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Ano 5 - Nº 22 - Novembro de 1986

COMUNICAÇÕES do !SER ISSN 0102-3055

Sumário

APRESENTAÇÃO 3

Pierre Sanchis
Uma "identidade católica"? 5

Luiz Alberto Gómez ,de Souza


A polftica e os cristãos 17

Henri de Lubac
Circumdata varietate 28

Zélia Seiblitz
O conflito na diocese de Campos 32

Rubem César Fernandes e Leilah Landim


Um perfil das ONGs no Brasil 44

Philippe Sol/ers
A cotação do freud 57

VITRAL 62

PUBLICAÇÕES RECENTES 66
Comunicações do ISE R

Comissão Editorial: Ru bem César Fernandes (coordenador)


Ped ro A. Ribeiro de Oliveira
Waldo Cesar
Ped ro Celso Uchôa Caval can ti
Caetana Damasceno
Secretário de Redação: Flávio Lenz
Revisão : Flávio Lenz e Jorge Moutinho Lim a
Programação Visual: Cecilia Leal de Olivei ra
Arte-final: Eduardo Chor
Composição: JP Composição e Artes Gráficas Ltda.

Redação :
Rua lp iranga, 107 - Laranje iras - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
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APRESENTAÇAO

Multiplicam-se os estudos sobre as suas diferentes formas particulares. Se é


religiões do Brasil. Pesquisadores certo que a sua busca deve
descobrem cada dia novas variedades do necessariamente passar pela análise
sagrado, colocando em xeque nossas cuidadosa das suas múltiplas formas, é
classificações e categorias de explicação. também certo que a identidade não ê uma
A diversidade religiosa brasileira ê uma espécie de máximo divisor comum dessas
evidência que destrói qualquer mito de formas. Trata-se de saber o que torna
"Brasil maior pars católico do mundo". E, católico o catolicismo.
no entanto, não há como entender Brasil
sem entender o catolicismo. Os dados ar Na busca da identidade católica,
estão, a nos desafiar: na hora de declarar formou-se no ISER um grupo de estudos
a religião, nove em dez brasileiros se do catolicismo. Ele já conta com um amplo
dizem católicos. Podemos e devemos programa de pesquisas cuja primeira etapa
suspeitar que tal declaração não significa tem o término previsto para 1987.
sua identificação com o modelo romano; Abordando o catolicismo e a Igreja
mas não se pode descartar o valor Católica do Brasil sob diversos ângulos e
indicativo desses números para uma métodos de análise, esse programa quer
identidade religiosa cujos elementos cabe responder ao desafio intelectual de ir ao
ao pesquisador descobrir. coração do problema. É como se
estivéssemos explorando o interior do
Apesar dos estudos atê hoje feitos sobre o continente, com seus pântanos, rios cujas
catolicismo no Brasil, este tema águas nos carregam, regiões áridas e
permanece como um enorme continente muita paisagem nova. Aquilo que
cujo Interior está ainda por explorar. O pensávamos conhecer pelo senso comum
catolicismo popular tem sido objeto de e - em alguns casos - pela experiência
muitos estudos, e hoje o catolicismo das pessoal, revela-se agora um terreno
CEBs atrai a atenção dos cientistas inteiramente novo. Nos documentos de
sociais. Mas as análises de algumas trabalho de Pierre Sanchis e Zélia Seiblitz
formas particulares do catolicismo para as discussões daquele grupo, o leitor
brasileiro não bastam para chegarmos ao encontrará um sério esforço intelectual em
coração da matéria. A identidade católica busca da resposta à questão que as
não pode ser encontrada no somatório das pesquisas suscitam: afinal, o que torna

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católico tantos "catolicismos"? Outros Tudo indica que o debate estã apenas
documentos e relatórios de pesquisa estão começando, pois o problema é complexo.
em elaboração, e gradualmente virão a O ISER reabre, portanto, as pãginas das
público nestas Comunicações e na revista Comunicações para este debate,
Religião e Sociedade, acrescidos, inaugurando-o com um texto de Luiz
eventualmente, de contribuições Alberto Gómez de Souza e esperando que
importantes, como as que aparecem no outros colaboradores se aventurem neste
texto de Henry de Lubac, também aqui terreno. O espaço do ISER parece ser o
publicado. mais adequado para este tipo de debate,
porque reúne, num clima de respeito
Comunicações do /SER tem aberto mútuo, intelectuais próximos à prãtica
espaço a debates sobre temas do polrtica das igrejas e intelectuais que delas
momento. A discussão sobre a se distanciam. É hora de acolher aqui suas
"ferramenta marxista" foi certamente a contribuições ao debate.
mais polêmica. Agora ela ressurge dentro
de um novo enfoque: a organização Outro tema que reaparece nas
polrtica dos cristãos. Este é um daqueles Comunicações estã em "Um perfil das
assuntos sobre os quais muito se ONGs no Brasil", de Leilah Landim e
conversa mas pouco se escreve. No Rubem César Fernandes. Um primeiro
fundo, a questão é: justifica-se texto, de "reflexões gerais" sobre essas
teoricamente que os cristãos se organizem entidades, foi publicado em
para urria atuação polrtica unitãria? À base Comunicações, 15. Este de agora resulta
desta questão estã uma prãtica polrtica de de uma pesquisa sobre as "Organizações
muita gente, que por sua atuação polrtica Não-Governamentais", cujo objetivo foi
articulada é conhecida como "pessoal da produzir um levantamento o mais completo
Igreja", "igrejeiros", "confraria" e alguns possfvel dessas organizações.
outros eprtetos mais ou menos
depreciativos. Essa gente, é claro, conta Finalmente, publicamos um artigo que,
com pessoas participantes de CEBs, dentro do espfrito da publicação, deve
pastorais, congregações evangélicas, e suscitar debates. Trata-se de "A cotação
conta também com pessoas que nada têm do freud", do escritor Philippe Sollers, que
a ver com organismos eclesiãsticos nem reflete sobre algumas das moedas
professam a fé cristã. Em 1983 o ISER correntes na nossa civilização: o freud, o
colocou em foco este assunto, marx ... As religiões, a ciência, a filosofia,
promovendo pequenas pesquisas, debates as ideologias libertArias aparecem em
e encontros, e chegou a publicar quatro relação à psicanãlise. A Brblia e a arte
números das Comunicações sobre o tema também, mas de uma forma diferente.
(6, 7, 8 e 9). Mas parece que naquela
época a questão ainda estava "verde", e o
debate não "pegou". Agora ele vem à tona Pedro A. Ribeiro de Oliveira
a partir de um texto de Clodovis Boff que FlavioLenz
estã ,correndo o mundo eclesiãstico e
provocando as mais diversas reações (cf.
Tempo e Presença, nº 212- Encarte).

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Uma ''identidade católica'' ?
PIERRE SANCHIS
Coordenador da Pesquisa
Igreja e Catolicismo no Brasil Aluai- /SER

Nesta tentativa de uma achega de tipo mas também esta oposição de duas
antropológico ao que poderia ser algo realidades religiosas tão densamente
como uma "identidade" da Igreja Católica, opostas dentro da mesma instituição
Importa antes de tudo definir o meu chama a nossa atenção para uma
propósito. Trata; se, é claro, de Ir além- ou particularidade da Igreja "Católica": ela
aquém - da perspectiva que não vê r.a consegue compatibilizar o incompatrvel, e
Igreja senão uma instituição - e instituição torna por isso muito diffcil a procura, para
polrtlca - entre outras, e de procurar defini-la, de uma "forma", mais ainda de
dimensões de especificidade; mas de uma "essência".
modo nenhum de encontrar uma
"essência", ou uma fórmula, do Um segundo motivo é que, como qualquer
catolicismo. Isto por vários motivos. instituição cultural ou religiosa, a Igreja
Católica é histórica. Os seus momentos se
O primeiro é que se trata precisamente da carregam de sentidos diferentes, em
Igreja "Católica", e que, j)or ser "católica", ligação com matrizes culturais, polrticas,
cabem nela multas coisas que o senso econômicas, sociais, enfim.
comum julgaria incompatrveis. Lembro-me Historicamente, podemos também dizer
a este respeito de uma pesquisa recente que hâ vários "catolicismos"; é só evocar
em Belo Horizonte que comparava - e dois livros, nos trtulos dos quais aparece a
opunha - duas paróquias "católicas": uma mesma palavra-chave: Catolicismo, do P.
da zona central, freqüentada por gente de de Lubac, um teólogo jesurta, sobre as
classe média, e outra da periferia, do tipo rarzes de fundo amplamente cristão que
comunidade de base popular. A conclusão definem a Igreja Católica no seu sentido
espontânea das pesquisadoras era de que mais profundo; e Decomposição do
o contraste de duas igrejas e até de duas catolicismo, de P.L. Bouyer- um antigo
religiões opostas nos seus ritos, na sua pastor protestante que se tornou católico e
mensagem, na sua concepção da entrou na Congregação do Oratório -, para
autoridade~nterna e na sua autodefinição quem o catolicismo é precisamente este
como Igreja prefigurava um cisma corpo social - e sociológico - mumificado
iminente na Igreja do Brasil. Um simples que três séculos de Contra-Reforma
relance de olhos sobre a História nos fizeram a partir da grandiosa srntese de
ensina, é claro, a sermos mais prudentes, que fala o primeiro livro, e que estaria hoje

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em decomposição. Onde está a grande prudência, se não fosse ainda
"essência" do catolicismo? outro motivo, mais subjetivo - há muitos
anos perdi contato com a literatura
Este exemplo, aliás, nos orienta para o teológica, inconveniente, aliás, que não vai
terceiro motivo. Até as oposições que sem uma certa vantagem: se as
poderiam criar identidades, por exemplo, referências exalas de meus temas me
entre catolicismo e protestantismo, ou escapam muitas vezes, no entanto este
catolicismo e Igrejas orientais, não são afastamento de vinte anos me permitiu
assim tão elucidativas. Pois há todo um medir, com uma retomada de contato
acervo - teológico e prático - comum que rápida, toda a distância e a evolução da
torna a constituição de tipos ideais bem temática e dos enfoques.
problemática: Santo Agostinho é
"católico"? Os padres da Igreja oriental, Apesar, no entanto, de todos estes
Basmo, Eusébio, Crisóstomo, Gregório de motivos, vou tentar aproximar-me de um
Nissa, Clemente de Alexandria, são indicador privilegiado de identidade para a
"católicos" ou "ortodoxos orientais", eles Igreja Católica. Indicador não exclusivo,
que estão sendo precisamente pois feito em grande parte de elementos
redescobertos hoje pelos teólogos simplesmente "cristãos"; também
católicos como representantes de indicador não substantivo, no sentido de
dimensões compensatórias porque muitas que a sua simples presença ou ausência
vezes esquecidas na tradição "católica"? caracterizaria e definiria catolicidade ou
E, nas dobradiças de uma história mais não-catolicidade. Tentarei escapar ao
recente, Erasmo, por exemplo, pode estar monolitismo conceituai para identificar
sendo reivindicado por uma e outra muito mais um campo tendenciosamente
filiação, católica e protestante. Afinal, onde polarizado, articulando diferenças - que
está a fronteira que separa o católico do também o caracterizam como
simplesmente cristão? Onde procurar "catolicismo" -que se definem como
critérios de uma identidade? modalidades, pesos diferentes atriburdos a
um ou outro dos elementos que vou dizer
Enfim, um último motivo parece-me fundamentais. Neste sentido, o núcleo
importante. É que, em razão das acerbas central do catolicismo parece-me o
controvérsias históricas, a atribuição de conceito- mais ainda o valor (valorização
diferenças definidoras é muitas vezes feita do conceito como sendo nuclear) - de
de modo globalizante e incerto; atribui-se, Sacramento, com os três elementos que o
por exemplo, a Calvino, uma concepção constituem: o significante, o significado e o
Jos ministérios ou dos sacramentos que elo que os une, e que precisamente vai
tomou forma na sua filiação, e a Lutero, fazer de um simples signo um sacramento
uma elaboração da soberania da - a eficácia simbólica, que torna presente
consciência individual, desembocando na o significado através do significante. Tal
sua liberdade, que é muito mais uma me parece o "núcleo duro" do catolicismo,
reinterpretação da Reforma nas categorias a sua pedra de toque, o cerne em torno do
do iluminismo do séc. XVIII do que uma qual se constrói a sua autoconsciência de
realidade dos duros tempos da Reforma. identidade tanto no nrvel dogmático, na
preocupação de garantir uma continuidade,
Estes motivos todos já me levariam a uma quanto no nrvel teológico dos debates

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analrticos e da atualização histórica da que une, dentro do simbolismo, o
mensagem, e, talvez, sobretudo, no nfvel significante com o seu significado. É este
da experiência religiosa católica. As laço que vai fundar o mundo católico: uma
variações internas do catolicismo se verdadeira cascata de "sfmbolos
estruturam precisamente através do eficazes", de sacramentos, em que uma
variado equilfbrio dado à importância realidade sensrvel e histórica não só
relativa destes três elementos e à lógica significa outra realidade, de mesma ordem
interna que os une. Tanto no terreno da ou de ordem diferente, no sentido em que
experiência, individual {os "santos" e seus simplesmente orientaria para esta outra
carismas) ou social {as correntes e as realidade o pensamento, mas no sentido
escolas de teologia e espiritualidade), em que a realiza e a faz existir para o
quanto ao nrvel do debate intelectual e homem. Não se trata de evocação, de
institucional, estes três elementos conotação, de manuseio metafórico do
compõem um campo, definido pela sua mundo, mas de uma modalidade do SER.
presença simultânea, e que, por isso Neste sentido pleno, o Cristo é
mesmo, tem limites: não se pode sacramento {signo e presença) de Deus, a
enfraquecer à vontade um ou outro destes Igreja é sacramento de Cristo, uma Igreja
pólos além de certos limiares; se um ou que, por sua vez, vai ser coextensiva à
outro desaparecer, já não há mais História, esmiuçando a sua presença
catolicismo. Mas, por outro lado, a através dos "sacramentos" que atingem
convivência destes pólos se opera numa os universos individuais e definem assim
articulação tensional. E é esta tensão que, uma ordem abrangente: a ordem católica,
precisamente, constitui a caracterfstica e a ordem sacramental.
vida do catolicismo, as suas evoluções
enquanto modalidades de uma mesma Afirmação muito genérica, poderão dizer,
visão e experiência religiosa. que se aplica, num certo sentido, a
qualquer cristianismo, e até, num
Partirei de uma frase do mesmo Lubac, o determinado grau de generalidade, a
autor do livro citado acima: "Se o Cristo é qualquer religião. A religião é que trabalha
o Sacramento de Deus, a Igreja é, para a matéria psicológica, social e histórica,
nós, o Sacramento de Cristo; ela o com a ferramenta do simbolismo. Mas,
representa, conforme toda a força do precisamente, o que vai caracterizar o
antigo sentido do termo: ela o torna catolicismo neste campo aberto e
presente para nós, em verdade. Ela não polivalente, o que será a sua "atitude"
prolonga somente a sua obra, mas ela o (para falar como Gurvitch), o seu habitus
prolonga a ele próprio, num sentido (para falar como Bordieu), o seu viés
incomparavelmente mais real do que no conatural e sua "afinidade eletiva" (para
sentido em que nenhuma instituição evocar Weber), eventualmente o seu
humana prolonga o seu fundador." cacoete, sobretudo depois da
Perceberam toda a força da afirmação - Contra-Reforma, será a insistência quase
afirmação de presença "em verdade" -, obsessional sobre o resultado ontológico
mas também o caráter muito particular, do processo de eficácia simbólica e, por
firmemente invocado e pouco definido, conseguinte, sobre a importância do
desta "verdade" e desta "presença"? O ôignificante. Com um exemplo me farei
que está aqui afirmado é o laço de eficácia entender.

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Em 1984, se não me engano, a Comissão quase deixa de ser simbólica.
Mista Anglicana Católica Romana (ARCIC)
publicava o seu primeiro relatório, tentativa 1- O Cristo,
para encontrar uma formulação das Sacramento de Deus
verdades essenciais da fé que, retomando
os caminhos da antiga tradição comum, O primeiro patamar, na cascata dos
seria aceitável para as duas Igrejas. No simbolismos. Fundamental, aUás, e chave
caprtulo relativo à Eucaristia, e de todos os outros. Na linguagem
especificamente quanto à "Presença real", tradicional (i.e., da grande e antiga
assim se expressava: "Verdadeira tradição) e atualmente revalorizada, depois
presença de Cristo, eficazmente de três séculos de quase esquecimento,
significada pelo pão e o vinho que, neste este simbolismo fundamental se expressa
mistério, tornam-se seu corpo e seu pela palavra Mistério. O que é um
sangue". "Presença independente da fé mistério? Quem aprendeu o catecismo
individual" era sublinhado, e não se reduz sabe que um mistério é uma verdade
a um "puro simbolismo". E o bispo incompreensfvel: "mistério da Santfssima
Williams, num comentário autorizado: Trindade, mistério da Eucaristia, mistério
"Trata-se de um simbolismo real ou, se da Encarnação etc." Ora, no sentido da
quiserem, de um realismo simbólico", já tradição patrfstlca, o Mistério é exatamente
que "na ordem sacramental as realidades o contrário: não é a não-Inteligibilidade,
da fé tornam-se presentes em signos mas um "estourar" de entendimento, uma
visfveis e tangfveis". Pois a Congregação luz que se torna visfvel e através da qual a
Vaticana para a Doutrina da Fé achou a totalidade se faz inteligfvel. ~ neste sentidO'
formulação insuficiente: ela poderia dar a do "Mistério de Cristo" que o Cristo é
entender que, "depois da oração Sacramento de Deus: ele torna vlsfvel e
eucarfstica, subsistiria a substtlncia palpável a irnagem - e uma imagem
ontológica do pão e do vinho". Se, com portadora de presença e realidade -
efeito, "materialmente e daquilo que você não poderia atingir: Deus.
experimentalmente" as espécies são pão e Deus Uno; não na dimensão aristotélica do
vinho, "na sua realidade mais profunda" SER, mas muito mais (lembro de um texto
elas são o corpo e o sangue de Cristo. O de Gilson mostrando a reinterpretação dos
exemplo parece-me claro e esclarecedor. termos aristotélicos pelo pensamento
Te mos o campo complexo e polivalente do tomista, por exemplo) no dinamismo do
sacramentalismo cristão, que o catolicismo constante aceder à EXISTtNCIA. Primeira
assume; mas, dentro deste campo, dimensão em que uma existência humana
sensibilidades diferentes indicam a paradigmaticamente doada (a de Cristo) é
constituição de identidades confessionais. Sacramento da generosidade substancial
O que, no caso, caracteriza a do SER constantemente projetado para
sensibilidade "católica" é precisamente a fora de si; e, ao mesmo tempo,
sua insistência sobre a eficácia Deus Trino, que é, em si mesmo,
ontologicamente transformadora, a quase Comunhão. Afinal, essas caricaturas - às
substituição do simbolismo por uma vezes Insuportáveis- do "amor", que
transformação de substância. A eficácia ouvimos na voz mellflua de certos
simbólica é tão afirmada como eflc~Jcia que prelados entrevistados na TV, essa

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insistência cansativa sobre a "caridade" Lembrem a afirmação de Lubac: "A Igreja
como a solução de todos os problemas, é para nós o Sacramento de Cristo•.. Ela
essa mania de "comunidade" que chega a não prolonga somente a sua obra, mas ela
irritar, é preciso saber que esses traços o prolonga a ele próprio."
estão direta ou mediatamente enraizados
nesse Mistério do primeiro Sacramento de Igreja do Verbo, Igreja do Esprrito. Se o
Deus que define um substrato da Esprrito de Cristo estã presente na história,
identidade católica. Lógica do Mito não é primordialmente através de sua
definidor, que não permite à Igreja, por presença junto à vida de cada cristão, mas
exemplo, aceitar sem complexos diretamente através de sua presença na
malabarismos intelectuais nunca "plenitude da Igreja". É somente unido a
perfeitamente assimilados a realidade e, ela que o cristão o receberá.
sobretudo, a programabilidade legftima da
"luta de classes". O primeiro caráter desta Igreja - na grande
Tradição, mas este traço terã "
Nesta primeira etapa do simbolismo conseqOências no perfil da identidade
sacramental, aliAs, além do seu núcleo · própria do catolicismo - é precisamente o
globalmente cristão, podemos já detectar a da Plenitude: totalidade, pleroma, Corpo
orientação própria do catolicismo: o peso e Mrstico, recapitulação de TUDO em Cristo.
a consistência atriburdos ao significante, à Neste sentido, a Igreja, Instituição social
existência concreta, datada, situada, do particular, é Sacramento do Todo. "Esta
Cristo histórico. Outras Igrejas insistirão cidade celestial, enquanto peregrina na
sobre "o Cristo da fé"; outras ainda, como, terra, recruta cidadãos entre todos os
por exemplo, a Igreja oriental e os povos, compõe uma sociedade peregrina
modernos pentecostais, sobre a constante no meio de todas as lrnguas, não repara
atualização da presença de Cristo na vida tudo o que, nos costumes, nas leis, nas
do cristão por seu Esprrito. Idéias que a instituições, é diverso mas serve a obter
Igreja Católica reconhece como inscritas ou manter a paz. Disto tudo, ela não corta
na Tradição, mas com as quais nunca se nada, não destrói nada, pelo contrário,
sentiu totalmente à vontade. Qualquer respeita e serve tudo o que, embora
ameaça de docetismo a apavora. É o diverso nas diversas nações, tende para o
Cristo histórico dos Evangelhos que é para fim único de estabelecer a paz na terra, a
ela a pedra de toque da autenticidade condição de não impedir que seja ensinada
cristã. Oue o digam os Joaquimitas de a religião pela qual se venera o Deus
todas as tendências, os único, supremo e verdadeiro". O texto é de
"desmistificadores" modernos, os Santo Agostinho, mas encontrarramos
carismáticos - que sempre precisam ser semelhantes pensamentos em Cipriano,
"recuperados" e legitimados pelo crivo de Tertuliano, lrineu; e mais amplos ainda,
seu amoldamento aos quadros da com uma ressonância cósmica, nos
Instituição.- Padres Orientais da Igreja (Máximo, o
Confessor, Gregório de Nissa, Orrgenes).
11 - A Igreja, Podemos perceber aqui a raiz do que
Sacramento de Cristo Newman, opondo-se à "pureza"
protestante, vai chamar de "Plenitude
Pois a cascata de simbolismo continua. católica": a compatibilização das

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diferenças; a assunção da dimensão em frisar que, para a intuição católica (o
própria e antropologicamente "religiosa" da "gênio" católico), é dada primeiro a
vida (o mundo do Sagrado e do ritual, por globalidade da Igreja, afirmada a
exemplo: a idéia de que o cristianismo não antecedência do todo sobre as suas
é uma "religião" mas uma "fé", por ecos partes; para a intuição (o "gênio")
protestante, ao contrário, a Igreja se faz, a
profundos que ela tenha suscitado em partir da adesão de fé individual dos
certas correntes do pensamento católico, crentes, uma Igreja que se constrói pela
é uma idéia de origem nitidamente base e só se globaliza pela adjunção
protestante); o revestimento cultural progressiva dos salvos. Diante desta
necessário de toda manifestação cristã; a oposição, não posso fugir de um paralelo
encarnação da Revelação em estruturas com a sociologia - especialmente, mas
religios as e, mais amplamente, sociais e não somente, a sociologia religiosa - de
humanas. Mesmo ultrapassados os Durkheim: a sociedade precede o
problemas teóricos medievais da indivfduo. F. lsambert, aliás, o reconhecia
Cristandade, a sensibilidade católica não recentemente: o modelo implfcito da Igreja
renunciará facilmente à imagem motora de durkheimiana é o da Igreja Católica; não
uma "sociedade cristã", ao enunciado de sem relação, é evidente, com a
uma "doutrina social cristã"; enfim, à experiência de uma religiosidade judaica
tendência a considerar a Igreja, presença (experiência tanto de Durkhelm, filho de
continuada e difusiva do Mistério do Cristo, rabino, quanto da primeira comunidade
como antecedente ao recrutamento de cristã), baseada na inserção do indivfduo
seus membros, como potencialmente num "Povo de Deus" preexistente. Ao
identificada à tonalidade da sociedade: contrário, a sociologia religiosa - e a
sociedades particulares, nações - por sociologia tout court - de Weber seria
exemplo - ou sociedade· humana análoga à intuição protestante de uma
genérica. ~ o Corpo inteiro, com a sua sociedade que se compõe a partir da
Cabeça, que a Igreja institucional, a articulação dos indivfduos. Visão católica
"comunidade", torna presente. Como o "substantivista" - e tradicional -, visão
explicita um dos melhores comentadores protestante "nominalista" - e moderna.
brasileiros do ConcRio Vaticano 11: "A vida
temporal é uma epifania do Senhorio de Mas outra dimensão deve ser sublinhada
Cristo". E, se a Encarnação é uma nesta sacramentalidade da Igreja, que vai
imersão no humano, a missão da Igreja é a marcar outra diferença fundamental entre o
de "dilatar, espalhar pela multidão de seus perfil católico e o perfil de outras
membros aquilo que se realiza em sua identidades cristãs. Neste complexo
Cabeça, e portanto prosseguir até o último sacramental feito dos três elementos
dia da história a imersão do agap~ em toda (significante, significado, laço simbólico
a espessura do humano" (Frei Baraúna). real que os une), um destes elementos é
sensfvel e visfvel: o signo. Pois é sobre ele
Neste processo - e ar acentua-se uma que o catolicismo vai polarizar a atenção.
especificidade do catolicismo - a Se a tentação protestante é a da
totalidade é primordialmente dada, já que invisibilidade - Igreja verdadeira, dos
Sacramento mediato da comunhão crentes, invisfvel, dirá Lutero; Igreja que só
substancial. O Pe. Rahner tem toda razão Deus conhece, insistirá Calvino-, a

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tentação católica é a da visibilidade do une ao significado vai evidentemente
sacramento eclesial (cf. a insistência de impregnar várias controvérsias históricas
João Paulo 11 sobre os sinais distintivos, com outras confissões cristãs. Pois
externos até, e socialmente perceptrveis, quando se tratará de reconhecer a
da Instituição e de seus membros autenticidade cristã num agrupamento que
qualificados). Sem dúvida, o catolicismo se autodefine como Igreja, o catolicismo
não ignora o lado mrstico, invisrvel e vai exigir a verificação de um critério
finalmente "real" da Igreja, periodicamente substantivo, e não simplesmente
re valorizado nas tentativas de intencional. Deve haver um laço,
revitalização de sua teologia (quando historicamente verificável, entre o Cristo
estão sendo, então, recorrentemente histórico e este grupo religioso, para que
redescobertos os textos da grande ele possa reivindicar uma qualidade
tradição patrrstica), mas a sua autenticamente eclesial: o "caráter", uma
sensibilidade própria o leva tanto a insistir modificação quase substancial, se
sobre a Igreja como instituição social que transmite através dos gestos
ele se arrisca a reificar o laço simbólico sacramentais válidos; um sagrado
que une o visrvet ao invisrvel: a Igreja entitativo se transmite "fisicamente". Há
institucional, simplesmente, ~ a Igreja. dúvida, por exemplo -dirá o catolicismo -,
sobre a verdade eclesial da Igreja
O fato torna-se patente no fim da Idade Anglicana, pois parece historicamente
Média nas controvérsias entre o Império e provada a existência de um hiato entre os
o Papado e sobretudo no movimento da Apóstolos e os primeiros bispos
Contra-Reforma. A Reforma insistindo "ordenados" quando da Reforma Inglesa.
sobre o significado - a Igreja da Fé -, o Foi cortada a corrente das "imposições de
catolicismo vai polarizar-se sobre uma mãos" que transmite o caráter sagrado.
exaltação radicalizada e doentia do
significante. E chegará a formulações onde E já que o ser da Igreja é visivelmente
se entrevê dificilmente a complexa social, também o será a sua unidade:
realidade sacramental, com seus três estrutural, hierárquica, precisamente ligada
elementos constitutivos. O Catecismo do aos sacramentos. O Sagrado fundamental
ConcRio de Trento definirá a Igreja como "a (em verdade, o único na tradição original)
sociedade daqueles que aderem à fé e de Cristo tende a concentrar a sua
participam dos sacramentos sob a presença na pessoa de cada ministro, os
obediência aos pastores comuns". ungidos hierarquicamente dispostos.
Belarmino comentará: "Uma sociedade tão Lutero, lembremo-lo, não reconhecia
visrvel quanto o Ducado de Veneza e o senão um único ministério de direito divino,
Reino de Bavária". A identidade católica, o dos balizados. Os outros, institurdos de
aqui, chega à caricatura de si mesma. Mas mão humana para o bene esse da Igreja,
"é no excesso", dizia G. Bataille, a são servidores, organizadores do culto.
propósito da libido e do Marquês de Sade, Chamados por Deus e pela Igreja, sem
"que se identifica a verdade das coisas". dúvida (e também nomeados pelo
prrncipe), eles recebem uma imposição
A insistência católica sobre o significante e das mãos, mas que não lhes confere
a quase substantivização do laço que o nenhum "caráter" sagrado. Todos eles, até

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um eventual chefe da cristandade, cristalizarão a intuição respectiva: a
destinado somente a defender a unidade primeira exclusivizando o uso do
contra as "seitas", são funcionârios vocabulârio neotestamentârio e não-sacral
removfveis. Calvino irâ mais longe, para os seus ministérios ("diâcono",
reconhecendo mais claramente as servidor; "pastor"; "bispo", vigilante) e
necessidades da organização eclesiâstica. suas ações rituais (Santa Ceia), a
Em certos textos que suscitam ativa segunda reencontrando a estrutura inteira
reação dos "anciãos" de Genebra, ele fala de uma ordem sacramental e religiosa,
até em "sacramento", mas o gesto da hierarquizadora na ordem do sensfvel da
imposição das mãos, mesmo neste caso, presença do Sagrado. Através de uma
não é causa da graça ministerial. Ocasião cadeia histórica de sinais visfveis,
única, pois toDeus a faz valer sfmbolos cuja eficâcia ex opere opera to é
acrescentando-lhe a sua graça. A eficâcia primordial, é reconstitufdo um mundo
dos dons do Espfrito Santo está a ela sacral, canal da graça divina. Um mundo
conjugada", pois, afinal, "a fonte de toda a que a sensibilidade protestante poderá ·
unidade da Igreja estâ no fato de que chamar de "mãgico" ou de "paganismo
Jesus Cristo é o seu único bispo". continuado".

"Sacerdote", "sacritrcio", "templo ~ importante frisar o quanto esta ligação


sagrado", "altar", todo este vocabulârio do sacramental com a figura histórica do
mundo do sagrado e das religiões parece, Cristo faz aqui o papel do "mito fundador",
aliâs, ter sido cuidadosamente evitado nos impondo à identidade católica o
textos do cristianismo primitivo para componente de hierarquia que a constitui.
melhor marcar a consciência que os Mais uma vez, a isto não se reduz a
autores tinham da novidade trazida por teologia caf91ica - a revalorização do
Cristo, concentração e realização definitiva "Povo de Deus" pelo último ConcOio bem o
de todo o sagrado. Mas o mesmo prova - , mas não se pode negar a quase
vocabulârio entrarâ pouco a pouco em "conaturalidade" com a instituição das
uso, progressivamente assumido na reações que ora lhe fazem tratar de
literatura patrfstica dos três primeiros "senhores" e "vassalos" os bispos e seus
séculos. No tempo de Agostinho, ainda, é fiéis (Portugal, 1926; isto é o lado do
notâvel a existência de duas correntes a cacoete e da caricatura), ora lhe impedem
respeito do editrcio cristão. Ele próprio se de assimilar sem drama as tentativas de
abstém de chamã-lo de "templo", mas sim reformulação "democratizante", sejam elas
de lugar onde, para rezar, se reúne a coletivas e até oficiais (cf. o addendum
Igreja, "único templo que sois vós". Ao acrescentado, do próprio punho, pelo papa
contrãrio, Eusébio de Cesaréia, em plena Paulo VI, à Constituição Conciliar sobre o
época constantiniana, enquanto o Império Povo de Deus), sejam individuais e
se cobre rapidamente de editrcios cristãos, teologicamente elaboradas (o caso Küng,
não hesita, quando da "consagração" dos o caso Schillebeck, o caso Boff).
mesmos, em apresentâ-los como os
templos sagrados da nova religião Um último exemplo: é comum e antigo o
vitoriosa. Destas duas correntes, as axioma: "Fora da Igreja não hã salvação."
identidades protestante e católica Mas de que Igreja se trata? Da Igreja

12
"significada", Igreja da Fé e comunhão do se radicar, que põe entre parênteses a
amor-agapé, aquela invisfvel que só Deus Igreja visfvel, lado significante de
conhece ("Muitos parecem estar dentro Sacramento, para se reduzir a uma
que, na realidade estão fora, e muitos presença individual, anonimamente
parecem estar fora que, na realidade, evangélica. Mas eis que quando apontam
estão dentro", jâ dizia Agostinho)? Ou da essas perspectivas, intervém
Igreja "significante", estrutura visfvel e significativamente a reação da
instituição social? É impressionante "sensibilidade católica": o mesmo Cardinal
constatar como a sensibilidade católica, de Lubac, um dos pioneiros da
quando a teologia se debruça sobre este redescoberta das grandes perspectivas
problema, não a deixa abandonar a sacramentalistas da tradição frente aos
referência explfcita à Igreja institucional, ao horizontes sociologicamente ressequidos
lado visfvel do sacramento. Num primeiro da Missão pós-tridentina, denunoia este
momento, é a pertença efetiva a esta eclipse da visibilidade institucional como
instituição que serâ necessária para salvar uma amputação e um desequillbrio: para
a sua alma. Quem não adere é condenado ser fiel à plenitude católica, é preciso
- e apenas concede-se aos honestos manter a necessidade da implantação não
pagãos, como às crianças não balizadas, só dos valores evangélicos e da fé
uma sobrevida neutra e não qualificada, a implfcita, mas do corpo social e
meio caminho entre o Céu e a danação. sacramental da Igreja.
Mas o pensamento evolui, alarga o campo
da misericórdia redentora: o pagão que, III - Os Sacramentos,
sem culpa sua, não conhece a Igreja mas, Ação Instrumental da Igreja
de consciência reta, sem dúvida a adotaria
se ele a conhecesse, serâ salvo não pela É nesta mesma perspectiva de um
retidão de sua consciência, mas pelo Sacramento Geral que podemos agora
desejo implfcito do batismo e da instituição entender o que são "os sacramentos" na
eclesial. Somente nos últimos trinta anos, grande tradição católica. Não tanto meios
no bojo da fermentação teológica que de salvação individual, mas instrumentos
precedeu e acompanhou o Vaticano 11, que significam e realizam a Unidade.
elaborar-se-A a teoria do "cristão Como dizia Scheeben no século passado,
anónimo", que pode até conhecer a Igreja "o importante não é tanto a eficâcia
(o significante) e recusâ-la em nome de paradoxal, na ordem sobrenatural, de um
sua consciência, mas que atinge rito ou de um gesto sensrvel, mas a
diretamente a comunhão da graça (o existência de uma sociedade que, sob as
significado), por exemplo, por sua prâxis aparências de uma instituição humana,
de transformação do mundo social em esconde uma realidade divina". O batismo
direção aos valores evangélicos e agrega a comunhão, a penitência
cristãos. Mas então qual o papel universal reintroduz nela o excomungado, a
que sobra para a Igreja visfvel significante? eucaristia é propriamente o sacramento
Se também religiões podem ser (sinal visfvel que realiza) da "unidade da
anonimamente cristãs, para que pedir ao Ecclesia" . Mais uma vez Agostinho:
hindufsta que se converta ao cristianismo? " 'O Corpo de Cristo!', diz o celebrante. E
Toda uma nova teoria da Missão pode aqui vós respondeis: 'Amém!' Sejais, pois,

13
membros do Corpo de Cristo p_ara que seja "materialidade" do significante que ela vai
verdade o vosso 'Amém'. E por que este concentrar a sua atenção. É bom repetir:
mistério é feito de pão? Como o diz São não se trata de tomar parte em
Paulo, um só pão feito de muitos grãos, um controvérsias teológicas e de julgar que,
só corpo feito de muitos membros ... No da sfntese essencial, o "catolicismo" teria
batismo, vocês estavam de qualquer esquecido certas partes, mas
maneira sob a mó, mofdos e impregnados simplesmente de constatar, ao longo da
de água. Então veio em vós o Espfrito história, um recorrente traço identificador.
Santo, como o fogo que cozinha a massa. Dentro do complexo sacramental que, do
Sejais, pois, o que vedes, e recebais o que ponto de vista antropológico, é sua marca
são". Pois ar está "o mistério de nossa paz e faz a sua riqueza, o catolicismo tende a
e de nossa unidade". privilegiar o signo e sua eficácia (seria
interessante, sob este ponto de vista,
Podemos notar num texto desses uma rastejar; nos séculos da escolástica, e
superposição de planos semânticos - a sobretudo nos séculos posteriores, a·
mesma que caracteriza o pensamento progressiva substituição da perspectiva de
simbólico-, mas também a coexistência, "eficácia simbólica" pela da "causalidade
num sinal sensfvel, de uma pluralidade de efi ciente" na vulgarização teológica -
realidades, que marca a presença da afinal, aquela que forma a sensibilidade
ordem propriamente sacramental: pão e dos fiéis de qualquer Igreja). Exposição do
vinho, Corpo de Cristo, Unidade do Corpo Santfssimo, Festa do Corpo de Deus,
Mfstico. Só que aqui o simbolismo se Triunfos Eucarfsticos, problemas
desdobra - não hâ só uma realidade, sinal teológicos e morais relativos à "validade"
eficaz da realidade última: hã um sinal - (i.e., eficácia) da consagração e, mais
"sacramento só", dirão os escolásticos - amplament~ dos sacramentos
que, de sua substância, conserva somente (lembrem-se do romance em que, numa
as aparências de pão e vinho; hâ uma taberna, um padre bêbado pronuncia sobre
realidade, ao mesmo tempo significada e pão e vinho as "palavras da
substantificada: o Corpo de Cristo, que, consagração"), devoção da comunhão nas
por sua vez, torna-se patamar de uma nove primeiras sextas-feiras do mês,
nova etapa de "simbolismo real" ou problema pastoral da "sacramentalização
"realismo simbólico" ("ao mesmo tempo sem evangelização", tão candente na
realidade e sacramento", o chamará a nossa América Latina etc., são uns
mesma teoria escolástica); hã enfim a tndfcios entre muitos outros de um pendor
realidade última ("realidade só"), simbólica peculiar ao "catolicismo", que tanto faz a
e efetivamente produzida: a koinonfa, a sua riqueza antropológica (afinal, a noção
cristali zação, no mundo, do agapé divino de "Corpo de Deus" é pregnante de muitas
que é comunhão. Ora, se para a primeira continuidades com o mundo do sagrado
etapa desse processo a tradição católica tradicional e de muitas aberturas sobre o
tnsis te sobre a efetiva transformação universo da religião popular) quanto pode
substancial, quase que reificação do laço levá-lo aos confins da mumificação, da
de eficácia que une, no Sacramento, o "religião em conserva" (cf. Bastide) e da
significante e seu significado, na segunda "magia". Se a sensibilidade protestante
etapa é, como sempre, sobre a corre ao significado último e "espiritual", a

14
sensibilidade católica perambula situação nova - e um tanto paradoxal:
prazerosamente no mundo dos "signos" enquanto, no decorrer de todas as
e das "mediações" com todo o seu peso conjunturas históricas, constatamos uma
de visibilidade e de matéria (cf. os Santos, inalterável disposição do catolicismo - e
a Virgem). da Instituição que socialmente o cristaliza
- para insistir sobre a consistência, a
IV - O Sacramento do Tempo importância, a insubstiturvel "eficácia" do
significante, deparamo-nos aqui com uma
Poderramos prolongar a análise e chegar resistência, uma insistência da Igreja
com ela a conseqüências de uma maior institucional em marcar as diferenças de
atualidade; o tempo não o permite. plano, as distâncias, a não-conaturalidade,
Evoquemos somente, pois, outros nfveis dentro da totalidade do Signo, entre o
dessa afirmação de um conjunto significante e o significado. Uma lerdeza
sacramental e dessa atenção privilegiada, em assumir o que, à luz da história,
nesse conjunto, ao significante. pareceria conatural à identidade católica.
Consciência de um perigo para o equilfbrio
O tempo também é sacramento da da sfntese? Pavor de renovar a tão
eternidade. São as etapas de um desfgnio recente e finalmente dolorosa experiência
histórico de Deus, cada uma delas da "cristandade"? Laços de classe que
simbolizando a outra: o Antigo Testamento, são diffceis desatar?
o tempo do Cristo histórico, o tempo da
Igreja, o tempo do pleroma totalizante, em O problema está em aberto. Em todo caso,
Cristo, pelo Espfrito. Etapas que, cada pareceu-me importante introduzir esta
uma, não somente prepara a subseqüente variável especffica nas análises que
mas a contém, numa perspectiva quase estamos fazendo da situação de uma
hegeliana de presença e de superação. Igreja particular - a Católica - numa
São os vários "sentidos" da Escritura, que sociedade particular - a brasileira. Uma
só uma visão racionalista e moderna "identidade", sabemos, é produto social e
reduzirá ao nfvel de uma simples e vaga histórico, relativamente moldável ao sabor
"alegoria". Pois o temporal, afinal, é de estratégias polrticas. Mas, uma vez
verdadeiro "sacramento" do Reino. Não se criada, ela tem a sua consistência: não
trata de uma simples exigência de ordem determina mas condiciona a história. Da
ética, de um comportamento social instituição e do grupo social que a
decorrente das exigências do Evangelho, suportam não se pode esperar toda e
mas de autêntica sacramentalidade: é qualquer coisa; ela impõe limites à
através da construção de uma Terra prospectiva, e uma análise realista não
comunhonal (a "comunidade") que se pode ignorá-la. Não seria precisamente por
simboliza e se realiza o Reino de Deus. A esse esquecimento que algumas análises
"identidade católica" também projeta luzes sociológicas podem nos parecer
sobre a origem das "teologias do trabalho", desfocadas e longe do. "real"?
das "realidades terrestres", da
"Revolução", da "Libertação", enfim. Se há alguma verdade nas considerações
que precedem, esta variável interna à
Só que, no caso, encontramos uma Igreja Católica entra como constitutiva da

15
história que se desenrola conosco e em eficâcia em que a "realidade", ao mesmo
torno de nós, "identidade" que faz do tempo, É e Não É.
catolicismo uma religião especialmente
rica e especialmente pobre, precisamente
porque no seu cerne estâ o Sacramento (o Versão provisória apresentada no Seminário do
seu problema quando ela trata de se Grupo de Estudos do Catolicismo do /SER, em
definir), um processo de significação e de agosto de 1986.

SER CADERNOS DO I SE R CADERNOS


ERNOS DO ISER CADERNOS DO ISEJ

CADERNOS DO ISER
Onde temas especiais relacionados à religião são tratados com profundidade .
São publicados de 3 a 4 livros por ano.

Publicados em 1985:
N9 17: A Igreja em "agrante - Catolicismo e sociedade na 1mprensa brasileira,
1964- 1980, de Ralph Delta Cava.
N9 18: Umbanda e polflica, vârios autores .

Publicados em 1986:
N9 19: Os escolhidos de Deus - Pentecostais, trabalhadores e cidadania, de
Regina Novaes .
N9 20: Brasil e USA : Religião e identidade nacional, vá nos autores . (No prelo .)

CADERNOS DO ISER é uma publicação do Instituto de Estudos de Religião


(ISER).

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§
16
A política e os cristãos
(contribuição para um debate)
LUIZ ALBERTO GÓMEZ DE SOUZA
Sociólogo - Centro Joáo XX/I/

Uma ampllaçio terão de ser afastados se quisermos


e uma distlnçio realmente desenvolver práticas
participativas e democráticas. Nesse
Gostaria de participar do debate sobre sentido, a velha Idéia de compromisso, ou
este tema propondo uma ampliação de engajamento, pode ser menos
perspectivas e uma distinção entre dois simplificadora (ou menos castradora),
problemas diferentes. Em primeiro lugar, a ainda que mais importante do que discutir
1déia de polrtica - e de participação polrtica as palavras seja descobrir o que
- não se deveria reduzir ao freqUentemente se oculta debaixo delas.
politico-partidário, um dos instrumentos de
ação nesse setor, mas poderia retomar a O outro ponto, muito mais relevante, é a
conotação original de intervenção na necessidade de separar claramente dois
sociedade (pó/is) tanto para transformá-la problemas que devem ser abordados de
quanto para mantê-la em sua atual ângulos distintos: o acompanhamento
situação, de acordo com os diferentes pastoral dos cristãos comprometidos
projetos ideológicos. A participação num politicamente e a escolha de uma opção
partido é apenas uma das maneiras - e polrtica. O primeiro é eminentemente
num certo sentido a mais eficaz - de fazer eclesial e faz um apelo à responsabilidade
polrtica, mas não a única. Confesso que da comunidade de Fê; o segundo deve ser
também - como assinala Pedro Ribeiro de visto a partir dos elementos concretos da
Oliveira no debate - tenho algumas sociedade, e os cristãos não têm uma
dificuldades com a palavra militância, não posição particular, pois trata-se de um
apenas pela sua origem castrense, mas problema comum a qualquer cidadão
por considerá-la responsável por um certo membro da comunidade polrtica e que
estilo de ação que tende a reduzir as exige uma análise com as ferramentas
dimensões múltiplas da vida a apenas um próprias das ciências sociais. Vê-lo numa
de seus aspectos (os jovens são hoje perspectiva eclesiocêntrica leva a
cada vez mais rebeldes diante dessa analisá-lo com uma visão distorcida e
unidimensionalidade empobrecedora). Um redutiva. Se não fazemos esta distinção de
certo militantismo leva também a infcio, poderemos tratar de resol~:~er duas
reproduzir enquadramentos e disciplinas dificuldades bem diferentes com uma
reforçadores de hábitos autoritários que solução hfbrida, que pode instrumentalizar

17
politicamente o acompanhamento pastoral da atividade social a partir de uma reflexão
ou enfrentar o problema polftico a partir dos religiosa no interior de uma organização
muros estreitos de uma confissão eclesial. Ar iam sendo convocados a "sair"
religiosa. Correrramos o risco de fazer uma da Igreja e a ir "para fora", até o mundo. O
pastoral aprisionada ideologicamente e curioso desse itinerário é o fato de ele ser
uma polftica aberta ou veladamente de mais mental do que real. Os cristãos não
cristandade. Não podemos esquecer que podem sair para a sociedade pela simples
na história das religiões o cristianismo foi razão de que lá sempre estiveram, antes
responsável pela introdução de uma mesmo de fazer parte de um grupo
separação a partir da qual a construção do religioso, pelas suas rafzes biológicas,
Reino de Deus não se pode mais familiares e culturais 2 • Mas a sensibilidade
identificar nem com um povo nem com um e os hábitos persistem, e os que ocupam
projeto histórico particular. E, em funções dentro das instituições religiosas
contrapartida, reconheceu de uma vez por podem ter inclusive uma postura
todas, aos diferentes projetas históricos, freqüentemente contraditória: insistem num
suas lógicas e suas leis espedficas. Deus compromisso soc1al fora da Instituição e ao
e César não se confundem, como nas mesmo tempo temem que os que o fazem
teocracias tradicionais (ainda que o próprio não "voltem" para o redil. Aliás, o não
cristianismo, na história, permanentemente voltar pode indicar duas co1sas totalmente
sucumbisse à tentação teocrática). Num diversas: o abandono definitivo da prática
momento em que a secularização encontra religiosa ou apenas não continuar a
seus limites, dei xa entretanto esse legado, realizar atividades estritamente pastorais,
que nasceu nas próprias terras cristãs: a o que de modo algum poderia ser
inoportunidade dos projetos históricos caracterizado como abandono da Igreja.
cristãos 1 • Pertencer à Igreja não se identifica de
modo algum com a realização de tarefas
Temos, às vezes, uma certa dificuldade intra-eclesiais; pensá-lo assim seria o
em separar estes dois temas, devido a oposto de uma vocação missionária. "A
pelo menos duas razões. Em primeiro Igreja foi feita para o mundo e não o mundo
lugar, os agentes de pastoral (clérigos, para a Igreja", já disse faz muitos anos Pio
religioso s, religiosas ou leigos, não XI.
importa), trabalhando dentro dos muros da
instituição religiosa, tendem a olhar a A história pode ajudar
sociedade a partir do lugar eclesial e a
pensá-la fu ndamentalmente desse ângulo. Abordar juntos os dois problemas, Insisto,
Isso pode levar a uma distorção de é confundir coisas diferentes e, inclusive,
perspectivas. Todos sabemos que o lugar fazer regredir a discussão, que não é 11ova
de onde olhamos condiciona nossa própria entre nós e que pode ter tido no passado
visão das coisas. Em segundo lugar, a um tratamento talvez bem mais rigoroso.
própria biografia de muitos dos cristãos Em conseqüência, recordar fatos
que chegam a um compromisso polf'tico históricos para esclarecê-los melhor não é
reforça a tendência para confundir os dois procurar soluções arquivadas pelo tempo,
elementos. Com efeito, eles foram em situações bastante diversas, mas fazer
descobrindo muitas vezes a importância o esforço para não repetir erros já

18
cometidos e, talvez, descobnr de que 1sso se dava dentro de uma
Inesperadamente p1stas mais fecundas do mstítuição ofíc1al da IgreJa, a Ação
que se pensa. Ouvindo o debate atual, Católica. Esta, recordemos, recebia um
desce a estranha sensação de uma mandato, 1sto é, ficava no grau de
história já vívida duas décadas atrás, e "colaboração no apostolado hierárquico da
vêm juntos o cansaço da volta de velhos lgreja"3 • Entretanto, o problema principal
argumentos e o receio de que, por falta de que se colocou não foi institucional mas
memória, novamente incidamos em basicamente teórico. Logo, foi ficando mais
antigos equfvocos, sem aproveitar alguns ou menos claro que não se tratava de
avanços significativos, obtidos lenta e descobrir uma polrtica dos cristãos, mas
penosamente. Com o risco de irritar os que que os cristãos teriam de buscar sua
acreditam que a história é inserção polftíca num terreno diferente, no
permanentemente inédita, os que não trabalho em comum com outros cidadãos,
viveram certos momentos de nosso a partir de uma análise da realidade que se
passado ou os que gostariam de situaria no nfvel de toda uma "consciênciél
esquecê-los, me permito recordar alguns histórica" da época e não no horizonte
fatos que, ouso considerar, têm mais estreito das idéias de companheiros de
pontos em comum do que se pensa com uma crença religiosa. Para isso, ajudou
os problemas que estamos vivendo agora. bastante a reflexão do personalismo de
Trata-se da trajetória dos estudantes Emmanuel Mounier, que indicara que "não
cristãos entre 1960 e 1964, na Juventude se pode ser socialista porque cristão,
Universitária Católica, e da criação do assim como não se pode ser monarquista
movimento polftíco Ação Popular. porque cristão"4 •

Naquele tempo, em função de um Essa geração foi chegando ao socialismo,


amadurecimento numa atividade eclesial mas não ao socialismo cristão, nem
(dizia-se então apostólica), os cristãos tampouco ao socialismo derivado do
eram chamados a um compromisso cristianismo. Ainda que a discussão
polftico em seu sentido amplo. Num tivesse começado no âmbito de
primeiro momento, se falou na possfvel movimentos cristãos da Ação Católica,
criação de uma esquerda cristã, a partir do logo passou a ser uma caminhada em
desenho de urn "ideal histórico". O comum com pessoas de diferentes
pensamento de Jacques Maritain, que origens, analisando o processo histórico
animou as experiências democrata-cristãs das lutas populares e os contornos de um
e sua proposta de nova cristandade, era futuro projeto polrtico. Daf o surgimento da
um instrumental teórico disponfvel, e foi Ação Popular, impropriamente considerada
inclusive testado pela JUC em 1959 e por muitos analistas como um movimento
1960. Empurrava-se a opção polftica urn de esquerda cristã, mas que pretendia ser,
pouco mais para a esquerda, mas as desde o infcio, um movimento pluralista,
ferramentas de análise eram praticamente embora não se possa negar que a
1guais e com a mesma finalidade: como os biografia da maioria de seus criadores
cristãos, poderfamos descobrir juntos uma estivesse condicionada por suas origens
opção polrtica. As dificuldades não vieram cristãs. Hav1a, porém - tarefa nem sempre
apenas, como se poderia pensar, do fato fácil e nem sempre exitosa -, o esforço

19
para romper as barreiras da história pensa, e as bases de uma "espiritualidade
pessoal com a dupla ampliação das bases do engajamento". Com todas as
do movimento (sociais, saindo do mundo imprecisões inevitâveis, discutia-se então
estreito de estudantes e profissionais para a idéia da "dupla militância" (hã que
o campo popular, e na convivência de reconhecer que essa palavrinha, por
membros de diferentes origens religiosas e menos simpatias que possa merecer de
outras sem nenhuma fé). Tanto na alguns de nós, hoje, é de longa duração):
elaboração do "esboço ideológico" de como polf'ticos, num movimento pluralista,
1962 quanto no "documento de base" de como cristãos, num espaço eclesial, para
1963, dois eixos foram sendo traçados: a) um permanente trabalho de discernimento,
uma visão histórica que não aceitava que de vivência e de crescimento da Fé6.
a consciência fosse o reflexo do mundo Fique claro que, no começo, esses dois
(crf'tica a um determinismo dos espaços não apareciam assim tão claros,
condicionamentos materiais); e b) uma e a JUC, até 1961, foi também espaço de
opção por um socialismo democrãtico polf'tica estudantil. Mas, aos poucos, a
(crftica às experiências autoritârias do que separação se foi dando não apenas -
depois se chamaria o socialismo real). 1:: insisto - por tãtica ou por dificuldades
verdade que esses dois eixos, como foi institucionais, mas por convicções que se
notado em estudos crrticos, não se foram afirmando. À diferença de outros
articulavam com clareza, e tinham uma pafses, onde a democracia cristã era forte
formulação ainda hesitante. O movimento (Chile, Venezuela) e essas posições foram
teve apenas dois anos, até o golpe de alcançadas com dificuldade ou nunca se
estado, para dar os primeiros passos 5 • chegou a elas (pensemos nas esquerdas
Mas ar estava em germe a idéia de um cristãs latino-americanas ou nos cristãos
espaço polftico novo, não-confessional, para o socialismo), aqui no Brasil a
nem também reduzido aos cristãos ou superação de uma polf'tica cristã (ou de
deduzido de sua reflexão, ao mesmo cristãos) se deu mais naturalmente. Logo
tempo que a compatibilidade dessa opção depois, o corte autoritârio, interrompendo a
com uma Fé enraizada na história flufa prâtica polrtica (e uma prãtica partidâria
naturalmente. Deve-se lembrar que, nesse autõnoma do aparelho de estado), voltou a
perfodo, a AP não era um partido mas um privilegiar o espaço eclesial como lugar de
movimento, e seus membros podiam contestação polf'tica. Com a abertura,
Inscrever-se em vãrios partidos (PTB, entretanto, se foram desbloqueando os
PSB e PDC, em alguns estados). outros espaços (associativos, sindicais,
partidârios), e os cristãos, de fato, foram
Por outro lado, os movimentos de Ação voltando a viver suas experiências sociais
Católica mantinham e reforçavam sua em muitas instituições e em vârios
validade como espaços de Fé, onde se partidos. O problema hoje não é o de criar
realizava a "revisão de vida". G!Jstavo espaços comuns para que os cristãos
Gutierrez vê as primeiras origens da possam ir fazendo sua opção polf'tica (o
Teologia da libertação na JUC do Brasil que poderia ser inclusive um retrocesso
desses anos. Cotejando os textos do nas prâticas polf'ticas e eclesiais), mas de
movimento, pude descobrir uma fértil fortalecer os espaços sociais e polfticos ao
reflexão teológica, mais atual do que se nrvel de toda a sociedade civil e solidificar

20
o espaço eclesial de vivência de Fé para as práticas devem ser testadas e referidas
os cristãos comprometidos politicamente. a instrumentos de análise, às mediaç6es
teóricas, que as situem num processo
Vejamos cada um dos pontos histórico e lhes dêem inteligibilidade dentro
separadamente. de uma realidade muito complexa. Se as
práticas devem ser permanentemente
Os caminhos de revisadas e as ideologias depuradas,
uma opção polftlca também a teoria não pode cair no
dogmatismo das receitas dos manuais
A opção politica em geral - e a partidária nem nos reducionismos que empobrecem
em particular - não se deduz de prindpios o real, fechando-o em apenas uma
gerais, nem de uma ética ou de uma dimensão (econômica, psicológica, cultural
doutrina social7 , mas se constrói na ou religiosa). Hã na história do último
articulação de vários elementos. Enumero século, no bOJO das lutas populares, uma
de maneira simplificada alguns, que acumulação teórica a levar em conta nas
pareceriam estar na base de um opções politicas que se proclamam
compromisso que trata de aliar revolucionárias, e algumas vertentes do
radicalismo na transformação social com marxismo são referenciais importantes.
vocação democrática e realismo histórico. Porém, ao mesmo tempo, uma esquerda
tradicional dá sinais de cansaço e de
A primeira série dEl elementos, já referidos repetição. Nesse sentido, vivemos uma
em te xtos anteriores do debate, são as crise teórica (que é parte de uma crise
mediações necessárias, com suas lógicas mais geral da civilização atual e de seus
próprias . Uma delas é a mediação das paradigmas cientfficos). Crise não tem
práticas criadoras, que germinam na apenas uma conotação negativa, mas
sociedade. A politica não parte de zero, pode ser fecunda e estar na origem de
mas deveria enraizar-se, e ao mesmo criatividade inovadora e de novas pistas
tempo expressar - reivindicações que se de ação e de análise. Se, por um lado, ela
formulam - experiências de organização e Introduz incertezas com as quais somos
de iuta já em curso, às vezes pequenas e obrigados a conviver, também,
concretas, mas que potencialmente abrem positivamente, deixa abertas as portas
novas pistas de ação e de consciência. A para a recriação permanente de um
partir do crescimento dessas práticas, pensamento não-sectário nem fechado às
vão-se explicitando as mediações mais inesperadas contribuições. Aqueles
ideológicas, considerando ideologia não no que gostam de navegar nos rios tranqüilos
sentido negativo de falsa consciência, mas das verdades adquiridas terão dificuldades
numa definição positiva, um conjunto de para descobrir as práticas novas, e
Idéias-força que animam a ação politica. provavelmente não serão capazes de
Uma série de valores de JUstiça social, pensar livremente situações inéditas. Há
Igualdade, liberdade, participação e outros toda uma reformulação permanente da
formam uma constelação ideológica que teoria, que nem sempre agrada aos que
ao mesmo tempo brota das práticas e as vêm do mundo seguro batizado pelos
fecunda. Entretanto, para que não dogmas religiosos e que gostariam de
fiquemos ao nrvel ainda geral das Idéias, encontrar nas teorias sociais um fidefsmo

21
secular ancorado em "posições corretas". às relações com a natureza etc. Aqui, as
Uma postura teórica aberta desperta classes populares encontrariam os
também objeções em nome da eficácia. movimentos alternativos, da mulher, do
Assim, ouve-se dizer que o movimento negro, do fndio, da ecologia, da paz etc.
popular, no seu processo de lutas, Valeria o esforço para tratar de romper
necessitaria de ferramentas claras e uma visão provinciana nos dois sentidos,
simples, deixando-se as dúvidas teóricas que situa os movimentos populares nos
para o lazer de intelectuais enredados em pafses do sul do globo e os alternativos no
elucubrações abstraias. Porém .seria uma norte, descobrindo, ao contrário, sua
falta de respeito grave ao movimento existência e sua complementariedade ao
popular - considerando-o em minoria e nrvel de todas as sociedades, onde hã
relativamente incapaz - querer trazer-lhe sempre pobres e explorados e o
um arcabouço de certezas simplificadas surgimento permanente de novas formas
que, sob o pretexto de tranqüilizá-lo, o de lutas e de reivindicações .
aprisionam num marco teórico rfgido,
ultrapassado e enganador. A articulação Um terceiro elemento para uma opção
dinâmica prática-ideologia-teoria-prática polrtica, que estã ligado à complexidade do
coloca uma série de desafios nessas real e à multiplicidade de prãticas e de
mediações, Indispensáveis para conhecer sujeitos, é a superação do manique(smo,
e transformar a realidade. que divide a sociedade em bons e em
maus e faz do ato polrtico um derivado de
A segunda série de elementos se refere à uma ética bipolar e de um dever ser
busca dos sujeitos históricos capa?es de categóri co e a-histórico. O polftico estã
levar adiante as práticas, desenvolver as ligado ao possrvel, se inscreve num
Idéias-força e repensar as teorias. No processo histórico e faz apelo a
passado, muitas vezes se buscou um estratégias de médio prazo e a táticas
suJeito único messiânico que, redutor, Imediatas, às vezes em relação de
pôde levar a uma visão simplificadora e contradição dialética com as estratégias,
mesmo totalitãria (uma nação, uma raça, sem fugir também ao problema diffcil das
uma classe ou um credo religioso). As alianças inevitãveis. Do contrário, se cairia
formações sociais são complexas, e, de com facilidade no purismo infecundo dos
dentro de suas tramas de múltiplas pequenos grupos que se contentam em
dommações, emergem vários sujeitos querer ter razão e que são postos de lado
capazes de consciência e de organização por movimentos soc1a1s mais complexos.
para elaborar alterniltivas. Já se vem A grupusc11/ização das esquerdas e sua
trabalhando a noção mais aberta e plural marginação polrtica é bem conhecida, para
de classes populares, variadas, que seja necessário insistir nela. O
fragmentadas e ao mesmo tempo paradoxal é que, em nome de uma
articulando-se dentro da mobilidade social eficiência imediata que nada concede, se
do pafs . Provavelmente haveria que cai freqüentemente na ineficiência histórica
ampliar ainda mais o espectro dos sujeitos dos grupos polfticos raqurticos, que
históricos, Jâ que além das dominações ao rapidamente se estancam em baixos
nfvel das forças produtivas deveriam fndices de adesões e se esgotam então
1ncluir-se outras relativas ao sexo, à raça, como propostas alternativas.

22
Outra série de pontos a serem levados em corrigidas no processo comum da
conta para uma opção polftica renovada formulação e reformulação de uma opção
tem a ver com a construção da polftica. Este trabalho não poderia ser uma
democracia. Num pafs de longa tradição tarefa individual, mas o desafio que se põe
autoritária, e em meio a tantas diante de todos os que querem
experiências de esquerdas também inscrever-se num movimento polrtico de
autoritárias, a idéia-força de participação ambições históricas de transformação
aponta noutra direção. Para muitos, a profunda. A simples enumeração desses
democracia está contaminada pelas suas pontos parece indicar que não hã uma
origens liberais, no bojo das revoluções especificidade cristã nesses elementos,
burguesas. As lições de uma dialética mas que eles podem e devem ser
histórica pareceriam indicar, entretanto, assumidos por pessoas de diferentes
que os avanços de um perfodo deveriam horizontes religiosos ou a-religiosos.
ser assumidos e recuperados no seguinte.
Ficam como ajuda, entre nós, as reflexões Mas, então, o que significa ser cristão e o
de Marilena Chaur, Francisco Weffort e que os cristãos têm a oferecer a uma
Carlos Nelson Coutinho sobre o valor tarefa polrtica? Uma vez feita ·a distinção, é
universal da democracia8 • E isso é tanto possrvel articular Fé e polftica.
mais importante quanto essa idéia vem
sendo reapropriada por neoliberais, que O lugar eclesial na
colaboraram em diferentes momentos com sustentação do compromisso
o regime autoritário e que agora se poUtico
fantasiam de vestais de uma liberdade que
negaram e pisotearam na prática (quando O problema polftico levanta sérias
não o seguem fazendo ainda agora, mais questões na comunidade eclesial, e delas
veladamente). parte Clodovis Boff para suas reflexões
que inauguraram este debate. No 69
Essa caminhada para uma opção polftica Encontro lntereclesial de Trindade, voltou
realmente inovadora passaria, finalmente, o tema nas reflexões em grupos pequenos
por uma 'crrtica severa ao problema do e nos plenários: a Igreja incentiva o
poder, em suas várias dimensões, e talvez compromisso polftico e depois abandona o
não pudesse deixar de resgatar rarzes cristão que o assume. Esta cumpriria
libertánas que se encontram nas origens nesse caso apenas uma função de
de tantas rebeldias populares e dos catecumenato polftico, iniciando seus
dissensos que se insurgem contra as membros nesse campo, e depois se
burocracias e os autoritarismos das ma1s retiraria em nome de um apoliticismo da
diferentes orientações. Também o tema do instituição. Não haverá, entretanto, uma
partido exigiria uma crftica severa, em função permanente nesse nrvel? Por outro
suas diferentes vertentes liberais, lado, se o compromisso polftico pode
populistas ou revolucionárias 9 • substituir sem dificuldades uma adesão de
fé, que seriam ambos senão duas opções
Não há espaço para desenvolver estas e ideológicas (ou de motivação emocional),
outras linhas de preocupações que teriam que apenas servem para animar (e
de ser aprofundadas, matizadas ou JUStificar) uma atividade e dar sentido a um

23
esforço? Uns trocam religião por potencialidade transformadora do sagrado
compromisso politico, carregando para o indica os limites dessa mesma
mundo da politica uma visão religiosa secularização do mundo moderno e
tradicional (quanto dogmatismo politico não imprescindibilidade do mistério e - no caso
nasce daO). Para outros, sua crença dos cristãos - da Fé em Jesus Cristo.
religiosa não resiste a um novo Visto de outro ângulo, um processo de
entusiasmo em outra ordem de depuração e de autonomia do histórico, em
convicções. Isso nos encaminha ao ponto lugar de esvaziar o sagrado, pelo
central de perguntar o que realmente contrário, o reforça em sua posição
constitui a Fé, sua irredutibilidade e sua radicai1 1 •
fecundidade. Para não alongar mais este
texto, me contento em indicar pistas e Freqüentemente, o religioso foi usado
referir-me a trabalhos que precisam melhor como instrumento motivador de outras
este tema. atividades (e começamos a ficar cansados
de instrumentalização). A razão
É significativo que a reflexão de Jon instrumental cria facilmente seus fetiches.
Sobrino em El Salvador, partindo do Marx estudou um deles ao nrvel do modo
sofrimento e da luta de libertação concreta de produção, o da mercadoria, mas podem
e quotidiana de seu povo, e os dois últimos ser muitos outros (a nação, a religião, a
livros de Gustavo Gutierrez tenham como classe, o partido) em diferentes dimensões
eixos centrais a espiritualidade e os da realidade. Na medida em que esses
caminhos da contemplação10 • As rdolos forem sendo negados, a produção
meditações de Thomas Merton em seu de bens, as relações sociais, a
mosteiro trapense alimentaram a organização da sociedade, os horizontes
caminhada comprometida posterior de utópicos que dão sentido à história
Ernesto Cardenal na Nicarágua. O readquirem suas virtualidades humanas
compromisso com a justiça e a opção libertadoras. E um dos espaços para
pelos pobres, que irromperam na Igreja desocultar os fdolos é o sagrado (que, não
latino-americana, não foram deduções esqueçamos, também pode tornar-se um
analrticas que flufram naturalmente de uma rdolo a mais no cenário das alienações),
análise da realidade, com o que desde que colocado no plano último onde
dificilmente ocultariam um caráter tempo e eternidade se encontram, na
ideológico (uma ideologia cristã tensão e na geração mesma da vida.
progressista), mas encontram suas rafzes
reais nas exigências inevitáveis do Frei Betto, no debate sobre este tema,
seguimento de Jesus e nos preceitos insistia na necessidade da formação
inexoráveis da Caridade. teologal (não de cultura teológica, ao nfvel
da ilustração). A Fé rasga os horizontes da
Se o processo de secularização fez história, a Esperança ilumina seus
descobrir a consistência própria dos caminhos, e a Caridade a torna fecunda.
processos históricos e com isso ajudou a
afastar a tentação de ver o religioso com0 . A IgreJa tem de abrir um espaço para o
a base Ideológica do politico, agora, num acompanhamento pastoral de seus
tempo de profunda crise de civilização, a membros comprometidos nos mais

24
diferentes engajamentos, não para ajudado muito a pensar estes temas: "Esta
indicar-lhes receitas, que a própria é minha profissão de fé,' debaixo da forma
dinâmica do engajamento poll'tico terá de da esperança. Quem ainda se declara
discutir, mas para iluminá-los em suas ateu, ou marxista, ou laico e necessita de
próprias bases existenciais. A partir da Fé, um cristão para completar a série de
qualquer atividade ao mesmo tempo é repres entantes no palco da cultura [ou na
relativizada e adquire a maior relevância. galeria das opções poll'ticas, poderia
Dito talvez de maneira mais rigorosa, acrescentar à frase do autor], não me
adquire importância porque relativizada. procure. Sou apenas um homem" 13 •
Tem de ser realmente levada a sério,
porque não é mais um fetiche enganador e Mas, por outro lado, na frieza do mundo
redutor. E, neste momento, poderramos moderno e diante de um grande terremoto
desenvolver todo o tema da gratuidade, social que sacode todas as certezas e
que, liberada do utilitário imediato, adquire abre os caminhos para o surgimento de
uma fecundidade quase sem limites. coisas novas e inéditas, as dimensões do
sagrado em geral e da Fé em particular
E ar está o espaço da celebração pareceriam ser bússolas fundamentais, a
eucarrstica, da oração, da leitura da Blblia, apontar na direção última da vida que
da contemplação, da vivência da vence a morte e que torna tudo o que
comunidade de Fé. Este é o desafio para fazemos, do mais pequeno às
um cristão comprometido no polrtico: não transformações mais ambiciosas da
tem de procurar que a Igreja complemente sociedade, consistente e carregado de
ou ponha remendos em sua formação energia criadora. Saberá a comunidade
polrtica. Isso pode ser satisfeito bem eclesial responder a esta exigência? O
melhor numa organização politica cristão imerso nas atividades polrticas
realmente criadora. Entretanto, ele deve deveria receber da comunidade eclesial
encontrar razão de ser, força e iluminação apoio radical indispensável, tanto mais
nessa dimensão do sagrado que relativiza exigente quanto maior seu compromisso
e reforça toda a sua nação. Abre-se um em transformar a terra. E esse
desafio enorme para a teologia pastoral (e compromisso, sem confundir-se, seria
ar nossa teologia da libertação), a liturgia sinal e se ligaria, no testamento desses
e a espiritualidade. No polrtico, o cristão é cristãos, à antecipação do Reino de Deus.
igual aos outros homens. A "Carta a
Diogneto", do século IV, indicava
claramente: "Os cristãos não se NOTAS
distinguem dos outros homens". Mas mais 1
.0 pe. Henrique C. de Lima Vaz analisa a
adiante trazia uma idéia misteriosa: " •.. o
contribuiçáo do cristianismo na dissociaçáo entre o
que a alma é para o corpo, os cristãos são sacra/ e o politico em seu editorial "Fim de
para o mundo"12 • mil~nio", no último número da revista srntese, nP
37, vol. XIV, maio-agosto de 1986. Em antigo
Retornando ao infcio, para o compromisso trabalho de 1966, "Os cristáos e as instituiç6es
sociais", insisti sobre a importAncia de separar
social não é preciso vestir a camiseta de Deus e César, o que jd era absolutamente
um credo religioso. Repito uma citação de essencial, na Idade Média, para o poeta-teólogo
Ernesto Balducci, num livro que me tem Dante, mas visto com desconfiança por Rousseau.

25
Para os antigos, a identificação era fruto da transcrito em Herbert J. de Souza e L. A. Gómez de
sabedoria. Assim escreveu Cfcero: "Nunca nossos Souza, orgs., Cristianismo hoje, Rio de Janeiro,
antepassados foram mais sábios nem mais bem Edição Universitária, 1963.
inspirados do que quando decidiram que as
mesmas pessoas presidiriam a religião e 5 A evolução posterior do mov1mento, at~
governariam a República. "O cristianismo transformar-se num rfgido partido marxista-leninista
subverteu e negou essa identidade (ver cap. VIII, sem originalidade, mereceria um estudo
L. A. Gómez de Souza, Classes populares e cuidadoso, indicando os condicionamentos
Igreja nos caminhos da história, Petrópolis, externos impostos pela clandestinidade, assim
Vozes, 1982). como outros, de ordem interna, com as influências
de Althusser e do maofsmo. Valeria fazer um dia o
2 estudo da AP, que seria um pouco "uma patologia
Acontece algo semelhante ao que se passou com
aquele piloto da Ortodoxia de Chesterton, que do polflico", ou, em linguagem mais irreverente,
saiu a descobrir novos mundos e arribou numa "de como um movimento politico endoidou". Muita
terra aparentemente desconhecida, que logo coisa nessa narrativa teria uma surpreendente
percebeu que era o velho solo onde nascera e de atualidade para ferrenhos militantes de hoje. Mas
onde nunca precisaria ter safdo. Tratei dessa isso 11 outra história ...
relação num pequeno trabalho, O cristao e o
6
mundo, Petrópolis, Vozes, 1966. Ver L.A. Gómez de Souza, A JUC: os
estudantes católicos e a politica, Petrópolis,
3 Vozes, 1984.
Pio XI, ao criar a Ação Católica, falava em
participação dos leigos no apostolado
7Esse dedutivismo 11 claro no pensamento
hierárquico. A id~ia mais cuidadosa de
colaboração se imporia com Pio XII, pois assustava democrata-cristão, que pretende derivar sua
menos aqueles que temiam a intromissão dos ideologia da chamada doutrina social da Igreja e
não-cl~rigos na esfera fechada do poder acaba instrumentalizando a F~. a serviço de uma
episcopal. Ampliar a participação no poder, ou polflica determinada. Em trabalho recente (ver nota
diluf-lo, ~sempre uma dificuldade em qualquer 11), citei um artigo do padre Roger Vekemans, na
instituição. A Igreja, fortemente hierarquizada, não revista chilena Mensaje, em 1962, que da F~
~ exceção. Ao redigir o alua/ Código de Direito desce à ~fica, daf à doutrina, à ideologia e à
Can6nico, na parte referente aos leigos (Cãnon polflica, para deixar implfcita a adesão à
129), a palavra participação, da proposta inicial, foi candidatura de Eduardo Frei para a presidência do
tamb~m substitufda por outra, menos ameaçadora pafs. Outros textos, de maneira mais sofisticada,
de cooperação. · recaem na mesma simplificação. A Evangelii
Nuntiand~ de Paulo VI (1975), traz as pistas para
4
Ver E. Mounier, Feu la Chrétient~ livro de 1950, romper essa lógica linear e buscar as respostas
publicado depois no vai. III das Obras completas, aos problemas da presença da Igreja nas
Paris, Seuil. Como se vai descobrindo, o especificidades de cada situação, sem perder a
pensamento de Mounier ~ ainda bastante atua/ dimensão de universalidade.
para repensar estes temas. Isso ficou claro em
recente encontro internacional, A Caminhada da 8 Ver Ma ri lena Chauf, Cultura e democracia, São
América Latina rumo à democracia e à Paulo, Ed. Moderna, 1980; Carlos N. Coutinho, A
libertação (contribuições do pensamento e do democracia como valor universa~ São Paulo,
testemunho de T. de Chardin, E. Mounier e Ed. Ciências Humanas, 1980; Francisco Weffort,
L.J. Lebret~ São Paulo, 14-16 de agosto de Por que democracia?, São Paulo, Ed.
1986. No começo dos anos 60, para a geração da Brasiliense, 1984.
JUC, os textos e as palestras do Pe. Henrique C.
de Lima Vaz foram decisivos para a reflexão sobre 9 Tratei parcialmente do tema em "Partido e classe
o tema em questão. Ver, do autor, Cristianismo e social: o debate Lênin-Rosa Luxemburgo", cap. V,
consciência histórica, impresso em São Paulo in Classes populares e Igreja ... , op. cit. Ver a
(si. Editora), 1963. Do mesmo autor, o artigo contribuição polêmica e bem documentada de
"Jovens çristãos em luta por uma história sem Oscar de/ Barco, Esbozo de una critica a la
servid6es", publicado no jornal O Metropolitano, teor(a y practica Ieninistas, Ml1xico, Univ.
da União Metropolitana de Estudantes do Rio, e Autónoma de Puebla, 1980.

26
10
Ver, de Gustavo Gutierrez, Beber no próprio novembro de 1983 (359-65). O penetrante livro de
poço, trad. bras., Petrópolis, Vozes, 1984; G. Marcel Gauche~ le désenchentement du
Gutierrez, Hablar de Dios desde el sufrimiento monde (une histoire politique de la religion),
dei inocente (una reflexión sobre ellibro de Paris, Gal/imard, 1985, desafia e faz pensar, ainda
Job), Lima, CEP, 1986. Os estudos bfblicos de que possamos discordar de seus argumentos
Carlos Mesters, táo difundidos nas CEBs de todo o centrais. Ao contrário do que disse Max Weber, o
Brasil, sáo um material extraordin;Jrio para mundo parece seguir "encantado" e imerso nas
alimentar uma reflexáo e uma viv~ncia da palavra suas "brumas de Avalon". Aliás, valeria pesquisar
de Deus. as v;Jrias razões do sucesso do extenso livro de
Marion Z. Bradley sobre este último tema (The
11
Desenvolvo viJrias destas idéias em mists of Avalon, traduzido em portugu~s em
"Secularização em declfnio e potencialidade quatro volumes, Imago Editora, 1985).
transformadora do Sagrado (Re/igiáo e
12
movimentos sociais na emerg~ncia do homem Ver O cristão e o mundo, op. cit.
planelllrio)", comunicaçáo ao XVI Congresso
13
Latino-Americano de Sociologia, Rio de Janeiro, Ernesto Balducci, L'uomo planetário, Brescia
2-7 de março de 1986, transcrito na Revista (lllllia), Camunia, 1985, parágrafo final. Este livro
Eclesiástica Brasileira, vol. 46, fase. 182, julho mereceria uma traduçáo para o portugu~s. como
de 1986, e na revista Sfntese, n9 37, vol. XIV, fecundo antfdoto ao neo-integrismo que brota por
maio-agosto de 1986. Para o tema da af em movimentos como Opus Dei ou "Comunháo
secularizaçáo, ver Paul Valadier, "La e Libertaçáo".
sécularisation en question", revista Études, Paris,

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27
Circumdata varietate
HENRI DE LUBAC
Teólogo

Torna-se indispensável um grande esforço ver com nossas pretensões mesquinhas.


de compreensão quando se trata de traços Embaixatriz da Caridade, ela não professa
de civilização cujo principal erro talvez nenhum imperialismo cultural. Qualquer
seja o de por vezes nos confundir. A que seja a fusão que se opere hoje em dia
história das missões nos oferece bons na face da Terra, ela sabe que as
exemplos, cujas lições ainda não estão civilizações, originais como as pessoas,
esgotadas. Mas que diferença, sob esse · são irremediavelmente diversas3 •
aspecto, entre o nosso grande século
clássico e o século passado! Este, que foi Todos os pafses podem, um após o outro,
a época da expansão da Europa, foi equipar-se à maneira européia. Os
também e_ quase sempre um século de procedimentos da grande indústria, como
cegueira bárbara, e nunca foi tão corrente as formas polrticas do Ocidente, podem
como então, entre nós, esse "preconceito expandir-se por toda parte. Essa
geral de que o sol clareia o Ocidente com aparente unificação não impedirá que
todo o seu esplendor, e não deixa cair subsistam alguns grandes tipos de
sobre o resto do Universo senão a obra de experiência espiritual, no sentido mais
seus raios" 1 • Os que fundaram nossa amplo da palavra, logicamente
civilização cientrfica não incorriam no erro inconciliáveis: portanto, é a missão da
arrogante daqueles que colheram os seus Igreja depurar e vivificar cada um deles,
frutos. Podemos agora nos penitenciar, aprofundá-los e fazê-los realizarem-se 4 ,
pelo modo como a soberba de nossas pela revelação sobrenatural da qual ela é
máquinas e de nossas armas nos tornou depositária. Missão universal per
injustos para com os outros povos, como a excelência, à qual a Igreja não poderia
estreiteza de uma educação que pretendia renunciar para colocar-se ao serviço
nos dar a única cultura humana nos exclusivo de uma ou de outra forma de
impediu a compreensão das belezas que o civilização 5 .
homem criou sob outros céus 2 • Mas a
Igreja, que não é maculada pelas nossas Para ela, não se trata somente de uma
faltas, tambérTJ não é diminufda pelos questão de justiça. Porque - além do fato
nossos limites, nem empedernida pelos de que nenhum triunfo humano tenhé\
nossos preconceitos. Sua ambição de recebido promessas de eternidade - para
abranger toda a famnia humana nada tem a a valorização do tesouro divino do qual é

28
depositãria, ela sabe que todas as raças, matizadas 12 • "Elo de concórdia
todos os séculos, todos os centros de indissolúvel e de perfeita coesão" 13 , ela
cultura têm uma contribuição a dar: ex toto quer enlaçar um feixe abundante e forte.
mundo totus mundus eligitur (o mundo Ela sabe que a multiplicidade dos
inteiro escolhe através de todo o mundo) 6 • costumes que consagra "confirma a
Espécie de casa do tesouro, "onde se unidade de sua fé" 1 4, que essa
distribuem coisas antigas e novas, onde catolicidade visrvel é a expressão normal
se funde, para refinã-lo, o ouro de novos de sua riqueza interior, e que sua beleza
tributãrios"7 • Atenta às harmonias resplandece na variedade: circumdata
providenciais que, em seus primeiros varietate 15 .
desenvolvimentos, lhe prepararam os
recursos da Grécia e de Roma, tendo Ela é a Igreja Católica: nem latina, nem
consciência de que nesse encontro grega, mas universaP 6 • Herdeira da
alguma coisa de definitivo aconteceu , ela catho/ica bonitas (bondade católica) do
não compartilha da ilusão de alguns de próprio Deus, ela diz sempre, como no
seu s fiéis para os quais a tarefa já está tempo de Santo Agostinho: "Ego in
hoje cumprida; mas se o milagre do omnibus linguis sum; mea est graeca, mea
passado deve prosseguir, ela acredita, est syra, mea est hebraea, mea est
para novos desenvolvimentos, em novas omnium gentium, quia in unitate sum
harmonias providenciais 8 • Nas horas de · omnium gentium·· 17 • Nada de
brutal conflito, ela espera ainda, mesmo verdadeiramente humano, de onde quer
que pelo mais humilde de seus membros, que venha, lhe deve ser estranho. "O
e no silêncio da oração e do estudo a patrimônio de todos os povos é seu dote
assimilação se prepara. A história de inalienãvel." Ponto de encontro dos
alguns irmãos pregadores seduzindo desejos do homem e dos desejos de
Aristóteles (quando a alguns parecia Deus, ela quer, ao ensinar sempre ao
estarem sendo por ele seduzidos) não é homem o seu dever, satisfazer ao mesmo
um caso único. Além do mais, o passado tempo, e ainda mais, as aspirações de
da Igreja lhe traz ainda uma outra todas as almas e de todos os tempos.
experiência, e ela guarda uma lembrança Recolher tudo, para tudo salvar e
muito dolorosa das perdas pelas quais santificar 18 • "Quem quer que sejas, diz a
foram saldados os grandes cismas para Capela à Campina, não hã em ti nada de
não desejar contribuições compensadoras. tão excepcional que te impeça de aceitar
E por que desejaria ela trocar a flexrvel e minha ajuda." Com mais razão ainda, nada
forte unidade de sua estrutura por uma hã de excepcional que o catolicismo não
morna uniformidade? E por que quereria esteja pronto a reivindicar para si. Ver no
ela "impor ao sol nascente as cores do catolicismo uma religião entre as outras,
poente" 9 ? Arca única da salvação, ela uma disciplina entre as outras, ou mesmo
deve abrigar em sua vasta nave todas as acrescentar que ele é a única religião
diversidades humanas 10 • Sala única do verdadeira, a única disciplina eficaz, é
Banquete, as iguarias que ela serve são enganar-se quanto à sua essência, ou pelo
buscadas em toda a criação 11 • Túnica menos não se aprofundar. O catolicismo é
inconsútil do Cristo, ela é também - e é a a Religião. Ele é a forma da qual a
mesma - a túnica de José, de cores humanidade se deve revestir para ser

29
finalmente ela mesma. Única realidade que
Jésultes" et "I' Esprlt de M. Arnauld ", 1687,
não precisa se opor para ser, ele é prefi4cio.
entretanto o oposto de uma "sociedade
fechada". Eterno e seguro de si mesmo ... " Fui eu que propus a Algéria ou a civilizaçáo
como seu Fundador, a própria conquistadora para prêmio de poesia (na
Academia Francesa). Essa desforra da civi/izaçáo
intransigência de seus prindpios, que expulsa por toda a parte o bárbaro me parece
impedindo-o sempre de emaranhar-se em ser, para a história, o traço caracterfstico de nosso
meio a valores peredveis, lhe assegura século. Sem o saberem, ou conscientemente, os
uma flexibilidade infinitamente povos de raça européia avançam contra o que
compreensiva, ao contrário do resta dos Bárbaros, o Americano expulsa os
Seminoles, o Russo os Circassianos, o Inglês os
exclusivismo e da rigidez que Chineses, o Fra ncês os Árabes e os Mouros ... "
caracterizam o esprrito sectário, Omnis
gens secundum suam patriam in Ecc/esia 3Ensaio para caracterizar as linhas mestras em J.

psallit Auctori19 • A Igreja está em casa em Monchanin, "Santé, Sagesse, Sainteté", ln;
toda parte, e cada um deve sentir-se em Médeclne et i:ducatlon, p.2 14-7. Do mesmo
autor: L 'fnde et la contemplation, em Dleu Vivant,
casa na Igreja. Assim o Cristo 3; L'Hindouisme, Bulletin des Facultés
ressuscitado, quando se manife sta a seus catholiques de L yon, dezembro 1946; fslam e/
amigós, toma o rosto de todas as raças, e Christianisme, Bulletin des Mlssions, 1938,
p. 1(J..23; fsfam, ln: En Terre d' lslam, 1938,
cada um o compreende em sua 1rngua.
p. 107- 123.

4
Cf. JÉRÓME, ln Zac harlam: "Então o Sol da
Notas Justiça iluminará os cachos suspensos." (P.L. 25,
14 71 B.)
rKo, s.j., Essai sur l' antiquité des Chinois, em
5 AGOSTINHO, De Civitate Dei, I. 19, c. 17: "Pois a
Mémoires concernant les Chinois, t,f, 1776,
p.149-51. cidade celeste, enquanto viaja pela terra, chama
os cidadáos de todas as raças e congrega os
2 Comparar, por exemplo, as duas cartas estrangeiros de todas as lfnguas, não se
seguintes. Uma, de Michef /e Teffier, s.j. , foi escrita importando com que sejam diferentes pelos
no final de nosso grande século clássico; a outra, costumes, leis ou instituições que já tenham
de A/fred de Vigny, é datada de 30 de junho de alcançado ou que ainda procurem a paz terrena;
184 7: "Como? Se tantos sábios acreditam que se nada excluindo ou destruindo entre eles; e também
trata de pesquisas dignas de sua aplicação, como seguindo e servindo em profundidade: porque se é
por exemplo examinar a origem de Rómulo, ou a válida a diferença entre diferentes povos, tudo est/4
ida de Enéias para a ft/4/ia, ou as Dinastias dos entretanto dirigido à mesma e única finaftdade de
Egfpctos. ou os costumes de Esparta e de Atenas. paz terrena. e ""' u neus uno. <;upremo e
e mil anttgwdades dessa natureza, que não verdadetm P honrado. não tmpede a reltqtão
servem para nada a lém de encher o espfrito de rP 1 4 r. 6461
, ·onhectmentos secos e estérets: vamos nós
c~credita r que seja uma coisa indigna de sua "PROSPER. Pro Augustino res pon s. ad . Gall. .
cunosidade. o querer conhecer o gênio e os sente ntia su per 8 (P L 5 r. r 72)
costumes de uma nação tão famosa como a dos
··hmeses, CUJO Império, o mais antigo que j/4 se ' NEWMAN, Essays, l. r. p.233.
tenha conhectdo, ultrapassa tanto pela
8
magmficência quanto pela multidão de seus Ver DE SOLAGES, Bruno, em Revue
súditos o dos antigos Romanos?" Défense des apologetique, Junho de 1928; e A/fred de Saras.
nouveaux c hrétiens et des misslonaires de la Réponse à l' enquête sur l' humanlsme, em F.
Chine, du Japon et des lndes, contre deux Charmot, L 'Humanisme et I'Humain, 1934,
livres intitulés " La mo rale pratique des p.336-8.

30
9
BLONDEL, M. ltinéraire philosophique, p. 277. Ver também a Encfclica Allataesunt de Bento XIV,
de 25 de julho de 1755, onde é logicamente citada
10AGOSTINHO, Contra Faustum, I. 12, c. 14 (P.L.
toda uma série de documentos e de fatos
42, 262). anteriores, testemunhando a atitude da Igreja
Romana em relação aos diferentes ritos. A Sé
"AGOSTINHO, ln psalm, 103. s.3, n.2(P.L. 37, apostólica, conclui o Papa, deseja ardentemente
1358). PROSPER, ln psalm. 103 (51, 291). De " ... não que todos pareçam latinos, mas que todos
vocatione omnium gentium, 1.2, c. 14 (51, sejam católicos. " Bullarium, t. 3, Pra ti, 1846,
698-700). Cf. RUPERT, De divinis officlis, I. 10, p.249-272.
c. 17, sobre a efusão do Espfrito no Pentecostes:
"Novo sinal: significa pois que a Igreja de Deus, 11
AGOSTINHO, ln psalm, 147, n. 19 (P.L. 37,
até então só conhecida na Judéia, falaria, a partir 1929); ln psalm, 44, n.24: "Como é a veste da
de então, a lfngua de todos os povos. " (P.L. 170, Rainha? fE preciosa e variada: as pregaç6es da
281 ). AVIT, S., ex homil. Libro fr. 7 (Opera, 1883, doutrina em todas as tfnguas. Ora na lfngua
p. 113). PSEUDO-AGOSTINHO, s. 101, n.2 (P.L. africana; de outro lado na sfria, na grega, na
39, 1940). JÉROME, ln !saiam, liga os dois hebraica, e mais e mais e mais... Na veste está a
sfmbolos da visão de Pedro em Jopé e da arca de variedade, não a divisão; se há diversidade de
Noé (P.L. 24, 148-49). lfnguas, um só ouro é revelado: não um ouro
diferente, mas uma variedade do ouro. " (36, 509.)
12
D'EL VIRE, Grégoire, tract 5 (8. -W., p. 48-49).
1
Cf. Gen., XXXVII e I Petr. IV, 10, RABAN MAUR, BCLEMENTE DE ALEXANDRIA, Protreptique,
De Universo. 1.21, c. 15 (P.L. 111, 570-1). c. 11 : "Todos os outros pensamentos dos homens
sáo mesquinhos e fragmentados, só a doutrina
13
CYPRIEN, De cath . Eccl. unitate, c. 7 (H., cristã é 'católica'" {SI., I. 1, p. 79). A verdade, diz
p.216). ainda Clemente, é dilaceradà pelas seitas pagãs
como Dionfsio pelos Titás: o Logos vem dar vida e
14
Cf. IRÉNÉE, in EUSÉBE, H.E., 1.5, c.24, n. 13 esplendor a esses fragmentos esparsos e
(Grapin, 1.2, p. 129). desfigurados, retomando-os em sua unidade. Da
mesma forma, JUSTINO, Apologie, c.10, n. 1-3
15 (PAUTIGNY, p. 160).
BENTO XV, alocução no Consistório de 10 de
março de I 919: " Não somente (nossos antigos
19 RABAN MAUR, De Universo, 1.22, c.3 (P.L. III,
legisladores) conservaram as instituiç6es e os
costumes dos orientais separadamente dos latinos, 598). JÉROME, ln !saiam: "Toda a espécie louva
mas também os seus ritos, nobres e brilhantes, o Mestre, conforme sua pátria. Porém aos poucos
conservaram incorruptfvel e inteiramente, para que a voz de todos os povos bárbaros... proclama
com efeito a Esposa de Cristo, em sua veste Deus através da Igreja de Cristo." (24, 449 D.)
dourada, rodeada pela variedade, melhor ainda
ostentasse sua beleza. "(A. A. S., 19 I 9, p. 98). Traduçáo do francés e do latim: Carmem Viveiros
FULBER1' DE CHARTRES (Epist. 3): "Entretanto de Castro Cavalcanti.
não nos ofende a diversidade de culto, se a . Circumdata varietate é um trecho do capftulo IX
•m1dadP da I~ não é quebrada. Pois se em mwtas ("Catolicismo") do livro Cathollcisme. Les
r.o1sas dlfer& a Igreja em Roma, na Gréc1a, na aspects sociaux du dogme, de Henn de Lubac,
F:.;panha, na Gália. Eleva-se a Igreja Ramha, ã Pans. Les Édit1ons du CERF, I 983.
d1re1ta rle seu Re1. com uma veste dourada,
.7ercarla pela vanedade "(P.L 141, 192 D. )

16
BEN TO XV, Motu proprio de f Y de maiO de
19 t 7, mstituindo a Sagrada Congregação para a
Igreja oriental: ". de qualquer modo, que fique
claro que a Igreja de Cristo não deve ser latina,
nem grega, nem eslava, mas católica." A. A S.
191 7, p.530. Cf. I'Encyclique sur saint Ephrem
de 5 de outubro de I 920 (ibid.. 1920, p. 466).
Apocal .. VIl, 9

31
O conflito
na diocese de Campos
ZELIA SEIBLITZ
Mestre em Antropologia - Museu Nacional

Com a intenção de compreender a 1. O que foi noticiado


problemâtica da unidade/diversidade no
seio da Igreja Católica, vimos realizando Assumindo o bispado em 15 de novembro
uma investigação de carâter de 1981, D. Carlos Alberto Navarro (N AV)
antropológico* onde a Diocese de Campos postou-se em termos de conhecer a
{DC) foi escolhida como /ocus da realidade sobre a qual se
observação. Ali, a presença de um conflito responsabilizaria, de tal forma que lhe
na hierarquia transformou aquele universo fosse possfvel projetar e atualizar sua
num espaço privilegiado para o estudo dos p::~storal. Deslocou inicialmente apenas o
mecanismos, recursos e estratégias Chanceler da Cúria, Mons. Henrique
utilizados pelo clero no sentido de Fischer, seguindo o lema de "ver, julgar,
consolidar uma determinada definição do agir", elaborando posteriormente o 1º
que é Igreja, do que é ser católico e como Plano Pastoral (1984), um 2'2 Plano
sê-lo. Pastoral em 1985 e finalmente um 3º ,
agora bienal, para 86 e 87.
Dado a complexidade do tema e a fase em
que se encontra a pesquisa - apenas com Partindo para o reconhecimento do seu
o campo exploratório encerrado - , território, NA V deparou-se com os
alertamos que as notas que seguem primeiros percalços de seu pastoreio:
possuem o estatuto de reflexão preliminar, aclamado por uns, acotovelado por outros;
cujo objetivo é melhor explicitar as saudado aqui, repudiado acolâ, tudo em
questões que ora se nos colocam, bem nome de introduzir inovações que a Igreja
como algumas hipóteses provisórias que jâ vinha adotando em outras paragens,
estamos elaborando. mas das quais o ex-bispo, D. Antonio de
Castro Mayer (DAC), vinha resguardando
O assunto é tratado em cinco tópicos: um zelosamP.nte a DC.
pequeno histórico do processo, suas
caracterfsticas bâsicas, a argumentação A 1~ missa rezada na Catedral de S.
de uma das partes, a identidade dos Salvador, em Campos, foi palco dos
litigantes e, finalmente, algumas hipóteses primeiros incidentes: grupos de fiéis
que orientarão a continuidade do trabalho. afinados com as posições costumeiras do
ex-bispo conclamavam o povo a não

32
permitir a profanação do templo com a paróquia de Ca111buci, nega-se,a
presença de mulheres indecorosamente concelebrar com o bispo a missa da
vestidas, ou seja, com trajes masculinos primeira visita, consolidando a idéia de que
ou roupas decotadas e sem mangas, os atritos entre os dois grupos derivam da
consideradas impróprias à casa de Deus. preferência de usar o modelo tridentino ou
Ainda no final deste ano, quando NAV o modelo de Paulo VI para realizar o ritual
inicia as viagens pelas paróquias da da missa, ou seja: um modo tradicional ou
diocese, ê recebido em ltaperuna com um modo moderno de celebrar a
faixas e tumulto como represália ao que eucaristia.
alguns chamavam de heretização da
Igreja. Ao mesmo tempo explodem as
manifestações dos "tradicionalistas": um
Quem são os autores destas açOes? De abaixo-assinado de 23 padres solidários
onde partem as provocações que exigem com o pároco de ltaperuna, missa protesto
do bispo uma atitude explfcita de cobrar em Bom Jesus do ltabapoana,
dos párocos, responsáveis diretos pelo manifestações de desagravo na Igreja do
rebanho do Senhor, uma definição de suas Terço, em Campos, a construção de uma
posições? O vulgo remete aos beatos, Igreja no Distrito de Barcelos, munlcrplo de
componentes das irmandades que S. João da Barra.
acompanham o exército de apoio de DAC,
devidamente assessorados por membros Em março o bispo inicia as substituições
invisfveis da TFP. dos chamados tradicionalistas,
exonerando o reitor do Seminário Maior
Gradativamente configura-se a divisão: de Maria Imaculada, fundado por DAC, assim
um lado, o ex-bispo, 25 padres que lhe como o diretor espiritual do mesmo e os
darão apoio, parte dos fiéis, principalmente responsáveis pelo ensino religioso,
mP.mbros da Congregação Mariana, da Pia respectivamente Mons. Udnio Rangel, Pe.
União das Filhas de Maria; do outro, o Emmanuel Possidente, Pe. Fernando Rifan
novo bispo, alguns párocos, parte dos e Pe. José Onofre Martins Abreu. O
fiéis. Definidos esquematicamente os Seminário é fechado, sob a alegação que
Inimigos, inicia-se a luta, no transcorrer da havia mais professores que alunos, e
qual as divergências vão sendo posteriormente sendo assumido que se
assinaladas e algumas medidas adotadas tratava de um lugar de formação de
vão impedir mudanças de posição. tradicionalistas.

O infcio de 82 é marcado pelas primeiras Em junho deu-se a atribulada eleição para


advertências do bispo aos párocos para a diretoria da Pia União das Filhas de
que aceitem a autoridade do Concnio Maria, momento em que as medidas do
Vaticano 11 e do Papa. O clima é toldado bispo começam a atingir dlretamente os
pela citação da Mitra pela Justiça Civil, em leigos e que levanta a opinião pCibllca
função de negócios de terra duvidosos, através dos debates que se Iniciam nos
ocorridos anteriormente no municfpio de Sl. jornais. A TFP, cautelosa, não põe seus
Fidélis. Um dos párocos locais, em estandartes na rua, mas declara
companhia do responsável pela vizinha publicamente seu apoio à corrente que

33
cerceia a marcha do chamado liberalismo cinco se situam na sede municipal e as
católico, primeiro passo, segundo os oito restantes se espalham por diferentes
tradicionalistas, para se chegar ao distritos. Embora, daquelas cinco, só uma
comunismo. seja dirigida por um tradicionalista
(Fernando Rifan), outras igrejas, de
Em agosto NA V emite decreto exortando propriedade de associações leigas
os padres "tradicionalistas" à obediência, públicas e privadas, são orientadas por
dando-lhes um prazo de 30 dias, após os tradicionalistas, como a da Ordem 3~ do
quais, tachando-os de subversivos, Carmo e a de N.S~ do Terço.
prorroga o prazo por mais 30 dias, quando
iniciará então as medidas punitivas. 1983 vai ser o ano em que a luta chega às
ruas: as medidas do bispo já são
Em outubro, frente ao questionamento ou nomeadas por alguns de "sórdida
imobilismo dos seus opositores, avisa que perseguição". Na ausência de novidades,
agirá "com prudência e bondade", os jornais locais publicam cartas dos ·
anunciando o afastamento de sete defensores de ambos os lados. O Núncio
envolvidos, sob a alegação que os Apostólico vai a Campos, NA V vem ao Rio
mesmos não são incardinados na DC. São confabular com o Arcebispo e vai também
eles: Geraldo Gualandi (ltaperuna), José ao Vaticano, de onde alguns supõem que
Ronaldo Menezes (pároco-cooperador em trará resoluções definitivas - o que não
Bom Jesus do ltabapoana), José Olavo acontece. Fala-se das nunca provadas -
Trindade (Miracema), Edmundo Delgado embora possrveis - ameaças anônimas de
(Cambuci), Mons. Fischer, Mons. morte feitas ao bispo, que, em março,
Francisco Apoliano (pároco em Bom Jesus sofre um enfarte que o retira,
do ltabapoana) e José Maria Colaço temporariamente, da liça.
(Porciúncula). Anuncia ainda que quatro
monsenhores (Ovrdio Simon, de S. Fidélis; Reassumindo o posto no segundo
Apoliano, Fischer e Benigno) terão seus semestre, o bispo prossegue o processo
usos de ordem suspensos em 31 de de substituições, dificultado pelo pequeno
dezembro do mesmo ano (1982). Nesse número de padres disponrveis. Párocos
último mês, a paróquia de S. Antonio de são indicados provisoriamente, ou
Pádua entra no circuito, por estar apoiando assumem mais de uma paróquia; algumas
os tradicionalistas. ordens deslocam religiosos para a DC;
outras dioceses colaboram, como as do
A diocese, composta de 33 paróquias, Rio de Janeiro e a de Leopoldina, Minas
encontra-se portanto dividida em dois Gerais. Nesse perrodo, serão notificados e
grupos, onde 16 delas enfileiram-se com o exonerados mais dois tradicionalistas:
ex-bispo, que muito sabiamente guarda Jonas dos Santos Lisboa (S. Fidélis) e
discrição, em oposição às outras 1_7 que Gervásio Gobato (lage do Muriaé),
acatam o novo bispo. Vale dizer que 20 enquanto no primeiro semestre de 84 mais
das paróquias se distribuem pelos 11 três serão afastados de suas paróquias:
munidpios que, com Campos (sede da Antonio de Paula e Silva (ltalva), Élcio
diocese), constituem a DC. Assim, Muricci (UruraQ e José Moacir Pessanha
Campos possui 13 paróquias, das quais (Natividade). Na segunda metade do ano,

34
outros três: David Francisquini (Cardoso 2. Caracterfsticas do processo
Moreira), Antonio Alves de Siqueira
(Varre-Sai) e José Eduardo Pereira (São O histórico acima apresentado indica que
João da Barra). a táticR desenvolvida pelo bispo foi sempre
a de ataque, enquanto a dos
Reduzidos atualmente a uma paróquia em tradicionalistas foi de defesa. Além disso, o
Campos (N.Srª do Rosário) e às primeiro conduziu o processo de maneira
atividades não-reconhecidas pelo bispado, tal a não caracterizar o afastamento como
os tradicionalistas resistem, sustentando um ato de sua própria vontade, mas sim
argumentos ditos doutrinários contra os como o resultado natural da desobediência
argumentos ditos disciplinares dos dos seguidores do ex-bispo. Este, ao ser
progressistas. Vale dizer que o último substitufdo, não perde sua posição, ·na
pároco, Fernando Rifan, considerado medida que é Bispo Emérito da DC,
inclusive o porta-voz do grupo, recebeu, ficando pois resguardado dos incómodos
em julho p.p., a notificação para que que sofreram seus pares, embora os
anunciasse o seu afastamento. E não o envolvidos no processo o sejam em
fez. 1 função de seguir a sua linha religiosa. Ou
A reação a essa démarche foi variada: da seja: da totalidade do processo releva a
entrega pacffica (que não evitou o posterior força da estrutura hierárquica que sustenta
afastamento do pároco) dos bens à Mitra a Igreja, sem que esta seja ameaçada pelo
ao enfrentamento pelos defensores dos confronto de dois elementos da mesma
exonerados aos destacamentos da Polfcia posição (bispo versus ex-bispo).
Militar solicitados pelo bispado. Em termos ;
jurfdicos, há também reações diferentes: Resumindo a seqüência das ações que
há os que acataram o afastamento, há os culminam com o afastamento dos padres
que apelaram para a Justiça Civil, dando indesejáveis, teremos:
entrada a agravos no Tribunal de Alçada,
mas não obtiveram ganho de causa. Há 1 - O bispo envia carta ao pároco, que
também os que apelaram para a Justiça não concordou em acatar as
Canõnica, e aguardam o resultado de um recomendações do ConcOio Vaticano 11,
processo que promete ser bastante longo, comunicando que o mesmo deve anunciar
pois que a carta aberta enviada ao Papa seu afastamento da paróquia.
por DAC e pelo Cardeal Lefêbvre, em
dezembro de 83, parece ter atrasado os 2 - O pároco notificado recusa-se, por
relógios do Vaticano. carta, a atender a essa solicitação,
justificando sua atitude por motivo de
Enquanto isso, ainda em 1985, NA V consciência.
anuncia a inclusão de Sobra! Pinto na
Comissão Jurfdica Diocesana, frisando 3 - O bispo intima o padre a entregar os
que o mesmo só entrará em ação bens da paróquia à Mitra Diocesana.
naqueles casos que forem levados ao
Tribunal de Alçada. 4 - O pároco responde a essa notificação,
ao mesmo tempo em que exorta os fiéis a
não fraquejarem ante a "heresia".

35
5 - O povo responde com atos de apoio, Civil), para reforçar a "briga eclesial".
faixas, procissões etc. Cada processo particular envolve portanto
agentes de um espaço restrito, inclui
6 - O bispo recorre à Justiça Civil para outros e, finalmente, é decidido no âmbito
recuperar os bens da Mitra. restrito em que começou.

7 - O pároco intimado e os paroquianos A figura ternária (Igreja-povo-Igreja) se


que o seguem reagem com mais coloca também em termos do processo
intensidade, fazendo emergir a figura do como um todo. Atualmente, já que o ciclo
padre-mártir. de substituições está se encerrando, a
questão já não suscita o debate que
8 - Esgotado o prazo determinado pela ocorreu em 1983, embora o atual alvo seja
Justiça Civil, dá-se a recuperação (com o porta-voz dos exonerados. Naquela
maior ou menor violência) da posse dos época, acirrado embate epistolar aparecia
bens, e as cenas patéticas que ocorrem nos periódicos locais, quando réplicas e
criam novos mártires: os fiéis do tréplicas se sucediam, em plena gênese
ex-pároco. das categorias "hereges" e "fanáticos".
Hoje, é como se o assunto houvesse
9 - O bispo envia novo padre, que só saldo das mãos da pressão popular (onde
recebe apoio de parte da comunidade. nunca esteve) e prevalecesse um
reconhecimento tácito de que o assunto é
1O - O padre exonerado permanece no da Igreja e por ela será decidido.
lugar de origem, apoiado por seus pares e
por fiéis. Cabe ainda alertar para uma inversão na
postura dos litigantes, onde cada um
11 - O bispo e o novo padre ignoram a desloca a ênfase dada a certos aspectos
presença do exonerado (avisando à no momento inicial para o seu oposto,
comunidade que os casamentos oficiados retornando, no final do processo, para a
pelo mesmo não têm valor) e atuam como postura adotada no ponto de partida.
se nada houvesse acontecido. Enquanto os representantes da localmente
chamada Igreja Progressista proclamam a
12 - O grupo dito tradicionalista define a maior participação dos fiéis, a luta se trava
ação do bispo e seus seguidores como nos parâmetros das regras hierárquicas da
herética. Igreja, que retoma o discurso de
participação tão logo tenha atingido seu
13 - O grupo dito progressista define o objetivo. Já os tradicionalistas, que
ex-bispo e seus seguidores como enfatizam a separação clero/leigos,
fanáticos. caminham ombro a ombro com a
coletividade, para posteriormente voltarem
A seqüência das ações acima listadas à posição inicial, quando o conflito chega a
constituem um diálogo iniciado por um certo ponto. Esquematicamente
membros ordenados pela Igreja onde, só teremos:
posteriormente, entram em cena os leigos
(fiéis dos tradicionalistas ou a Justiça

36
Tradicionalistas X Progressistas

ln feio ~nfase na separação ~nfase na maior


sacerdote /fiéis participação dos fiéis

Meio Apoio na participação Apoio nos instrumentos


dos fiéis legais. religiosos ou leigos

Fim Retorno ao discurso de Retorno ao discurso de


separação clero/fiéis participação dos fiéis

3. A argumentação ritual que está sendo adotada e de cuja


tradicionalista definição dependeria todo o ediHcio da
Igreja. Dessa forma, é como se a missa
Na defesa da perpetuação da postura que em vernáculo estivesse a um passo de
vêm desenvolvendo na DC durante o esclarecer a assistência sobre a
longo bispado de DAC (33 anos), os contingência e a arbitrariedade do fato
tradicionalistas elaboraram textos 2 que cultural, em oposição à aceitação de
foram amplamente divulgados no perfodo valores cuja força emana exatamente da
mais crftico da disputa, e que indicam os razão de serem originários da vontade
pontos sobre os quais divergem do atual divina. E o uso do latim (coincidentemente
bispo. dita uma lfngua morta) estaria ali para
veicular mais categorias afetivas e
Esses pontos podem ser entendidos como fazer-se entender pelo emocional do que
um cuidado com a ortodoxia, cujo rigor não pela dimensão cognitiva.
estaria sendo observado pelo Mas não é só a lfngua - embora sistema
progressismo na religião, ameaçando bâsico de comunicação - que estaria
assim as suas bases e expondo-a a carreando novos sentidos. A linguagem
situações cismáticas. A expressão mais gestual parece ainda mais expressiva,
imediata desse perigo diz respeito à pois que condensando em si o
modalidade segundo a qual é realizado o pensar-dizer-fazer que define a posição
ritual da missa, onde sinais de laicização dos homens frente ao sistema de valores
estariam de tal maneira presentes que que privilegia tem a capacidade de
abalariam a fé do fiel, acarretando assim transformá-los em avalistas desses
um afrouxamento nas relações entre este sistemas. E neste ponto hã que dar a
e sua doutrina. palma aos tradicionalistas: a ritualrstica
carregada de sfmbolos mantidos pela
Um dos aspectos que ressalta nesta tradição enfrenta com galhardia a assepsia
argumentação refere-se à concepção de dos novos rituais onde o curto tempo de

37
existência ainda não fecundou os gestos leigos, diferença apreendida na
de expressividade, efeito que só a experiência vivencial de quem se vê
experiência vivida pode incorporar a eles. transportado do estado de penitência para
o de júbilo, do mea culpa ao reconforto do
Desde que convencionais, os significados perdão, numa caminhada apenas
dos gestos exigem um tempo de possibilitada pela ação do sacerdote ao
maturação para que a "nova cultura" da transformar, no altar, o pão e o vinho em
missa ganhe pleno sentido. Mas não é corpo e sangue de Jesus Cristo.
apenas este aspecto que está em jogo: ao
dar sentido, os sfmbolos hierarquizam os Contra o êxtase alcançado pela contrição
grupos e diferenciam as categorias de ante os objetos sagrados, embalado pelo
agentes, impondo limitações a cada uma som claro das campainhas da elevação e
delas de acordo com a posição que o toque poderoso dos sinos da torre da
ocupam no mundo. Igreja da Ordem Terceira do Carmo - cuja
vibração se transmite pelo madeirame ·
Assim como os tradicionalistas não podem velhfssimo e penetra até a alma dos fiéis -
suportar o clergy-man no lugar da batina, colocam-se gestos e palavras inteligfveis,
"sfmbolo da ordenação e defesa das que se referem a problemas do cotidiano e
tentações mundanas", muito menos podem introduzir a suspeita de que a
aceitam tratar o sagrado com o aparente religião ê uma invenção humana, criada
despojamento que é verificado nos novos para servir ao homem em suas
rituais. Exemplificando com o ato da dificuldades, e não uma mensagem divina,
genufle::ão: comportamento dito adequado à qual ele deve submeter-se, se pretende
a quem atravessa o corpo do templo ou chegar ao reino do céu.
volta-se de costas para se retirar, a
genuflexão completa imprime a seu 4. A Identidade dos litigantes
realizador a autoridade devida àqueles que
conhecem e atuam dentro de determinado A forma pela qual o conflito vem se
código. No entanto, se o gesto é reduzido desenvolvendo na DC põe em evidência a
a um cumprimento de cabeça, ele pode existência de três tipos básicos de
muito bem sugerir ao observador outros sacerdotes, dos quais dois deles se
significados: desconhece o executor o aglutinam em torno do novo bispo, isolando
comportamento devido ao sacrário? os remanescentes da linha tradicionalista.
Envergonha-se de demonstrar sua Aqueles dois tipos compõem-se da maioria
submissão a ele (e então ignora a dos padres religiosos, alguns dos quais
distância que os separa)? Ou tinham problemas na gestão DAC e agora
simplesmente sofre o infeliz de um encontram espaço para realizar sua
problema na coluna cervical? pastoral, e de uma parte de padres
diocesanos que, embora detivessem atê
Na verdade, parece-nos que os algumas paróquias, compunham aquela
tradicionalistas lastimam a diminuição da imagem ambfgua que alimenta os
função pedagógica que o ritual da missa estereótipos mais comuns e correntes no
exerce ao estabelecer a distinção entre o senso comum. Assim, diz-se que 'há
sagrado e o profano, entre o clero e os monsenhores famosos por suas aventuras
/

38
amorosas e padres ironicamente elogiados Tal hipótese é coerente ·com a retração da
pelo zelo que dedicam à mulher e aos TFP, explicável em parte pelo clima de
filhos. Mas esses verdadeiros cultores do maior abertura polrtica que torna inviável a
"faça o que eu digo, mas não faça o que postura intransigente, repressora e
eu faço" não pertencem apenas às fileiras agressiva (condizente com a ditadura em·
progressistas: determinado monsenhor que floresceu), e também pelo atual
tradicionalista responde pelo significativo surgimento de um grupo voltado para
apelido de "Chico Sarrafo". defender a propriedade, a UDR, liberando
a TFP apenas para as questões éticas e
Se a parte do clero tradicionalista mais morais. De qualquer maneira, os
jovem prima pelo rigor moral que impõe tradicionalistas que continuam oficiando
aos fiéis e a si mesma, é de supor que isto nas proximidades de suas ex-paróquias
deriva de sua formação no Seminário são ditos como recebendo ajuda daquela
Maria Imaculada e, provavelmente, da entidade, que desta forma estaria
fntima relação que havia entre este e a perpetuando uma catolicidade em moldes
TFP, cujos prindpios se assemelham, no antigos.
que tange ao respeito à hierarquia, à
disciplina e ao amor à tradição. Cabe dizer que, apesar da grande
descontinuidade social presente no norte
Vale lembrar que inicialmente a TFP fluminense, a questão da reforma agrâria
manifestou-se em defesa dos padres não se coloca ali, embora a sociedade
notificados, e chegamos a constatar a mostre todas as feridas e cicatrizes
presença de um deles residindo numa próprias do nosso capitalismo dependente.
sede da instituição, mas ainda não temos
meios de dimensionar a amplitude da Quanto ao clero que acompanha o novo
rel ação tradicionalistasfTFP no que tange bispo, apesar de sua heterogeneidade,
ao conflito propriamente dito. De qualquer encaixa-se nos muitos e diversificados
forma, é inequrvoca a adesão de ambos ao trabalhos a que NAV se propõe, a médio e
chamado integrismo e seu visceral horror longo prazo. Se o conflito então instalado
ao liberalismo católico. Assim, a despeito pode ser entendido como uma "limpeza de
do rompimento de DAC com a TFP, nas terreno" sobre o qual vão ser colocadas as
comemorações dos 80 anos do ex-bispo, bases de um longo pastoreio, este jã se
em 1984, hâ que se procurar decifrar as anuncia através de outras medidas que
motivações que se escondem na vêm sendo tomadas, paralelamente à
explicação sucinta de DAC: "É um caso questão com os tradicionalistas, a saber:
de consciência".
a) a execução de um plano pastoral onde
Sugerimos que o rompimento DACfTFP se verifica a ênfase na ação conjunta entre
deve ser pensado como um sintoma da clero e leigos, estes organizados segundo
proximidade de dois grupos que partilham a concepção de religião e de catolicismo
alguns prindpios comuns, mas cuja que é a do bispo, ex-bispo-auxiliar na
especificidade exige posicionamentos Diocese do Rio de Janeiro;
particulares, em virtude das mudanças
ocorridas no processo histórico brasileiro. b) o estrmulo ao Seminário Menor em

39
ltaperuna, com o fito de atrair jovens para 5. Hipóteses provisórias
o sacerdócio, no intuito de superar a
crõnica situação de carência no volume do A hipótese mais geral - de ordem
clero. Encerrada a primeira etapa da metodológica - é que se faz necessário,
formação, os postulantes serão já, apreender a visão dos fiéis, no que diz
encaminhados para o Seminário S. José respeito à religião deles. Se tais
(RJ); interpretações são informadas,
inicialmente, pelas ocorrências que se
c) a recuperação da ligação pároco/fiéis verificam em suas paróquias, elas
(principalmente os não-engajados nos extrapolam os estreitos limites em que são
projetes pastorais) por meio das festas forjadas e afetam domrnios cada vez mais
dos padroeiros, quando o povo corre à amplos, religiosos e seculares.
Matriz e vive sua festa anual num quadro
de catolicidade popular muito caro às Queremos deixar claro que as categorias
populações interioranas: lá fora, o mafuâ religioso ou secular não têm aqui caráter
com seus brinquedos, comidas, namoro e reificador, mas impõem-se como
quermesse para a igreja; cá dentro, a decorrência necessária, na medida em
missa solene com os devidos atropelos que, na prática, cada uma delas institui
neutralizados pelos fiéis mais espaços espedficos - instituições - que
comprometidos. Juntando os dois mundos, compõem a totalidade da vida social.
a procissão que sai após a missa e Alertamos para a natureza dinâmica das
percorre as ruas do lugarejo; categorias e valores que o domrnio
religioso gera, possibilitando a sua
d) a consolidação das relações com mobilidade por espaços em que se pode
algumas ordens, cujo exemplo mais forte fragmentar a realidade social,
parece ser a inauguração de um Carmelo historicamente datada e situada.
que abrigará monjas enclausuradas, cuja
missão única é portanto atualizar uma Em termos do domrnio religioso, as
forma de religiosidade "para tradicionalista interpretações dos fiéis contaminam as
nenhum botar defeito". Terá esta medida, noções do que seja Igreja em sentido
que sem dúvida neutraliza o som dos amplo, articulando pontos diversos de
violões dos grupos jovens, alguma coisa a acordo com o capital cultural dos agentes
ver com a insólita situação da Igreja da que, nesse processo, redefinem não só a
Ordem 3i! do Carmo, cujos sinos tangem religião deles como também suas próprias
sonoros, mas a porta da frente foi fechada identidades. As "crenças dos outros" são
por ordem do bispo? De todo modo, é útil assim reavaliadas, de forma tal a constituir
lembrar a constante necessidade de um sistema relativamente coerente, ou
equilibrar a polrtica diocesana com a mais ou menos permeável a novas visões
polrtica das ordens, já que não é fácil crrticas. Assim, acreditamos que as
substituir 25 elementos numa diocese que representações que os fié is secretam
contava ao todo com 61 sacerdotes para fornecerá o sentido do conflito para o
zelar pelos 646.507 habitantes espalhados grupo que, enquanto tal, é heterogêneo por
pelos seus 11.901 km 2 • definição, e indicará a abrangência e os
limites das reconceptualizações,

40
nuançadas em função de variâveis outras sociedade abrangente que serve de palco
que não apenas as religiosas. para o conflito na DC e que permitirA
responder a pergunta: por que ele se
Em termos do plano secular, o domfnio que configurou naquela diocese? Que
nos parece mais afetado é a famRia, particularidades possui o norte
instituição onde se expressariam de fluminense, em termos de suas múltiplas .
maneira mais imediata os princfpios interações sociais, que possibilitaram a
ditados pela Igreja. E se a DC é um emergência de um tipo de catolicidade que
espaço com dois códigos católicos é questionado inclusive por uma parte do
aluando, isso não infirma nossa hipótese: clero? Quais as bases sociais em que se
os "tradicionalistas" enfatizando o controle assenta uma modalidade de religião que,
sobre os papéis familiares (principalmente apoiada na tradição (tão cara a ambas as
sobre a moral sexual); os "progressistas" facções), se vê agora premida a uma
incorporando os diferentes membros em releitura dos seus significados? Por que o
associações para que possam viver sua processo se conformou naquela região,
catolicidade no cotidiano. fazendo da DC o único espaço nacional
onde a vertente católica tradicionalista foi
Sendo a presença dos dois códigos hegemOnica?
constitutiva da religiosidade na DC, duas
questões se colocam: a) Como a Igreja As questões acima levantadas indicam
vem resolvendo os conflitos no seu que é preciso ponderar a potencialidade do
interior, que historicamente têm sido no chamado integrismo católico, ideologia
sentido qe evitar um cisma, resolvendo conservadora que assolou o clero e o
as dissidências sem a liquidação do laicato brasileiro por todo este século (e
adversârio? b) Que artiffcios são utilizados que parece recrudescer sob nova
pelo clero, no conflito que o atinge? O que roupagem) e que fundamenta as idéias
significa averiguar as alianças bâsicas dos tradicionalistas na DC. Afinal,
extra-religiosas que criam, com vistas a não é possfvel desconhecer a presença da
consolidar a posição que desejam? Nestes TFP no norte fluminense nem a
termqs, os limites que cada facção pode semelhança de ideais que apresenta com
atingir para afirmar a sua identidade não se os "não-progressistas": apego à tradição,
esgotam no âmbito da paróquia, nem zelo inconteste quanto à definição dos
tampouco no domfnio religioso. papéis sociais, iminência do apocalipse se
não forem contidas as forças que são, na
A ampla rede, de variada natureza, que o realidade, as expressões do
processo envolve aponta pois para um desenvolvimento histórico.
aprofundamento em duas direções: um, no
espaço propriamente religioso; outro, no Assim, hâ que se esquadrinhar as
espaço secular, de onde os litigantes condições de existênCia e de formação do
captam recursos para realimentar as suas clero local, que hoje vem sendo alvo de
forças e continuar o embate iniciado. discriminação, perguntando-nos pelas
relações que foram estabelecidas quer
O problema supracitado remete à com agências representantes do
nec~ssidade de conhecer melhor a integrismo, quer com os grupos sociais

41
que conformam a sociedade no norte conservadora, derivada de seu lugar de
fluminense e cujos interesses se guardião legrtimo do saber religioso,
encontram, no nfvel dos princfpios, com atualizável na prática dos fiéis; o plano dos
aquela ideologia. fiéis atualizadores da crença, que, com
seus recursos diferenciados, engendram
Os dados apresentados levantam pistas significados possfveis para conteúdos
que se referem à estrutura da hierarquia da simbólicos, e que, nesse processo,
Igreja, apontando para o problema da recriam - sem o saber - o que acreditam
autoridade de seus elementos, párocos e ser este sistema religioso.
bispo. Estando em jogo as relações de
poder na paróquia, está comprometida, Esta estrutura contraditória, a despeito de
por extensão, a própria estrutura do poder toda concordância aparente, põe em
da religião. Estarfamos assistindo a um evidência a importância da mediação entre
exemplo concreto de uma espécie de os grupos, desde o que lida com a
subversão no interior da Igreja, quando o mensagem divina, questionando o seu
pároco e seus fiéis (mesmo que aquele significado, àquele outro que procura
esteja afastado pelo bispo) reagem às atualizâ-la em conformidade com o seu
decisões da autoridade superior? Quais os pastor. Por isso, consideramos
efeitos da tensão que preside esse fundamental examinar o estatuto do voto
episódio? E mais: até quando o fato de obediência, na medida em que funciona
interfere nas outras religiões que, com a como uma charneira que permite a
católica, disputam a adesão dos fiéis? articulação dos diferentes planos.

É preciso ainda lembrar que o conflito no A categoria obediéncia, seja elevada à


interior das religiões não constitui condição de voto, que liga o postulante à
novidade, principalmente quando ela atinge hierarquia, seja enquanto virtude, que seria
um grau de desenvolvimento pleno, partilhável por todos, parece-nos uma das
sofisticado - por paradoxal que possa chaves para entender todo o processo, na
parecer -, quando teria superado as medida em que nela estão contidas duas
situações de diversidade que aponta nas forças de natureza diversa, terreno comum
· suas concorrentes, e de onde derivaria onde racional e mfstico se encontram,
sua pretensa autoridade. discernimento e vontade se aproximam.

A religião Católica Apostólica Romana, hã Até quando a chamada secularização do


tantos séculos unificada, guarda em si - mundo - que, no entanto, vê a emergência
para além da contingência histórica (e de inúmeras formas de misticismo
porque reflexo desta) - o problema de lidar eclodirem, como expressão da capacidade
com três planos, o que garante sua simbólica do homem - não recupera esta
heterogeneidade. São eles: o plano dos mesma potencialidade de diálogo que, para
teólogos, especialistas em alargar a nós, é condição da vida social? Até
reflexão sobre a matéria religiosa e quando esta condição põe em xeque a
aprimorar a compreensão da mensagem estrutura de poder da Igreja, ao explicitar a
divina; b plano das pastorais, que, ao forma pela qual é exercida a autoridade?
contrário do anterior, secreta uma natureza Atê quando o conflito na DC pode elucidar

• 42
estas questões? Seriam os dois grupos com auxnio financeiro da FINEP. É ainda um
que se enfrentam detentores de aspecto de um estuqo mais amplo, intitulado
" 'Tradicionalistas' versus 'Progressistas'-
mensagens opostas que conduziriam a
Estudo da Igreja Católica na Diocese de Campos,
discussão para um outro plano? Ou RJ", que tem suporte institucional do /SER e
trata-se apenas de uma diferença de grau mereceu apoio financeiro do CNPq e da ANPOCS,
na maneira de preservar a autoridade da a quem somos gratas pela colaboração.
hierarquia, a partir da qual a fé se veria 1
O processo de afastamento do Pe. Rifan
consolidada e o catolicismo capitalizaria
enceffou-se em 7110186, com o decreto do bispo
assim as dificuldades de hoje para uma D. Navarro. Em 1fl de setembro, Rifan entregou a
religiosidade mais forte amanhã? paróquia A Mitra Diocesana. Mas isso náo significa
que náo haja tradicionalistas no municfpio de
Campos: a Igreja do Terço e a Igreja do Carmo
continuam a atualizar a religiáo segundos
perspectiva tradicional.
·o presente trabalho foi apresentado no Grupo de
2 "Profissáo de F~ Católica", Campos, sld;
Estudos do Catolicismo do /SER, a cujos membros
agradecemos as sugest6es dadas. "Conflito na "Soluçáo para o problema religioso em Campos:
Diocese de Campos" faz parte do programa de diAlogo e lógica ou código penal", Campos, junho
pesquisa "Igreja e Catolicismo no Brasil Atual"; de 1982; "Em Legitima Defesa", Campos,
coordenado por Pieffe Sanchis, contando portanto setembro de 1983.

43
Um perfil das ONGs
no Brasil
RUBEM CÉSAR FERNANDES LEILAH LANDIM
Antropólogo. Secretlrio-Executivo adjunto do /SER Antropóloga - Museu Naclorlal

1. Introdução ser resumidas em três verbos carregados


de suspeitas: "entregar", "faturar'',
Este é um resumo de um relatório bem "profissionalizar''.
maior (e menos legfvel, posto que
sobrecarregado de números e tabelas), o "Entregar" - Pela história de seus
qual poderã ser consultado pelos quadros, egressos de setores perseguidos
interessados. Apresenta informações pelo regime autoritãrio; pelo estilo do
reunidas durante três meses de uma trabalho, inserido muitas vezes em
pesquisa sobre as "Organizações situações de conflito; pela fragilidade
Não-Governamentais - ONGs" no Brasil, institucional de suas organizações; pela
cujo objetivo era produzir um levantamento carência dos direitos de cidadania entre as
o mais completo que possrvel dessas classes populares; e por outras razões, as
organizações. Os três meses não foram ONGs circulam numa fronteira ambfgua
suficientes para a execução da tarefa em onde a legalidade da vida pública não estã
toda a sua extensão. Conclufmos, na claramente assegurada. Em tais
verdade, uma primeira etapa de um circunstâncias, não seria irresponsãvel
levantamento que deverã ser desenvolvido produzir um fichãrio de nomes e
posteriormente. endereços sem que se possa controlar
minuciosamente a sua difusão?
1.1. Legitimação da pesquisa
A esta suspeita respondemos com o
A legitimação da pesquisa exigiu uma série seguinte argumento: a democracia passa
de cuidados que são reveladores do objeto necessariamente pela legitimação de
pesquisado. Nosso objetivo era produzir organizações civis, sobretudo daquelas
um cadastro das ONGs brasileiras, um que se dirigem às classes populares. O
bom fichãrio classificado por regiões e fichãrio seria um passo modesto porém
gênero de atividades. Mas os fichãrios não eficaz nesta direção.
são tão inocentes como parecem.
Pressupõem regras de relacionamento que "Faturar" - A informação é ainda matéria
ainda não estão consolidadas nos escassa na comunicação entre as classes
ambientes habitados pelas ONGs. populares, e ademais o ritmo de vida
Encontramos pois resistências que podem institucional das ONGs é bastante

44
irregular. Manter-se atualizado sobre quem efetivamente criadas em diferentes
é quem, o que faz e onde o faz exige um momentos e projetes. São ademais
esforço sistemático e um relacionamento bastante personalizados, combinando
direto éom os demais agentes. A contatos de trabalho com relações de
informação acumulada pelas ONGs é confiança pessoal. Nossa pesquisa
portanto freqUentemente tratada como implicava, portanto, uma dupla intervenção
matéria preciosa que não deve ser no objeto pesquisado, intervenção sutil
distriburda levianamente. Nossa pesquisa porém significativa: a) A criação de uma
poderia ser percebida como uma tentativa categoria classificadora "ONG", que nem
pouco elegante de "faturar" sobre o sempre é reconhecida enquanto tal pelos
trabalho alheio. - seus membros; b) Mexer neste probl~ma
de identidade pela via de um procedimento
Por outro lado, a pesquisa poderia ser burocrático, qual seja a produção de um
ainda encarada como a ponta de lança de "cadastro". Ambas intervenções foram ~s
alguma tentativa de articulação vezes percebidas como sintomas de uma
"supra-ONGs", pois é. sabido que a tendência "institucionalizadora" e
centralização da informação costuma "profissionalizante" que pode corromper o
gerar outras fÔrmas concentradas de esprrito "alternativo" e "voluntário" que
poder. O zelo pela própria autonomia é, permeia o universo das ONGs.
com efeito, uma caracterrstica marcante
dessas pequenas organizações que Diante desta resistência, argumentamos
estamos chamando - por falta de um que a "eficiência" precisa mesmo, nos dias
nome melhor- "ONGs". de hoje, caminhar no sentido de uma
racionalização burocrática, ainda que seja
Frente a estas suspeitas, utilizamos dois bem temperada por outros componentes
argumentos principais: 1. Na era da "aldeia de dedicação voluntária ao trabalho.
global", estar bem informado é
indispensável para qualquer agente que Os argumentos não costumam ser
pretenda se manter à tona das correntes convincentes por si mesmos. A maneira
formadoras de opinião. E a experiência diz de dizer e a autoridade de quem diz
que, curiosamente, quanto mais se sempre contam em um processo de
distribui informações, mais informação se convencimento. A legitimação da pesquisa
recebe; 2. A pesquisa deve servir, sim, a exigiu, neste sentido, a obtenção do apoio
uma articulação mais intensa entre as de algumas ONGs bem conhecidas. Isso
ONGs, mas isto não precisa nem deve ocorreu em duas vias: um grupo de seis
implicar uma centralização burocrática. Ao ONGs do Rio de Janeiro (CENPLA, FASE,
contrário, um fichário que seja socializado IBASE, IBRADES 1 1DAC, ISER) reuniu-se
entre os que colaborarem com a sua uma série de vezes para conversar sobre
feitura há de facilitar a comunicação a pesquisa, entre outros assuntos,. e
~orizontal entre eles. acabou por assinar conjuntamente uma
carta-convite encaminhando os
"ProfissionaliZEr" - Os fichários das questionários; um encontro de 40 ONGs,
ONGs são, via de regra, expressivqs de ocorrido no Rio de Janeiro, em maio de
sua história particular. Registram relações 1986, ofereceu uma excelente

45
oportunidade para a apresentação da entidade;
pesquisa, abrindo-lhe uma série de
possibilidades de desenvolvimento. 4. Um questionário màis complexo, que
deveria caracterizar com mais detalhes as
Por outro lado, o encaminhamento da atividades de cada entidade.
pesquisa por estas vias colocou-lhe certas
limitações. Para ganhar maior extensão, Das quatro fontes, apenas duas foram
necessitaria do apoio de outros conjuntos, aproveitadas nesta etapa do levantamento:
em outras regiões, o que não foi possfvel as listas e o questionário simples. O
fazer (tentar, sequer) no curto tempo de arquivo de panfletos e publicações pede
três meses. · uma análise qualitativa, que deveria ser
complementada com estudos de caso. Isto
1.2. A mecânica da pesquisa foi deixado para uma etapa posterior. O
questionário mais complexo só poderia ser
Seguimos as vias abertas pelo processo respondido pelos responsáveis de cada
de legitimação: nossos primeiros entidade; foi enviado pelo correio quase ao
informantes foram os próprios promotores final do perfodo da pesquisa, e as
da pesquisa, os quais se multiplicaram, respostas levarão ainda algum tempo para
através de contatos que eles mesmos nos voltar. Esses questionários deverão ser
forneciam. Cobrimos pois uma certa rede analisados também em uma etapa posterior.
de relações já existentes. Ao cabo, ·
utilizamos intensamente as informações Conclufmos esta primeira etapa com os
acumuladas por doze organizações, sendo seguintes resultados:
seis do Rio de Janeiro, três de
Pernambuco, uma da Bahia, duas de São 1. Uma lista de 1.041 ONGs brasileiras,
Paulo. Dezenas de entidades foram éom seus nomes e endereços;
consultadas através de suas publicações.
Diversas listagens de nomes e endereços 2. 234 "perfis" dé entidades segundo as
foram reunidas. Dentre as organizações respostas dadas ao questionár~o simples.
intensamente consultadas, duas são A lista de 1.041 entidades não é de todo
agências repassadoras de financiamentos · confiável, pois não podemos garantir a
para as ONGs -eram elas, naturalmente, continuidade da existência de todas as
que mais informações possufam para nós entidades mencionadas, nem a correção
fornecer. atual dos seus endereços. É um ponto de
partida, contudo, e permite ademais
Resumimos nossas fontes a quatro tipos: algumas análises substantivas. Utilizamos
esta listagem para comentar os nomes das
1. Um arquivo de panfletos e publicações; entidades e a sua distribuição espacial.

2. Listas de nomes e endereços de Os 234 questionários respondidos, em


entidades; maioria através de informações fornecidas
por terceiros, permitem uma primeira
3. Um questionário simples, que deveria avaliação do perfil geral das ONGs no
nos dar um "perfil" elementar de cada Brasil.

46
1.3. O universo Investigado c) Um critério de flexibilidade: o universo
das ONGs não possui limites rfgidos.
O nome "Organizações Ainda que marcadas pela autonomia,
Não-Governamentais" não é bom. ~ amplo mantêm relações de aliança e
demais, e grande parte das organizações dependência com as "grandes
não se reconhece nele. Mas não instituições", sendo comum a ambigüidade ·
encontramos nome melhor. Seu nos casos limrtrofes. Suavizamos pois a
estrangeirismo, sobretudo sob a forma da rigidez do critério Institucional,
sigla, "ONG", tem ao menos a virtude de combinando-o a um outro prindpio:
não comprometer pela exclusão. Apesar movimentando-se entre igrejas, partidos,
das suas diferenças, todas as universidades, sindicatos etc., as ONGs
organizações arroladas podem ser fazem parte de um certo campo relacional
chamadas "ONGs". A delimitação do cujos pólos caracterizam os seus limites.
objeto da pesquisa, para definir afinal Algumas aproximam-se mais de um certo
"quem entra e quem não entra na lista", pólo (das igrejas, por exemplo), outras de
teve de seguir, portanto, alguns critérios um outro pólo (das universidades ou dos
seletivos: partidos), e assim por diante. Em prindpio,
todas internalizam, em alguma medida, as
a) Um criMrío discursivo: consideramos tensões resultantes do relacionamento
como "ONGs" entidades que se entre as grandes instituições, e a maneira
apresentam como estando a "serviço" de como cada ONG articula essas tensões
determinados "movimentos sociais" de em seu trabalho diário é decisiva para a
camadas da população "oprimida", dentro caracterização do seu perfil particular. Nos
de perspectivas de "transformação social". casos limrtrofes, algumas são formalmente
Encontramos este discurso nas primeiras vinculadas a alguma grande instituição,
ONGs contactadas, e percebemos que ele mas com um grau de autonomia que lhes
marca uma distinção efetiva frente a outros permite participar ativamente do campo
gêneros de "organizações das ONGs. É o caso de organizações de
não-governamentais" (escolas de samba, igreja, como a Comissão Pastoral da Terra
associações de caridade etc.). Por outro (CPT), ou de organizações femininas
lado, percebemos ainda que ele é vago o ligadas a partidos polfticos ou a sindicatos.
bastante para comportar diversas Preferimos incluir tais organizações em
variantes entre as ONGs, como se verá. nossa lista; introduzem uma certa
complicação em nossos critérios, mas
b) Um critério institucional: adotando a ajudam, por outro lado, a assinalar as
autonomia como critério básico, ambigüidades tfpicas do universo das
procuramos organizações ONGs, com as suas tensões entre
não-governamentais que, por extensão, aproximação e distância, autonomia e
não fizeram parte das grandes instituições, dependência, frente às grandes
tais como empresas, Igrejas, instituições.
universidades, partidos polrticos.
Exclufmos igualmente as entidades ditas
"representativas", como os sindicatos ou
as associações de moradores.

47
2. Um breve perfil revelou-se seletiva; forma um cerio
das ONGs no Brasil conjunto que, a um tempo, é fronteiriço,
recobre parcialmente e, na prática, exclui
Nossos dados não são plenamente outros conjuntos. Aproveitamos então as
representativos porque se ressentem de nossas listas de nomes e endereços para
uma dupla distorção: a) As listas e os fazer algumas comparações entre os três
questionários deveriam incluir um maior conjuntos mencionados: SMP, Mulher,
número de organizações vinculadas à Negro. Com outros dados, outros
Igreja Católica. Isto não se deu porque as conjuntos poderiam ser agregados à
informações a serem fornecidas por uma comparação, como o da "Ecologia", por
agência católica repassadora de exemplo.
financiamentos não puderam ser
aproveitadas nesta primeira etapa da Nossos comentários foram divididos em
pesquisa; b) Os questionários refletem um duas partes. Consideramos, inicialmente, a
percurso de relações entre ONGs que primeira palavra que aparece no nome de
seguem do Rio de Janeiro ao Nordeste. cada entidade. Esta primeira palavra define
São menos expressivos, portanto, quanto o sujeito cujos atributos são representados
.- a outras regiões. Feitas estas reservas, nas outras palavras que compõem o •
supomos no entanto estar em condições nome, as quais serão comentadas em um
para traçar um esboço do perfil segundo momento. Entendemos que a
caracterfstico das ONGs no Brasil. primeira palavra diz o que a entidade é,
enquanto as outras palavras dizem o que a
2.1. Os ,.omes das entidades entidade faz.

Os nomes das entidades devem, em A primeira palavra


princfpio, dizer o que são e o que fazem.
Merecem, pois, alguns comentários. "Associação" aparece em terceiro lugar
Consultando as nossas listas, destacamos nas três listas (SMP, Mulher, Negro) 2 • É
três conjuntos de entidades que permitem uma palavra chave para designar
uma comparação interessante, a saber: organizações do tipo "ONG", sugerindo
organizações associadas ao movimento relações horizontais e uma adesão
da mulher; organizações associadas ao voluntária, consciente, contratual.
movimento negro; e as organizações mais "Movimento" também está entre as
tfpicas do universo das ONGs, que se primeiras; contrapõe-se à "estrutura" no
definem como estando "a serviço do discurso caracterfstico destas entidades,
movimento popular". A estas últimas que pretendem estar mais ligadas ao
denominamos "SMP"1 . "movimento" das mudanças que à
estabilidade das relações estruturais.
Deve-se lembrar que nossos questionários
foram recolhidos através de uma rede de "Grupo" está em primeiro lugar nas listas
entidades que viemos a chamar "SMP". das Mulheres e dos Negros. É o.caso
lnventarpos este nome para dar conta de limite da valorização de relações informais.
uma observação que nos pareceu Uma em cada 3,5 organizações femininas
importante: nossa rede de contatos denomina-se "Grupo"! A mesma tendência

48
opera entre os "Negros", mas em outras A diferença entre os perfis das SMP e das
proporções: uma em cada 5,8 Mulheres é tão nftida que parece ser um o
organizações de Negros chama-se reflexo do outro. Já a lista dos negros
"Grupo"; e entre os "Negros" esta escapa à nitidez da oposição, com um
denominação é seguida de perto por um grande número de palavras ambfguas
outro nome de sentido mais quanto a este critério. Com efeito, os
institucionalizante e tradicional, a saber: nomes das organizações de Negros
"Sociedade". remetem a um outro nfvel de
(in)formalidades, que chamarramos "ritual".
Por outro lado, é ditrcil imaginar um Incluem palavras como "Afoxé",
membro trpico das organizações SMP que "Batuque", "Bloco", "Clube" etc. O
se denomine "Grupo". Preferem contraste entre as duas primeiras listas,
chamar-se "Centro". Uma em cada 2,8 por outro lado, desperta um irresistrvel veio
(mais de um terço!) das entidades desta de ironia: considerando que as
lista chama-se assim. Sendo tantas, é organizações "SMP" são tipicamente
razoável supor que cada uma "masculinas", podemos dizer que o
apresente-se como um centro, e não como "movimento" reproduz a secular oposição
o centro. Mas centro é centro, não é estrutural que associa o "masculino" aos
periferia! "poderes formais" deste mundo, enquanto
o "feminino" predomina sobre as esferas
O contraste entre primeiras palavras que da "informalidade".
designam organizações de natureza formal
ou informal é confirmado pelo restante das As outras palavras
listas. A palavra "Instituto", por exemplo,
de sentido obviamente As outras palavras que compõem os
"institucionalizante", está em 4º lugar na nomes das entidades pedem muitos
lista das SMP, mas ocupa um modesto 20º comentários que não podem ser feitos aqui
lugar entre as mulheres. Agrupando todas por razões de espaço. Ficamos então com
as primeiras palavras segundo este um par de observações gerais.
critério, obtivemos o seguinte resultado:
a) Consideremos, inicialmente, as duas
SIIP palavras que mais aparecem nas listas
formal 65,0%
analisadas:
informal 24,8%
ambfguo 9,5%

IIULHER SIIP MULHER [ NEGRO


formal 32,2% Popular Mulher Cultura
informal 56,0% Educação Feminina Negro
ambfguo 8,8% --- ---- - ----
NEGRO As diferenças são significativas: as
formal 38,5% organizações do tipo SMP são
informal 27,0% concebidas, sobretudo, como dirigindo-se
ambfguo 34,5% a um outro grupo social (o "popular"), com

49
uma função pedagógica (a "educação") - sete entidades, ou 2,8% do total.
"dos intelectuais para o povo", por assim Na lista do movimento negro, a palavra
dizer. Em contraste, as organizações de "popular" aparece não mais do que duas
mulheres são auto-referidas. Somando-se vezes, e "povo", uma única vez, juntas
as palavras que direta ou indiretamente marcando 1,3% das entidades ;
designam "mulher" nesta lista, chegamos "educação" não entra uma vez sequer;
a 200 entradas. Ou seja: 82,9% das "mulher" e "feminino" somam três
entidades dizem "mulher" em seu nome. entradas, ou 1,3% do total.
Conforme registra o nome próprio de uma
das entidades, trata-se aqui de "Elas por Como se vê, o universo comum dos
Elas". "oprimidos" é recortado por di stintas
palavras .
A terceira lista também é auto-referente, de
negros para negros, mas a ordem das b) Alguns traços marcantes destas
palavras indica uma diferença entidades podem ser obtidos
interessante. Em primeiro lugar estâ subdividindo-se as outras palavras de
"cultura". Em suma, os nomes das listas seus nomes em alguns conjuntos.
das Mulheres referem-se a seu objeto de Vejamos isto em termos muito breves.
uma forma direta, como num espelho,
enquanto na lista dos Negros isto ocorre Agrupando as "outras palavras" em
indiretamente, com a mediação da palavra diversos subconjuntos, percebe-se um
"cultura", como se fosse nela (a "cultura") contraste interessante: as SMP e as de
que os negros procurassem a sua Mulher definem o que fazem, em seu
identidade. nome, através de uma forte referência à
divisão social do trabalho. As primeiras
As diferenças fazem ver que, embora são mais completas e extensas -
pertençam todas ao universo das ONGs, distinguem os múltiplos segmentos
configuram no entanto distintos circuitos englobados pela categoria "popular"
discursivas, que se recobrem apenas em (camponês, pescador, trabalhador
parte. Uma comparação das mesmas urbano etc.) ; assinalam uma variedade de
palavras nas distintas listas permite serviços burocraticamente diferenciados
confirmar esta observação geral. ("capacitação" , "jurídica", "comunicação",
"documentação" etc .).
Entre as SMP, 8,3% das entidades têm
"mulher" em seu nome, e 3,9% têm o O s nomes das ONGs de Mulher são
"negro". "Cultura" estâ em 4,8% das também detalhados quanto a estas
entidades. distinções, mas com uma dupla variação:
especificam grupos profissionais
Na lista ·das Mulheres, "popular" aparece tipicamente "femininos" (empregadas
apenas três vezes, correspondendo a domésticas, secretârias, enfermeiras etc.);
1,2% do total de entidades. "Educação" e incluem muitas palavras de "serviço"
tampouco tem presença notâvel -três que rem etem à estrutura familiar ("mães",
vezes, ou 1,2%. A palavra "negra" é um "filhos", "peito" etc .).
pouco mais freqüente -figura no nome de

50
O quadro é bem diverso no caso das qualitativas, deveremos voltar a eles, com
ONGs de Negro: poucas palavras mais vagar.
indicando diferenciação profissional e
pouca diferenciação funcional quanto aos 2.2. A localização das ONGs
serviços prestados. Por outro lado, muitas
palavras entre os Negros remetem a Nosso fichãrio contém uma lista total de
situações de festa e a referências 1.041 ONGs, com seus nomes e
religiosas. Em contraste, não encontramos endereços. Não é completo mas permite
"Festa" nem entre SMP, nem entre traçar um perfil bem representativo da
Mulheres; quanto à religião, ela estã nos distribuição das ONGs pelo território
nomes das SMP, em proporções menores, nacional. Elas estão espalhadas por todo o
e com claro predomfnio cristão; a religião pafs. Localizam-se (têm as suas sedes)
não aparece uma vez sequer nos nomes em 24 unidades da federação e 213
das Mulheres; é abundante, e com cidades. Este é um dado impressionante.
predomfnio afro-brasileiro, entre os Indica um potencial organizativo na fórmula
Negros . institucional das ONGs que precisa ser
melhor compreendido. Como dizem das
Quanto a "valores", um breve contraste canoas, com dois ou três paus se faz uma
também pode ser estabelecido: as três ONG; basta que haja pescadores
listas são permeadas de voluntarismo dispostos a navegã·la. Resta compreender
("ação", "luta" etc.), o qual é temperado como se fazem os "pescadores" e como é
com outros componentes que se a sua pesca3 •
diferenciam segundo as listas: entre as
SMP, "comunidade" é a palavra mais Por outro lado, nota-se que a localização
repetida; entre as Mulheres, uma série de das ONGs acompanha, grosso modo, a
expressões evocativas de uma · tendência geral de distribuição desigual
experiência interior ("sempre viva", "feliz", dos recursos nacionais. O eixo
"vivência" etc.); entre Negros, referências Rio-São Paulo concentra 44,8% do
a origens históricas e espaciais ("África", número total de entidades. Os seis
"senzala", "casa", "cabana"). estados mais aquinhoados em números de
Ainda quanto a valores, palavras ONGs (por ordem: SP, RJ, PE, BA, MG,
associadas a "desenvolvimento" e RS) destacam-se igualmente como pólos
"tecnologia" estão ausentes dos nomes de económicos, polrticos e culturais (embora
Mulher e de Negro, aparecendo apenas não necessariamente na mesma ordem).
entre as SMP, numa modesta No mesmo sentido, 64,7% das entidades
porcentagem: 6,3% das entidades deste localizam-se nas capitais dos estados.
tipo fazem referência a estas palavras- Ainda assim, o padrão da distribuição
chave da imaginação económica. desigual é modificado quando
consideramos tipos diversos de ONG.
Ainda que obviamente estereotipados Comparando entidades do tipo SMP,
(estereotipantes!), os nomes das ONGs Mulher e Negro, obtemos diferentes perfis
podem servir a longos e detalhados de distribuição geográfica, como se vê na
comentãrios. Em uma outra etapa da tabela seguinte:
pesquisa, apoiados por anãlises

51
Locallzaçio das ONGs
SMP MULHER NEGRO TOTAL
Nº de ONGs 556 251 234 1.041
º
N de Cidades 173 58 73 213
%de ONGs por região:
Norte 6,6% 3,6% 0,8% 4,8%
Nordeste 33,8% 18,7% 14,7% 26,8%
Sudeste 40,0% 62,6% 73,8% 53,5%
Sul 11,5% 9,3% 8,4% 10,4%
Centro-Oeste 7,0% 4,1% 1,7% .5,1%
%de ONGs nas capitais 60,0% 80,0% 59,0% 64,7%

Lendo a tabela da direita para a esquerda, - A coluna da Mulher tem um perfil


vemos que: semelhante à coluna do Negro, com
pequenas modificações no sentido da
generalização pelo território nacional:
alguma presença no Norte e no
- Quanto aos números totais, as ONGs Centro-Oeste, percentual um pouco maior
concentram-se no Sudeste, onde estão para o Nordeste e um pouco menor par.a o
acumulados os recursos trsicos e Sudeste. (Não encontramos ONGs de
humanos do pafs; mas são expressivas Mulheres em RR, AP, MS.) Por outro lado,
também (mais de 1/4) no Nordeste, onde as ONGs de Mulheres concentram-se
se acumulam as misérias nacionais; têm decisivamente nas capitais (80%),
presença significativa no Sul (10%) e enquanto que as de Negros distribuem-se
modesta no Norte e no Centro-Oeste (5%). pelas·cidades do interior (sobretudo na
De todas as unidades da federação, não 11egião Sudeste).
encontramos ONGs organizadas apenas
em Roraima e no Amapá. A coluna SMP modifica o padrão geral: é
muito expressiva no Nordeste (1 /3 delas
- As organizações associadas ao está aQ, e tem presença significativa, ainda
movimento negro são insignificantes que menor, no Norte e no Centro-Oeste.
(quanto aos números) no Norte e no
Centro-Oeste, exceção feita ao Distrito 2.3. Espaço de atuação
Federal. Não encontramos uma ONG de (ONGs tipo SMP)
Negros sequer em RO, AC, RR, AP, MT,
MS, GO; têm uma pequena presença no Daqui por diante, nossas observações
Sul, e se concentram no Sudeste e baseiam-se nos questionários que
Nordeste (88,5%). É uma distribuição que conseguimos preencher nesta primeira
se aproxima da relevância efetiva dos etapa do levantamento.
negros no conjunto da população do pafs.
Os negros estão em toda parte, mas São 234 "questionários simples",
predominam, com efeito, na faixa de São respondidos no mais das vezes por
Paulo ao Maranhão. Impressiona, no terceiros. Contêm portanto uma boa
entanto, a concentração de ONGs de margem de erros, que podem ser
Negros na Região Sudeste (73,8%) . ignorados, contudo, em se tratando de

52
características gerais do universo afirmavam possuir alguma vinculação
pesquisado. Estes questionários foram institucional exterior. Ademais, não foi
obtidos seguindo-se uma rede de contatos sempre fãcil distinguir entre
de ONGs do tipo SMP. São organizações "independência" e vinculação "informal".
deste tipo que predominam, portanto, Lealdades e alianças bãsicas, composição
embora incluam alguma presença de dos funcionários, interlocutores
entidades de tipo Mulher e Negro. Como jâ privilegiados, referenciais de origem,
foi dito, estes universos se recobrem categorias de discurso comuns, fontes de
apenas parcialmente. financiamento, tudo isso cria laços de
dependência que são perfeitamente
Indagamos aqui sobre a extensão da área compatrveis com uma dependência
de atuação de cada ONG. Será local, institucional.
regional (parte de um estado, todo um
estado, alguns estados contlguos) ou Outro dado significativo: uma em cada 2,7
nacional? Nossas respostas Indicaram ONGs declara possuir uma vinculação
55,5% de entidades que atuam apenas a (formal ou informal) com as igrejas. É esta,
nlvellocal, 31,1 % reg1onal, 13,4% nac1onal. seguramente, a relação institucional
A maior parte das "regionais" aluam em privilegiada entre as ONGs. Em nossa
um estado somente, ou em parte dele. É avaliação, os percentuais deveriam ser
este o perfil geral: as ONG s multiplicam-se ainda maiores neste sentido, e por duas
em pequenas organizações de atuação razões: nossa amostragem subestima o
localizada, enquanto algumas se número das ONGs ligadas à Igreja
expandem por uma ampla rede de locais Católica, como jã foi explicado no inicio
de atuação. Em nossos questionãrios, as deste relatório; e a maioria das que se
"nacionais" estão sediadas em seis declaram "independentes" participam de
estados: a maior parte em SP, seguido de alguma atividade associada às igrejas.
RJ, BA, PE, GO, PR .
A vinculação com os partidos políticos
2.4. Relações institucionais existe, mas é menos visível. Apenas 7,2%
(ONGs tipo SIIP) dos questionários afirmam uma relação
partidária. O dado é significativo, ainda que
Indagamos sobre as relações provavelmente esteja um tanto abaixo da
institucionais das ONGs com as igrejas, situação real. O cuidado em ocultar este
os partidos pollti co s, o Estado, as tipo de informação, que encontramos no
universidades, os sindicatos e outras processo da pesquisa, indica que, entre
grandes instituições. Aquelas que não ONGs, a vinculação a partidos não é
mantivessem qualquer vinculação considerada plenamente legitima. Quando
institucional (formal ou informal) com estas ocorre, costuma despertar suspeitas e
instituições deveriam declarar-se acusações, como se este vinculo
"independentes". As respostas projetaram atentasse contra o principio da
um quadro ambíguo que nos parece refletir "autonomia". Os quadros das ONGs
a própria ambiguidade do campo formado sentem-se mais "livres" junto às igrejas do
pelas ONGs: dividiram-se meio a meio que aos partidos, ainda que a vinculação
entre "independentes" e entidades que eclesiástica seja, ela também, um foco de

53
polêmicas. 2.5. Atividades (ONGs tipo SIIP)

O vinculo com universidades é assumido As ONGs dedicam-se a um conjunto muito


por apenas 5,1% dos questionários, ainda amplo de atividades, mas são pouco
que a maioria dos quadros das ONGs seja especializadas. "Comunicações" (escrita
composta de universitários que, em ou audiovisual) é objetõ de alguma
alguma medida, continuam a produzir para especialização, pois 5,8% dos
o público acadêmico. A referência às respondentes dedicam-se a elas
universidades tampouco é plenamente exclusivamente; "intervenção económica"
legitima: dado o abismo atual entre o é motivo de dedicação exclusiva de 2,6%.
mundo da ciência e o das classes O restante não se enquadra em um perfil
populares, as ONGs pretendem se marcar especializado.
por um passo de ruptura com "o
isolamento da academia". Evitam, pois, As categorias de trabalho que mais
reconhecer os laços (visiveis ou invisiveis) aparecem são: "assessoria", "organização
que as mantêm em alguma medida popular" e "educação". Ern 83% dos
dependentes dos meios universitários. questionários encontramos assinalada ao
menos uma dentre essas três atividades.
A vinculação a sindicatos é ainda menos Em 68% encontramos as três exercidas
representada nos questionários: apenas conjuntamente. Assessoria, Educação e
2,1% deles afirmam esta relação. A pouca Organização compõem um conjunto de
presença de São Paulo em nossa práticas consideradas freqüentemente
amostragem deve ser lembrada para como intercambiáveis. A educação é
relativizar a grandeza deste dado. Ainda pensada como um meio de organização, e
assim, prevalece uma observação geral: vice-versa; a assessoria educa
os sindicatos contam muito como organizando etc.
destinatários do trabalho das ONGs (como
se verá); mas contam pouco para os seus Dentre as atividades mais citadas,
laços de origens. segue-se "comunicações", que ocupa
35% das entidades consideradas. "Direitos
A vinculação com o Estado é minima: Humanos" vem em seguida, com 30,9%
aparece em apenas 1,2% dos das respostas (sintomaticamente, contudo,
questionários. Isto não é de se estranhar, registramos apenas três entidades, 1,3%,
já que procuramos, justamente, que se dedicam exclusivamente aos
organizações "não-governamentais". "direitos humanos"). "Intervenção
Fomos flexiveis, no entanto, quanto a económica" é mencionada por 29,5% dos
possiveis laços de dependência para com questionários, número baixo
as "grandes instituições", e estávamos considerando-se as prioridades das
preparados para incluir entidades agências de financiamento. Os "projetas
originárias de órgãos estatais que de desenvolvimento", tão importantes para
circulassem no campo das ONGs. Não as as ONGs em seus primórdios, foram
encontramos, contudo. ultrapassados nos últimos anos
pelos projetas de
"as sessona-educação-organização" .

54
"Pesquisa" aparece em 22% dos As ONGs recortam o seu campo de
questionários, com freqüência qualificada trabalho, portanto, em termos de
com expressõe s do tipo "participante", categorias sociais especfficas,
"alternativa" etc. É um outro indicio do constituindo destinatários pensados como
relacionamento ambfguo com as sujeitos coletivos. Dentre todas as
universidades . categorias mencionadas, cinco se
destacam pela sua freqüência:
"Saúde" está em 17,4% dos nossos Camponeses ou Trabalhadores Rurais
casos. Há um circuito próprio de ONGs (44,3%), Agentes de Promoção Social
envolvidas com projetas de saúde que não (33,6%), Associações Populares (31,7%),
foi alcançado pela nossa pesquisa. Trabalhadores Urbanos (31,3%),
Sindicatos (28%).
Há ainda "outras" atividades,
compreendendo programas culturais, As ONGs estão, assim, fundamentalmente
lazer, ecologia, que formam um conjunto "a serviço" dos trabalhadores do campo e
residual no horizonte de trabalho das da cidade, buscando-os sobretudo em
ONGs que se definem como de "serviço suas organizações reivindicatórias
ao movimento popular" (SMP). (associações e sindicatos). Dedicam-se
muito também aos "agentes de promoção
2.6. A quem se destina o trabalho social" (assessores, animadores,
(ONGs tipo SIIP) educadores etc.), num esforço de
reprodução do campo de trabalho das
Vimos que as ONGs tendem a conceber o próprias ONGs, as quais se definem aliás
seu trabalho de forma abrangente, como como "agentes de promoção social". A
se pretendessem atingir a totalidade do preeminência do campo sobre a cidade é
fato social. Resistem às pressões um dado significativo.
modernas da especialização. Seu
discurso, por isso mesmo, parece às Mulheres, Menores, Negros, Índios estão
vezes repetitivo, e não é fácil distingui-las presentes, mas em menores proporções,
indagando sobre o que fazem. Mas entre as SMP. Como vimos, essas
elas se especializam, sim, ao definir categorias recortam circuitos próprios de
com quem o fazem. 90 entidades, 42% das comunicação e de discurso, o qual é
nossas respostas, dedicam-se a uma recoberto apenas em parte pelas ONGs
categoria social apenas, a saber (por de tipo SMP (estas privilegiam as
ordem de freqüência): Mulheres, Negros, diferenças de classe) .
Índios, Camponeses, Associações
Populares, Trabalhadores Urbanos, As instituições/comunidades religiosas
Menores, Agentes de Promoção Social, também aparecem, mas em baixas
Sindicatos, Comunidades Religiosas, proporções (11,2%). Ainda quando
Universidades, Velhos, Mendigos, relacionadas às igrejas, as ONGs voltam o
Seringueiros, Ex-alunos da FUNABEM, seu trabalho para fora delas, preferindo
Pacientes de Hanseniase, Pescadores, aluar entre leigos.
Desempregados .
As universrdades são mencionadas como

55
um destinatãrio por uma entidade apenas, 6) Computadorizar todas estas
reforçando o perfil geral das ONGs como informações.
organizações que aglutinam intelectuais
(religiosos ou leigos) preocupados com a 7) Produzir um cadastro das ONGs no
organização e a educação (em sentido Brasil a ser distribu[do entre aquelas que
amplo) das classes populares. responderem aos questionãrios da
pesquisa.
3. Conclusão
8) Se possrvel, complementar as anâlises
São estes os resultados obtidos nesta quantitativas com pesquisa de outra
primeira etapa da pesquisa: um extenso natureza: sobre o discurso das ONGs
fichârio de nomes e endereços, e um perfil (documentos e entrevistas), e com
geral das ONGs de tipo SMP. Temos estudos de caso.
portanto um ponto de partida que deve ser
desdobrado para que os propósitos iniciais 9) Produzir um ensa1o interpretativo que
sejam cumpridos. Os próximos passos procure dar conta das informações
incluem as seguintes tarefas: coletadas e especular sobre os rumos das
ONGs no Brasil.
1) Ampliação do fichârio de nomes e
endereços, simultaneamente a uma
depuração de informações jã superadas .
No limite, este fichârio necessita ser
permanentemente atualizado.
Notas:
1
2) Corrigir as distorções da amostragem Para efeito de análise dos "nomes",
feita nos questionãrios simples, buscando éonsideramos uma lista de 24 1 entidades de
mulheres; uma lista de 22 1 entidades associadas
maior representatividade de entidades
ao movimento negro; uma lista de 266 entidades
associadas à Igreja Católica, e de outras dotipoSMP.
regiões - São Paulo, sobretudo.
2 As tabelas e as listas ordenadas das palavras

3) Preencher outras séries de contidas nos nomes das ONGs estão no re latório
o riginal.
questionãrios simples para que se obtenha
um perfil geral de ONGs de tipo Mulher e 3 Esle
não é o lugar para discu tir estas questões.
Negro, comparando-as então às de tipo Uma tentativa inicial fo1 feita por Rubem César
SMP. Fernandes em "Sem Fins Lucrativos",
Comunicações do ISER , /SER, 15, julho 85.

4) Identificar e cobrir outros circuitos Agradecemos a contnbuição de Gabriela S1/va


relativamente fechados, como os de Leite para a real1zação deste traba lho.
ecologia, saúde etc. Agradecemos ainda ils seguintes instituições cujo
apo1o possibilitou a pesquisa: CMCH!AD FAO,
Luth eran World Federation, FINEP (esta últi111a
5) Recolher e analisar os questionãrios através do Departamento de Antropologia do
ampliados para que se possa detalhar Museu Nacional) e Instituto de Estudos da Religião
nosso "perfil" das ONGs. /SER .

56
A cotação do freud
PHILIPPE SOLLERS ,
Escritor

Instabilidade do dólar, subida do que diz de improviso a verdade noturna de


deutschmark e do yen ... Desvalorização nossas pequenas colagens mal grudadas.
acentuada do marx, alta persistente do Corrijamos então a fórmula famosa de
freud ... O marx no entanto vinha se Jarry no sentido do último conclave: a
mantendo bem nos últimos dez anos, a cena se desenrola agora na Polônia, quer
gente conhece a história de sua dizer, em toda parte.
depressão ... O freud, este, malgrado
alguns recuos de safra, não deixou de Estranha história essa da psicanálise ...
progredir, resistindo a todos os ataques, e Estranho destino caótico (que vai de
esta ascensão renovada leva na realidade negações e denegações a
um novo nome por muito tempo recuperações) •.• Jã era tempo de alguém
desprezado, caluniado: Lacan. Ainda muito escrevê-la em detalhes ... Tanto mais que a
recentemente, o muito sério Times Literary fase de inflação, agora, estã aberta, mau
Supplement intitulava: "Lacan existe?" sinal que anuncia talvez um
("Does Lacan exist?") Seguia a cr[tica que desmoronamento ... A febricidade da
se dizia engraçada e crispada de um certo edição continua extrema: com o
Struton advertindo os anglo-saxões de que feminismo, o freudismo é certamente o
nas dobras herméticas do estilo lacaniano produto mais sólido no mercado do último
se escondia nada mais nada menos do perrodo. Colações, livros, revistas,
que ... Deus. Serâ que Deus reexistirâ? congressos e, sobretudo, o ar do tempo no
Paris o cochichava, Roma o temia, discurso do tempo, termos opacos
Londres o disse, Nova Iorque começa a tornados comuns, frases feitas, citações
repeti-lo para se lamentar disso: Deus se passando a provérbios ... Em suma, toda
tornou outra vez competitivo, não o Deus uma literatura espumando ao redor de um
clâssico, é claro, que as religiões nos pensamento para tornâ-lo espuma ... O
debitam em imperativos, docinhos ou marx era vulnerãvel porque, afinal (à parte
engenhocas, mas o insidioso, o sorrateiro, algumas carreiras universitãrias), pouco
o diabólico Deus Inconsciente, aquele que rentãvel no Ocidente (estamos longe dos
ameaça a cada instante demonstrar que restabelecimentos vertiginosos a T eng
somos apenas ilusões, até mesmo no Hsiao-Ping). O freud, pelo contrãrio, não
lugar onde acreditamos estar - em suma, somente se mostra capaz de anexar a
o impegâvel deus aparentemente sexual Universidade mas toca diretamente,

57
radicalmente, a circulação da própria ~Idealista quanto ao método, a psicanâlise
moeda, leva-lhe sua significação rntima, se reúne à famnia das ldeologiaas
sua fibra de sonho, sua filigrana carnal. fundadas no Irracional, até e inclusive a
Alguém me contava, em Nova Iorque, que ideologia nazista. Hitler não fazia outra
diante dos analistas tradicionais da coisa ao cultivar os mitos da raça e do
Internacional Analrtica (os quais vêem em sangue, forma nazista do Irracional dos
Lacan, justamente, um herético dos mais instintos" (1951) . Livros queimados na
perigosos) o argumento de que Lacan Alemanha Oudeu), hostilidade da
ganhava apesar de tudo ainda mais comunidade cientrfica (o que que é esse
dinheiro do que eles havia lançado um charlatão?), rejeição automâtica da Igreja
incômodo indefinrvel. Lacan, aliâs, disse de Oudeu +diabo), oposição visceral dos
si mesmo com humor: jâ não se fazem marxistas (produto da decadência
mais self-made men como ele. burguesa), desconfiança obscurantista da
comunidade judia (quem ele pensa que
Hã então uma demanda intensa, e não é é?): será que se pode citar uma só
certo que a oferta atual esteja em medida aventura intelectual que tenha tido assim
de satisfazê-la: a demanda implica que o unanimidade contra ela? Freud o disse
negócio dito de sexo vai mal, pior do que friamente: "O inexorável destino da
nunca, que o mal-estar se aprofunda e que psicanálise é de forçar os humanos a se
as respostas cientrficas, polrticas, contradizerem, e de exasperá-los". Ele vai
religiosas, filosóficas são postas em morrer, sem ilusões, em Londres, que lhe
xeque em relação a "isso". Com o que a dâ um acolhimento triunfal: mas para
descoberta de Freud marcaria com efeito melhor enterrá-lo, como se sabe, e é então
uma mudança de era. Ao mesmo tempo, que começa o longo sono anglo-saxão, ou,
se esta hipótese é exata, a história do dito de outro modo, a "normalização" da
século se deixaria presentemente decifrar análise. Gestão familiar, negócios de
"em torno" da psicanálise, mas também o famOia. Mal ou bem se sustenta a tradição,
conjunto dos fenômenos culturais ... E é se organiza, se inventa o que parece
mesmo isto, com efeito, que parece permitido, integra-se o mais possrvel sem
anunciar-se. barulho ao modo de vida. A peste, que
Freud acreditava levar aos Estados
A psicanálise goza, de sarda, do prestrgio Unidos, transformou-se em vitamina do
considerável de não se ter comprometido, sistema. Mas o grande aggiornamento
diferentemente de quase todas as outras começa hoje em dia: os fascistas não têm
doutrinas ou instituições, com as duas (e não por muito tempo) mais do que a
enormes regressões dos últimos cinqüenta Argentina e o Chile, os jesurtas se
anos: o fascismo e o stalinismo. interessam pelo inconsciente, a
Condenada como degenerada por todos comunidade judia estã finalmente muito
os totalitarismos, ela é simultaneamente orgulhosa de ter dado ao mundo um gênio
denunciada como "judia" pelos nazistas e a mais, e - oh, maravilha! -o marxismo
como "hitlerista" pela Internacional "descobre" a psicanálise. Pelas últimas
staliniana. Exemplo tomado de La Nouve/le novidades fala-se de um curioso colóquio
Critique, revista oficial do Partido em Tbilissi. .. Só falta agora aos
Comunista Francês nos bons tempos: anglo-saxões fazer pouco a pouco a

58
penosa descoberta de que Freud não está sabe!). Oue a critiquem, e ela se reforça.
sepultado entre eles, mas que um francês, O Anti-Édipo, de Deleuze e Guattari,
depois, disse a mesma horrfvel coisa de paradoxalmente assinalou a
outra maneira, e talvez uma coisa predominância do lacanismo. Bastou
inteiramente outra. Isto vai levar algum Derrida "refutar" Lacan para ver sua
tempo, mas é calculável. A última própria estrela empalidecer. Sartre
resistência continua sendo o eterno envelheceu muito, depois que o horizonte
positivismo e seus derivados, não ultrapassável do nosso tempo se
sintaticamente inabaláveis, eles, em todas tornou Freud, de mansinho. Merleau-Ponty
as tempestades: fiquemos no cais. desapareceu tendo dúvidas. Camus não
duvidava de nada, mas a moral está salva.
Na realidade, a psicanálise teve e tem Os surrealistas, a despeito de seu
ainda que se bater constantemente em contra-senso junguiano, estavam mais
todas as frentes. Às religiões, ela opõe sua perto de cercar o acontecimento em curso.
teoria das neuroses. À filosofia, sua prática Breton tem palavras comoventes a
concreta do sintoma e sua ambição de respeito de Freud, mas o mal-entendido é
conhecimento cientifico. Ao racionalismo completo - ele se chama, com maiúscula,
em geral, seu "descentramento", provando "Maravilhoso", "Mulher", "Amor". O
de montão, a cada instante, que eu penso surrealismo acreditava que o sonho era
onde não sou e que eu não penso onde em si mesmo interessante. O que parecia
sou. À visão polftica do mundo e à sua absurdo, a justo tftulo, a Freud, que
ordem (também ao marxismo, portanto), o passava seu tempo a decifrar seu tédio. O
lembrete das exigências sexuais estruturalismo? Minado, desde o começo,
insolúveis da espécie. Às ideologias por dentro. Jakobson, Benveniste foram
libertárias, a diferença sexual, a "rocha da habilmente desviados por Lacan a seu
castração", a certeza de que não hã "boa tempo, assim como toda a lingüfstica,
sociedade" nem desenvolvimento sem Saussure à frente. O golpe do
entraves do desejo. Ao feminismo, o "significante" ... "O Inconsciente é
"nome do pai" (e não, como fingiram estruturado como uma linguagem." Ainda
acreditar, a onipotência do falo ou a inveja se fala disso ... Chomsky poderia ter sido
do pênis). Às perversões, a Ética de uma um contrapeso eficaz? Acreditava-se
verdade possfvel etc. Ela pode então ser a muito por dois ou três anos. E depois, não,
cada instante considerada ora como decisivamente. Lacan larga a lingüfstica,
reacionãria, ora como subversiva. Porém, metaforiza a matemática - está-se nos
cada vez mais, toda teoria que não de nós ... O que é interessante, nessa vasta
ciência exala se produz com relação à cura de trinta anos, é a estratégia que ela
psicanálise, refutando-a facilmente até o implica. Trata-se de convocar as
momento em que a gente se apercebe de respostas para lhes colocar, em seu
que ela está sempre ar, impassfvel, próprio terreno, questões que as
teimosa como o desconhecimento de que retransformem em questões. De chamar
ela é objeto. A psicanálise avança mesmo incessantemente o Saber para vir mostrar:
através da surdez e da cupidez dos a) como ele é apaixonante; b) a que ponto
analistas, através da mediocridade deles ele está por fora: c) como é que há, nele,
ou de seus preconceitos (Deus é quem pouco a pouco audfvel, um furo, uma fuga,

59
mais ou menos laboriosamente de novo, livros, colações, revistas ... Ou
tamponados . Isto se faz lance a lance, ainda: Lacan somos nós, somente nós,
como na sessão analftica. Fazendo saltar não há salvação fora de nós. Na verdade,
a lfngua que, a cada vez, sabe mais do após sua descoberta entre a afasia e a
que o que se diz. Diga tudo, que eu lhe hipnose, a psicanálise põe a céu aberto
deixo ouvir que você não pode dizer túdo. que toda a dimensão simbólica da
Diga o que você sabe, que eu lhe humanidade se passa através de uma
demonstrarei que você não sabe até que transferência irreprimfvel em relação ao
ponto sabê-lo. Em princfpio, é este o UM cujo lugar impossfvel o analista vem
trabalho do filósofo. E, com efeito, é entre a ocupar com mais ou menos envergadura
filosofia e a psicanálise que persistem os ou lucidez. É uma questão de Nome. E de
atritos mais vivos. A psicanálise fala do nomeação do nome na trilha dessa
real como de um dejeto, de um resto inverossfmil história de pai, chaga aberta,
ineliminável (e, no limite, não pensável). E, assinatura de um assassfnio que não
ar também, o mercado é implacável: é acaba de se repetir. Mas quem nos fala
Lacan, não a filosofia, que tem a casa dessa nervura fundamental desde o fundo
cheia de público, é a ele que se queria dos tempos? Esse velho e fantástico
pagar para ouvir. Resta ao filósofo escrito que se chama a Bfblia. Quem nos
depreciar a noção mesma de mercado fala disso todos os dias como se num
(mas sem convencer) ou jogar võmito? A histeria. E a histeria, no fundo,
estritamente seu jogo (mas sua filosofia, é tão fresca, nova e terrfvel quanto nos
desde então, se evapora no jornalismo ou primeiros tempos mrticos da espécie
na polftica) . Ele pode também falante; ela vai continuar sendo o que é, o
transformar-se em artista, o que também traço indelével de um fracasso na
não se impõe. Ora, se a filosofia está em constituição dos corpos, um espasmo, um
crise, a sociedade, pouco a pouco, apelo sem resposta no drama que quer
também está, definitivamente. Como viver que nós sejamos demais em nossa
sem "concepção de mundo"? Sem um linguagem. "Eu consegui" - deixa escapar
ponto de sutura em algum lugar? Enquanto Freud com uma audácia in<:~udita - "aonde
isso, a Ciência, esta, segue seu caminho o ·paranóico fracassa." Uma outra técnica
pelas moléculas e pelas estrelas, e é com de linguagem sabe disso de outro modo,
ela, e não contra ela, que a psicanálise desde sempre. Uma técnica
garante o seu . incessantemente vigiada pela religião, pela
filosofia, pela polrtica; uma outra técnica
Com tempo, os diferentes sistemas de que não aquela da vontade necessária da
freio acabam aliás por se deslocar: ciência: a técnica da arte, com a qual a
primeiro Jung contra Freud, depois todo psicanálise não acabou de entreter
mundo contra Freud, depois Freud contra relações apaixonadas, sutis. Mas isto é
Freud (por exemplo, o "primeiro" Freud uma outra história.
contra o "segundo"), e agora ainda (mas
cada vez merios) Freud contra Lacan . Nova Iorque, outubro de 1978
Vejam - dizem malandrões e malandrinhos Traduçáo de MDMagno (1986)
safdos da casa de Lacan - como eu
redescubro Freud melhor do que ele ... E,

60
Religião
esociedade
Uma publicação que procura mostrar a importância de todas as religiões no
contexto da sociedade brasileira. Análises de cientistas sociais, da
intelectualidade do clero e do público interessado em desvendar os desafios que
comandam a relação Religião-Sociedade.

Números de 1986:
13/1: Ciência e crença: os antropólogos e a religião . O medo do feitiço .
Homeopatia no Brasil. Igreja e Educação.
13/2: Tempo e história no conflito de Canudos. O "mito Vargas". Umbanda.
Max Weber. Modernidade. Sagrado. (No prelo.)
13/3: Número especial sobre Xamanismo. (A sair.)

RELIGIÃO E SOCIEDADE é uma publicação quadrimestral do Instituto de


Estudos da Religião (ISER) e do Centro de Estudos da Religião Ouglas Teixeira
Monteiro (C ER) .

Assinatura anual (3 números): Cz$ 120,00.

Pedidos de assinatura, números avulsos e catálogo para ISER - Rua


lpiranga, 107- Laranjeiras- Rio de Janeiro- RJ- CEP 22231- Tel.:
265-5747.

Leia também Comunicações do !SE R e Cadernos do !SE R, ou assine


as três publicações por Cz$ 330,00.
VITRAL

CLAI: da conjuntura nacional, e enfatiza a velha


11 Assembléia Geral questão da liberdade religiosa, a velha
questão da separação entre Igreja e
Já se anuncia a realização da 11 Estado, os "limites de interesse público a
Assembléia Geral do CLAI -Conselho ser prestado pelo Estado às Igrejas, nos
Latino-Americano de Igrejas - para 1988 setores educacional, assistencial e
(28/10-2/11), em ltaici, São Paulo. Tema: hospitalar"; traz também uma lista de
"Igreja: a caminho de uma esperança questões que "devem ser repensadas
solidária". Informações na Secretaria pelos evangélicos" (em que termos?), tais
Regional para o Brasil, São Paulo, fone como o casamento religioso com efeitos
!011) 523-9622. civis, ensino religioso nas escolas oficiais,
secularização dos cemitérios, preservação
"Ação política: uma dimensão .dos princfpios religiosos em manifestações
artrsticas etc.
do Reino de Deus"
O GEAP, com sede em BrasOia, é uma
Este é o trtulo de um folheto de 63 páginas,
associação civil, sem fins lucrativos, cuja
lançado pelo GEAP- Grupo Evangélico
finalidade básica é proporcionar um fórum
de Ação Polftica -, resultado do I Encontro
de debates, conscientização e
Nacional de Candidatos e Polfticos
posicionamento dos evangélicos sobre
Evangélicos, realizado em BrasOia, em
problemas e questões econômicas,
agosto de 1986, com vistas à futura
polrticas e sociais relevantes.
Constituição. Dos 100 participantes, 37
eram candidatos. O programa de três dias
tratou de fazer um "breve diagnóstico do Evangélicos e Políticos
atual momento polftico" e de traçar A imprensa dedicou um bom espaço aos
"parâmetros para a ação polftica dos "candidatos evangélicos", até páginas
evangélicos", seguindo-se os "principais inteiras e fotos, como a do Jornal do Brasil
posicionamentos do encontro". A de 14/9/86: "Evangélicos descobrem o
declar~ção final - "Declaração de BrasOia" caminho das urnas".
- reflete, ainda menos do que nos textos
anteriores, os aspectos sociais e polrticos Quantos se candidataram e se elegeram?

62
"Irmão vota em Irmão"? (De que Igreja ou rosa, que no Brasil já alcançou a cerca de
denominação?) Como ficam os partidos? 30 edições (v. débate em Comunicações
Qual o resultado da eleição de evangélicos do /SER, 13), vai continuar em alta. O
para a elaboração de uma nova filme, com Sean Connery no papel do
Constituição para o pafs? irmão Guilherme de Baskerville, estreou
em Nova Iorque, em fins de setembro
Um prato para os pesquisadores. passado, com o mesmo tll:ulo do livro. A
direção é de Jean-Jacques Annaud (fez
Seitas e CIA no Branco e preto em cor, visto no Brasil),
Equador e alhures que nos 128 minutos do filme parece haver
conseguido manter o clima de suspense e
Um livro de Tomás Balmat, pesquisador magia dos idos de 1327, acrescido do
assassinato misterioso de sete monges
norte-americano, foi lançado agora em
em uma abadia beneditina no norte da
novembro, em Cuenca, durante a primeira
Itália. Como se sabe, o irmão Guilherme,
conferência de Bispos e Pastores -
franciscano, é convocado para resolver o
católicos e protestantes - da América
mistério, ajudado pelo novato Adso de
Latina e do Caribe: Salvación o
Melk (interpretado por Christian Slater),
dominación? Las sectas religiosas en e/
formando uma dupla semelhante aos
Ecuador. O livro descreve a origem e a
conhecidos . Sherlock Holmes e Watson.
natureza de um bom número das principais
seitas que entraram no Equador - e em
todos os pafses da América Latina - nos Peter Berger e a
últimos anos. Todas têm origem nos revolução capitalista
Estados Unidos, e o autor está convencido
de que a CIA está por detrás -ou pelo No seu último livro, The Capitalist
menos alimenta - essas formas de Revolution, publicado em setembro nos
religiosidade que apenas se preocupam Estados Unidos, o sociólogo Peter Berger
com o mundo por vir, dividem a sociedade faz a sua confissão de fé no capitalismo,
e rompem suas culturas tradicionais. Há como um prodigioso gerador de saúde
outro fenômeno metido nessas novas associado também com a liberdade.
conquistas religiosas: a oferta de serviços Teoricamente, para ele, a questão está em
e de capital nas áreas rurais, com apoio de se o capitalismo favorece o
algumas agências (sui generis) de desenvolvimento. E assim que se levanta
desenvolvimento. o problema - diz o autor -, deve-se
lembrar que cada pars da Europa e da
Também no Uruguai. .. Os jornais América do Norte foi pars do "T areeiro
noticiaram, lá e cá, que a seita Moon está Mundo" há 200 anos atrás.
invadindo o pars e comprando hotéis,
bancos, terras, propriedades. Mas o livro dá para muitos comentários.
Proximamente.
"O nome da rosa"
agora na tela Wa/doCesar

O best-seller de Umberto Eco O nome da

63
Memorial de Deus."
dirigido aos crentes evangélicos
de todo o Brasil Nesse espírito, os abaixo assignados vêm
pedir aos ministros, aos officiaes de
Os abaixo assignados, ministros e egrejas, aos crentes professos de ambos
officiaes de egrejas, após demorado os sexos, aos amigos do Evangelho, em
estudo da situação politica e social do todo o Brasil, que, sem perda de tempo, se
Brasil, chegaram á conclusão de que o qualifiquem como eleitores e adoptem os
momento éxige que os crentes seguintes pontos basicos de orientação
evangelicos cerrem fileiras e affirmem cívica:
unisonos, com todo o vigor, e por toda
parte, os princípios que, sob o ponto de I. Na Ordem Politica
vista politico e social, consideram
substanciaes, fundamentaes, 1) Posto que a fôrma de governo seja a
indispensaveis para a salvação do Brasil. certo aspecto secundaria, ta to para o bem
estar do individuo, como para os sagrados
Urge abandonar de vez a attitude de interesses do verdadeiro Christianismo,
simples observadores, attitude de visto que o Evangelho apenas expõe
espectativa, de apparente bem estar, de princípios geraes que se podem applicar
indifferença e commodismo! Urge procurar sob qualquer regímen, - somos de parecer
ter a visão, clara e nítida, da gravidade que, tendo sido já experimentada a fôrma
indisfarçavel desta hora nacional, presidencialista republicana, será, talvez,
angustiosa, que estamos vivendo! Urge conveniente, no Brasil, a experiencia do
que a voz dos evangelicos de todo o Brasil regímen parlamentar, sendo, porém, esta,
se faça ouvir por aquelles que vierem a uma questão aberta.
compOr a Assembléa Constituinte, que
decidirá dos problemas que affectam a 2) Queremos a verdade eleitoral absoluta,
vida espiritual e social do Brasil. baseada no voto secreto, como processo
de saneamento dos costumes políticos do
Os problemas vitaes do Brasil são, Brasil, e que se não façam as eleições nos
essencialmente, os problemas vitaes do domingos.
Evangelismo.
3) Queremos a justiça popular, rapida e
A hora é grave e decisiva! Conservar-se gratuita.
alguem na indifferença ou na inactividade
na hora presente é constituir-se criminoso 4) Queremos a completa laicidade do
imperdoavel de leso-patriotismo. Estado e, consequentemente, a do ensino
official, ou seja, a conservação integral do
Impõem-se hoje, como nunca, os Artigo72, paragrapho 6º, da Constituição
imperativos de Nosso Senhor e Salvador de 1891.
Jesus Christo: "Vigiae e orae!" São de
palpitante actualidade as palavras de um 11. Na Ordem Social
grande servo do Senhor: "Agir sem orar é
temeridade; mas orar sem agir é zombar 1) Absoluta liberdade de pensamento e da

64
manifestação do pensamento,
.
se reduzirem ao mínimo o apparelhamento
respondendo cada um pelos abusos que e as despesas r)lilitares do paiz e do
cometa. mundo.

2) Estabelecimento do regímen Observações:


cooperativista nas relações entre
operarios e patrões, abrangendo por parte 1) Importa que se adoptem esses
dos primeiros uma razoavel participação principies com absoluta firmeza;
nos lucros, facilitando-lhes ainda os
segundos, quanto possível, a assistencia 2) que se faça delles constante affirmação
medica e judiciaria. e a maxima propaganda;

3) Proteção ê fanillia: 3) que se dê apoio exclusivamente a


partidos, grupos ou ligas, cujos princípios
a) pela Instituição da verdadeira se harmonizem com os deste Memorial;
gratuitidade do casamento civil;
4) nos lugares onde não houver
b) pelo divorcio absoluto, nos casos de organização partidaria cujos principies
infidelidade conjugal ou de "uma deserção coincidam com os deste Memorial, os
tão obstinada que não possa ser crentes poderão votar nos candidatos que
remediada nem pela egreja nem pelo publicamente sustentarem pelo menos os
magistrado civil"; principies 2, 3 e 4 da ORDEM POLITICA,
e os 1, 2 e 4 da ORDEM SOCIAL;
c) pela instituição de reformatorios
destinados ã assistencia e regeneração da 5) não votar absolutamente em candidatos
mulher decafda; ou com partidos que adoptem programmas
favoraveis a medidas que comprommettam
d) pela assistencia ã lnfancia e ã velhice a laicidade do Estado, introduzam ou
desamparadas. facultem o ensino religioso nas escolas
officiaes.
4) Quanto ã educação:

a) Educação popular obrigatoria para todos


os brasileiros, por systema que estabeleça
o programma mínimo da escola primaria
em todo o territorio nacional;

b) Organização da instrucção secundaria,


profissional e superior, de modo a tornâ-las
accessiveis ãs classes menos
favorecidas da sociedade.

5 ) Promover o pacifismo nas relações


nacionaes e internacionaes, no sentido de

65
-
PUBLICAÇOES
RECENTES
MICENIO SANTOS
Mestrando em Ciéncias Sociais no IFCSIUFRJ

Livros Brasil do século XVIII.


São Paulo, Editora Átlca, 1986. 272p.
ABREU, Alice Rangel de Paiva.
O avesso da moda - trabalho a domicflio CALIL, Carlos Augusto &
na indústria de confecção. MACHADO, Maria Tereza, orgs.
Editora Hucitec, 1986. 302p. Paulo Emflio - um intelectual na linha de
A autora trata da lógica do capitalismo frente.
patriarcal, onde a própria divisão sexual do São Paulo, Editora Brasiliense, 1986.
trabalho dentro da famOia é transportada 382p.
para a produção. Precursor de posições independentes na
esquerda brasileira, da politiz_ação do otrcio
ALLAN POE, Edgar. do intelectual e de um possrvel papel da
Eureka. .Jgreja no processo de inserção dos pobres
Tradução de Marilena Felinto. Editora no regime democrático, Paulo Emnio
Max Limonad, 1986. 152p. escreveu em 1945 o manifesto da UDS
Pelo cósmico enredo de Eureka, a matéria (União Democrática Socialista), que abre e
criada do nada, por ato divino, surgirá fecha com duas frases que poderiam
finita, simples e animada, manifestando-se tranqüilamente ter desfilado na campanha
sempre e somente "como atração e eleitoral de 1986: 1º) "No Brasil nunca
repulsão". houve democracia"; 2º) "Com as forças
democráticas marcharemos juntos para a
BARNETT, Miguel. Assembléia Nacional Constituinte e para a
Memórias de um Cimarron. conquista da democraciéf'.
Tradução de Beatriz Cannabrava. Rio de
Janeiro, Editora Marco Zero, 1986. 184p. DAVIS, Wade.
Cimarron é o termo cubano usado para A serpente e o arco-(ris.
designar o escravo fugido que vivia isolado Tradução de Álvaro Cabral. Rio de
nas matas, sem convrvio humano de Janeiro, Zahar Editores, 1986. 280p.
espécie alguma. A capa do livro estampa "viagens de um
antropólogo às sociedades secretas do
BOSCHJ, Caio Cesar. Haiti e suas aventuras dignas de um novo
Os leigos e o poder: o catolicismo laico no Indiana Jones". Ciência, ficção ou

66
cambalacho? Nada disso. É um denso teórica e capacidade de srntese, este
relato de viagens com fundo antropológico. trabalho de Bárbara Freitag é uma
extraordinária contribuição para o
DOIMO, Ana Maria, org. conhecimento e a discussão das idéias de
Movimento social urbano: Igreja e Frankfurt entre nós.
participação popular.
Petrópolls, Editora Vozes, 1984. GALL, Michel.
A vida sexual de Robinson Crusoé.
DUARTE, Renato, org. Tradução de Mirlam Paglla Costa. São
Emprego e renda na economia informal da Paulo, Editora Brasiliense, 1986. 200p.
América Latina. É um desvio, bem-humorado e subversivo,
Recife, Editora Massangana, 1984. de um plácido herói juvenil para a brabeza
Palavras-chave: Xangô, economia urbana. da literatura hardcore.
Linha de Pesquisa: Religiões populares.
GOMBROWICZ, Witold.
DREIFUSS, René Annand. A pornografia.
A internacional capitalista - estratégias e Tradução de Tati de Morais. Rio de
tMcas do empresariado transnacional Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986.
{1918-1986). 240p. -
Rio de Janeiro, Editora Espaço e A pornografia não só consegue promover
Tempo, 1986. 542p. a conciliação entre postulados morais
Depois de devassar o golpe de 64, conservadores e a tentativa de renovação
Dreifuss ataca de novo com uma alentada do erotismo polonês como também
pesquisa sobre o capitalismo devolve à literatura sua vocação de
transnacional. instrumento da comunhão entre os
homens.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos,
depoimentos a Lya Cavalcanti. GUIMARÃES, Josué.
Tempo, vida, poesia. Amor de perdição.
Editora Record, 1986. Porto Alegre, L&PM Editores, 1986. 71p.
Carlos Drummond de Andrade até bem
pouco tempo recusava-se a qualquer tipo HÉBERT, Anne.
de entrevista ou depoimento público sobre Os gansos selvagens de Bassan.
seu percurso. Torna-se saboroso Tradução de Vera de Azambuja Harvey.
tomarmos conhecimento da existência Rio de Janeiro, Editora Guanabara,
dessa conversa mantida na Rádio MEC 1986. 246p.
com Lya Cavalcanti, entre o final dos anos
60 e o começo dos 70. HIGHSMITH, Patricia.
Um passo em falso.
FREIT AG, Bárbara. Tradução de Aguinaldo Anselmo Franco
A teoria crftica: ontem e hoje. Bastos. São Paulo, Editora Brasiliense,
São Paulo, Editora Brasiliense, 1986. 1986. 360p.
192p.
Pela excelência informativa, densidade

67
KAZANTZAKI, Nikos. NASCIMENTO, Esdras do.
No palácio do rei Minos. As surpresas da paixiío.
Tradução de Maria Cecilia Oliveira Editorial Nórdica, 1986. 272p.
Marques. Rio de Janeiro, Editora Marco Nessa nova história o autor retoma seu
Zero, 1986. 320p. tema preferido, o insondável mistério que ê
a mulher para o homem e o homem para a
LEHMAN, Rosamond. mulher. O pano de fundo ê o clima de
Poeira. terror imposto ao pafs pela mais recente
Tradução de Raul de Sá Barbosa. Alo de ditadura militar, num ambiente atê agora
Janeiro, Editora Guanabara, 1986. 428p. não abordado nesse contexto: o meio
~ a revalorização do kitsch condenado universitário de BrasOia.
pelo vanguardismo; a novidade deixa de
ser a palavra de ordem, e passa-se a NESTROVSKI, Arthur Rosemblat.
buscar refúgio nas estruturas narrativas Debussy e Poe.
tradicionais. Porto Alegre, L&PM Editores, 1986. ·
128p.
MALAMUD, Bernard. ~ um trabalho sensfvel e original que
A graça de Deus. segue os padrões metodológicos do
Tradução de lsa Mara Lando. Editora próprio Poe.
Companhia das Letras, 1986. 216p.
E se Deus, aquele Deus do Antigo PAZ, Octavlo.
Testamento, de- voz tonitruante, Tempo nublado.
simplesmente decidisse que era hora dos Tradução de Sônla Régls. Rio de
homens se autodestrufrem numa guerra Janeiro, Editora Guanabara, 1986. 290p.
nuclear e mandasse um segundo dilúvio? O autor discute as transformações
O autor americano pensou com carinho culturais na Europa dos anos 60, a crise
nesta hipótese. do modelo polftico americano e os
impasses da União Soviética.
MARCÍLIO, Maria Luiza.
A mulher pobre na história da Igreja PITIA, Danlelle Perin, org.
latino-americana. O imaginário e a simbologia da passagem.
São Paulo, Edições Paullnas, 1984. Recife, Editora Massangana, 1984. 123p.
212p.
SELBV JR., Hubert.
MOLINA, Enrique. Réquiem por um sonho.
Uma sombra onde sonha Camila Tradução de Rlcky Goodwln. Editora
O'Gorman. Rocco, 1986. 244p.
Tradução de Sônia Régis. Rio de Conta a estória de quatro habitantes de
Janeiro, Editora Guanabara, 1986. 318p. Brons: Harry Goldfarb; sua mãe, Sara
Goldfarb- judeus; Tyrone C. Love-
negro; Marion Kleinmeitz -judia, filha de
um industrial abastado mas afastado da
famOia.

68
SOUZA, Márcio. BRANDÃO, Carl.o s Rodrigues.
O brasileiro voador - um romance mais Histórias de lutas entre camponeses de
leve que o ar. arroz: um estudo sobre/entre lavradores
Rio de Janeiro, Editora Marco Zero, goianos participantes de trabalhos polf'ticos
1986. populares através da Igreja.
Parece que o "romance mais leve que o Cadernos do Centro de Estudos Rurais
ar" do subtftulo jã funciona como defesa. e Urbanos- CERU, 19:117-125, 1984.
Pode ser. Mas não foi Santos Dummont
que provou que os mais pesados que o ar GERTZ, René Ernainl.
também voam? Dreher, Martin Roberto. Igreja e
germanidade.
STEVENSON, Robert Louis. Revista de Estudos Ibero-Americanos,
O clube dos suicidas. 10 (1) :154-155, 1984.
Tradução de Ellana Sabino. Editora
Rocco, 1986. 128p. MACHADO, Sebastião Romano.
Padre Vieira e os missionãrios
TORRES, Antônio. estrangeiros.
Balada da infllncia perdida. Memória da Semana de História. São
Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, Paulo, Ed. Grãfi ca Cairu Ltda., 1984.
1986. 178p.
NOVINSKI, Anita.
BUZZATI, Dino. Sistema y repression religiosa.
As noites diffceis. Nueva Presencia, 3 :74-79, 1984.
Tradução de Fulvia M.l. Moretto. Rio de
Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986. RABUSKE, Edvino Aloisio.
302p. A linguagem religiosa: algumas
considerações introdutórias.
VARGAS LLOSA, Mario. Letras de Hoje, 17 (63) :145-158, 1984.
Quem matou Palomino Molero?
Tradução de Remmy Gorga Filho. GUARESCHI, Pedrinho A.
Editora Francisco Alves, 1986. 196p. Apreciação da obra de Victor Frankl.
Psico, 8 (1) :19-29.

Artigos publicados em SCHALLENBERGER, Erneldo.


periódicas nacionais Conflitos coloniais e as missões.
Revista de Estudos Ibero-Americanos,
BARREIRA, lrlys Alencar Firmo. 1o (2) :69-71, 1984.
lncômodos hóspedes ? Notas sobre a
participação da Igreja e partidos polrticos
nos movimentos sociais urbanos em
Fortaleza.
Cadernos do NEPES/UFCe, 2, nov. 1985.

69
Livros publicados no exterior Coabitação: como essa convivência se dá
no dia-a-dia da polrtica e da administração,
ANSERMENT, F. & MILLER, J.-A. é o que explica este cientista social.
Entretien sur /e Séminaire.
Paris, Navarin, 1986. 68p. GROUSSET, René.
É um diálogo do jovem psiquiatra surço Histoire de L 'Armenie.
François Anserment com Jacques-Aiain Paris, Payot, 1986. 644p.
Miller, o organizador dos textos dos Milênios depois de terem adquirido uma
Seminários de Lacan. identidade, os armênios foram
massacrados, subjugados, e em parte
BESSA-LUfS, Agustina. absorvidos pela Rússia, em parte pela
Agustina por Agustina. Turquia. O resto vive na diáspora,
Lisboa, Edições Dom Quixote, 1986. alimentando sentimentos nacionalistas que
76p. às vezes explodem em violência.
É a transcrição de uma longa entrevista
concedida ao jornalista Artur Portela pela HUGiNS, Martha Knisely.
escritora portuguesa Agustina Bessa-Lurs. From slavery to vagrancy in Brazil.
O livro vale pela desenvoltura com que a Rutgers University Press, 1986. 184p.
autora trafega pelos grandes temas A disseminação do crime entre as classes
polnicos e intelectuais da atualidade. populares e a repressão dos órgãos do
poder público. Este tema é tratado na zona
CHAPSAL, Madeleine. da mata pernambucana, em um perrodo
Os escritores e a literatura. também restrito, o da transi ção da
Lisboa, Edições Dom Quixote, 1986. economia baseada na escravidão para a
288p. da moderna agroindústria açucareira, com
Por que durante a festa da revista Ternps suas reduzidas exigências de
Modernes o psicanalista Jacques Lacan mão-de-obra.
julgou indispensável usar uma peruca
vermelha antes de falar e convidar Simone PATOCKA, Jan.
de Beauvoir para dançar? Este livro é uma Platon et L'Europe.
coletânea das 21 melhores entrevistas Verdier, Pans, 1936. 316p.
literárias que a autora assinou na imprensa Não sendo tributária nem da ciência nem
parisiense desde o fim da 11 Guerra da prâxis, a filosofia de Patocka não tem
Mundial até o fim dos anos 70. espaço na uni versidade, é transmitida
através de seminários informais e
DELEUZE, Gilles. divulgada em samizdat. Nos últimos
Foucault. tempos vem sendo traduzida e publicada
Paris, Les Éditions de Minuit, 1986. no exterior.
141p.
POIRJER, Lucien.
DUVEAGER, Maurice. Les voix de la stratégie.
Bréviaire de la cohabitation. Paris, Fayard, 1986. 488p.
Paris, Press Universitaires de France, General do exército francês, o autor
1986. 150p. mostra tratar-s e de um pensador que, ao

70
levar suas reflexões para o papel, é capaz Teses
de construir um ensaio sobre a genealogia
da estratégia usando como pilares idéias ALBUQUERQUE, Eduardo
de André Malraux e T.S. Elliot sobre a. Bastos de.
permanência das formas. O irmão e o mestre - contribuição ao
estudo da pobreza budista e cristã no
REASON ANO MORALITY século XIII: O Irmão Francisco de Assis e
Ed. Tavistock, 1986. 276p. O Mestre Zen-budista Doguen.
É o resultado de um seminário promovido Te se de doutorado defendida no curso de
pela Association of Social Anthropologists, História da USP, 1984. 569p.
por ocasião do centenário de Malinowski, Orientador: Ricardo Mario Gonçalves.
com o objetivo de discutir o lugar do
racional e do emocional nas relações BELOCH, Israel.
humanas. Capa Preta e Lurdinha: Tenório Cavalcanti
e o povo da Baixada.
ULLMANN, Walter. Dissertação de mestrado apresentada no
A short history of the papacy in curso de História da UFF, 1984.
the middle ages. Orientadora: lsmênia de Lima Martins.
Metheun & Co., 1!186. 393p.
Uma história da instituição papal na Idade BURITI, Glauce Maria Navarro.
Média centrada não nos papas, mas em A presença dos Franciscanos na Parafba
seu poderoso colegiado; um estudo que dá através do convento de Santo Antonio.
primazia ao offcio do Sumo Sacerdote, e Dissertação de mestrado apresentada no
não aos homens que o exerceram. curso de História da UFPe, .1984.
Trata-se de uma obra de scholar, mas de Orientador: José Luiz da Mota Menezes.
compreensão abrangente, que cobre o
papado desde os estertores do Império CHIZOTTI, Geraldo.
Romano até o declfnio eventual da O Cabido de Mariana: 1747-1820.
instituição quando do advento da Dissertação de mestrado apresentada no
Renascença. curso de História da América Latina da
UNESP, 1984.
ZIPES, Jack. Palavras-chave: história da Igreja, história
Les contes de fées. dos cabidos.
Paris, Payot, 1986. 280p. Orientador: Sebastião Romano Machado.
É um livro que não pretende apenas
interpretar, mas escrever uma história DINIZ, Darcy Aparecida.
social dos contos. A contribuição dos padres mekhitaristas
para o estudo da antigüidade arménia.
Dissertação de mestrado apresentada no
Os livros indicados nesta coluna podem ser curso de História Social da USP, 1984.
adquiridos nas livrarias: Camões, rua Orientador: Nachman Falbel.
Bittencourt da Silva, 12-C, fone (021) 262-4776,
CEP 20.040, Rio de Janeiro, e Leonardo da
Vinci, av. Rio Branco, 185, lojas 2, 3 e 9, fone
(021) 224-1329, CEP 20.040, Rio de Janeiro.

71
FAGUNDES, Antonio NETO, José Fonseca Ferreira.
Augusto da S. A Ciência dos mitos e o mito da Ciência.
As Santas prostitutas: um estudo de Dissertação de mestrado apresentada no
devoção popular no Rio Grande do Sul. Programa de Antropologia Social da UnB,
Te se de mestrado defendida no curso de 1984.
Antropologia Social da UFRS, 1984. Palavras-chave: disco voador, religião,
Palavras-chave: santas-prostitutas, magia, ciência e mito, ficção cientffica, ideologia
estigma, messianismo, devoção, cientificista.
identidade, segurança. Orientador: Peter L. Silverwood-Cope.
Orientador: Sergio Alves Teixeira.
NEVES, Gullhenne Pereira das.
FILHO, Wilson Trajano. O Seminário de Olinda: Educação, cultura
Músicos e Música no meio da travessia. e polftica nos tempos modernos.
Dissertação de mestrado apresentada no Dissertação de mestrado apresentada no
Programa de Pós-Graduação em curso de História da UFF, 1984.
Antropologia Social da UnB, 1984. Orientadora: Margarida de Souza Neves.
Palavras-chave: rituais, simbolismo da
música. PIETROCOLLA, Luci Gati.
Orientadora: Mariza Gomes e A trajetória da purificação: as duplas
Souza Peirano. mórmons em São Paulo.
Dissertação de mestrado apresentada no
KECHICHIAN, Hagop. curso de História Social da USP, 1984.
O cristianismo e o alfabeto: fatores de Orientador: Jorge Cesar Motta.
preservação dá integridade e da identidade
cultural nacional armênia. PIMENTEL, Valderez Cavalcante.
Dissertação de mestrado apresentada no A aculturação do imigrante sfrio no Dia vi:
curso de História Social da USP, 1984. estudo de caso.
Orientador: Ricardo Mário Gonçalves. Tese de mestrado apresentada no curso
de História da PUC-RS.
LIMA, lizanias de Souza. Orientador: João José Plane/la.
Plfnio Correa de Oliveira: um cruzado do
século XX. RAGO, Luzia Margareth.
Dissertação de mestrado apresentada no Sem fé, sem lei, sem rei - liberalismo e
curso de História Social da USP, 1984. experiência anarquista na República.
Orientador: Augusto Wernet. Dissertação de mestrado apresentada no
curso de História da Unicamp, 1984.
MARTIN, Cipriano Calvarro. Orientador: Edgar Salvadori de Decca.
Ação da Igreja Nordestina no campo
sócio-económico da região na década de RODRIGUES, Neusa Caminha C.
1950. A Casa da Bênção de Deus: experiência
Dissertação de mestrado apresentada no social e prática religiosa em Brasflia.
curso de História da UFPe, 1984. Te se de mestrado defendida no Programa
Orientador: Roberto de Amorim Almeida. de Antropologia Social da UnB, 1984.
Orientador: Peter L. Silverwood-Cope.

72
SANTOS, Alexandrina Passos. ãrea de Antropologia Social da USP,
Prática religiosa e relações sociais - 1984.
movimento pentecostal em Brasflia. Palavras-chave_: mito, campesinato, rito,
Dissertação de mestrado apresentada no república e aculturação.
curso de Sociologia da UnB, 1984. Orientador: João Batista Borge s Pereira.
Orientador: Lúcio de Brito Castelo Branco.
SIGNOR, Lice Maria.
SENNA, Ronaldo de Salles. João Batista Scala brim e a migração: um
JARE - Manifestações religiosas na projeto sócio-pastoral.
Chapada Diamantina. Dissertação de mestrado apresentada no
Te se de mestrado defendida no curso de História da PUC-RS, 1984.
Departamento de Ciências Sociais na Orientador: Earle Diniz Macarthy Moreira.

73

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