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ISSN: 1646-3137
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A velocidade como fetiche – o discurso jornalístico na era do "tempo real"

Sylvia Moretzsohn, Universidade Federal Fluminense


(tese de mestrado, 2000)

(Introdução, Capítulo I, Capítulo II, Capítulo III, Conclusão & Bibliografia)

Capítulo I
Tempo presente e tempo passado
são ambos presentes no tempo futuro

T. S. Eliot

Chegando na frente: a imprensa no tempo do capital

A imagem recorrente foi sintetizada nos filmes policiais americanos dos anos 30:
rotativas trabalhando freneticamente, despejando jornais que rodopiam até o close
fechado sobre a manchete, a informação chegando veloz e simultânea aos quatro
cantos do mundo, isto é, dos Estados Unidos - imagens superpostas de jornais de
Nova Iorque, Chicago, Boston, Baltimore, noticiando um assalto espetacular, uma
chacina estarrecedora, e finalmente o alívio pela prisão dos criminosos. Forma de
arte própria da “era da reprodutibilidade técnica”, significativamente inaugurada
com uma imagem emblemática dos tempos modernos - a locomotiva chegando à
estação, ameaçando romper a tela e invadir a sala escura -, o cinema ajudou a fixar
a idéia de que a imprensa trabalha sob o signo da velocidade. Ou melhor, de que a
velocidade é uma característica da imprensa.

De fato, a velocidade é uma característica do capitalismo, resumida na expressão


“tempo é dinheiro”, instituindo e obedecendo a uma lógica que Marx sintetizou ao
definir: “economia de tempo: a isto se reduz finalmente toda economia”. Desse
modo, mostrou não apenas a importância da consideração do tempo do trabalho

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social para a definição do valor, mas também o caráter central do significado social
do tempo no estudo das atividades humanas.

A lógica do capital tende a ser estendida a todos os aspectos da vida social, num
processo de naturalização que lhes retira o sentido histórico. O que buscaremos
neste capítulo será precisamente recuperar esse sentido, refazendo o caminho da
formação da imprensa como atividade industrial, sua afirmação como produto de
massa e sua interação no processo de percepção de “aceleração do tempo” que
marcou a entrada na modernidade. Para isso, vamos inicialmente apresentar o
quadro de transformações nas concepções de espaço e tempo paralelamente ao
surgimento e consolidação do capitalismo. A seguir, procuraremos sintetizar o
desenvolvimento da imprensa no contexto mais amplo da comunicação, de forma a
esclarecer o vínculo quase automático que se estabelece entre imprensa e
velocidade. O aprofundamento da análise há de nos fornecer argumentos para
sustentar nossa hipótese original.

O tempo hegemônico

Ao tratarem das transformações na percepção de tempo e espaço, pesquisadores da


área das ciências sociais deixam claro que suas análises referem-se ao significado
social dessas duas categorias básicas da vida humana, alertando - quando este não é
o próprio objeto de estudo - para o fato de que essas concepções podem ser
extremamente variáveis conforme as características das diferentes culturas. Mas,
em geral, iniciam seu trabalho remetendo à complexidade desses conceitos no
campo da física, procurando não apenas demonstrar as influências das pesquisas
nesse setor sobre a sociedade como também justificar a opção metodológica
adotada.

Em seu estudo sobre o que chama de “condição pós-moderna”, David Harvey não
foge a essa regra. É com base na física que ele contesta a idéia de um sentido único
e objetivo de tempo e espaço para medir a diversidade de concepções e percepções
humanas. Ao contrário, considera a necessidade de se reconhecer “a multiplicidade
das qualidades objetivas que o espaço e o tempo podem exprimir e o papel das
práticas humanas em sua construção”. Se, segundo os físicos, tempo e espaço não
tinham existência antes da matéria, “as qualidades objetivas do tempo-espaço físico
não podem ser compreendidas sem que se levem em conta as qualidades dos
processos materiais” [8] .

É, portanto, de acordo com essa perspectiva materialista que Harvey traçará seu
amplo painel das profundas transformações na experiência do espaço e do tempo

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que marcaram o capitalismo nascente e o conflituoso desdobramento dessas


transformações até os dias atuais: a consolidação da moeda como meio de troca
estabelecendo novas regras sociais, os mercadores rompendo com os ritmos
“naturais” da vida agrária medieval, os sinos chamando para o trabalho e o
comércio. “Horas iguais [na cidade] anunciavam a vitória de uma nova ordem
cultural e econômica” [9] .

Instrumentos de precisão na marcação do tempo e do espaço deram as bases para


as grandes navegações e para o racionalismo no qual se sustentava a sociedade
burguesa. A cartografia mudou: a confecção dos mapas abandonava a subjetividade,
os elementos de fantasia e de crença religiosa, e passava a levar em conta o rigor
matemático, a proporcionalidade e a objetividade necessários para a exploração do
território. Os novos mapas “permitiam que toda a população da Terra, pela primeira
vez na história humana, fosse localizada numa única estrutura espacial”, e essa
representação de totalidade favorecerá especulações sobre os princípios racionais
capazes de organizar a vida no planeta.

Recuperada na Renascença, radicalizada no Iluminismo, essa perspectiva de


totalidade embute uma tentativa de dominar o futuro coerente com uma concepção
de tempo cujos pressupostos remontam à Grécia Antiga, e que são traduzidos pela
imagem do pêndulo, a “flecha do tempo” indicando a linearidade de passado e
futuro. A mecânica newtoniana será abalada no início do século XX pela
relatividade de Einstein, e se até hoje são as leis de Newton que regem a vida
cotidiana, não se pode dizer o mesmo sobre a nossa concepção do universo, diante
das incessantes surpresas apresentadas pelas pesquisas no campo da física. Não é o
caso de abordá-las aqui, mas deve-se registrar que, desde Einstein, tais descobertas
vêm permitindo sustentar hipóteses que colaboram para alterar nossa concepção de
espaço e tempo, causando tensões num cotidiano que transcorre de acordo com o
tempo cronológico. Como diz Paul Virilio,

[a] realidade nunca é dada de antemão, mas adquirida, gerada pelo


desenvolvimento das sociedades. Mesmo se a pedra permanece pedra,
mesmo se a montanha continua no seu lugar, a maneira de captar a
realidade varia ao ritmo da evolução do conhecimento. Aqui, como em
outros domínios, já não estamos no espaço e no tempo absolutos de
Newton e mais alguns, mas no espaço-tempo da relatividade geral.
Incessantemente nossa espécie deriva de uma geração de realidade para
outra, através de um movimento de desrealização que comporta duas
fases principais: uma fase de simulação da realidade, relativa ao campo
das representações filosófica, científica ou artística; e uma fase,
geralmente não percebida, de substituição, na qual o real da geração

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precedente cede lugar ao da nova [10] .

Uma série de outros fatores (culturais, religiosos, políticos) contribuem para a


coexistência de vários sentidos de tempo na sociedade moderna. Harvey mostra
como essa relação impõe escolhas fundamentais para a vida social:

A taxa ótima de exploração de um recurso deve ser fixada pela taxa de


juro ou devemos buscar, como insistem os ambientalistas, um
desenvolvimento sustentado que assegure a perpetuação das condições
ecológicas adequadas à vida humana num futuro indefinido? Essas
questões não são de modo algum arcanas. O horizonte temporal implicado
numa decisão afeta materialmente o tipo de decisão que tomamos. Se
queremos deixar alguma coisa no mundo ou construir um futuro melhor
para os nossos filhos, fazemos coisas bem distintas do que faríamos se nos
preocupássemos apenas com os nossos próprios prazeres aqui e agora.
Por essa razão, o tempo é usado na retórica política de maneiras confusas.
A incapacidade de adiar prazeres costuma ser usada pelos críticos
conservadores, por exemplo, para explicar a persistência do
empobrecimento numa sociedade afluente, embora essa sociedade
promova sistematicamente o financiamento de prazeres presentes como
uma das principais engrenagens do crescimento econômico [11] .

Na demarcação das correspondências e conflitos entre determinadas noções de


tempo e espaço e as várias formas de desenvolvimento do capitalismo, deve-se
ressaltar, em primeiro lugar, a importância do conceito de tempo universal e
homogêneo “para concepções de taxa de lucro (retorno do estoque de capital no
tempo, disse Adam Smith), da taxa de juro, do salário-hora e de outras magnitudes
fundamentais para o processo decisório capitalista” [12] . Veremos que na transição
do fordismo para a atual fase de “acumulação flexível” do capital, iniciada nos anos
70, prevalecerão outras concepções de espaço e tempo - a “desterritorialização”
globalizante de um universo fragmentado e um sentido de urgência no qual só
existe o presente. No entanto, o sentido de descontinuidade e simultaneidade já se
insinuava na metade final do século passado, com as primeiras manifestações do
modernismo.

Harvey ressalta, aliás, que é da própria dinâmica do capitalismo, como sistema, a


tendência à fragmentação e à efemeridade; daí a tensão provocada pela “tentativa
de encontrar uma mitologia estável que exprima seus valores e sentidos inerentes”.
Da mesma forma, observa o movimento que se opera diante dos abalos sofridos pelo
sistema: o diagnóstico das crises cíclicas (associado, portanto, a uma determinada
noção de periodização do tempo) e, atualmente, os jogos no mercado futuro, a
projeção de “cenários”, na tentativa de garantir alguma previsibilidade, o que

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indica a busca de estabilidade.

Esforço inútil, de acordo com Zygmunt Bauman, pois “o mercado prospera na


incerteza (chamada alternativamente de competitividade, desregulamentação,
flexibilidade, etc.) e a reproduz em quantidade crescente como seu principal
alimento” [13] . O resultado é a enorme sensação de insegurança em que todos
vivem (mesmo os vencedores, pois, por definição, são vencedores “até segunda
ordem”), uma vez que “ninguém mais tem presença garantida no mundo”. Bauman
justifica o aparente paradoxo - afinal, a precariedade humana não é novidade -
argumentando que a descoberta da fatalidade da morte foi o que nos deu
segurança a respeito da única certeza possível: a do caráter transitório, temporário
de nossa presença no mundo, o que, inversamente, nos estimula a imaginar a
eternidade e a buscar um sentido para a vida. Daí as tentativas de se construir
projetos, associadas a uma procura por segurança que o sistema antes negava como
uma disfunção interna, prometendo corrigi-la num futuro que jamais chegava, e
hoje rechaça como uma pretensão arcaica que deve ser abolida.

É nesse contexto de instabilidade que se dissemina a idéia de “formação


permanente” anotada por Deleuze como uma das características das “sociedades de
controle”.

Nas sociedades de disciplina [estudadas exaustivamente por Foucault] não


se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica),
enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a
formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma
mesma modulação” [14] .

Em síntese: onde antes havia períodos, hoje há fluxos.

A aceleração do tempo

A base sobre a qual se desenvolve a percepção de “aceleração do tempo” repousa


sobre a própria lógica do capital. Considerando que, “se o dinheiro não tem um
sentido independente do tempo e do espaço, sempre é possível buscar o lucro (...)
alterando os modos de uso e de definição do tempo e do espaço”, Harvey baseia-se
no padrão de circulação do capital para argumentar:

Há um incentivo onipresente para a aceleração, por parte de capitalistas


individuais, do seu tempo de giro com relação à média social, e para
fazê-lo de modo a promover uma tendência social na direção de tempos
médios de giro mais rápidos. (...) O efeito geral é, portanto, colocar no
centro da modernidade capitalista a aceleração do ritmo dos processos
econômicos e, em conseqüência, da vida social. Mas essa tendência é

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descontínua, pontuada por crises periódicas, porque os investimentos


fixos em instalações e equipamentos, bem como em formas
organizacionais e habilidades de trabalho, não podem ser modificados
com facilidade. A implantação de novos sistemas tem de esperar a
passagem do tempo de vida “natural” da fábrica e do trabalhador, ou
empregar o processo de “destruição criativa” que se baseia na
desvalorização ou destruição forçadas de ativos antigos para abrir
caminho aos novos [15] .

A racionalização inaugurada com o fordismo e o taylorismo, no início do século XX,


marcaria profundamente tanto o capitalismo que se expandia quanto o socialismo
soviético. É sabida a simpatia de Lenin e mesmo de Trotsky pela “organização
científica do trabalho” baseada na cronometragem de tempos e movimentos. Mas,
como nota Manuel Castells, há uma diferença essencial, de cunho ideológico, na
adoção dos métodos fordistas pelos comunistas: a separação entre tempo e
dinheiro, aliás bastante coerente com um modo de produção que se pretendia
radicalmente novo e crítico do capitalismo.

Enquanto no fordismo a aceleração do trabalho estava associada a


dinheiro com aumento de pagamento, no stalinismo não só o dinheiro era
um mal segundo a tradição russa, mas o tempo deveria ser acelerado por
motivação ideológica. Portanto, “stakhanovismo” significava trabalhar
mais por unidade de tempo como um serviço para o país, e planos de
cinco anos eram cumpridos em quatro como prova da capacidade da nova
sociedade para a revolução temporal [16] .

Castells comenta que, “embora o tempo fosse reduzido no local de trabalho, o


horizonte temporal do comunismo sempre era considerado no longo prazo e, em
certa medida, eterno, como foi expresso na imortalidade personificada de Lenin e
na tentativa de Stalin tornar-se um ídolo em vida”. E fala do choque provocado pela
queda do comunismo na década de 90, quando esse horizonte de longo prazo do
tempo histórico foi deslocado “para o curto prazo do tempo monetizado
característico do capitalismo, dessa forma pondo um fim à separação estatista entre
tempo e dinheiro. Com isso, a Rússia uniu-se ao Ocidente no exato momento em
que o capitalismo desenvolvido revolucionava sua estrutura temporal” através do
que o autor chama de “sistema de fluxos” viabilizado por meio da “empresa-rede”
[17] .

A passagem do fordismo para o sistema de acumulação flexível, resultante, em


síntese, do esgotamento das opções para lidar com o problema da
superacumulação, que já havia exposto o capitalismo a outras crises, ampliou a
escala de aceleração do ritmo da inovação do produto - portanto, da obsolescência

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programada -, reduzindo drasticamente o tempo de giro do capital através da


automação da produção e de novas formas de gerenciamento. Assim,

[a] estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a


todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética
pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a
moda e a mercadificação de formas culturais [18] .

É a volatilidade da era do descartável, que, “mais do que jogar fora bens produzidos
(criando um monumental problema sobre o que fazer com o lixo)”, significa “ser
capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a
coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser” [19] .
Ressalte-se que o descarte de pessoas é citado como se aparentemente resultasse
de uma espécie de “estado de espírito”, quando, de fato, é uma realidade dramática
imposta pelo modo de produção, que cria uma crescente massa de excluídos já sem
qualquer função a não ser, talvez, a sua utilização como justificativa para
investimentos cada vez maiores nas áreas de segurança e de repressão ao crime,
com a conseqüente fabricação de ondas de histeria punitiva nas grandes cidades.

É fundamental perceber o quanto as atividades de comunicação ganham destaque


nesse contexto. Em primeiro lugar, é notável a progressiva atenção das empresas
para os investimentos de tempo de giro quase instantâneo, como a produção de
eventos no campo das artes e espetáculos, objetivando dois tipos de retorno: o lucro
propriamente dito e, talvez mais importante, a valorização da imagem institucional.
É assim que

a publicidade e as imagens da mídia passaram a ter um papel muito mais


integrador nas práticas culturais, tendo assumido agora uma importância
muito maior na dinâmica de crescimento do capitalismo. (...) Dominar ou
intervir ativamente na produção da volatilidade envolve (...) a manipulação
do gosto e da opinião, seja tornando-se um líder da moda ou saturando o
mercado com imagens que adaptem a volatilidade a fins particulares [e,
conseqüentemente, significa] construir novos sistemas de signos e
imagens, o que constitui em si mesmo um aspecto importante da
condição pós-moderna [20] .

Veremos neste trabalho como o processo de produção das notícias insere também o
jornalismo nessa engrenagem que alimenta a volatilidade, e o quanto ele se justifica
por estar supostamente oferecendo o que o público também supostamente deseja.
Por ora, devemos enfatizar que é o processo de aceleração acima descrito que
permite a formulação do conceito de “compressão espaço-temporal” tantas vezes
referido pelos estudiosos da cultura contemporânea. Harvey ilustra esse

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“encolhimento do mundo” através de mapas que vão diminuindo conforme o


desenvolvimento dos transportes, desde o Renascimento até meados do século XX.
A reprodução de um anúncio da Alcatel, de 1987, também é significativa: o globo
terrestre representado em tamanho cada vez mais reduzido, sobre o texto que
afirma: “este é o ano em que o mundo ficou menor”. A IBM, outra empresa de
comunicações, sintetizaria a mesma idéia em fins dos anos 90, anunciando
“soluções para um mundo pequeno”.

Virilio resume o processo:

Uma vez que não fazemos nada mais do que pensar as dimensões que o
olho é incapaz de ver, que o espaço e o tempo são para nós nada mais do
que intuições, as ferramentas de percepção e de comunicação poderão
realizar esse paradoxo das aparências que consiste em comprimir a
dimensão do universo em um perpétuo efeito de encolhimento [21] .

Esse “encolhimento” progressivo, resultante da superação de barreiras espaciais em


graus cada vez maiores, significaria a própria “supressão” do espaço, em
conseqüência do processo que torna possível a transmissão de informações em
“tempo real”. Harvey oferecerá contra-argumentos a essa tese. Antes, porém, seria
preciso identificar referências recentes e remotas desse tipo de pensamento.

Primeiro, McLuhan e sua “aldeia global” celebrizada em meados dos anos 60:

Após três mil anos de explosão, por meio de tecnologias fragmentárias e


mecânicas, o mundo ocidental está implodindo. No decorrer das eras
mecânicas, estendemos os nossos corpos no espaço. Hoje, passado mais de
um século de tecnologia eletrônica, estendemos o nosso próprio sistema
nervoso central num abraço global, abolindo, no tocante ao nosso planeta,
tanto o tempo como o espaço [22] .

Mais recentemente, desde fins dos anos 70, vários autores exploraram essa idéia, o
que nos dá a sensação de que se trata de uma formulação nova ou recente. Não é
bem assim, como indicam as referências de Virilio em um de seus vários estudos
sobre comunicação e velocidade:

Barère, que sonhava em transformar o território francês em “um vasto


campo”, anuncia, em 17 de agosto de 1794, a transmissão por telégrafo
da notícia da tomada de Quesnoy: “Através desta invenção”, diz ele à
Assembléia, “as distâncias até os locais desaparecem”... [23] .

A referência é ao telégrafo ótico, cujo projeto foi apresentado à Assembléia


Legislativa pelo físico Claude Chappe como “um meio adequado de estabelecer uma
correspondência tal que o corpo legislativo pudesse fazer valer suas ordens nas

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fronteiras e receber a resposta no decorrer de uma única sessão”. O próprio


Chappe demonstra perceber a importância política e estratégica de seu projeto:

O estabelecimento do telégrafo é a melhor resposta aos publicistas que


pensam que a França é grande demais para se constituir numa república.
O telégrafo reduz as distâncias e reúne, de certa forma, uma imensa
população em um único ponto [24] .

Mas, como dizíamos, Harvey apresenta argumentos questionadores de concepções


triunfalistas ou apocalípticas dessa “abolição do espaço”:

... a queda de barreiras espaciais não implica o decréscimo da


significação do espaço. Vemos hoje, e não é pela primeira vez na história
do capitalismo, evidências que apontam para a tese oposta. O aumento da
competição em condições de crise coagiu os capitalistas a darem muito
mais atenção às vantagens localizacionais relativas, precisamente porque
a diminuição de barreiras espaciais dá aos capitalistas o poder de
explorar, com bom proveito, minúsculas diferenciações espaciais.
Pequenas diferenças naquilo que o espaço contém em termos de oferta de
trabalho, recursos, infra-estruturas, etc., assumem crescente
importância. O domínio superior do espaço é uma arma ainda mais
poderosa na luta de classes; ele se torna um dos meios de aplicação da
aceleração e da redefinição de habilidades a forças de trabalho
recalcitrantes. A mobilidade geográfica e a descentralização são usadas
contra um poder sindical que se concentrava tradicionalmente nas
fábricas de produção em massa. A fuga de capitais, a desindustrialização
de algumas regiões e a industrialização de outras e a destruição de
comunidades operárias tradicionais como bases de poder na luta de
classes se tornam o pivô na transformação espacial sob condições de
acumulação mais flexíveis [25] .

Milton Santos é mais explícito: considera um mito a contração do espaço e do


tempo, mesmo porque “o espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo,
senão como metáfora. (...) Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares”.
Da mesma forma, não há propriamente um tempo mundial, mas “temporalidades
hegemônicas e temporalidades não hegemônicas”, relacionadas ao papel dos
agentes da economia, da política e da cultura [26] . Assim, a velocidade “apenas
está ao alcance de um número limitado de pessoas, de tal forma que, segundo as
possibilidades de cada um, as distâncias têm significações e efeitos diversos e o uso
do mesmo relógio não permite igual economia de tempo”.

Aldeia global tanto quanto espaço-tempo contraído permitiram imaginar a


realização do sonho de um mundo só, já que, pelas mãos do mercado
global, coisas, relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por
sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades

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tecidas ao longo de séculos houvessem sido todas esgarçadas. Tudo seria


conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global
regulador. Será, todavia, esse mercado regulador? Será ele global? O fato
é que apenas três praças, Nova Iorque, Londres e Tóquio, concentram
mais da metade de todas as transações e ações; as empresas
transnacionais são responsáveis pela maior parte do comércio dito
mundial; os 47 países menos avançados representam juntos apenas 0,3%
do comércio mundial, em lugar dos 2,3% em 1960, enquanto 40% do
comércio dos Estados Unidos ocorrem no interior das empresas [27] .

O geógrafo brasileiro também questiona a idéia tão difundida de “humanidade


desterritorializada”, pois,

de fato, as fronteiras mudaram de significação, mas nunca estiveram tão


vivas, na medida em que o próprio exercício das atividades globalizadas
não prescinde de uma atividade governamental capaz de torná-las efetivas
dentro de um território [28] .

Em outra ocasião, respondendo a uma pergunta sobre a possibilidade de “perda de


materialidade” das fronteiras, divertiu-se: “Creio que a maior prova da
materialidade da fronteira é o contrabando” [29] .

Assim, também, Santos inverte o sentido de fragmentação, que aparentemente


inviabilizaria a possibilidade de sobrevivência das chamadas “grandes narrativas”
totalizantes, pois “na realidade o mundo sempre se fragmentou”, e é pela
fragmentação que se dá a passagem de um tempo para outro. “A totalidade só se
torna outra através da fragmentação. Fragmentação para construir outra coisa”
[30] . Dessa forma, encara a chamada pós-modernidade com “um outro momento
de construção”.

Bem a propósito, no debate que se seguiu à aula inaugural proferida no Instituto de


Geociências da Universidade Federal Fluminense em agosto de 1999, ironizando o
desvirtuamento de interpretações do célebre comentário de Marx sempre citado
nos estudos culturais sobre a pós-modernidade (“tudo que é sólido desmancha no
ar”), o professor arrancou risos da platéia ao afirmar: “o território não desmancha”.

De fato, como nota Manuel Castells, “se a primeira revolução industrial foi
britânica, a primeira revolução da tecnologia da informação foi norte-americana”
[31] , o que certamente diz alguma coisa sobre territórios. O autor percebe uma
“continuidade da história espacial da tecnologia e industrialização na era da
informação: os principais centros metropolitanos em todo o mundo continuam a
acumular fatores indutores de inovação e a gerar sinergia na indústria e serviços
avançados” [32] . As origens da “revolução tecnológica” também deixam clara essa

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relação: a associação entre empresas e universidades no Vale do Silício, a força


cultural e empresarial de uma metrópole (São Francisco, EUA), a capacidade de
vincular conhecimentos e informação diretamente relacionados à produção
industrial e a aplicações comerciais desmistificam o conceito de inovação sem
localidade geográfica na era da informação [33] .

Entretanto, em sua abrangente análise, Castells não deixa de apresentar


contradições. Por exemplo, anuncia sua opção metodológica avessa a
determinismos: considera que nem a tecnologia determina a sociedade, nem o
contrário; a tecnologia incorpora a sociedade e a sociedade utiliza a inovação
tecnológica. Assim, busca enxergar a questão sob uma ótica que privilegia a
interação dialética entre as várias forças em jogo, embora não desconheça a
desigualdade dessas forças, e conclui que o dilema do determinismo tecnológico é
um problema sem fundamento, “dado que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade
não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas” [34] .
No entanto, imediatamente afirma que, “quando na década de 70 um novo
paradigma tecnológico, organizado com base na tecnologia da informação, veio a
ser constituído, principalmente nos Estados Unidos, foi um segmento específico da
sociedade norte-americana, em interação com a economia global e a geopolítica
mundial, que concretizou um novo estilo de produção, comunicação, gerenciamento
e vida”. Mais adiante, sublinha a diferença fundamental que amplia o abismo entre
a elite e o restante da sociedade: “as elites aprendem fazendo, e com isso
modificam as aplicações da tecnologia, enquanto a maior parte das pessoas aprende
usando, e, assim, permanecem dentro dos limites do pacote da tecnologia” [35] .

Fica difícil, nesse quadro, dizer que não há forças determinantes na condução do
processo social. Talvez por isso o autor discorde da ênfase que Harvey dá à lógica
capitalista no atual processo de transformação cultural, sob o argumento óbvio - e
certamente inadequado, pois Harvey não incorre nesse simplismo mecanicista - de
que “a cultura, em todas as suas manifestações, não reproduz simplesmente a
lógica do sistema econômico”.

Espaço de fluxos, “tempo real”

De todo modo, na análise de Castells há aspectos que nos estimulam a perceber a


complexidade do processo atual. A começar pela abordagem que definirá a
conceituação de “espaço de fluxos”: ao contrário da maioria das teorias sociais
clássicas, “que supõem o domínio do espaço pelo tempo”, ele considera que o
espaço organiza o tempo na sociedade em rede. Seria o “espaço de fluxos” (de
informação, de capital, de tecnologia) “que, ao mesmo tempo, reúnem e separam -

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dependendo dos ciclos das empresas - seus componentes territoriais” [36] , mas
que não abolem a existência de lugares (pois, afinal, o território não desmancha...).
Assim, após demonstrar que o capital é global mas o trabalho continua sendo local,
o autor conclui que “capital e trabalho tendem cada vez mais a existir em
diferentes espaços e tempos: o espaço dos fluxos e o espaço dos lugares, tempo
instantâneo de redes computadorizadas versus tempo cronológico da vida
cotidiana” [37] .

Assim, Castells argumenta que várias temporalidades subsistem, embora uma


esteja emergindo como determinante: a que ele chama de “tempo intemporal”,
próprio da estrutura da rede, onde passado e futuro se fundem num eterno
presente. O autor reconhece que “as sociedades contemporâneas ainda estão em
grande parte dominadas pelo conceito do tempo cronológico, descoberta
categórica/mecânica que E. P. Thompson, entre outros, considera importantíssima
para a constituição do capitalismo industrial”, mas afirma que

[e]sse tempo linear, irreversível, mensurável e previsível está sendo


fragmentado na sociedade em rede (...). No entanto, não estamos apenas
testemunhando uma relativização do tempo de acordo com os contextos
sociais ou (...) o retorno à reversibilidade temporal, como se a realidade
pudesse ser inteiramente captada em mitos cíclicos. A transformação é
mais profunda: é a mistura de tempos para criar um universo eterno que
não se expande sozinho, mas que se mantém por si só, não cíclico, mas
aleatório, não recursivo, mas incursor: tempo intemporal, utilizando a
tecnologia para fugir dos contextos de sua existência e para apropriar, de
maneira seletiva, qualquer valor que cada contexto possa oferecer ao
presente eterno [38] .

É uma noção que remete à sensação de simultaneidade. Mas, como enunciamos


anteriormente, essa idéia tampouco é nova. Recorrendo a Barthes, Harvey anota o
aparecimento do primeiro grande impulso cultural modernista na Paris pós-1848,
relacionando manifestações no campo da arte e da literatura:

As pinceladas de Manet, que começou a decompor o espaço tradicional da


pintura e a alterar seu enquadramento, bem como a explorar as
fragmentações da luz e da cor; os poemas e reflexões de Baudelaire, que
buscava transcender a efemeridade e a estreita política do lugar à
procura de significados eternos; os romances de Flaubert, com suas
estruturas narrativas peculiares no espaço e no tempo (...) [explorando] a
questão da representação da heterogeneidade e da diferença, da
simultaneidade e da sincronia, num mundo em que tanto o tempo como o
espaço estão sendo absorvidos sob as forças homogeneizantes do dinheiro
e da troca de mercadorias [39] .

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No início do século XX, Joyce se destacaria ao buscar apreender o sentido de


simultaneidade. Data do mesmo período o Manifesto do Futurismo, de Marinetti,
um elogio à velocidade:

Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza


nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre
adornado de grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo... um
automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a
Vitória de Samotrácia. (...) Nós estamos sobre o promontório extremo dos
séculos!... Para que olhar para trás, no momento em que é preciso
arrombar as portas do impossível? O tempo e o espaço morreram ontem.
Vivemos já no absoluto, já que nós criamos a eterna velocidade
onipresente [40] .

É por isso que Harvey, na parte final de seu estudo, sugere substituir a rígida
distinção categórica entre modernismo e pós-modernismo pela análise do fluxo de
relações interiores no capitalismo como um todo - retomando a idéia de que o
capital é um processo, uma relação social. Assim, talvez fosse possível dizer que
essas experiências modernistas anteciparam o ambiente em que vivemos hoje, e
que a novidade é a criação das condições para essa simultaneidade, com a
transmissão e recepção instantânea de informações. A propósito, convém lembrar
que o ressurgimento dos Jogos Olímpicos, em 1896, teve um papel decisivo como
metáfora do mundo moderno, sintetizada no lema “mais alto, mais rápido, mais
forte” [41] . A apropriação desse lema pela publicidade e os múltiplos significados
que dele decorrem para a vida cotidiana contemporânea não deixam dúvidas
quanto à força da metáfora.

Mas retornemos a Castells e a seu “tempo intemporal”: podemos perceber que o


conceito assemelha-se ao de “tempo de exposição”, formulado por Virilio em
contrapartida ao tempo da cronologia, “que não pára, que escorre perpetuamente,
o tempo linear do cotidiano”: o tempo da rápida tomada de imagens, da exposição
da placa fotográfica à frequência da onda carregadora de fótons, o “tempo-luz” [42]
. Assemelha-se também ao “tempo instantâneo” ou “tempo sem tempo” explorado
num dos workshops do NTC (Centro de Estudos e Pesquisas em Novas Tecnologias,
Comunicação e Cultura) da USP, sobre “tempo real e espaço virtual”: tempo que,
segundo conceituação de Edmond Couchot, tem outra natureza e não se refere à
noção clássica do tempo que passa, da vida prática, mas existe numa relação quase
instantânea com a máquina. O mesmo, aliás, se poderia dizer do “tempo de
exposição” de Virilio [43] .

Assim, a nova relação temporal é definida pela natureza do sistema e a finalidade a

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que se destina ao lidar com a informação. Marcos Dantas argumenta que o valor de
uso da informação será tanto maior quanto mais acessível estiver o dado, por isso “o
trabalho de busca e processamento visa, em essência, tornar imediato o acesso a
um dado, acesso este que, obviamente, não foi imediato para quem o buscou e
processou (que despendeu tempo de trabalho) mas o será para quem o usou” - para
quem recebeu a comunicação. Assim, o efeito útil é a realização da comunicação,
após o que seu valor se degrada. Dantas ressalta que

informação não se estoca, embora o linguajar comum possa adotar


expressões como “estoque de informação”, “armazenamento de
informação” e outras metáforas semelhantes que, a rigor, atrapalham
uma correta compreensão do fenômeno. O que se pode guardar ou
estocar são os suportes materiais contendo dados, nas formas de sinais
registrados ou gravados, que serão informação se e quando postos numa
relação comunicativa. Uma biblioteca não contém informação, contém
livros, tanto quanto uma garagem contém carros e não locomoção, lembra
Heinz von Foerster [44] .

Pierre Lévy também ressalta que o tempo instaurado pela informática baseia-se no
funcionamento de uma estrutura de banco de dados que não está programada para
acumular informações, e sim para disponibilizar a versão mais atual “a um cliente
com crédito”. Assim,

não se trata tanto de difundir as luzes junto a um público indeterminado,


mas sim de colocar uma informação operacional à disposição dos
especialistas. Estes desejam obter a informação mais confiável, o mais
rápido possível, para tomar a melhor decisão. Ocorre que esta informação
operacional é essencialmente perecível, transitória. Quase dois terços dos
dados atualmente armazenados no mundo representam informações
econômicas, comerciais ou financeiras com características estratégicas
[45] .

Lévy refere-se ao amarzenamento não na perspectiva tradicional que supõe uma


progressiva acumulação de conhecimento, mas no sentido de estabelecer uma base
sobre a qual se dê uma constante atualização.

A noção de tempo real, inventada pelos informatas, resume bem a


característica principal, o espírito da informática: a condensação no
presente, na operação em andamento. O conhecimento de tipo
operacional oferecido pela informática está em tempo real [46] .

Certamente sem atentar para a coexistência de diversas temporalidades, Ciro


Marcondes Filho cita a associação que Fredric Jameson faz entre o “presente
contínuo” do pós-moderno e o tempo do esquizofrênico - o território do

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inconsciente, onde não há temporalidade alguma -, vinculando-o à idéia de “fim da


história”:

a noção antiga do tempo nos havia engendrado essa de História. Ela é


quem teria dado as condições de existência do conceito de história, de
devir, de futuro, de projeto de vida. A crise desses conceitos é uma prova
de que a temporalidade no sentido clássico - presente, passado e futuro -
não acontece mais. (...) [t]udo é vivência imediata. Não há exemplo mais
claro do que os equipamentos eletrônicos, em que tudo é instantâneo.
Nossa vivência, nossa capacidade de participar, influir, fica prejudicada,
pois as coisas não caminham para um lugar, são só aquilo, terminam ali.
O tempo na era tecnológica nos desvencilha daquele componente
histórico que existia antes [47] .

É apenas articulada a essa noção de “fim da história”, capaz de “embaralha[r]


presente, passado e futuro”, que Castells considera possível o surgimento do
conceito de tempo “intemporal”. Lévy também se refere a esse conceito,
relacionando-o ao seu objeto de estudo (os “três tempos do espírito”, relativos à
oralidade primária, à escrita e à informática) e sugerindo a ocorrência de uma
implosão cronológica provocada pelo tempo “pontual” da era das redes. O “fim da
história” não seria, porém, o fim da aventura humana, mas sim sua entrada em um
ritmo novo, num devir que aparentemente caminha muito depressa, mas não quer
saber de onde vem ou para onde vai: “ele é a velocidade” [48] .

Mas talvez seja este apenas mais um véu a encobrir relações de poder muito
concretas. Pois, na interpretação de Bauman,

a integração e a reprodução da “ordem global” toma mais uma vez o


disfarce de um processo espontâneo e impelido por si mesmo. A grande
novidade da modernidade foi apresentar a criação, preservação e
continuidade da “ordem” como uma tarefa - um propósito dificilmente
atingível sem uma ação humana decidida, concertada e consciente da sua
meta. Mas a produção da ordem não é vista mais como uma tarefa; ao
contrário, toda ação que visa a impor uma ordem diferente daquela em
vigor é suspeita de interferir indevidamente na capacidade e poder da
“mão invisível” (com ênfase no invisível) [49] .

A complexidade do tema começa pelo estágio proficuamente especulativo da


discussão. Mas o problema principal parece estar no ato de tomar uma noção de
tempo restrita à sua relação com a máquina e estendê-la para o conjunto da vida
social - a tensão já indicada por Castells entre o “tempo instantâneo das redes” e o
“tempo cronológico do cotidiano”. Daí a simplificação quando se fala em “fim da
história”, pois a perspectiva que surge imediatamente é aquela popularizada por

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Francis Fukuyama, e já desqualificada por autores sérios pela frágil fundamentação


teórica reveladora de um óbvio comprometimento ideológico, segundo a qual o fim
da guerra fria marcaria o desaparecimento da dualidade entre os modelos de
sociedade até então em conflito, e portanto o capitalismo liberal democrático seria
o ponto de chegada da humanidade.

Totalmente distinta é a abordagem sugerida, por exemplo, por Nicolau Sevcenko,


que substitui a história com “H” maiúsculo (vinculada à idéia de progresso, à
perspectiva etnocêntrica homogeneizante em que uma única voz é a narradora ou
controla a locução de todas as outras) por “uma concepção de historicidade dentro
de um campo relacional, na qual os fatos são tratados como singularidades e
compostos de forma a não refletirem uma percepção hierarquizada da cadeia de
eventos”. Recorrendo à crítica da cultura ocidental empreendida por Nietzsche, o
professor sugere que o “fim da História” representaria a rejeição da longa herança
de princípios finalistas que marcam esse campo de saber, mas não o fim da
historicidade do homem. “Todo ser humano é, antes de mais nada, um ser
histórico”, afirma ele, lembrando-se dos versos de Eliot que o ajudaram a definir-se
sobre a carreira que seguiria na vida: “tempo presente e tempo passado são ambos
presentes no tempo futuro” [50] .

Além de constituir uma polêmica atual para os próprios historiadores - e que,


portanto, não caberia discutir aqui -, o problema apresentado expõe uma questão
epistemológica central: a adoção ou não de uma perspectiva totalizadora, que não
seja simplesmente sinônimo de etnocentrismo, mas que represente uma forma
(entre tantas possíveis) de apreender o mundo e dar-lhe sentido. Milton Santos
parece partir dessa hipótese:

Tempo, espaço e mundo são realidades históricas que devem ser


intelectualmente reconstruídas em termos de sistema, isto é, como
mutuamente conversíveis, se a nossa preocupação epistemológica é
totalizadora. Em qualquer momento, o ponto de partida é a sociedade
humana realizando-se. Essa realização dá-se sobre uma base material: o
espaço e seu uso, o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas
formas, as ações e suas diversas feições [51] .

Sintetizando: “há muitos mapas, mas o mundo é um só” [52] .

Cabe também destacar que a abordagem de Sevcenko sobre o “fim da história” não
parece autorizar a combinação aleatória de eventos, como sugere Castells. Uma fala
de Eric Hobsbawm, aliás, é esclarecedora em relação a esse processo. A referência
é pertinente, embora o historiador inglês se encaixe na tradição iluminista criticada

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por Sevcenko, de vez que, nesse exemplo, não está em causa a questão do método,
mas a defesa da necessidade de se cultivar a capacidade de conhecer e encadear
fatos, pois “todo aquele que já tenha ouvido um estudante americano inteligente
perguntar-lhe se o fato de falar em ‘Segunda Guerra Mundial’ significa que houve
uma ‘Primeira Guerra Mundial’ [sabe] muito bem que nem sequer o conhecimento
de fatos básicos do século pode ser dado por certo”.

A destruição do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que


vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas - é um dos
fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase
todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem
qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem.
Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem,
tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio [53] .

Tampouco é demais recordar as conseqüências que podem advir desse eterno


presente, tão bem expressas na ficção premonitória e apocalíptica de Orwell em
1984: a “atualização” permanente da história, moldada de acordo com os interesses
de um poder tentacular. Não é por acaso que tantos teóricos da comunicação citam
a novilíngua como exemplo em suas análises sobre as estratégias para a
domesticação de consciências.

A leitura mais atenta da análise de Castells, além do mais, revela uma imprecisão
conceitual grave debaixo de um exercício de estilo: “[a] libertação do capital em
relação ao tempo e a fuga da cultura ao relógio são decisivamente facilitadas pelas
novas tecnologias da informação e embutidas na estrutura da sociedade em rede”
[54] . Pois a desregulamentação e a flexibilidade atuais não representam libertação
alguma, apenas uma nova forma de lidar com o tempo para “economizá-lo” e daí
extrair mais-valia. Da mesma maneira, a fuga da cultura ao relógio, que costuma
ser apresentada também como libertação - inclusive e especialmente pela mídia -,
esconde um novo e invisível aprisionamento.

Depois de horas seguidas de serviço, o operário de Chaplin deixa a fábrica


repetindo mecanicamente os movimentos da linha de montagem: já nos tempos
modernos dos anos 30 o ritmo do trabalho invadia a vida. O fim do expediente
nunca foi a liberdade do lazer: Marcuse já percebia a reprodução, em casa, das
rotinas do trabalho [55] . Christophe Déjours retomou a perspectiva dessa
concepção utilitarista de tempo permeando o cotidiano, de modo que mesmo as
férias do trabalhador devem ser produtivas: o ócio seria pura perda de tempo [56] .
A indiferenciação formal entre os tempos de trabalho e lazer, hoje, só favorecem
essa mistura. Não é outro, aliás, o projeto dos programas de qualidade total, que

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procuram “educar” o trabalhador e torná-lo “competitivo” visando não apenas o seu


desempenho na empresa, mas a sua atitude diante da vida. Tudo muito coerente
com a “sociedade de rede” e revelador de um aspecto perverso da enganosa
suavidade dessa “fluidez”: o trabalhador “livre” do relógio, o trabalhador sem
horário fixo é o trabalhador em tempo integral.

Mas não devemos nos alongar em considerações a respeito dos desdobramentos e


das perspectivas da “sociedade em rede” e seus espaços virtuais. Não só porque são
muitos os riscos da análise sobre processos ainda incipientes: o próprio Castells dá
um exemplo ao citar “uma importante pesquisa européia sobre telecomutação”,
realizada em 1988, que informou - e, segundo ele, não em tom de brincadeira -
existirem, na época, “mais pessoas fazendo pesquisas sobre teletrabalho do que
teletrabalhadores reais” [57] . Ou porque, como diz Armand Mattelart, “a empresa
global (e por conseguinte a economia global que ela entende comandar) é antes um
projeto que uma realidade” [58] . Mas sobretudo porque nosso objetivo de discutir
a velocidade como fetiche, expressa exemplarmente no caso do jornalismo, se
baseia no quadro já apresentado de percepção da aceleração do tempo, que se
radicaliza hoje na era das redes.

A imprensa nos trilhos do capital

“Imprensa e capitalismo são pares gêmeos”, afirma Ciro Marcondes Filho em sua
tentativa de associar o nascimento e desenvolvimento daquela atividade profissional
com esse determinado modo de produção, buscando ver como a notícia se torna
mercadoria e aplicando-lhe, conseqüentemente, os conceitos de valor de uso e valor
de troca da teoria marxista [59] . Adelmo Genro Filho já fez uma boa crítica dessa
perspectiva, que reduz a possibilidade de uma imprensa crítica e transformadora a
seu “valor de uso genérico”, identificado no campo do debate político-partidário,
enquanto o “valor de uso específico” seria reduzido a zero, pois tal jornalismo não
teria condições de produzir as informações relativas à imediaticidade dos
fenômenos, tais como são tratados pela imprensa diária, e que correspondem a
necessidades reais de informação do público [60] .

Mas, embora com enfoques e conclusões distintos, os dois autores sustentam suas
teses a partir de uma orientação marxista na abordagem da história da imprensa. É
também o que faz Marcos Dantas em seu estudo sobre o desenvolvimento das
tecnologias da informação, lembrando que

[o] fato de Marx ter baseado sua análise da acumulação capitalista na


apropriação da mais-valia da força de trabalho simples obscureceu a
importância - logo, o valor - que o capital sempre deu à informação. Já no

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século XIII, os banqueiros e grandes comerciantes sustentavam redatores


profissionais nas diferentes capitais européias e mediterrâneas para que
periodicamente lhes enviassem relatórios sobre fatos políticos, bélicos ou
comerciais que pudessem afetar, positiva ou negativamente, os negócios.
Nesses relatórios encontra-se a origem remota do moderno jornalismo
[61] .

Marcondes Filho aponta a importância do jornal como instrumento do capitalismo


para a circulação mais rápida de mercadorias e para que “as informações sobre
exportações, importações e movimento do capital chegassem mais depressa e mais
diretamente aos componentes do circuito comercial [62] . Assim, como nota
Habermas, “a circulação de notícias desenvolve-se não somente em conexão com as
necessidades da circulação de mercadorias, as próprias notícias tornam-se
mercadorias” [63] . Desde a origem, portanto, a produção de notícias estará sujeita
às leis do mercado. Habermas considera, porém, que só se pode falar propriamente
de jornalismo quando as notícias passam a ser produzidas empresarialmente,
quando “o noticiário regular torna-se público e, melhor: acessível ao público em
geral”, o que ocorre apenas em fins do século XVII.

Começa a se delinear aí, também, a importância política da imprensa como


instrumento da burguesia contra o absolutismo. Tratando não apenas de jornais,
mas da atividade impressa em seu conjunto, Robert Darnton anota o papel decisivo
do desenvolvimento técnico para a ampliação da luta política:

Os historiadores tratam em geral a palavra impressa como um registro do


que aconteceu e não como um ingrediente do acontecimento. Mas a
prensa tipográfica ajudou a dar forma aos eventos que registrava. Foi uma
força ativa na história, especialmente durante a década de 1789-1799,
quando a luta pelo poder foi uma luta pelo domínio da opinião pública.
(...) Imaginem um mundo sem telefone, rádio, televisão, no qual a única
maneira de comover a opinião numa escala nacional é o tipo móvel.
Imaginem esse mundo explodindo. Fragmenta-se em milhares de pedaços.
Um grupo de homens tenta ajuntá-los numa nova ordem, começando com
uma Declaração dos Direitos do Homem e continuando com novos modelos
para uma constituição, uma administração, a igreja, a moeda, o
calendário, o mapa, pesos e medidas, formas de tratamento e a própria
linguagem. Em cada estágio desse processo, usam a mesma ferramenta
básica: a prensa tipográfica. Sem a imprensa, podem conquistar a
Bastilha, mas não podem derrubar o Antigo Regime. Para tomar o poder
têm que tomar a palavra e difundi-la (...). Quando os revolucionários
agarraram a alavanca da prensa e a fizeram baixar nos tipos travados na
forma, enviaram um novo fluxo de energia através do corpo político. A
França voltou à vida, e a humanidade se assombrou [64] .

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Mas, apesar das raízes iluministas que forneceriam os princípios para o exercício
do jornalismo, até aquela época a imprensa ainda não havia alcançado prestígio
como instrumento para expressão de idéias. Valorizados eram os livros e brochuras.
A esse respeito, Albert e Terrou reproduzem um comentário de Rousseau, de 1755:

O que é um livro periódico? Uma obra efêmera, sem mérito e sem


utilidade, cuja leitura, negligenciada e desprezada pelos letrados, só serve
para dar às mulheres e aos tolos vaidade sem instrução [65] .

Também Diderot, na Enciclopédia, faria comentário semelhante:

Todos esses papéis são o alimento dos ignorantes, o recurso dos que
querem falar e julgar sem ler, o flagelo e o desgosto dos que trabalham.
Nunca levaram um bom espírito a produzir uma boa linha, nem
impediram um mau autor de fazer uma obra má [66] .

Foi a precipitação dos acontecimentos em 1789 que deu à imprensa, na França, o


status que já havia obtido na independência americana, como instrumento
fundamental para o esclarecimento das multidões. Brissot resumiria esse papel
iluminista:

É preciso encontrar um outro meio que não as brochuras para instruir


todos os franceses, incessantemente, com pouca despesa e sob uma forma
que não os fatigue. Tal meio é um jornal político ou uma gazeta: esta é a
única forma de instrução de uma nação numerosa (...) pouco acostumada
a ler e que procura sair da ignorância e da escuridão. Sem as gazetas a
revolução na América (...) nunca teria acontecido [67] .

Porém, como nota Nicolau Sevcenko, quando o absolutismo foi suplantado e se


instalaram os primeiros regimes liberais, “a situação estava longe de ser luminosa.
A imprensa logo se tornou ela mesma um instrumento de manipulação, distorção e
corrupção política, cruamente retratado nas Ilusões perdidas, de Balzac” [68] . E
começaria a se tornar poderosa como empresa, especialmente a partir das últimas
décadas do século XIX, quando se formam os primeiros grandes conglomerados
jornalísticos.

Mas já no início daquele século a imprensa começa a transformar-se, incorporando


as novidades técnicas que surgiam no campo das comunicações para a produção
maciça de jornais. A utilização da prensa rápida, criada por Friedrich König, foi o
marco inicial desse processo que culminaria, no fim do século XIX, com a linotipo
de Mergenthaler, que garante a aceleração da composição.

A corrida para a revolução nas técnicas de imprensa (...) era o ponto de


partida para a produção em massa que permitia reduzir o custo e

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acelerava extraordinariamente a circulação. Era outra prova da


interligação entre o desenvolvimento da imprensa e o desenvolvimento
capitalista. O desenvolvimento das bases da produção em massa, de que a
imprensa participou amplamente, acompanhou o surto demográfico da
população ocidental e sua concentração urbana; paralelamente, a
produção ascensional provocou a abertura de novos mercados, a
necessidade de conquistá-los conferiu importância à propaganda, e o
anúncio apareceu como traço ostensivo das ligações entre a imprensa e as
demais formas de produção de mercadorias [69] .

O Times, de Londres, adotou a prensa de König em novembro de 1814, conseguindo


a impressão de mil exemplares por hora e reduzindo sensivelmente o tempo entre a
ocorrência de um fato e sua divulgação em um grande território. Além disso, o
jornal ganhava três horas sobre seus concorrentes por expedir os exemplares
diretamente para o interior através do trem da estação de Euston [70] .

Entretanto, “o que o jornal não transmitiu aos seus leitores foi o fato de que uma
máquina tão impressionante não poderia ser utilizada sem um gasto financeiro
considerável, e que os custos mal poderiam ser cobertos com o produto da venda”
[71] . Assim, a liberdade política começa a ser limitada pelas exigências
econômicas: a imprensa, para sobreviver, necessitará de investimentos crescentes
em equipamentos. Marcondes Filho aponta a separação entre imprensa como
empresa capitalista e imprensa partidária, “puramente política (doutrinária,
ideológica)”, dos partidos social-democratas e socialistas, de fundamental
importância na luta política de fins do século XIX. “A imprensa burguesa,
particularmente a partir de 1830, começara a definir-se como imprensa de
negócios para o comércio de anúncios. É nessa mercantilização do jornalismo que
se separam as tendências” [72] . O autor ressalta que, como empresa capitalista, é
essa imprensa que mantém as características originais da atividade jornalística: a
busca da notícia, o furo, o caráter de atualidade, a aparência de neutralidade, em
suma, o caráter “libertário e independente”. E argumenta que, “assim como o
funcionamento econômico é regido pelo laissez-faire, também em pleno capitalismo
concorrencial a atividade jornalística reflete o livre jogo de forças capitalistas da
disputa política”, o que lhe confere uma aparência pluralista, distintamente do
caráter da imprensa partidária, contrária à lógica empresarial.

O negócio da imprensa cresce com o surgimento das agências de notícias (entre


1835 e 1851 seriam criadas a Havas, francesa, a Wolff, alemã, e a Reuters,
britânica, que, em 1870, formariam um cartel para partilhar entre si o mercado
mundial). Segundo Mattelart, o traço distintivo da Havas é associar informação e
publicidade, tornando-se precursora dos grupos multimídia do século XX. Na

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década de 1930, as americanas Associated Press e United Press International


passam a investir também no mercado mundial [73] .

Mas já na primeira metade do século XIX começa a se formar a imprensa de


massas, resultante das possibilidades técnicas de produção em larga escala. O New
York Sun, lançado em 1833, foi o primeiro jornal desse tipo,

[sem] nenhum artigo de fundo politicamente diferenciado, senão relatos


sobre processos de justiça, execuções, suicídios, ocorrências locais e
acontecimentos mundiais extraordinários. (...) Nos anos 1880-90, começa
nos Estados Unidos a grande produção em massa. As misturas de
sensacionalismo da imprensa de um penny são, então, refinadas e
apresentadas tecnicamente com mais efeitos a partir de 1883 no jornal de
Joseph Pulitzer, [New York] World. Aqui surge uma mescla de indiscrição,
sensações, escândalos, a que se denomina, a partir daí, “interesse
humano” [74] .

Os comics, que surgiram em 1894, seriam um ingrediente importante na disputa


de mercado entre o World e o New York Journal, de Randolph Hearst (como se
sabe, foi um desses personagens de quadrinhos, o Yellow Kid, que acabou batizando
aquele tipo de imprensa - yellow, para os americanos, marrom para nós). Pouco
antes (1880), na França, são os folhetins o centro da briga entre o Le Petit Parisien
(que em 1890 tornou-se o primeiro jornal europeu a ultrapassar a tiragem de 1
milhão de exemplares) e o Le Petit Journal, ambos publicando dois a três folhetins
ao mesmo tempo, com a ajuda importante de campanhas promocionais [75] .

Marcondes Filho vê entre o jornal dito “sensacionalista” e o outro dito “sério” uma
diferença apenas de grau, pois, em ambos,

tudo que se vende é aparência e, na verdade, vende-se aquilo que a


informação interna não irá desenvolver melhor do que a manchete. (...)
No jornalismo sensacionalista as notícias funcionam como pseudo-
alimentos às carências do espírito. No jornal informativo comum esse
caráter era menos destacado, não deixando entretanto a forma noticiosa
de ser sensacional. O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da notícia,
a sua carga emotiva e apelativa e a enaltece. Fabrica uma nova notícia que
a partir daí passa a se vender por si mesma. Os fatos sociais, embora não
sendo sempre necessariamente notícia, uma vez trabalhados para esse fim
assumiam o caráter de mercadoria [76] .

Genro Filho partilha dessa interpretação, considerando que toda notícia é, de certa
forma, sensacionalista, porque é construída de modo a apelar aos sentidos do
público. Mas encara o jornalismo de forma bem distinta, como “forma de
conhecimento do mundo” baseada no fato singular - e por isso afirma que o

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“segredo da pirâmide” é que ela não é invertida, como indica a técnica de redação
predominante, mas está em sua posição direita, com o vértice no topo, se quisermos
caracterizar o percurso de apreensão do fato singular objeto do jornalismo [77] .

À parte o interesse dessa abordagem para a teoria do jornalismo, importa aqui


perceber como essa “forma de conhecimento” é afetada pela competição entre os
jornais na busca da “notícia em primeira mão”. É em torno dessa idéia de
dinamismo que a imagem da atividade jornalística se constrói: meninos jornaleiros
saem às ruas apregoando edições extras, efeitos sonoros vibrantes despertam o
ouvinte para notícias curtas e rápidas, vinhetas alertam o espectador para o
bombardeio de imagens. Notícias de última hora: tudo é urgência. É a ideologia da
velocidade e do progresso, no dizer de François Brune:

Tudo que se move no mundo, tudo que anda depressa, progride. Toda
mobilidade é positiva: o mal maior é ser “ultrapassado”. A maioria das
competições é à base de velocidade, mas é em todos os domínios que é
preciso andar depressa, pensar rápido, viver rápido. (...) Naturalmente, a
vertigem da velocidade leva a aceitar em bloco todas as evoluções
modernas [78] .

Adauto Novaes fala da angústia gerada nesse quadro:

[A]dmiramos a velocidade (que em um centésimo de segundo põe em jogo


prestígio, dinheiro, interesses - já não sabemos viver a vida lenta e
inexata); vivemos a era dos ruídos e da fala ininterrupta da televisão e do
rádio (começamos a esquecer como é fecundar o silêncio, [entendendo-o]
não como ausência de palavra mas como condição de existência da
própria palavra; ...[pois] é o intervalo entre as palavras - o silêncio - que
dá sentido à linguagem;) ...vivemos ainda o excesso de imagens ... mas
vivemos principalmente a perda do sentimento do tempo ao
considerarmos que “as coisas rápidas são muito lentas e que as próprias
mensagens elétricas fazem morrer de tédio”. [79]

Na pesquisa comparativa que desenvolveram em 1979 sobre a informatização no


jornalismo impresso e a influência das novas tecnologias na França, na
Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e na Escandinávia [80] , Dominique Wolton e J.-L.
Lepigeon verificaram o entusiasmo da maior parte dos entrevistados diante do que
previam ser uma revolução na imprensa e na própria informação. Vinte anos
depois, Wolton observa que essas mudanças técnicas, embora consideráveis, não
representaram a revolução anunciada, “uma nova concepção da informação e do
jornalismo”. Tomando por base o ideal clássico do jornalismo, o autor apresenta sua
crítica ao discurso que projetava mudanças positivas no setor:

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Hoje, com a onipresença da informática e de todos os meios técnicos mais


sofisticados, não parece que a informação e a imprensa tenham mudado
muito do ponto de vista do conteúdo e de seu papel. Isso demonstra uma
vez mais que uma inovação técnica, por forte que seja, não leva consigo,
mecanicamente, uma transformação profunda do conteúdo das
atividades. Não apenas o tempo técnico não é o tempo social, mas
sobretudo a mudança técnica gera problemas novos, inesperados, que não
estavam presentes nos famosos discursos premonitórios. (...) Todos esses
fracassos deveriam fazer refletir, mas nada foi feito. (...) Mais que
compreender que as sociedades não evoluem no ritmo das inovações
técnicas, fala-se de “resistência à mudança” e de medo do futuro. (...)
Tudo menos pôr em dúvida essa urgência do tempo e essa confusão entre
tempo técnico e tempo social [81] .

A clareza na percepção da diferença entre as duas temporalidades não esconde,


porém, o equívoco de um aspecto da análise. Pois, na era do “tempo real”, quando a
informação deve ser instantânea para ter valor, o jornalismo mudou
profundamente, a ponto de descaracterizar-se, embora os grandes conglomerados
multimídia venham consolidando seu poder econômico e político. Nessa “virada na
história da informação”, como a classifica Ignacio Ramonet, a televisão tem um
papel central, porque passou a ser a mídia que dá o tom e o ritmo às demais - daí,
segundo ele, não se poder mais tratar isoladamente do jornalismo impresso.

Se a televisão assim se impôs, foi não só porque ela apresenta um


espetáculo, mas também porque ela se tornou um meio de informação
mais rápido que os outros, tecnologicamente apta, desde o fim dos anos
80, pelo sinal dos satélites, a transmitir imagens instantaneamente, à
velocidade da luz [82] .

A ênfase no “ao vivo”, além de reduzir o tempo da análise e da reflexão, cria o efeito
de que todos, repórteres e público, são testemunhas oculares da “história em
movimento”. Ramonet aponta aí o retorno à idéia pré-iluminista (de fato,
pré-renascentista) de que “ver é compreender”.

Não obstante, a racionalidade moderna, desde o século XVIII, com as


Luzes e a revolução científica, desenvolveu-se precisamente contra essa
idéia. Não são os olhos e sentidos que permitem compreender, é a razão,
só ela. Enquanto os sentidos enganam, o cérebro, o raciocínio, a
inteligência, são mais confiáveis. Portanto, o sistema atual só pode
conduzir à irracionalidade ou ao erro [83] .

Sem falar na superabundância de informações disponibilizadas, que geram o que


Ramonet chama de censura pelo excesso. O exemplo clássico é a guerra do Golfo.

A mídia não disse: “vai haver uma guerra e não vamos mostrá-la”. Pelo

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contrário, ela disse: “vocês vão ver a guerra diretamente”. E ela mostrou
imagens tais que todo mundo acreditava estar vendo a guerra, a ponto de
ninguém compreender que não a via, que aquelas imagens mascaravam
silêncios; que aquelas imagens eram na maioria das vezes falsas,
reconstruções, enganações. De fato, elas ocultavam aquela guerra a ponto
de Jean Baudrillard poder escrever um livro intitulado A guerra do Golfo
não aconteceu [84] .

No mesmo sentido, Marcondes Filho fala no mito da transparência, no contexto da


vitória do neoliberalismo articulado às tecnologias da comunicação: criticá-las é
rejeitar o progresso, pois o “pensamento único” não deixa saídas: ou este mundo ou
nenhum outro.

Nesse quadro, a ideologia da transparência é o único horizonte possível da


imprensa: segundo ele, o que importa hoje, em termos de jornalismo, é
“ver claramente a realidade, o sentido”, isto é: bom é tudo aquilo que é
diáfano, translúcido, visível; todos os espaços, territórios, processos que se
deixam ver [85] .

O autor localiza a origem dessa idéia na concepção do panóptico, de Bentham.


Bauman, porém, recorre ao estudo de Thomas Mathiesen [86] para argumentar que
esse sistema de coesão e controle social foi sendo pouco a pouco substituído pelo
sinóptico: em vez de poucos vigiarem muitos, agora são muitos que vigiam poucos.
“A maioria não tem outra opção senão vigiar”, diz ele, referindo-se à anulação do
privado pelo público operada na pós-modernidade e ao valor de transparência que
se confere automaticamente à exposição da privacidade, tanto de “grandes e
famosos (grandes porque famosos)” quanto das pessoas comuns, nos inúmeros
shows de variedades da TV - e, atualmente, em programas exclusivamente
projetados para esse fim, na pista do sucesso de iniciativas semelhantes na internet.

O retorno da política

Todas essas transformações fazem mais sentido, e permitem pensar em


perspectivas, no contexto da “história da comunicação internacional”, que, segundo
Mattelart, “é a história dos entrelaçamentos que se foram tecendo entre guerra,
progresso e cultura”.

A comunicação serve, antes de tudo, para fazer a guerra. (...) Ora, a


guerra e sua lógica são componentes essenciais da história da
comunicação internacional, de suas doutrinas e teorias, assim como da
forma como foi utilizada em diferentes circunstâncias. Tal fato
verificou-se desde o aparecimento do telégrafo e da fotografia. E a
jurisprudência estabelecida - há quase cento e quarenta anos, por ocasião
da guerra da Criméia - a propósito da “transposição da guerra em

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imagem”, é a primeira de uma longa série de decisões que vieram a


desembocar, em janeiro de 1991, no controle total da informação pelas
autoridades militares. A Primeira Guerra Mundial - um conflito “total” que
afetou um número crescente de pessoas - foi a primeira experiência de
massa a partir da qual a teoria da comunicação formulou suas hipóteses
sobre a gestão das grandes multidões. (...) Fato altamente simbólico: nos
anos 50, em plena guerra fria, é que vai ser publicado, nos Estados
Unidos, o primeiro ensaio de construção de uma disciplina “comunicação
internacional”, sob a tutela da sociologia empirista [87] .

Mattelart não se detém sobre a internet, que como se sabe também resulta de um
esforço originado no campo militar, nos anos 60, quando a Agência de Projetos de
Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos desenvolveu um
sistema de rede (a arpanet) com o objetivo de preservar as comunicações em caso
de guerra nuclear. Mas cita os episódios que marcaram a “desinformação proposital
e consentida” durante a guerra do Golfo, em 1991, para afirmar que “os velhos
métodos de manipulação foram se modernizando desde o fim das guerras do
Sudeste Asiático, tornando cada vez mais frágil a linha tênue que separa a
informação da propaganda” [88] .

A referência ao vínculo entre comunicação e progresso é mais ou menos óbvia, e a


simbiose é tal que, com o impressionante desenvolvimento tecnológico dos anos 80,
comunicação passa a ser sinônimo de progresso, a ponto de sugerir a concretização
de utopias como a da “aldeia global” de McLuhan e outros conceitos semelhantes.
Mattelart aponta, porém, o declínio dessa euforia com a emergência do debate
sobre a gestão internacional da desigualdade do desenvolvimento, sintetizado, no
que diz respeito à comunicação, no documento da Unesco sobre a Nova Ordem
Informativa.

Embora interrompido com a derrota do socialismo, o fim da URSS e a emergência


do “pensamento único” neoliberal, esse debate forneceu as linhas para o enfoque
da comunicação como cultura, numa vertente distinta da inaugurada pela Escola de
Frankfurt, embora as críticas a esses pensadores geralmente não levem em conta
um aspecto fundamental de seu trabalho, sublinhado por Marilena Chauí: a atenção
ao conceito de “massa”, uma vez que os frankfurtianos lidavam com a idéia de que
“a cultura dita de ‘massa’ é a negação de uma cultura democrática, pois em uma
democracia não há massa; nela, o aglutinado amorfo de seres humanos sem rosto e
sem vontade é algo que tende a desaparecer para dar lugar a sujeitos sociais e
políticos válidos” [89] . Segundo Mattelart, a ênfase sobre a cultura tem, entre
outras, a vantagem de formular “interrogações críticas sobre a pseudo-
universalidade de um modo de crescimento e desenvolvimento incapaz de fornecer

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a todos o que tinha conseguido realizar para alguns”. É um debate ainda incipiente,
como reconhece o autor, que talvez por isso tenha dado à conclusão de seu estudo o
título de “o enigma”.

Não é o caso de tentar decifrá-lo aqui, mas de perceber que essa forma de pensar a
comunicação fornece a possibilidade de associar informação e velocidade -
conforme as necessidades da guerra e de acordo com uma determinada noção de
progresso - ao mesmo tempo que permite vislumbrar perspectivas críticas ao
“pensamento único”, a partir dos estudos sobre a cultura. Especialmente se esses
estudos forem perpassados por uma recuperação do sentido da política nas
atividades humanas, como insinua o questionamento de Milton Santos:

A história é comandada pelos grandes atores desse tempo real, que são,
ao mesmo tempo, os donos da velocidade e os autores do discurso
ideológico. Os homens não são igualmente atores desse tempo real.
Fisicamente, isto é, potencialmente, ele existe para todos. Mas
efetivamente, isto é, socialmente, ele é excludente e assegura
exclusividades, ou, pelo menos, privilégios de uso. Como ele é utilizado
por um número reduzido de atores, devemos distinguir entre a noção de
fluidez potencial e a noção de fluidez efetiva. Se a técnica cria
aparentemente para todos a possibilidade da fluidez, quem, todavia, é
fluido realmente? Que empresas são realmente fluidas? Que pessoas?
Quem, de fato, utiliza em seu favor esse tempo real? A quem, realmente,
cabe a mais-valia criada a partir dessa nova possibilidade de utilização do
tempo? Quem pode e quem não pode? [90]

A resposta foi manchete da Folha de S. Paulo de 23 de junho de 2000: “Nem 5% do


mundo usa Internet, diz ONU; estudo mostra que o acesso à rede está concentrado
na América do Norte, na Europa Ocidental e no Japão”. A matéria dá mais detalhes:
“Quase metade dos internautas está nos EUA. Na Finlândia há mais servidores que
em toda a América Latina. E, em Nova Iorque, o número é superior ao da África”. E,
adiante: “...os especialistas [da ONU] pedem ação urgente para que, até 2005,
todos tenham acesso à Internet, ainda que precisem caminhar durante meio dia até
o micro mais próximo”. Talvez não seja necessário sublinhar a enorme diferença
que continua existindo entre quem precisa apenas apertar um botão para se
conectar à rede e quem é obrigado a caminhar durante meio dia para chegar a um
computador. Sem contar a insinuação de que a simples existência da tecnologia
representa uma conquista: está aí a velha idéia formalista de progresso, que não
leva em consideração as possibilidades (culturais, inclusive) de uso dessa
tecnologia.

Escrevendo cinco anos antes, mas informado por documentos de teor semelhante,

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Castells afirmava:

Não apenas a opção da multimídia ficará restrita àqueles com tempo e


dinheiro para o acesso e aos países e regiões com o necessário mercado
potencial, mas também as diferenças culturais/educacionais serão
decisivas no uso da interação para o proveito de cada usuário. A
informação sobre o que procurar e o conhecimento sobre como usar a
mensagem será essencial para se conhecer verdadeiramente um sistema
diferente da mídia de massa personalizada. Assim, o mundo da multimídia
será habitado por duas populações essencialmente distintas: a interagente
e a receptora da interação, ou seja, aqueles capazes de selecionar seus
circuitos multidirecionais de comunicação e os que recebem um número
restrito de opções pré-empacotadas. E quem é o quê será amplamente
determinado pela classe, raça, sexo, país [91] .

O paralelo da “era da informação” com a “era do rádio” é quase inevitável. Como se


sabe, nos anos 20 Brecht saudou aquele novo meio de comunicação diante das
perspectivas então abertas para a radicalização da democracia. Mas logo se instalou
o controle: prevaleceram os interesses da indústria fabricante de equipamentos e a
radiofonia se transformou num oligopólio com o exclusivo poder de emissão,
deixando ao público a condição de receptor [92] . A “fluidez” da “era da
informação” sugere a pulverização do poder, mas não é bem assim: não só
permanece a diferença objetiva entre classes sociais e populações inteiras como o
próprio controle da rede está sendo articulado de acordo com interesses
comerciais.

Em entrevista à Folha de S. Paulo [93] , Lawrence Lessig, professor em Harvard e


autor de Code and other laws of cyberspace, falou sobre os riscos de monopólio
nesse espaço fluido, citando como exemplo a compra da Time-Warner pela AOL:

Se a arquitetura da internet permanecer tão larga como é hoje, o tamanho


da AOL não é importante, pois é fácil mudar de provedor. Mas o receio é
que eles estejam fundindo a nova arquitetura da internet para possibilitar
provedores como as companhias de cabo, que irão fornecer esse serviço
para controlar a qual provedor você terá acesso. Isso significará que eles
vão poder controlar mais facilmente o tipo de conteúdo que você poderá
conseguir no ciberespaço. E esse é o medo, esse é o perigo - de como o
comércio transformará a arquitetura da internet para tornar possível que
essas grandes companhias tenham um poder efetivo de monopólio.

Previsões à parte, Lessig afirmou que o ciberespaço está se tornando cada vez
menos livre, em consequência da regulamentação imposta pelo governo americano
especialmente em torno de direitos autorais, a partir de pressões das empresas que
atuam no setor.

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...essa tendência de patentes comerciais no ciberespaço é extremamente


perigosa, especialmente para as pessoas fora dos Estados Unidos, porque
o que isso implica é que, para usar uma idéia ou uma certa tecnologia no
ciberespaço, a pessoa terá de vir para os Estados Unidos e conseguir uma
permissão dos detentores da patente. Assim, pessoas que têm advogados
americanos estão numa posição melhor do que as que têm advogados
brasileiros. Ou pessoas que têm idéias no Brasil estão em muito mais
desvantagem do que pessoas que têm idéias nos Estados Unidos. Portanto,
esse mercado global torna-se tendencioso em favor dos americanos, o que
é bastante perigoso.

[8] David Harvey. Condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1993, p. 189.

[9] D. Landes. Revolution in time: clocks and the making of the modern world, apud
Harvey, op. cit., p. 209.

[10] Paul Virilio. “O resto do tempo”, trad. Juremir Machado da Silva. Porto Alegre,
PUCRS.

[11] Harvey. op. cit., p. 188.

[12] Idem, p. 229.

[13] Zygmunt Bauman. Em busca da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000, p.
38.

[14] Gilles Deleuze. Conversações. Rio de Janeiro, 34, 1992, p. 221-222.

[15] Harvey. op. cit, p. 209-210.

[16] Manuel Castells. A era da informação: economia, sociedade e cultura, vol 1 - A


sociedade em rede. São Paulo, Paz & Terra, 1999, p. 459.

[17] Idem, ibidem.

[18] Harvey, op. cit., p. 148.

[19] Idem, p. 258.

[20] Idem, p. 259.

[21] Paul Virilio. A arte do motor. São Paulo, Estação Liberdade, 1996, p. 42. Grifos
do autor.

[22] Apud Harvey, op. cit., p. 264-265. Grifos nossos.

[23] Paul Virilio. op. cit., p. 42. Grifos do autor.

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[24] Idem, ibidem.

[25] Harvey, op. cit., p. 265.

[26] Milton Santos. Técnica, espaço e tempo - globalização e meio técnico-científico


informacional. São Paulo, Hucitec, 1996, p. 31.

[27] Milton Santos. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência
universal. Rio de Janeiro, Record, 2000, p. 41-42. As cifras são retiradas de Y.
Berthelot, Globalisation et régionalisation: une mise en perspective, in L’integration
régionale dans le monde, Gemdev, 1994, e Noam Chomsky, Folha de S. Paulo,
1993.

[28] Idem, p. 42.

[29] Santos. Técnica, espaço e tempo, cit., p. 181.

[30] Idem, p. 187.

[31] Manuel Castells. op. cit., p. 70.

[32] Idem, p. 416.

[33] Idem, p. 75.

[34] Idem, p. 25.

[35] Idem, p. 55.

[36] Idem, p. 419.

[37] Idem, p. 503.

[38] Idem, p. 459-460.

[39] Harvey, op. cit., p. 239.

[40] Marinetti. “Manifesto do Futurismo”. Le Figaro, 20 de fevereiro de 1909,


apud. Gilberto Mendonça Telles, Vanguarda européia e modernismo brasileiro.
Petrópolis, Vozes, 1997, p. 91-92. O Manifesto é também um elogio à guerra, “única
higiene do mundo”, e não surpreende que tenha sido utilizado como propaganda do
fascismo, que da mesma forma se assenhoreou da filosofia de Nietzsche e suas
imagens de “potência” e “vontade de poder”. Mas as relações entre arte e política
são complexas e, de qualquer modo, exigiriam uma análise que extrapola os
objetivos de nossa pesquisa.

[41] Cf. Eugene Weber. França fin-de-siècle. São Paulo, Companhia das Letras,
1989.

[42] Virilio. O espaço crítico. Rio de Janeiro, 34, 1993, p. 110.

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[43] Cf. “Tempo real e espaço virtual”. Atrator Estranho nº 17, São Paulo,
NTC/ECA/USP, outubro de 1995.

[44] Marcos Dantas. op. cit., p. 52.

[45] Pierre Lévy. As tecnologias da inteligência - o futuro do pensamento na era da


informática. Rio de Janeiro, 34, 1993, p. 114.

[46] Idem, p. 115.

[47] Marcondes Filho, in “Tempo real e espaço virtual”. op. cit.

[48] Lévy, op. cit., p. 115.

[49] Bauman, op. cit., p. 105.

[50] Nicolau Sevcenko. “O fim da História”. Atrator Estranho nº 19, São Paulo,


NTC/ECA-USP, 1996.

[51] Milton Santos. Técnica, espaço e tempo, cit., p. 42.

[52] Idem, p. 183.

[53] Eric Hobsbawm. A era dos extremos - o breve século XX (1914-1991). São
Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 13.

[54] Castells. op. cit., p. 460.

[55] Herbert Marcuse. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar,


1967.

[56] Christophe Déjours. A loucura do trabalho. São Paulo, Cortez/Oboré, 1987.

[57] W. J. Steinle. Telework: opening remarks and opening debate, in W. B. Korte, S.


Robinson e W. J. Steinle (orgs), Telework: present situation and future development
of a new form of work organization. Amsterdã, North Holland, 1988, apud Castells,
op. cit., p. 419.

[58] Robert Boyer, apud Armand Mattelart. Histoire de l’utopie planétaire - de la


cité prophétique à la société globale. Paris, La Découverte, 1999, p. 360.

[59] Ciro Marcondes Filho. Imprensa e capitalismo. São Paulo, Kairós, 1984, p. 22.

[60] Adelmo Genro Filho. op. cit. p. 113-114.

[61] Marcos Dantas, op. cit., p. 23.

[62] Ciro Marcondes Filho. O capital da notícia - jornalismo como produção social
da segunda natureza. São Paulo, Ática, 1986, p. 56.

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[63] Jürgen Habermas. “Do jornalismo literário aos meios de comunicação de


massa”, in Marcondes Filho (org), Imprensa e capitalismo, cit., p. 13.

[64] Robert Darnton, introdução a Revolução impressa - a imprensa na França


(1775-1800), in Robert Darnton e Daniel Roche (org)., São Paulo, Edusp, 1996, p.
15-16.

[65] Citado por P. Albert e F. Terrou, História da imprensa, São Paulo, Martins
Fontes, 1990, p. 11-12.

[66] Idem, ibidem.

[67] Idem, p. 22.

[68] Nicolau Sevcenko, in Bernardo Kucinski. A síndrome da antena parabólica. São


Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1998. (orelha).

[69] Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Graal,
1977, p. 3.

[70] Paul Virilio, A arte do motor, op. cit., p. 29.

[71] Jaenick, apud Marcondes Filho. O capital da notícia, op. cit., p. 63.

[72] Marcondes Filho. op. cit., p. 65.

[73] Mattelart. Comunicação-mundo - história das técnicas e das estratégias.


Petrópolis, Vozes, 1994, p. 28.

[74] Dieter Prokop, apud Marcondes Filho. O capital da notícia, cit., p. 66.

[75] Mattelart. op. cit., p. 29.

[76] Marcondes Filho. O capital da notícia, cit., p. 67.

[77] Genro Filho, op. cit., p. 185 ss.

[78] François Brune. “L’idéologie d’aujourd’hui”, in Manière de Voir (hors-série), Le


Monde diplomatique, março de 1997, p.11.

[79] Adauto Novaes. “Sobre tempo e história”. in Adauto Novaes (org.). Tempo e
história, S. Paulo, Companhia das Letras, 1992, p 13.

[80] De la presse écrite aux nouveaux médias. Documentation française, 1979. in


Dominque Wolton. Sobre la comunicación. Madrid, Acento, 1999, p. 271.

[81] Dominque Wolton., op. cit., p. 271-272.

[82] Ignacio Ramonet. op.cit., p. 26.

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[83] Idem, p. 62.

[84] Idem, p. 49.

[85] Marcondes Filho. A saga dos cães perdidos. São Paulo, Hacker, 2000, p. 112.

[86] Thomas Mathiesen. The viewer society: Michel Foucault’s ‘panopticon’


revisited. Theoretical Criminology, 1997, p. 215-234, apud Bauman, op. cit., p. 77.

[87] Armand Mattelart. op. cit., p. 10.

[88] Idem, ibidem.

[89] Marilena Chauí. Cultura e democracia - o discurso competente e outras falas.


São Paulo, Moderna, 1981, p. 8.

[90] Milton Santos. Por uma outra globalização, cit., p. 28-29.

[91] Castells, op. cit., p. 394. Grifos do autor.

[92] Marcos Dantas. op. cit., p. 40.

[93] Folha de S. Paulo, 5 de março de 2000, caderno “Mais!”, p. 5-8.

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