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Rubem Alves
Ilustrao Marlia Cotomacci
Papirus
Capa. Rapaz de p com a mo no bolso e com a cabea dentro da gaiola olhando para o
passarinho.
O PASSARINHO ENGAIOLADO
Rubem Alves
Ilustrao Marlia Cotomacci
Papirus
CDD-028.5
Um barco ancorado com um homem sentado dentro; um avio parado com o piloto na
cabine, com o rosto apoiado na mo. Para viver em segurana as pessoas constroem
gaiolas e passam a viver dentro delas. Dentro das gaiolas no h perigos.
Uma gaiola com uma antena parablica; dentro dela esto um rapaz, uma moa e um galo.
Dentro da gaiola no h muito o que fazer, seja ela feita com arames de ferro ou
com deveres. Os sonhos de aventuras selvagens aparecem, mas, logo que vem
os arames, morrem.
Alguns, malvados, furam os olhos dos pssaros engaiolados. Dizem que pssaro
de olho furado canta mais bonito. Talvez, cegos, eles se esqueam de que esto
presos numa gaiola. Mas, mesmo que no estivessem, de que lhes adiantaria ter
asas para voar se no tm olhos para ver? Sua cegueira a sua gaiola.
H muitas pessoas assim: parecem ter olhos normais, parecem ver tudo.
Na verdade nada vem, a no ser o seu mundinho. Sua cegueira a sua gaiola.
O padre, para se vingar da me, engaiola os filhotinhos. A me, vendo seus filhos
engaiolados, e sem foras para abrir a portinhola de ferro, traz no seu bico um
galho de veneno.
"Meus filhos, a existncia boa s quando livre",
ela disse.
"A liberdade a lei. Prende-se a asa, mas a alma voa...
filhos, voemos pelo azul!... Comei!"
Pois no que, para surpresa sua, um dia o seu dono esqueceu a porta da gaiola
aberta? Ele poderia agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre!
Saiu. Voou para o galho mais prximo.
O passarinho est agarrado num galho de rvore onde andam joaninhas e lagartas; no ar,
voam insetos e borboletas; no cho, aparecem casas, pessoas e vrios carros.
Olhou para baixo. Puxa! Como era alto! Sentiu um pouco de tontura.
Estava acostumado com o cho da gaiola, bem pertinho. Teve medo de cair.
Agachou-se no galho, para ter mais firmeza.
Viu uma outra rvore mais distante. Teve vontade de ir at l.
Perguntou-se se suas asas aguentariam. Elas no estavam acostumadas.
O melhor seria no abusar, logo no primeiro dia.
Agarrou-se mais firmemente ainda.
Nesse momento um insetinho passou voando bem na frente do seu bico. Chegara
a hora. Esticou o pescoo o mais que pde, mas o insetinho no era bobo.
Sumiu mostrando a lngua.