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ISSN: 2175-2281
Nota: circulou no período de setembro de 2000 até setembro de 2009 com o título Marxismo Vivo
1. Marxismo - teoria revolucionária
edições
marxismo
vivo Subscricões e pedidos de números avulsos: marxismovivo.org
n ova
época
edições
t
é uma medida socialista?
Marcos Margarido - Brasil
60 Outros críticos
83 Trotsky e Engels
t
85 Por que reivindicar Engels contra os ataques infundados
é decisivo hoje para desenvolver o marxismo?
t
sobre a dialética materialista
t
168 A contradição na elaboração e o uso das categorias
a questão
negra
A QUESTÃO NEGRA
NA REVOLUÇÃO SOCIALISTA
Apresentação
Este texto foi finalizado em dezembro de 2019, logo após a Conferência Na-
cional de Negros e Negras do PSTU (B), onde participei como convidado.
Este levante é apenas a ponta do iceberg da luta negra que percorrerá, junto
com a luta indígena, todo o continente americano, que por sua vez está ligado
ao continente africano e influenciará a luta dos imigrantes em todo o mundo,
levando a revolução para dentro dos países imperialistas.
O Partido Comunista, por sua vez, cometeu o mesmo erro histórico, bus-
cando encontrar uma burguesia “progressista” e revolucionária nos aconteci-
mentos históricos, dando proeminência a figuras da monarquia constitucional
(que afogou em sangue os brotos de revolução burguesa, centralizando um im-
pério em decomposição) ou da “república”, cuja primeira atividade foi massa-
crar Canudos, uma guerra camponesa por terra, incrustrada no sertão
nordestino.
Nazareno Godeiro
2 de outubro de 2020
TESES
[1]
Ver conceito, relacionado ao povo judeu, em livro de Abraham Leon, Concepção materialista
da questão judaica.
10. A explicação deste fato é que a classe dominante brasileira não cum-
priu um papel revolucionário em nenhum momento da história
do país. Aliada aos dominadores estrangeiros, não só não impulsio-
nou como enfrentou sua própria revolução, que explodiu regional-
mente e terminou sendo dirigida por negros, indígenas e
camponeses pobres. Revoluções regionais que foram afogadas em
sangue, com líderes enforcados e degolados, depois esquartejados
e expostos em praça pública, para “ensinar” o povo brasileiro a não
se levantar contra o sistema.
12. Esse medo da burguesia do povo negro foi tão profundo que, à di-
ferença do Haiti ou dos Estados Unidos, ela impediu o surgimento
de uma burguesia ou pequena-burguesia negra no Brasil, ao negar
a distribuição de terras aos negros na Lei de Terras de 1850. Ser
negro se transformou em sinônimo de trabalhador ou pobre. A isso
se somou a propaganda racista que mostrava o negro como ser in-
ferior para se tornar trabalhador livre assalariado. O imperialismo
europeu exigiu a utilização do seu excedente populacional, uma le-
gião de camponeses pobres, para ser utilizada como mão-de-obra
assalariada no Brasil em detrimento do povo negro. O imigrante
pobre europeu era considerado “descendente das raças civilizadas”.
13. A “república” brasileira não deu terra aos camponeses nem trabalho
digno para negros e negras. Por isso, eles foram empurrados para
os arredores das cidades, realizando os trabalhos mais precários e
de menor remuneração. Um imenso exército industrial de reserva
São Paulo Ano XI N.° 16, p. 1027 Novembro de 2020
18 Nazareno Godeiro
lismo imperialista. Ele é que deve pagar por este sofrimento secular.
Os povos originários e o povo negro têm direito ao território (in-
clusive à autodeterminação nacional, se assim desejarem e decidi-
rem democraticamente em uma região quilombola), ao trabalho (e
seus direitos básicos como saúde, educação, aposentadoria etc.), e à
soberania nacional, uma verdadeira independência nacional, com
a expulsão dos invasores imperialistas. Tudo isto só pode ser con-
quistado na luta contra a burguesia mundial imperialista e seus ca-
pitães-do-mato locais. A reparação histórica ao povo afro-indígena
se tornou uma ponte para a revolução socialista internacional por-
que a reparação é uma tarefa da classe trabalhadora contra a bur-
guesia mundial, já que une os povos afro-indígenas de diferentes
continentes e é uma reivindicação transitória que parte das neces-
sidades imediatas dos povos oprimidos e se conecta diretamente
com a revolução proletária internacional. O extermínio e a supe-
rexploração dos povos afro-indígenas estão marcados no DNA dos
países coloniais e semicoloniais americanos e isto deve determinar
a dinâmica da revolução no século XXI. Resumindo: “reparação
rima com revolução”.
19. Por isso, a bandeira de reparação histórica ao povo negro deve ser
utilizada de forma revolucionária e não reformista. As pequenas
conquistas democráticas dos negros (como as cotas na universidade,
por exemplo), não têm um fim em si mesmo. São apenas alavancas
para exigir tudo o que o povo negro, setor mais explorado e oprimido
da sociedade, tem direito. A burguesia e seus agentes no interior do
movimento proletário vão tratar de utilizar as conquistas parciais
afro-indígenas, produtos da luta de classes, para transformá-las em
São Paulo Ano XI N.° 16, p. 1027 Novembro de 2020
A questão negra 21
20. A reparação histórica ao povo negro brasileiro não pode ser efeti-
vada pelo sistema capitalista. A recuperação das terras, da riqueza
criada em 520 anos, da existência do próprio país que foi construído
pelo povo negro, do direito a uma vida digna, só pode ser garantido
pela ditadura do proletariado. Isso não justifica adiar a luta em de-
fesa do povo negro para depois da vitória da revolução justamente
porque esta luta pode e deve se converter no estopim e alavanca da
revolução brasileira e mundial. Por isso, torna-se obrigatório, para
os revolucionários, vincular a luta pela libertação negra à revolução
socialista.
23. Por outro lado, se o proletariado não assume para si a luta afro-in-
dígena e a dirige, em unidade com os pobres do campo e da cidade,
a burguesia ou a pequena-burguesia reformista se apropriarão da
luta contra as opressões, tratarão de dividir a classe trabalhadora
entre homens e mulheres, negros e brancos, indígenas e negros, he-
terossexuais e LGBTs, imigrantes e nativos, trabalhadores diretos e
terceirizados, etc. para com isso enfrentar uns aos outros e derrotar
a todos. Dividir para reinar é o lema histórico da burguesia, que
aprendeu a usar este método vitoriosamente na América, desde
1492. Essa é a única forma de conseguir manter-se no poder, já que
ela representa 1% da população e não poderia governar sem atrair
São Paulo Ano XI N.° 16, p. 1027 Novembro de 2020
A questão negra 23
um setor da classe trabalhadora para seu lado. Por ser uma classe
extremamente minoritária, ela utiliza os intelectuais e dirigentes ne-
gros, de extração social pequeno-burguesa ou de classe média, para
dividir os trabalhadores negros dos trabalhadores brancos através
do racialismo, diluindo a natureza de classes desta sociedade. Uti-
liza-se também de concessões formais para cooptar os setores bur-
gueses e pequeno-burgueses do movimento e da repressão violenta
aos setores pobres e mais radicais do movimento. Sistema bastante
eficaz onde a opressão de uns é utilizada para aumentar a explo-
ração de outros.
24. Por tudo isso, a questão negra se tornou vital para a revolução
mundial e ocupará um papel de primeira grandeza na revolução
brasileira, junto com a luta pelo território, pelo trabalho e pela li-
bertação nacional diante do domínio imperialista. Ela não pode ser
resolvida no capitalismo a não ser muito parcial ou formalmente,
fato que empurrará os negros para uma ação revolucionária. Nossa
luta é para que eles se convertam na vanguarda da luta revolucio-
nária. A queda do apartheid e a subida de um governo negro de “es-
querda” na África do Sul demonstrou que a questão negra não tem
solução no sistema capitalista.
27. Por isso, é vital ganhar os trabalhadores não negros para lutar
contra a opressão e o racismo. A questão racial só pode encontrar
uma saída positiva no socialismo, único sistema que acabará com
toda divisão de classes na sociedade, tornando iguais todos os seres
humanos, incorporando as diferenças de raça, nacionalidade, credo,
gênero ou orientação sexual para evitar que tais diferenças se con-
vertam em desigualdades. Por isso, comete um erro grave o racia-
lismo ou o nacionalismo negro, que buscam organizar todos os
negros independentemente da classe social, separados dos outros
trabalhadores. Quem opõe a luta de raça à luta de classes está invia-
bilizando tanto uma quanto a outra.
32. A questão negra, com toda a importância que tem, não abarca todas
as contradições da sociedade brasileira. A revolução aqui pode ter
outros detonantes, como a dominação estrangeira sobre o país, a
miséria e o desemprego generalizados, o feminicídio, a violência es-
tatal contra os pobres, a corrupção generalizada etc.
33. Concluindo, por mais importante que seja, a questão negra está
subordinada à luta pelo socialismo. Separar a luta negra da luta
pelo socialismo, levará a uma capitulação à burguesia, que dividirá
a classe trabalhadora pela cor da pele e derrotará a revolução. Pos-
tergar a luta negra para um futuro indeterminado, argumentando
uma suposta unidade de classe, como fez o stalinismo, através dos
partidos comunistas, é uma traição aos interesses do conjunto do
proletariado.
18 de dezembro de 2019.
***
São Paulo Ano XI N.° 16, p. 1027 Novembro de 2020
A porte
sobre a estatização
dos meios de produção
A ESTATIZAÇÃO
DOS MEIOS DE PRODUÇÃO
É UMA MEDIDA SOCIALISTA?
[1]
Ver, por exemplo, World Perspectives: 2018 – A Year of Capitalist Crisis e Alan Woods, Where
Is the Venezuelan Revolution Going?
[2]
Obras Completas de Marx e Engels, Notas, V. 27, p. 595.
[5]
Carta de Engels a Paul Lafargue, 1894, Obras Completas, v. 50, p. 342-343.
[6]
LENIN, V. I. The Impending Catastrophe and How to Combat It.
www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/ichtci/index.htm. Todas as citações de Lenin a partir
daqui fazem parte desse texto.
[7]
Todos os artigos citados fazem parte da coleção Escritos de Leon Trotsky, da Editorial Pluma
(1979), v. X.
Posições distintas?
cionário sempre com cautela para não ser confundida com uma medida
socialista. E não pode ser vista como uma panaceia para todos os males,
tampouco como substituta (ou com o mesmo significado) da política de
expropriação.
A Internacional Comunista avaliava negativamente esta política como
“substituta” da expropriação. As Teses sobre Tática e Estratégia aprovadas
em seu terceiro congresso afirmavam que tal política “é um retorno ao
programa mínimo de reforma do capitalismo da social-democracia”:
A reivindicação de socialização ou nacionalização das indústrias mais importan-
tes, promovida pelos partidos centristas, é igualmente enganosa. Os centristas en-
ganam as massas, tentando convencê-las de que todos os ramos mais importantes
da indústria podem ser arrancados das garras do capitalismo sem a derrubada
da burguesia. Além disso, eles procuram desviar os trabalhadores da luta real e
viva por suas necessidades imediatas, na esperança de que os ramos da indústria
possam ser retomados, um após o outro, criando a base para a construção econô-
mica ‘planejada’[9].
[10]
TROTSKY, Leon. Programa de Transição, em Documentos de Fundação da IV Internacional.
São Paulo: Ed. Sundermann, 2008, p. 53.
Ao choro dos reformadores da classe média, ‘Faça com que esta ou aquela pro-
priedade seja estatal’ nós respondemos, ‘Sim, à medida que os operários estejam
prontos para fazer do Estado sua propriedade’![11].
[11]
CONNOLLY, J. State Monopoly Versus Socialism. Em:
www.marxists.org/archive/connolly/1901/evangel/stmonsoc.htm. Connoly foi um dos dirigentes
da revolução irlandesa de 1916 e executado após sua derrota. Lenin lamentaria muito sua morte
e disse que “o infortúnio dos irlandeses é que eles se levantaram prematuramente, quando a revolta
europeia do proletariado ainda não havia amadurecido”.
São todas tarefas importantíssimas, mas não são de ruptura com o ca-
pitalismo. Por isso, quando apresentadas, devem sempre ser acompan-
hadas de palavras de ordem de poder operário pois, como disse Trotsky
em relação à expropriação de bancos privados no Programa de Transição:
Porém, a estatização dos bancos não produzirá esses resultados favoráveis a não
ser que o poder do próprio Estado passe inteiramente das mãos dos exploradores
às mãos dos trabalhadores.
***
A 200 anos
de seu
nascimento
EM DEFESA DE FRIEDRICH ENGELS,
EM DEFESA DO MARXISMO
Apresentação
um dos pais do socialismo científico. Esta tarefa, mesmo que muito di-
fícil, é indispensável. Em primeiro lugar, implica intervir em antigas e
novas polêmicas colocadas por intelectuais e correntes políticas que afir-
mam reivindicar o marxismo, mas se empenham em separar o pensa-
mento e o trabalho prático de Engels do de Marx, apontando supostas
diferenças teóricas, programáticas e metodológicas entre ambos. Não
compartilhamos desta visão. Não porque sustentamos que Engels, assim
como Marx, tenha sido um dirigente infalível, longe disso. A obra de
ambos, exatamente por não constituir um dogma petrificado, contém
erros, imprecisões ou prognósticos não confirmados. Podemos mencio-
nar, por exemplo, aqueles que Trotsky assinalou no texto que publicou
por ocasião dos noventa anos do Manifesto Comunista. A razão porque
combatemos uma campanha “anti-Engels” é porque estas têm um caráter
falacioso e reacionário. Em última instância, como veremos, está a ser-
viço de um questionamento global do marxismo. Portanto, a defesa do
essencial do imenso legado de Engels implica em uma defesa do mar-
xismo como única ciência e único programa capazes de conduzir a hu-
manidade até a vitória do comunismo. Lenin escreveu, com razão, que
ambos mestres do proletariado cumpriram um papel insubstituível na
tarefa de ensinar a classe operária “... a se conhecer e tomar consciência
de si mesma, e substituir as quimeras pela ciência”[1].
Não se pode separar a obrar de Marx da de Engels. Até para os estu-
diosos que mais conhecem seus escritos, é muito difícil diferenciar quem
escreveu cada parte nas obras assinadas conjuntamente. Existem textos
que levam unicamente a assinatura de Marx, mas foram completados
por Engels ou, como se soube depois, temos o caso dos artigos publica-
[1]
LENIN, V. I. Federico Engels. Disponível em:
<https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1890s/engels.htm>.
dos com o nome de Marx no jornal estadunidense The New York Daily
Tribune na década de 1850, que foram escritos inteiramente por Engels.
Ou também o capítulo que Marx escreveu para a célebre obra de Engels,
o Anti-Dühring (tão criticado por certos “marxianos”), fato que talvez
ninguém tivesse notado sem a revelação espontânea que fez seu autor
no prefácio à segunda edição de 1885[2].
O mesmo se pode dizer sobre sua longa trajetória de militância em
comum. Durante quarenta anos assumiram incontáveis batalhas teóricas,
políticas, organizativas para se demarcar programaticamente de qualquer
outra corrente reformista ou centrista. Tanto na primitiva Liga dos Justos
–que se transformou em Liga dos Comunistas em 1847, o grupo que logo
encarregaria os dois da redação do célebre Manifesto Comunista– como,
anos depois, na Primeira Internacional, lutaram contra a nociva influên-
cia dos mazzinianos (adeptos de Giuseppe Mazzini), dos lassallianos (de
Lassalle), dos proudhonianos (de Pierre-Joseph Proudhon), dos blan-
quistas (de Louis Auguste Blanqui), dos tradeunionistas (sindicalistas
ingleses) e dos bakuninistas (de Mikhail Bakunin).
A partir de 1870, Engels assumiu um papel protagonista no Conselho
Geral, a condução cotidiana da Internacional. Participou energicamente
em todo tipo de disputas programáticas, aliviando assim o trabalho po-
lítico e organizativo que até então Marx havia levado adiante, deixando-
o assim se dedicar totalmente aos seus estudos para O Capital. É quase
impossível encontrar na história moderna semelhante simbiose intelec-
tual e prática.
[2]
Escreve Engels: “Devo notar de passagem que, como o modo de exposição neste livro foi fun-
dado e desenvolvido em medida muito maior por Marx, e apenas em grau insignificante por
mim, era óbvio entre nós que esta minha exposição não deveria ser publicada sem o seu conhe-
cimento. Eu li todo o manuscrito para ele antes de ser impresso, e o décimo capítulo da seção
sobre economia ("Da História Crítica") foi escrito por Marx, mas infelizmente teve que ser abre-
viado um pouco por mim por razões puramente externas. De fato, sempre estivemos acostuma-
dos a nos ajudar mutuamente em assuntos especiais”.
Mesmo que seja fato que na dupla Marx e Engels o primeiro é muito
mais reconhecido, é sem dúvida um erro reduzir o papel de Engels ao de
amigo e financiador de Marx e sua família. Em sua juventude, escreve-
ram juntos A Sagrada Família, A ideologia alemã e o Manifesto do Partido
Comunista. Participaram das revoluções burguesas de 1848. Durante o
tempo em que Engels residiu em Manchester – de 1850 à 1870 – e Marx
em Londres, mantiveram correspondência quase diariamente sobre os
mais diversos problemas teóricos e políticos. Em muitas ocasiões, Marx
lhe pediu opiniões ou dados para O Capital. Quando Engels pôde se re-
tirar de suas funções na indústria de sua família, a Ermen & Engels, vol-
tou a Londres e ambos voltaram a trabalhar juntos, de maneira
presencial. É interessante, para se ter uma ideia da divisão de trabalho
entre os revolucionários, este fragmento escrito por Engels em 1873 na
sua obra Sobre a questão da moradia:
Como consequência da divisão do trabalho que existia entre Marx e eu, coube a
mim defender nossas opiniões na imprensa, o que, em particular, significava lutar
contra as ideias opostas, a fim de que Marx tivesse tempo de acabar sua grande
obra principal. Isto me conduziu a expor nossa concepção, na maioria dos casos
em forma de polêmica, contrapondo-a a outras concepções[3].
[3]
ENGELS, F. Contribución al problema de la vivienda. Disponível em:
<https://www.marxists.org/espanol/m-e/1870s/vivienda/index.htm>.
[4]
RIAZANOV, David. Marx y Engels. Buenos Aires: Ediciones IPS, 2012, p. 273.
Por fim este tomo está finalizado. Devo só a você poder concluí-lo. Sem tua ajuda
ilimitada jamais poderia dar por terminado o trabalho prodigioso de três tomos.
Te agradeço com todo o coração e te abraço[5].
Passei uma vida inteira fazendo aquilo para que estava preparado, ou seja, brin-
cando de segundo violino, e de fato acredito que me absolvi razoavelmente bem...
Mas agora que, de repente, espera-se que eu tome o lugar de Marx...[6].
Manteve esta ideia até sua morte. Em uma carta a Mehring de 1893 es-
clareceu, com a mesma honestidade, sua opinião sobre o papel de cada um:
Se encontro algo a questionar é que você me atribui mais crédito que eu mereço, embora
tenha em conta tudo o que – com o tempo – possivelmente poderia ter descoberto por
mim mesmo, mas que Marx, com seu cop d’oeil[7] mais rápido, e sua visão mais ampla,
descobriu muito mais rapidamente. Quando se tem a sorte de trabalhar durante qua-
renta anos com um homem como Marx, geralmente não se reconhece em vida o que
uma pessoa acredita merecer. Se morre o grande homem, o menor é facilmente super-
[5]
Idem, p. 264.
[6]
Engels a Johann Philipp Becker, 15/10/1884.
[7]
Golpe de vista.
estimado, e este parece ser justamente meu caso na atualidade; a história terminará
colocando as coisas em seu lugar[...][8].
[8]
Engels a Franz Mehring, 14/07/1893. Disponível em: < https://marxists.catbull.com/espanol/m-
e/cartas/e1893-7-14.htm?fbclid=IwAR1E0R33desRtrjOX10Oy3mkomK_Gi4Kzns-
TWFZ7F2d5jjFl5jmTZ8Zt1Q#n3>.
[9]
Se refere à Liga dos Comunistas.
[10]
Marx a Wilhelm Blos, 10/11/1877. Disponível em: < https://marxists.catbull.com/espanol/m-
e/cartas/m101177.htm?fbclid=IwAR0mrywALPUNayrbwJS1vYGmif9dWa_ReiMpIY6is-
MaKHLjghJPsRwo2EKM>.
de textos anteriores. Isto, sem contar que depois de 1883, Engels também
se tornou o principal dirigente do processo de construção que seria a II
Internacional, no contexto de um notável fortalecimento do movimento
operário europeu, e do marxismo entre suas fileiras, aconselhando qua-
dros e partidos de diversos países sobre problemas de princípios, de tática
e de organização.
Considerando esta ousada síntese da obra de Engels, é difícil admitir
sua modesta autodenominação de “segundo violino” com relação a Marx.
Wilhelm Liebknecht – o pai de Karl – faz notar a estéril discussão sobre
o peso dos dois:
Com o que contribuiu um? Com o que contribuiu o outro? Uma pergunta ociosa! É
uma obra comun, e Marx e Engels são uma só alma, tão inseparáveis no Manifesto
Comunista como seguiram sendo até a morte em todos os seus trabalhos e planos[11].
***
AO MARXISMO
[4]
LUKÁCS, Georg. Historia y conciencia de clase. Buenos Aires: Ediciones R. y R., 2013, p. 91.
[5]
Por outro lado, é verdade que Lukács, nesse mesmo livro História e consciência de classe, tem
uma variação sobre esse tema: primeiro nega que o método dialético seja aplicável à natureza,
por falta de dimensão subjetiva; e em outro trecho do mesmo livro reconhece a existência de
uma dialética distinta e objetiva na natureza.
[6]
Apesar de ser um termo muito genérico, optei por utilizar o conceito de Perry Anderson, que
serve para abarcar uma série de correntes que tiveram em comum essa localização teórica, apesar
das diferenças entre elas.
[7]
Marx, nos Manuscritos econômico-filosóficos, escreve: “o pensamento que é alienado e abstrato
e ignora o homem e a natureza reais. O caráter externo desse pensamento abstrato... a natureza
como existe para esse pensamento abstrato. A natureza é externa a ele, uma privação dele mesmo,
e só concebida como algo externo, como pensamento abstrato, mas pensamento abstrato alie-
nado”.
Outros críticos
[10]
Idem, p. 407.
[11]
Raya Dunayevskaia foi uma militante russo-americana que trabalhou por um curto período
como tradutora e secretária de Trotsky em seu exílio no México. Rompeu com o SWP junto com
Schatchman e Burnham em 1940, voltou a este partido em 1947 para afinal romper definitiva-
mente no início dos anos 1950. Considerava a ex-URSS como “capitalismo de estado”.
[12]
Alguns de seus integrantes, como o professor universitário Kevin Anderson, autor de Marx
nas margens defendem essas posições nos debates sobre o marxismo na academia.
[13]
Sartre escreve: “O resultado desse belo esforço [de Engels] é paradoxal: Engels censura Hegel
por impor as leis do pensamento à matéria. Mas é precisamente o que ele mesmo faz, pois obriga
as ciências a verificar uma razão dialética que ele descobriu no mundo social. Somente no mundo
histórico e social, como veremos, existe verdadeiramente uma razão dialética; ao transportá-lo
para o mundo "natural", dando-lhe força, Engels tira sua racionalidade; Não se trata mais de uma
dialética que o homem faz , fazendo-se a si mesmo, mas de uma lei contingente da qual só se
pode dizer: é assim e não de outra forma”. in Marxismo y Existencialismo. Buenos Aires: Sur, p.
128, apud Moreno, Lógica marxista y ciencias modernas, p. 38.
Mas não nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias humanas sobre
a natureza [...] A cada uma dessas vitórias, ela exerce sua vingança. Cada uma
delas produz, em primeiro lugar, certas consequências com que podemos contar,
mas, em segundo e terceiro lugares, produz outras muito diferentes, não previstas,
que quase sempre anulam essas primeiras consequências. Os homens que, na Me-
sopotâmia, Grécia, Ásia Menor e em outras partes destruíram os bosques para
obter terras cultiváveis, não podiam imaginar que, dessa forma, estavam dando
origem à atual desolação dessas terras ao despojá-las de seus bosques, isto é, dos
centros de captação e acumulação de umidade. [...] Somos a cada passo advertidos
de que não podemos dominar a natureza como um conquistador domina um povo
estrangeiro, como alguém situado fora da natureza; mas sim que lhe pertencemos,
com a nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro; que estamos no meio dela; e que
todo o domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres
de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente [...] Na realidade,
a cada dia que passa, aprendemos a entender mais corretamente as suas leis e a
conhecer os efeitos imediatos e remotos resultantes de nossa intervenção no pro-
cesso que a mesma leva a cabo[15].
[15]
Citados por Michael Roberts, Engels sobre a natureza e a humanidad, em:
<litci.org/pt/michel-roberts-engels-sobre-natureza-e-humanidade/>
Mas, se foi necessário o trabalho de milênios para que chegássemos a aprender, den-
tro de certos limites, a calcular os efeitos remotos de nossos atos orientados no sen-
tido da produção, isso era muito mais difícil no que diz respeito aos efeitos sociais
remotos desses atos. (…) E, quando Colombo descobriu a mesma América, não
podia supor que, dessa forma, daria vida nova à escravidão, já superada, desde
muito, em toda a Europa, estabelecendo os fundamentos para o tráfico negreiro[16].
[19]
ENGELS, Friedrich. Dialética da natureza. Berlim 1952, p. 223.
[20]
Havemann refere-se à seguinte citação da Dialética da Natureza: “Os pesquisadores da natu-
reza, ainda que se revolvam são dominados pela filosofia. A questão é se eles querem sê-lo por uma
má filosofia que esteja na moda ou por uma forma de pensamento teórico que se baseia no conhe-
cimento da história do pensamento e de suas conquistas. Os pesquisadores da natureza ainda estão
permitindo uma vida vegetativa para a filosofia, ao utilizar os restos da antiga metafísica. Somente
quando a dialética haja sido assimilada pelas ciências da natureza e da história e tornar supérflua
a velha bugiganga filosófica - exceto para a pura teoria do pensamento - então desaparecerá absor-
vida pela ciência positiva”.
que ainda podemos intervir. Nem uma coisa nem outra existem no mundo do de-
terminismo metafísico clássico.
… O fato de que desafiamos a ideia mecanicista clássica de que o futuro é total-
mente determinado não significa, é claro, que vamos declarar que o futuro
é totalmente indeterminado. O futuro é co-determinado pelo passado, mas não é
determinado de forma definitiva e absoluta. […]. O homem, com a sua atividade,
não é uma mera bola com a qual jogam as casualidades fantásticas, mas justa-
mente o inverso: o homem utiliza praticamente a casualidade dos acontecimentos
para conseguir o que deseja. Se esse acaso cego não existisse, não poderíamos trans-
formar o mundo com nossos olhos videntes.
A liberdade do homem baseia-se precisamente no fato de que o futuro do mundo
pode ser determinado porque ainda não está determinado[21].
[21]
HAVEMANN, Robert. Dialéctica sin dogma, 10ª lección, p. 87.
Por exemplo, a importante questão sobre a relação do homem com a natureza (ou
então, como afirma Bruno na p. 110, as ‘oposições em natureza e história’, como
se as duas ‘coisas’ fossem coisas separadas uma da outra, como se o homem não
tivesse sempre diante de si uma natureza histórica e uma história natural), da
qual surgiram todas as ‘obras de insondável grandeza’ sobre a ‘substância’ e a ‘au-
toconsciência’, desfaz-se em si mesma na concepção de que a célebre ‘unidade do
homem com a natureza’ sempre se deu na indústria e se apresenta de modo dife-
rente em cada época de acordo com o menor ou maior desenvolvimento da indús-
tria; o mesmo vale no que diz respeito à ‘luta’ do homem com a natureza, até o
desenvolvimento de suas forças produtivas sobre uma base correspondente. A in-
dústria e o comércio, a produção e o intercâmbio das necessidades vitais condicio-
nam, por seu lado, a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais e são,
por sua vez, condicionadas por elas no modo de seu funcionamento – e é por isso
que Feuerbach, em Manchester, por exemplo, vê apenas fábricas e máquinas onde
cem anos atrás se viam apenas rodas de fiar e teares manuais, ou que ele descobre
apenas pastagens e pântanos na Campagna di Roma, onde na época de Augusto
não teria encontrado nada menos do que as vinhas e as propriedades rurais dos
capitalistas romanos[23].
E será que Marx modificou essa posição em uma fase posterior? Veja-
mos o trecho do Capital em que Marx defende uma concepção idêntica:
Aqui, como nas ciências da natureza, se comprova a verdade da lei descoberta por
Hegel em sua Lógica, segundo a qual, ao chegar a um determinado ponto, as mu-
[22]
No Prefácio à Contribuição à crítica da economia política: “Friedrich Engels, com quem man-
tive uma troca constante de ideias por correspondência desde que a publicação de seu brilhante
ensaio sobre a crítica das categorias econômicas ... chegou por outro caminho (compare sua A
Situação da classe trabalhadora na Inglaterra) ao mesmo resultado que eu, e quando, na prima-
vera de 1845, ele também veio morar em Bruxelas, decidimos apresentar em conjunto nossa con-
cepção, em oposição à concepção ideológica da filosofia alemã, de fato, para prestar contas com
nossa antiga consciência filosófica”.
[23]
In A Ideologia alemã, Feuerbach, História, S. Paulo, Boitempo p. 31.
***
[24]
Citado em: Anti-Dühring, Parte I, Dialética, Capítulo XII: “Quantidade e qualidade”.
[25]
RIAZANOV, David. 50 anos do Anti-Dühring, 1928.
J. W – Brasil
[1]
A Obra teórica de Marx. São Paulo: Xamã, 2000, pp. 91-104.
[2]
O “testamento” falsificado de Engels: uma lenda dos oportunistas, na revista Marxismo Vivo
– Nova Época n.° 11, 2018.
[3]
MARGARIDO, Marcos. “Teria se transformado Engels en un reformista…?”, neste dossiê.
ção[4], entre 1878 e 1895 Engels escreve várias obras nas quais reafirma
as concepções marxistas de Estado e da necessidade de uma revolução
violenta, extraídas das lições da Comuna de Paris de 1871.
Em 1879 (ou seja, depois da publicação do Anti-Dühring), Marx e En-
gels escrevem uma circular ao partido alemã[5], atacando impiedosa-
mente um grupo sediado em Zurique, do qual fazia parte Bernstein,
como pequeno-burgueses que querem retornar ao socialismo verda-
deiro[6] e contagiar o SPD com ideias reformistas[7], repudiando-os ener-
gicamente. Alguns dos textos desse período são clássicos, como A origem
da família, da propriedade privada e do Estado, de 1884, do qual Lenin
extraiu boa parte das citações para escrever O Estado e a Revolução, para
demonstrar que o Estado é constituído essencialmente pelo aparelho re-
pressivo militar, cujo objetivo é impor o poder burguês e explorar as clas-
ses dominadas. E que é necessário quebrar a máquina do Estado burguês
inclusive em suas formas republicanas.
Em 1891, Engels, por ocasião do 20º aniversário da Comuna, publica
um prefácio ao texto de Marx, A guerra civil na França[8], de 1871, e re-
fere-se ao “filisteu social-democrata” que expressava “horror” à “ditadura
[4]
“Como conciliar na mesma doutrina essa apologia da revolução violenta, insistentemente re-
petida por Engels, aos social-democratas alemães de 1878 a 1895, isto é, até a sua morte, com a
teoria do ‘definhamento’ do Estado?”, in O estado e a Revolução, parte I, item 4. ‘Definhamento’
do Estado e a Revolução Violenta.
[5]
Carta-circular de Marx e Engels a August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Wilhelm Bracke e outros
(1879), M&E Collected Works, V. 45. Londres: Lawrence & Wishart, 2010, p. 394.
[6]
Refere-se a uma corrente “socialista” da Alemanha que é duramente criticada no Manifesto
Comunista,
[7]
Na circular, Marx e Engels reproduzem e condenam o seguinte trecho do texto dos três socia-
listas sediados na Suíça: “Precisamente agora, sob a pressão da lei antissocialista, o Partido mostra
que não deseja seguir o caminho da revolução sangrenta, violenta, mas que está decidido... a tril-
har o caminho da legalidade, isto é, da reforma”.
[8]
“Segundo a concepção filosófica, o Estado é a ‘realização da ideia’, isto é, traduzido na lenguagem
filosófica, o reino de Deus na Terra, o campo onde se fazem ou devem se fazer realidade a verdade
(cont. 8) … e a justiça eternas. (…). E as pessoas acreditam ter dado um passo enormemente audaz
ao libertar se da fé na monarquia hereditária e jurar pela República democrática. Na realidade, o
Estado não é mais que uma máquina para a opressão de uma classe por outra, tanto na Repú-
blica democrática quanto sob a monarquia; e no melhor dos casos, um mal que o proletariado
herda depois que triunfa na sua luta pela dominação de classe. O proletariado vitorioso, tal como
fez a Comuna, não poderá menos que amputar imediatamente os piores aspectos deste mal, até que
uma geração futura, educada em condições sociais novas e livres, possa se desfazer de todo esse
velho lixo do Estado. Ultimamente as palavras “ditadura do proletariado” têm voltado a colocar
em terror o filisteu social-democrata. Pois bem, cavalheiros, querem saber o que atualmente re-
presenta essa ditadura? Olhem a Comuna de Paris: eis aí a ditadura do proletariado!” (original
em espanhol, tradução nossa, destaques meus).
[9]
Vide, entre outros, A Falência da II Internacional (1915).
[10]
GUIMARÃES J. Democracia e Marxismo, São Paulo: Xamã, 1999.
[11]
Em seu texto “Marx e a Revolução democrática”, publicado em Democracia Socialista nº 1,
dezembro de 2013.
[12]
Segundo Juarez Guimarães, essa posição de Marx teria primado no período 1845-1857.
[13]
Sigla com que se notabilizou o chamado “materialismo dialético” do período stalinista.
Os homens não fazem arbitrariamente a história, mas, apesar disso, fazem-na eles
mesmos. A ação do proletariado depende do grau de maturidade do desenvolvi-
mento social, mas o desenvolvimento social não é independente do proletariado.
Este é em igual medida sua força motriz e sua causa, assim como seu produto e
sua consequência. Sua própria ação faz parte da história, contribuindo para de-
terminá-la (…)
(cont. nota 15) … converter-se num sistema de dogmas – também exercem sua influência nas lutas
históricas e, em muitos casos, determinam sua forma como fator predominante. Trata-se de um
jogo recíproco de ações e reações entre todos esses fatores, no qual, através de toda uma infinita
multidão de acasos (isto é, de coisas e acontecimentos cuja conexão interna é tão remota ou tão di-
fícil de demonstrar que podemos considerá-la inexistente ou subestimá-la), acaba sempre por impor-
se, como necessidade, o movimento econômico. Se não fosse assim, a aplicação da teoria a uma
época histórica qualquer seria mais fácil do que resolver uma simples equação de primeiro grau.
Nós mesmos fazemos nossa história, mas isso se dá, em primeiro lugar, de acordo com premissas e
condições muito concretas. Entre elas, são as premissas e condições econômicas as que decidem em
última instância.”
(…) é por isso que Friedrich Engels chama a vitória definitiva do proletariado de
salto da humanidade do reino animal para o reino da liberdade. Este salto também
está ligado às leis de bronze da história, aos mil elos de um desenvolvimento an-
terior, doloroso e demasiadamente lento. Mas nunca poderia ser realizado se do
conjunto dos pré-requisitos materiais acumulados pelo desenvolvimento não bro-
tasse a centelha da vontade consciente das grandes massas populares[16].
Existe uma outra lenda também transmitida por diversos autores que
Lenin teria superado Engels no terreno filosófico. Entre eles, Raya Du-
nayevskaia, fundadora do marxismo humanista[17], e que fez a primeira
tradução ao inglês dos Cadernos Filosóficos de 1915.
No entanto, vejamos a verdadeira história. Na homenagem a Engels,
quando este falece em 1895, Lenin disse:
[16]
LUXEMBURGO, Rosa. Panfleto Junius, A crise da social-democracia (1915).
[17]
Ela manteve um intenso intercâmbio de ideias com Marcuse e Erich Fromm. No livro Filosofia
e revolução, prefaciado por Fromm, ela afirmaria: “Em contraste com a perspectiva multilinear,
graças à qual Marx se absteve de traçar um programa para as gerações futuras, a interpretação
unilinear conduziu Engels pelo caminho do positivismo e o mecanicismo”. Filosofía y revolución,
México, cap.9, p. 329.
‘Na natureza’, os conceitos têm ‘carne e osso’ – isso é excelente! Mas isso é exa-
tamente materialismo. Os conceitos humanos são a alma da natureza – isso é
apenas uma maneira mística de dizer que, nos conceitos humanos, a natureza
[18]
LENIN, V. I. Friedrich Engels, 1895.
Mais uma vez Lenin afirma ter a mesma posição de Engels (e Marx):
a dialética se aplica tanto nas ciências naturais quanto na história. Mais
adiante, ele volta a ressaltar que a ciência natural mostra as mesmas leis
da dialética, aplicadas à natureza:
[19]
Nota Bene - termo latino que significa ‘preste atenção’.
[20]
LENIN, V. I. Cadernos filosóficos. São Paulo: Boitempo Ed. (2010), p. 291.
[21]
Idem, p. 292. Nessa citação há uma Nota da edição da Boitempo: ver “Engels, Ludwig Feuer-
bach e o fim da filosofia clássica alemã”, cit. p. 390. (Os negritos de Lenin, os destaques em itálica
são meus).
[22]
Idem, p. 326. (Os negritos e destaques são de Lenin).
[23]
Idem, p. 335.
A exatidão deste aspecto do conteúdo da dialética deve ser comprovada por meio
da história da ciência. Habitualmente (por exemplo, em Plekhanov) dá-se insufi-
ciente atenção a este aspecto da dialética: a identidade dos opostos é tomada como
somatório de exemplos (‘por exemplo, o grão’; ‘por exemplo o comunismo primi-
tivo’. Isso também em Engels. Mas isto ‘a fim de popularizar’ e não como lei do
conhecimento (e lei do mundo objetivo)[24].
[23]
Ídem, p. 335.
[24]
Ídem, p. 331 (negritas de Lenin).
Trotsky e Engels
[25]
“El significado del materialismo militante”, 1922 en Obras Completas, Tomo 45, ed. Progreso
(original em espanhol, tradução nossa).
[26]
“Las tendencias filosóficas del burocratismo”, in Escritos filosóficos. Buenos Aires: CEIP, 2011,
p. 157 y pp. 159-160 (original em espanhol, tradução nossa).
Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações
mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos[28].
[27]
TROTSKY, León. En defensa del marxismo. Disponível em:
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1940s/dm/09.htm#03 (original em espanhol, tradução
nossa).
[28]
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: ed. Escriba, 1968, p. 15.
[29]
TROTSKY, Leon. Resultados e Perspectivas (1906).
2. ‘A história de todas as sociedades até os nossos dias não foi senão a história
das lutas de classes’. O primeiro capítulo do Manifesto começa por esta frase. Esta
tese, que constitui a mais importante conclusão da concepção materialista da His-
tória, em pouco tempo transformou-se em elemento da luta de classes. A teoria
que trocava o ‘bem estar comum’, a ‘unidade nacional’ e as ‘verdades eternas da
moral’ pela luta entre interesses materiais, considerados como a força motriz da
História, sofreu ataques particularmente ferozes da parte de reacionários hipócri-
tas, doutrinários liberais e democratas idealistas. A eles acrescentaram-se mais
tarde, desta vez a partir do próprio movimento operário, os ataques dos chamados
revisionistas, isto é, dos partidários da revisão do marxismo em favor da colabo-
ração e conciliação de classes. Finalmente, em nossa época, os desprezíveis epígonos
da Internacional Comunista (os stalinistas) tornaram o mesmo caminho: a política
daquilo a que se dá o nome ‘frentes populares’ decorre, inteiramente, da negação
das leis da luta de classes. Entretanto, vivemos na época do imperialismo que, le-
vando todas as contradições sociais ao seu extremo, demonstra o triunfo teórico
do Manifesto do Partido Comunista[30].
[30]
TROTSKY, Leon. “A 90 anos do Manifesto Comunista”, 1937.
***
[4]
Seguidores de Ferdinand Lassalle, que faleceu em um duelo em 1864.
[5]
MARX, K. Y ENGELS, F. Circular Letter to August Bebel, Wilhelm Liebknecht, Wilhelm Bracke
and Others. M&E Collected Works, V. 24. Ed. Lawrence & Wishart (2010), p. 253.
[6]
Refere-se a uma corrente socialista da Alemanha, “adequadamente criticada no Manifesto [Co-
munista]”.
Isto é algo que devemos evitar. Não devemos, em nosso progresso triunfante, nos
deixar desviar de nosso propósito, não devemos estragar nosso próprio jogo ou im-
pedir nossos inimigos de fazer nosso trabalho por nós. Portanto, concordo com
você ao ponto de dizer que, por hora, devemos nos comportar da maneira mais
pacífica e constitucional possível e evitar todo pretexto para um confronto. Porém,
na verdade, seus discursos contra o uso da força em qualquer forma e sob qualquer
circunstância parecem-me inoportunos, primeiro porque nenhum de seus adver-
sários acreditaria em você, eles não são tão estúpidos quanto a isso e, segundo,
porque sua teoria transformaria até mesmo a Marx e a mim mesmo em anarquis-
tas, já que nunca estivemos inclinados, como bons Quakers, a dar a outra face.
Desta vez, você definitivamente ultrapassou um pouco os limites (M&E Collected
Works, V. 48, p. 459).
[7]
Esta afirmação pode ser inferida de vários de seus textos e cartas, como a própria Introdução
(M&E Collected Works, V. 27, p. 506), Socialismo na Alemanha (M&E Collected Works, V. 27, p.
235), As eleições de 1890 na Alemanha (M&E Collected Works, V. 27, p. 3), “Carta a Fischer (M&E
Collected Works, V. 50, p. 457), entre outros.
uma visão anacrônica, ou seja, analisam sua política como se ele vivesse
em uma época e uma etapa posteriores da luta de classes. Por isso, é im-
portante recordar alguns elementos do contexto histórico em que Marx
e Engels viveram, ou seja, qual era a etapa da luta de classes, a situação
da Alemanha e da Europa.
Foi Lenin (precedido por Hilferding e Bukharin), em 1916, que con-
solida o termo imperialismo como uma nova época do sistema capita-
lista, seu auge e fase final.
No mesmo livro, Imperialismo, fase superior do capitalismo, ele des-
envolve uma explicação dos fundamentos econômicos para o surgimento
do reformismo no seio dos partidos social-democratas, cuja base social
ele chamou de aristocracia operária.
A época imperialista teve início na virada do século 19 para o século
20 com o surgimento do chamado capital financeiro, a fusão do capital
bancário com o industrial. Os monopólios, as sociedades por ações, a co-
lonização de países de outros continentes adquiriam um novo significado
a partir da análise de Lenin: o capitalismo atingia seu máximo desenvol-
vimento social, técnico e econômico; abria-se uma época de guerras e
revoluções socialistas, mesmo em países menos desenvolvidos economi-
camente, como a Rússia, devido à unidade do sistema capitalista-impe-
rialista.
É claro que Engels já pressentia mudanças fundamentais na economia
capitalista. A formação de monopólios e as sociedades por ações não eram
novidades, seu estudo era parte do Livro 1 do Capital, de Marx, quando
ele analisa a concentração e centralização do capital. Mas o capitalismo
dá um salto após sua morte, e eleva países capitalistas com desenvolvi-
mento posterior, como a Alemanha e os Estados Unidos, ao mesmo nível
que a Inglaterra, o país capitalista mais avançado até então.
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96 Marcos Margarido
[9]
TROTSKY, Leon. Balanço e Perspectivas, “A Teoria da Revolución Permanente”. São Paulo: Ed.
Sundermann (2010), p. 78.
[10]
Ao não ter, ainda, a mesma convicção de Rosa, Lenin leu, atônito, na Suíça, a notícia de que
o SPD havia apoiado o orçamento de guerra do governo alemão no parlamento, visando sua par-
ticipação na primeira guerra mundial, e considerou-a o que hoje chamaríamos uma “fake-news”.
[11]
LENIN, V. I. A revolução proletária e o renegado Kautsky. São Paulo: Ed. Sundermann (2005),
p. 135.
[12]
Idem, p. 136.
[13]
A lei antissocialista baniu todas as atividades políticas e a imprensa do Partido Social-Demo-
crata (SPD), mas permitia a apresentação de candidatos socialistas individuais, o que foi habil-
mente aproveitado pelo partido.
[14]
O Partido Comunista e o Parlamentarismo, em III Internacional Comunista: Manifestos, Teses
e Resoluções do 2º Congresso. São Paulo: Brasil Debates Editora (1989), p. 109.
É com a régua da época em que Engels viveu que devemos medir sua
política, que tinha como objetivo a conquista do poder político pelo par-
tido socialista. É esta política que foi acusada de pregar o abandono da
luta direta da classe para adotar uma pacífica conquista de maioria elei-
toral no parlamento alemão, o Reichstag.
Será correta esta avaliação? Para nós, não. O que Engels defendia era
o aproveitamento máximo da legalidade como tática para, através das
eleições, ganhar para suas posições a maioria do proletariado alemão e,
a partir daí, conquistar a república. Engels dizia que os resultados elei-
torais serviam como uma avaliação da influência do partido entre as
massas. Mas não ficava por aí. Dizia que era necessário trazer para seu
lado as bases do exército, para impedir qualquer tentativa de reação, que,
evidentemente, ocorreria.
Vejamos algumas destas elaborações. Em 13 de fevereiro de 1877, En-
gels escrevia para Enrico Bignami, editor do jornal italiano La Plebe,
sobre o resultado eleitoral daquele ano:
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102 Marcos Margarido
pública, como qualquer outra forma de governo, é determinada pelo que a compõe.
Desde que seja a forma de governo burguês, ela é tão hostil para nós como qual-
quer monarquia (exceto nas formas dessa hostilidade). Portanto, é uma ilusão
gratuita tratá-la como uma forma essencialmente socialista; confiar a ela, en-
quanto é dominada pela burguesia, tarefas socialistas. Podemos arrancar conces-
sões, mas nunca esperar que ela faça nosso trabalho. Mesmo se fôssemos capazes
de controlá-la com uma minoria tão forte que pudesse tornar-se uma maioria de
um dia para o outro (M&E Collected Works, V. 50, p. 274).
[15]
Engels, The peasant question in France and Germany. M&E Collected Works, Ed. Lawrence &
Wishart (2010), V. 27, cap. 2, p. 500.
[16]
Engels, Socialism in Germany, M&E Collected Works, Ed. Lawrence & Wishart (2010), V. 27,
p. 7.
Pode-se criticar Engels por ter tido um prognóstico otimista, com ex-
pectativas exageradas no crescimento do partido baseado nos resultados
eleitorais, mas sua confiança estava baseada na força do proletariado ale-
mão, não na força das instituições burguesas. O estereótipo do Engels
pacifista e reformista não passa de uma lenda criada pelo próprio refor-
mismo (ou revisionismo, como a concepção de Bernstein era chamada).
Liebknecht acaba de me pregar uma bela peça. Ele tomou de minha introdução
aos artigos de Marx sobre a França 1848-50 tudo o que poderia servir a seu pro-
[17]
Membro do Partido Socialista francês, autor de O Direito à Preguiça, e casado com Laura,
uma das filhas de Marx. Ambos cometeram suicídio em 1911. Em sua carta de despedida, Paul
Lafargue escreveu: “Morro com a alegria suprema de ter a certeza de que, num futuro próximo, a
causa a que me dediquei durante 45 anos triunfará. Viva o Comunismo. Viva o socialismo inter-
nacional!”
pósito em apoio a táticas pacíficas e não-violentas a qualquer preço, que ele decidiu
defender há algum tempo, particularmente nesta conjuntura em que leis coerciti-
vas estão sendo elaboradas em Berlim (M&E Collected Works, V. 50, p. 487).
A segunda versão foi publicada no jornal Neue Zeit, também com cor-
tes, que Engels aceitou com muita contrariedade, como mostra sua carta
a Richard Fischer, da direção do SPD, de 8 de março de 1895:
Levei o máximo possível em conta suas graves objeções [i.e., as justificativas para
os cortes propostos pela direção do SPD], embora não possa, por mais que eu
tente, ver o que seja censurável em, digamos, metade dos casos que você cita. Pois
não posso, afinal, assumir que você pretenda subscrever de corpo e alma a absoluta
legalidade, legalidade em qualquer circunstância, legalidade mesmo em relação
às leis infringidas por seus promulgadores, em suma, à política de oferecer a face
esquerda para quem o atingiu na direita. Na verdade, o Vorwärts às vezes gasta
quase tanta energia repudiando a revolução como uma vez gastou defendendo-a
– e, talvez, volte a fazê-lo em breve. Mas eu não posso considerar isso como um
critério.
Meu ponto de vista é que você não tem nada a ganhar defendendo o abandono
do uso da força. Ninguém acreditaria em você, nem qualquer partido em qualquer
país chegaria ao ponto de abdicar do direito de resistir à ilegalidade pela força
das armas. […]
Bem, eu posso ir até aqui, mas não mais. [...] Fiz tudo o que estava ao meu alcance
para poupá-lo de embaraços no debate. […] Mas vocês - um ou dois de vocês de
qualquer forma – têm sido suficientemente fracos para não se oporem às preten-
sões de seus adversários como deveriam ter feito […] (M&E Collected Works, V.
50, p. 457).
imposições do governo, pois “essas pessoas sabem tão bem quanto nós
que a vitória está quase ao nosso alcance e que, dentro de alguns anos,
nada conseguirá nos impedir, e é por isso que estão ansiosas para nos
agarrar pelo pescoço, embora infelizmente não saibam como”.
Ou seja, esse texto, tal como foi publicado nas duas versões, pode ser
tudo, menos um testamento político de Engels.
Vejamos o que Engels escreveu na Introdução:
Mas isso significa que no futuro a luta de rua não terá mais nenhuma importân-
cia? De modo algum. Isso significa que, desde 1848 as condições se tornaram muito
menos favoráveis para os combatentes civis e muito mais favoráveis para os mili-
tares.
[18]
ENGELS, Friedrich. “Prefácio” [ao As lutas de classes na França - 1848-1850, de Karl Marx].
As lutas de classes na França. São Paulo: Boitempo Editorial (2012). Todas as citações seguintes
fazem parte desse texto.
A crítica de Engels não tinha nada em comum com a renúncia dos métodos revo-
lucionários a favor do parlamentarismo puro, como os filisteus da social-demo-
cracia alemã, cooperando com a censura dos Hohenzollern, tentaram demonstrar.
Para Engels, a questão das barricadas continuava como um dos elementos técnicos
de uma insurreição. Os reformistas tentaram deduzir desta rejeição da importân-
cia decisiva da barricada a rejeição da violência revolucionária em geral[19].
Foi-se o tempo dos ataques de surpresa, das revoluções realizadas por pequenas
minorias conscientes à testa de massas sem consciência. Quando se trata de uma
remodelagem total da organização social, as próprias massas precisam estar pre-
[19]
TROTSKY, Leon. História da Revolução Russa, capítulo “A arte da insurreição”. São Paulo:
Editora Sundermann (2007), V. II, p. 934.
sentes, precisam já ter compreendido o que está em jogo, pelo que empenham o
corpo e a vida. Isso nos foi ensinado pela história dos últimos cinquenta anos.
Porém, para que as massas compreendam o que deve ser feito, faz-se necessário
um trabalho longo e persistente, e é justamente esse trabalho que estamos fazendo
agora e com um êxito tal que leva os nossos adversários ao desespero.
***
Engels era chamado por seus amigos de “General”[1], isso por que,
mesmo sendo filho de um industrial da Renânia ingressou no movi-
mento revolucionário como um jovem estudante, logo aderindo ao mo-
vimento comunismo e se envolvendo, pessoalmente, em conflitos
militares. Depois passou a estuda-los com afinco, como uma arte. Se nas
questões de economia política e filosofia Marx era o especialista, na po-
lítica militar Engels era o mestre. Ele foi o responsavel pelas principais
elaborações, artigos e ensaios político-militares que foram publicados
pela dupla, mesmo que alguns tenham sido assinados por Marx.
Engels passou um ano (1841-1842) na artilharia prussiana de Berlim,
depois que tentou servir como Bombardier (cabo), em sua cidade natal
Elberfeld, onde não o aceitaram por causa de suas posições políticas.
Em 1849, teve uma participação ativa no nas trincheiras de Baden-
Palatinado[2], ao lado do exército dos insurgentes que buscavam criar
uma República.
[1]
O título foi dado pela família de Karl Marx por causa dos artigos e comentários sobre a Guerra
Franco-Prussiana de 1870-1871 para o Pall Mall Gazette.
[2]
Esta foi a revolta no Grão Ducado de Baden, onde os revoltosos buscavam criar a República
de Baden. Em 1849 a revolta assumiu proporções de guerra civil, e foi derrotada pelas tropas
prussianas.
[3]
Que tinha combatido na revolução polonesa, na Grécia e no Egito como organizador militar.
E Wilhelm Liebknecht:
[4]
Erich Wollemberg, na revolução de 1918 na Alemanha, comandou um destacamento de ma-
rinheiros revolucionários, na cidade de Könisberg; foi um dos líderes militares da Revolução na
Baviera (1919), foi editor-chefe da Bandeira Vermelha do Leste e responsável por construção de
células comunistas no Reichswehr, também foi chefe militar na insurreição do Ruhr em 1923,
após a derrota fugiu para a URSS onde foi oficial do Exército Vermelho entre 1924 e 1926. Em
1927 foi assistente de pesquisa no Instituto Marx-Engels-Lenin e a partir de 1928 professor de
história do movimento operário internacional na Escola Internacional Lenin. Volta a Alemanha
em 1930 e passa a ser editor da revista Rote Front e depois do Red Flag. Por divergências com a
direção do KPD vai novamente a URSS. Acusado de “conspiração contrarrevolucionária trots-
kista-terrorista” foge para Paris em 1934 e adere a resistência antifacista, por esta atividade é
preso no Marrocos até 1942, depois da guerra trabalhou como especialista e informante sobre a
situação no Leste para o SPD.
[5]
WOLLENBERG, Erich. “O General do Proletariado”, http://www.scientific-socialism.de/Ar-
teGeneralProlet.htm#_ftn1
[6]
LIEBKNECHT, Wilhelm. “Reminiscences of Engels” (1897), en: W. A. Pelz (ed), Wilhelm
Liebknecht and German Social Democracy.
A arte da insurreição
Este material foi construído por Engels para se delimitar das teorias
"blanquistas", "putschistas" e "aventureiras", que acreditavam que a insu-
rreição seria apenas um problema militar levada a cabo por uma orga-
nização vanguardista descolada do movimento de massas, e que, se
simplesmente certas regras fossem seguidas, ela sairia vitoriosa. Esta foi
a posição defendida por August Blanqui[9], em seu livro Instruções para
[7]
ENGELS, Friedrich. “La insurrección: reglas fundamentales”, publicado en: Revolución y Con-
trarrevolución en Alemania, capítulo XVII: Consultado em: http://www.scientific-
socialism.de/ArteEngelsIns.htm.
[8]
Ibidem.
[9]
Blanqui era um revolucionário francês, referência política para muitos lutadores de sua época,
por exemplo tinha muito adeptos entre os dirigentes da Comuna de Paris.
[10]
BARBOZA, Asdrúbal. “La Guardia Roja”, en: https://litci.org/es/teoria/historia/la-guardia-
roja/#_ftn9
[11]
LENIN, V. I. “O Marxismo e a Insurreção”, Carta ao Comité Central, 26-27 de setembro de
1917. Disponível no link do artigo,
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/09/27-1.htm.
[12]
MARX, Karl. A Miséria da Filosofia, 1847.
[13]
Guerra Civil nos Estados Unidos, Die Press, 07 de novembro de 1861. Escritos sobre a Guerra
Civil Americana, Aetia Editorial
[14]
NOVACK, George. Marx e Engels sobre a Guerra Civil dos Estados Unidos.
[18]
NOVACK, George. “Marx e Engels sobre a Guerra Civil dos Estados Unidos”.
Luta de barricadas
[19]
La Guerra Civil en los Estados Unidos. Ediciones Rosa Blindada, 1973.
(…) Não tenhamos ilusões: uma efetiva vitória da rebelião sobre a tropa na luta
de ruas, uma vitória como a que um exército obtém sobre outro, só muito rara-
mente ocorre. Mas os insurrectos também raramente a pretendiam. Para eles tra-
tava-se apenas de desgastar as tropas por meio de influências morais (...). Se
isso resulta, a tropa recusa-se a obedecer ou os comandantes perdem a cabeça
e a revolta vence. (...) Mesmo no período clássico das lutas de ruas, a barricada
tinha, portanto, um efeito mais moral do que material. Era um meio de abalar
a firmeza da tropa. Se se aguentava até se conseguir este objetivo, alcançava-se a
vitória; se não, era a derrota[21].
Além disso, como toda tática, deveria ser reavaliada em suas formas,
[20]
El día de las barricadas de 1588,levantamiento popular que estalló en París el 12 de mayo de
dicho año, durante la Octava Guerra de Religión de Francia. Esta sublevación tuvo por causa
principal la animosidad del pueblo hacia el rey Enrique III, sospechoso de tratar de nombrar
como sucesor al trono a un protestante, Enrique de Navarra, futuro Enrique IV de Francia.
[21]
https://www.marxists.org/portugues/marx/1850/11/lutas_class/introducao.htm
A tática militar depende do nível da técnica militar, sensível verdade que Engels
demostrou e se esforçou por levar a compreensão de todos os marxistas. Kautsky
tinha razão quando escreveu, depois de Moscou, e de revisar as conclusões de En-
gels, que Moscou fez surgir uma “nova tática de barricadas”[22].
[22]
“Enseñanzas de la insurrección de Moscú”, publicado en Proletari, número 2 del 29 de agosto
de 1906, Obras Completas, Tomo XIII. https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/oc/pro-
greso/tomo13.pdf
[23]
Escritora, poetisa e revolucionária polonesa-russa, ajudou Lunacharsky, no ministério da cul-
tura, depois serviu no Exército Vermelho ao lado de Trotsky durante a Guerra Civil, sendo chefe
de uma seção de inteligência da flotilha do rio Volga na batalha de agosto de 1918 por Sviazhsk;
viajou em 1923 para a Alemanha, para participar do processo revolucionário, sobre isso escreveu
dois livros: Hamburgo nas barricadas e Berlim, outubro de 1923.
[24]
REISNER, Larisa. Hamburgo nas barricadas, parte 2.
cheiras para atacar seus inimigos mortais. Além de Hamburgo, esta tática
foi extremamente aplicada em Madri durante a Revolução Espanhola e
pelo comandante Vasili Tchuikov nas batalhas em defesa de Stalingrado
contra o exército nazista[25].
Atualmente a luta de rua não só continua, com a flexibilização técnica
necessária e iniciativa suficiente utilizada pelos novos ativistas lutadores,
como continua cumprindo o objetivo de desmoralizar, dividir e paralisar
os aparatos de repressão.
Muitos acadêmicos e intelectuais, tentaram deformar as conclusões
de Engels alegando que ao questionar a necessidade de atualização téc-
nica para as lutas de rua ele teria abandonado a defesa da violência re-
volucionária, optado por uma política reformistas de chegar aos
socialismos através de vias pacíficas, como as eleições parlamentares.
Tais falsificações foram colocadas por terra pelos estudos das cartas de
Richard Fischer e a leitura do trabalho de David Riazanov, diretor do
Instituto Marx-Engels[26].
No que Trotsky foi categórico:
A crítica de Engels dirigida contra o fetichismo da barricada apoiava-se na evo-
lução da técnica em geral e da técnica militar. A tática insurrecional do blan-
quismo correspondia ao caráter da velha Paris, ao proletariado semiartesanal, a
ruas estreitas e ao sistema militar de Luís Filipe. (...) A crítica de Engels nada tin-
ham em comum com uma renúncia aos métodos revolucionários em proveito do
puro parlamentarismo, como tentaram demonstrar em seu tempo os filisteus da
socialdemocracia alemã, em cooperação com a censura dos Hohenzollern. Para
Engels, a questão das barricadas continuava sendo a questão sobre um dos ele-
[26]
Ver el artículo completo sobre el tema en: Francesco Ricci, “El ‘testamento’ falsificado de En-
gels: una leyenda de los oportunistas”, en revista Marxismo Vivo – Nueva Época n.° 11, 2018.
Engels corrige a Kautsky (...) É necessário que a terceira, ou, melhor ainda, as dois
quintas partes do exercito (logicamente estas proporções se mencionam como
exemplo ilustrativo) adquiram simpatia pelo socialismo; neste caso, a insurreição
não seria um ‘putsch’; as barricadas voltariam ao auge, claro que não as barricadas
de 1848, mas as barricadas “novas”, que, no entanto, serviriam ao mesmo propo-
sito; deter a ofensiva do exercito contra os operários, brindando aos soldados a
oportunidade e o tempo necessário para sentir o poder da insurreição e criar com
eles as melhores condições para que o exercito passe ao bando dos insurrectos[31].
[27]
TROTSKY, Leon. História da Revolução Russa, citação do capítulo “A arte da insurreição”.
Mondadori, 1969.
[28]
ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring, part II, cap. III, in K. Marx and F. Engels, Collected Works,
op cit, vol XXV, p. 158
[29]
The Communist International 1919 -1943, vol. 1.
[30]
3 de novembro de 1893.
[31]
TROTSKY, Leon. “El ILP y la Cuarta Internacional, en medio del camino”, 1935, Escritos
Tomo VII, Volumen I.
Engels e a violência
[39]
O Papel da Violência na História, de março de 1888, ficou inacabado e foi publicado (com al-
terações) por Eduard Bernstein em Die Neue Zeit em 1896. Em O Papel da Violência na História
Centelha Editorial Editoração
[40]
HOHENLOHE, Denkwürdigkeiten, in James Retallack, Bismarck and Engels, The Role of Force
in History.
Uma guerra, por outro lado, nos faria recuar anos. O chauvinismo inundaria tudo,
pois seria uma luta pela existência (...) seria uma devastação como a Guerra dos
Trinta Anos. (...) é bastante possível que derrotas parciais e o prolongamento da
guerra decisiva produzam uma convulsão interna. Mas se os alemães fossem de-
rrotados desde o início ou forçados a uma defensiva prolongada, então a coisa cer-
tamente começaria”. Reafirmada no texto “Pode a Europa desarmar-se?”[42] o
sistema de exércitos permanentes foi levado a tais extremos em toda a Europa que
deve, ou levar os povos à ruína econômica devido ao peso militar, ou degenerar
em uma guerra geral de extermínio.
O partido socialista que derrubou Bismarck, o partido que após onze anos de luta
violou a Lei Antissocialista; o partido socialista, que como uma maré alta trans-
[41]
ENGELS, Friedrich. “Contribución a la crítica del proyecto de programa socialdemócrata de
1891”, https://www.marxists.org/espanol/m-e/1890s/1891criti.htm
[42]
ENGELS, Friedrich. Can Europe disarm, “Introdução”, Londres, 28 de março de 1893.
borda todos os diques, invadindo cidades e campos, mesmo nos Vendees mais re-
acionários - este partido hoje chegou ao ponto em que é possível determinar a data
em que chegará ao poder quase pela calculo matemático[43].
Para Engels, “os votos dos eleitores estão longe de constituir a principal
força do socialismo alemão”[45]. Por isso, defendia que o partido deveria
aumentar seu trabalho entre os jovens soldados do exército, aos quais,
ele acreditava, as ideias socialistas já estavam “impregnando”, bem como
a todo o exército alemão.
[47]
Ibidem.
[48]
Na Alemanha um trabalhador se tornava eleitor com vinte e cinco anos e aos vinte soldado.
[49]
Carta de Engels a Bloch, Londes, 21/22 de setembro de 1890.
“Li hoje com assombro no Vorwârtz um extrato de minha “Introdução” publicado sem con-
[50]
hecimento meu, truncado de tal maneira que eu apareço nele como um adorador pacífico da le-
galidade, custe o que custe”. Carta de Engels a Kautsky, de 1 de abril de 1895.
ticismo’”, (como...) Kautsky não tem vergonha de nos contar (...que) havia publi-
cado um artigo onde ‘desenvolvia as vantagens do método de luta democrático-
proletário nos países democráticos, em contraposição à política da violência’[51].
***
[51]
TROTSKY, Leon. “El ILP y la Cuarta Internacional, en medio del camino”, 1935, Escritos,
Tomo VII, Volumen I.
[52]
Materiais preparatórios para o livro O Estado e a Revolução, sobre “Marxismo e o Estado”,
tomo 33, en: https://archivoleontrotsky.org/view?mfn=29067
[1]
MACHADO, Gustavo. Marxismo Vivo – Nova Época n.° 15, ed. em espanhol, 2019, p. 103.
[2]
Materialismo e Empiriocriticismo foi escrito em 1908 para enfrentar desvios na fração
bolchevique, que Lenin considerava de caráter idealista ou agnósticos, influenciados pelas
posições de Ernest Mach. Em 1920, é feita uma segunda edição com um prefácio de Lenin, onde
disse que espera ela não seja inútil, independente da polêmica com os partidários russos de Mach,
como auxílio para compreender o conhecimento da filosofia do marxismo, o materialismo
dialético, e às conclusões filosóficas das recentes descobertas das ciências naturais.
[3]
TROTSKY, León. Escritos filosóficos, CEIP, p. 56
[4]
Idem, p. 104 (destaque meu).
[5]
Karl Marx, citado por Gustavo Machado, MV 15, ed. em espanhol, p. 104.
[6]
ENGELS, Friedrich. Prefácio à segunda edição deo Anti-Dühring, citado por Lenin em Carlos
Marx (Breve esboço biográfico, com uma exposição do marxismo), Marxist Internet Archive.
http://www.marx2mao.com/M2M(SP)/Lenin(SP)/CPM13s.html
As leis da dialética
[7]
MACHADO, Gustavo. Marxismo Vivo – Nova Época n.° 15, ed. em espanhol, 2019, p. 109.
podem ser utilizadas por este, que atua mediando, para avançar no con-
hecimento. Por isso a dialética materialista, diferentemente do que afir-
mou Gustavo, é um método do conhecimento e, nesse sentido, é a lógica
concreta, à qual se referem Trotsky, Novack, Lefebvre, Moreno, ou a te-
oria do conhecimento do marxismo a qual se refere Lenin.
assim como para Lenin e Trotsky, “nunca se tratou de aplicar uma lógica
dialética, mas de descobrir, dialeticamente, a lógica específica de um objeto
específico”.[14]
Gustavo menciona vários autores que confirmariam suas afirmações.
Chama atenção que não retome a opinião de Engels, que não apenas é,
de longe, o melhor intérprete de Marx e coautor de sua teoria, como seus
trabalhos sobre o tema, Anti-Dühring e Ludwig Feuerbach e o fim da fi-
losofia clássica alemã, são referências constantes nos textos de Lenin e
Trotsky.
Os detratores de Engels atacam centralmente as duas obras mencio-
nadas e sempre citam a única frase, pela qual Lenin lhe faz uma pequena
crítica[15] nos Cadernos Filosóficos. No entanto, nunca mencionam as
vezes em que, nesses mesmos Cadernos, Lenin faz elogios a Engels, ao
Anti-Dühring e Ludwig Feuerbach…[16]
Vejamos se é correto afirmar que nossos mestres negam a relação da
dialética materialista com a teoria do conhecimento e a existencia de leis
da dialética.
(cont. nota 13) … Moreno, como Engels e Lenin, ficava empolgado quando acreditava que outras
ciências estavam chegando a conclusões que confirmavam o materialismo dialético.
[14]
MV 15, p. 106 (destaque meu).
[15]
LENIN, V. I. Cadernos filosóficos. “O desdobramento da unidade e o conhecimento de suas
partes contraditórias é a essência (uma das ‘substâncias’, um dos principais, se não a principal
característica ou particularidade) da dialética. A exatidão desse aspecto do conteúdo da dialética
deve ser comprovada pela história da ciência. Geralmente, não se presta atenção suficiente a este
aspecto da dialética (como, por exemplo, Plekhanov): a identidade dos contrários é considerada
como um conjunto de exemplos [“por exemplo, o grão”, “por exemplo, o comunismo primitivo”.]
Engels faz o mesmo. Mas “com finalidade de exposição”... não como lei do conhecimento (nem
como lei do mundo objetivo).
[16]
LENIN, V. I. Cadernos filosóficos. Boitempo Editorial: “a ciência da lógica...” aqui Lenin faz
referência a Engels sobre cálculo infinitesimal, p. 132; “esta frase na última página, a 353ª da
Lógica, é mais que notável. A transição da ideia lógica à natureza. O materialismo está ao alcance
da mão. (…)
ENGELS
As leis da dialética
(cont. nota 16) … Engels disse com razão que o sistema de Hegel é um materialismo invertido (a
nota editorial diz: ver Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, cit. p. 390) p.
246; NB “Engels tem razão em seu modo de colocar a questão (Nota do Editor: Lenin parece se
referir à obra Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã), p. 292.
[17]
ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Capítulo IV
(destaques meus).
trial existem limites mínimos determinados, observa Marx [em O Capital]: “Aqui,
como nas ciências naturais, se confirma que a validade da lei descoberta por
Hegel na sua Lógica, segundo à qual mudanças meramente quantitativas se
transformam em determinado ponto em diferenças qualitativas”.[18]
Negação da negação
[18]
ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring, Dialética, Quantidade e Qualidade, Editoral Claridad, p.
136 (desques meus).
[19]
Idem, p. 138.
[20]
Idem, pp. 144-146.
(…) O que seria, então, a negação da negação? É uma lei muito geral e, por isso
mesmo, de efeitos muito abrangentes e importantes, do desenvolvimento da natu-
reza, da história e do pensamento; uma lei que como vimos, se manifesta no mundo
animal e vegetal, na geologia, na matemática, na história, e na filosofia (…)
É evidente que quando descrevo esse processo como negação da negação não digo
absolutamente nada sobre o processo particular de desenvolvimento que atravessa,
por exemplo o grão de cevada desde a germinação até a morte da planta com fru-
tos. Pois, assim como o cálculo integral é também negação da negação, caso se pre-
tendesse dizer com isso algo sobre o concreto, não se afirmaria senão o absurdo de
que o processo de vida de uma espiga de cevada é cálculo integral, ou talvez socia-
lismo. E isto é precisamente o que os metafísios imputam sempre à dialética.
Quando digo que todos esses processos são negação da negação, coloco todos sob
essa lei do movimento, e desconsidero precisamente por isso a particularidade de
cada processo específico (...) Com o simples conhecimento de que a espiga de cevada
e o cálculo infinitesimal estão sob as leis da negação da negação, não posso nem
plantar cevada nem diferenciar e integrar com êxito, do mesmo modo que tam-
pouco apenas com as meras leis da determinação das notas pelas dimensões das
cordas posso tocar o violino.[21]
[21]
Idem, p. 153.
[22]
Idem, p. 146.
Engels deixa claro que Marx não apenas descobre a lógica de O Capi-
tal, como também aplica seu método dialético a uma ciência empírica,
a economia política. E que a dialética é um método superior à lógica for-
mal para descobrir novos resultados, ou seja, um médodo de conheci-
mento. Isso está afirmado no Anti-Dühring e, como disse Riazanov,
“Engels desenvolve no Anti-Dühring o método dialético, criado por ele e
por Marx, o qual utilizavam desde 1846, desde A ideologia Alemã”.[23]
LENIN
Karl Marx (esboço biográfico) – 1913. (...) E a dialética, tal como a concebe
Marx, e também segundo Hegel, abarca o que hoje se chama teoria do conheci-
mento ou gnosiologia, ciência que deve enfocar também seu objeto desde o ponto
[23]
RIAZANOV, David. 50 anos do Anti-Dühring, Anexo do Anti-Dühring, Editorial Claridad, p.
337.
As Três Fontes e as Três Partes – 1913. (...) Marx aprofundou e desenvolveu to-
talmente o materialismo filosófico e extendeu o conhecimento da natureza ao
conhecimento da sociedade humana. O materialismo histórico de Marx é uma
enorme conquista do pensamento científico[26].
[24]
LENIN, V. I. Carlos Marx (Breve esboço biográfico, com uma exposição do marxismo),
Marxist Internet Archive http://www.marx2mao.com/M2M(SP)/Lenin(SP)/CPM13s.html
(destacados míos).
[25]
LENIN, V. I. Cadernos filosóficos, em torno à dialéctica (destaques meus).
[26]
LENIN, V. I. Três fontes e três partes (destaques meus).
(…) O materialismo não pode ser materialismo militante se não se propõe a cum-
prir com regularidade tal tarefa. (...). Sem isso, os grandes naturalistas seguirão
sendo, tanto quanto até agora, impotentes em suas conclusões e sínteses filosóficas,
já que as ciências naturais progridem com tanta rapidez, atravessam um perí-
odo tão profundo de revolução em todos os domínios que não podem prescindir
de nenhuma maneira de conclusões filosóficas.
TROTSKY
Tudo isso, pode-se ver, não tem nada de “escolástico” ou de “metafisico”, como
afirmam os ignorantes obstinados. A lógica dialética expressa as leis do movi-
mento no pensamento científico contemporâneo. Contrariamente, a luta contra a
dialética materialista expressa um passado distante, o conservadorismo da pe-
quena burguesia, a presunção dos universitários rotineiros... e um pouquinho de
fé na outra vida.
As leis da dialética
A dialética não livra o pesquisador de um estudo descritivo dos fatos, muito pelo
contrário: o requer. Mas em troca dá ao pensamento investigativo elasticidade,
ajuda-o a superar os preconceitos cristalizados, arma-o com analogias valiosas, e
o educa em um espírito de desafio, fundado na circunspecção.[31]
[29]
Idem, p. 52.
[30]
Idem, p. 73.
[31]
Idem, p. 55.
(…) O darwinismo, que explica a evolução das espécies mediante “saltos qualita-
tivos”, foi o maior triunfo da dialética no campo da matéria orgânica. Outro
grande triunfo foi o descobrimento da tabela de pesos atômicos dos elementos
químicos e posteriormente dos processos de transformação de um elemento em
outro.
[32]
Ídem, p. 56.
[33]
TROTSKY, Leon. O ABC da dialética. p. 142.
(...) o que é o marxismo. Observemos mais uma vez os principais elementos. Pri-
meiramente, o método dialético.
(...) Hegel se equivocou ao fazer da dialética o atributo imanente do Espírito Ab-
soluto. Mas tinha razão em pensar que a dialética interfere em todos os processos
do universo, inclusive na sociedade humana. Ao se basear no conjunto da filosofia
materialista anterior e no materialismo inconsciente das ciências naturais, Marx
retirou a dialética das superfícies desprovidas do idealismo e a direcionou para a
matéria, sua mãe.
É nesse sentido que a dialética, tendo encontrado novamente seus direitos através
de Marx e materializada por ele, constitue o fundamento da concepção marxista
do mundo, o método fundamental da análise marxista.
O segundo compontente mais importante do marxismo é o materialismo his-
tórico, quer dizer, a aplicação da dialética materialista à estrutura da sociedade
humana e seu desenvolvimento histórico (…).
(…) O terceiro componente do marxismo é a sistematização das leis da economia
capitalista. O Capital de Marx é uma aplicação do materialismo histórico no
plano da economia humana em uma etapa particular de seu desenvolvimento,
da mesma maneira que o materialismo histórico em seu conjunto é uma apli-
cação da dialética materialista no plano da história humana. (…)
O marxismo não tem a pretensão de ser um sistema absoluto. Tem consciência
de seu próprio significado historicamente transitório. Somente uma aplicação
consciênte da dialética materialista em todos os âmbitos da ciência pode pre-
parar e preparará os elementos necessários para transcender o marxismo, o que,
dialéticamente, será, ao mesmo tempo, o triunfo do marxismo. A partir da semente
brota o caule, no qual cresce uma nova espiga de trigo, em detrimento da semente
que está morta.
O próprio marxismo é um produto histórico e deve ser apreendido desta maneira.
Este marxismo histórico inclui em si próprio os três elementos de base que men-
cionamos: a dialética materialista, o materialismo histórico e a análise teórica e
crítica da economia capitalista.
São Paulo Ano XI N.° 16, p. 132157 Novembro de 2020
150 Alicia Sagra
(…)
Quiçá o sistema do materialismo histório tenha mudado? Se foi assim, onde se
manifestou essa mudança? No sistema eclético que Bukharin nos propôs sob o
verniz do materialismo histórico? Certamente que não. Ainda que Bukharin
reduza o marxismo à prática, não tem a coragem de reconhecer abertamente sua
intenção de criar “uma nova teoria histórico-filosófica” convenientemente adap-
tada à nova época da era do imperialismo. Em última instância, a escolástica de
Bukharin não convém mais que a seu próprio criador. Lukács fez um esforço mais
audáz, primeiramente, por ir além do materialismo histórico. Se arriscou a
dizer que, com o início da revolução de Outubro, que representava o salto do reino
da necessidade ao reino da liberdade, o materialismo histórico havia deixado de
existir e de responder às necessidades da era da revolução proletária. Entretanto,
com Lenin, rimos muito desta nova descoberta que, para dizer moderadamente,
era, pelo menos, prematura.
Mas, embora Stalin, Zinoviev e Bukharin não tenham retomado a teoria de Lukács
– que diga-se de passagem, seu autor repudiou há muito tempo – o que pensavam
exatamente?
Resta dizer que o terceiro elemento do marxismo, seu sistema econômico, é o único
aspecto no qual o desenvolvimento histórico, desde a época de Marx e Engels, in-
troduziu, não só novos elementos factuais, como também formas qualitativamente
novas. Nos referimos à nova etapa de concentração e centralização da produção,
da circulação, do crédito, às novas relações entre os bancos e a indústria, e ao novo
rol de capital financeiro e às organizações monopolistas do capital financeiro. Mas
não podemos falar sob este ângulo de nenhum marxismo especial durante a
época do imperialismo.
A única afirmação que podemos fazer aqui – e com plena justificativa - é que O
Capital de Marx precisa de um capítulo suplementar, ou um volume suplementar
inteiro, que inclua as novas formas da época imperialista no sistema de conjunto.
(...)
Apresentar [como fez Stalin] o leninismo como uma espécie particular de mar-
xismo próprio da época imperialista era necessário para revisar o marxismo
e isso, Lenin combateu durante toda sua vida. Na medida em que a ideia central
dessa última revisão do marxismo é a linha reacionária do socialismo nacional
(…)
Lenin tinha uma grande honestidade teórica, que, em alguns casos, o teria feito
parecer pedante à primeira vista. Ele manteve suas contas correntes ideológicas
com Marx com o mesmo cuidado meticuloso que podíamos ver em seu próprio e
poderoso pensamento e em sua gratidão como discípulo.
Não obstante, sobre a questão central do caráter internacional da revolução so-
cialista, Lenin nunca teria apontado sua própria ruptura com a forma pré-impe-
rialista de marxismo ou, pior ainda, teria tornado isso conhecido, mas teria
mantido isso em segredo para si – aparentemente com a esperança de que Stalin
explicasse esse segredo em breve a uma humanidade reconhecida.
O que Stalin fez, ao criar o marxismo da era do imperialismo, em umas poucas
linhas totalmente medíocres, foi transformá-las na vitrine da revisão do “salve-se
quem puder” de Marx e Lenin, que temos visto nos últimos seis anos.
(...) É verdade que Marx estava atuando no transcurso do século XIX e não no sé-
culo XX, mas certamente, a essência de toda a atividade de Marx e de Engels foi
que se anteciparam teoricamente e prepararam o caminho para a era da revolução
proletária.
Ao ignorar isso, só se pode desembocar no marxismo acadêmico, quer dizer, em
sua caricatura mais repugnante.
A plena importância da obra de Marx se evidencia a partir do fato de que a época
da revolução proletária, que ocorreu muito mais tarde do que ele e Engels espera-
vam, não foi uma revisão do marxismo, mas ao contrário, exigiu a purificação de
toda a ferrugem da falsificação que se desenvolveu neste intervalo. Mas Stalin pre-
tende que o marxismo, diferentemente do leninismo, seja o reflexo teórico de um
período não revolucionário.
Não é casual que encontremos esta concepção em Stalin. Se descola do conjunto
da psicologia de todo empirista que vive sobre a terra. Para ele, a teoria não faz
mais que “refletir” sua época e serve às tarefas do dia. No capítulo de Princípios
do Leninismo[34], especialmente dedicado à teoria – e é um capítulo! – Stalin expõe
desta maneira: “A teoria pode se converter em uma força imensa do movimento
operário se se forma em aliança indissolúvel com a prática revolucionária”.
Por fim, o que diz Marx de seu método dialético, existe ou não?
[34]
Livro que contêm uma série de conferências dadas por Stalin em 1924.
Onde Marx diz que abandona o que está posto na Introdução Geral?
E, junto à isto, volta a falar de seu método, no posfácio da segunda edição
de O Capital.
O método da economia política (1857)
Quando consideramos um país (...) se se começasse pela população, - teria uma
representação caótica do todo e, precisando cada vez mais, chegaria analiticamente
a conceitos cada vez mais simples; partindo do concreto representado chegaria a
abstrações cada vez mais sutis até alcançar determinações mais simples (...).
Chegando a este ponto, teria que recomeçar a viagem de volta, até chegar nova-
mente na população, mas desta vez não teria uma representação caótica de um
conjunto, mas uma rica totalidade com múltiplas determinações e relações.
Uma vez que esses aspectos específicos foram mais ou menos fixados e abstraídos,
os sistemas econômicos começaram a se elevar a partir dos elementos simples –
trabalho, divisão do trabalho, necessidade, valor de troca – até o estado, o inter-
câmbio entre as nações e o mercado mundial.
Este último caminho é, manifestamente, o método científico correto. O concreto
é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto, a unidade do
diverso. Aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não
como ponto de partida, embora seja o efetivo ponto de partida. E, consequente-
mente, é o ponto de partida também da intuição e da representação.[37]
Após citar uma passagem de meu Prefácio à Crítica da economía política (Berlim,
1859. P. IV-VII), no qual discuto a base materialista do meu método, prossegue o
autor:
“Para Marx, apenas uma coisa é importante: encontrar a lei dos fenômenos que
se dedica a analisar. (...) Para ele é importante, ademais, e sobretudo, a lei que go-
verna sua transformação, seu desenvolvimento, vale dizer, a transição de uma
forma para outra, de uma ordem de interrelação a outra. Embora não tenha des-
coberto essa lei, investiga circunstancialmente os efeitos através dos quais se ma-
nifesta na vida social (...) Para tal efeito, basta que demonstre plenamente, ao
mesmo tempo que a necessidade da ordem atual, a necessidade de outra ordem
na qual esta tem invariavelmente que se transformar ainda que os homens acre-
[37]
MARX, Karl. Introdução Geral à Contribuição à Crítica da Economía Política.
ditem ou não, que sejam ou não conscientes disso. Marx concebe o movimento
social como um processo de história natural, regido por leis que não apenas são
independentes da vontade, da consciência e da intenção dos homens, mas ao con-
trário, determinam seu querer, sua consciência e intenções (...), Mas, se dirá, as
leis gerais da vida econômica são sempre as mesmas, indiferentemente se aplicadas
ao passado ou ao presente. É isso, precisamente, o que nega Marx. Segundo ele
não existem tais leis abstratas. Em sua opinião, pelo contrário, cada período
histórico tem suas próprias leis... Uma vez que a vida tenha ultrapassado deter-
minado período de desenvolvimento, passando de um estado para outro, começa
a ser regida por outras leis. (...) Marx nega, por exemplo, que a lei da população
seja a mesma em todas as épocas e todos os lugares. Assegura, pelo contrário,
que cada época de desenvolvimento tem sua própria lei da população... Com o di-
ferente desenvolvimento da força produtiva se modificam as relações e as leis que
as regem. Ao se propor o objetivo de investigar e elucidar, desde este ponto de vista,
a ordem econômica capitalista, não o faz sem formular com rigor científico a meta
que deve alcançar toda investigação da vida econômica (...) O valor científico de
tal investigação provém da elucidação das leis particulares que regem o surgimento,
a existência, o desenvolvimento e a morte de um organismo social determinado e
sua substituição por outro, superior ao primeiro. E é este o valor que, de fato, tem
a obra de Marx.”
Ao caracterizar o que ele chama de meu verdadeiro método de uma maneira
tão certeira, e tão cordial, no que diz respeito ao uso que faço do mesmo, o que
faz o articulista senão descrever o método dialético? (...)
Meu método dialético não apenas difere do de Hegel, quanto aos seus fundamen-
tos, como é a sua antítese direta. Para Hegel o processo do pensar, que ele converte
sob o nome de ideia, em um sujeito autônomo, é o demiurgo do real: o real não é
mais que sua manifestação externa. Para mim, contrariamente, o ideal não é senão
o material transposto e traduzido na mente humana.
Diante disso, é possível seguir afirmando que Marx não tem um mé-
todo e que abandonou o que havia formulado na Introdução Geral de
1857?
Mas, se como disse Gustavo, esse método não existe e não havia nen-
hum critério lógico geral no pensamento de Marx, isso significa que ele
só teria sido motivado pela realidade que impactava seus sentidos, assim
como os empiristas? Se ele não aplicava nenhum critério lógico, por que
foi buscar as contradições que moviam a sociedade capitalista? Unica-
mente por intuição sensível?
[38]
MACHADO, Gustavo. MV 15, 2019, p. 119.
***
Por exemplo, em seu livro A Revolução Traída, Trotsky fez uma análise
brilhante, profunda e equilibrada da URSS burocratizada pelo stalinismo.
Depois, sintetizou essa análise em uma definição bastante complexa,
contida no final de seu Capítulo IX[1]: não era um estado “capitalista”
[1]
TROTSKY, Leon. La revolución traicionada, Capítulo IX: “¿Qué es la URSS?”, subtítulo “El
problema del caráter social de la URSS aún no fue resuelto por la historia”, extraído de
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1936/rt/09.htm (tomado do espanhol, tradução nossa).
nem “socialista”, mas uma transição entre os dois, com uma profunda
contradição entre as bases socioeconômicas do Estado operário e a
superestrutura estatal burocratizada. Afirmou que essa totalidade era al-
tamente instável e, a partir daí, elaborou seu famoso “prognóstico alter-
nativo” sobre as possíveis dinâmicas: revolução política ou restauração
por parte da burocracia.
Sobre essa “complexidade” e suas dinâmicas alternativas, escreveu:
Naturalmente, os doutrinários não ficarão satisfeitos com uma definição tão hi-
potética. Eles gostariam de fórmulas categóricas; sim é sim, não é não. Os fenô-
menos sociológicos seriam muito mais simples se os fenômenos sociais sempre
tivessem contornos precisos. Mas nada é mais perigoso do que eliminar, para al-
cançar a precisão lógica, os elementos que desde agora contrariam nossos esquemas
e que amanhã podem refutá-los[2].
[3]
TROTSKY, Leon. op. cit.
Para nossa análise temos que ter em conta as três classes sociais: a capitalista, a
classe média, o proletariado. As mudanças de mentalidade necessárias em cada
uma destas classes são muito diferentes[7].
[6]
TROTSKY, Leon. “¿Qué es una situación revolucionaria?”, publicado em The Militant,
19/12/1931, extraído de http://www.ceip.org.ar/ escritos/Libro2/html/T02V235.htm (tomado do
espanhol, tradução nossa).
[7]
Idem.
[8]
Idem.
dos choques entre as diferentes classes ou dos atritos entre as diversas camadas no
seio de uma determinada classe [...] O proletariado pode “tolerar” por muito tempo
uma direção que já sofreu uma total degeneração interna, mas que não teve a
oportunidade de manifestá-la no curso dos grandes acontecimentos. É necessário
um grande choque histórico para revelar, de forma nítida, a contradição que existe
entre a direção e a classe. Os choques históricos mais poderosos são as guerras e
as revoluções. [...] Mas mesmo quando a antiga direção revela sua própria corrup-
ção interna, a classe não pode improvisar imediatamente uma nova direção, par-
ticularmente se não herdou quadros revolucionários sólidos do período anterior,
capazes de aproveitar o colapso do velho partido dirigente[9].
A formulação de 1940
[9]
TROTSKY, Leon. “Classe, partido e direção”, publicado em New International, dezembro de
1940, extraído de http://www.ceip.org.ar/Clase-partido-y-direccion (tomado do espanhol, tra-
dução nossa).
[10]
TROTSKY, Leon; “Manifiesto de emergencia”, Escritos, Tomo XI, volumen 2, Editorial Pluma
(tomado do espanhol, tradução nossa).
Quero destacar que aqui Trotsky define “as condições básicas para o
triunfo da revolução proletária”, ele não diz que as situações e processos
revolucionários não possam existir sem esses requisitos, mas que é quase
impossível que essa revolução triunfe. Mas a verdade é que os trotskistas,
e o morenismo entre deles, por muitos anos, tomaram essa definição
com o significado de “situação revolucionária” e chamamos “pré-revo-
lucionária” às situações nas quais se davam as três primeiras condições,
mas o “fator partido” não existia ou era débil.
[11]
MORENO, Nahuel. Atualización del Programa de Transición, Tesis XV – “Una etapa de revo-
luciones de febrero y ninguna Revolución de Octubre”, extraído de
https://www.marxists.org/espanol/moreno/actual/apt_2b.htm#t15 (original em espanhol, tradu-
ção nossa).
[12]
MORENO, Nahuel. Las revoluciones del siglo XX, 1984, em: https://www.marxists.org/espa-
nol/moreno/rsxx/ (original em espanhol, tradução nossa).
[13]
MORENO, Nahuel. op. cit., Cap. II “Reforma y Revolución” (original em espanhol, tradução
nossa).
[14]
MORENO, Nahuel; “Escuela de cuadros”, Argentina, 1984, Crux Ediciones, citado no artigo
“Sobre as etapas”, revista Marxismo Vivo - Nova Época n.o 9 (2017) (original em espanhol, tra-
dução nossa).
A “ordem mundial”
“Os de baixo”
Uma vez que o proletariado de todos os países, exceto o da Rússia, não aproveitou
o estado de debilidade do capitalismo provocado pela Guerra para lhe desferir o
golpe decisivo, a burguesia pôde, graças à ajuda dos socialistas-reformistas, esma-
gar os operários revolucionários dispostos a lutar, consolidar seu poder político e
econômico e iniciar uma nova ofensiva contra o proletariado (“Resolução sobre
a tática da Internacional Comunista”).
Para que não fique nenhuma dúvida sobre a questão de que se defi-
niam correlações de força a nível mundial, o III Congresso votou as
“Teses sobre a tática do Partido Comunista da Rússia”, cujo ponto 2 se
intitula “A correlação de forças sociais no mundo inteiro”, e analisa a si-
tuação da “burguesia internacional”, do proletariado (especialmente dos
“países capitalistas avançados”) e da “democracia pequeno- burguesa”[16].
***
[16]
As citações sobre este tema foram retiradas do livro “Tesis, Manifiestos y Resoluciones de los
Cuatro Primeros Congresos de la Internacional Comunista (1919-1923)”, consultado em:
https://www.marxists.org/espanol/comintern/eis/4-Primeros3-Inter-2-edic.pdf (tomado do es-
panhol, tradução nossa).
Introdução
A discussão programática sobre a ditadura do proletariado na LIT-
QI foi tomada como um ponto de partida primordial e identificada como
o centro do nosso programa, como assinalaram Trotsky e a Quarta In-
ternacional em 1940. Isto é fundamental, pois é o ponto central que di-
vide águas entre os que continuam assumindo a tradição revolucionária
dos postulados de Marx e Engels, da experiência da revolução russa e da
primeira ditadura do proletariado, da experiência condensada por
Trotsky diante da degeneração do stalinismo e do combate na Quarta
Internacional, particularmente de nossa corrente dirigida por Nahuel
Moreno, contra os que de uma ou outra forma renunciaram à luta pela
ditadura do proletariado.
No entanto, a partir deste ponto em comum surgiram importantes
discussões em torno a este conceito, que levaram a relevantes diferenças,
sobretudo no terreno teórico, que podem ter consequências políticas e
programáticas importantes. Enquanto alguns de nós seguimos reivindi-
São Paulo Ano XI N.° 16, p. 176212 Novembro de 2020
Debates programáticos 177
Ditadura do Proletariado:
para além da definição social do Estado
relações sociais desiguais nas quais uma classe possui e controla os meios
de produção. Esse papel de dominação é cumprido de forma indepen-
dente das formas políticas assumidas por esse Estado, por isso a impor-
tância de referir-se a ele como ditadura de classe. Essa ditadura está
determinada pelos interesses da classe dominante, que, por sua vez, estão
determinados pelas bases sociais e econômicas desse Estado (estrutura)
e pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas.
No entanto, em épocas de crises e revoluções, quando as relações so-
ciais, e portanto a superestrutura estatal, deixam de favorecer o desen-
volvimento das forças produtivas, estas relações de determinação
revelam a independência relativa entre Estrutura e Superestrutura, ou
entre o caráter social do Estado e o caráter político na qual toma forma
a ditadura de classe.
Assim, podemos dizer que as sociedades divididas em classes têm em
comum o fato de que a classe dominante exerce seu poder sobre o con-
junto da sociedade através do Estado e que, independentemente da forma
concreta (regime) que esse Estado tomar, sempre será uma ditadura des-
tinada a dirimir as inevitáveis contradições de classe que implicam em
um choque de interesses antagônicos.
Assim, a classe dominante, que vê seu poder ameaçado, recorrerá ao
que for necessário para conservá-lo e derrotar a classe ou setor de classe
que a desafia.
Portanto, a ditadura de classe é um conceito útil quando se coloca em
relação com a luta de classes. Aí reside seu caráter dialético mais que for-
mal.
Por isso, a importância da categoria específica da ditadura do prole-
tariado vai além de assinalar o caráter de classe de um Estado operário.
Esta reside em que, além de sustentar-se nas bases sociais desse Estado,
São Paulo Ano XI N.° 16, p. 176212 Novembro de 2020
Debates programáticos 181
A ditadura revolucionária
A transição ao comunismo
[5]
MORENO, Nahuel. Dictadura Revolucionaria del Proletariado. Bogotá: Partido Socialista de
los Trabajadores, 1979, p. 151 (original em espanhol, tradução nossa).
[6]
MORALES, Fernando. «Acerca da Ditadura del Proletariado», Marxismo Vivo – Nova Época
n.° 14, 2019.
[7]
Idem.
[8]
Para Marx e Engels a superação do capitalismo se daria mediante uma revolução operária que
elevaria o proletariado à condição de classe dominante para despojar a burguesia de seu domínio
e propriedade dos meios de produção, que passariam a ser controlados e desenvolvidos sob o
proletariado constituído como classe governante. Isso só seria possível exercendo o poder político
do Estado, impondo uma ação despótica sobre a burguesia e o regime de propriedade burguesa.
Karl Marx y Friedrich Engels, Manifiesto del Partido Comunista. Bogotá D. C.: Centro Interna-
cional del Trotskismo Ortodoxo, 1998 (original em espanhol, tradução nossa).
[9]
MARX, Karl. «El Dieciocho Brumario de Luis Bonaparte,», en C. Marx y F. Engels Obras Es-
cogidas I, n.d., p. 313 (original em espanhol, tradução nossa).
socialista pelo menos aos países com maior desenvolvimento das forças
produtivas e do proletariado como classe, como a Alemanha. Mas as ten-
tativas revolucionárias em vários países europeus, incluída a Alemanha,
foram derrotadas e em consequência o Estado operário russo ficou iso-
lado, submetido a seu atraso e à pressão permanente do imperialismo,
tanto no terreno político como no econômico.
Apesar do isolamento e da hostilidade do sistema imperialista que
cercava a jovem ditadura do proletariado russa, esta demonstrou a su-
perioridade do programa socialista. As medidas que chegaram a ser im-
plementadas no terreno econômico produziram um desenvolvimento
sem precedentes na história. No entanto, apesar dos impressionantes
avanços das forças produtivas soviéticas, o nível de desenvolvimento al-
cançado pelos países imperialistas continuava sendo muito superior. A
superioridade imperialista sobre a URSS teve como consequência que
esta nunca chegou a uma plena independência no terreno econômico,
já que o imperialismo seguiu dominando o mercado mundial e, por esta
via, continuou submetendo o Estado operário e atuando como fator de-
cisivo no fortalecimento das tendências capitalistas e no nascimento da
burocracia, que seria, em última instância, a protagonista da restauração
capitalista.
Fernando Morales interpreta corretamente que “a direção do Partido
Bolchevique esperava superar a contradição que significava construir
uma ditadura do proletariado em um país de ampla maioria camponesa
sobre a base do desenvolvimento da revolução internacional”[12] e que
“em vez de triunfar a revolução no resto dos países capitalistas mais avan-
çados, o que aconteceu, em grande medida por essa realidade, foi o
[12]
MORALES, Fernando. p. 84.
[13]
Ibidem.
Transcorridos sessenta anos da Revolução Russa, podemos ver que o que se ante-
cipava como uma só etapa durante a ditadura do proletariado ă a construção so-
cialista, a extinção das classes e da própria ditadura ă se transformou em duas
etapas ou tarefas históricas bem delimitadas. Uma primeira etapa na qual vivemos
há sessenta anos, cuja tarefa essencial é política, de luta implacável contra o im-
perialismo e que exige o fortalecimento do Estado operário, quer dizer da ditadura
de classe (que pode ser burocrática ou revolucionária). E uma segunda etapa, pos-
terior à derrota do imperialismo, cuja tarefa fundamental é econômica, cultural,
de construção do socialismo e na qual, tal como nossos mestres previram, o Estado
irá se extinguindo, a ditadura do proletariado irá se debilitando e dando lugar ao
florescimento mais completo e inimaginável das liberdades[14].
II
[14]
MORENO, Nahuel. Dictadura Revolucionaria del Proletariado, p. 282 (original em espanhol,
tradução nossa).
///
[15]
MORALES, Fernando. p. 89.
[16]
Ibidem.
[17]
Idem, p. 88.
[18]
Secretariado Unificado-Cuarta Internacional, Democracia socialista y dictadura del proleta-
riado. Bogotá: Partido Socialista de los Trabajadores, 1979, p. 9.
De todo o documento se deduz que hoje em dia não existe nenhuma ditadura do
proletariado; da análise tradicional de Trotsky e do trotskismo (por exemplo, nu-
[19]
MORENO, Nahuel. Dictadura Revolucionaria del Proletariado, p. 233 (original em espanhol,
tradução nossa).
merosos trabalhos de alguns dos autores da resolução), se desprende que sim exis-
tem ditaduras proletárias, mas burocráticas, degeneradas e deformadas[20].
[20]
Ibidem.
[21]
Idem, 236.
[22]
Ibidem.
[23]
TROTSKY, Leon. ABC del Marxismo. Buenos Aires: El Yunque, 1975.
A de Lenin foi a expressão dos setores mais explorados dos operários, de sua van-
guarda internacionalista, revolucionária e da mobilização permanente das mas-
sas. A de Stalin, a dos setores privilegiados, a burocracia e aristocracia operárias
e da passividade das massas. Daí surgem as definições de ambos Estados ou países:
operário ou operário revolucionário, de Lenin; operário degenerado, de Stalin; ope-
rário por sua estrutura econômica, degenerado por sua superestrutura estatal.
Esta definição de Trotsky, que permite diferenciar qualitativamente a URSS leni-
nista da stalinista, pode simetricamente ser transladada à ditadura do proletariado
como o conteúdo de classe do Estado operário. Sob Lenin temos uma ditadura re-
volucionária do proletariado, voltando mais uma vez à definição de Marx e, sob
Stalin, outra degenerada, reformista ou, como preferimos defini-la, burocrática.
Se Trotsky tivesse se contentado somente em fazer essa nova definição do Estado
stalinista, não teria sido dialético. Entretanto, dedicou todos os seus últimos anos
a assinalar os efeitos que a superestrutura política contrarrevolucionária stalinista
tinha sobre a estrutura econômica, suas contradições cada vez mais agudas, sua
provável dinâmica e os perigos que encerrava; foi o único que explicou que o go-
verno stalinista debilitava sistematicamente a ditadura do proletariado, ao minar
sua economia e o apoio do movimento operário. Estas definições de Trotsky e o
método que as sustentam fundamentam a razão de ser do trotskismo. Toda ten-
[24]
MORENO, Nahuel. Dictadura Revolucionaria del Proletariado, pp. 238-239 (original em es-
panhol, tradução nossa).
III
[27]
Ídem, p. 99.
[28]
Idem, p. 97.
[31]
MORALES, Fernando, p. 97.
[32]
TROTSKY, Leon. «En Defensa del Marxismo», acessado 10 de fevereiro de 2020,
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1940s/dm/02.htm.
(…) alguns de nossos camaradas dizem: como não queremos nos transformar em
instrumentos de Stalin e seus aliados, renunciamos à defesa da URSS. Mas com
isto só demonstram que entendem “defesa” tal qual fazem os oportunistas: não
pensam em termos de uma política independente do proletariado. Como questão
de princípio, defendemos a URSS como defendemos as colônias, como resolvemos
todos nossos problemas, não apoiando uns governos imperialistas contra os outros,
mas pelo método da luta de classes internacional, tanto nas colônias como nas
metrópoles[33].
Não devemos perder de vista nem por um momento o fato de que para nós a des-
truição da burocracia soviética está subordinada à preservação da propriedade
estatal dos meios de produção na URSS; mas a questão de preservar a propriedade
estatal dos meios de produção na URSS está subordinada à revolução proletária
mundial[35].
IV
com a relação que esta tem com a teoria da revolução permanente. Para
Moreno:
***
[36]
MORENO, Nahuel. Dictadura Revolucionaria del Proletariado. Bogotá: Partido Socialista de
los Trabajadores, 1979 (original em espanhol, tradução nossa).