciplina de missão urbana. Dentro do contexto urbano,
a forma de se pensar e fazer missão deve levar em consideração a
filosofia da missão transcultural 199. A missão urbana no universo pós-
moderno é, em sua essência pragmática, transcultural.
Essa combinação de ideias trará mais êxito à ação missionária.
Uma vez que, quando o missiólogo ou o evangelista a fizerem, poderão
dialogar melhor com a cultura multiforme arraigada nos centros
urbanos. As frentes missionárias deverão ser especializadas,
multifocais e transcender a cultura comum. Precisarão encarar
múltiplas subculturas e aprender como levar o evangelho com eficácia
para cada segmento social.

199 A diversidade cultural urbana é a justificativa para a resignificação do conceito de missão urbana. Sobre essa
diversidade, ler: ORTIZ, Renato. Diversidade Cultural e Cosmopolitismo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política,
São Paulo, Sp, v. 47, p. 73-90, 1999. Trimestral.
490 • O Adventismo no Brasil

UMA HIPÓTESE DE ABORDAGEM EVANGELÍSTICA PARA ESSES NICHOS

Quando se pensa em trabalhar com pessoas adeptas às diversas


nuances da cultura juvenil, é preciso ter em mente algumas premissas
importantes. Algumas delas já foram apresentadas, mas por uma
questão de sistematização, revisaremos a seguir.
A primeira delas é a diversidade. A tentativa de aplicação de um
método global de evangelismo tende a não funcionar. As tribos são
distintas entre si, e essa distinção pede métodos de evangelização
diferenciados e elaborados para comunicar o evangelho de forma
específica.
A segunda é a oposição como fator de identidade. Nesse caso,
tentar aproximar-se dos subgrupos com a intenção de enquadrá-los
dentro de um rol específico de atributos desejáveis à normalidade da
igreja será infuncional. Provavelmente as abordagens serão repelidas.
Nesse caso, é importante a aplicação da proposta de Paul Hiebert 200.
A terceira é a questão da aceitação e pertencimento. Uma das
críticas que são fomentadas ao ambiente eclesiástico, é que este
ambiente é tóxico por ser extremamente plastificado. A plastificação do
eu no ambiente da igreja se dá pelos severos julgamentos que regem as
relações interpessoais. A igreja que quer fazer missões para entes da
cultura juvenil deve cumprir seu papel de ser um ambiente realmente
acolhedor, sem juízos desnecessários que obrigam as pessoas que
quiserem fazer parte dela a se adequarem a um conjunto absurdo de

200 Paul Hiebert propõe que o missionário deve ser educado nos princípios de sua fé para que ele consiga
distinguir o que é "negociável" do que é "inegociável", e levar isso em consideração no processo evangelístico.
O novo converso deve professar os princípios inegociáveis, porém não precisa ser convencido a aceitar aquilo
que é negociável. HIEBERT, Paul. O Evangelho e a Diversidade de Culturas: um guia de antropologia
missionária. São Paulo, SP: Vida Nova, 1999. 307 p.
Robson Romero de Sousa • 491

normas sociais (que pouco tem que ver com os princípios elementares
da fé) ou partirem para a hipocrisia.
A quarta questão é a mutabilidade. Como já nos referimos, a cultura
juvenil passa por um processo rápido e dinâmico de individualização.
Essa metamorfose faz com que o estudo para a identificação dos
elementos culturais cuja finalidade é a elaboração da abordagem
evangelística tenha um tempo drasticamente reduzido. Uma igreja pode
estar pensando em elaborar métodos para alcançar pessoas de uma
determinada tribo, enquanto aquela tribo possa nem mais existir.
Aversão particular ao cristianismo seria a quinta questão. Como
dissemos, o ambiente de formação da cultura juvenil é a pós
modernidade que, em essência relativista, tende a questionar os valores
comuns e perenes da sociedade. E qual o valor perene da sociedade
ocidental em vias religiosas? Obviamente o cristianismo.
Sendo assim, a cultura juvenil por base tende a rejeitar a expressão
de fé cristã, em especial os seus dogmas centrais. Pode-se perceber na
sociedade ocidental a expansão do fluxo migratório inter religioso,
enfraquecendo numericamente o cristianismo tradicional, e
fortalecendo vertentes espiritualistas, religiosas e anti religiosas que se
contrapõem ao tradicionalismo cristão.
Ao tentar evangelizar, a igreja deve quebrar os argumentos
preconceituosos, e ela não obterá o êxito esperado se o fizer através das
táticas naturais da apologia. A quebra se deve pela ação prática, uma vez
que o pragmatismo é valorizado nesses nichos. A apresentação de uma
fé coerente, que testifica frutos claros na experiência de vida dos seus
adeptos, passa a se tornar desejável.
Ao levarmos em consideração o leque de fatores acima, podemos
concluir que a evangelização de tribos urbanas deve ser feita através de
492 • O Adventismo no Brasil

métodos específicos, que levem em consideração cada contexto,


exaltando pontos de contato desejáveis e trabalhando com paciência os
indesejáveis.
Deve também partir de um contexto eclesiástico favorável, de
relacionamentos saudáveis, e conduta coerente com os princípios da fé.
Que abrace a diversidade e não busque a formatação de indivíduos, mas
respeite as diferenças plurais que não contrariem os valores
inegociáveis da fé.
Para isso, seus membros devem ser educados a ter clareza sobre a
definição dos limites da fé que praticam, para que saibam se portar ante
a diferença sem medo, rejeição inconsistente ou julgamentos
desnecessários.

A IASD BRASILEIRA E A RELAÇÃO COM O DIFERENTE

Embora a IASD tenha como um de seus slogans a "unidade na


diversidade", na prática, dentro do território brasileiro, ela é uma igreja
caracteristicamente homogênea e uniforme em suas práticas. Essa
uniformidade pode ser constatada nas padronizações musicais,
litúrgicas, metodológicas, estéticas, estilísticas e em outros campos da
construção de ideias e ações.
Essa uniformidade muitas vezes não leva em consideração os
regionalismos culturais, as variações climáticas, as diferenças de
geografias. Pelo contrário, na maior parte das vezes, as variantes
regionais são sacrificadas em prol da reprodução das práticas já
existentes em outros locais. Muitas dessas práticas remontam o
pensamento dos primeiros missionários que aportaram no seio
nacional, empetrecidas pelo apego ás tradições.
Robson Romero de Sousa • 493

O resultado da uniformidade estética e metodológica é a


especialização do diálogo para alguns grupos sociais e a incapacidade de
dialogar com outros. O enrijecimento decorrente da tradição incorre,
com o passar do tempo, na redução do público com o qual a igreja tende
a dialogar. A longo prazo isso pode levar a uma ineficácia do método
(inapercebida até um estágio avançado de inutilidade, pelo fato de ser
gradual), a atrofia dos mecanismos missionários, a implosão por
apostasia (uma vez que ocorre a incapacidade de diálogo com as novas
gerações se desdobrando no envelhecimento da congregação) e em
último caso, na morte da igreja.
Em uma sociedade plural, multiforme e mutante, o processo
descrito acima tende a ser ainda mais rápido. Sendo assim, é necessário
que a igreja repense sua forma de lidar com o diferente, em especial no
âmbito das estratégias de diálogos interculturais.
A problemática do evangelismo ao diferente é atestada pela
formação da sociedade adventista brasileira. Sim, a IASD pode ser
considerada uma sociedade dentro da sociedade. Ela própria é um
subgrupo dentro do todo brasileiro, pois tem seu próprio padrão de
normalidade, muitas vezes distinto da maioria. Ao mesmo tempo, ela
possui dentro de si subgrupos, que se relacionam por afinidades
internas.
Um exemplo de subgrupo adventista é o universo dos
desbravadores, que possui uma linguagem própria dentro do idioma
denominacional. Fazem parte do todo adventista, mas também possuem
sua própria formatação delimitadora dentro do todo, que os distinguem
dos demais.
Enquanto a IASD seja uma sociedade dentro da sociedade, e ao
mesmo tempo possa ser definida como um subgrupo com seus próprios
494 • O Adventismo no Brasil

subgrupos, seu padrão de normalidade é rígido e uniforme. Isso se dá


ora pelos princípios professados, ora pela elevação das tradições ao
nível dos princípios. Essa perspectiva restrita do eu gera um enorme eu-
desviante, e interfere na maneira como os seus membros lidam com as
expressões do diferente.
A rejeição pelo diferente é agravada pelo discurso antimundano.
Enquanto os padrões da igreja sejam advogados como essenciais, e
identificados como divinos, qualquer outro tipo de padrão ou não
padrão é irremediavelmente identificado como mundano. A visão do
Cristo contra a cultura 201 demoniza o diferente/mundano. E o medo
natural do diferente pelo choque cultural é aprofundado.
A dupla de fatores (padrões rígidos e restritos associados ao
sentimento anticultural) talvez seja responsável pela formação tão
restrita e uniforme do adventismo brasileiro. Quando analisamos dados
do ACMS 202 percebemos que sociedade adventista brasileira não
acompanha a formação da sociedade brasileira como um todo. Levamos
em consideração a identidade religiosa da nação. A sociedade brasileira,
sob o ponto de vista religioso, apresenta maior diversidade do que
aquela apresentada pelas estatísticas de entradas de novos membros
adventistas 203.

201 Richard Niebhur traçou uma análise histórica sobre correntes de pensamento e relacionamento entre o
cristianismo e a cultura ao seu redor. Ele a subdivide em movimentos, sendo um deles o do cristianismo contra
a cultura, em oposição às manifestações sociais comuns da sociedade. NIEBHUR, H. Richard. Cristo e Cultura.
Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1967. 296 p.
202 ACMS é a sigla para Adventist Church Management System, um "sistema administrativo usado por
tesourarias e secretarias da Igreja Adventista do Sétimo Dia". Disponível em <https://iatec.com/
pt/acms/> Acesso em 28/04/2021.
203 Do total de membros listados no ACMS em 2016 (1.637.437), foi checada a filiação religiosa anterior ao
batismo na IASD de 872.574 membros. Desses, 99% já eram religiosos e 98% já eram cristãos antes de entrarem
na igreja. De acordo com o IBGE, no mesmo período o percentual de cristãos brasileiros era de 86,8% e o grupo
sem religião era de 8,03%.
Robson Romero de Sousa • 495

No que diz respeito a segmentos religiosos, a maior parte dos


adventistas brasileiros vieram do catolicismo. Isso é natural pelo fato
do Brasil ser um país majoritariamente católico. Curiosamente, o
segundo grupo que mais contribui para a formação da sociedade
adventista brasileira é o de ex-adventistas. Não preciso mencionar que
a parcela que corresponde à população adventista brasileira é bem
menor do que aquela que se encontra no grupo dos ex-adventistas 204.
Quando vamos na outra ponta do gráfico, percebemos que grupos
religiosos que possuem menor expressividade na população
praticamente inexistem na sociedade adventista brasileira. E se
olharmos a linha como um todo, podemos chegar à conclusão que,
quanto mais distante é o grupo do padrão de normalidade estabelecido
pela IASD, menor é a porcentagem de presença dele na igreja em relação
ao âmbito nacional 205.
Assim, enxergamos um problema imediato com tendência de
agravamento futuro. Hoje os membros da IASD lançam um olhar míope
para a evangelização do diferente, não construindo métodos adequados
ou nutrindo interesse pelo indivíduo de cultura estranha aos padrões
denominacionais. Mesmo que haja iniciativas nesse sentido, são parcas
e isoladas.

204 As maiores populações adventistas são oriundas do: catolicismo (35%), do próprio adventismo (ex-
adventistas 32%) e protestantes/evangélicos (30%). Essas populações representam 97% dos membros
adventistas vindos de outras crenças (Fonte: ACMS IASD 2016).
205 A maior parte das entradas de membros da IASD no Brasil é composta de religiosos cristãos, sendo os
maiores grupos o de católicos, ex-adventistas e protestantes/evangélicos. Em sequência vem o grupo de outros
adventistas, espíritas, outros cristãos, religiões afro e orientais, gnosticismo, religiões indígenas, judaísmo,
islamismo maçonaria, esotéricos, satanismo, nazismo e outras religiões. Essa sequência traz números
percentuais em frações menores que 1%.
496 • O Adventismo no Brasil

A questão é que a tendência dos grupos diferentes é de aumento 206.


Levando-se em consideração o quadro presente, quanto maior o
número de pessoas professando ser diferentes do padrão enxergado
pelos adventistas para a evangelização, mais difícil será para a igreja
manter seus números de entradas de novos membros.
Faça frente a essa projeção o elevado índice de apostasia em nossas
igrejas, em especial entre os jovens 207. Associe esse número ao fato de
que a tendência ao diferente ocorre especialmente entre os mais jovens
e teremos um cenário nada desejável, como o demonstrado no início
dessa sessão.
Em alguns anos poderemos reprisar o cenário da igreja cristã
tradicional nos Estados Unidos 208: envelhecida, rígida, tradicionalista e
sem a capacidade de se reestruturar para atingir novas gerações.

REPENSANDO ESTRATÉGIAS

Para se trabalhar com o universo da cultura juvenil, é necessário


pensar na problemática do diferente. Como já foi mencionado
anteriormente, é preciso um ambiente devidamente preparado, maduro
e com afinidade ao tipo de público que se busca alcançar. Enquanto
igrejas uniformes constroem métodos uniformes para manter sua

206 Ao analisarmos a geração Y (nascidos entre 1980 e 1995) brasileira, temos uma queda brusca no número
de protestantes/evangélicos (15%) e um aumento expressivo dos grupos que professam fé sem religião (6,7%),
espiritismo kardecista (9,4%), agnósticos (6,2%) e ateísmo (19%). Todos esses grupos que ganham
expressividade nessa geração são inexpressivos no adventismo. Ou seja, os grupos em que os batismos são
sustentados diminuem enquanto os grupos heterodoxos que não são alcançados aumentam expressivamente.
Sobre os dados da geração Y usados nessa comparação ver: VERZONI, André. Formas de subjetivação da
geração y. 2014. 32 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
207 Até 65% dos jovens abandonam a igreja. GANE, Barry. O Caminho de Volta: como reconquistar jovens que
abandonaram a igreja. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014. p. 17.
208 O protestantismo norte americano vive uma crise de apostasia. As igrejas tradicionais dos estados
unidJONES, Robert P.. The End of White Christian America. Nova York: Simon & Schuster, 2017. 336 p.
Robson Romero de Sousa • 497

uniformidade, o evangelismo que leva em consideração o pluralismo


social deve se preparar para enxergar o diferente não como uma
ameaça, mas como uma oportunidade 209.
Já mencionamos uma tímida expressão de iniciativas nesse
sentido, e não é objeto desse trabalho o discorrer em exemplos, o que
demandaria uma checagem de fontes exaustiva que poderia ser
sistematizada em outro momento. A priori, a intenção inicial é a
demonstração da necessidade de preenchimento desse vácuo
evangelístico. E isso só será possível quando as iniciativas particulares
ganharem aparato institucional.
Para se trabalhar com cultura juvenil é preciso de pessoas
motivadas e devidamente capacitadas academicamente, usando
ferramentas e recursos que a iniciativa individual poucas vezes
consegue juntar. É necessário também mais tempo do que estamos
acostumados em nossa cultura histórica de evangelismo. Não se pode
ter medo do fracasso numérico, pois é de fato um terreno novo e
causticante. Leva-se tempo para vencer obstáculos, trabalhar dilemas,
estabelecer uma comunicação saudável e um vínculo de confiança que
caminhará a qualquer tipo de resultado.
Deve-se pensar em um trabalho especializado, local, de
metodologia individualizada. O sucesso metodológico em uma realidade
não pode ser usado como razão de transferência imediata para outras
realidades semelhantes. A semelhança em termos de cultura juvenil na
pós-modernidade quase nunca será traduzida por igualdade.

209 BOSCH, David. Missão Transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. 2. ed. São
Leopoldo, RS: Sinodal, 2007. p. 17-19
498 • O Adventismo no Brasil

Porém, os caminhos de sucesso e insucesso nessa jornada serão


úteis para o aprendizado institucional e contribuirão para o
amadurecimento da mentalidade evangelística denominacional.

CONCLUSÃO

O exemplo das tribos urbanas (cultura juvenil) evidencia uma


lacuna para a ação evangelística da igreja adventista brasileira. E essa
fissura entre a igreja e a sociedade pode aumentar à medida que ocorre
o avanço do relativismo pós-moderno e seu enraizamento profundo
através do individualismo.
A igreja precisa se preparar, ainda que tardiamente, para esse
fenômeno, preparando a mentalidade intra eclesiástica para difusões
sociais cada vez mais evidentes. Em campo pragmático, ela precisa
diversificar suas frentes evangelísticas visando o cenário de uma
sociedade plural.
Assim, espera-se que a igreja continue viva e vibrante em sua
missão, não reproduzindo contextos em que a pluralidade já se encontra
em estado mais avançado. Uma igreja amadurecida para encarar
múltiplos contextos com naturalidade, sem perder a essência de sua
pregação.
17
OBRA SOCIAL ADVENTISTA NO BRASIL: ALGUNS
APONTAMENTOS
Tiago Cesar Santos

Este capítulo tem como objetivo apresentar um panorama


histórico da inserção e atuação da obra social adventista no Brasil,
buscando compreendê-la dentro do seu contexto histórico. Com esse
objetivo, a primeira parte do artigo destacará brevemente a importância
da assistência ao necessitado desde os primórdios do cristianismo até a
contemporaneidade. Em seguida apresentará a origem da igreja
Adventista do Sétimo Dia, sua vinculação com a herança cristã, e o início
das atividades de assistência social dentro da denominação. A terceira
parte apresentará a chegada do adventismo no Brasil, suas primeiras
formas de atuação no serviço social e seus diferentes enfoques ao longo
do tempo.

INTRODUÇÃO

É notável o impacto que a vida e a obra de Jesus Cristo causaram na


vida de milhões de pessoas. A mensagem que pregou e a maneira que
viveu continuam inspirando homens e mulheres a seguirem seu
exemplo.
Sem dúvida a vida de Cristo foi caracterizada pelo desprendimento,
renúncia e sacrifício em favor do ser humano, mesmo em face de seu
próprio prejuízo. De acordo com os evangelhos o próprio Cristo
declarou que “não veio para ser servido, mas para servir...” 210,

210 Bíblia, Mateus 20:28.


500 • O Adventismo no Brasil

convidando todos os que quiserem ser seus discípulos a serem


“...misericordiosos para com os outros...” 211
Embora, a mensagem central de seu ministério tenha sido a
redenção da raça humana e a restauração do homem a condição anterior
ao pecado, Ele nunca considerou a assistência aos necessitados como
um anexo de seu ministério, mas como parte essencial.
Dessa forma, o cristianismo se materializou por meio da ação
social em prol dos necessitados. Necessidades estas que podem se
traduzir pela carência de proteção, atenção, alimentos, vestimentas,
recursos financeiros e capacitação. Assim as primeiras comunidades
cristãs, que surgiram das pegadas de Jesus, procurando aperfeiçoar seu
serviço a Deus e ao mundo criaram o ministério dos diáconos. A palavra
diácono, de origem grega, denota “primariamente criado, quer aquele
que faz trabalhos servis, ou o ajudante que presta serviços voluntários”.
( VINE, 2002, p.563) Ocorre, por exemplo, no Novo Testamento em Atos
capítulo 6; momento que ocorre a nomeação de sete diáconos e em
Romanos 16:1 que faz referência a uma mulher que servia na igreja de
Cencréia.
De modo geral, essa atuação revolucionou o mundo antigo, pois
embora já houvessem medidas que visassem socorrer os necessitados,
elas se restringiam apenas aos cidadãos, deixando de fora todos aqueles
que não possuíam status político. A ação social cristã introduziu uma
dimensão universal, motivados por um amor incondicional sua atuação
não se limitava apenas as pessoas de sua própria comunidade, mas a
todos. Impressionado, o próprio imperador romano Juliano (331 – 363
d.C) teria afirmado que seria “vergonhoso que os ímpios galileus

211 Bíblia, Lucas 6:36.


Tiago Cesar Santos • 501

[cristãos] sustentem seus pobres e os nossos também...” (DOWNLEY, T.


1990, p. 191). Além disso os cristãos foram criando uma enorme rede de
assistência que contava com orfanatos, leprosários, asilos e escolas que,
sem dúvida, contribuíram para a propagação do cristianismo.
Porém, com o decorrer do tempo a igreja foi se tornando poderosa
e rica e aos poucos se afastou dos seus princípios. Essa mudança gerou
duras críticas à maneira como a igreja instituída conduzia os assuntos
religiosos. Nesse contexto, as ações em benefício dos necessitados
passaram a serem vistas como requisitos para a salvação. Essa obrigação
sócio-religiosa fazia muitas vezes que os mais ricos ajudassem os mais
pobres “em troca de dividendos religiosos, do reforço do seu prestígio
social e de uma capitalização ideológica do seu poder econômico.” (
Mouro,2003, p.134)
Esse cenário levou o monge alemão Martinho Lutero (1483-1546) a
redigir as ‘95 teses de justificação pela fé’, documento que defendia de
forma veemente que a salvação é unicamente pela graça, independente
das obras. Essa postura levou o reformador a ter algumas ressalvas em
relação a epístola de Tiago, que dava forte ênfase às obras.
Os protestantes, de modo geral, conquanto cientes de que as obras
não desempenham um papel determinante na salvação dos indivíduos
nunca negligenciaram a obra em favor dos necessitados. É importante
destacar que “na maioria das cidades onde o protestantismo prosperou,
a legislação social, com importante apoio a exilados e proteção aos
necessitados, é notória.”( SOUZA, S, L. 2011, p.150)
O período pós-reforma, porém, trouxe outros desafios. Devido a
influência de correntes filosóficas como o iluminismo, racionalismo e
deísmo muitos cristãos deixaram de lado as especificidades do sagrado
e passaram a interpretar sua relação com Deus de uma perspectiva
502 • O Adventismo no Brasil

individual. Onde a revelação como fenômeno objetivo e externo se


tornou irrelevante. O mais importante seria destacar o sentido moral
das escrituras. Dessa maneira, o evangelho “passou a ser visto como um
conjunto de padrões a serem seguidos para o estabelecimento do Reino
de Deus na terra. A ética de Jesus deveria ser seguida, mais do que
relacionar-se com ele mesmo, Jesus, como Deus” (SOUZA, S, L. 2011,
p.153) Nesse contexto, aliado às profundas transformações sociais e
econômicas que o ocidente estava passando, consequência do processo
de industrialização e precarização das condições de trabalho , surgiu
nos Estados Unidos da América, no final do século XIX, o Evangelho
Social. Essa escola de pensamento teológico teve como um dos
principais expoentes o pastor batista Walter Rauschenbusch (1861-1918)
Rauschenbusch, fez duras críticas ao capitalismo e a postura de
muitos seminários que formavam líderes religiosos sem engajamento
no combate às injustiças sociais. Para ele não bastava apenas pregar a
“salvação das almas”, dever-se-ia lutar por melhores condições sociais.
Suas ideias tiveram um considerável impacto no Brasil por meio da
publicação do livro de Charles Sheldon, Em seus passos o que faria Jesus
(2010). Embora o ‘evangelho social’ tenha tido maior visibilidade entre
os anos de 1880 e 1918, alguns autores como Rubem Alves (1933-2014)
viram em Rauschenbusch um precursor da Teologia da Libertação,
movimento que emergiu da igreja católica na América Latina e ligava
fortemente o evangelho aos pobres e oprimidos. 212
Desse modo, podemos observar que, embora possam haver
divergências teológicas entre os cristãos, a obra social nunca foi

212Para maiores informações sobre a teologia do evangelho Social e e Teologia da libertação ver:
RAUSCHENBUSCH, Walter. Uma teologia para o Evangelho Social. Vitória: Ed. Unida; São Paulo: Ed. Astes, 2019.
GUTIERREZ, G. Teologia da Libertação. São Paulo: Loyola, 2000.
Tiago Cesar Santos • 503

negligenciada. Porém, as diferentes ênfases nesse aspecto da vida cristã


deram o tom do engajamento dos fiéis. Tendo isto em mente nos
voltaremos para a origem da igreja Adventista do Sétimo Dia, sua
vinculação com a herança cristã, e o início das atividades de assistência
social dentro da denominação.

A IGREJA ADVENTISTA NA AMÉRICA DO NORTE E A OBRA SOCIAL.

As origens históricas da igreja Adventista do Sétimo dia se


vinculam ao movimento milerita nos Estados Unidos da América. Este
movimento inspirado nas ideias de um pregador batista leigo chamado
Guilherme Miller proclamava o retorno de Jesus a terra por volta dos
anos de 1843 e 1844. Miller teria chegado a esta data após uma leitura
minuciosa da bíblia, e ao estudar especialmente o capítulo 8, versículo
14 do livro de Daniel que diz “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs
o santuário será purificado” chegou a conclusão que o santuário a ser
purificado no final do período das 2.300 tardes e manhãs era a terra e
que a purificação representava a volta de Jesus. Seus estudos históricos
e teológicos o levaram a estabelecer a data de 457 d.C como o início do
período e consequentemente o ano de 1843 como seu término.
Posteriormente, quando o movimento ganhou maiores proporções,
novas datas foram propostas sendo o dia 22 de outubro de 1844 a data
que produziu a mais intensa excitação.
Como o movimento milerita abrigou pessoas das mais diversas
denominações, por vezes Miller insistiu para que não entrassem em
discussões de “questões estranhas àquelas do advento” (MILLER, W
1844) Dessa maneira, o historiador do adventismo George Knight
definiu o milerismo como “essencialmente o movimento de uma só
504 • O Adventismo no Brasil

doutrina: a volta visível, literal e pré-milenial de Jesus nas nuvens do


céu.” (KNIGHT,G. 2005. P. 58). Essa crescente expectativa produziu um
despertamento aos moldes das primeiras comunidades cristãs. Fazendo
com que muitos se desprendessem dos bens materias e se dedicassem
totalmente ao serviço cristão.
Porém, o não cumprimento da profecia trouxe perplexidade e
decepção a muitos adventistas. 213 Levando-os a se dividirem
basicamente em três grupos distintos. Aqueles que acreditavam que o
cálculo estava incorreto; os que atribuíram a volta de Jesus um sentido
espiritual, e os que entenderam que a data estava correta, mas o evento
estava errado. Foi em torno desse terceiro grupo que surgiu os
fundadores da igreja adventista do Sétimo Dia: Ellen G Harmon (1827-
1915) Tiago White (1821-1881) e José Bates (1792-1872).
De 1844 até 1863, ano que ocorreu a organização formal da igreja,
os adventistas do sétimo dia sistematizaram suas principais doutrinas.
Dentre elas, podemos destacar: a volta pessoal, visível e pré-milenial de
Jesus; o ministério bifásico de Cristo no santuário celestial; a
perpetuidade do sábado do sétimo dia e sua importância escatológica e
o conceito de que a imortalidade não é inerente, mas algo que recebemos
somente como um dom por meio de Jesus Cristo. De acordo com Knigth,
essas doutrinas “distinguiram não apenas os sabatistas dos outros
mileritas, mas de outros cristãos em geral” provendo a resposta para
pergunta sobre o que seria ser adventista no adventismo.
É importante destacar, também, o papel que a mídia impressa
desempenhou desde o início do movimento adventista, possibilitando
maior senso de unidade e uma divulgação mais ampla de suas ações e

213 O termo aqui é usado para designar todos aqueles que passaram pela decepção de não ver o cumprimento
da profecia referente a volta de Jesus em 1844.
Tiago Cesar Santos • 505

ideias. Assim, surgiram periódicos como Present Truth e The Advent


Review and sabbath Herald. Por meio deles é possível identificar as
primeiras ações sociais que os adventistas desempenharam. Conforme
relatado na edição de 25 de novembro de 1851 da Review é possível
observar a iniciativa de organizar um grupo de diáconos, para atender
as necessidades dos mais pobres. 214 Embora estas ações tivessem maior
impacto a nível local, com o tempo mais grupos como esse foram sendo
criados. Até que em 1874, em Battle Creek Michigan, um grupo de
mulheres, inspiradas no exemplo de Dorcas, uma mulher piedosa que
viveu no primeiro século da era cristã, criaram a Sociedade Beneficente
Dorcas. Esta organização realizava reuniões periódicas e suas principais
atividades incluíam “manufatura de roupa e provisão de alimento para
famílias necessitadas, cuidado pelas viúvas, idosos e doentes” ( ASD,
2020, p.439)
A atuação da sociedade Beneficente Dorcas foi um importante
passo na ação social Adventista, pois em anos anteriores já havia sido
formada uma Sociedade Filantrópica Adventista do Sétimo dia. Porém,
ela nunca entrou em atividade. (SCHWARZ, R. W.; GREENLEAF. 2009.
p.158.)
Os primeiros vinte e cinco anos de existência da denominação
apresentaram um crescimento significativo. Passando de 3.500
membros em 1863 para 26.112 membros em meados da década de 1880.
Esse crescimento organizacional foi acompanhado por uma expansão
das instituições educacionais, médicas e das editoras que a igreja
administrava. Essa expansão possibilitou uma atuação mais relevante
no aspecto social. Nesse período se destaca a atuação de um jovem

214 Disponível em :.https://documents.adventistarchives.org/Periodicals/RH/RH18511125-V02-07.pdf. Acesso


em 18/01/2021.
506 • O Adventismo no Brasil

médico chamado John Harvey Kellog (1852-1943). Kellog era um


eminente cirurgião, prolífico inventor, e um vigoroso defensor das
reformas de saúde. Sob sua administração, as instituições médicas
adventistas cresceram grandemente. Esses locais eram frequentados
por pessoas de grande poder aquisitivo, e os recursos gerados por essas
instituições junto com as doações eram revertidos em benefício aos
pobres e aos desempregados.
Nesse período a igreja abriu um orfanato, um lar para idosos e sob
a recomendação de Kellog, criou em 1893 a Associação Médica
Missionária que tinha como objetivo supervisionar além do orfanato e
a casa para idosos todos os sanatórios que a igreja possuía.
Sob sua direção, a Associação Médica Missionária promoveu
diversas ações sociais em Chicago, Nova Iorque e São Francisco. Essas
ações consistiam em promover uma grande variedade de serviços
oferecendo

Um dispensário médico gratuito, banhos grátis, uma lavanderia gratuita,


um serviço de enfermeiras em domicílio, uma creche gratuita para mães
que trabalhavam, classes nutricionais e de assistência pediátrica, um balcão
de venda de alimentos a preços irrisórios, uma casa de hóspede a preços
reduzido, uma agência de empregos, um programa para a recuperação de
prostitutas e alcoólatras, e várias associações de meninos. A missão até
mesmo administrava uma fazenda de 160 acres [647,5 mil metros
quadrados] fora da cidade, onde os alcoólicos podiam receber emprego
temporário longe das tentações da vida urbana. (SCHWARZ, R. W.;
GREENLEAF. 2009. p.202)

No entanto, como esse projeto demandava muitos recursos e os que


haviam eram insuficientes, Kellog solicitou o apoio geral da Igreja.
Porém, Ellen G White e parte da liderança da denominação não viram
Tiago Cesar Santos • 507

com bons olhos essa solicitação, pois para eles essa obra de assistência
social estava consumindo muitos recursos e fazendo com que os
membros perdessem o foco na pregação do evangelho. Essa discussão,
em parte era um reflexo da proposta teológica do evangelho social, que
na época gerava muitos debates nas igrejas cristãs dos Estados Unidos
da América.
Como a Associação Médica Missionária não obteve todo o apoio que
desejava, aos poucos foi eliminando os projetos sociais das grandes
cidades. Isso provocou na denominação um arrefecimento do
entusiasmo que movia os projetos sociais. Aliado a isso, problemas
administrativos e doutrinários fizeram com que o Dr. Kellog fosse
afastado da denominação.
Embora o engajamento nos projetos sociais tenha diminuído, o
entusiasmo na expansão mundial aumentava, cada vez mais. A
princípio, a mensagem adventista se expandia por meio dos seus
periódicos e de famílias adventistas que se mudavam para diversas
regiões do país e do mundo. Mas desde 1974 a denominação já fazia
esforços para enviar missionários para outros continentes.
De modo geral, foi por meio das publicações, família de adventistas
e missionários que o adventismo do Sétimo dia chegou ao Brasil.

A IGREJA ADVENTISTA NO BRASIL E A OBRA SOCIAL.

O contexto em que o adventismo chegou ao Brasil foi marcado por


profundas transformações. A abolição da escravidão, 1888, e o golpe
militar que depôs o imperador e instituiu o governo republicano,1889,
são apenas alguns exemplos dos desafios de gestão que o país
enfrentaria. A escravidão vista no país como funcional e estrutural,
508 • O Adventismo no Brasil

impunha vários desafios para a construção da ideia de cidadania,


aumentando cada vez mais o fosso que separava os ricos dos pobres.
Além disso, em decorrência da herança portuguesa, o catolicismo foi a
religião oficial do Estado, o que de certa maneira, contribuiu para
legitimar um modelo de sociedade que descaracterizava as questões
sociais como problemas políticos. Se por um lado a prática da caridade
era um dever religioso, seu exercício constituía-se

como uma forma de conciliar a solidariedade com os processos de


dominação cultural e religiosos da hegemonia católica, assim como da
consolidação da hierarquia e estrutura social. Assim, a caridade era
praticada de acordo com os valores religiosos da doutrina católica que,
legitimados à luz da razão natural, conduziam à ideia de que os pobres
existiam para que a sociedade pudesse, quotidianamente, ir fazendo, com
sucesso, o seu próprio ato de contrição. (MOURO, 2003, p.132)

Embora a presença protestante no país date do século XVI e XVII,


por meio de colonos holandeses e franceses, sua presença se tornou
mais marcante a partir do século XIX. Pois devido a abolição do trabalho
escravo, o país passou a oferecer subsídios para que imigrantes
europeus viessem em busca de oportunidades de trabalho.
É difícil localizar o primeiro lugar com presença adventista na
América do Sul. No caso do Brasil, de acordo com Greenleaf (2009) as
pesquisas indicam que já na década de 1880 alguns adventistas
“emigraram do sul da Rússia para Rio de Cedros, Santa Catarina” (p. 24).
Seguido, pouco tempo depois, por imigrantes alemães. De modo
especial, a colônia alemã em Brusque, Santa Catarina, foi a primeira a
entrar em contato com a literatura adventista que era produzida na
editora da denominação em Battle Creek, Michigan. O periódico Stimme
der Wahrheit ( Voz da Verdade) havia sido traduzido para o alemão e
Tiago Cesar Santos • 509

chegou no Brasil endereçado a um colono chamado Carlos Dreefke.


(BORGES, 2000). Somente na década de 1890 chega ao Brasil o primeiro
missionário, Albert Stauffer, e o primeiro pastor devidamente
ordenado, J. H. Westphal, para realizar os primeiros batismos e
organizar as primeiras igrejas. Em 1895 havia pelo menos três igrejas
organizadas: uma em Santa Catarina, outra no Espírito Santo e outra no
Rio de Janeiro. (TIMM, 2005, p 14) Embora, a presença adventista no
Brasil tenha ocorrido a princípio pela presença de famílias de
imigrantes, sua inserção está classificada no que Mendonça chama de
protestantismo de missão. (Mendonça, 2008)
Organizada formalmente, a incipiente igreja começou a publicar
no país, em 1900, a primeira revista adventista em língua portuguesa,
chamada Arauto da Verdade. Substituída alguns anos depois, 1906, pela
Revista trimestral, porta voz oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia
no Brasil. As publicações forneciam, além de conteúdo doutrinário,
instruções sobre estilo de vida saudável.
Seguindo o modelo da igreja na América do Norte, os adventistas
no Brasil também se organizaram, localmente, por meio do ministério
dos diáconos para suprir as demandas dos mais necessitados.
Eventualmente, a presença de médicos missionários possibilitava a
oferta de algum serviço mais especializado. Nesse sentido, se destaca a
atuação do médico e dentista Abel Landers Gregory, que em 1902 veio
para o Brasil, com recursos próprios, e realizou a obra médico
missionária em Taquari, Rio Grande do Sul (ASD,2020,p.611).
Institucionalmente, até meados do século XX , a igreja estava mais
focada na expansão mundial. Tanto que as grandes campanhas de
arrecadação de recursos financeiros, conhecidas como recoltas, tinham
como objetivo principal financiar o envio de missionários para outros
510 • O Adventismo no Brasil

continentes. E já no início do século XIX haviam aproximadamente 480


missionários no exterior. (TIMM, 2004,p.28).
O espírito missionário não era uma particularidade dos
adventistas. Na realidade, o adventismo estava em harmonia com
engajamento geral das igrejas protestantes de sua época. Partilhando
das mesmas preocupações e objetivos. Tanto que participou em 1910 da
Conferência Missionária Mundial, a primeira grande reunião que
envolvia representantes de diversas denominações para discutir
missões cristãs ao redor do mundo. (SCHANTZ, 1983, p.387) Além disso,
a maioria das igrejas cristãs partilhavam de uma visão que associava
cristianismo à civilização e nações não cristianizadas a selvagens.
Analisando os textos de diversos missionários adventistas Filho destaca
que

O aspecto mais importante que pode ser ressaltado nos documentos


adventistas que trataram de missões é a representação homogênea dos
povos indígenas, que eram apresentados como se estivessem pedindo
“ansiosamente” pela presença de missionários, pois seriam carentes de
“civilização”. (Filho, 2006, p.327).

Dessa forma, em 1920, a igreja começa a elaborar programas e


levantar fundos para realizar o trabalho entre os índios no Brasil.
Devido à grande incidência de doenças infecciosas, pobreza e a ausência
de órgãos oficiais que poderiam oferecer algum tipo de auxílio para a
população indígena, os adventistas encontrariam uma grande
oportunidade para prestar assistência social a estas populações.
Oficialmente a missão entre os indígenas se iniciou no final da década
de 1920, mas anos antes alguns missionários como Carlos
Heinrich(1886-1963), Alvin Nathan Allen (1880-1945) e Leo Blair
Tiago Cesar Santos • 511

Halliwell (1892-1967) já haviam trabalhado com as populações


ribeirinhas e indígenas em Goiás, Mato Grosso e Belém.
A Missão Indígena do Araguaia, nome que foi batizado o projeto, se
estabeleceu em Piedade, no Estado de Goiás. Embora pequena, em
termos numéricos, principalmente diante do vasto território que
pretendia atender, sua presença era significativa na região. O trabalho
que a princípio era feito por meio de canoas que atravessavam os rios,
com o tempo passou a ser feito com lanchas mais bem equipadas. Dessa
maneira, eles tinham oportunidade de atender os indígenas oferecendo
assistência médica e paralelo a esse trabalho podiam fazer o
evangelismo. Esse trabalho logrou êxito, a ponto de alcançar o
reconhecimento das autoridades pelos serviços prestados. Sendo que
Halliwell chegou a ser condecorado com a comenda Ordem Nacional
Cruzeiro do Sul, conferida a personalidades que deram importantes
contribuições ao país.
Até 1930 o Brasil era basicamente um país agrário. “A principal
preocupação do Estado não estava voltada para a indústria, mas para os
interesses agroexportadores”. (Fausto, 2006, p.289). Seu modelo de
desenvolvimento econômico gerava suas próprias contradições e
revelava cada vez mais os antagonismos sociais, produzindo
marginalização social e degradação humana. Nesse contexto, os
movimentos sociais urbanos e no campo fizeram um forte protesto
contra essa situação. Porém, os problemas sociais no Brasil ainda eram
encarados como disfunção do indivíduo e não como problema de
estrutura social. (MARTINS, 1993. p.73) A partir da década de 1930,
momento em que o país passa a investir de maneira mais intensa em
um modelo de industrialização é que o Estado passa a redefinir suas
funções. Pois com a consolidação do modo de acumulação capitalista, a
512 • O Adventismo no Brasil

exploração econômica tornaria cada vez mais evidente à enorme


desigualdade social que assolava o país. Ameaçando a tão desejada
coesão social. Nesse contexto, o Estado brasileiro criou dois
importantes ministérios: Dos Negócios da Educação e da Saúde, 1930, e
do Trabalho, Indústria e Comércio, 1931. Esse passo imprimiu à
assistência social um caráter governamental e junto com as leis
trabalhistas fiscalizou, ordenou e controlou à força de trabalho. (
Martins, 1993 p.76).
Enquanto a obra social avançava no Norte e no centro-oeste do
país, nos grandes centros urbanos, como São Paulo, a obra social
adventista avançava por meio de conferências promovidas por pastores
e médicos missionários. De modo geral, estas conferências tinham como
foco especial fornecer instruções para um modo de vida saudável dando
ótimas oportunidades para que ocorressem o evangelismo.(BARBOSA,
W, V.2005, p21)
À semelhança da atuação adventista em território norte
americano, o adventismo no Brasil investiu em áreas como educação e
saúde. Fundando em 1896 uma escola em Curitiba e em 1942 um hospital
em São Paulo no bairro da Liberdade. Ambos, de certo modo foram
sementes que renderam muitos frutos ao longo do tempo. Inspirando
diversas regiões onde a igreja estava estabelecida a seguirem seus
passos. Greenleaf (2011) destaca que “a educação era um tipo de
programa humanitário destinado a aumentar a alfabetização”
(p.625)porém os líderes da igreja não tinha essa percepção enxergando
os não adventistas matriculados mais como uma oportunidade de
proselitismo do que uma oferta de educação com toque assistencial.
A forte ênfase no proselitismo começou a mudar devido ao impacto
causado pelas duas grandes guerras mundiais. Fazendo com que a
Tiago Cesar Santos • 513

instituição encarasse “as pessoas ao redor como algo mais do que


público em potencial para reuniões evangelísticas”
(GREENLEAF,2011,p.621) Os efeitos devastadores da guerra fizeram com
que os membros da denominação se mobilizassem para arrecadar
alimentos, roupas, remédios e recursos para enviarem as pessoas em
necessidade. Isso despertou uma nova consciência do papel que a igreja
deveria desempenhar no mundo. Dessa maneira em 1956 foi criada a
Seventh-day Adventist Welfare Service (SAWS) Assistência Social
Adventista que filiada a importantes agências internacionais como a
IMA (Inter-Church Medical Assistence), USAID (United States Agency
for International Development) e CWS ( Church World Service)
atenderam pessoas em diversos países afetados não apenas pela guerra,
mas por calamidades de diversas naturezas.
A cooperação da igreja sul-americana vinha principalmente por
meio do ministério das Dorcas. Que conscientes também de sua atuação,
se uniram por meio de federações. Sendo que a Federação de Dorcas de
São Paulo, formada por 25 sociedades, já em 1957 tinha desempenhado
um importante papel no socorro das vítimas da enchente do rio Ribeira.
O sucesso de seus empreendimentos sociais, muitas vezes,
dependia também da capacidade de fazerem uma leitura correta do
contexto em que estavam inseridos.
Na década de 60 e 70 o Brasil começava a avançar rumo a uma
epidemia de tabagismo. Estima-se que entre as duas décadas seguintes
o consumo de tabaco passou de 780 unidades per capita para mais de
1200. Entre 1975 e 1985 havia pelo menos 33 milhões de fumantes no
país.(ROMERO, L,C; SILVA, V.L.C, 2011,p306) Esse cenário provocou uma
crise de saúde pública e deu mais uma vez oportunidade para os
adventistas darem assistência social e espiritual. Os pioneiros nessa
514 • O Adventismo no Brasil

obra foram Dr Ajax da Silveira que já no início da década de 60 em São


Paulo havia criado a Escola de recuperação de Alcoólatras, e os pastores
Alcides Campo Longo e Sesóstris César que promoveram cursos sobre
“Como deixar de fumar em 5 dias”. Estas iniciativas lograram muito
êxito e mais uma vez colocaram a igreja em evidência.
Enquanto isso, mais do que agir de maneira pontual em situações
de emergência, a igreja mundial passa a desenvolver projetos de
desenvolvimento contínuo em locais vulneráveis tanto no continente
americano quanto no africano e asiático. E para refletir essa mudança,
altera o nome da sua principal agência de assistência social, Seventh-
day Adventist Welfare Service (SAWS), para Seventh-day Adventist
World Service (Serviço Mundial Adventista) e posteriormente, na
década de 80, para ADRA Adventist Development and Relief Agency
(Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistênciais.)
A mudança de enfoque assistencial para desenvolvimentista
reflete em partes as mudanças que se operavam no mundo no pós
guerra. De 1945 a 1973 o Estado desempenhou um papel determinante
na complexa estrutura de assistência social, juntamente com as
instituições confessionais.
No entanto, as crises petrolíferas de 1973 e 1979 abriram mais uma
vez a discussão sobre o papel do estado na sociedade. Muitos
economistas liberais alegaram que as políticas de assistências social
elevavam o déficit público e pouco faziam pela recuperação econômica
e enfrentamento da inflação. Defendiam o afastamento do Estado da
gestão da política econômica, privatização das empresas e diminuição
dos gastos sociais.
A onda neoliberal, que começa com mais força na década de 1980
se reflete no Brasil de maneira mais intensa a partir dos governos de
Tiago Cesar Santos • 515

Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique


Cardoso.(1995-2002)
Porém, mesmo antes desses governos havia uma enorme
deficiência nos serviços públicos na área da saúde. Enxergando esta
lacuna como uma grande oportunidade, um adventista do Rio de
Janeiro, Milton Soldani Afonso, funda a Golden Cross, uma operadora
de saúde que se torna pioneira na implantação do sistema de medicina
privada, vindo a ser uma das maiores operadoras do país.
A proximidade de Milton Afonso com a igreja Adventista fez com
que fossem firmadas diversas parcerias. E devido a expressiva
colaboração da Golden Cross a igreja passou a investir na construção e
manutenção de orfanatos, atendimentos médicos gratuitos,
distribuição de bolsas de estudo etc. Porém, com a reestruturação da
empresa na década de 1990, as contribuições financeiras diminuíram e
como consequência, a igreja sem condições de manter os projetos
sociais acaba fechando muitos orfanatos e hospitais administrados pela
instituição.
Barbosa observa que durante o período que vai de 1961 a 1983 “as
iniciativas locais foram sendo absorvidas pelas iniciativas
institucionais” (BARBOSA,2005,p.76) o que pode ter levado muitos
membros a diminuírem o engajamento nos projetos sociais locais.
A ADRA chega ao Brasil em 1984 e em entrevista a revista
adventista o representante da instituição para todo o continente
americano declara que ela foi criada para modificar “o cunho
assistencialista da obra comunitária da igreja. Dentro da nova
516 • O Adventismo no Brasil

mentalidade, não se dará peixe ao povo, mas vamos ensiná-los a


pescar.” 215
Ao longo dos seus mais de sessenta nos de história, a ADRA tem
recebido reconhecimento pelos serviços humanitários prestados. Se
tornando uma das maiores organizações de ajuda humanitária não-
governamentais do mundo. Recebendo inclusive o Status Consultivo
Geral das Nações Unidas.
De acordo com o site oficial a ADRA está presente em mais de 130
países, sendo que no Brasil estão organizados em 13 regionais que
abrangem 15 estados. 216 Suas ações têm se concentrado em 9 áreas: água,
saneamento e higiene, saúde comunitária, crianças em situação de
vulnerabilidade, resposta e gestão de emergências, nutrição e redução
da fome, geração de emprego e renda, promoção da justiça social e
garantia de direitos e igualdade entre os sexos e valorização da mulher.
Dentre os principais projetos sociais que a igreja tem desenvolvido nos
últimos anos podemos citar o Mutirão de Natal, as campanhas
“Quebrando o Silêncio” contra a violência doméstica e mais
recentemente as ações que visam socorrer as pessoas afetadas pela
pandemia do SARS-COV-2.
Ao analisar as formas de atuação da Igreja Adventista no serviço
social, tanto na América do Norte quanto no Brasil é possível perceber
que suas estratégias de intervenção sofrem influência não apenas de sua
visão teológica, mas também das dinâmicas dos processos políticos e
econômicos.

215 Revista Adventista, setembro de 1984, p29.Disponível em:. https://acervo.cpb.com.br/ra. Acesso


em:.28/01/2021.
216 https://adra.org.br/sobre/> Acesso em 28/01/2021.
Tiago Cesar Santos • 517

A sua principal agência de ajuda humanitária, a ADRA, embora se


destaque em projetos de conscientização contra violência doméstica,
campanhas de arrecadação de alimentos e roupas como o Mutirão de
Natal, além do excelente trabalho com as crianças em situação de
vulnerabilidade tem uma presença mais expressiva no atendimento a
vítimas de calamidade. Esses elementos indicam que a mentalidade
adventista está mais voltada para o combate a pobreza conjuntural
(PEREIRA 1989), que se vincula a determinadas conjunturas históricas.
Sendo as ações de natureza emergencial, corretivas e compensatórias as
mais comuns. No entanto, no combate a pobreza estrutural a igreja
demonstra pouco enfrentamento. Talvez por estar ligada ao modelo
econômico que gera as desigualdades.

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18
PANDEMIA NO SÉCULO XX: O DISCURSO RELIGIOSO
E CIENTÍFICO EM PERIÓDICO DENOMINACIONAL
Francisco Luiz Gomes de Carvalho

Este capítulo resulta de uma pesquisa documental em fontes


primárias empreendida nas edições do periódico denominacional
adventista Revista Mensal no período de 1918 a 1920. Assim que,
acessamos o acervo on-line do periódico utilizando o recurso de busca,
o que nos oportunizou a localização de trinta e seis edições dentro do
período compreendido com um total de 626 páginas e 395.977 palavras
indexadas. Utilizando os descritores pandemia, gripe hespanhola e
influenza hespanhola verificou-se um total de quarenta e oito
ocorrências. O objetivo que conformou esta pesquisa foi identificar os
discursos científico e religioso postos em circulação no periódico, a fim
de flagrar a relação entre ciência e religião. Cabe informar que os dados
resultantes da mesma recebem nesse texto um tratamento de análise
tendo com referenciais teóricos Chartier (1990) no que se refere às
estratégias editoriais e Barbour (2004) que sugere que a relação entre
ciência e religião pode ser compreendida por meio de quatro posições:
conflito, diálogo, independência e integração. O uso que fazemos das
categorias de Barbour (2004) se dá nos moldes da apropriação tópica
(CATANI; CATANI; PEREIRA, 2001).

INTRODUÇÃO

Historiadores indicam que a pandemia de 1918 causou mais mortes


que a Primeira Guerra Mundial e que outras epidemias no século XX
com estimativa de milhões de óbitos em todo o mundo. A gripe
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 521

espanhola – como ficou conhecida devido ao grande número de mortos


na Espanha – apareceu em duas ondas diferentes durante 1918. A
imputação do nome espanhola à gripe tem raízes políticas, sendo
atribuída em razão da posição de neutralidade que a Espanha adotou
durante a Primeira Guerra Mundial (KOLATA, 2002). No Brasil, a
disseminação da doença começou em 1918 e pode ser atribuída a alguns
navios que aportaram em portos do Nordeste, como o inglês Demerara.
Ao longo do período registraram-se mais de 35 mil mortes no Brasil,
sendo o Rio de Janeiro maior núcleo urbano do país que apresentou o
número de óbitos mais elevado (GOULART, 2005).
Neste artigo recorremos a uma pesquisa documental de
abordagem qualitativa a fim de indicar os discursos científico e
religioso referentes a pandemia de 1918. Para tanto, recorremos ao
periódico denominacional Revista Mensal 217 consultando as edições
compreendidas entre os anos de 1918 a 1920 buscando identificar a
exposição da relação entre ciência e religião esboçada nesta revista no
período acima informado com foco para a categorização esboçada por
Barbour (2000).
No que se refere à metodologia aplicada para esta pesquisa
informamos que a mesma consistiu em acessar (on-line) as edições do
periódico denominacional do período de 1918 a 1920. Tendo acessado o
sítio eletrônico utilizamos o recurso de busca disponível selecionando o
período demarcado e inserindo os seguintes descritores: pandemia, gripe
hespanhola e influenza hespanhola. Desse modo, foram consultadas

217 Esse periódico foi um dos primeiros a ser lançados pelos adventistas no Brasil. O mesmo veio para substituir
a Revista Trimestral que passou a ser veiculada desde 1906. Assim entre os anos de 1908 e 1929 o periódico
denominacional recebeu o nome Revista Mensal, tendo depois recebido o nome de Revista Adventista. Todas
as edições encontram-se disponibilizadas no site: <https://acervo.cpb.com.br>. Acesso em: 20 mai. 2020.
522 • O Adventismo no Brasil

trinta e seis edições num total de 626 páginas com 395.977 palavras
indexadas. Assim que, encontramos o seguinte quantitativo de
registros: pandemia (1), gripe hespanhola (16) e influenza hespanhola
(31). Cumpre-nos apresentar os registros assinalados referentes aos
termos pesquisados com intuito de perscrutar as posições indicadas no
que tange à relação ciência e religião exposta nos discursos científico e
religioso, nosso objeto de pesquisa.

PRIMEIRAS IDEIAS

Desde cedo, as publicações foram instrumentos da estratégia de


implantação dos Protestantes no Brasil constituindo-se em veículos de
propaganda no projeto evangelizador. Assim sendo, as “[...] publicações
religiosas foram largamente usadas como uma forma de proselitismo
junto à população local à qual os missionários se dirigiram de forma
abrangente” (VASCONCELOS, 2014, p. 52). Nestes termos, é pertinente
compreendê-las como componentes da cultura protestante e cujo uso
foi mobilizado em direção a conformar percepções e na formulação de
visão de mundo (WILLIAMS, 1992).
Os Adventistas do Sétimo Dia lançaram mão do uso de periódicos
como sendo um dos instrumentos de implantação e expansão nos
campos missionários. A impressão e circulação de periódicos
denominacionais “[...] tornou-se um instrumento essencial para
consolidar a fé de centenas de crentes adventistas e para propagar suas
crenças” (FORTIN, 2004, p. 46). Tamanha importância dos periódicos
para a evangelização adventista nestas terras pode ser atestada pelo
fato de que os registros oficiais afirmam que o adventismo chegou ao
Brasil pelas publicações numa frente estadunidense tendo como bojo
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 523

principal e somente depois foram seguidas pelos colportores e pastores


(GREENLEAF, 2011).
Historiadores têm se debruçado em pesquisas acerca da trajetória
do protestantismo no Brasil e, para tanto alguns o fazem por meio do
registro das ações de tradução, editoração, publicação e distribuição
implementadas pelas denominações religiosas nestas terras. O que por
sua vez, tem contribuído para ampliação da historiografia brasileira
especialmente por constituir um campo de investigação cujo objeto de
estudo têm sido os impressos que circularam durante grande parte do
século XIX e XX e, como tais funcionavam como instrumentos de
apropriação de um modelo cultural (NASCIMENTO, 2002).
Seguindo as pistas indicadas por Chartier (1990) é possível
assinalar a estratégia editorial de veiculação dos discursos religioso e
científico empreendida no periódico denominacional, a Revista Mensal.
Afinal, entre as intenções do autor por meio da escrita, as decisões
editoriais e a passagem para o periódico há uma conformação de
estratégia que baliza o atender não apenas uma demanda religiosa, mas
uma função de informação e formação dos leitores, além de
reminiscências para a instrumentalização no proselitismo.
De certo modo, as relações entre religião e ciência aqui
apresentadas não são tratadas do ponto de vista histórico, mas sim nos
termos da conjuntura da época da pandemia numa sociedade ocidental,
fortemente influenciada e conformada sobre as bases da tradição cristã.
Acerca da relação ciência e religião, Barbour (2000) informa que a
mesma pode ser entendida a partir de quatro posições: conflito, diálogo,
independência e integração.
524 • O Adventismo no Brasil

O conflito é representado por pessoas com os pontos de vista


extremados que, em geral se tratam como inimigas e tem na mídia um
importante palanque para o acirramento das posições. No que se refere
ao diálogo, nota-se uma aproximação cuja ênfase recai na procura pela
identificação de semelhanças entre as analogias, os métodos e modelos
conceituais empregados nas duas áreas. Nesta posição, a pauta da
aproximação entre as duas áreas é condicionada por aquele que
empreende observação atenta característico da investigação cientifica
e que se normatiza pelos critérios da coerência, abrangência e
fecundidade, no entanto mantêm destaque para o pensamento religioso.
Em geral, o diálogo se dá nas questões-limite de fronteira (SANCHES;
DANILAS, 2012).
Referente à independência, os que advogam esta posição afirmam
que ciência e religião coexistem em separado, sendo estranhas e cuja
relação se dá pela manutenção da distância uma da outra. Em síntese,
Barbour (2000) informa que quem defende esta ideia destaca que a
ciência lida com fatos objetivos e investiga como as coisas funcionam.
Para esses, a religião se limita aos valores de vida e o sentido último da
pessoa humana. A posição da integração é considerada a mais amigável
entre os campos de conhecimento e a base tal se alicerça na parceria
entre religião e ciência de modo sistemático e abrangente. Sob essa
perspectiva de abordagem, a integração advoga a necessidade de uma
reformulação de certas crenças e/ou doutrinas à luz das descobertas da
ciência (SANCHES; DANILAS, 2012).
Neste texto, ao mobilizarmos as categorias de Barbour (2000) o
fazemos sob os ditames da apropriação tópica (CATANI; CATANI;
PEREIRA, 2001) segundo a qual indica um uso de categorias de análise
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 525

sem haver necessariamente uma associação teórica estritamente


autoral. Assim sendo, informamos que nesta perspectiva o uso da
categoria é apreendido nas mais diversas acepções do conceito e “[...] em
diferentes graus de intensidade para reforçar argumentos e resultados
obtidos e desenvolvidos em um quadro terminológico que não
necessariamente se filia ao do autor (CASSAB, 2010, p. 243).

OS DISCURSOS RELIGIOSO E CIENTÍFICO NO PERIÓDICO

Um dos primeiros registros é encontrado na edição de novembro


de 1918 na seção Varias Noticias que tornava conhecido o envio de um
missionário adventista (Max Rohde) para o Rio de Janeiro a fim de
dirigir a obra adventista naquele território tendo em vista a ausência de
F. R. Kuempel que naquela ocasião estava em viagem para o estado do
Espírito Santo para participar de uma reunião administrativa
eclesiástica. No registro é informado o estado atual do Rio de Janeiro
referente à propagação da doença, além de uma conclamação religiosa.

Visto a violência aterradora com que ultimamente se manifestou ali a


«Influenza Hespanhola» convém que todos os irmãos se unam afim de
implorar ao Omnipotente pela protecção dos irmãos naquella Capital
(REVISTA MENSAL, 1918, p. 14).

Outros registros nos reportam ao ano de 1919, de forma específica


a edição do mês de janeiro. A seção intitulada “Dos Campos”, há um
artigo escrito por Meyer (1919) que relata a instalação de tenda
destinada a realização de reuniões evangelísticas em uma das cidades
do Rio Grande do Sul. Há a informação de que um dos obreiros dedicados
àquela atividade havia contraído a enfermidade enquanto estava em
526 • O Adventismo no Brasil

viagem entre cidades do estado. De acordo com os informes temos a


seguinte indicação: “[...] o irmão Neumann, tendo contraindo um
resfriamento, estando em viagem de Taquara a Campestre, soffreu logo
depois um ataque da Influenza Hespanhola” (MEYER, 1919, p. 10). Ainda
em seu relato, Meyer (1919) informa que as reuniões religiosas haviam
continuado por alguns dias e, a despeito do balanço positivo referente
ao número de batismos realizados havia um dado concernente ao
contágio da Influenza.

No Domingo, 17 de Novembro 11 pessoas receberam o baptismo e diversas


outras manifestaram um desejo de seguir em breve. No fim da reunião
alguns dos irmãos foram atacados pela Influenza Hespanhola (MEYER, 1919,
p. 10).

Não obstante à informação referente ao grande número de pessoas


contaminadas com a Influenza Hespanhola, Meyer (1919) traz em seu
relato uma abordagem de ênfase religiosa em contraponto a situação
delicada em virtude da alta taxa de contágio indicada entre aqueles que
acompanharam as reuniões evangelísticas: “[...] entretanto, sabendo nós
«que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daquelles que
amam a Deus», não murmurámos antes continuámos o nosso caminho
jubilosos” (MEYER, 1919, p. 10).
Ainda na seção Dos Campos na edição de janeiro de 1919 ao tornar
conhecido o andamento dos trabalhos denominacionais no estado de
Minas Gerais, o periódico informa a situação da membresia e dos
missionários radicados neste estado da federação

A Influenza Hespanhola interrompeu, durante o mez de Novembro, o


trabalho no Estado de Minas. Quasi todos os irmãos e obreiros tiveram esta
doença, mas agora, em princípios de Dezembro, todos estão melhorando,
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 527

não tendo havido nenhuma noticia de fallecimento, pelo que damos graças
a Deus (REVISTA MENSAL, 1919, p. 11).

A despeito da descrição referente ao grande contágio de pessoas e


estado debilitado de saúde de muitos, o periódico informa que as
atividades de venda e/ou distribuição de literatura denominacional
prosseguia mesmo em situação de vulnerabilidade sanitária. A
descrição da realização dessas atividades é apresentada na mesma
edição com os seguintes dizeres: “[...] fieis colportores viram-se
forçados, durante o mez, a vender os livros ao povo nas suas camas;
mesmo assim o trabalho progrediu sempre” (REVISTA MENSAL, 1919, p.
11).
Na seção A Colportagem 218 encontra-se o artigo Experiências de
viagem escrito por R. M Carter que conta os fatos ocorridos entre os
meses de setembro e outubro de 1918. Após passar por cidades do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná finalmente chegou à cidade do
Rio de Janeiro que, segundo consta era o epicentro da enfermidade no
Brasil. Acerca do que viu relatou da seguinte maneira:

No Rio achei a espantosa praga «Hespanhola» no ápice de sua força, ficando


eu detido ali até o dia 28 de Outubro. Desistirei de contar-vos das horrorosas
scenas que testemunhei ali durante a phase mais violenta da moléstia;
palavras são demasiado fracas para descrever o seu horror (CARTER, 1919,
p. 12).

Em sua viagem, Carter (1919) nos informa que o percurso entre a


cidade do Rio de Janeiro e Teófilo Otoni (MG), seu destino final, foi
permeado por situações que envolviam relatos da doença. Tendo que

218 Refere-se à obra realizada pela distribuição e/ou venda de publicações (livros, revistas, etc) religiosas.
528 • O Adventismo no Brasil

ficar retido no Rio de Janeiro por alguns dias devido a situação de


enfermidade que acometeu os marinheiros e posteriormente o
maquinista. Acerca disto, relata-se o seguinte:

[...] restabelecidos os marinheiros do vapor em que eu pretendia viajar, o


navio estava prompto para se fazer ao mar. Mas ai, neste instante o
machinista de bordo adoeceu subitamente, atacado da Hespanhola, e o
navio teve de adiar a sua viagem mais um dia afim de arranjar um outro
machinista (CARTER, 1919, p. 12).

Empreendendo relato acerca da retomada da viagem, Carter (1919)


nos informa que após haver partido do Rio Janeiro e tendo chegado a
Ponta d'Areia, esta parte do trajeto se deu com diversas interrupções e
trocas de trens entre as estações, de modo que parte final da viagem só
foi possível após “[...] a chegada dum medico que veiu de Theophilo
Ottoni afim de desinfectarmos; depois continuámos a nossa viagem”
(CARTER, 1919, p. 13).
Se bem que a viagem informada foi de relatos sobre a propagação
da doença pelas diversas cidades, o autor em dado momento do relato
expõe em síntese aquela que fora a tônica de sua experiência na viagem,
a saber: “Deus me protegeu de modo que a praga não se chegou a mim”
(CARTER, 1919, p. 12).
A esta altura, cumpre-nos interrogarmos acerca do tom que se
pretendeu dar à primeira edição [janeiro] de 1919. Enquanto que, ao
longo das páginas anteriores é possível ler diversos relatos que davam
conta do avanço do contágio da doença entre a irmandade e aqueles que
atuavam como obreiros em atividades denominacionais
(conferencistas, vendedores de literatura e pastoreio) na linha de frente,
o artigo de capa intitulado “1919” escrito por Frederick W. Spies não
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 529

tocava no assunto de maneira direta, mas numa abordagem geral de viés


apocalíptico que buscava convergir esforços em prol do avanço da
mensagem adventista nestas terras.

Meus irmãos, isto prova que nos achamos num tempo mui serio. Este não é
um tempo em que se devia estar á vontade, um tempo em que devíamos
permittir que os nossos corações fiquem sobrecarregados das coisas deste
mundo; antes é um tempo em que se deve trabalhar como nunca antes,
emquanto se nos der opportunidade para consummar a obra (SPIES, 1919,
p. 02).

A exemplaridade da abordagem primariamente religiosa acerca da


grippe hespanhola pode ser referida na edição de outubro de 1919 que
informava o lançamento de uma edição especial de um outro periódico
denominacional, “Signaes dos Tempos” para o mês de novembro daquele
ano. A intenção denominacional posta em circulação por meio do
periódico era aproveitar o dia dos finados para empreender uma larga
distribuição do exemplar e, assim ressaltar o discurso religioso
referente à doença e disseminá-lo por meio dessa publicação
denominacional. Assim sendo, através desta publicação especialmente
pensada para o momento e com a intencionalidade de utilizar o
contexto da Pandemia punha em circulação um discurso religioso
majoritariamente matizado por uma mentalidade apocalíptica.
Interessava por meio da publicação a circulação da mensagem religiosa
para além das comunidades adventistas promovendo a propagação do
discurso religioso a partir do interesse da população em informações de
saúde, mas que eram apresentadas sob as tramas de uma estratégia
editorial que toma proveito do feriado nacional, 1º de novembro, dia de
finados.
530 • O Adventismo no Brasil

Imagem 1: Divulgação de edição especial do periódico Signaes dos Tempos

Fonte: Revista Mensal (out/1919, p. 16).


Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 531

Disponível em: https://acervo.cpb.com.br/ra. Acessado em: 20/06/2022

Outro registro é encontrado na seção Dos Campos da edição de


março de 1919 no qual são partilhadas informações sobre Porto Alegre na
escrita de Neumann (1919). No artigo em questão, o autor informa que a
epidemia alcançou aquela cidade de forma que “[...] ficou tudo
paralyzado, inclusive a nossa obra. Era impossivel durante este tempo
fazer alguma outra coisa do que tratar aos enfermos” (NEUMANN, 1919,
p. 05). Tendo contraído a doença em novembro de 1918, H. F. Neumann
ficou em repouso durante alguns dias, no entanto o sofrimento se
estendeu devido uma recaída.

Cai doente atacado por esta moléstia no mez de Novembro do anno findo,
sendo obrigado a abster-me do trabalho durante duas semanas. Depois
deste tempo assumi de novo o meu trabalho, mas ai, era demasiado cedo,
devido a que recai, e em consequência disto estou soffrendo até a presente
data (NEUMANN, 1919, p. 05).

Um relato bastante intrigante é apresentado na edição de agosto


de 1920, no qual sob o título de O Seminário Adventista, Steen (1920)
contou detalhes de um grande contágio por influenza ocorrido naquela
instituição de ensino. Àquela época os Adventistas possuíam uma
instituição de ensino em regime de internato que se localizava em Santo
Amaro e distava alguns quilômetros de São Paulo. Sempre que
necessário as instalações eram utilizadas para a reuniões
administrativas de representantes eclesiásticos de alguns estados do
país. Uma dessas reuniões ocorridas foi a sessão da “Conferencia União
que aconteceu de 15 de Abril e encerrou-se em 1º de Maio”, ocasião em
que a instituição recebeu “[...] 419 hospedes, quer durante parte desse
periodo, quer por todo o tempo” (STEEN, 1920, p. 13). Como se não
532 • O Adventismo no Brasil

bastasse as dificuldades relatadas em hospedar um número grande de


pessoas, dadas as limitações de espaço, Steen (1920) informa que
“Durante a conferencia certo numero de pessoas aportaram aqui
doentes, atacadas de influenza, emquanto que outros enfermaram logo
após a sua chegada” (p. 13). Seguindo o relato de Steen (1920) somos
informados sobre o alcance da enfermidade e uma provável hipótese
para o alastramento do contágio.

Dada a agglomeração de tantas pessoas, impossível foi impedir o


alastramento do mal insidioso e dias houve em que se achavam prostrados
nos leitos não só visitantes, mas também estudantes e professores, e isto ao
mesmo tempo (STEEN, 1920, p. 13).

A situação inspirou atenção e adoção de algumas medidas a fim de


atenuar os efeitos e a duração dos mesmos no calendário letivo da
instituição educacional. Assim que, Steen (1920) nos informa que as
aulas foram suspensas por alguns dias e “ao cabo de tres semanas tudo
estava normalisado” (p. 14).
Se bem que não é nossa intenção promover um rastreamento que
explique as razões do início e do alastramento do contágio na instituição
escolar, as fontes nos oferecem elementos que tornam possível levantar
uma hipótese para tal. Um dos obreiros adventistas no Brasil [irmão
Hoefft] foi acometido da doença e após haver tido um período de
aparente restabelecimento, o mesmo teve uma forte recaída e dado que
participaria da Conferência União antecipou sua chegada a São Paulo e
hospedou-se nas instalações do Seminário Adventista. Na seção Várias
Notícias da edição de março de 1920 há um relato que afiança as
informações acima indicadas.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 533

Lastimamos ter de noticiar que, em conseqüência duma recaida depois de


parcialmente restabelecido dum ataque da Influenza Hespanhola, o irmão
Hoefft acha-se ainda hoje em estado bastante precário de saúde. E' esta a
razão porque o referido irmão, em companhia de sua esposa, veiu á S. Paulo
já antes da próxima sessão da Conferência União Brasileira, estando agora
no «Seminário Adventista» onde, por meio dois devidos tratamentos e de
socego, espera obter melhoras (REVISTA MENSAL, 1920a, p. 15).

O relato informa que Hoefft esteve hospedado no Seminário


Adventista justamente no período que antecedeu a realização do evento
denominacional, Conferência União. E conforme informado por Steen
(1920) para tal evento houve a participação de mais de quatrocentas
pessoas. A despeito de haver indicação que Hoefft recebia os devidos
cuidados não se sabe quais foram e é possível questionar se aquele era o
melhor lugar para tal. Fato é que diante dos parcos conhecimentos
sanitários e orientações de saúde, buscou-se fazer o melhor e, é bem
provável que a essa hospedagem tenha sido o gatilho para o grande
contágio que ocorreu por ocasião do evento denominacional.
O artigo Uma advertência (SPIES, 1920) que é apresentado na capa
da edição de setembro de 1920 se revela bastante emblemático da
exposição da relação ciência e religião, pois a despeito do discurso
religioso que conforma o artigo, Spies (1920) faz uma contextualização
histórica acerca da doença trazendo uma abordagem com ênfase para a
importância de observação dos cuidados de saúde recomendados para a
época. Referente aos acontecimentos que marcaram as primeiras
décadas do século XX, o artigo em questão sinalizava-os da seguinte
maneira:

Mal que nos tenhamos inteirado de um facto e já um outro vem occupar a


nossa attenção. Ha pouco a guerra terribilissima, victimadora de milhões
534 • O Adventismo no Brasil

de homens, depois, tendo nella a sua origem, uma fome calamitosa fazendo
succumbir um numero duplicado de victimas e após esta fez o seu
apparecimento da peste, ceifando outros milhões de seres humanos (SPIES,
1920, p. 1).

Se bem que os acontecimentos recebiam um tratamento análitico


sob conformação de um entendimento denominacional de sinais do fim
dos tempos, passados os momentos mais difíceis da pandemia torna-se
perceptível indícios de uma transição no discurso religioso, de modo
que nuances do conhecimento científico são evidenciadas na tessitura
geral a ser posta em circulação por meio do periódico denominacional.
Uma exemplaridade dessa abordagem pode ser referida quando Spies
(1920) expõe a seguinte declaração: “Não resta hoje a menor duvida de
que poderiam ter sido salvas as tres quartas partes dos homens
yictimados pela hespanhola si tivessem sido tratados adequadamente
[...] (SPIES, 1920, p. 01). Além de destacar a possibilidade de vidas terem
sido salvas se devidamente tratadas, Spies (1920) releva aos leitores a
importância de que “nós deviamos promptificar-nos a observar com
sinceridade e fielmente as regras de saúde” (p. 01).
Na mesma medida em que o discurso científico era apresentado, o
mesmo era tecido sob os fios da intencionalidade denominacional que
se aproveitava do ramo das publicações denominacionais como uma
forma legitimada de circulação desse discurso. Acerca disso, Spies (1920)
declara:

Os nossos irmãos publicaram ha pouco um numero do «Signaes dos


Tempos», versando especialmente sobre as «Epidemias», numero que ao
lado de outras informações contem muitas suggestões quanto ao modo de
tratar as enfermidades (p. 02).
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 535

Nesta direção, Spies (1920) informa que outras publicações


denominacionais seriam lançadas a fim de que informações de saúde
fossem divulgadas, mas que tais trariam no bojo um entendimento
denominacional referente ao cuidado do corpo e da saúde. Sendo assim,
eis a conclamação que Spies (1920) utiliza para encerrar o artigo:
“Ergamo-nos, irmãos, e rendamos graças ao Senhor pelo conhecimento
que nos deu quanto ás regras de saúde e consenti que com maior
fidelidade nos entreguemos á sua estricta observância” (p. 02). À esta
altura é possível assinalar que a denominação religiosa passou a
veicular um discurso religioso que buscava apoio em informações do
conhecimento científico com a finalidade de exaltar a mensagem de
saúde conforme entendimento denominacional. Esta estratégia
denominacional se valia das publicações seja como instrumento de
manutenção identitária, seja como também de evangelização.
O indicativo de publicação de uma obra denominacional que
abordava informações de saúde referente à pandemia consta na edição
de setembro de 1920 na qual é veiculada a propaganda editorial da
referida obra. Uma pequena mostra dos capítulos e da indicação de
gravuras que ilustravam o livro é ofertada no anuncio que encerrava a
edição de setembro e que constava na capa final do periódico. Um
pequeno destaque alusivo à linguagem é apresentado, além do que havia
a sinalização de um capítulo cujo título era A Influenza Hespanhola.
536 • O Adventismo no Brasil

Imagem 2: Divulgação da obra Epidemias

Fonte: Revista Mensal (set/1920, p. 16).


Disponível em: https://acervo.cpb.com.br/ra. Acessado em: 20/06/2022

Não demorou mais do que alguns meses para que a editora


denominacional apresentasse a publicação da obra Epidemias. A edição
da Revista Mensal de novembro de 1920 trazia uma página inteira
dedicada à divulgação da referida obra. Enquanto que nas páginas
internas da edição de novembro a menção à obra foi feita de maneira
modesta, a parte traseira da capa foi totalmente dedicada a dar
publicidade ao lançamento denominacional. Algumas informações
foram especialmente selecionadas a fim de pôr em destaque a
apresentação da obra para o público leitor. Destaque é dado à comissão
de médicos que assinou a escrita do livro.
Um detalhe a ser destacado no que tange à propaganda
denominacional e que pode ser referido como elemento de uma
estratégia editorial foi a apresentação da publicadora como Sociedade
Promotora de Saude no Brasil conforme indicado na imagem acima.
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 537

Outras edições da Revista Mensal do ano de 1920 quando apresentam


outras obras publicadas pela editora denominacional, apresentam-na
como Sociedade Internacional de Tratados no Brasil. Uma exemplaridade
desta afirmação é encontrada na edição de março de 1920 na qual é feita
a apresentação da obra O Destino do Mundo e logo abaixo a identificação
Sociedade Internacional de Tratados no Brasil.
À luz desta informação aventamos que este foi mais um elemento
que corroborou para a estratégia editorial da denominação adventista
por meio do seu periódico. Nestes termos, no contexto da pandemia do
século XX os adventistas promoveram a circulação de sua obra
Epidemias buscando o apoio do discurso científico para chancelar o
discurso religioso de exaltação de um estilo de vida de cuidados do corpo
e com a saúde. E, para tal buscou relacionar a obra à uma identificação
própria de Sociedade Promotora de Saude no Brasil numa clara efetivação
da estratégia denominacional de promover o diálogo entre os discursos
religioso e científico.
Não bastava simplesmente pôr em circulação uma obra
denominacional que dialogava com as demandas da época no que se
referiam à saúde em face da pandemia que ainda vigorava, era
imprescindível afiançar que o conhecimento científico era fundamento
que balizava a publicação de tal obra. A indicação de que a obra
“organizada e publicada por uma commissão de médicos” (REVISTA
MENSAL, 1920b, p. 16) trazia no bojo uma intencionalidade
denominacional que buscava apresentar a obra num nível mais elevado
se comparado com outras publicações, de modo que o público alvo
poderia encontrar em suas páginas muito mais do que conhecimento de
matriz denominacional. Os leitores estariam em contato com
538 • O Adventismo no Brasil

informações científicas atuais que respaldavam a indicação dos


tratamentos, bem como a abordagem dos temas tratados.
Outras informações são postas em destaque na apresentação da
obra, no entanto tais cumpriam o papel de reforçar a propaganda
denominacional em torno da publicação do livro. A notoriedade da obra
era promovida por meio de “escrita em linguagem clara, simples e
comprehensivel ainda aos menos doutos” (REVISTA MENSAL, 1920b, p.
16), além do que cabia destaque ao fato de que o texto era ornado por
“numerosas gravuras especialmente confeccionadas para esta obra”
(REVISTA MENSAL, 1920b, p. 16). Nestes termos, compreendemos que a
denominação adventista intentou através da publicação dessa obra a
apresentação de conhecimento religioso em diálogo com o
conhecimento científico, sendo que este último foi evocado como
instrumento de chancela para a publicação do livro. Todo este
arcabouço editorial compunha a estratégia denominacional de fazer
circular publicações adventistas que cumprissem papel de informar os
leitores com exposição de conhecimento científico, nos termos do
diálogo na relação entre ciência e religião.
Se bem que a proposta denominacional se fundava numa
formulação sob os moldes de um diálogo entre Ciência e Religião, o
discurso científico apresentado não é constitutivo de um paradigma
cujos critérios são as balizas de julgamento em referência ao discurso
religioso. Ao seu modo, a estratégia editorial se insinua na hipótese de
que surge a partir de uma proposta denominacional que se apropria de
modelos e analogias a fim de que tais cumpram um papel de
agenciamento em função das intencionalidades denominacionais e que
se materializa no periódico em questão. Acerca disso, Barbour (2000)
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 539

informar que “[...] os pressupostos teóricos interferem na seleção,


interpretação e descrição de dados, [...] atos de imaginação criativa, nos
quais analogias e modelos tem frequentemente um papel (BARBOUR,
2000, p. 42).

Imagem 3: Propaganda da obra Epidemias


540 • O Adventismo no Brasil

Fonte: Revista Mensal (nov/1920, p. 16).


Disponível em: https://acervo.cpb.com.br/ra. Acessado em: 20/06/2022

Conforme indicados, os elementos até aqui elencados acerca dos


discursos religioso e científico relacionado à pandemia (Gripe
Hespanhola) no século XX por meio do periódico denominacional
(Revista Mensal) é possível assinalar que, ao longo do período recortado
(1918-1920) a denominação adventista promoveu a circulação de um
discurso religioso matizado numa cosmovisão apocalítica, mas que com
o passar dos anos evidenciou uma transição para a conformação de uma
estratégia editorial que esboçou uma relação de aproximação entre os
discursos num pretenso diálogo entre as duas áreas de conhecimento,
de modo a ofertar elementos de manutenção identitária ao mesmo
tempo em que se utilizou do discurso científico para lastrear suas
publicações.
A estratégia editorial adventista evidenciava a busca por reforçar
o papel das publicações denominacionais como instrumento de
manutenção identitária, mas também de insinuação para além do
público alvo, o que contribuía para fortalecer aquelas estratégias de
propaganda adotadas pelo protestantismo num país católico cujo índice
de analfabetismo era alto. Assim sendo, a análise das edições deste
periódico denominacional possibilita entendê-lo como produto de
determinadas estratégias, que por sua vez sinaliza para as marcas de
usos prescritos e de destinatários visados. Posto que,

[...] é a partilha de um conjunto determinado de códigos culturais que


distingue as práticas de apropriação, definindo comunidades distintas de
usuários e configurando os usos que fazem de objetos e dos modelos
culturais que lhes são impostos (CARVALHO, 1998, p. 36).
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 541

Neste sentido, a estratégia denominacional de circulação dos


discursos religioso e científico através do periódico denominacional
carregou as marcas do contexto sociohistórico. Se em alguns momentos
era conservadora no sentido de realçar as matrizes apocalípticas, por
outro foi atualizada a fim de construir sentidos e identidades numa
sociedade sujeita a mudanças na direção da modernização e da
urbanização.
A estratégia editorial de explicitação da relação do discurso
religioso e científico por meio do periódico denominacional se afirmava
como circulação de informações que se calcavam na percepção dos
leigos adventistas, mas que também buscavam atender a expectativa de
outros grupos sociais no conjunto do redimensionamento do campo
religioso a partir do deslocamento da ênfase, de modo que o periódico
em questão no período recortado [1918-1920] promoveu nuances de
diálogo entre os dois campos de conhecimento. As fontes nos informam
sobre uma estratégia editorial que apresentava caracterizações
próprias da relação ciência e religião, ambas numa associação de diálogo
como cumprimento de função operacional no plano denominacional de
uso das publicações como instrumento na descrição factual da
realidade, mas que não estavam acompanhados por uma extensa
discussão a respeito de sistemas metafísicos para dar conta de uma
harmonização entre ciência e teologia cristã.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao empreender pesquisa no periódico denominacional adventista


Revista Mensal nas edições de 1918 a 1920 buscamos apresentar os
discursos religioso e científico que foram postos em circulação acerca
542 • O Adventismo no Brasil

da Pandemia que vigorou no período indicado. Assim sendo, foi possível


identificar que este periódico religioso é produto de determinadas
estratégias editoriais que atenderam às intencionalidades
denominacionais e que se mostrou como instrumento num arcabouço
maior do projeto de evangelização adventista posto em prática nestas
terras. Assim como as outras denominações protestantes no Brasil
(VASCONCELOS, 2014), os Adventistas do Sétimo Dia fizeram uso
sistemático de publicações como instrumentos de insinuação em terras
brasileiras considerado campo missionário, mas também como forma
de conformação de uma consciência denominacional que formulava a
visão de mundo dos membros (WILLIAMS, 1992).
Os discursos religioso e científico conforme relacionados e
expostos nesta pesquisa indicam uma estratégia editorial de diálogo
entre as duas áreas. Diálogo este, no qual é possível perscrutar
interações indiretas entre ciência e religião, mas sob o entendimento
denominacional que no período recortado não buscava uma gênese da
ciência ou mesmo explicações das crenças sob o impulso da
experimentação. O intento era a explicitação da racionalidade da ciência
como explicação de fenômenos, naquela época de Pandemia. A
recorrência ao discurso cientifico se deu como estratégia de insinuação
no campo religioso brasileiro, além de constituir-se como meio de
afirmação de uma identidade denominacional cuja mentalidade
carregava elementos de compreensão apocalíptica acerca da leitura dos
eventos e temporalidades, com a promoção de um pretenso diálogo
entre as duas áreas sob as balizas da estratégia editorial.
Nestes termos, o diálogo entre ciência e religião que era explicitado
no periódico denominacional não promovia a circulação de
Francisco Luiz Gomes de Carvalho • 543

conhecimentos resultantes de experimentos teóricos e/ou descobertas


científicas, mas sim a vinculação a fragmentos e/ou parcelas cujos
pontos de ancoragem fossem possíveis em relação ao discurso religioso
de perspectiva adventista. De certa maneira, o periódico pôs em
circulação uma associação entre as áreas que, por sua vez fomentava a
elaboração de concepção de modelos teóricos próprios referentes a
interface ciência e religião. Se bem que a relação entre ambas é por
demais complexa a ponto de não ser apropriada e representada em sua
totalidade por uma proposta tipológica, interessou aos objetivos
denominacionais a circulação dos discursos religioso e científico nas
páginas do periódico Revista Mensal sob os ditames do diálogo
(BARBOUR, 2000) com a pretensão de ofertar elementos para a
conformação identitária dos membros, bem como servir de
instrumento de atualidade editorial no qual fosse possível assinalar
indícios de uma mentalidade calcada numa perspectiva de atuação
frutífera entre os cientistas, os teólogos, a mídia e o público. O diálogo
se apresentou de forma bastante reducionista e mesmo como suporte
de estratégia editorial posto em circulação através do periódico
denominacional adventista em 1918 e 1920.

REFERÊNCIAS

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544 • O Adventismo no Brasil

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_______________. Uma Advertencia. Revista Mensal. Vol. 15, Nº 09, Setembro,


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WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1992.


19
ADVENTISMO E MEIO AMBIENTE
Alesi Teixeira Mendes
Gislye Angelli Montin
Lucio Henrique Pereira
Rosane Segantin Keppke

1. INTRODUÇÃO

O impacto das mudanças climáticas tem se tornado cada vez mais


evidente mundo afora, e os eventos extremos, decorrentes dessas
mudanças, aumentado em intensidade e frequência. Na Europa, a seca
prolongada afeta diversos países desde o início do ano de 2022 (TORETI
et al., 2022) e já é noticiada como a pior em 500 anos (NEWBURGER,
2022). No Brasil, no mesmo ano, eventos distintos de seca e inundações
causaram perdas humanas e materiais em diferentes localidades, como
em Petrópolis, no Rio de Janeiro e Salvador, na Bahia (PREJUÍZO, 2022).
Esse cenário preocupante tem fomentado o debate e apelo
internacional em torno da necessária e urgente intervenção nos
modelos de desenvolvimento, tendo em vista a preservação e
recuperação ambiental, principalmente por meio da implantação global
de atividades que reduzam a emissão de gases do efeito estufa e
promovam o consumo responsável e sustentável de recursos.
A religião não está a parte dessa discussão. Na verdade, uma vez
que figura como um dos principais modeladores do comportamento
humano, já se atribuiu a religião a culpa pela deterioração ambiental e
suas posteriores consequências.
Em 1967 o historiador americano Lynn White Jr. publicou o famoso
artigo intitulado “As raízes históricas da nossa crise ecológica”, no qual
atribuiu ao cristianismo grande responsabilidade pela crise ecológica
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 547

mundial. A tese defendida por White Jr. (1967) explora as raízes


intelectuais e filosóficas da relação entre a religião e o meio ambiente,
e se consolida na ideia de que o cristianismo alterou a relação homem-
natureza, imprimindo no primeiro certa indiferença ao explorar o
segundo, devido ao seu carácter antropocêntrico.
Há, entretanto, nessa discussão espaço para o contraditório. Desta
maneira, seria possível estabelecer uma “ética bíblica ambiental”?
(LOCKTON, 1992, p. 5). O presente capítulo objetiva responder essa
pergunta, ou perguntas similares a essa, por meio da experiência da
Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) em seu trato com as questões
ambientais no âmbito dos fundamentos bíblico que compõem sua fé.
Desta feita, o capítulo é composto por duas seções principais além
dessa breve introdução e das considerações finais. A primeira seção
descreve a evolução da dinâmica e pensamento da relação entre
natureza e ambiente antrópico, pavimentando o caminho para a
discussão subsequente do papel do cristianismo nesta dinâmica. Faz-se
um resgate da atribuição dos diferentes atores envolvidos na relação
cidade-natureza, e conduz a um panorama dos programas e
compromissos internacionais firmados sobre a preservação ambiental
e aos modelos de desenvolvimento sustentável.
A segunda seção, por sua vez, explora o posicionamento e papel do
cristianismo, mais especificamente do Adventismo, no tocante ao meio
ambiente. O escopo é apresentar como a Igreja Adventista do Sétimo Dia
(IASD) entende a agenda ambiental na ótica bíblica que consolida suas
doutrinas e mostrar a sua atuação a nível e institucional e local.
548 • O Adventismo no Brasil

2. A NATUREZA E O AMBIENTE ANTRÓPICO: EVOLUÇÃO DA DINÂMICA E


PENSAMENTO

2.1 O RESGATE DO PAPEL DA NATUREZA NO AMBIENTE URBANO

De acordo com o Gênesis bíblico, ao comerem do fruto da árvore do


conhecimento do bem e do mal, Adão e Eva introduziram o pecado, e
com ele a finitude da vida no reino animal e vegetal. O fio narrativo da
Bíblia, em especial os livros proféticos de Daniel e Apocalipse apontam
que, para além do ciclo da vida de cada ser, também o planeta e a
humanidade como um todo estão num ciclo de degradação que terá fim.
Partindo de cosmovisão e construtos diferentes, também a ciência
se deu conta da degradação e finitude planetária, admoestando as
nações a reverterem este processo que, grosso modo é atribuído aos
padrões deletérios de produção e consumo de recursos naturais e
energia, que implicam nas mudanças climáticas que precipitam o fim
da vida no planeta, a depender de causas antrópicas, segundo o Painel
Intergovernamental das Mudanças Climáticas, The International Panel
on Climate Change 219 (IPCC), o corpo científico das Nações Unidas que
“prepara Relatórios de Avaliação abrangentes sobre o estado do
conhecimento científico, técnico e socioeconômico sobre as mudanças
climáticas”.
Tal padrão de consumo de recursos e energia tem origem na
revolução industrial, mais especificamente na cidade industrial, com a
urbanização desordenada e acelerada poluindo e pressionando o
ambiente em todas as suas dimensões – física, biótica e antrópica,
conformando um cenário fecundo para epidemias e mortandade

219 https://www.ipcc.ch/about/preparingreports/
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 549

principalmente para a vida insalubre dos operários, a nova classe de


vulneráveis da linha do tempo da escravidão e da servidão.
Na medida em que a industrialização se dissemina, e com ela as
mazelas urbano-ambientais e sociais, os pensadores de diferentes áreas
do conhecimento se empenham em propor soluções para a cidade
industrial. Segundo Benevolo (1981), a Engenharia Sanitária é a origem
da urbanística moderna, ao estabelecer o saneamento como a medida
basilar para conter as epidemias urbanas, isso implica no controle da
poluição atmosférica e hídrica, na disciplina dos resíduos e do uso da
água para abastecimento e esgoto; na insolação e na ventilação dos
ambientes; em menores densidades demográficas, enfim.
Tais recomendações sanitárias se traduzem em trazer a natureza
de volta às cidades na totalidade das propostas de desenho urbano que
surgem desde o século XIX. Os socialistas utópicos propunham
indústrias dispersas no meio rural, cada qual dando conta da moradia,
da educação e da saúde dos seus operários. Na cidade industrial de Tony
Garnier, o verde não apenas circundava o perímetro urbano, mas
também estava presente em seus bulevares e praças, e a indústria era
concentrada numa zona onde o vento e as águas levariam a poluição
para fora de seus limites. Nas cidades-jardins circulares de Ebenezer
Howard, a zona industrial ocupava o anel limítrofe do município, sendo
separado por um grande cinturão verde das zonas residenciais e zona
comercial ao centro; novas cidades-jardins seriam fundadas na medida
em que houvesse crescimento urbano, resultando numa rede de cidades
planejadas, controladas e hierarquizadas em torno de uma capital
regional, plasmadas em meio à natureza (BENEVOLO, 1981).
550 • O Adventismo no Brasil

A propósito, nesta época não faltaram críticas à industrialização e


à cidade industrial. O movimento “Arts and Crafts” criticava a baixa
qualidade dos produtos industrializados e o desmonte do modelo de
produção da artesania, das artes decorativas e das corporações de ofício,
que eram as bases de uma vida urbana de melhor qualidade, temperança
e equidade. Os desdobramentos desta corrente resultaram na estética
“Art Nouveau” que, visava aperfeiçoar os produtos industrializados
introduzindo uma linguagem plástica própria, nova, inédita,
desapegada dos estilos e revivals do passado, inspirando-se na
organicidade da natureza. No mesmo esteio houve o movimento “Art
Decò”, este mais adepto das formas geométricas, que juntamente com o
“Art Nouveau” deram origem ao Design e à Arquitetura moderna
(BENEVOLO, 1976).
No âmbito urbano, Ruskin, um dos pensadores do “Arts and Crafts”
e do conceito “home sweet home” recomendava as moradias
periurbanas, afastadas dos centros industriais poluídos e encortiçados,
que adiante inspirariam os subúrbios norteamericanos (Op. Cit.). Como
mentor da Antroposofia, da Pedagogia Waldorf e da Comunidade de
Cristãos, Rudolf Steiner (2008) estabeleceu as instituições
antroposóficas no meio rural, para que seus adeptos aprendessem e
praticassem suas doutrinas e filosofia holística de vida. Ellen White
(2004) recomendava a vida no campo para a membresia nascente da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, longe da degradação urbana:

Não era desígnio de Deus que o povo se aglomerasse nas cidades, se


apinhasse em cortiços. Ele pôs, no princípio, nossos primeiros pais entre os
belos quadros e sons em que se deseja que nos regozijemos ainda hoje.
Quanto mais chegarmos a estar em harmonia com o plano original de Deus,
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 551

mais favorável será nossa posição para assegurar saúde ao corpo, espírito e
alma (WHITE, p. 364-365).

Ademais as atividades rurais favoreciam o acesso aos “oito


remédios da natureza” – água, ar puro, alimentação saudável, exercício,
repouso, temperança, luz solar e confiança em Deus para alcançar uma
vida saudável, com dignidade e autonomia socioeconômica para
vivenciar plenamente a religião, em especial o descanso sabático, um
direito que ainda não existia para os trabalhadores da época.
Segundo Benevolo (1976, 1981), no início do século XX, a Carta de
Atenas compila os princípios do Urbanismo Modernista resguardando
o aprendizado da Engenharia Sanitária, a segregação de zonas de uso e
a incorporação da natureza no desenho urbano. Seu relator, Le
Corbusier, os aplica no “Plano Voisin” ou “Ville Radieuse”, na Unidade
Habitacional de Marselha e em Chandigarh, que em comum defendem a
verticalização dos edifícios como estratégia para liberar grandes áreas
verdes e espaços livres que garantem a insolação e a ventilação dos
volumes edilícios. O plano de Brasília, de Lucio Costa, tem como
referência projetual a Carta de Atenas e o partido urbanístico de Le
Corbusier. Inglaterra e Estados Unidos criam o movimento das “New
Towns”, e estes últimos disseminam os subúrbios como estratégia de
segregação do uso residencial, de diminuição da densidade e de maior
ajardinamento das cidades.
A virada do século XX para o século XXI faz uma reflexão crítica dos
princípios do Urbanismo Modernista, revisando suas propostas, por
vezes fortalecendo-as, por vezes refutando-as, segundo o mainstream
teórico-conceitual conhecido como “Novo Urbanismo” (MACEDO, 2007).
Ao contrário do paradigma anterior, o estado da arte recomenda a
552 • O Adventismo no Brasil

convivência de usos e o maior adensamento, isso porque se constata que


também o solo urbano é um recurso escasso que deve ser otimizado e
usado com parcimônia, pois o sprawl, a expansão horizontal da mancha
urbana implica em subtrair solo rural e remanescentes de bioma. Por
outro lado, se fortalece o valor das áreas verdes em termos de
permeabilidade do solo, de paisagem e ambiente, de espaço de convívio
e da saúde da população, ao mesmo tempo em que há um resgate do
valor das águas urbanas, do transporte coletivo e das bicicletas, valores
que foram preteridos com o desenvolvimento urbano orientado para o
automóvel, que tampava rios e os transformava em vias, e outras
práticas anteriores que agravavam as mudanças climáticas.

2.2 COMPROMISSOS INTERNACIONAIS DE PRESERVAÇÃO E


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Os impactos ambientais advindos da matriz econômica industrial


vinham sendo contornados pelo Urbanismo e pela Engenharia Sanitária
somente no âmbito local e regional até meados do século XX. Foi a
ocorrência de desastres e protestos ambientais que escalou as medidas
preventivas e mitigadoras para a abrangência nacional e internacional.
Nos anos 60, o vazamento de petróleo nas praias da Califórnia, a
combustão química em um rio de Ohio, a ocorrência chuvas ácidas em
diferentes localidades norte-americanas, os protestos pela abertura de
uma estrada interestadual motivaram crescentes iniciativas
parlamentares que culminaram com a criação da United States
Environmental Protection Agency 220 (US EPA), em 1970, momento em que
a questão ambiental já era uma agenda internacional emergente, tanto

220 https://www.epa.gov/history/origins-epa
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 553

é que em 1972 o “Clube de Roma” lança o relatório “Os limites do


crescimento”.
Esta agenda foi adotada pelas Nações Unidas, que desde então
promove importantes conferências, relatórios e acordos internacionais.
Destaque-se o Relatório “Nosso Futuro Comum”, de 1987, cuja essência
está acolhida na Constituição Federal de 1988:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.

Entre os acordos ambientais mais notáveis fomentados pelos


organismos internacionais está o Protocolo de Quioto, ocorrido em 1997,
na 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas, COP-3, que introduziu as metas progressivas de
redução de emissões de gases de efeito estufa pelos países
desenvolvidos, principalmente, o mecanismo financeiro de créditos de
carbono e os mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL):

Art. 6. [...] qualquer Parte incluída no Anexo I [países desenvolvidos] pode


transferir para ou adquirir de qualquer outra dessas Partes unidades de
redução de emissões resultantes de projetos visando a redução das emissões
antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas por
sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia [...]
(adendo nosso, BRASIL, 1997)

A saída dos Estados Unidos, em 2001 foi um dos principais motivos


de enfraquecimento e retrocesso do Protocolo de Quioto, todavia houve
sucessivas conferências que obtiveram crescente mobilização de
554 • O Adventismo no Brasil

ativistas e cobertura da mídia, na medida em que vem aumentando a


ocorrência de eventos climáticos extremos.
Sem esgotar o histórico dos acordos das Nações Unidas, mas
finalizando os destaques, faz-se menção à Agenda 2030 221, que reúne um
conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com o
propósito de erradicar a pobreza e instaurar um modelo global de
desenvolvimento sustentável. O compromisso firmado pelos 193
Estados-membros da ONU está registrado na Resolução da Assembleia
(UN, 2015, p. 3) “comprometemo-nos a trabalhar incansavelmente para
a plena implementação desta Agenda até 2030”.

2.3 AS SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA E OUTROS MODELOS

A concepção de sistemas e infraestruturas que funcionam a partir


da dinâmica da natureza não é algo novo na realidade urbana, ou mesmo
no debate sobre a sustentabilidade socioambiental, mas nos últimos
anos, o aumento na ocorrência de eventos extremos fomentou o apelo
internacional em torno da adoção de modelos de desenvolvimento
menos agressivos ao ambiente e na recuperação, quando possível, das
características naturais das localidades (MENDES; SANTOS, 2021). Não
apenas isso, o impacto das mudanças climáticas mundo afora conferiu
um caráter emergencial as políticas públicas e compromissos
internacionais (UN WATER, 2018). Contudo, a baixa valorização do
planejamento urbano frente ao crescimento das cidades forma uma
realidade na qual tais infraestruturas não são priorizadas.

221 https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 555

A mudança de paradigma, nesse cenário, seria a promoção de


infraestruturas que respeitem todos esses fatores, o que significa um
desafio não apenas para os executores de obras e prestadores de
serviços, como também para os municípios, estados e União, na sua
função de planejamento e execução de políticas e aperfeiçoamento de
seus instrumentos (MENDES; SANTOS, 2021).
De acordo com esse paradigma, nos últimos 50 anos, o debate sobre
sustentabilidade tem reunido conhecimentos interdisciplinares e
demandas por qualidade de vida, ao mesmo tempo em que destaca os
altos custos fixos e operacionais da infraestrutura tradicional, abrindo
as portas para a consolidação de modelos de desenvolvimento mais
sustentáveis.
A preocupação internacional com o impacto das atividades
humanas no planeta tem mobilizado lideranças a propor e assumir
compromissos globais de preservação e estímulo à sustentabilidade. Na
vanguarda desses compromissos, em termos de escala e impacto, têm-
se a Agenda 2030, já mencionada anteriormente, o Acordo de Paris, a
Nova Agenda Urbana e o Marco Sendai para redução de risco de
desastres, que aborda as preocupações mais urgentes dos países sobre
as mudanças climáticas, e emissões de gases de efeito estufa.
Mendes e Santos (2021) defendem a tese de que o Brasil já conta
com instrumentos capazes de orientar investimentos para o
planejamento e gestão preventiva de desastres, à poluição das águas e
do solo e à promoção de soluções a partir da gestão integrada de
infraestruturas urbanas baseadas na dinâmica e nos fluxos da natureza
(Natural-Based Solutions – NBS), conforme UN Water (2018). Os autores
sintetizam no Quadro 1, a seguir, as classificações dos modelos de
556 • O Adventismo no Brasil

infraestrutura sustentáveis mais difundidas ao redor do mundo, em


função dos termos que as designam, seu surgimento (ano ou período e
região) e suas propostas.

Quadro 1. Principais modelos de infraestrutura sustentável adotados ao redor do


mundo.

Designação Origem Região Proposta

Low Impact
Alcançar um ambiente
Development (LID) Final da década Estados
com características
Low Impact Urban de 1970 (LID) e Unidos
próximas as das
Design and década de 1990 Nova
condições de pré-
Development (LIUDD) Zelândia
urbanização
(LIUDD)

Water Sensitive Minimizar os impactos


Urban Design Década de 1990 Austrália hidrológicos do
(WSUD) desenvolvimento urbano

Integrar a gestão do
Integrated Urban
Final da década abastecimento de água,
Drainage System Suíça
de 1970 esgoto sanitário e águas
(IUDS)
pluviais

Presente
implicitamente
Estados Melhorar as práticas de
Best Management no Clean Water
Unidos gestão a fim de reduzir a
Practices (BMPs) Act, redigido
Canadá poluição
originalmente em
1972

Replicar o mais próximo


Sustainable Urban
Final da década Reino possível as condições de
Drainage Systems
de 1980 Unido drenagem natural de
(SUDS)
pré-desenvolvimento

Alternative Início da década Integrar a gestão das


França
Techniques (ATs) de 1980 águas pluviais com
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 557

Compensatory demais projetos de


Techniques (CTs) desenvolvimento urbano

Reduzir e tratar as águas


pluviais em sua fonte,
Green Estados
Década de 1990 proporcionando
Infrastructure (GI) Unidos
benefícios ambientais,
sociais e econômicos

Integrar os dispositivos
Active Beautiful
de drenagem ao meio
Clean (ABC) 2006 Singapura
ambiente de forma
Waters Program
holística

Potencializar a infiltração
Sponge City’s 2012 China de água no espaço
urbano

Integrar soluções
Nature-based urbanas que
2015 Europa
Solutions (NbS) proporcionem a
conservação da natureza

Fonte: Mendes e Santos (2021).

Apesar das diferenças, quer de designação quanto de propósito, em


sua essência, os modelos convergem para um ideal comum: resgatar e
potencializar características naturais dos ambientes urbanizados.
Acima ou abaixo do solo, tais soluções são vistas, atualmente, como
viáveis economicamente e oferecem elementos para a gestão integrada
das políticas de saneamento e outras como as de recursos hídricos, usos
do solo urbano e prevenção a desastres.
558 • O Adventismo no Brasil

3. ADVENTISMO E MEIO AMBIENTE

3.1 BASE TEOLÓGICA E DOUTRINÁRIA

Os adventistas do sétimo dia têm a Bíblia como única regra de fé e


prática. O estudo cuidadoso da Bíblia lança as bases para o
entendimento do ideal divino na relação do homem com a natureza.
Para Cha (2011) o relato bíblico da Criação traz implicações teológicas e
éticas sobre a responsabilidade humana pelo cuidado do mundo, uma
vez que o próprio planeta faz parte da criação divina.
Em um dos primeiros artigos adventistas tratando de temas
relacionados ao meio ambiente, Harwood A. Lockton publicou em 1991
“A Mensagem Negligenciada da História da Criação”, no qual disserta,
com base em Gênesis 1 e 2, sobre a relação entre Deus, o homem e a
terra. O autor argumenta que os dois capítulos contêm paradoxos, dos
quais cabe citar: i) a terra é do Senhor e, no entanto, foi feita para a
humanidade; ii) a humanidade é parte da criação e, no entanto, está
separada dela; e iii) Deus deu à humanidade o domínio sobre a natureza
para governá-la e subjugá-la, ao mesmo tempo que encarrega Adão de
guardá-la e preservá-la.

A ordem divina foi dada não apenas para o benefício da humanidade, mas
para o bem da terra. Assim, o domínio da humanidade deve ser exercido
para que ela preserve a ordem criada. A humanidade deve ser tanto mestre
quanto serva da mesma forma que Cristo foi tanto mestre do universo
quanto servo da humanidade. Nosso domínio está no contexto de nossa
criação à imagem de Deus; somos representantes e não substitutos para Ele
(LOCKTON, 1991, p. 7).
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 559

Além disso, Lockton (1991) aborda uma interessante e pouco


explorada perspectiva da mordomia cristã ao estabelecer uma relação
etimológica entre os termos “ecologia”, “economia” e “administração”,
que derivam da mesma raiz grega, oiko, que significa habitat ou
ambiente.
A ordem ou movimento da narrativa bíblica é um importante fator
para melhor compreensão do pensamento hebraico bíblico (ALTER,
2007). Na história da criação narrada no capítulo 2 de Gêneses a função
do homem vem antes mesmo da sua existência. A expressão “não havia
homem para lavrar o solo” (v.5) é anterior ao “homem que passou a ser
alma vivente” (v.7). A noção de função ou propósito é anterior ao senso
do existir. Como se o existir fosse o resultado de uma necessidade, um
vazio, um propósito que apenas a humanidade poderia preencher, o
cuidado da terra.
Adam, em hebraico “terroso”, surge com o propósito de cuidar do
seu local de origem, a terra. Seu nome e sua função indicam a
importância de se olhar para trás e cuidar do local de onde viemos. Na
sequência do texto Deus planta um jardim e pede para que a
humanidade cuide dele (v.8). Deus pede aquilo que Ele faz primeiro.
Logo, o homem imita seu Criador em sua relação com a terra. Ser a
imagem e semelhança de Deus é fazer o que Ele faz, o domínio e o
cuidado com a terra.
Em artigo publicado no ano seguinte, Lockton (1992) expande esta
tese ao argumentar que as revelações contidas nos relatos da Criação,
da Queda, da Redenção e dos Eventos Finais, possibilitam a construção
de uma ética bíblica para o meio ambiente. Em conformidade com esta
ideia, Abdi e Pardosi (2018) defendem que a escatologia adventista
560 • O Adventismo no Brasil

promove valiosas percepções para os problemas ambientais da


atualidade.
Em linha com estas ideias, os adventistas têm por mordomia a
responsabilidade de cuidar das demais obras criadas por Deus e pelo uso
apropriado das bênçãos da terra e seus recursos (IASD, 2016). Assim, o
adventista reconhece que o meio ambiente é uma dádiva concedida pelo
Criador, e desta maneira, deve ser administrada de modo fiel,
responsável e produtivo (XAVIER, 2011).
Destarte, o Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD, 2016,
p. 105) ainda aponta que:

A responsabilidade da mordomia envolve mais do que simplesmente


dinheiro. Inclui – mas não está limitada a isso – o devido cuidado e uso do
corpo, mente, tempo, talentos, dons espirituais, relacionamentos,
influência, linguagem, meio ambiente e bens materiais (grifo nosso).

No âmbito dessa discussão, Kis (2011) amplia o argumento ao expor


que a proteção da Terra é um dos princípios gerais que define o estilo
de vida e conduta do cristão adventista.
Portanto, a IASD entende que o homem foi posto como
administrador e regente da Terra e das demais formas de vida na
qualidade de representante e mordomo de Deus. Desta maneira, a
condição de superioridade humana é também um comissionamento
para a adoção de uma vida simples e sustentável (IASD, 2017).

3.2 POSICIONAMENTO INSTITUCIONAL

A IASD se organiza em quatro níveis: a igreja local, as associações


ou missões, as uniões e a Associação Geral (IASD, 2016). A igreja local é
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 561

o nível mais próximo dos membros individuais, enquanto a Associação


Geral é a maior unidade da organização, abrangendo todas as demais e
se configurando como principal instância administrativa.
O posicionamento e as ações voltadas ao cuidado do meio ambiente
tomam proporções distintas nos diferentes níveis organizacionais. A
nível mundial, em sua Associação Geral, a IASD aprovou e votou quatro
declarações oficiais sobre meio ambiente, ecologia e mudanças
climáticas. Nesse sentido, cabe mencionar que no Brasil, e nos demais
países em que a IASD está presente, não se emite declarações
institucionais desta natureza, mas se anui o que foi deliberado na
Assembleia Geral.
A primeira delas intitulada “O cuidado com a Criação” foi publicada
em 1992, em momento muito oportuno haja vista a mobilização global
em torno de questões ambientais durante a década de 1990,
principalmente vinculadas a emissão de gases do efeito estufa e ao
aquecimento global. Cabe citar, a título de exemplo, algumas das
importantes conferências ambientais realizadas neste período: a Eco-
92, sediada no Rio de Janeiro em 1992; a primeira Conferência das Partes
(COP) que aconteceu em Berlim, em 1995; a COP-3, realizada em Kyoto,
em 1997. Abdi e Pardosi (2018) apontam que outras denominações
cristãs também se posicionaram e apresentaram suas preocupações
quando a saúde do Planeta.
Na declaração de 1992, a IASD afirma a preservação e cuidado da
Terra como parte indispensável da responsabilidade da humana para
com Deus e salienta que o compromisso de cuidar e manter é
reconhecido na guarda do sábado que perdura como memorial da
criação. O documento ainda afirma que:
562 • O Adventismo no Brasil

Uma vez que a pobreza humana e a degradação ambiental estão inter-


relacionadas, comprometemo-nos a melhorar a qualidade de vida de todas
as pessoas. Nosso objetivo é um desenvolvimento sustentável de recursos,
atendendo às necessidades humanas (IASD, 2005, p. 16).

Em 1995, durante a sessão da Associação Geral em Utrecht, na


Holanda, foi votado e aprovado o documento “Meio ambiente”, no qual
a IASD declara que:

Os adventistas do sétimo dia defendem um estilo de vida simples e saudável,


onde as pessoas não pisam na esteira do consumismo desenfreado,
obtenção de bens e produção de resíduos. Apelamos ao respeito da criação,
restrição no uso dos recursos do mundo, reavaliação das necessidades de
cada um e reafirmação da dignidade da vida criada (IASD, p. 36).

Ainda em 1995, outra declaração foi aprovada na Assembleia Geral,


esta mais direcionada às mudanças climáticas, na qual a IASD solicita
que os governos tomem as medidas necessárias para evitar tais
mudanças: i) ao cumprir o acordo firmado no Rio de Janeiro (Eco-92)
para estabilizar as emissões de dióxido de carbono até o ano 2000 nos
níveis de 1990; ii) ao estabelecer planos para novas reduções nas
emissões de dióxido de carbono após o ano 2000; e iii) ao iniciar um
debate público com mais força sobre os riscos das mudanças climáticas
(IASD, 2005).
Em linha com as declarações anteriores, em 1996, a IASD votou e
aprovou o documento “Mordomia do Meio Ambiente”, no qual reitera a
responsabilidade do homem de administrar o ambiente natural de uma
maneira fiel e produtiva, como um compromisso com o próprio Deus.
Além disso, destaca que:
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 563

Infelizmente, homens e mulheres têm estado cada vez mais envolvidos em


uma irresponsável destruição dos recursos naturais, resultando em grande
sofrimento, degradação ambiental e ameaça da mudança climática.
Conquanto a pesquisa científica precise continuar, as evidências
confirmam que a crescente emissão de gases destrutivos, a destruição em
massa das florestas tropicais americanas e a diminuição da camada
protetora de ozônio (o chamado efeito estufa) estão ameaçando o
ecossistema terrestre. Existem terríveis predições de aquecimento global,
elevação dos níveis do mar, o aumento de tempestades e destruidoras
inundações, e devastadoras estiagens e desertificação. Estes problemas são
em grande parte devidos ao egoísmo e ganância humanos que resultam no
aumento da produtividade, no consumo ilimitado e no esgotamento de
recursos não- renováveis. Fala-se em solidariedade para as gerações
futuras, mas dá-se prioridade a interesses imediatos. A crise ecológica
originou-se na ganância da raça humana e na recusa de praticar a boa e fiel
mordomia (IASD, 2005, p. 37).

Para além das declarações oficiais, a nível de instituição mundial,


na esfera local a IASD incentiva um estilo de vida simples aos seus
membros (IASD, 2016), fazendo uso consciente e equilibrado dos
recursos naturais, reconhecendo-os como finitos (BRADFORD, 2011).
Nesta linha, Kis (2011, p. 781) aponta que:

O princípio da simplicidade pode contribuir significativamente para


preservar os recursos da terra. O estilo de vida atual é o principal culpado
pela lastimável condição em que se encontra este planeta e pelo seu futuro
sombrio. O primeiro passo em direção à melhoria consiste em mudar nosso
estilo de vida predatório. A adoção de um estilo de vida simples produz
grandes benefícios. [...] Também é possível reduzir o consumo de energia
fazendo-se consciente economia de gás, eletricidade e água. Por fim, a
simplicidade recomenda rejeitar a mentalidade consumista, comprando só
o que for realmente necessário, e não somente porque está em oferta.
564 • O Adventismo no Brasil

Abdi e Pardosi (2018) destacam outras práticas pessoais e


comunitárias defendidas pelos adventistas que contribuem para a
preservação do meio ambiente, como o vegetarianismo e a vida no
campo.
Recentemente, já no contexto pandêmico, a revista adventista
organizada para a América do Sul, intitulada agenda sustentável,
lembra que:

Na ótica histórica adventista, as pessoas cumprem a vontade de Deus


quando cuidam do meio ambiente na condição de administradores fiéis. A
preservação ambiental não é uma tentativa de criar uma boa imagem
pública, ou uma forma de garantir um planeta longevo por milhares de
anos; é a capacidade de compreender que seres formados por um Deus de
amor não destroem o que Ele criou, mas atuam de forma sustentável, até
porque se preocupam com os mais vulneráveis. O cuidado ambiental é um
ato solidário diante de tantas desigualdades, diferenças e oportunidades
(LEMOS, 2021, p.15).

3.3 PROGRAMAS E AÇÕES LOCAIS

Outros exemplos da conduta institucional ativa quanto ao tema


podem ser observados em diversos projetos desenvolvidos pela Agência
Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA) no
mundo.
A ADRA 222 é uma organização humanitária da Igreja Adventista do
Sétimo Dia que mantém presença em mais de 130 países com projetos
contínuos de desenvolvimento humano dentro de 9 grandes áreas: i)
água, saneamento e higiene, ii) saúde comunitária, iii) crianças em

222 É a única organização não governamental oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 565

situação de vulnerabilidade, iv) resposta e gestão de emergências, v)


nutrição e redução da fome, vi) geração de emprego e renda, vii)
promoção da ação judicial, viii) direitos e igualdades entre sexos, e ix)
valorização da mulher (ADRA, 2016; SOBRE, 2022).
As posturas positivas da ADRA quanto à proposta de cuidado e
preservação ambiental são especialmente destacadas no âmbito das
ações relacionadas à água, saneamento e higiene.
Nesse sentido, pode ser citado o projeto “Solar Powered Water
Kiosk”, um método desenvolvido pela Agência Adventista em
Moçambique para fornecer água potável às comunidades vulneráveis de
Mocuba, municipalidade da região central do país. Os quiosques de água
foram projetados para permitir uma maneira segura e sustentável de
obtenção de água potável a longo prazo e foram modelados a partir de
containers de carga reciclados com mecanismos mantidos por energia
solar (JAMES, 2018).
Essa ação foi premiada com o Energy Globe Award, o prêmio de
sustentabilidade mais importante do mundo, no ano de 2021. O projeto
concorreu com outras 30.000,00 mil submissões de cerca de 200 países
(ADRA, 2021; WINNER, 2021).
A ADRA também mantém o compromisso de promoção do
desenvolvimento sustentável (ADRA, 2015) e esteve representada na
COP26, ocorrida no ano de 2021 em Glasgow, Escócia. Representantes e
especialistas da agência humanitária participaram da Conferência
discutindo, sugerindo e demonstrando ações capazes de reverter danos
decorrentes das mudanças climáticas (JAMES, 2021).
Sobre o tema, um dos projetos destaque conduzidos pela agência
foi a ação implementada em Fiji após os desastres naturais do ano de
566 • O Adventismo no Brasil

2016. Após a passagem de um ciclone de grandes proporções seguido de


seca extensa, o país sofreu com o uso incorreto e excessivo de produtos
químicos e pesticidas para tentar manter as safras sobreviventes.
O uso de químicos trouxe insegurança alimentar e afetou a terra
produtiva, biodiversidade e saúde da população, que chegou a ter 40%
de suas mulheres grávidas com anemia e 6,2% de crianças abaixo de 5
anos com crescimento afetado.
Nesse contexto, a ADRA administrou sistemas de irrigação,
substituiu pesticidas químicos por alternativas orgânicas, educou
comunidades sobre o impacto do uso de químicos na terra e para a saúde
humana, proveu kits agrícolas e ensinou técnicas de preservação de
sementes e, ainda, de plantação de hortas caseiras.
Após 3 anos, a Agência constatou que a comunidade foi capaz de
aumentar sua segurança alimentar por meio das técnicas repassadas,
inclusive durante períodos de seca. Ainda, houve menos dependência de
produtos decorrentes da monocultura e de fast foods, mulheres grávidas
passaram a receber nutrição adequada e as taxas de anemia declinaram.
Houve também um crescimento do interesse em plantações
biodiversificadas, especialmente entre a faixa mais jovem da população.
A conclusão dos resultados do projeto apresentada pela ADRA na
COP26 foi de que soluções baseadas na natureza e uso sustentável da
terra são um importante fator de diminuição da emissão de gás dióxido
de carbono (CO2) e ainda de qualidade de alimentos e água e
biodiversidade (JAMES, 2021).
Outras centenas de ações ambientais promovidas pela IASD
através da ADRA poderiam também ser mencionadas. Cabem ser
destacados, devido seu impacto e relevância, os projetos: WASH
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 567

(abreviatura em inglês para os termos água, saneamento e higiene), em


Vanatu 223; ASAP, projeto de gestão ambiental que tem por objetivo
fornecer uma plataforma para colaboração internacional e intercultural
de resposta à agenda das mudanças climáticas, desenvolvido pela ADRA
no Reino Unido 224; e REAP (abreviatura em inglês para os termos
restaurando, empoderando e protegendo) implantado pela ADRA
Canadá nas Filipinas 225.
De fato, as ações acima narradas são representativas de milhares
de projetos que ocorrem em razão da compreensão adventista de
responsabilidade ambiental e social. No Brasil, alguns exemplos
recentes de iniciativas de preservação ambiental promovidos pela IASD
são os projetos Ecoponto e Salvando a Amazônia. O primeiro acorre na
cidade de Taquara, Rio Grande do Sul, com ações de coleta seletiva e
auxílio para as famílias que moram próximas a um lixão. Já o projeto
Salvando a Amazônia promove a construção de banheiros e foças para
as famílias ribeirinhas do rio amazonas, assim como a conscientização
da importância do saneamento básico na região (TONETTI, 2017).
Além do braço humanitário internacional da ADRA, cada igreja
adventista possui departamentos que também contribuem ativamente
para a preservação ambiental, fornecendo educação e desenvolvendo
projetos que afetam diretamente as comunidades locais.
Nesse sentido, podem ser citados os clubes de desbravadores e
aventureiros que contém em seus currículos a aprendizagem sobre

223 Para mais informações sobre o projeto acessar: https://adra.org.vu/our-projects/wash/.


224 Para mais informações sobre o projeto acessar: https://adra.org.uk/asap/.
225 Para mais informações sobre o projeto acessar: https://adra.ph/category/development/reap/.
568 • O Adventismo no Brasil

biomas, fauna, flora e técnicas de preservação, para crianças e


adolescentes.
A Ação Solidária Adventista (ASA), também é um departamento
local que promove reciclagem, doação de roupas, calçados e brinquedos,
técnicas de plantio, entre outras atividades, e contribui para a educação
ambiental da comunidade (ADRA, 2016).
Outro projeto que também pode ser mencionado é o Missão Calebe
que é constantemente destacado em noticiários locais pelos impactos
comunitários, como limpeza de ruas e plantio de hortas (GONÇALVES,
2021).
Essa conduta de educação e preservação ambiental também é
mantida pelas escolas adventistas carregam em seus programas de
ensino a visão bíblica de cuidado da terra e de sustentabilidade
(GONZALEZ-SOCOLOSKE, 2019) para que seus alunos possam “agir
pessoal e coletivamente com autonomia e responsabilidade nos deveres
práticos da vida, tomando decisões sustentáveis que visem o bem
comum, qualidade de vida e preservação do meio ambiente” (IASD, 2020,
p. 7). Gonzalez-Socoloske (2019) ainda pontua uma relação de sugestões
para os educadores adventistas e comunidades escolares como formas
de enfrentamento aos problemas ambientais.
Assim, nota-se que IASD não só expressa posicionamento
ambiental coerente, mas mantém departamentos, agências e projetos
afirmativos de uma conduta ambiental positiva, educativa e
transformadora.
Alesi T. Mendes; Gislye A. Montin; Lucio H. Pereira; Rosane S. Keppke • 569

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na história da IASD não houve omissão no posicionamento sobre


temas importantes de preocupação mundial, sem, contudo, entrar em
discussões políticas e ideológicas, a igreja apresentou sua posição com
base nos princípios de vida cristãos delineados na bíblia. A IASD tem
como foco a vida futura, sem negligenciar os deveres e mensagem
presente que envolvem o papel do homem no cuidado e preservação da
terra.
O compromisso da IASD é evidenciado nos programas e ações,
sobretudo locais, ao redor do mundo. Ministérios atuantes e iniciativas,
como as mencionadas ao longo deste capítulo, que ao cumprirem com
as responsabilidades com o Criador e seus desígnios, resultam no
cuidado para com a sua criação.
A mensagem bíblica claramente aponta para o cuidado com
natureza no âmbito da mordomia. Esse princípio bíblico é refletido nas
doutrinas adventistas e faz parte do grupo de crenças fundamentais da
Igreja. Não apenas isso, a IASD, seguindo as recomendações das
Escrituras e do Espírito de Profecia incentiva seus membros a adotarem
um estilo de vida simples e comedido, inclusive com claras
recomendações sobre a vida no campo.
O discurso atual de estímulo a sustentabilidade e preservação
ambiental gira em torno de ideias como: controle de emissões, redução
de resíduos, uso eficiente de recursos; e, por vezes, apresenta os
modelos que funcionam sob esse ideal, como as soluções baseadas na
natureza, como alternativas inovadoras. Todavia, resguardadas as
devidas proporções, o estilo de vida adventista, ou melhor, o estilo de
570 • O Adventismo no Brasil

vida cristão ensinado na bíblia orienta sobre esses princípios desde a


constituição de Adão e Eva como administradores do Éden.

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European Union, 2022.

UNITED NATIONS. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable
Development. Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015.

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VYHMEISTER, N. J. Quem são os adventistas do sétimo dia? In: DEDEREN, R. (Ed.).


Tratado de Teologia: Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2011.

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Disponível em https://egwwritings.org/read?panels=p11255.2(11255.1746)&index=0 .
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______. Vida no campo. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2004. Disponível em


http://centrowhite.org.br/files/ebooks/egw/Vida%20no%20Campo.pdf . acesso em
29 ago.2022.

WHITE JR, L. The Historical Roots of Our Ecologic Crisis. Science, v. 155, n. 3767, p. 1203-
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XAVIER, É. T. Meio ambiente e ecologia: uma reflexão bíblica sobre a responsabilidade


cristã. Hermenêutica, v. 11, n. 1, p. 11-28, 2011.
SOBRE OS ORGANIZADORES

Fco Luiz Gomes de Carvalho - http://lattes.cnpq.br/3220725225085962


Graduação em História e Pedagogia na Universidade Paulista (UNIP)
Especialização em Docência Universitária no Centro Universitário Adventista de São
Paulo (UNASP)
Mestrado em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP)
Doutorado em Ciências da Religião (UFJF)
Doutorado em Educação na Universidade de São Paulo (USP)

Karina Kosicki Bellotti - http://lattes.cnpq.br/1819190552478222


Graduação em História na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Mestrado em História na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Doutorado em História na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Pós-Doutorado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Pós-Doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
SOBRE OS AUTORES

Alan Gracioto Alexandre - http://lattes.cnpq.br/7059966648728988


Graduação em História no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP)
Especialização (em andamento) em m História e Arqueologia do Antigo Oriente Próximo
e Mediterrâneo no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP)

Alesi Teixeira Mendes - http://lattes.cnpq.br/2473113080999082


Graduação em Engenharia Civil na Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Especialização em Geoprocessamento e Georreferenciamento (PROMINAS)
Mestrado profissional em Engenharia Ambiental na Universidade Federal do Tocantins
(UFT)
Doutorado (em andamento) em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos na
Universidade de Brasília (UnB)

Bernadete Alves de Medeiros Marcelino - http://lattes.cnpq.br/3359874613435542


Graduação em Pedagogia na Universidade de Guarulhos (UNG)
Graduação em Teologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie (MACKENZIE)
Especialização em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
Mestrado em Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie
(MACKENZIE)
Doutorado em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP)

Dayse Karoline S. S. de Carvalho - http://lattes.cnpq.br/2586155485139314


Graduação em Pedagogia no Centro Universitário Integrado (CEI)
Especialização em Psicopedagogia no Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP)
Sobre os autores • 575

Mestrado em Educação (Psicologia da Educação) na Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo (PUC-SP)

Diogo Gonzaga Torres Neto - http://lattes.cnpq.br/8592852414435013


Graduação em Administração e Filosofia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Graduação em Licenciatura em Sociologia na Faculdade do Grupo UNIASSELVI
(FAMESUL)
Especialização em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia na Faculdade de
Educação da Lapa (FAEL)
Mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia na Universidade
Federal do Amazonas (UFAM)
Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia na Universidade Federal do Amazonas,
UFAM

Douglas Jeferson Menslin - http://lattes.cnpq.br/2509840297002604


Graduação em Pedagogia e Teologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP)
Especialização em Gestão Educacional no Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP)
Mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)
Doutorado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)

Elder Hosokawa - http://lattes.cnpq.br/5443347553269598


Graduação em História na Universidade de São Paulo (USP)
Especialização em Estudos Brasileiros na Universidade Presbiteriana Mackenzie
(MACKENZIE)
Mestrado em História Social na Universidade de São Paulo (USP)

Emily Kruger Bertazzo - http://lattes.cnpq.br/2347396530830593


Graduação em Relações Internacionais na Faculdades Integradas Rio Branco (FIRB)
Mestrado em Culturas e Identidades Brasileiras (em andamento) na Universidade de São
Paulo (USP)

Francisco Alves de Pontes - http://lattes.cnpq.br/5100587034345061


576 • O Adventismo no Brasil

Graduação em História no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP)

Francisco Carlos Ribeiro - http://lattes.cnpq.br/1252300253668315


Graduação em Teologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP)
Graduação em Pedagogia na Faculdades Integradas Hebraico Brasileiras Renascença
(FIHBR)
Graduação em História no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas
(FMU)
Graduação em Filosofia na Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)
Especialização em Metodologia do Ensino no Centro Universitário Adventista de São
Paulo (UNASP)
Especialização em Cultura Africana na Faculdade Campos Elíseos (FCE)
Mestrado em História Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Doutorado em História Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)

Gabriela Abraços - http://lattes.cnpq.br/3424038550327626


Graduação em História Universidade de São Paulo (USP)
Mestrado em Programa Interunidades em Estética e História da Arte na Universidade
de São Paulo (USP)
Doutorado em Estética e História da Arte na Universidade de São Paulo (USP) com
período sanduíche em École des Hautes Études en Sciences Sociales (França)

Gislye Angelli Montin - http://lattes.cnpq.br/2688878785750061


Graduação em Direito na Universidade Católica de Brasília (UCB) com período sanduíche
Universidade Católica Portuguesa - Porto
Especialização em Crimen organizado, Corrupción y Terrorismo na Universidade de
Salamanca - Espanha
Especialização (em andamento) em Ciências Criminais no Complexo Educacional Renato
Saraiva (CERS)

Ismael Fuckner - http://lattes.cnpq.br/0735247456511493


Graduação em Licenciatura Plena em História na Universidade Federal do Pará (UFPA)
Especialização em Educação Profissional de Jovens e Adultos no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)
Sobre os autores • 577

Mestrado em Antropologia na Universidade Federal do Pará (UFPA)


Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia) na Universidade Federal do Pará (UFPA)

Joêzer Mendonça - http://lattes.cnpq.br/2256239523620698


Graduação em Licenciatura em Educação Artística (Hab. Música) na Universidade
Estadual do Pará (UEPA)
Mestrado em Música na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP)
Doutorado em Música na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP)

Kédima Ferreira de Oliveira Matos - http://lattes.cnpq.br/1516827512464143


Graduação em Química Industrial na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)
Graduação em Química na Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL)
Especialização em Planejamento e Gestão para a Educação na Universidade do Estado
da Bahia (UNEB)
Mestrado em História da Ciência na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP)
Doutorado em Ciências na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Kevin Willian Kossar Furtado - http://lattes.cnpq.br/5764553729530007


Graduação em Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas na Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG)
Doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)

Luanna Fernanda da Cruz Bach - http://lattes.cnpq.br/1699997104316784


Graduação em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Graduação em Museologia (em andamento) na Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR)
Mestrado em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Doutorado em História (em andamento) na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
578 • O Adventismo no Brasil

Lucio Henrique Pereira - http://lattes.cnpq.br/2096559573950300


Graduação em Engenharia Ambiental na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS)
Graduação em Teologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP)
Mestrado em Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS)

Mariana Cavalcanti Pessoa - http://lattes.cnpq.br/6026271940765575


Graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo (USP)
Mestrado Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo (USP)
Doutorado em em Arquitetura e do Urbanismo (em andamento) na Universidade de São
Paulo (USP)

Petterson Brey - http://lattes.cnpq.br/2803712017811113


Graduação em Teologia na Faculdade Adventista da Bahia (FADBA)
Graduação em Filosofia no Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UniÍTALO)
Mestrado em Teologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Doutorado em Teologia (em andamento) na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP)

Robson Romero de Sousa - http://lattes.cnpq.br/3170146953171660


Graduação em Teologia na Faculdade Adventista da Bahia (FADBA)

Rodolfo Figueiredo de Sousa - http://lattes.cnpq.br/8591176394209121


Graduação em História e Teologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo
(UNASP)
Especialista em Missiologia na Faculdade Teológica Sul-Americana (FTSA)

Tiago Cesar Santos - http://lattes.cnpq.br/8329975973547259


Graduação em História na Universidade de Santo Amaro (UNISA)
Graduação em Filosofia (em andamento) na Universidade de São Paulo (USP)
Sobre os autores • 579

Especialização em História Sociedade e Cultura na Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo (PUC-SP)
Mestrado em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP)
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