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Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

Ementa: "Apelação - Atentado violento ao pudor - Condenação -


Recurso Defensivo - Absolvição por insuficiência probatória -
Improcedência - Materialidade e autoria devidamente comprovadas -
Vitima que confirmou as atitudes sexuais praticadas por seu pai,
corroborada pelos depoimentos seguros e harmônicos das
testemunhas - Relatório psicológico conclui como verídicos os relatos
da vitima - Condenação mantida.

Dosimetria - Pena-base fixada no mínimo legal, cm razão das


circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal - Aumento de 1/2
(metade) em razão da causa de aumento de pena do artigo 226,
inciso II, do Código Penal - Aumento de 1/6 pelo reconhecimento de
crime continuado - Lei nº 12.015/09 que, implantando o artigo 217-A
no CP, no caso, não deve ser aplicada por tratar-se de 'novatio legis in
pejus'.

Regime inicial fechado - Manutenção nos termos da Lei nº 11464/07,


que modificou redação do artigo 2º da Lei nº 8.072/90.

Sentença mantida - Recurso improvido".

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


990.09.318062-6, da Comarca de Bariri, em que é apelante IRINEU
ALVES FLORENCIO FILHO sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça


de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO
AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores EUVALDO
CHAIB (Presidente sem voto), WILLIAN CAMPOS E AUGUSTO DE
SIQUEIRA.

São Paulo, 04 de maio de 2010.

SALLES ABREU

RELATOR

Apelação Criminal com Revisão nº 990.09.318062-6

Apelante: Irineu Alves Florêncio Filho

Apelado : Ministério Público

Comarca: Bariri - Vara Única

Voto nº 17.753

Trata-se de recurso de apelação tirado por Irineu Alves Florêncio Filho


contra a r. sentença de fls. 219/226, que o condenou à pena de 10
(dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial fechado,
por infração aos artigos 214 c.c. artigos 224, alínea a, 71, "caput" e
226, inciso II, todos do Código Penal. Inconformado, recorre o réu
buscando sua absolvição, argumentando com a fragilidade
probatória.

O recurso foi bem processado, com contrariedade oferecida pelo


Ministério Público, que pugna pelo improvimento do apelo defensivo
(fls. 240/246).
Por fim, parecer da douta Procuradoria de Justiça que pugna pelo
improvimento do recurso defensivo (fls. 259/262).

Este, em breve síntese, é o relatório.

O recurso de apelação interposto por Rogério Amaral da Silva não é


de ser provido.

Consta dos autos que, em datas incertas, mas no período


compreendido entre os anos de 2003, 2004 e 2005, no município de
Bariri, o apelante, mediante violência presumida, abusando de sua
condição de pai, por inúmeras vezes, de forma consecutiva e
continuada constrangeu sua filha Raiane Almeida Alves Florêncio,
nascida em 24.01.1997, a praticar e a permitir que com ela se
praticasse atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Conforme o
apurado, o apelante é pai da vítima e aproveitava-se dos momentos
em que a mãe se ausentava para abusar sexualmente de sua filha. O
apelante levava a filha para a sua cama, se despia e a despia,
esfregando seu pênis na vagina da menina até ejacular. Após
separar-se da genitora da criança, ele passou a cometer os abusos
durante as visitas. O apelante costumava levar os filhos para pescar
e, enquanto o filho pescava levava a filha para o mato praticando os
atos libidinosos já descritos anteriormente. Em 08 de outubro de
2005, aproximadamente às 14:30 horas, na residência da ex-mulher
do apelante, este mais uma vez se aproveitando da ausência da mãe
da criança, pediu para seu filho sair, ficando sozinho com a vítima,
ordenou que esta fosse tomar banho e a seguiu. No banho, o apelante
novamente esfregou seu pênis no órgão genital da filha, causando-lhe
hiperemia de intróito vaginal. Porém, neste dia, ainda nus e
molhados, o apelante foi surpreendido pela mãe e irmão da vítima,
que questionou o acontecido. O apelante, com certo nervosismo fugiu
sem dar explicações sobre o fato. A mãe então indagou a criança que
relatou os constantes abusos sexuais praticados pelo pai.

A materialidade dos delitos está comprovada pelo laudo de exame de


corpo de delito de fls. 07, pelo Boletim de Ocorrência de fls. 03/04,
bem como pelo laudo de degravação de fita magnética (fls. 36/40).
A autoria, por sua vez, está bem demonstrada nos autos.

O acusado, interrogado em juízo, negou as acusações que lhe foram


imputadas. Afirma que as acusações foram feitas por sua ex-esposa,
Rosenilda, mãe da vítima, no intuito de fazê-lo perder a guarda e
direito de visitas aos filhos, vez que, estão separados e o apelante
está proibido, por decisão judicial, de se aproximar até cem metros
da casa da ex-companheira.

Alega que encontrava com os filhos em locais públicos e que não


freqüentava mais a casa de Rosenilda, pois esta não permitia,
chamando a polícia quando ele se aproximava. Nega que esteve na
casa da ex-mulher no dia 08 de outubro de 2005. Afirma que
Rosenilda já o havia acusado falsamente de tê-la ameaçado, fato este
que o fez deixar a cidade com medo de ser linchado (fls. 39).

Com efeito, as alegações do apelante restaram isoladas dos demais


elementos probatórios coligidos nestes autos.

Relatou a vítima, perante a autoridade policial, que na ocasião dos


fatos foi abusada sexualmente por Irineu, seu pai, que lhe esfregou o
pênis. Disse também que, esse tipo de conduta por parte do pai,
ocorria por varias vezes há alguns anos, algumas vezes no rio, onde
em certa ocasião houve um sangramento em sua genitália que sujou
sua calcinha. Afirmou que seu pai a amava e a ameaçava de
agressão, caso contasse o ocorrido para alguém. Quando foi atendida
pela Assistência Social Municipal, contou os fatos para a
coordenadora Carolina que passou o atendimento para a psicóloga
Renata (fls. 12).

A mãe da vítima, ouvida em juízo, confirmou que na data dos fatos,


voltava do trabalho quando encontrou com seu filho Igor andando de
bicicleta pela rua. Questionou o menino sobre o que estava fazendo e
ele respondeu que seu pai o mandou buscar sua bicicleta, o que
causou estranheza à depoente. Perguntou, então, a Igor o que o
apelante estava fazendo em sua casa, haja vista o juiz ter
determinado que ele se afastasse do lar. O menino disse que o pai
veio visitá-los. A depoente notou que as portas e vidros da casa
estavam fechados, no entanto, viu pela janela a filha Raiane saindo
do banheiro enrolada em uma toalha, viu também o apelante no
interior do banheiro pedindo para que a menina lhe trouxesse uma
toalha. Disse que o apelante ficou nervoso diante da situação e que
ele alegou não ter feito nada, apenas ter tomado banho. Notou que a
menina não havia tomado banho, pois estava cheirando suor,
perguntou o que havia acontecido, mas a vítima apenas chorava e
tremia. Nervosa perguntou à filha se o pai havia colocado o "pipi"
dele nas suas pernas, respondendo a vítima que sim. Tentou segurar
o apelante, mas este fugiu. Disse que a filha fala pouco sobre o caso,
porém quando houve a separação dos pais, achou estranho a menina
agradecer a Deus pelo pai ter ido embora.

No mesmo sentido, Carolina Amália Ventura, coordenadora do


Programa Espaço amigo, freqüentado pela vítima e seu irmão, relatou
que em meados de Fevereiro de 2005, notou um comportamento
estranho em Raiane, pois esta se mantinha isolada das demais
crianças, não gostava de ser tocada e estava sempre triste e chorosa.
Na época soube da separação dos pais de Raine e o apelante obteve
autorização para visitar os filhos no programa, mas percebeu que a
menina não gostava de conversar com o pai. Em outubro do mesmo
ano, Raiane se abriu com a depoente dizendo que era sexualmente
abusada por seu pai. A vítima afirmou para a depoente que seu pai,
em certo domingo, convidou ela e seu irmão para ir pescar, deixando
Igor no canal sozinho e a chamando para pegar minhoca. O pai pediu
então que a menina tirasse a roupa e abaixasse a calcinha, dizendo
que a amava e que não contasse para ninguém pois a mãe poderia
fiar com ciúmes. De início a menor recusou-se a atender o pai mas
após ser ameaçada deitou no chão sem roupas, momento em que o
pai esfregou o pênis em sua vagina, causando-lhe ferimento. Durante
a conversa com a depoente a menor chorava e tremia, dizendo que
seu pai sussurrava em seu ouvido: "é assim que você gosta?" "é
devagarzinho que você gosta?". A vítima contou à depoente que saiu
uma meleca do pai e que este, limpava a meleca nela.

Após conversar com Raiane, a depoente resolveu indagar lgor, este


então confirmou o passeio, contando também que no dia viu seu pai
caminhando de mãos dadas com sua irmã, carregando uma calcinha
com sangue, alegando que Raiane havia sido picada por uma formiga,
lgor confessou também, à depoente, que sempre que a mãe saia para
trabalhar, o pai chamava Raiane para dormir na cama do casal,
ocasião em que sempre ouvia o choro da irmã, alegando o pai que a
menina chorava porque estava sonhando. A depoente teve nova
conversa com a vítima, e nesta, Raiane afirmou que o pai abusava
sexualmente dela desde os 3 anos de idade, utilizando-se das mãos e
do pênis, ameaçando-a caso ela contasse para alguém (fls. 164/165).

Também, para corroborar com os depoimentos anteriores, a


testemunha Renata Cristina dos Santos Cilli, psicóloga do Programa
Espaço Amigo, na época dos fatos, narrou que percebeu
comportamento estranho da vítima na presença de seu pai. Disse que
depois de ter uma conversa com Carolina, a vítima foi encaminhada
para a depoente, relatando que em um passeio com o pai e o irmão,
foi obrigada a tirar a roupa e deitar, mantendo o apelante contato
com a genitália da filha, provocando sangramento, razão pela qual o
apelante lavou a calcinha da menina no rio. Alegou que a menor foi
submetida a um tratamento psicológico no qual contou os abusos
praticados pelo pai. Afirmou também que por sua experiência, pela
alteração de comportamento e idade da vítima, não restam dúvidas
sobre a veracidade dos fatos (fls. 70/71).

No mais, em relatório psicológico de fls. 115/118, a testemunha


Renata analisa e conclui como verídicos os relatos de Raiane, pois há
riqueza de detalhes e coerência em suas afirmações.

Diversamente do sustentado pela defesa, as provas reunidas são


seguras e harmônicas no sentido de apontar o acusado como o autor
do crime que lhe é imputado.

Os atos libidinosos diversos da conjunção carnal, estão fartamente


demonstrados tanto pelos documentos acostados aos autos, quanto
pelo depoimento da vítima, que relata a forma de execução dos atos.

Entenda-se que nos crimes sexuais, geralmente cometidos na


clandestinidade, não existam testemunhas, sendo imprescindível a
palavra da vítima como elemento de prova, apesar de sua tenra
idade. No caso "sub judice" as atitudes sexuais praticadas pelo
acusado foram por várias vezes confirmadas, seja pela própria vítima,
como também pelas declarações da mãe e das testemunhas Carolina
e Renata, de forma segura, idênticas e sem contradições, sendo
possível apurar-se o que efetivamente ocorreu.

A condenação de Irineu Alves Florêncio Filho, portanto, era mesmo


medida de rigor.

A pena-base do delito de atentado violento ao pudor foi corretamente


fixada, no mínimo legal, em 06 (seis) anos de reclusão, nos termos do
artigo 59 do Código Penal.

No entanto, cumpre salientar que, entrou em vigor a Lei nº 12.015, de


07 de agosto de 2009, que alterando substancialmente o Código
Penal, no que tange aos crimes sexuais. Nessa esteira, o fato
praticado pelo ora apelante continua sendo devidamente tipificado,
mas, agora, no artigo 217- A, assim redigido: "Ter conjunção carnal
ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena
- reclusão, de 08 (oito) a 15 (quinze) anos."

Verifica-se, portanto, que, na espécie, a inovação legislativa se


mostra pior ao acusado, não merecendo ser aplicada ao caso em tela.

Acertado também o aumento na 1/2 (metade) por ser o acusado pai


da vítima, nos termos do artigo 226, inciso II, do Código Penal,
perfazendo o total de 09 (nove) anos de reclusão.

Em razão do reconhecimento da regra contida no artigo 71 do Código


Penal (crime continuado), a pena foi bem aumentada em 1/6 (um
sexto), resultando na pena final e definitiva de 10 (dez) anos e 06
(seis) meses de reclusão.
O regime inicial de cumprimento de pena deve ser mantido no
inicialmente fechado, nos termos da Lei nº 11.464/07, que deu nova
redação ao artigo 2º, da Lei 8.072/90.

É, pois, de ser negado provimento ao recurso da defesa.

Isto posto, pelo meu voto, nega-se provimento ao recurso interposto


por Irineu Alves Florêncio Filho, mantendo-se a r. sentença recorrida.

Salles Abreu

Relator

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